Xavier Candido F Palavras Do Infinito

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  • 8/7/2019 Xavier Candido F Palavras Do Infinito

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    PALAVRASDO

    INFINITOFRANCISCO CNDIDO XAVIER

    Ditados porEspritos Diversos

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    INDICE

    PALAVRAS DO INFINITO

    Palavras Do InfinitoA Palavra Dos MortosDe Um Casaro Do Outro Mundo No EncontradoCartas Aos Que FicamAos Meus Filhos

    Na Manso Dos MortosJudas IscariotesAos Que Ainda Se Acham Mergulhados Nas Sombras Do MundoTrago-Lhe Meu Adeus Sem Prometer Voltar BreveA Passagem De RichetHauptmannA Ordem Do MestreOh Jerusalm... Oh Jerusalm...Um CpticoCarta A Minha MeA Primeira ComunicaoSegunda ComunicaoA Casa De IsmaelDemocracia - Fascismo - ComunismoJulgando OpiniesCrise De Gnios

    Gnios E PstumosNo Busque Ser Gnio S O ApstoloPoema De Uma AlmaDois Sonetos De Hermes FontesMorteExortao Aos EspritasUma Palavra A IgrejaCarneO MonstroPrece De NatalSombra

    Vozes Da MorteNossos MortosChico Xavier Responde A Trs Delicadas PerguntasA Economia Dirigida E Um Erro?, Etc...

    No Apenas O Ouro A Alma Da EmissoUma Questo De Poltica AdministrativaA Economia Dirigida No E Um ErroA Sntese A Alma Da VerdadeUma Orientao Poltica Para O Brasil...Ainda A Democracia ...Em Torno Da Situao Econmica Do Brasil

    Somente Fora Do Facciosismo, Das Lutas De Cl...As Concepes Avanadas Da Alma Brasileira

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    Os Interesses Dos Chefes Nunca So PrejudicadosUma Aproximado NecessriaA Questo E De Homens, No De LeisFaltam Os Crebros E Os SentimentosQuesto Puramente Administrativa

    Poder A Cincia Substituir A Religio?Em Torno De Uma Velha AnimosidadeExperincia Que FracassaA Cincia E Suas Contradies: Atestado Da Fabilidade HumanaO Sublime LegadoReligio E ReligiesAcima De Tudo Esto A Sabedoria Integral E A Ordem InviolavelS Ao Fim De Certo Prazo Dever Ser Feita A CremadoElementos De Vida Que Ficam Por Algum Tempo No CadaverTal Vida, Tal MorteO Feminismo Em Face Do Cdigo Transitrio Dos Homens

    Contra A Masculinizaro EspetaculosaNo Precisa Masculinizar-Se E Sim Educar-SeOs Deveres Mais SagradosUm Problema Que Foge Aos Cdigos Transitrios Dos HomensA Evoluo Dos Povos Significa A Evoluo Dos seus Codigos.As Classes Existiro Sempre O Dever De Solidariedade.Medida Imposta Pela Evoluo GeralO Livro Arbtrio E A FatalidadeO Elemento DominanteA Crise Espiritual, Fonte Dos Males AtuaisA Verdadeira Crise Do Mundo E Uma S A De Ordem EspiritualVcios Do Pensamento, Vcios Dos Costumes, Vcios Da AlimentaoOs Anseios E A Luta Tenaz Do Esprito Como H Dois Mil AnosA Culminncia De HojeO Aplo Aos Sentimentos Da Fraternidade CristMais Verdade Do Que Dinheiro, Mais Luz Do Que PoO Sagrado SacerdcioTrabalho Santificante E Abnegado RedentoraMicrbios E Elementos De Ordem EspiritualRelacionando Enfermidades Do Corpo E Da AlmaEstar O Mundo Livre De Guerras?

    Consequncia Natural Dos Defeitos Das LeisO Nacionalismo Diante Da LeiDesejos E Entusiasmos CompreensveisA Mstica Nacionalista E O Bem ColetivoO Isolamento Dos Estados E O Desequilbrio EconomicoQuando Os Pases Lavram A Prpria CondenaoO Universo O Pensamento Divino Em Sua expresso ObjetivaObras Puramente HumanasEvoluoOs Ventos Da Noite Sbre As Runas...As Promessas Do Espiritualismo

    Os Primeiros Tempos No Alem Cu E InfernoA Sagrada Esperana

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    No H Tempo Determinado Para O Intervalo Das...O Sagrado Patrimnio Da VidaA Reencarnao E As Divergncias EspiritualistasO Espiritismo E As Outras ReligiesComunismo No Brasil Atual Significaria Anarquia

    Os Primrdios Dos Novos Sistemas Polticos E SociaisA Fraternidade E Ainda Um MitoDiversidade De Ambientes A ConsiderarAproximao Necessaria E Indispensvel...A Falta Dos Homens ProvidenciaisMedidas Mais Que DevidasO Brasil E O Socialismo CristoO Jornalismo E O MistrioA IntenoPrecipitam-Se Os AcontecimentosA Dificuldade

    A Amvel PossibilidadeA Porta Abre-SeA PerguntaA RespostaResposta De Humberto De Campos A Uma Me Aflita

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    PALAVRAS DO INFINITO

    Leitor Amigo:

    A reedio do livro Palavras do Infinito encontra natural explicao no rpido

    escoamento que tiveram os cinco mil exemplares da publicao anterior, cujos pedidos,vindos de toda parte, denotaram o interesse dos que lem pelas coisas da espiritualidade.

    Muito a animou tambm, concorrendo para a nova tiragem, a boa vontade do dignoconfrade Francisco Cndido Xavier, a cuja mediunidade e solicitude se devem estasencantadoras comunicaes, enviando-nos mais crnicas, mensagens e alguns versos inditosque tanto ilustram e exortam esta segunda edio.

    Humberto de Campos, graas infinita bondade do Criador, continua a escrever para

    os que ficaram, Fazendo -o alis com a irrecusvel autoridade de reprter verdadeiro esobretudo insuspeito para tratar de assuntos do Alm, pois, tivesse ele sido, na Terra, esprita

    praticante, no faltariam opositores fanticos que viessem refutar os luminosos conselhos quemanda s almas encarceradas sobre a face nevoenta do planeta com o objetivo de edific-las

    para a vida eterna no apostolado do trabalho e da dor.O humilde psicgrafo Francisco Cndido Xavier com tais produes vem, mais uma

    vez, firmar os foros justssimos que goza de mdium assombroso , legtimo expoente dafenomenologia esprita, vaso escolhido do Senhor para a grandiosa misso de provar, sobaspecto estritamente intelectual, a sobrevivncia do ser e a imortalidade da alma humana.

    E essa prova incontrastvel aqui est.Contra ela pode levantar-se o argumento

    dubitativo, mas a hiptese nica que a explica a do Evangelho, pela Ressurreio de Jesus,sobre a qual se assenta todo o edifcio moral, filosfico e cientfico do Espiritismo.Mais abundante, copiosa, imensa, entretanto, ela se nos depara no Parnaso de

    Alm- Tmulo, onde o moo de instruo rudimentar, que vive pobre e triste na sua pequenavila de Pedro Leopoldo, sem biblioteca e sem professor, consegue captar produes de trinta edois poetas, brasileiros e portugueses, figurando entre eles nomes gloriosos, como ArthurAzevedo, Batista Cepelos, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Emlio de Menezes, FagundesVarela, Hermes Fontes, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Antero de Quental, Antnio Nobre,Augusto dos Anjos, Guerra Junqueiro, Joo de Deus, Jlio Dinis, D.Pedro de Alcntara etantos mais. Ler este livro surpreendente, maravilhoso, e porque no diz-lo, comovedor,verificar 190 produes psicogrficas de Chico Xavier, das quais 118 sonetos magistrais num

    total de 6.538 versos!. realmente admirvel a farta messe de poesias e prosa com que o almconcorre para provar aos homens que todos os poetas escritores falecidos, sem distino, soimortais porque so todos acadmicos do Grand Trianon, vivendo,sentindo, amando e

    pensando sem miolos na cabea...O que mais empolga nessas produes no s o estilo, mas a perfeita identidade

    literria dos autores, estilo e identidade que se vislumbram quer na cadncia do verso, quer naforma, quer na idia ou no fundo filosfico.

    Joo Ribeiro, citado por Manuel Quinto, mestre que tal se fez, indene de rabulariasacadmicas, ao referir-se ao Parnasodisse que o mdium no atraioara nem um dos

    poetas.

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    Estas consideraes guisa de apresentao do folheto j vo excedendo o limite

    razovel. Antes porm de concluir nosso desejo agradecer a Humberto de Campos, aHumberto esprito e corao imortais, a bondade com que atendeu solicitao que lhefizemos para prefaciar as Palavras do Infinito, e o nosso agradecimento to mais profundo

    quo extraordinariamente belo e edificante o prefcio do saudoso escritor patrcio. Possamas suas crnicas e bem assim as poesias e mensagens contidas neste opsculo tocar oscoraes endurecidos e levar, a quantos o lerem, o doce orvalho da F, abrindo-lhes oentendimento para a compreenso da imortalidade e certeza da sobrevivncia.

    J.B.(So Paulo , 3 de outubro de 1936)

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    A PALAVRA DOS MORTOS

    Humberto de Campos

    Pedem de So Paulo a colaborao humilde do meu esforo para a apresentaode Palavras do Infinito que um grupo de espiritistas da Sociedade de Metapsquica dogrande Estado, tendo frente o eminente amigo Dr. Joo Batista Pereira, vai lanar publicidade com o objetivo de fornecer gratuitamente, com a mensagem dos mortos, umconsolo aos tristes, uma esperana aos desafortunados e um raio de claridade aos quenaufragam, desesperados, na noite escura da dvida e da descrena em meio sborrascas do oceano tempestuoso da vida.

    Existem poucas probabilidades de eficcia no esforo dos mortos em favor daregenerao da sociedade dos vivos. Contudo, as atividades de ordem espiritualista, naatualidade do mundo, constituem a derradeira esperana da civilizao. Sou agora dosque vem de perto o trabalho intenso das coletividades invisveis pelo progressohumano; sinto ao meu lado a vibrao luminosa do pensamento orientador dassentinelas avanadas de outras esferas da evoluo e do conhecimento e reconheo quesomente das concepes do moderno Espiritualismo poder nascer o novo dia daHumanidade. E embora a negao sistemtica dos homens diante dessas realidadesconsoladoras, os tmulos vm deixando escapar os seus profundos e maravilhosossegredos, falando a sua palavra tocada de conforto e de claridades sobrenaturais.

    Na Antigidade egpcia, figurava-se o santurio da verdade ao fim de umaestrada sinuosa, rodeada de esfinges representando os enigmas das suas essnciasprofundas; e no seu estranho simbolismo essas imagens constituam as esfinges daMorte, cujos umbrais de silncio e de treva a Vida jamais poderia transpor parasolucionar os problemas inextricveis dos destinos e dos seres.

    O tempo, todavia, modificou a mentalidade humana, adaptando-a para umconhecimento melhor de si mesma. Em meados do sculo passado, quando omaterialismo atingia as suas cumiadas, na expresso filosfica dos pregoeiros eexpositores, eis que os mortos voltam a confabular com os vivos sobre a sua maravilhosaressurreio.

    A esperana volta a felicitar a mansarda dos pobres e o corao dos oprimidosna prodigiosa perspectiva da imortalidade atravs de todos os mundos e osdesencarnados, num herosmo supremo, volvem aos centros de estudos e aos gabinetesdos sbios com a lio piedosa das suas experincias.

