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XENOFONTE. a Retirada Dos Dez MiL

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GRÉCIA ANTIGA

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Introdução deMÁRlO DE CARVALHO

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Lisboa 2014

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Título ':'riginil: A&ti~ada dos Dez~il 'Autor: Xenofonte ,

,© Herdéiros de Aquilino Ribeiro e Bertrand Editora, 2014Todos os direitos para a publicação desta obra em língua portuguesa,

, exceptO. Brasil,' reservados por 'Bercrand Editora, Lda. 'Rua Prof. Jorgeda.Silva Horta.il

1500-499 LisboaTelefone: 21.762 6000

'. Fax: 21 7626150" .ç~rreio electrói:uco:edit~ra@bert",ind,pt

, ,'ww";,berttandedit~ra,pt

. Revisão: Cai:ariri.aAra,újoDesig» da.capa.Ana Monteiro

Pré-irnpressão: Fotocornpográfica, Lda,Execução gráfica: BlocoGráfico, Lda.

UnidadeIndusrrial da Maia

, j", cdiçãorourubro de'2014,Depósito legal n,O379 737/,14

ISBN: 978-972-25-2897"9 "

INTRODUÇÃO'OS GREGOS. A GUERRA. O MESTRE

Este é um dos mais movimentados e arrebatadore s livros de." . .' .

acção que jamais se escreveram. Lê-se empolgadarnente, 'como umromance de guerra. Trata de persona,gens, factos e locais verídicos;transfigurados (os especialistas dirão, até que ponto) por uma penaágil, de poderoso vigor expressivo. .

É possível conceber todas estas, extensões da Ásia percorridaspOt;imensos exércitos, persas e,gregos,. como um esplendoroso terri-tório mágico. Desertos, rios, montes, campos, povos, nomes que res-soam, vibrantes ou sombrios, em reverberação exótica de mitos an-cestrais, por mais que os sábios lhes .queir am deslindar a verdadegeográfica ou histórica. As moedas, medidas e alcances são referidasora em termos persas, ora gregos. Parasangas, estádios e pletros mar-cam as distâncias. Correm avestruzes, ónagros, abetardas. Ocasiõeshá em que falta mais o pão que a carne. Noutras, tudo falta. Das eu-meadas dos cerras ou da margem oposta do rio ou pântano surgemhordas de povos estranhos de colorido aspecto. «~ O Império dosmeus pais', soldados - arengou Ciro o Jovem - esterrde-se parao Sul até uma zona vedada pelo calor tórrido de ser habitada pelohomem, para Norte a paragens também desertas por causa do frio ri-goroso que lá reina; O Centro é governado por sátrapas, partidáriostodos de meu irmão, Eu só me quero convosco; se venço, quem há--de ir ocupar essas satrapias, se não vós»? Assim se persuadiram ossoldados de fortuna gregos a alinhar, em massa, numa tentativa vio-lenta de usurpação. Movia-os a pura cupidez, o ouro cantante, ao ser-viço de Ciro, o Jovem, sátrapa da Lídia de vinte e três anos, aspirante

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ao trono do seu irmão mais velho, Artaxerxes H, De maneiras de seropostas, segundo consideraram os antigos, tinham ambos emcomum o serem completamente destituídos de escrúpulos. O Ciro.que Xenofonte nos apresenta é um moço riquíssimo, desenvolto, ha-bilidoso, bem-falante, valente e conhecedor da mentalidade gregae de Como leváela à certa. Noutra obra, também traduzi da por Aquili-no, oareniense discorre sobre um ancestralhomónimo deste mesmo

, Ciro, cognorninadoo Velho, Ou o Antigo, adrede fantasiado, como'expoente de um ideal 'helÚticó de educação do príncipe.

.Arregirnenrados de início-com o pretexto (logro meio executado,para dar mais firmeza à maquinação) de uma contenda local entre sa-trapias, os mercenáriosgregos acabaram por marchar sobre Babilóniae confrontar o desmedido e variegado exército de Artaxerxes,

, Diz-se nó remate do livro, porventura adicionado mais tarde, quepercorreram mil Cento e ciriquerira e cinco parasangas (cada: 5520 m),e que a expedição durou quinze meses, Os estudiosos debatem, em por-menor miúdo; a cronologia e o. itinerário. A retirada tornou-se inevitá-vel.iapósa morte do mandante usurpador na batalha de Cunaxa, emlance temerário. Um dardo bem a~remessado atingiu Ciro na face e ojovem príncipe teve morte imediata. Os gregos aguentaram firmes, se-nhoresdo terreno, mas" uma vez Ciro abatido, a Vitória não lhes serviapara nada, A marcha - progressão até Cunaxa, às portas de Babilóniae regresso pelas margens do Eufrates, montanhas do Curdistão, Armé-nia e Geórgia, com o sentido no Mar Negro - ficou na história comoum dos mais celebrados feitos militares de todos os tempos.

Xenofonte, discrpulo de Sócrates, de ql.lem escreveu uma apolo-gia, e sobre cuja figura discorreu em Os Memoráveis, autor da Kyropeideae de outros trabalhos históricos e, até, práticos (equitação), é sobretu-do conhecido, fora dos meios especializados por esta Anábase, queAquilino, em boa hora, traduziu entre nós por A Retirada dos Dez Mil.'Foi ele um dos Comandantes da marcha, após o assassinato à traição;'pelos persas, das chefias anteriores.

Refere-se a si próprio sempre na terceira pessoa, aprimora os dis- ,cursos, de acordo com, as melhoresregras da retórica e não resiste:a auto-elogiar-se, tendo ocasião. Às' vezes desvanece-se: «e foi um'

j" triunfo pá):a de>1,chega a comentarcomindisfarçada imodéstia. Sim-"patizarite das oligarquias, não corisegue ocultar a parcialidade pelosespattanos que irá marcar o restpd~ sua vida e a um preço caro. Paramuitos leitóres,a sociedade espartana corresponderáa umparadigmade horror e pesadelo. Descontemos, concedendo que o mundo helé-nicoera,nó gçral, cruelmente escravista.ieque esta obra trata, sobre-maneira, de guerra, combates.e violência. '., '

, Uma excepcional narrativaque en~on~rou à sorte ,durrigrande, tradutor. Magnífica conjunção esta.ientreodesenvolro escritor gregoe o eminente-autor portuguêsque também; na juventU:dee nascir-,I,',' cunstâricias le~bra4as, ~o seu prefácio, com uma versão la~naà mã~,

:';1 ' se abalançou a Kyropetdea, a que, chamou, evocando no tíeulo.mais"~-"o espírito que a letra: 'O PrindpePeifCiio. .. ,,', ," ,~lsou dos ,qu~ considérarn Aquilino Ribeiroó maio~ e-mais com-;! pleto?ós' escriroresportugueses do século xx. Vidaaventurosale múltipla, I1~i:naifi:~aç~o de rija~ digna cidadania, um exemp'lo d.e"~ coragem e altiva resistencia, .e.tambêrn uma presença tutelar e respel-J tada nosmeios culturais de então. Na: sua obra, re1evao balanceiot! entre a cidade <::0 campo, a disseminação por vários géneros, romap-'I ~:' novela, ~onto, ensaiá etrádu~ã6, o assomard~macultura densís- ..,lI sirna e multímoda, de vasta epartilhad~repeFcusSaO, desde os autoresI clássicos remotos :eestrutura,ntes,até aos~a.sua.c~nterriporaneidade.j Avulta, sobretudo, o esplendoroso domínio da línguaportuguesa,I a riqueza v,ocabular e.imagéricae também a graça, ora subtil, orát vivaz e bonacheirona, cortando de um travo popular.a situação mais: tensa ou a sol~nidáde mais erudita. Assim palrariam estes arrogantes

guerreiros, nos seus tratos bélicos; ou.objurgatórias de caserna.Os gregos;,aqul os, temos em cheio. Terminada a guerra do Peio-

poneso, milhares de homens livrés.cdesocupados e sem cheta, .deam-bulavam por essa Grécia fora. O ouro deCiro.oj overn, cantou altoe aci rr ou a vonrade,de.lutar,ainda não inteiramente amortecida,duma imensidão de soldados sem eira nem beira..Parao\1tros, comoClearco, a ambição deCiro foi a oportunidade de exercerum puroespiritoma~cial,amante da guerreia .pelaguerreia. Sei: mercenário,pelos visto~,nã() parecia.então desonroso. . .