    No obstante a arrancada gloriosa dos que j haviam partido das substnciaspoderes da Terra para as esferas luminosas do Cu, tentando, com os seus exrcitos dearcanjos, reorganizar a sociedade humana, restaurando os alicerces do Cristianismo,poucos foram aqueles que ouviram as suas trombetas ecoando no vale das lgrimas edas provaes.

    Diante desse fenmeno universal, a religio no pde volver dos seus interessese da sua intransigncia para identificar a espiritualidade dos seus santos e dos seus

    antigos reformadores; a cincia acadmica, por sua vez, conserva-se de guarda ao seupassado e com as suas conquistas de ontem presume-se na posse da sabedoriaculminante.

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    Entretanto, o dogmatismo incompatvel com o progresso, e todas asconcepes cientificas de cada sculo se caracterizam pela sua instabilidade, porque osolhos da carne no vem o que existe. Nenhuma teoria pode explicar a vida baseexclusivista da matria.

    Todos os fenmenos mecnicos do Universo obedecem a uma fora inteligente e

    nada existe de real diante da viso apoucada dos homens, porque as verdades profundasse lhes conservam invisveis.

    Os movimentos planetrios, os turbilhes atmicos no complexo de todas ascoisas tangveis, inclusive o seu prprio corpo, o mistrio da fora, os enigmas daaglutinao molecular, o segredo da atrao, a identidade substancial da energia e damatria, que nunca se encontram separadas uma da outra, no se mostram aos olhoshumanos dentro da sua transcendncia e da sua grandeza. Todo tomo de matria tem asua gnese no tomo invisvel, de natureza psquica.

    Raios impalpveis e ocultos trazem a vida e trazem a morte. E o homem, na suaignorncia presumida, mal se apercebe que o fantasma cambaleante de dipo, vivendona zona limitada do seu livre-arbtrio, mas submetido s leis de bronze do destino e dador, cujas atividades objetivam o aprimoramento de sua personalidade; apesar da suavaidade e do seu orgulho, todas as suas glrias materiais caminham para a morte.

    Nietzsche arquiteta com Zaratustra a filosofia do homem superior para cairaniquilado sobre o seu prprio infortnio. Napoleo, depois das lutas prestigiosas que lhegranjearam a admirao universal, recolhe-se em Santa Helena para meditar nasclebres sentenas do Eclesiastes. dison, aps encher de conforto as cidades modernascom a sua imaginao criadora, sente o esgotamento de suas foras fsicas paraaguardar o gume afiado da morte.

    Os homens, com todos os pergaminhos de suas conquistas, vivero sempre nocrculo de suas fraquezas e de suas misrias, enquanto no se voltarem para o ladoespiritual do Sofrimento e da Vida.

    A manifestao das atividades dos mortos no lhes tem fornecido as conclusesde ordem moral que se fazem necessrias ao aperfeioamento coletivo; com algumashonrosas excees, despertou apenas o sentimento de suas anlises, nem sempreorientadas no propsito de saber, para serem filhas intempestivas das vaidades pessoaisde cada um.

    Disse Ingenieros, nos seus estudos psicolgicos, que a histria da civilizaorepresenta apenas o desenvolvimento da curiosidade humana. Se isso um fatoincontestvel, no menos verdade que essa sede de revelaes deve possuir umabssola espiritual nas suas longas e acuradas perquiries do invisvel. Muita experinciatrouxe do mundo para acreditar que as teorias, s por si, possam operar a salvao dahumanidade.

    Elas constituem apenas o roteiro de sua marcha onde os espritos de boavontade vo conhecer o caminho. So acessrios do seu esclarecimento semrepresentarem a compreenso em si mesmas. Toda a civilizao ocidental fundou-se base do Cristianismo; todavia o que menos se v, no seu fausto e na sua grandeza, oamor e a piedade do Crucificado. A atualidade est cheia de exemplos dolorosos. Povosconsiderados cristos preparam-se afanosamente para as lutas fatricidas.

    A Liga das Naes, que alimentava o sonho da paz universal est hoje quasereduzida a uma abstrao de idelogos. A Itlia e Alemanha expansionistas empunham a

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    espada do arrasamento e da destruio. Ainda agora o general Ludendhorf acaba deentregar publicidade o seu livro terrvel sobre a guerra total.

    A crena e a f no procedem de combinaes tericas ou do malabarismo daspalavras e dos raciocnios. no trabalho e na dor que se processam e se afinam. Para aF no h melhor smbolo que o toque de Moiss sobre as rochas adustas, fazendo brotar

    o lenol lquido das guas claras da vida. S a dor pode tocar o corao empedernido doshomens e por isso que a lio dos mortos servir somente para constituir a base novada sociologia de amanh.

    A f, por enquanto, continuar como patrimnio dos coraes que foramtocados pela graa do sofrimento. Tesouro da imortalidade, seria o ideal da felicidadehumana se todos os homens o conquistassem, mesmo nos desertos tristes da Terra.

    Um grande astrnomo francs, inquirido sobre as recompensas do Cu,acentuou:

    Mesmo aqui podem as criaturas receber as recompensas do paraso. O Cu oinfinito e a Terra uma das ptrias da Imensidade; todos os homens, portanto, socidados celestes. aqui, na superfcie triste do mundo, que as almas realizam aaquisio de suas felicidades. Estamos em pleno cu e em toda parte veremos cada umreceber segundo as suas obras....

    Sobre as frontes orgulhosas dos homens pairam os rgos invisveis de umajustia imanente e sobre a terra pode o esprito fazer jus aos prmios do Alto. A crenacom os seus esplendores subjetivos, um desses maravilhosos tesouros.

    Que as palavras do infinito se derramem sobre o entendimento das criaturas;cooperando com a dor, elas descobriro para o homem as grandezas ocultas de sua

    prpria alma, a fim de ele aceite, em seu prprio beneficio, as realidades confortadorasda sobrevivncia.

    A voz do alm pode ficar incompreendida, mas os mortos continuaro a falarpara os vivos, comandados ordem de Algum, que est acima das opinies de todos oscientistas e escritores, encarnados e desencarnados. Foi a piedade de Jesus que abriu ascortinas que velavam os mistrios escuros e tristes da morte e o Divino Jardineiroconhece o terreno fecundo onde germinam as sementes do seu amor.

    Os homens aprendero custa das suas dores, com todo o fardo de suasmisrias e de suas fraquezas e as palavras do infinito cairo sobre eles como a chuva defavores do alto. Que elas se espalhem nos coraes e nas almas, porque cada uma trs

    consigo a claridade de um sol e a doura de uma beno.Humberto de Campos

    (Recebida em Pedro Leopoldo a 27 de maro de 1935).

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    CARTA AOS QUE FICAM

    Humberto de Campos

    No antigo Pao da Boa vista, nas audincias dos sbados, quando recebia todagente, atendeu D.Pedro II a um negro velho, de carapinha branca, e em cujo rosto,enrugado pelo frio de muitos invernos, se descobria o sinal de muita penas e muitosmaus-tratos.

    -Ah! Meu Senhor grande exclamou o infeliz como duro ser escravo!...

    O magnnimo imperador encarou suas mos cansadas no leme da direo do

    povo e aquelas outras, engelhadas, na excrescncia dos calos adquiridos na rude tarefadas senzalas, e tranqilizando-o comovido:

    - meu filho, tem pacincia! Tambm sou escravo dos meus deveres e eles sobem pesados... Teus infortnios vo diminuir...

    E mandou libertar o preto.

    Mais tarde, nos primeiros tempos do seu desterro, o bondoso monarca, a bordodo Alagoas, recebeu a visita do seu ex-ministro; s primeiras interpelaes de OuroPreto, respondeu-lhe o grande exilado:

    -Em suma, estou satisfeito e tranqilo.

    E, aludindo sua expatriao:

    a minha carta de alforria... Agora posso ir onde quero.

    A coroa era pesada demais para a cabea do monarca republicano.

    Aos que perguntarem no mundo sobre a minha posio em face da morte, direique ele teve para mim a fulgurao de um Treze de Maio para os filhos de Angola.

    A morte no veio buscar a minha alma, quando esta se comprazia nas redesdouradas da iluso. A sua tesoura no me cortou fios da mocidade e de sonho, porque euno possua seno neves brancas espera do sol para se desfazerem. O gelo dos meusdesenganos necessitava desse calor de realidade, que a morte espalha no caminho emque passa com a sua foice derrubadora. Resisti, porm ao seu cerco como Aquiles noherosmo indomvel de quem v a destruio de suas muralhas e redutos. Na minhatrincheira de sacos de gua quente, eu a vi chegar quase todos os dias... Mirava-me naspupilas chamejantes dos seus olhos, pedindo-lhe complacncia e ela me sorriaconsoladora nas suas promessas. Eu no podia, porm adivinhar o seu fundo mistrio,porque a dvida obsidiava o meu esprito, enrodilhando-se no meu raciocnio comotentculos de um polvo.

    E, na alegria brbara, sentia-me encurralado no sofrimento, como um lutadorromano aureolado de rosas.

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    Triunfava da morte e como jax recolhi as ltimas esperanas no rochedo daminha dor, desafiando o tridente dos deuses.

    A minha excessiva vigilncia trouxe-me a insnia, que arruinou a tranqilidadedos meus ltimos dias. Perseguido pela surdez, j os meus olhos se apagavam como asderradeiras luzes de um navio soobrando em mar encapelado no silncio da noite.

    Sombra, movendo-se dentro das sombras, no me acovardei diante do abismo. Semesmorecimentos atirei-me ao combate, no para repelir mouros na costa, mas paraerguer muito alto o corao, retalhado nas pedras do caminho como um livro deexperincias para os que vinham depois dos meus passos, ou como a rstia luminosa queos faroleiros desabotoam na superfcie das guas, prevenindo os incautos dos perigosdas sirtes traioeiras do oceano.

    Muitos me supuseram corrodo da lepra e de vermina como se fosse Bento deLabre, raspando-me com a escudela de J. Eu, porm estava apenas refletindo aclaridade das estrelas do meu imenso crepsculo. Quando, me encontrava nessa faina desemear a resignao, a primeira e ltima flor dos que atravessam o deserto dasincertezas da vida, a morte abeirou-se do meu leito; devagarinho, como algum que

    temesse acordar um menino doente. Esperou que tapassem com anestesia todas as janelas e interstcios dos meus sentimentos. E quando o caos mais absoluto no meucrebro, zz! Cortou as algemas a que me conservava retido por amor aos outroscondenados, irmos meus, reclusos no calabouo da vida. Adormeci nos seus braoscomo um brio nas mos de uma deusa. Despertando dessa letargia momentnea,compreendi a realidade da vida, que eu negara, alm dos ossos que se enfeitam com oscravos rubros da carne.

    -Humberto!... Humberto... exclamou uma voz longnqua recebe os que teenviam da Terra!

    Arregalei os olhos com horror e com enfado:

    -No! No quero saber de panegricos e agora no me interessam as seesnecrolgicas dos jornais.

    Enganas-te repetiu as homenagens da conveno no se equilibram ataqui. A hipocrisia como certos micrbios de vida muito efmera. Toma as preces que seelevaram por ti a Deus, dos peitos sufocados, onde penetraste com as tuas exortaes econselhos. O sofrimento retornou sobre o teu corao um cntaro de mel.