Há urriaGrécia de bilhete-postal; de harmoniosas colunas bran-cas ao cimo dumdeclive macioçharmoriizando-se com o sol-pôr,

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.sobre horizontes amenos; Outra, ainda,que vence o cliché, de cir-cunspectos filósofos e homens públicos, travando razões elevadas naágora,no pórtico, nos jardins; nas assernb.leias, mormente sobrequestões de ética. Em simpósios, ou banquetes, ditados pelas regrasde civilidade, boas .maneiras e arte de conversar, esteve presente,entre vários; o dúbioeoportun~sta Menão, dequein Xenofonte,outro dos comensais, não consegve dizer senão mal.

Estes gregos que aqui vemos em rri~rchanão são propriamentealfenins, nerricoraçõesfloridos, Sãotirados mais do real que da estili-

'.zação idealista. Tambémnão são de confiança. A palavra deles valetantocorno poalha de areia ao 'Tento. Nada oferecem sem uma con-trapartida vantajosa. Transportainconsigo o produto 'dos saques,tudo a .que.puderam deitar mão; mulheres roubadas, valores, vitua-lhas, escrav(js arrepanhados aqui e além. Em dada altura, a impedi-menta arrasta mais de quatrocentos carros, Pilham; incendeiam, rou-bam, assassinam. São bandcléirosçraroneiros e, estando perto domar, piratas. A rnatreirice vai-Ihes na massa do sangue.

UrndiscursodeXenofonte, jáno final, em terra trácia, resume.:todo um programa, com muito. à-vontade: «corno não dispomos dedinheiro, e aqui não podemos deitar inãoa nadaque não tenha de sepagar; se acham bern.vvamós para terias emque os habitantes, menos

.fortes que nós.inão te~ão remédio senão sustentar-nos». .Valem-se de armamento eorganízação militar superiores, um

poder compacto de choque, a que os outros, armados à ligeira, não.conseguem resistir. Tudo ali é estruturado e especializado: hoplitas-'- infantaria pesada; peltas tas -,----infarttaria.ligeira; archeiros creten-ses, fundibulários ródios, carreiros, corpo médico ... Mesmo nos maisnovos sobressai a veterania da guerra civil grega. Na ordem de bata-lha avançam em .falange, ordenadamente, com. passo acertado,for-matura estudada, entoando um canto sagrado, opéon, que levanta osânimos e intimida os adversários. Urna nora de contrariedade: o arcodos Carducos (Curdos) cujas flechas lhes.hão-de furar escudos e cou-raças.

Dizem que. Alexandre Magno usará a Anábase, por um lado,COmo certificação das debilidades do exército persa, por outro, comoreferencial de itinerário e fonte de,informação acerca de diversospovos.

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Ainda falta muito para, certo dia, chegarem os legionários roma-nos, com organização, armas, engenharias, estratégicas e tácticas ain-da mais elaboradas. E autocontrolo.E disciplina. E sangue-frio.

É que estes gregos são profundamente individualistas, fazem pelavida, não se coíbem de desobedecer, mesmo no auge duma batalha.As arruaças dentro do arraial chegam a tomar aspectos burlescos.Dádiva pessoal? Não vem ao caso. São dotados de sentido prático:é preciso :queimar o trem? Queima-se. Depois recoristitui-se, pilhan-do o inimigo. É preciso cozinhar os animais de tiro? Fazem-se fo-gueiras com os escudos elanças capturados ao lado de lá. É precisopassar um rio? Aceitam-se, ponderam-se e discutem-se propostas.É preciso perseguiroinimigo com uma coorte de cavaleiros? Impro-visa-se a partir do que houver.

Não poucos são atreitos à traição. Fogem, desertam, cindern,mentem desaforadamente. E quando é caso de fugida, .nunca vão demãos a abanar. Às vezesdá-lhes para a zaragata entre si e custama desapartar, São crentes, entranhadamente .religiosos: não esboçamum passo sem tentar aliciar os deuses com holocaustos, send~ possí-vel, abundantes. A superstição co bra os seus tributos: Um espirroa meio duma conversa, um sonho, um golpe de vento são presságiosque tornam muito a sério. Não embarcam numa deliberação sem queos adivinhos consultem as entranhas dos animais. Pode dar-se mes-mo o caso de se repetirem consultas sucessivas, até que a previsãocoincida, por fim, com a decisão anteriormente tornada.

Mas sobre tudo isto, e sem embargo de reservas mentais, entre oshomens livres tudo se decide democraticamente. O soldado mais hu-milde é chamado a pronunciar-se. Eháass~adas, contraditório, vota-ções. Eis - por mais cruel e desabalado que seja este mundo guer-reiro - um traço distintivo nítido que para além das muitas terras--de-ninguém separa definitivamente estes homens dos exércitos ou

. hordas sanguinárias que os cercam, vigiam e lhes saem ao caminho.Entre os gregos, as grandes decisões e responsabilidades tornam-secolectivamente.É a liberdade que; nas palavras de Ciro, eles «têmcomo sumo bem». Esta a matriz diferenciadora que admiramos e sa-bemos reconhecer neste nosso espaço e tempo.

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Mas também falam de igual paia igual, seja qual for a posição queocupem na hierarquia. Não raro, mostram-se recalcitrantes e, mes-mo, inconvenientes. Xenofonte,a cavalo incita os companheirosnuma subida íngreme: .

«. - De cima do cavalo podes fanfar! - lançou-lhe um certo So-téridesde Sicião. Se fosses' à pata e levasses o escudo como eu levo,não te mostravas tão farsolal

Mal ouviu estas palavras, Xenofonte deitou-se abaixo do cavalo,empurrou o soldado para fora: da forma, e arrancando-lhe o escudopôs-se a correr. ao lado dos outros.»

Ém várias circunstâncias, este papel do exemplo é mais convin-cente do que as palavras aladas. Comum frio de rachar, em plenaneve arrnénia, Xenofontevence os desânimos despindo-se e come-çando a rachar lenha.

Talvez todos os homens sejam contraditórios por o paradoxolhes estar entranhado na natureza. Os gregos predadores, brigões,palradores e vociferantes são os mesmos que conseguem produzir re-finados espectáculos de mimo, canto e música durante um banquete,aliás primorosamente descrito. E com 'vozes femininas também.

É muito conheCida a corrida alvoroçada da tropa quando umdeles avista o Mar Negro de cima duma elevação e dá voz: «Thafassa!Thafassa!» O mar, enfim, ornar! Rompe uma nova fase na atribuladamarcha dos dez mil, que vão sendo cada vez menos.

Mas além das coloridas reconstituições de batalhas, emboscadas;escararnuças.vmarchas forçadas, razias, predações, a pena ágil de Xe:no fonte e a excelência deescrita do seu tradutor dão-nos os retratos:perspicazes de. Ciro e dos comandantes assassinados à traição pelosátrapa Tissafernes; a penosa caminhada através de «desertos lisos:como o mar»; o relato tenso e alternado de magotes de homens que,'de um lado e outro, se precipitam para tomar as cumeadas de um:monte; o sofrimento dum exército que desespera de frio, fomee doença numa paisagem nevada; a situação burlesca do mel que en-:louquece os militares que dele se apoderaram; os expedientes e falasmatreiras para persuadir os soldados a fazer o que não querem; a ba-rafunda que resulta dum levantamento interno, assaz confuso, contraos «fiscais de géneros»; a ponderação da alternativa entre constituir

urna nova colônia oupartir; o difícil; suspicaz-e conflituosorelaciona-mento comascolónias gregas que s.âoéocontradas;.oacumular de

.tensão ~rIl Bizâncio .quando o desastre chega a estar por um triz.A riqueza e a vivacidade da narração, o encadeamento movirnen-

tado de acçõesereviravoltas, asuC<:ssã~ de cenárlose d~ povos, osmomehtos de.ansiedade, os lances'espectaculares; e, sobretudo, a sa-,borósa versãoemportug;úês,sãoe~celentes razões para o reencontrocomeste livro,e cOrno Mestre Aquilino, numa oportunidadeque gfa- .rarnerite sesauda, . . . . . ."