    Vi descer de um ponto indeterminado do espao, braadas de flores inebriantescomo se fossem feitas de neblina resplandecente, e escutei, envolvendo o meu nomepobre, oraes tecidas com suavidade e doura. Ah! Eu no vira o cu e a sua corte debem-aventurados; mas Deus receberia aquelas deprecaes no seu slio de estrelasencantadas como a hstia simblica do catolicismo se perfuma na onda envolvente dosaromas de um turbulo. Nossa Senhora deveria ouvi-las no seu trono de jasminsbordados de ouro, contornado dos anjos que eternizam a sua glria.

    Aspirei com fora aqueles perfumes. Pude locomover-me para investigar o reinodas sobras, onde penso sem miolos na cabea. Amava e ainda sofria, reconhecendo-meno prtico de uma nova luta.

    Encontrei alguns amigos a quem apertei fraternalmente as mos. E voltei c.Voltei para falar com os humildes e infortunados, confundidos na poeira da estrada de

    suas existncias, como frangalhos de papel, rodopiando ao vento. Voltei para dizer aosque no pude interpretar no meu ceticismo de sofredor:

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    -No sois os candidatos ao casaro da Praia Vermelha.[Hospcio Nacional].Plantai pois nas almas a palmeira da esperana. Mais tarde ela descobrir sobre asvossas cabeas encanecidas os seus leques enseivados e verdes...

    E posso acrescentar, como o neto de Marco Aurlio, no tocante morte que mearrebatou da priso nevoenta da Terra:

    - a minha carta de alforria... Agora posso ir onde quero.

    Os amargores do mundo eram pesados demais para o meu corao.

    Humberto de Campos.

    (Recebida em Pedro Leopoldo em 28 de maro de 1935)

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    AOS MEUS FILHOS

    Humberto de Campos

    Meus filhos venho falar a vocs como algum que abandonasse a noite de

    Tirsias, no carro fulgurante de Apolo, subindo aos cumes dourados e perfumados doHlicon. Tudo harmonia e beleza na companhia dos numes e dos gnios, mas opensamento de um cego, em reabrindo os olhos nas rutilncias da luz, para os queficaram, l longe dentro da noite onde apenas a esperana uma estrela de luz docee triste.

    No venho da minha casa subterrnea de So Joo Batista [O esprito serefere ao cemitrio de So Joo], como os mortos que os larpios, s vezes, fazemregressar aos tormentos da Terra, por mal dos seus pecados. Na derradeira moradado meu corpo ficaram os meus olhos enfermos e as minhas disposies orgnicas.

    C estou como se houvesse sorvido um nctar de juventude no banquetedos deuses.

    Entretanto, meus filhos, levanta-se entre ns um rochedo de mistrio e desilncio.

    Eu sou eu. Fui o pai de vocs e vocs foram meus filhos. Agora somosirmos. Nada h de mais belo do que a lei de solidariedade fraterna, delineada peloCriador na sua glria inacessvel. A morte no suprimiu a minha afetividade e a aindapossuo o meu corao de homem para o qual vocs so as melhores criaturas dessemundo.

    Dizem que Orfeu, quando tangia as cordas de sua lira, sensibilizava as ferasque agrupavam enternecidas para escut-lo. As rvores vinham de longe,transportadas na sua harmonia. Os rios sustavam o curso nas suas correntesimpetuosas, quedando-se para ouvi-lo. Havia deslumbramento na paisagemmusicalizada. A morte, meus filhos, cantou para mim, tocando o seu alade. Todasas minhas convices deixaram os seus lugares primitivos para sentir a grandeza doseu canto.

    No posso transmitir esse mistrio maravilhoso atravs dos mtodosimperfeitos de que disponho. E, se pudesse, existe agora entre ns o fantasma dadvida.

    Convidado pelo Senhor, eu tambm estive no banquete da vida. No nospalcios da popularidade ou da juventude efmera, mas no trio pobre e triste dosofrimento onde se conservam temporariamente os mendigos da sua casa. Minhaprimeira dor foi a minha primeira luz. E quando os infortnios formaram uma teiaimensa de amarguras para o meu destino, senti-me na posse do celeiro declaridades da sabedoria. Minhas dores eram minha prosperidade. Porm qual ocorteso de Dionsio, vi a dvida como a espada afiadssima balouando-se sobre aminha cabea. A na Terra, entre a crena e a descrena, est sempre ela, a espadade Dmocles. Isso uma fatalidade.

    Venho at vocs cheio de amorosa ternura e se no posso me individualizar,apresentando-me como o pai carinhoso, no podem vocs garantir a impossibilidadeda minha sobrevivncia. A dvida entre ns como a noite. O amor, entretanto,

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    luariza estas sombras. Um morto, como eu, no pode esperar a certeza ou anegao dos vivos que receberem a sua mensagem para a qual h de prevalecer oargumento dubitativo. E nem pode exigir outra coisa quem no mundo no procederiade outra forma.

    Sinto hoje, mais que nunca, a necessidade de me impessoalizar, de sernovamente o filho ignorado de dona Anica, a boa e santa velhinha, que continuasendo para mim a mais santa das mes. Tenho necessidade de me esquecer de mimmesmo. Todavia, antes que se cumpra este meu desejo, volto para falar a vocspaternalmente como no tempo em que destrua o fosfato do crebro a fim deadquirir combustvel para o combustvel para o estmago.

    -Meus filhos!... Meus filhos!... Estou vivendo... No me vem?... Mas olhem,olhem o meu corao como ainda est batendo por vocs!...

    Aqui, meus filhos, no me perguntaram se eu havia descido gloriosamenteas escadas do Petit Trianon; no fui inquirido a respeito dos meus triunfos literrios e

    no me solicitaram informes sobre o meu fardo acadmico. Em compensao, fuiargido acerca das causas dos humildes e dos infortunados pelos quais me bati.

    Vivam pois com prudncia na superfcie desse mundo de futilidades e deglrias vs.

    Num dos mais delicados poemas de Wilde, as rcades lamentara a morte deNarciso junto de sua fonte predileta, transformada numa taa de lgrimas.

    -No nos admira suspiram elas que tanto tenhas chorado!... Era tolindo!...

    -Era belo Narciso? perguntou o lago.

    -Quem melhor do que tu poders sab-lo, se nos desprezavas a todas paraestender-se nas relvas da tua margem, baixando os olhos para contemplar, nodiamante da tua onda, a sua formosura?...

    A fonte respondeu:

    -Eu adorava Narciso porque, quando me procurava com os olhos, eu via, noespelho das suas pupilas, o reflexo da minha prpria beleza.

    Em sua generalidade, meus filhos, os homens, quando no so Narciso,enamorados de sua prpria formosura, so as fontes de Narciso.

    No venho exortar a vocs como sacerdote; conheo de sobra s fraquezashumanas. Vivam, porm a vida do trabalho e da sade, longe da vaidade corruptora.E, na religio da conscincia retilnea, no se esqueam de rezar.

    Eu, que era um homem to perverso e to triste, estou aprendendo de novoa minha prece, como fazia na infncia, ao p de minha me, na Parnaba.

    -Venham, meus filhos!... Ajoelhemos de mos postas... No vem que

    cheguei de to longe?! Fui mais feliz que o Rico e o Lzaro da parbola, que no

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    puderam voltar... Ajoelhemos no templo do Esprito; inclinem vocs a fronte sobre omeu corao. Cabem todos nos meus braos? Cabem, sim...

    Vamos rezar com o pensamento em Deus, com a alma no infinito. Painosso... que estais no cu... santificado seja o vosso nome...

    Humberto de Campos

    (Recebida em Pedro Leopoldo em 9 de abril de 1935)

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    NA MANSO DOS MORTOS

    Humberto de Campos

    - O amigo sabe que os fotgrafos ingleses registraram a presena de sirConanDoyle no enterro de ladyGaillard?

    Esta pergunta me foi dirigida pelo coronel C. da C., (1) que eu conhecera numadas minhas viagens pelo Nordeste. O coronel lia por desfastio as minhas crnicas e empoucos minutos nos tornamos camaradas. H muito tempo, todavia, soubera eu da suapassagem para o outro mundo em virtude de uma arteriosclerose generalizada. Tempovai, tempo vem, defrontamo-nos de novo no vago infinito da Vida, em que todosviajamos, atravs da eternidade. E, como o melhor abrao que podemos dar longe dosvivos, ali estvamos os dois tte tte, sem pensar no relgio que regulava os nossosatos no presdio da Terra, nem nos ponteiros do estmago, que a trabalham comdemasiada pressa.

    C. tinha no mundo idias espritas e continuava, na outra vida, a interessar-sepelas coisas de sua doutrina.

    Ento, coronel, a vida que levaremos por aqui no ser muito diversa da queobservvamos l em baixo? Um morto, pode apresentar-se nas solenidades dos vivos,participar das suas alegrias e das suas tristezas, como no presente caso? Alis, jsabemos do captulo evanglico que manda os mortos enterrar os mortos.

    -Pode, sim, menino replicou o meu amigo como quem evocasse uma cenadolorosa mas, isso de acompanhar enterros, sobra-me experincia para no mais faz-lo. Costumamos observar que, se os vivos tem medo dos que j regressaram para c,ns igualmente, s vezes, sentimos repulsa de topar os vivos. Porm, o que lhe voucontar ocorreu entre os considerados mortos. Ti medo de dois espectros num ambientesoturno de cemitrio.

    E o meu amigo, com o olhar mergulhado no pretrito longnquo, monologava:

    -Desde essa noite, nunca mais acompanhei enterros de amigos... Deixo issopara os encarnados, que vivem brincando de cabra-cega no seu temporrio

    esquecimento...

    -Conte-me, coronel, o acontecimento disse eu, mal sopitando a curiosidade.

    -Lembra-se comeou ele da admirao que eu sempre manifestava pelo Dr.A.F., que voc no chegou a conhecer em pessoa?

    -Vagamente...

    -Pois bem, o Antonico, nome pelo qual respondia na intimidade, era um dosmeus amigos do peito. Advogado de renome na minha terra, j o conheci na elevadaposio que usufrua no seio da sociedade que lhe acatava todas as aes e pareceres.

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    Pardavasco, insinuante, era o tipo do mulato brasileiro. Simptico, inteligente,captava a confiana de quantos se lhe aproximavam. Era de uma felicidade nica.Ganhava todas as causas que lhe eram entregues. O crime mais negro apresentava paraa sua palavra percuciente uma argumentao infalvel na defesa. Os rus, absolvidoscom a sua colaborao, retiravam-se da sala de sesses da justia quase canonizados. OAntonico se metera em alguma pendncia? O triunfo era dele. Gozava de toda a nossa

    considerao e estima. Criara a sua famlia com irrepreensvel moralidade. Em algumascerimnias religiosas a que compareci, recordo-me de l o haver encontrado, como bomcatlico, em cuja personalidade o nosso vigrio via um dos mais prestigiosos dos seusparoquianos.

    Chefiava iniciativas de caridade, presidia a associao religiosa e primava pelaausteridade intransigente dos seus costumes.

    Quando voltei desse mundo, que hoje representa para ns uma penitenciaria,trouxe dele saudosas recordaes.

    Imagine, pois o meu desejo de reencontr-lo, quando vim a saber, nestasparagens, que ele se achava s portas da morte. Obtive permisso para excursionar Terra e fui rev-lo na sua cama de luxo, rodeado de zelos extremos, numa alcovaensombrada de sua confortvel residncia. As poes eram ingeridas. Injees eramaplicadas. Os mdicos eram atenciosamente ouvidos. Contudo, a morte rondava o leitode rendas, com o seu passo silencioso. Depois de ter o abdmen rasgado por um bisturi,uma infeco sobreviera inesperadamente.