Mário de CarvalhoJulho de 2014

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Foi em Paris, úm ano antes da Grande Guerra - era eu estudante de le-tras na Sorbona -. que travei relações com 'Xenofonte, natural da Atica,filhodum fidalgo ruml de meia~ft'ge/a/ Grilos; Conbeiia-o muito pela rama, dos tem-posem que esÚidéi história pelo padre Alves Matoso, autor de consciência largaque principiava com os sete dias da Criação. .Apresentou-mo certofrancês que nãoera eclesiástico nem doutorado, pelos vistos, e linha a unção e sabedoria dum velhomestre ú,lpiciano,M . Tournier. Este, por sua vev. apareceu no meu caminho co-mo tantos excêntricos que brotam, dir-se-ia, poi: geração espontânea, do soloftcun-do de Paris, ao sabor dum comentárioem sala de conftrências, ao tomarmos o ca-

fé nature no Biard, .à:saída do metro: aprês vaus, monsieu,quenão acaboua cortesiaem França. Toumier, bumanista.na acepção rigorosa do vocábulo, pos-suía rt;lzoavelménte o grego efalava quase todas as línguas vivas europeias, e asque não falava lia-as cOm o discernimentoque, à medida que se aprendem idio-mas, se vai difundindo duns para outros como em vasos comunicantes.

Devia orçar pelos setenta ti setenta e cinco anos de idade e, apesar disso, comose tivesse diante de si longa vida ou experiência uasta a cometer, capricbo« falaroportuguês. '.Noutra qualquer pessoa seria' aquele um desejo delirante e tema paraconsiderações de .ordem hJlmonstz'ca. Neste homem, farto de letras ede anos, não.5 emelbant« ge;to, com efti'to não 'mais. inútil que tantos outros que a'gente positiva,pratica a cada 'passo, estava nele ressalvado pela, verdade, descoberta simultCznea-mente pelos sete mágicos e os sete alfaiates; de que o saber ~ão ocupa lugar. Quis,talvev. prestarh'omenagemà co/ónia lusíada do. Bairro Latino, a qual, além deo introduzir em sua familiaridade, era generosa com ele, de todo destituído dosbens deste mundo., Muitos portugueses, com efeito, publicistas, médicos, artistas,estudantes, queent.ão fa:dam estágio em Paris e nas horas vagas abancauam pelosCcifés do Boulevárd $t. Miche~amparavam-no como podiam.

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Vontade tão singular não destoava, pois, naquela pe.rsonagem, bastante mis-tenosa;fet;hada comOcasa devoluta ou onde »rorre« alguém, e de que nunca se vi-ria a conhecero começoeo fim: Tinha parentes/ iinh~ um endereço;on~e deitavaa enxer;gacada noite?N unca pudemosaveng,ilaTj. tanto mais que sepercebia sero velho ciosodaquela obscuridade;cf!1no'seescondeúe umfrade evadido do CTVÚl-

to, freguêsem/cr;gonhadOdos asilospúblicos,. civilizario nâmada e rebelde, quepre-flrea deus-dará à grilhetado cidadão régu!eiTjAngelo Policiano com a capa deS. Francisco. /i/to, dobrado da espinha, o que Anatole France chamava bondos, tra:da invariavelmente um casac;iode.pdroco r'ural,semcoTj luZidio, eternopor acinte da própriq po~reza, e calçava botinasenormes, feitas para toda a casta-defoanetes, destas que o Francês, que nãoperdoa a ninguém nem a seupai estasmisérias, chama godasses, ..' '. .' ., Embora homem simples eqfável,não .era daqueias fisionomias assoalhadas

àsquais, desde oprimeiro minuto, abrimos crédito largo: .havia que superara quarentena. Não queexperimentrissi!1nOScom ele ofrio que revessam certaspes-soas, ao ,conhecê~laspelaprimeiravei:, frio dascisternas alpendradas, de que senãoenxe'ljao fundo, Poruentura tal antectpaçã~ não representasse mais queaparagem aque obriga uma láPide cheia de caracieresque se não decifram aoimediato lance de olhos.'De facto)' a vida deste velho, recatada no particular, comás suas sombras melindrosds, tinha trapos domai~r reieoo. Tomara parte na in-stlrreiçãodaPolónia contra a Rússia e como voluntário na luta do.Papado contraGaribaldí,"fizert,1 águerrade 70 é carteav;~se.aú·Jdacom dois combatentes ale-mães, jendo,lhe tocàdo e;" sorte ser o seu guarda momentâne'o de cativeiro. E eutodo me extasiaua pel-anteaquelagalhardia,dejustadores quepunham afraterni-dade humana acima das cont~'ngência/daguerra. . . .

Antigo soldado do PaPa, 'Toemier era católiCo e monárquico como umchouan. Na qualidade de catdlicopunha o maior esmero em cumprir as obri-gações que ordena a Santa Madrelgrda. Mas a sua alma prifundamente religio-sa não ia até a reversibilidade do. zelo sobre .o semel/J(:mte.O mesmo sucedia coma sua ftPolíticaJdumorleanismoinquebranttivel. O'realist~ e o cristão ampara-vam-se, compenetrando-se segundo ,uma necessidade lógica do seu espírito que àsvezes Ihecipra:d~ énunciar.Quando pro/éria; Monseigneur le Prince, enchiaa boca e do.bravàafronte da mesma maneira quesejalasséno Santíssimo Sacra-mento.. .

Estas qualidadesantig,as stlpunham, antes' de.mais nada/ um patriota. Pa-triota era-o até o riflexo.mais remoto de seus pensamentos e actos-.Deu provas.

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Uma vez que se tinham passado semanas sem que o visse, não seijá porquê, de-parou-se-me a subir o Boulevard St. Micbeler» estado lamentoso. Do terraço doCafé La Source pude abseruá-Io cercado de basbaques - as carroças de Paris_ depau no ar como haste duma cnJi:, a cantarolar um hino sacro. Opobre ve-lho era vítima duma excitação que olevava até o cairelda demência, assim o)u-ravam os seus trejeitos egatimqnbos ..De envolta com a salmodia, glorificava o no-me de Monseigneur le Prince, tratando a República de sale Marianne, comas mais facécias costumadas dos camelots du roy. A certa altura do entremezum quidam fez-lhe não sei queachincalbe e ele, enfurecido, mandou-lhe umachuçada com opau. Receando eu q~e o velho encontrasse neste ou noutro sl!J'eitomaior energúmeno do que ele, chamei-o efi-lo sentar a meu lado. E estava a to-mar uma bebida, no período de quebra e esfa!famento que têm os possessos e osafogadiços, e eu a sentir naquela enervação as muitas necessidadesque o triste ha-viapadecido e translu:dammesmo do seu rosto descarnado e exangue, veio o su;'ei-to que ele defrontara e descarregou-lheum murro pelas costas. O agravo atingia--me epeguei-me depancádacom ele. Ao cabo da desordem, eu volteipara o meulugaTjo tipoficou encostado ao quiosque a pingar sangue das ventas, com os miro-nes à volta, Não queria que O velho m,eagradecessea intervenção e as consequen-tes sensaborias. Mas o que me conftindiu foi. que, lar;gando-mea mim, fosse aca-lentar o indivíduo esmurrado, se desculpasse e lhe falasse com ternura paternalMovimento da sua alma religiosa?É possível Há ainda a considerar que anda-va reloucado. Mas acima de tudo pareceu-me ver naquilo uma desafronta ao ir-mão de raça, aofrancês agrauado por um métêque, como então se chamava aoestrangeiro..