    Apareceu uma pleurisia e todas as punes foram inteis. Antonico agonizava.Vi-o nos seus derradeiros momentos, sem que ele me visse na sua semi-inconscincia.Os mdicos sua cabeceira, deploravam o desaparecimento do homem probo. O padre,que sustinha naquelas mos de cera u delicado crucifixo, recitando a orao dosmoribundos, fazia ao cu piedosas recomendaes. A esposa chorava o esposo, os filhoso pai! Aos meus olhos, aquele quadro era o da morte do justo. Transcorridas algumashoras, acompanhei o fnebre cortejo que ia entregar terra aqueles despojos frios.

    Desnecessrio que lhe diga das pomposas exquias que a igreja dispensou aomorto, em virtude da sua posio eminente. Preces. Asperses com hissopes ensopadosngua benta e latim agradvel.

    Mas, como nem todos os que morrem desapegam imediatamente dos humores edas vsceras, esperei que o meu amigo acordasse para ser o primeiro a abra-lo.

    Era crepsculo. E, naquela tarde de agosto, as nuvens estavam enrubescidas,em meio do fumo das queimaduras, parecendo uma espumarada de sangue. Havia umcheiro de terra brava, entre as lousas silenciosas, ao p dos salgueiros e dos ciprestes.Eu esperava. De vez em quando, o vento agitava a ramaria dos chores, que pareciamsoluar, numa toada esquisita. Os coveiros abandonaram a sua tarefa sinistra e eu vi umvulto de mulher, esgueirando-se entre as lpides enegrecidas. Parou junto daquela covafresca. No se tratava de nenhuma alma encarnada. Aquela mulher pertencia tambmaos reinos das sombras. Observei-a de longe. Todavia, gritos estentricos ecoaram aosmeus ouvidos.

    -A. F. exclamou o espectro chegou o momento da minha vingana! Ningumpoder advogar a tua causa. Nem Deus, nem o Demnio podero interceder pela tuasorte, como no puderam cicatrizar no mundo as feridas que abriste em meu corao.Todas as nossas testemunhas agora so mudas. Os anjos aqui so de pedra e as capelasde mrmore, cheias de cruzes caladas, so estojos de carne apodrecida. Lembras-te demim? Sou a R. S., que infelicitaste com a tua infmia!

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    J no s aquele moreno insinuante que surrupiou a fortuna de meus pais,destruindo-lhes a vida e atirando-me no meretrcio abominvel. A fortuna que te deu umnome foi edificada no pedestal do crime.

    Recordas-te das promessas mentirosas que me fizeste? Envergonhada,abandonei a terra que me vira nascer para ganhar o po no mais horrendo comrcio.

    Corri mundo, sem esquecer a tua perversidade e sem conseguir afogar o meu infortniona taa dos prazeres.

    Entretanto, o mundo foi teu. Ru de um crime nefando, foste sacerdote dajustia; eu, a vtima desconhecida, fui obrigada a sufocar a minha fraqueza nas sentinassociais, onde os homens pagam o tributo das suas misrias. Tiveste a sociedade, eu osbordis. O triunfo e a considerao te pertenceram; a mim coube o desprezo e acondenao. Meu lar foi o hospital, donde se escapou o ltimo gemido do meu peito.

    Meus braos, que haviam nascidos para acariciar os anjos de Deus, como doisgalhos de rvores cheios de passarinhos, foram por ti transformados em tentculos deperdio. Eu poderia ter possudo um lar, onde as crianas abenoassem os meuscarinhos e onde um companheiro laborioso se reconfortasse com o beijo da minhaafeio. Venho te condenar, desalmado assassino, em nome da justia eterna que nosrege, acima dos homens. H mais de um lustro, espero-te nesta solido indevassvel,onde no poders comprar a conscincia dos juizes... Viveste com o teu conforto,enquanto eu penava com a minha misria; mas, o inferno agora ser de ns dois!...

    O coronel fez uma pausa, enquanto eu meditava naquela histria.

    -A mulher chorava continuou ele de meter d. Aproximei-me dela, nosendo notada, porm, minha presena. Olhei a cruz modesta e carcomida que havia quehavia sido arrancada poucas horas antes, daqueles sete palmos de terra, para que alifosse aberto um novo sepulcro, e, no sei se por artes do acaso, nela estava escrito umnome com pregos amarelos, j desfigurados pela ferrugem: R. S. Orai por ela.

    Por uma coincidncia sinistra, reencontravam-se os dois corpos e as duas almas.Procurei fazer tudo pelo Antonico, mas quando atravessei com o olhar a terra que lhecobria os despojos, afigurou-se-me ver um monte de ossos que se moviam. Crnio,tbias, mero, clavculas, se reuniam sob uma ao misteriosa e vi uma caveirachocalhando os dentes de fria, ao mesmo tempo em que umas falangetas de aopareciam apertar o pescoo do cadver do meu amigo.

    -E ele, coronel, isto , o Esprito, estava presente?

    -Estava, sim. Presente e desperto. L o deixei, sentindo os horrores daquelasufocao.

    -Mas, e Deus, coronel? Onde estava Deus que no se compadeceu do pecadorarrependido?

    O coronel me olhou, como se estivesse interrogando a si mesmo, e declarou porfim:

    -Homem, sei l!... Acredito que Deus tenha criado o mundo; porm, acho que aTerra ficou mesmo sob administrao do Diabo.

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    (1) No original da mensagem foram dados por extenso os nomes das pessoasnela mencionados. Como, porm, essas pessoas deixaram descendentes, que poderiammolestar-se com as referncias que lhes fez Humberto de Campos, resolvemos indic-lasapenas pelas suas iniciais.

    Humberto de Campos.

    (Recebida em Pedro Leopoldo a 9 de abril de 1935)

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    JUDAS ISCAROTES

    Humberto de Campos

    Silncio augusto cai sobre a Cidade Santa. A antiga capital da Judia parecedormir o seu sono de muitos sculos. Alm descansa Getsmani, onde o Divino Mestrechorou numa longa noite de agonia, acol est o Glgota sagrado e em cada coisasilenciosa h um trao da Paixo que as pocas guardaro para sempre. E, em meio detodo o cenrio, como um veio cristalino de lgrimas, passa o Jordo silencioso, como seas suas guas mudas, buscando o Mar Morto, quisessem esconder das coisastumultuosas dos homens os segredos insondveis do Nazareno.

    Foi assim, numa destas noites que vi Jerusalm, vivendo a sua eternidade demaldies.

    Os espritos podem vibrar em contacto direto com a histria. Buscando umarelao ntima com a cidade dos profetas, procurava observar o passado vivo dosLugares Santos. Parece que as mos iconoclastas de Tito por ali passaram comoexecutoras de um decreto irrevogvel. Por toda a parte ainda persiste um sopro dedestruio e desgraa. Legies de duendes, embuados nas suas vestimentas antigas,

    percorrem as runas sagradas e no meio das fatalidades que pesam sobre o empriomorto dos judeus, no ouvem os homens os gemidos da humanidade invisvel.

    Nas margens caladas do Jordo, no longe talvez do lugar sagrado, onde Precursorbatizou Jesus Cristo, divisei um homem sentado sobre uma pedra. De sua expresso

    fisionmica irradiava-se uma simpatia cativante.- Sabe quem este? murmurou algum aos meus ouvidos. Este Judas.- Judas?!...- Sim. Os espritos apreciam, s vezes, no obstante o progresso que j

    alcanaram, volver atrs, visitando os stios onde se engrandeceram ou prevaricaram,sentindo-se momentaneamente transportados aos tempos idos. Ento mergulham o

    pensamento no passado, regressando ao presente, dispostos ao herosmo necessrio dofuturo. Judas costuma vir Terra, nos dias em que se comemora a Paixo de NossoSenhor, meditando nos seus atos de antanho...

    Aquela figura de homem magnetizava-me. Eu no estou ainda livre da curiosidadedo reprter, mas entre as minhas maldades de pecador e a perfeio de Judas existia um

    abismo. O meu atrevimento, porm, e a santa humildade de seu corao, ligaram-se paraque eu o atravessasse, procurando ouvi-lo.-O senhor , de fato, o ex-filho de Iscariot? Sim, sou Judas respondeu aquele

    homem triste, enxugando uma lgrima nas dobras de sua longa tnica. Como oJeremias, das Lamentaes, contemplo s vezes esta Jerusalm arruinada, meditando no

    juzo dos homens transitrios...- uma verdade tudo quanto reza o Novo Testamento com respeito sua

    personalidade na tragdia da condenao de Jesus?- Em parte... Os escribas que redigiram os evangelhos no atenderam s

    circunstncias e s tricas polticas que acima dos meus atos predominaram na nefandacrucificao. Pncio Pilatos e o tetrarca da Galilia, alm dos seus interesses individuais

    na questo, tinham ainda a seu cargo salvaguardar os interesses do Estado romano,empenhado em satisfazer as aspiraes religiosas dos ancios judeus. Sempre a mesma

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    histria. O Sanedrim desejava o reino do cu pelejando por Jeov, a ferro e fogo; Romaqueria o reino da Terra. Jesus estava entre essas foras antagnicas com a sua purezaimaculada. Ora, eu era um dos apaixonados pelas idias socialistas do Mestre, porm omeu excessivo zelo pela doutrina me fez sacrificar o seu fundador. Acima dos coraes,eu via a poltica, nica arma com a qual poderia triunfar e Jesus no obteria nenhuma

    vitria. Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rdeas do poder j que, no seumanto de pobre, se sentia possudo de um santo horror propriedade. Planejei entouma revolta surda como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de Estado.O Mestre passaria a um plano secundrio e eu arranjaria colaboradores para uma obravasta e enrgica como a que fez mais tarde Constantino Primeiro, o Grande, depois devencer Maxncio s portas de Roma, o que alis apenas serviu para desvirtuar oCristianismo. Entregando, pois, o Mestre, a Caifs, no julguei que as coisas atingissemum fim to lamentvel e, ralado de remorsos, presumi que o suicdio era a nicamaneira de me redimir aos seus olhos.

    - E chegou a salvar-se pelo arrependimento?- No. No consegui. O remorso uma fora preliminar para os trabalhos

    reparadores. Depois da minha morte trgica submergi-me em sculos de sofrimentoexpiatrio da minha falta. Sofri horrores nas perseguies infligidas em Roma aosadeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueirainquisitorial, onde imitando o Mestre, fui trado, vendido e usurpado. Vtima da feloniae da traio deixei na Terra os derradeiros resqucios do meu crime, na Europa dosculo XV. Desde esse dia, em que me entreguei por amor do Cristo a todos ostormentos e infmias que me aviltavam, com resignao e piedade pelos meusverdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnaes na Terra, sentido na fronteo sculo de perdo da minha prpria conscincia...

    - E est hoje meditando nos dias que se foram... - pensei com tristeza.- Sim... Estou recapitulando os fatos como se passaram. E agora, irmanado com

    Ele, que se acha no seu luminoso Reino das Alturas que ainda no deste mundo, sintonestas estradas o sinal de seus divinos passos. Vejo-O ainda na Cruz entregando a Deuso seu destino... Sinto a clamorosa injustia dos companheiros que O abandonaraminteiramente e me vem uma recordao carinhosa das poucas mulheres que Oampararam no doloroso transe... Em todas as homenagens a Ele prestadas, eu sousempre a figura repugnante do traidor... Olho complacentemente os que me acusam semrefletir se podem atirar a primeira pedra... Sobre o meu nome pesa a maldio milenria,como sobre estes stios cheios de misria e de infortnio. Pessoalmente, porm, estousaciado de justia, porque j fui absolvido pela minha conscincia no tribunal dossuplcios redentores.

    Quanto ao Divino Mestre continuou Judas com os seus prantos infinita a suamisericrdia e no s para comigo, porque se recebi trinta moedas, vendendo-O aosseus algozes, h muitos sculos Ele est sendo criminosamente vendido no mundo agrosso e a retalho, por todos os preos em todos os padres do ouro amoedado...

    - verdade conclu e os novos negociadores do Cristo no se enforcam depoisde vend-LO.

    Judas afastou-se tomando a direo do Santo Sepulcro e eu, confundido nassombras invisveis para o mundo, vi que no cu brilhavam algumas estrelas sobre asnuvens pardacentas e tristes, enquanto o Jordo rolava na sua quietude como um lenolde guas mortas, procurando um mar morto.

    Recebida em Pedro Leopoldo a 19 de abril de 1935

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    AOS QUE AINDA SE ACHAM MERGULHADOSNAS SOMBRAS DO MUNDO

    Humberto de Campos

    Antigamente eu escrevia nas sombras para os que se conservavam nas claridadesda Vida. Hoje, escrevo na luz branca da espiritualidade para quantos ainda se achammergulhados nas sombras do mundo. Quero crer, porm que to dura tarefa me foiimposta nas manses da Morte, como esquisita penitncia ao meu bom gosto de homemque colheu quando pde dos frutos saborosos na rvore paradisaca dos nossos

    primeiros pais, segundo as Escrituras.Contudo no desejo imitar aquele velho Tirsias que fora de proferir alvitres e

    sentenas conquistou dos deuses o dom divinatrio em troca dos preciosos dons davista.

    Por esta razo o meu pensamento no se manifesta entre vocs que aqui acorreram

    para ouvi-lo como o daquelas entidades batedoras, que em Hydesville, na Amrica doNorte, por intermdio das irms Fox, viviam nos primrdios do Espiritismo, contandohistrias e dando respostas surpreendentes com as suas pancadas ruidosas e alegres.

    Devo tambm esclarecer ao sentimento de curiosidade que os tangeu at aqui, queno estou exercendo ilegalmente a medicina como a grande parte dos defuntos, os quais,hoje em dia, vivem diagnosticando e receitando mezinhas e guas milagrosas para osenfermos.

    Nem tampouco, na minha qualidade de reprter falecido sou portador dealguma mensagem sensacional dos paredros comunistas que j se foram dessa vida paraa melhor, mulos dos Lenine, dos Kropotkine, cujos crebros, a esta hora, devem estartransbordando teorias momentosas para o instante amargo que o mundo est vivendo.

    O objetivo das minhas palavras pstumas somente demonstrar o homem...Desencarnado e a imortalidade dos seus atributos. O fato que vocs no me viram.

    Mas contem l fora eu enxergaram o mdium. No afirmam que ele se parece como Mahatma Gandhi em virtude de lhe faltar uma tanga, uma cabra e a experinciaanosa do lder nacionalista da ndia. Mas historiem, com sinceridade, o caso dassuas roupas remendadas e tristes de proletrio e da sua pobreza limpa e honesta queanda por esse mundo arrastando tamancos para a remisso de suas faltas nas anterioresencarnaes. Quanto a mim, digam que eu estava por detrs do vu de sis.

    Mesmo assim, na minha condio de intangibilidade, no me furto ao desejo delhes contar algo a respeito desta outra vida para onde todos tm de regressar. Se noestou nos infernos de que fala a teologia dos cristos, no me acho no stimo paraso deMaom. No sei contar as minhas aperturas na amarga perspectiva de completoabandono em que me encontrei, logo aps abrir os meus olhos no reino extravagante daMorte. Afigurou-se-me que eu ia, diretamente consignado ao Aqueronte, cujas guasamargosas deveria transpor como as sombras para nunca mais voltar, porque nocheguei a presenciar nenhuma luta entre So Gabriel e os Demnios, com as suas

    balanas trgicas, pela posse de minha alma. Passados, porm, os primeiros instantes deinusitado receio, divisei a figura mida e simples do meu Tio Antoninho, que merecebeu nos seus braos carinhosos de santo.

    Em companhia, pois, de afeies ternas, no reconto fabuloso, que a minhatemporria morada, ainda estou como aparvalhado entre todos os fenmenos da

    sobrevivncia. Ainda no cheguei a encontrar os sis maravilhosos, as esferas, osmundos comentrios, portentos celestes, que descreve Flammarion na sua Pluralidade

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    dos Mundos. Para o meu esprito, a Lua ainda prossegue na sua carreira como esfingeeterna do espao, embuada no seu burel de freira morta.

    Uma saudade doida e uma nsia sem termo fazem um turbilho no meu crebro: a vontade de rever, no reino das sombras, o meu pai e a minha irm. Ainda no pudefaz-lo. Mas em um movimento de maravilhosa retrospeco pude volver minha

    infncia, na Miritiba longnqua. Revi as suas velhas ruas, semi-arruinadas pelas guasdo Piri e pelas areias implacveis... Revi os dias que se foram e senti novamente a almaexpansiva de meu pai como um galho forte e alegre do tronco robusto dos Veras minha frente, nos quadros vivos da memria, abracei a minha irmzinha inesquecida,que era em nossa casa modesta como um anjo pequenino da Assuno de Murilo, que setivesse corporificado de uma hora para outra sobre as lamas da terra...

    Descansei sombra das rvores largas e fartas, escutando ainda as violascaboclas, repenicando os sambas da gente das praias nortistas e que to bem ficaramarquivadas na poesia encantadora e simples de Juvenal Galeno.

    Da Miritiba distante transportei-me Parnaba, onde vibrei com o meu grandemundo liliputiano... Em esprito, contemplei com a minha me as folhas enseivadas do

    meu cajueiro derramando-se na Terra entre as harmonias do canto choroso das rolasmorenas dos recantos distantes de minha terra.

    De almas entrelaadas contemplei o vulto de marfim antigo daquela santa que,como um anjo, espalmou muitas vezes sobre o meu esprito cansado as suas asas

    brancas. Beijei-lhe as mos encarquilhadas genuflexo e segurei as contas do seu rosrioe as contas midas e claras que corriam furtivamente dos seus olhos, acompanhando asua orao...

    Ave Maria... Cheia de graa... Santa Maria... Me de Deus...Ah! De cada vez que o meu olhar se espraia tristemente sobre a superfcie do

    mundo, volvo a minha alma aos firmamentos, tomada de espanto e de assombro...Ainda h pouco, nas minhas surpresas de recm-desencarnado, encontrei na existnciados espaos, onde no se contam as horas, uma figura de velho, um esprito ancio, emcujo corao milenrio presumo refugiadas todas as experincias. Longas barbas deneve, olhos transudando piedade infinita doura, da sua fisionomia de Doutor da Lei,nos tempos apostlicos, irradiava-se uma corrente de profunda simpatia.

    - Mestre! disse-lhe eu na falta de outro nome que podemos fazer paramelhorar a situao do orbe terreno? O espetculo do mundo me desola e espanta... Afamlia parece se dissolve... O lar est balanando como os frutos podres, na iminnciade cair... A Civilizao, com os seus numerosos sculos de leis e instituies afigura-sehaver tocado os seus apogeus... De um lado existem os que se submergem num gozoaparente e fictcio, e do outro esto s multides famintas, aos milhares, que no tm

    seno rasgado no peito o sinal da cruz, desenhado por Deus com a suas mos prestigiosas como os smbolos que Constantino gravara nos seus estandartes... E,sobretudo Mestre, a perspectiva horrorosa da guerra...No h tranqilidade e a Terra

    parece mais um fogareiro imenso, cheio de matrias em combusto...Mas o bondoso esprito-ancio me respondeu com humildade e brandura:- Meu filho... Esquece o mundo e deixa o homem guerrear em paz!...Achei graa no seu paradoxo, porm s me resta acrescentar:- Deixem o mundo em paz com a sua guerra e a sua indiferena!

    No ser minha boca quem v soprar na trombeta de Josaf. Cada um guarde a asua crena ou o seu preconceito.

    Recebida em Pedro Leopoldo a 23 de abril de 1935.

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    TRAGO-LHE O MEU ADEUS SEM PROMETERVOLTAR BREVE

    Humberto de Campos

    Apreciando, em 1932, o Parnaso de Alm-Tmulo, que os poetasdesencarnados mandaram ao mundo por intermdio de voc, chamei a ateno dosestudiosos para a incgnita que o seu caso apresentava. Os estudiosos, certamente, noapareceram. Deixando, porm, o meu corpo minado por uma hipertrofia renitente,lembrei-me do acontecimento. Julgara eu que os bardos do outro mundo, com a suaoriginalidade estilar, se comprometiam pela eternidade da produo, no falso

    pressuposto de que se pudessem identificar por outra forma. Encontrando ensejo parame fazer ouvir, atravs de suas mos, escrevi essas crnicas pstumas que o Sr.Frederico Figner transcreveu nas colunas do Correio da Manh.

    No imaginei que o humilde escritor desencarnado estivesse ainda na lembranade quantos o viram desaparecer. E as minhas palavras provocaram celeuma. Discutiu-see ainda se discute.

    Voc foi apresentado como hbil fazedor de pastiches e os noticiaristas vieramaveriguar o que havia de verdadeiro em torno do seu nome.

    Colheram informes. Conheceram a honestidade da sua vida simples e asdificuldades dos seus dias de pobre. E, por ltimo, quiseram ver como voc escrevia amensagem dos mortos, com uma Remington acionada por dedos invisveis.

    Tive pena quando soube que iam conduzi-lo a um test e recordei-me doprimeiro exame a que me sujeitei a com o corao batendo forte.

    Fiz questo de enviar-lhe algumas palavras como o homem que fala de longe sua ptria distante, atravs das ondas de Hertz, sem saber se os seus conceitos seroreconhecidos pelos patrcios, levando em conta as deficincias do aparelho receptor e osdesequilbrios atmosfricos. Todavia, bem ou mal, consegui falar alguma coisa. Eudevia essa reparao doutrina que voc sinceramente professa.

    Esperariam, talvez, que eu falasse sobre os fabulosos canais de Marte, sobre anatureza de Vnus, descrevendo, como os viajantes de Jlio Verne, a orografia da Lua.Julgo, porm, que por enquanto me mais fcil uma discusso sobre o diamagnetismode Faraday.

    Admiraram-se quando enxergaram a sua mo vertiginosa correndo sobre as linhasdo papel.

    A curiosidade jornalstica agora levantada em torno da sua pessoa. possvelque outros acorram para lhe fazer suas visitas. Mas oua bem. No me espere como a

    pitonisa de Endor aguardando a sombra de Samuel para fazer predies a Saul sobre assuas atividades guerreiras. No sei movimentar as trpodes espritas e se procurei falarnaquela noite que o seu nome estava em jogo. Colaborei, assim, na sua defesa. Mas,agora que os curiosos o procuram, na sua ociosidade, busque, no desinteresse, a melhorarma para desarmar os outros. Eu voltarei provavelmente quando o deixarem em paz nasua amargurosa vida.

    No desejo escrever maravilhando a ningum e tenho necessidade de fugir a tudoo que tenho obrigao de esquecer.