Fosse que nãofosse, era sublimado patriota. Quemcfo estalou a guerra, vi-lhepela primeira vez quebrar a linha cordata e delicada, criticando o meu sangue-frioe neutralidade. Maspara lá de todos os reticentesatributos era.um sábio - sagese diZ emfrancês com uma significação que envolve bondade e inteligência das coi-sas - humanista qfle me revelou em Xenofonte o verdadeiro bomem de letrase de armas, pio como Eneias porém menos hipócrita, protagonista de.aventura co-mo nunca houve segunda em resistência e valor debaixo da rosado sol

Uma tarde, depois de termos dissertado a perder de vista acerca da Gréciae dos seus génios mais representativos, e eu lhe haver manifestado ogosto que teriaem ler os velhos mestres do' Ocidente na língua original, à-loque me' entra pelacasa dentro com uminjólio vasto e imponente como o Erectéion. Estou a uê-Io,sorriso malin a iluminar-lhe a cara sobre o comprido a que o cabelo I7IÇO, cortado

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à escovinha, e a'lanugem branca e rala dos queixos é daface - lanugem que nãomedrava, estava sempre aquilo porque a devia espontar com uma tesoura velha- eram .0 adequado caixilho do indigente e bom-serás. Nariz qftlado, lábiosfi-nos, com o rego~jjo interior chamdava-Ihe nas pupilas apalheta da íris, do mais

fino azul-celeste.-Que me traz aí, amigo e senhor Toemier?.A laia de resposta escancarouo cartaPácioem cima da mesa efoi correndoas

folhas com a mão. Ao tempo eu habitava a &a Dareau, tão perto do Pare deMontsouris que ouvia a mlÚica do carrocel, quando os cavalinhos tornavamofreio nos dentes com os cavaleiros em sela, e se nãofora-o sussurro de Paris ou;i-ria a própria chilreada dás crianças e dospássaros. Em contraste da Avenida deOrléans, que -passaua .no tope grulhenta e cheia defuga, a/i era regaladapasma-ceira, 'um trecho, da Província tom jardins seculares a coberto de muros enegreci-dos, empresa de recovagem,ferrador, pequenas tendas e.casas de capela,por detrásdect90 b~icão as don'as mal sepodiam uirar: . .

- Aqui tem a obra de Xencfonte, com boa tradução latina, à margem, deJoannes Letmc/avÍtls.Adquiri-a no cais-por cinquante sous. Para uma ediçãoseiscentista da Lute~ia Parisorum, mais barato só um mergulho no 5 ena. Leu1-c/avius ou Loewenklau, grande helenista de Amelburne, viveu na primeira meta-de do séculoXVI e.deuem-se-lbe, além da História da Turquia, excelentes tradu-ções do grego. Uma delas é a deste estupendo Xenofonte,. philosophus etimperator clarissimus, queparece cortadopelo molde de Ulisses. Com a versãolatina à banda, dentro depouco navega no grego como uma trirreme de Lacede-mónia fio 'Héiesponto. Deixemos a Ciropédia e vamos direito à Anábase quese lê tão agradavelmente como.a Odisseia.

Não foi só a mim que o velho Tournier começoua dar liçõesdegrego. Deu-asa outrosportugueses, à data habitantes da R.ive Gauche,já:porque estas docese inofensivasfantasias sdam contagiosas,já porque fosse aqueia a maneira de se-remprestáveis ao velho com bizarria ao mesmo tempo que tirauam alguma vanta-gem daquelepoço de conhecimentos. Um delesfoi Francisco de S erpa Pimentel, fi-Ihojamília a quftm não faltavam posses e tinha as suas curiosidades espirituais.Lembro-me da hora em quefui encontrá-Io no seu appartement da &a Mongeacocorado diante da banquinha turca, enterrado em tapetes de Esmirna (estavaentão na fase dofatacaz oriental depois da viagem que fizera através do IrspérioOtomano) com a Vida dos Filósofos de Diógenes de Laércio emfrente. E ao

. ARETIRÁDA DOS DEZ MIL 21

1,pé, como iJejcrib~ de Ramsés OUCl11feStomo Mentor ao lado deTeiémaco, tam-1"bémsobre o traseiro, 'estava osapientissimo Tournier. Com afoitojeito, tal nada-

_ i,dorconsumado a condu:drpara O vasto oceano, um menino pela <mão,assim ele":~~tlhe ensinava ndquelàsilv~ filosofal osprimeiros passos dogrego.' " ..'

,,:,t·: .. , . . .... . ..' .' '.,' "';;>.g~;.. Aqui está como trlfveirelaçõesf1fundocoinXenifonte, aristocrata mas sem-'.... ".",... '. - . ."

'~'',"'~~;~'~jprecivílista~homem de mgenho e de.armas;meslre na iineta e fia Cjnegética,apai-.f1 :;.){f!t:. xonado pela' acção e a m)entura, e cultivando rIO seu retiro da Elida a lavoura,'.~;;;jj!;:i e as letras. GramátiCa a u/,; ládo,lexto de Loewetiklau a outro, segundo'um pro-I••.~::f·~essoousado,sui gc::neris, do mestre, atirei-me de cabeça. Nã~ me lemb~avajá;~:;~)l:'.:quanlas p~r:(:úant.ajfi:{éra"10s atraués da narrativa, ip(~ndo, remexendo há se-'.: ..1·.... ;1: manas noesp.ólioq~e trO.UXéde Paris, tão~e~tendente r: cada objectodava luga:

o: :~::.'. a uma onda de saudades. que me entontecia com seus. balsamos e ressurrectas v!-,1 .:? s~es, encontreidoisJi~ros_ tra~uzido~; e ~r:"te:c.eiro=r': A certa altura ~a

r :',1 " vrda ~olta-se,qu~mazs. "". sqa em Imagzn4çao, "" ~ntzg~samores..J?.uerpor tn-.J " capacrdade·de crzar nouos, querpor um retorno.misericordiosodo espirzto;opano-

t. ram~ dopa.?ado einpolga~noj m.aiS.os sentidos queas pe.rspectiv.éris~nhas dof porv!r. ASSIm me aconteceu com os cadernos que 'eventualmente me cairan: nas

1': .mãos e mefizeram tegressa-rao mel( Xenofonte dé há vinte ~ cinco'anos. '.

,'. .,::, A guerrq interrompera os »re«: e;t~ddsdo-grego e o quetipriJ~di ~pagou-se! :. mais dep.,.~ssaquerisciJSnaà;eia ..Mas pefdutou~mememóridb~m i,ltida do que

1,. era esta Aná~a~~ del~ciosa!de linfcipim; e estreme, c~/hida .comdiscutível =:. pulo pelas maos de mil e ton tradutores. Fora deuaneiopuro abalat1çar~mea port: . pé num mund0!'10rlo,sem recessos-quen~o.tlJflham ;idodesvendados, deuaneio fi-,\ lho do espfrito de contradição, verdadeiro demónio tentador, ao senti~~menacida-I de que é o centro vcucúlar.da vida moderna. 5eria,porém, bem possível que; ain-I da sem a guerra, o Iheticbmetimentofenecesse, 'como. nascera; de inconsistente

e alado desejo. Mas /ucreiter conhecido o homem extraordinário que éXenofonte,.tão cheiode agilídar;!ementC1!efísita qu~parece um espelhopara operfeito cidac

dão de boie, são de espírito, bemformado dá corpo, robustecido na paz para asandanças da guerra, e um junhadodehomens vaZados ~m bronze.:Ciearco,gene-ralespàrtano.fera, recto..militarão/que parece ter ressurgido naquele Mackensenda Grande Guerra, .que tie uma 'assentada conquistou '45érvia e Montenegro e,lançando uma ponte sobre riDanúbio, enquanto o Diabo esfregaum olho auassa-1014a Raménia; Giro, que tanto separece com.o imperador J uliano,: o impagávelHeráclidas, rábula,troca-lintás, intrigante,chifede fi/a dapitoresca e variadafa-lange degréculos em que alinha o Spendius, de Flaubert,· Tissafernes,prot6tipo do

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IIII

22 XENOFONTE

espírito deinsidia, felonia .e maquiavefismo que uincaua o carâcter dos déspotasorientais;' Sentes,.reizetetracio, astuciosa e sem.veigonha, etc. etc. E, mais do queestes figurantes de~/tocotumo, lucrei conhecer, de visu pode dizer~se, o.grego co-mum, heróico! resmungão, jambafeiro, sensua~ pio nomeio dos excessos, sempreobsequiador da beleza, Com uma das mãos roubanclo).· com (J outra imprecando

.....Zeus, Pai de. tudo) leuadoora pelo interesse ora pela'glória, e cioso, cioso como fi-ra, da sua lib~rdade. ". .' .