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    Fique-se, pois, com a sua cruz, que bem pesada por amor Daquele que acende olume das estrelas e o lume da esperana nos coraes. A mediunidade posta ao serviodo bem quase a estrada do Glgota; mas a f transforma em flores as pedras docaminho. Li a, certa vez, num conto delicado, que uma mulher em meio de sofrimentosacerbos, apelara para Deus, a fim de que se modificasse a volumosa cruz da sua

    existncia. Como filha de Cipio, vira nos filhos as jias preciosas da sua vaidade e doseu amor, mas como Nobe vira-os arrebatados no torvelinho da morte, impelidos pelafria dos deuses. Tudo lhe falhara nas fantasias do amor, do lar e da ventura.

    - Senhor exclama ela por que me destes uma cruz to pesada? Arrancai dosmeus ombros fracos este insuportvel madeiro!

    Mas, nas asas brandas do sono, a sua alma de mulher viva e rf foi conduzida aum palcio resplandecente. Um Anjo do Senhor recebeu-a no prtico, com a sua

    bno. Uma sala luminosa e imensa lhe foi designada. Toda ela se enchia de cruzes.Cruzes de todos os feitios.

    - Aqui disse-lhe uma voz suave guardam-se todas as cruzes que as almasencarnadas carregam na face triste do mundo. Cada um desses madeiros traz o nome do

    seu possuidor. Atendendo, porm tua splica, ordena Deus que escolhas aqui umacruz menos pesada do que a tua.

    A mulher escolheu conscienciosamente aquela cujo peso competia com as suaspossibilidades, escolhendo-a entre todas.

    Mas apresentando ao Mensageiro Divino a sua preferncia, verificou que, na cruzescolhida, se encontrava esculpido o seu prprio nome, reconhecendo a suaimpertinncia e rebeldia.

    - Vai! disse-lhe o Anjo com a tua cruz e no descreias. Deus, na suamisericordiosa justia, no poderia macerar os teus ombros com um peso superior stuas foras.

    No se desanime, portanto, na faina que se encontra, carregando esse fardopenoso que todos os incompreendidos j carregaram. E agora que os bisbilhoteiros oprocuram, trago-lhe o meu adeus, sem prometer voltar breve.

    Que o Senhor derrame sobre voc a sua bno que conforta todos osinfortunados e todos os tristes.

    Recebida em Pedro Leopoldo a 28 de abril de 1935

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    A PASSAGEM DE RICHET

    Humberto de Campos

    O Senhor tomou lugar no tribunal da sua justia e, examinando os documentosque se referiam s atividades das personalidades eminentes sobre a Terra, chamou oAnjo da Morte, exclamando:

    Nos meados do sculo findo, partiram daqui diversos servidores da Cincia queprometeram trabalhar em meu nome no orbe terrqueo, levantando a moral dos homense suavisando-lhes as lutas. Alguns j regressaram, enobrecidos nas aes dignificadoras,nesse mundo longnquo. Outros, porm, desviaram-se dos seus deveres e outros ainda l

    permanecem, no turbilho das duvidas e das descrenas, laborando no estudo.Lembras-te daquele que era aqui um inquieto investigador, com as suas analises

    incessantes, e que se comprometeu a servir os ideais da Imortalidade, adquirindo a fque sempre lhe faltou?

    Senhor aludis a Charles Richet, reencarnada em Paris, em 1850, e queescolheu uma notabilidade da medicina para lhe servir de pai?.

    Justamente. Pelas noticias dos meus emissrios, apesar da sua sinceridade eda sua nobreza, Richet no conseguiu adquirir os elementos de religiosidade que fora

    buscar, em favor do seu prximo. Tens conhecimento dos favores que o Cu lhe temadjudicado, no transcurso da sua existncia?.

    Tenho, Senhor. Todos os vossos mensageiros lhe cercaram a inteligncia e a

    honestidade com o halo da vossa sabedoria. Desde os primrdios das suas lutas naTerra, os Gnios da Imensidade o rodeiam com o sopro divino de suas inspiraes.Dessa assistncia constante lhe nasceram os poderes intelectuais, to cedo revelados nomundo. Sua passagem pelas academias da Terra, que serviu para excitar a potenciavibratria da sua mente, em favor da ressurreio do seu tesouro de conhecimentos, foiacompanhada pelos vossos emissrios com especial carinho. Ainda na mocidade,lecionou na Faculdade de Medicina, obtendo a cadeira de Fisiologia. Nesse tempo, jseu nome, com os vossos auxlios, estava cercado de admirao e respeito. As suas

    produes grangearam-lhe a venerao e a simpatia dos seus contemporneos. De 1877a 1884, publicou estudos notveis sobre a circulao do sangue, sobre a sensibilidade,sobre a estrutura das circunvolues celebrais, sobre a fisiologia dos msculos e dos

    nervos, perquirindo os problemas graves do ser, investigando no circulo de todas asatividades humanas, conquistando o seu nome a admirao universal. E em matria de espiritualidade, replicou austeramente o Senhor, que lhe

    deram os meus emissrios e de que forma retribuiu o seu esprito a essas ddivas?. Nesse particular, exclamou solicito o Anjo, muito lhe foi dado. Quando

    deixastes cair, mais intensamente, a vossa luz sobre os mistrios que me envolvem, elefoi dos primeiros a receber-lhe os raios fulgurantes. Em Carqueiranne, em Milo e nailha Roubaud, muitas claridades o bafejaram, junto de Eusapia Paladino, quando o seugnio se entregava a observaes positivas, com os seus colegas Lodge, Myers eSidwick. De outras vezes, com Delanne, analisou as celebres experincias de Alger, querevolucionaram os ambientes intelectuais e materialistas da Frana, que ento

    representava o crebro da civilizao ocidental.

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    Todos os portadores das vossas graas levaram as sementes da Verdade suapoderosa organizao FSICA, apelando para o seu corao, afim de que cite afirmasseas realidades da sobrevivncia; povoaram-lhe as noites de severas meditaes, com asimagens maravilhosas das vossas verdades, porm, apenas conseguiram que eleescrevesse o Tratado de Metapsquica e um estudo proveitoso, a favor da concrdia

    humana, que lhe valeu o Premio Nobel da Paz, em 1913.Os mestres espirituais no desanimaram, nem descansaram nunca em torno dasua individualidade; mas, apesar de todos os esforos despendidos, Rechia viu, nasexpresses fenomenolgicas de que foi atento observador, apenas a exteriorizaro das

    possibilidades de um sexto sentido nos organismos humanos. Ele que fora o primeiroorganizador de um dicionrio de fisiologia, no se resignou a ir alm das demonstraeshistolgicas. Dentro da espiritualidade, todos os seus trabalhos de investigador secaracterizam pela duvida que lhe martiriza a personalidade. Nunca pode, Senhor,encarar as verdades imortalistas, seno como hiptese, mas o seu corao generoso esincero. Ultimamente, nas reflexes da velhice, o grande lutador se veio inclinando paraa f, at hoje inaccessvel ao seu entendimento de estudioso. Os vossos mensageiros

    conseguiram inspirar-lhe um trabalho profundo, que apareceu no planeta como AGrande Esperana e, nestes ltimos dias, a sua formosa inteligncia realizou para omundo uma mensagem entusistica, em prol dos estudos espiritualistas.

    Pois bem, exclamou o Senhor, Richet ter de voltar agora a penates. Traze denovo aqui a sua individualidade, para as necessrias interpelaes..

    Senhor, assim to depressa? retornou o Anjo, advogando a causa dogrande cientista O mundo v em Richet um dos seus gnios mais poderosos,guardando nele sua esperana. No conviria protelar a sua permanncia na Terra, afimde que ele vos servisse, servindo Humanidade?.

    No disse o Senhor tristemente. Se, aps oitenta e cinco anos deexistncia sobre a face da Terra, no pode reconhecer, com a sua cincia, a certeza daImortalidade, desnecessria a continuao de sua estadia nesse mundo. Comorecompensa aos seus esforos honestos em beneficio dos seus irmos em humanidade,quero dar-lhe agora, com o poder do meu amor, centelha divina da crena, que acincia planetria jamais lhe concedeu, nos seus labores ingratos e frios..

    No leito de morte, Richet tem as plpebras cerradas e o corpo na posioderradeira, em caminho da sepultura. Seu esprito inquieto de investigador no dormiu ogrande sono.

    H ali, cercando-lhe os despojos, uma multido de fantasmas.Gabriel Delanne estende-lhe os braos de amigo. Denis e Flammarion o

    contemplam com bondade e carinho. Personalidades eminentes da Frana antiga, velhos

    colaboradoras da Revista dos Mundos cooperadores devotados dos Anais dasCincia Fsicas ali esto, para abraarem o mestre no limiar do seu tumulo.Richet abre os olhos para as realidades espirituais que lhe eram desconhecidas.

    Parece-lhe haver retrocedido s materializaes da Vila Carmem; mas, ao seu lado,repousam os seus despojos, cheios de detalhes anatmicos. O eminente fisiologistareconhece-se no mundo dos verdadeiros vivos. Suas percepes esto intensificadas,sua personalidade a mesma e, no momento em que volve a ateno para a atitudecarinhosa dos que o rodeiam, ouve uma voz suave e profunda falando do Infinito:

    Richet, exclama o Senhor no tribunal da sua misericrdia, porque noafirmaste a Imortalidade, e porque desconheceste o meu nome no teu apostolado demissionrio da cincia e do labor? Abri todas as portas de ouro que te poderia reservar

    sobre o mundo. Perquiriste todos os livros. Aprendeste e ensinaste, fundaste sistemasnovos do pensamento, base das duvidas dissolventes. Oitenta e cinco anos se

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    passaram, esperando eu que a tua honestidade me reconhecesse, sem que a fdesabrochasse em teu corao... Todavia, decifraste, com o teu esforo abenoado,muitos enigmas dolorosos da cincia do mundo e todos os teus dias representaram umasede grandiosa de conhecimentos... Mas, eis, meu filho, onde a tua razo positiva inferior revelao divina da f. Experimentaste as torturas da morte com todos os teus

    livros e diante dela desapareceram os teus compndios, ricos de experimentaes nocampo das filosofias e das cincias. E agora, premiando os teus labores, eu te concedoos tesouros da f que te faltou, na dolorosa estrada do mundo!.

    Sobre o peito do abnegado apostolo, desce do Cu um punhal de luz opalina,como um vernbulo maravilhoso de luar indescritvel.

    Richet sente o corao tocado de luminosidade infinita e misericordiosa, que ascincia nunca lhe haviam dado. Seus olhos so duas fontes abundantes de lagrimas dereconhecimento ao Senhor. Seus lbios, como se voltassem a ser os lbios de ummenino recitam o Pai Nosso que estais no Cu....

    Formas luminosas e areas arrebatam-no, pela estrada de Eder da eternidade e,entre prantos de gratido e de alegria, o apostolo da cincia caminhou da grande

    esperana para a certeza divina da Imortalidade.

    Pedro Leopoldo, 21 de janeiro de 1936..

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    HAUPTMANN

    Humberto de Campos

    Na Casa da Morte, em Trenton, Bruno Richard Hauptmann desfolha, pela ltima fez, ocalendrio de suas recordaes. de tarde. O condenado sente esvaecer-se-lhe a derradeiraesperana. J no h mais possibilidade de adiamento da execuo depois das decises do GrandeJri de Mercer, e o caso Wendel representava o nico elemento que modificaria o eplogo dolorosoda tragdia de Hopewell. O governador do Estado de Nova Jrsey j havia desempenhado a suaimitao de Pilatos, e o senhor Kimberling nada mais poderia realizar que o cumprimento austerodas leis que condenaram o carpinteiro alemo cadeira eltrica.