. A meih~rfontede energia para o grego, com ifeito, pode dizer-se da sua visna guerra,estavd no sentimento e culto que tinha da liberdade. Mais que deusa,invocava-a como razão de ser ejusiijicação daexistência dapropria Hélade.(Quando Xerxe~.·-·.excfamaXenifonteparaossoldados esmorecidos com

. -.a traição em que 'pereceramoscapitâes -'--- marchou contra a Grécia à testa dum

· exército inúm(!rável, os Gregos batera»: oin/migo naterra e no mar. Por toda

.' a parte ficaram troféus da. vitória. Mas a maior prova desse triunfo consiste na fí-

herdade das cidadN{]t?: que viestú ~ juz~joftes cTiados:porque nós não r~c~nhe-· ce.mosoutrosamos alem dos Deuses.i Ciro sabe: qtie.e essa a corda senszv!1 dos

Gregos e é com as seguintes palaVras queosex~rtaantes da batalha: (rSó vos peçoque vos mostreis quem sois, dignos daque/4/iberdade que tendes pelo sumo bel;;eeu prefiro a todas as riquezas)'. Esta liberdade era-lhe it~dispensá~~1 co~oo ar qu~ Se. respira e o Grego que~

'ria sentir-se livre,saber-ú. livre, senhor dos seus actos, árbitro do seu destino, e ilc~da passo, sem(Jlhanté ao homem que a~ordadosono e se ap4lpa para verificarque está desperto; tirava a prova. Essapr,ova pedia-aao exercício do sufrágio..Assir», durante fi célebre retirada, posto h(Juvéssem eleito chifes, sempre que s~~partavam das4irectrizes estabelecidas; ~onvocava~sea assembleiados ~oldadoj

· é de/ibert1;va~s~.Deliberava-fe a propósito de tudo edenada e votava-se. Era pre~firiveliriflectir parao Norte, onde se topava. n;ais que comer, a arrepiar caminho.por onde tinham vi/1do, rota com certeza mais rápida; deviam seguir por mar oucontinuar por terra; aceitauamaproposta do tiran/eque pedia uma demão mifí~tar para saii-ifazer os seus rancores ou'ambii~es,e;;; tioct7c1~ tais e tais dons-

assuntos eram estes-de interesse geral aterc4 dosquais :s6 a a~sembleía tinha com-petência pata. pro,nuft.ciar-se .. Depois que amatiria era dada como stificientementediscutida, uma, veZ 'encar~da sob os setlsmultiplos aspectos, escorreiia de artima-nhajap(;s~ necÚsá'tia controvérsia, z/otat/cHe.Pofsque desde que o mundoé ~undoai'ndaSe nã~. descobrira melhor como expressão da uontade colectiua do

~:,

A RETIRADA DOS DEZ MIL 23

~f{f,,:,,';;<:I), que o sufrágio, ia-se a votos. O Grego era particularmente dialêctico e não sancio-nava: coisa alguma de .olbos fichados. Ciroe depois os capitães que tomaram o co-mando da coluna expedicionária encontraram-se com homens ciosos dos seus direi-tos. A educação democrática do Grego persistia debaixo das armas. Rien deplus curieux - escreve Taine -. que cette année grecque, république voya-geuse qui délibére et qui agit, qui combat et qui vote, sorte d'Athêneserrante au rnilieu de .I'Asie; aves ses sacrifices, sa religion, ses assem-blées, ses séditions,' ses violences, tantót en paix, tantôt en guerra, surrerre et sur mer, dont chaque événernent éprouve et révêle une facul-ré et un sentimento

Foi este amor à liberdade, servido por u,:, entendimento luminoso e aliadoà boa compleição ftsica, que deu lugar ao milagre de acção que} a marcha dos dezmil gregos através de: seiscentas .léguas em terra estranha, triunfando da naturezahostil àforça de ânimo; e dos inimigos, bastos como gafanhotos e tão feros como

traiçoeiros, àponta de espada.

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Traduzindo Anábase, que assim se chama o livro de .Xenofonte, para Re-tirada dos Dez Mil, cometemos uma infidelidade. Anábase na sua signifi-cação léxica quer dizer marcba.para o interior. A avançada estaca, porém, ao

fim do livro primeiro, para os seis restantes se ocuparem com o rifluxo dos merce-nários sobre oponto de partida. Op~óprio título original não condiZl por conse-guinte, com a extensão do feito militar. Chamaram-lhe certos tradutores Expedi-ção dos Dez M.il maÚ impropriamente ainda porquanto. o exército que Ciroconcentrou em Sardes edirigtu contra seu irmão .Artaxerxes compunha-se de cemmil bárbaros e treze mil gregos, que eram entre hoplitas epeltastas as suas tropasde choque. De todos os tíiulos o que assen,ta mais piasticamente ao sucesso é reti-rada, tal como é denominado nos comPêndios de história.

A Anábase veio à luZ sob o pseudônimo de Temistôgenes, de Siracusa.Mas, além doutras razões) C01710 nãose encontrou citação segunda de tal nome,nem é crível.que se tenha perdido obra deste género, está universalmente admitidoque o autor é Xenofonte, Se recorreu a nome de empréstimo foi, se não para dissi-mular a tendência apologética do escrito, para estar mais à vontade, como opinaCroiset, ao falar de siptóprio.

Se procurássemos demarcações na .Anábase, sob oponto de vista de géneroliterário, teríamos que até ofim do primeiro livro se tr'ata de correspondência

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24 XENOFONTE

de guerra, directa, rápida, coma sua náttda acidental histórica ou mitológica;como se faz boie, das em diante memórias, como é também de uso clássico. Desingular na segunda parte háque o.memorialista desborda a tal ponto sobre osmais figurantes que estas páginas chegaram a ser classificadas de patranha deli-ciosa. Tiveram um pouco o sestro da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.Em verdade apareceu uma Anábase de So.ftmto de Estitifalo,em que Xeno~fonte ocupa um lugar do insignificante relevo, e Diodoro, da S icilia, ao historiara retirada dos Dez Mi~ refere-se a ele apenas quando assume o comando em che-

fe, o que não admira dado o restrito espaço de seis páginas que' consagra ao assun-to. Quando ao encontrar-se apoucado no relato do seu .camarada de armas, pon-dere-se que a emulação era um dos sentimentos que mais atormentavam a almadum grego e que daí até a invrja, a invf!ja que não deixa medrar, não vão grandespassos. De resto, o Xenofonte negado por Durbach, primeiro, por Couvreure Maquerqy, em seguida, homem de claro entendimento e de bom senso ordenados,dialéctico hábi~ simplés de maneiras e ao mesmo tempo bizarro~ avisado e animo-so no perigo, sempre valente no ataque, sobrevive à aventura tios Dez lvIil. É omesmo que ressalta dos escritos vários que compôs mais tarde.- e nunca estilorevelou com tanta precisão uma personalidade - mais oijettivamente, ainda,o que na qualidade de estraté,gico de Ages/lau, podíamos dizer ihife do seu estado--maior, anos depois derrotou Tissafernes e Famabaz. Discípulo de 5 ócrates -a dedada do mestre admirávei descortina-se a cada passo no seu carácter e no seuespírito - feito às armas e à guerra, tudo concorria nele para ser o cabecilha quesoube conduzjr os concidadãos através do formigueiro asiático assanhado. Nada,pelo contrário, antes ou depois, desmente nele essa vocação. A narrativa, paramais, sua o sangue da sinceridade. E, se Olivro regur;gita da própria pessoa, fá-Iono legítimo direito do mais inteligente, do mais forte, do que mais soube correspon-der aos requisitos tácticos e morais da retirada, cérebro sempre em .função, opri-»reiro a investir e o derradeiro a fechar a marcha.