    Hauptmann sente-se perdido diante do irresistvel e chora, protestando a sua inocncia.Recapitula a srie de circunstncias que o conduziram situao de indigitado matador do babyLindenbergh, e espera ainda que a justia dos homens reconhea o seu erro, salvando-o, ltimahora, das mos do carrasco. Mas a justia dos homens est cega; tateando na noite escura de suasvacilaes, no viu seno a ele, no amontoado das sombras.

    A polcia norte-americana precisava que algum viesse barra do Tribunal responder-lhe porum crime nefando, satisfazendo assim as exigncias da civilizao, salvaguardando o seu renome e asua integridade.

    E o carpinteiro de Bronx, o olhar marcado de lgrimas, recorda os pequenos episdios da suaexistncia. A sua velha humilde de Kamentz; o ideal da fortuna nas terras americanas, a esposa aflitae desventurada e a imagem do filhinho, brincando nas suas pupilas cheias de pranto, Hauptmannesquece-se ento dos seus nervos de ao e da sua serenidade perante as determinaes da justia, echora convulsivamente, enfrentando os mistrios silenciosos da Morte. Paira no seu crebro adesiluso de todo o esforo diante da fatalidade e, sentindo o escoamento dos seus derradeirosminutos, foge espiritualmente do torvelinho das coisas humanas para se engolfar nas meditaes das

    coisas de Deus. Suas mos cansadas tomam a Bblia do padre Werner e o seu esprito excursiona nolabirinto das lembranas. Ao seu crebro atormentado voltam as oraes aprendidas na infncia,quando sua me lhe punha na boca os salmos de Davi e o santo nome de Deus. Depois disso eleviera para o mundo largo, onde os homens se devoram uns aos outros no crculo nefasto dasambies. Suas preces de menino se perderam como restos de um naufrgio em noite de procela. Eleno conhecera nenhum apstolo e jamais lhe mostraram, no turbilho escuro das lutas humanas, umafigura que se assemelhasse quele Homem Suave dos Evangelhos; entretanto, nunca como naquelahora, ele sentiu tanto o desejo de ouvir-lhe a palavra sedutora do Sermo da Montanha. Aos seusouvidos ecoavam as derradeiras notas daquele cntico de glorificao aos bem-aventurados domundo, pronunciado num crepsculo, h dois mil anos, para aqueles que a vida condenou aoinfortnio e uma voz misteriosa lhe segredava aos ouvidos os segredos da cruz, cheia de belezasignoradas. Hauptmann toma o captulo do salmo XXIII e repete com o profeta: O Senhor o meu

    Pastor, nada me faltar..O relgio da Penitenciria prosseguia, decifrando os enigmas do tempo, e o carrasco j haviachegado para o seu terrvel mister. Cinqenta testemunhas ali se conservavam para presenciar a cenado supremo desrespeito pelas vidas humanas. Mdicos, observadores das atividades judicirias,autoridades e guardas, ali se reuniam para encerrar tragicamente um drama sinistro que emocionou omundo inteiro.

    O condenado, hora precisa, cabelos raspados a mquina zero e a cala fundida para que aexecuo no falhasse, entra, calado e sereno, na Cmara da Morte. Havia no seu rosto um suor

    pastoso como o dos agonizantes. Nenhuma slaba se lhe escapou da garganta silenciosa. Contemploucalmamente o olhar curioso e angustiado dos que o rodeavam, representando ironicamente otestemunho das leis humanas. No seu peito no havia o perdo de Cristo para os seus verdugos, masum vulco de prantos amargos torturava-lhe o ntimo nos instantes derradeiros; considerando toda

    inutilidade de ao, diante do Destino e da Dor, deixou-se amarrar poltrona da morte enquanto osseus olhos tangveis no viam mais os benefcios alegres da claridade, mergulhando-se nas trevascompactas em que iam entrar.

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    Elliot imprime o primeiro movimento roda fatdica, correntes eltricas anestesiam o crebrodo condenado, e, dentro de quatro minutos, pelo preo mesquinho de alguns centavos, os EstadosUnidos da Amrica do Norte exercem a sua justia, no obstante as dvidas tremendas que pairamsobre a culpabilidade do homem sobre cuja cabea recaram os rigores de suas sentenas.

    Muito se tem escrito sobre o doloroso drama de Hopewell.Os jornais de todo o mundo focalizaram o assunto, e as estaes de rdio encheram a

    atmosfera com as repercusses dessa histria emocionante; no demais, portanto, que um mortose interesse por esse processo que apaixonou a opinio pblica mundial. No para exercer a funode revisor dos erros judicirios, mas para extrair a lio da experincia e o benefcio do ensinamento.

    As leis penais da Amrica do Norte no possuam elementos comprobatrios da culpa doBruno Hauptmann como autor do nefando infanticdio. Para conduzi-lo cadeira da morte no se

    prevaleceu seno dos argumentos dubitativos, inadmissveis dentro da cultura jurdica dos temposmodernos.

    Muitas circunstncias preponderavam no desenrolar dos acontecimentos, e que no foramtomadas na considerao que lhes era devida. A histria de Isidoro Fisch, a ao de Betty Cow e deVioletta Scharp, a leviandade das acusaes de Jafzie Condon e a dvida profunda empolgandotodos os coraes que acompanharam, em suas etapas dolorosas, o desdobramento desse processosinistro.

    Mas em tudo isso, nessa tragdia que feriu cruelmente a sensibilidade crist, h uma justia pairando mais alto que todas as decises dos tribunais humanos, somente acessvel aos quepenetraram o escuro mistrio da Vida, no ressurgimento das reencarnaes.

    Hauptmann sacrificado na sua inocncia, Harold Hoffmann com desprestgio poltico perantea opinio pblica do seu pas e Lindbergh, heri de um sculo, dolo do seu pas e um dos homensmais afortunados do mundo, fugindo de sua terra a bordo do American Importer, onde quase lhefaltava o conforto mais comezinho, como se fora um criminoso vulgar, so personalidadesinterpeladas na Terra pela Justia Suprema.

    Nos mundos e nos espaos h uma figura de Argos observando todas as coisas. No seutribunal do direito absoluto a Tmis divina arquiteta a trama dos destinos de todas as criaturas. E snessa Justia pode a alma guardar a sua esperana, porque o direito humano, quase sempre filho dasupremacia da fora, s vezes falho de verdade e de sabedoria.

    Dia vir em que a justia humana compreender a extenso do seu erro, condenando uminocente. As autoridades jurdicas h/ao de se preparar para a enunciao de uma nova sentena, maso processo ter subido integralmente para a alada da equidade suprema. Debalde os juzes da Terratentaro restabelecer a realidade dos fatos com os recursos de sua tardia argumentao, porque nessedia, quando Bruno Richard Hauptmann for convocado para o ltimo depoimento em favor do resgatede sua memria, o carpinteiro de Bronx, que os homens eletrocutaram, no passar de um punhadode cinzas.

    6 de abril de 1936

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    A ORDEM DO MESTRE

    Humberto de Campos

    Avizinhando-se o Natal, havia tambm no Cu um rebulio de alegrias suaves. OsAnjos acendiam estrelas nos cmodos de neblinas douradas e vibravam no ar asharmonias misteriosas que encheram um dia de encantadora suavidade a noite deBelm. Os pastores do paraso cantavam e, enquanto as harpas divinas tangiam suascordas sob o esforo caricioso dos zfiros da imensidade, o Senhor chamou o DiscpuloBem-Amado ao seu trono de jasmins matizados de estrelas.

    O vidente de Patmos no trazia o estigma da decrepitude como nos seus ltimosdias entre as Esprades. Na sua fisionomia pairava aquela mesma candura adolescenteque o caracterizava no princpio do seu apostolado.

    - Joo disse-lhe o Mestre lembras-te do meu aparecimento na Terra?- Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de

    Frei Dionsios, que colocou erradamente o vosso natalcio em 754.- No, meu Joo retornou docemente o Senhor no a questo cronolgica

    que me interessa em te argindo sobre o passado. que nessas suaves comemoraesvem at mim o murmrio doce das lembranas!...

    - Ah! Sim, Mestre Amado retrucou pressuroso o Discpulo compreendo-vos.Falais da significao moral do acontecimento. Oh!...Se me lembro... A manjedoura, aestrela guiando os poderosos ao estbulo humilde, os cnticos harmoniosos dos

    pastores, a alegria ressoante dos inocentes, afigurando-se-nos que os animais voscompreendiam mais que os homens, aos quais ofertveis a lio da humildade com otesouro da f e da esperana. Naquela noite divina, todas as potncias anglicas do

    paraso se inclinaram sobre a Terra cheia de gemidos e de amargura para exaltar amansido e a piedade do Cordeiro. Uma promessa de paz desabrochava para todas ascoisas com o vosso aparecimento sobre o mundo. Estabelecera-se um noivado meigoentre a Terra e o Cu e recordo-me do jbilo com que Vossa Me vos recebeu nos seus

    braos feitos de amor e de misericrdia. Dir-se-ia, Mestre, que as estrelas de ouro doparaso fabricaram, naquela noite de aromas e de radiosidades indefinveis um meldivino no corao piedoso de Maria!...

    Retrocedendo no tempo, meu Senhor bem-amado, vejo o transcurso da vossa

    infncia, sentindo o martrio de que fostes objeto; o extermnio das crianas de Vossaidade, a fuga nos braos carinhosos da Vossa progenitora, os trabalhos manuais emcompanhia de Jos, as vossas vises maravilhosas no Infinito, em comunho constantecom o Vosso e nosso Pai, preparando-Vos para o desempenho da misso nica que Vosfez abandonar por alguns momentos os palcios de sol da manso celestial para descersobre as lamas da Terra.

    - Sim, meu Joo, e, por falar nos meus deveres, como seguem no mundo as coisasatinentes minha doutrina?

    - Vo mal, meu Senhor. Desde o conclio ecumnico de Nicia, efetuado paracombater o cisma de Ario em 325, as vossas verdades so deturpadas. Ao arianismoseguiu-se o movimento dos iconoclastas em 787 e tanto contrariaram os homens o

    Vosso ensinamento de pureza e de simplicidade, que eles prprios nunca mais seentenderam na interpretao dos textos evanglicos.

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    - Mas no te recordas, Joo, que a minha doutrina era sempre acessvel a todos osentendimentos? Deixei aos homens a lio do caminho, da verdade e da vida sem lheshaver escrito uma s palavra.

    - Tudo isso verdade, Senhor, mas logo que regressastes aos vossos impriosresplandecentes, reconhecemos a necessidade de legar posteridade os vossos

    ensinamentos. Os evangelhos constituem a vossa biografia na Terra; contudo, oshomens no dispensam, em suas atividades, o vu da matria e do smbolo. A todas ascoisas puras da espiritualidade adicionam a extravagncia de suas concepes. Nem nse nem os evangelhos poderamos escapar. Em diversas baslicas de Rvena e de Roma,Mateus representado por um jo0vem, Marcos por um leo, Lucas por um touro e eu,Senhor, estou ali sob o smbolo estranho de uma guia.