Se em ngor a Anábase sepode dizer compósito,· sob o-ponto de vista psicoló-gico do protagonista não menos há diversificação. Até à chegada ao Monte Santo,do alto do qual os expedicionários soltam ogrito desafogado: Thálassa! Thálassa!cada episódio ressuma vontade e um optimismo salutar. Dali em diante dir-se-iaque mudou a alma dos figurantes, se. não é a alma do general e cronista que mu-dou. Em verdade, os gregos até ali sacrificavam à esperança seus ódios, suas inve-

jas, sua indisciplina, sua cupide:v e agora têm a certeza· de volver à sua terra,O perigo desvaneceu-se, ou assim opresumem,e os individualismos levados ao

A RETJRÁDA DOS DEZ MIL 25,,:' .... -. :. ".: .

exagero,· a uontade dum sempre mais te.naz que a vontade. doutro, a opinião ciosade não ceder à opinião, tómama supremacia, .eperante aquele mu~do treSmalha-do e rendido às solicitações de toda a ordem, a melancolia de Xemifonte transpore-ce. E quando não transparecea melancolia é a sua inconformidadeque reage. Co-mo não, se via o crepúsculo descer para aepopeia?! .

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Mas que foi a retirada dos Dez Mil? Aí qualtocentoJanosantes da eracristã, a GréCianãoiinha ainda acabado de convalescer das feridas qiú lhe deixa-

. ra a guerr~ chamada doPeloponesO, em que, .durante vinte e sete anos, renbiramde morte as duasprincip;;in:omunidades helénicas.: Atenas eEsporta. A g«erraacabou coma· hegemoniade Atenas graça"saos auxílios de toda a ordem que pres-tou aos Lacedemónios cito, filho do rei.da Pérsia, sátrapa da Lidia. O 'bomer»que durante lapso tão considerável de tempo 'terparaas armas dificilmente se habi-tuava aos labores da pa!{; Daí opulularem pelas terras do Helesponto, Querso-neso e Tessália osodosos e inadaptados, prontos a seguirem o balsão do primeiroque Ihes untasseq'pata. Precisamente.foi entre eles que opríncipe, de que falá-mos, mandou os seus comissários recrutar bomens com o intuito. di;formar umexército que lhe permitisse. bater o irmão e sentar-se no trono da Pérsia. Do. Pelo-poneso à Asia Menor, tanto no continente como .ilhas, arrebanhouquanta gentelhe apareceu. Deste jeito conseguiu reunir treze mil homens de nacionalidade gregaque, repartidos em hoplitas ou infantaria pesada, peltastczsou infantaria ligeira,constittdram as suas tropas de choque.

Estas forças, somadas aos cem mil asiáticos de todas as armas, que tinha de-baixo .das mas ordens, romperam marcha de Sardes contra os Púidas,fez eleconstar, a fim de purii-Ios pelas incursões que fazit1m amiúde no territôrio do seugoverno, O sátrapa vizinho, Tissafernes, équedesconfiou de aparato guerreiro tãodescomunal e em desproporção com ofim que se propunha, e despediu a marchas

forçadas avisar o grande-rei. A primeira parte da Anábase é isto, o auancosobreBabilónia do exército de Ciro, jornada porjornt1da, com seus episódios pitorescos,tais como a parada das tropas ante a rainha Epiaxa, as lágrimas de crocodilo deClearco,a batalha de Cunaxa, onde Ciro, valoroso mas temerário, perdeu a vi-da -.No dia seguinte ao da batalha, com os gregos vencedores mas .assombradosem pleno impén'o persa,. começa a grande rapsódia da Anábase,a retirada a va-ler. E os lances de tragédia e de farsa, de bravura ede beleza sucedem-se, tempe-rando-se as lágri1'11ascom. o claro risopelásgico, às horas de provação infinita Ate-mia acudindo semprecomolbar radioso a preservar os seus do desânimo letal.

í,j.

!I

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26 XEN oFONTE

o massacre dos capitães gregos, Xenofonte nu-no meio da neve a rachar lenha;o bolocausto â beira do rio Centritas com homens e mulheres despidos, de roupa .à cabeça, prontos para se meterem à água, em roda do sacrificador de coroa delouros na fronte; ascomezainas nas aldeias arménias com a soldadescameiaébria, fazendo-se seruir-pormimica, e muitos outros lances e discursos e belos di-tos, dum aticismo saboroso, faltaram na Odisseiaparaa Anábase ser o segun- .do livro universal na acção e no sentimento.

A retirada dos Dez Mil, como muito bem/uturavam os Gregos, exaltou,a Grécia: «Porque não batemos de conquistar o império opulento efabuloso, ondeas riquezas andam aos ponta pés, se os seus guerréirás nâo conseguem dominar umpunhado de inimigos surpreendidos de portas adentro?» E Esparta rompe emguerra contra a Pérsia imensa:/lgesilau,. que tem Xenofonte como lugar-tenente,. .

derrota a Tissafernes coma ma caualariano Meandro, depois a Farnabaz e de-.vasta-Ihe a satrapia. Tissafernes, a perfi dia personificada, é decapitado às ordens'deArtaxerxes em castigo. da derrota~ Agesilau.conquistará a Asia Menor toda.

" Mas eis que o cha'Tnampara.difénd.er Esjarla atacada pela conjura de Atenas, co~ as mais.~idadesgrei,as. :.' '. ".' .:"....... .: ' . .

. '-.:- siío irintamil arcbeirosdo grandé-reique me lançam fora da Asia -exclama AgesilClUaludindo à ejigiedosdáricos,ditiheiriJ que a Pérsia semeara

.. p~/a Grécia para mover as-cidades e Atenas ti luta. - ... . Neste ano da graça' em que a guerra lj;lVraaq~i e além, ftroz nem respeitarpairimónioou coisa. sagrada, como velho; mulber ou criança; que a Europa está,p04e dizer-se, em vigília de armas; qUeadifésa de povq para povo se estriba naoontade do serenõpotencialrsilizar que não no direito, víradopela metamorfosediplo';ática a uersicolorou de;caradíSsim(j, burla; -que em cada nação se assiste ao;apelo desesperado das ene'l.ias mais prqfundas --'-'tctltieznão sf!ja descabido reme:~ofar a liçãO que nos dá um núcleo de gregos,l1osSos avoengos' da Iatinidade, emque se encontraram reunidas as virtude/que são condição de independência e au-

.,.'ton~mia dos povos: robustezfísicá' egostiJ de viver, razã~ clara, enraizamentf nosolo natal e amor â liberdade .

.CruzQuebrada,'Maiode 38.

'. AQUILINO RIBEIRO

IfItt!! LIVRO PRIMEIRO

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I

Deixou Dario dois filhos de, Parisatis. O mais velho chamava-se,.Artaxerxes, o outro Ciro: . .Sentindo-se doente, a cismar com a morte," quis vê-Ios aopéde si, Arta~erxes não arredara da corte,Ciro, po-

rém, encontrava-se longe, à testa da província de que era sátrapa, aomesmo tempo: que' comandava as tropas aquarteladas, na comarca doCastólio. Esi:e,màl recebeu aviso, pôs-se a caminho, acompanhado

1" de Tissafernes, que considerava seu amigo, com uma escolta de tre-

zentoshoplitasgregos, comandados por Xénias, deParrásia. Dariafinou-se, mal dando tempo ao filho a beber em seus lábios de rnori-'l bunda as últimas vontades: Subiu ao' trono Artaxerxes,

" Tissafernes acusou Cir~ de conspirar contra o irmão, O resultado! foi Ciro ser preso e, se não chegou a ser executado, foi devido à in-! tervenção da mãe junto de Artaxerxes, que dera .ouvidos à denúncia.I De novo enviado para o governo da satrapia, cheio de despeito, tra-I balhado pela febre da, desafronta, concebeu logo não apenas eximir-I -se à suserania de Arraxerxesmas envidar todos os esforços para der-! ribá-io do tro no , A bem de tai projecto co ntavacom. a mãe que

!se,mpre der,a m,ostras de. lhe,,ser mais~fec,ta do que' ~oirm~O. E tenaz,'

, cautelosamente, encetoua obra de sapa., Quem dali em diante o pro-, curasse em nornedeel-rei ficava seu partidário, tão forte, era o seu

encanto pessoal eenvolventes .~solicitudee extremoscom que eraacolhido. Ao mesmo tempo.ves Forçava-se Ciro por fazer dos Bárba-

, "ros soldados que se vissem, d~stros rio manejá das armas e fiéis àsuacausa pelos laços do interesse eda camar~daria;

A sua preocupação imediata.era formar um exército,o mais se-cretamentepossfvel, de rnodo a apanhar' o irmão desprevenido. Para

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30 XENOFONTE

isso pô Se se a aliciar pelo Pel()po~esoquanto.sgregos se lhe ofere_cessem, corri 'o objectivo confesso de 'guarnecer as praças daJóniaameaçadaspor Tissafernes. Em verdade, as cidades daquela'provínciatinham-se passado todas pará ele, afora Mileto. Ainda Mileto Tissafe-, •ries aguenrava-a debaixo do jugo 'mediante toda a casta de violências,corria ex~cutar e desterrát a granel aqueles que supunha adversários. Es-

'tes, em grande númera,foram-se deitar aos pés de Ciro queixososa regaçada cheia de promessas. A resposta foi Cira ir assediar Miletopor mar e por terra. Semelhante assédio, antes de mais nada, servia--lhe paramascarar os preparativos bélicos. Em conformidade, ma-nhosamertte, não se esquecia de pedir à' el-rei o governo daquelascidades que repudiavam Tissafernes. P~risatis secundava-o nesta pre-

, tensão. E deste jogo de astúcia e audácia sucedeu não só Artaxerxesnão cobrar sombras do laço que lhe armava, mas até folgar comaquela guerra, qU,eseparava os doissátrapas, tanto mais que Cirocontinuava pontualmente, apagar tributo pelas cidades conquistadasao rival.

No Quersoneso, para lá da região de Ábidos, recrutava Ciro ou-tra exército. Aras coisas passavam-sedesrernodó: Clearco, proscritode Lacedernónia, tendo-se encontradocom Ciro, soubera: mostrar-setão cativante que este pôs à suadisposição a quantia de dez mil dári-caso C~m o dinheiro organizou Uma haste, à testa da qual invadiua:parte daTrácia, que confinava com o Helesponto, tais serviçosprestando aos Gregos que estes se prontificaram a custear-lhe as des-pesas da campanha. Aqui tinha, pois, Ciro um corpo de exército às

, suas ordens, sem despertar suspeitas. ' ,,', ," ,Arístipo, daTessália, hóspede de Ciro desde que o partido adver-

so teve artesde bani-lo da pátria, apresentou-se um dia a pedir-lhecerca de dois mil s~ldados com três meses de soldo, parecendo-lhechegado o ensejo de tirar desforço dos seus-inimigos. Cira forneceu--Ihe imediatamente cOIsa de quatro rnilhornens, com seis mesesadiantados de estipêndio, recomendand~-lheapenas que não assinas-se a paz semoconsultar.. Deste jeito tinha na Tessália um exército,pronto à primeiravoz. ', ' 'A Próxeno, da Beócia, que era seu amigo pessoal, passou palavrapara que se pusesse'a carniflho corrrquantas tropas pudesse recrutar,

A RETIRADA DOS DEZ MIL 31

:~pretexto de ter de ir castigar os Písidas que não cessavam de lhe in-";'~:'festar o território. Deu igual ordem a Sofeneto, de Estinfa!o, e a Só-

.' .;:~!'Crates, de Acáia, seus apaniguados, com o fundamento, desta vez, de

'.,:,:'1 :.'(~,:.~':. partir em guer~a contr~.'Tissafernes, de c~ncerto com os proscritos:. ::~:.;de Mileto. Amigos e aliados responderam Invariavelmente: presente.';.'~~:*:' Quando os aprestos chegaram ao auge, nas vésperas de marchar,"",;1; tornOUmais uma vez público que partia em campanha contra os Písi-"~'}>das e que nunca tivera outro objectivo ao recrutar soldados, tanto1 ,'j: gregos como bárbaras, Ao mesmo tempo deu ordem a Clearco para~f:~f:'gue~iesse ao ,se.uencontro com todas as forças, o ~~is rapidamente

j' ·r, posslvel; a Arístipo que se .reconciliasse com os patncios e lhe devol-

'::,:C vesse as',tropas; a Xénias, coma,ndante da legião estrangeira, que dei-" xasse nas guarnições as forças estritamente necessárias e se despa-

I ,',chasse a vir ter com ele. Chamou o exército que sitiava Mileto,, prometend~ aos emigrados, caso o quisessem acom.p~nhar, não re-t pousar um Instante antes de os repor no que eralegitimamente seu.

Eles confiaram na palavra e concentraram-se em Sardes debaixo dassuas bandeiras.

Xénias chegou ali com cerca de quatro mil hoplitas, levantadosnas cidades; Próxeno com mil hoplitas; Sócrates, de Acaia, com unsquinhentos, pouco mais ou menos, e Paixão, de Mégara, com os seus

" setecentos. Estes últimos vinham ao direito do cerco de Mileto.' Tais,eram:as forças acampadas em Sardes às ordens de Ciro.

Tissafernes veio ao conhecimento de todos estes preparativose movimentos de tropas e julgando-os em desproporção com umaentrada em terra pisídia correu; à testa de quinhentos ginetes, a avisarO grande-rei. Este tratou logo de preparar-se para a guerra.

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II

Despediu-se Ciro de Sardes à testa das forças nomeadas e, atra-vés da Lídia, alcançou as margens do Meandro, andando em três diasvinte e duas parasangas. Tem. este rio uma ponte de barcas e a sualargura é de doispletros. Dai, depois duma marcha de oito parasan-gas numsódia pela Frigia fora, chegou aColossas, cidade bastantepovoada, grande e opulenta,em que descansou sete dias. Aí se jun-tou a ele Menão, da Tessália, com mil hoplitas e quinhentos peltastas,dólopes, enianenses e olínrios, Dali, andando vinte parasangas emtrês jornadas; botou a Celenas, cidade também muito populosa, gran-de e farta. Aqui tinha Ciro uma casa de campo com uma grande tapa-da bem provida de feras para aprender cinegética e exercitar os cava-los. O Meandro nascia dentro do palácio e depois de cole ar pelapropriedade entrava na cidade. O palácio arreado, que ali se via, per-tencia ao grande-rei; ficava junto da fonte do Mársias, logo abaixo dafortaleza. Este rio regava também a cidade e ia lançar-se no Meandro;tinha ;inte pés de largura. 'Foi aqui, segundo se diz, qüe Apelo esfo-lou-vivo ao sátiro Mársias, que teve·a petulância de se medir com eleem sabedoria, e pendurou a pele na gruta de que brota o manancial.Tal é a razão por que o rio tem o nome de Mársias. Há quem afirmeque aqui construiu Xerxes o palácio e fortaleza depois da retirada de-sastrosa da Grécia.

Em Celenas demorou-se Ciro trinta dias. Neste entrernentes apa-receu Clearco, de Lacedernónia, à testa de mil hoplitas, oitocentospeltastas 'trácios e duzeritos archeiros cretenses. Sósias, de Siracusa,e Sofeneto, de Arcádia, chegaram ao mesmo tempo, um com trezen-tos, outro com mil hoplitas. Ciro mandou formar as tropas gregas na

AREURADA DOS DEZ MIL 33

tapada e fez achamad~;tontou onze mil hoplitas e uns dois mil pel-tastas.