    - E os meus representante, Joo, que fazem eles?- Mestre, envengonho-me de o dizer. Andam quase todos mergulhados nos

    interesses da vida material. Em sua maioria, aproveitam-se das oportunidades paraexplorar o vosso nome e, quando se voltam para o campo religioso, quase que apenas

    para se condenarem uns aos outros, esquecendo-se de que lhes ensinastes a se amarem

    como irmos.- As discusses e os smbolos, meu querido disse-lhe suavemente o Mestre

    no me impressionam tanto. Tiveste, como eu, necessidade destes ltimos, para aspredicaes e, sobre a luta das idias, no te lembras quanta autoridade fui obrigado adespender, mesmo depois da minha volta da Terra, para que Pedro e Paulo no setornassem inimigos? Se entre meus apstolos prevaleciam semelhantes desunies, como

    poderamos elimin-las do ambiente dos homens, que no me viram, sempre inquietosnas suas indagaes? ... O que me contrista o apego dos meus missionrios aos

    prazeres fugitivos do mundo!- verdade, Senhor.- Qual o ncleo de minha doutrina que detm no momento maior fora de

    expresso?- o departamento dos bispos romanos, que se recolheram dentro de uma

    organizao admirvel pela sua disciplina, mas altamente perniciosa pelos seus desviosda verdade. O Vaticano, Senhor, que no conheceis, um amontoado suntuoso dasriquezas das traas e dos vermes da Terra. Dos seus palcios confortveis emaravilhosos irradia-se todo um movimento de escravizao das conscincias.Enquanto vs no tnheis uma pedra onde repousar a cabea, dolorida os vossosrepresentantes dormem a sua sesta sobre almofadas de veludo e de ouro; enquantotrazeis os vossos ps macerados nas pedras do caminho escabroso, quem se inculcacomo vosso embaixador traz a vossa imagem nas sandlias matizadas de prolas e de

    brilhantes. E junto de semelhantes superfluidades e absurdos, surpreendemos os pobreschorando de cansao e de fome; ao lado do luxo nababesco das baslicas suntuosas,erigidas no mundo como um insulto glria da vossa humildade e do vosso amor,choram as crianas desamparadas, os mesmos pequeninos a quem estendeis os vossos

    braos compassivos e misericordiosos. Enquanto sobram as lgrimas e os soluos entreos infortunados, nos templos, onde se cultua a vossa memria, transbordam moedas emmos cheias, parecendo, com amarga ironia, que o dinheiro uma defecao dodemnio no cho acolhedor da vossa casa.

    - Ento, meu Discpulo, no poderemos alimentar nenhuma esperana?- Infelizmente, Senhor, preciso que nos desenganemos. Por um estranho

    contraste, h mais ateus benquistos no Cu do que aqueles religiosos que falavam em

    vosso nome na Terra.

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    - Entretanto sussurraram os lbios divinos docemente consagro o mesmo amor humanidade sofredora. No obstante a negativa dos filsofos, as ousadias da cincia, oapodo dos ingratos, a minha piedade inaltervel... Que sugeres, meu Joo, parasolucionar to amargo problema?

    - J no dissestes, um dia, Mestre, que cada qual tomasse a sua cruz e vos

    seguisse?- Mas prometi ao mundo um Consolador em tempo oportuno!...E os olhos claros e lmpidos, postos na viso piedosa do amor de seu Pai Celestial,

    Jesus exclamou:- Se os vivos nos traram, meu Discpulo Bem-Amado, se traficam com o objeto

    sagrado da vossa casa, profligando a fraternidade e o amor, mandarei que os mortosfalem na Terra em meu nome. Deste Natal em diante, meu Joo, descerrars mais umfragmento dos vus misteriosos que cobrem a noite triste dos tmulos para que averdade ressurja das manses silenciosas da Morte. Os que j voltaram pelos caminhosermos da sepultura retornaro Terra para difundirem a minha mensagem, levando aosque sofrem, coma esperana posta no Cu as claridades benditas do meu amor!...

    E desde essa hora memorvel, h mais de cinqenta anos, o Espiritismo veio, comas suas lies prestigiosas, felicitar e amparar na Terra a todas as criaturas.

    Pedro Leopoldo 20 de dezembro de 1935.

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    OH JERUSALM ... OH JERUSALM...

    Humberto de Campos

    possvel a estranheza dos que vivem na Terra com respeito atitude dosdesencarnados, esmiuando-lhes as questes e opinando sobre os problemas que osinquietam.

    lgico, porm, que os recm libertos do mundo falem mais com o seu cabedalde experincias do passado, que com a sua cincia do presente, adquirida custa defaculdades novas, que o homem no est ainda altura de compreender.

    Podem imaginar-se na Terra determinadas condies da vida sobre a superfcie deMarte; mas, o que interessa, por enquanto, ao mundo semelhantes descobertas, se osenigmas que o assoberbam ainda no foram decifrados? Para o exilado da Terra, novale a psicologia do homem desencarnado. Tateando na priso escura da sua vida, seriaquase um crime aumentar-lhe as preocupaes e ansiedades. Eu teria muitas coisasnovas a dizer, todavia, apraz-me, com o objeto de me fazer compreendido, debruar nas

    bordas do abismo em que andei vacilando, subjugado nos tormentos, perquirindo osseus logogrifos inextricveis pata arrancar as lies da sua inutilidade.

    Tambm o homem nada tolera que venha infringir o mtodo da sua rotina.Presumindo-se rei na criao, no admite as verdades novas que esfacelam a sua

    coroa de argila. Os mortos, para serem reconhecidos, devero tanger a tecla da mesmavida que abandonaram.

    Isso intuitivo.O jornalista, para alinhavar os argumentos da sua crnica, busca os noticirios ,aproveita-se dos acontecimentos do dia, tirando a sua ilao das ocorrncias ,domomento.

    E meu esprito volve a contemplar o espetculo angustioso dessa Abissnia,abandonada no seio dos povos, como o derradeiro reduto da liberdade de uma raainfeliz, cobiada pelo imperialismo do sculo, lembrando-me de Castro Alves nas suasamarguradas "Vozes d'frica": .

    Deus, Deus, onde ests que no respondes? Em que mundo, em que estrela tu teescondes,

    Embuado nos cus?H dois mil anos te mandei meu grito,

    Que embalde, desde ento, corre o infinito.

    Onde ests, Senhor Deus?

    Da Roma poderosa partem as caravanas de guerreiros. Cartago agoniza no seudesgraado herosmo. Pblio Cornlio consegue a mais estrondosa das vitrias. Oscrebros dos patrcios ilustres embriagam-se no vinho do triunfo: e nas galerassuntuosas, onde as guias simbolizam o orgulhoso poder da Roma eterna, lamentam-seos escravos nos seus nefandos martrios.

    Os Csares enchem a Cidade das Sabinas de trofus e glrias. Todos os deuses

    so venerados. Os pases so submetidos e os povos entoam o hino da obedincia senhora do mundo. .

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    J no se ouve a melodiosa flauta de P nos bosques da Tesslia e nas margens doNilo apagam-se as luzes dos mais suaves mistrios.

    Vtima, porm, dos seus prprios excessos, o grande imprio v apressar-se a suadecadncia. No esboroamento dos sculos, a invencvel potncia dos Csares ummonto de runas. Sobre os seus mrmores suntuosos aumentam as destruies.

    Roma dormiu o seu grande sono.Ei-la, contudo, que desperta.Mussolini deixa escapar um grito do seu peito de ferro e a Roma antiga acorda do

    letargo, reconhecendo a perda dos seus imensos domnios.Urge, porm, recuperar o poderio, empenhando-se em alargar o seu imprio

    colonial. Onde e como? O mundo est cheio de leis, de tratados de amparo recprocoentre as naes.

    A Frana j ocupou todos os territrios ao alcance das suas possibilidades, aAlemanha est fortificada para as suas aventuras, o Japo tem as suas vistas sobre aChina, e a Inglaterra, calculista e poderosa, no pode ceder um milmetro no terreno dassuas conquistas.

    Mas, Roma quer a expanso da sua fora econmica e prepara-se para roubar aderradeira iluso de um povo desgraado, ao qual no basta a lembrana amarga doscativeiros multisseculares, julgando-se livre na obscura faixa de terra para onde recuou,

    batido pela crueldade das potncias imperialistas.Que mal fizeste civilizao corrompida dos brancos, pequena Abissnia,

    grande pela expresso resignada do teu ardente herosmo?Como pudeste, das areias calcinantes do deserto, onde apuras o teu esprito de

    sacrifcio, penetrar nas instituies europias, provocando a fria das suas armas?Deixa que passem sob o teu sol de fogo as hordas de vndalos, sedentas de

    chacina e de sangue.Sobre as tuas esperanas malbaratadas derramar o Senhor o perfume da sua

    misericrdia. Os humildes tm o seu dia de bem-aventurana e de glria.No importa sejas o joguete dos caprichos condenveis dos teus verdugos, porque

    sobre o mundo todas as frontes orgulhosas desceram do pinculo da sua grandeza para oesterquilnio e para o p.

    Se tanto for preciso, recebe sobre os teus ombros a mortalha de sangue, porque, junto do maravilhoso imprio da civilizao apodrecida dos brancos, ouve-se a vozlamentosa de um novo Jeremias: - Jerusalm!... Jerusalm!...

    Recebida em Pedro Leopoldo a 11 de agosto de 1935

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    opinies. Muito rumor causou essa parada de caveiras e de canelas, at que um dia uminspetor da higiene, visitando essa casa de sombras da vida e enojado com a presenados ratos que roam displicentemente as costelas dos traspassados ricos e ilustres que sedavam ao gosto de comprar ali um lugar de descanso, mandou cerrar-lhe as portas peloministro Crispi, em 1888. Ora bem: eu sou uma espcie dos defuntos de Palermo. Aqui

    estou sempre de p, apesar dos meus ossos estarem dissolvidos na terra, onde seencontraram com os ossos dos que foram meus inimigos.- A vida assim -disse-lhe eu; mas, por que se d o amigo a essa inglria tarefa na

    solido em que se martiriza? No teria vindo do orbe com bastante f, ou com algumacredencial que o recomendasse a este mundo cujas fileiras agora integramos? -

    Credenciais? Trouxe muitas. Alm da honorabilidade de velho poltico do Rio deJaneiro, trazia as insgnias da minha f catlica, apostlica romana. Morri com todos ossacramentos da igreja ; porm, apesar das palavras sacramentais, da liturgia e dasfelicitaes dos hissopes, no encontrei viva alma que me buscasse para o caminho doCu, ou mesmo do inferno. Na minha condio de defunto incompreendido, procurei ostemplos catlicos, que certamente estavam na obrigao de me esclarecer. Contudo,

    depressa me convenci da inutilidade do meu esforo. As igrejas esto cheias demistificaes. Se Jesus voltasse agora ao mundo, no poderia tomar um tomo de tempo

    pregando as virtudes crists, na base, luminosa da humildade. Teria de tomar,incontinenti, ao regressar a este mundo, um ltego do fogo e trabalhar anos afio nosaneamento de sua casa. Os vendilhes esto muito multiplicados e a poca nocomporta mais o Sermo da Montanha. O que se faz necessrio, no tempo atual, notocante a esse problema, a creolina de que falava Guerra Junqueiro nas suas

    blasfmias.- Mas, o irmo est muito ctico. preciso esperana e crena...-Esperana e crena? No acredito que elas salvem o mundo, com essa gerao de

    condenados. Parece que maldies infinitas perseguem a moderna civilizao. Oshomens falam de f e de religio, dentro do esnobismo e da elegncia da poca. Areligio para uso externo, perdendo-se o esprito nas materialidades do sculo. Ascriaturas parecem muito satisfeitas sob a tutela estranha do diabo. O nome de Deus, naatualidade, no deve ser evocado seno como mscara para que os enigmas do demniosejam resolvidos.

    No estamos ns aqui dentro da terra da Guanabara, paraso dos turistas, cidademaravilhosa? Percorra o senhor, ainda depois de morto, as grandes avenidas, as artriasgigantescas da capital e ver as crian