Andou, em seguida, dez parasangas em duas jornadas e assentou•..arraiais em Peltes, cidade populosa. Esteve ali três diasçdurante os

.~t':~iquais Xénias, da Arcádia, celebrou as Lupercais com sacrifícios divi-}~:'.J~;:.nose desafios de força. O prêmio distribuído consistia' em escovas

j] '-;,\-iJ;: de oiro, miiúarura das escovas de que se-servem para limpar os cava-,'~:,~tiIas. Ciro gostavamuito destes espectáculos, Daí, em duas jornadas'~';"::~4'de doze parasangas, chegou a Vilar de Oleiros, ddade populosa, nos'iL'i':~Úconfins da MíSia.A seguir, tendo andado trintaparasangàs em três.,. .....".. . . . .' .' .''i j~;~~jornadas, deitouàs portas de Caístro, cidade importante; onde. se de-

"(:';? morou cinco dias. Devia já mais de três meses de pré 'aos soldados,"('que se fartavam de lho pedir; Ciro .ia-Ihes alimentando a esperança de

serem pagos brevemente, sem contudo esconder o seu embaraço.Em verdade não estava nos seus' hábitos recusar a paga desde que ti-'nha dinheiro em caixa: Valeu-lhe neste apuro Epiaxa, mulher de Sié-nesis, rei da Cilícia, qii~,.vindo ter com Ciro.Tez-lhe presente, ao que'se rosna,' d,erc::speitávelpeCúlio~Deste' modo. pôde' contar aos solda-dos quatro m~ses deestipêndio: Esta rainha trazia consigo uma .es-colta de cilicianos e aspendianosv.Correu o rumor que Ciro se gozara. , . . '.' ..' .' .

. das suas graças.Em duasjornadasfezduas parasangasechegou a Timbra, cidade

muito concorrida em qüe havia uni chafariacorisagradon .Midas.Com efeito; reza a.lenda que foi ali que océlebre rei da Fi-igiaconse-guiu apanhar o $átirb,.rnlsi:urandb vinho à água da fonte, Dali andoudezparasangas e, depois de duas altas, botou a Tlre"u,cidade notável,onde permaneceutrês dias, Á ;ainha da Cilíciarogou a Ciroque lhemostrasse o ~~ei:citoem linha de b~talha.Acedeu Ciro e mandou to-car a reunir tanto gregoscorno bárbaros.Áqtielesim':nd01i~inda qUFformassemern coortes, como se .se preparassem ao ataque, e .respon- .dessem certos às vozes dos capitães. Dispostas as colunas a .quatro defrente, Menão ocupou a ala direita com as suasforças, Clearco a es-querda, os restantes chefes o.Centro. Ciro passou, primeiro, revista

. aos bárbaros, que desfilaram diante dele por esquadras. Em seguidapercorreu9sbatalhõesgregos,d~ carro, com Epiaxaao lado; deca-deiririha. Os gregos traziam cascos de bronze, túnicasde-púrpura,jarreteiras, e brilhavarn-lhes nos braços osescudos polidos.

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34 . XENOFON''[E

. Chegadoa~extremo; Ciro pawu o carro e Qrdenou:aos generais,pelo IneérpretePigrete, que mandassemapresentar armas e avançar.Assim se fez. As trombetas deram, i seguir, sinal e as coortes wmpe-ramo Pouco a pouco ,foiam·ac~lerando,acelenj.ndO o passo, soltandogritos cada.vez mais altos, até que desataram a correr. Corriam à ré-dea solta, com tanta fúria que 65 bárbaros se assustaram, Epiaxa fu-giu na cadeirinha, e por toda a parte, amultidãodos bufarinheiros,abandonandoaveníaga, deu às de.vila-diogo. Os-gregos voltaram aoacampamento.rindo a boni rir. Tranquilizada, aciliciana não se can-

. sava de admiraraordem e brio dos. soldados, ao passo que Ciro esta-_va radiante com 6 terror-que às hostes.gregas haviàm inspirado aosbárb~ros. .'

Em trêsjornadàsandou vinte parasartgas,atíngindo Icónio, cida-de extrema da Frigia: Repousou ali três' diaseern mais cinco percor-reu trinta parasang~satrav'és da Licaóriia. Como os habitantes des-sem rriostrasd~ihe ser~mh~stis,deixou rnâodivre-aos gregos parapilharem. Dali despachou Epiáxa para a Líbiapelo caminho maiscurto, destacàndoM~não com a suá gente para a~companhar.

. Ele rompeu Capadócia fora, e em quatro jornadas de vinte .e cin-.'.co parasangas tocou.ernD'ana, vasta és~berba cidade. Foi aqui que,

erguendo tend~s por três dias, mandou ~atar dois persas,. um deles,Megafe~nes, tintureiro das púrpuras reais, o outro com patente altade oficial, por desconfiar que andavama rraí-lo.T'rocurou em seguida

.''. romper pela Cilicia.O caminho, ainda que .acessível aos carros, era tão acidentado'.

,que não havia maneÍJ:~de um exército dar passo se encontrasse a mí-nima resistência. Dava-se corno certo que Siénesis ocupava as emi-nências, resolvido a tolher-lhe o caminho: Perplexo, Ciro passou um

,dia na campina. Mas na manhã seguinte vieram dizer-lhe que Siénesisdesamparara as cumeadas, depois que soubera ter Menão entrado jáno seu reino, pelo caminho' da serra, e que Tamão, almirante das trir-:

'. remes de Lacedemónia ao serviçodeCirovnavegava ao longo dascostas da Jónia direito à Cilícia... . .

Ciroescalou a montanha sem custo edo alto ; à vista dó arraialdos cilicianos, dirigiu-se para uma grande planície, muito amenae sulcada por águas correntes, cob ertacle vinhae árvores de toda

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a casta, fértil em cevada; painço, milho, trigo e aveia, que ficavaà desbanda. Cingia-a pelo lado da terra, indo fechar no mar, uma es-carpada cordilheira.

Desceu; pois, Ciro ao vale e andou vinte e cinco parasangas emquatro dias até chegar a Tarso, em .plena Cilicia. Esta cidade, grandee faustosa, corte deSiénesis, era cortada em duas pelo Cidno, rio dedois pletros de largo. Os moradores.iexcepto aqueles que possuíamestalagem ou taberna, tinham fugido com o rei para a fortaleza dosaltos. Os vizinhos de Solos e Isso, cidad~s marítimas, esperaram a péquedo. .' '. . ". . . '. •. .'.

Epiaxa, mulher de Siénesis, entrara em Tarso cinco dias antes deeira. Menão ao atravessar as serras perdera duas companhias inteiras;pretendem uns que foram trucidadas pelos Cilicianos, quando se en-tregavam ao saque, outros que tendo-se extraviado -pereceramerran-tes, incapazes deatlnar como caminho ede alcançar a coluna. Com-punham-se de cern-h opl ita s. Os mais. gregos, exasperados coma perda dos companheiros, pilharam Tarso, inclusive o palácio real.

Logo que Ciroerrtrou na cidade; chamou Siénesis à sua presença.Mas o rei negou-se, blasonando que debalde mãos mais poderosasque as de Ciro se tinham estendido para ele. A esposa, porém, acon-selhou-o a aceder e, mercê de certas garantias, acabou por se deixarpersuadir. Depois de conferenciarem os dois, Siénesis dispensou

.a eira altas quantias de dinheiro para manutenção das tropas, e Cirofez-lhe aqueles presentes que é uso oferecerem pessoas reais persasàqueles que desejam distinguir: um cavalo de raça com freio de oito,colar e braceletes também de oiro , cimitarra com punhos de oiro,uma túnica persa.

Prometeu-lhe, além disso, que os seus campos seriam poupadose autorizou-o a recapturar os escravos que lhe tinham tomado, ondequer que os encontrasse.

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Vinte dias. teve Ciro arraiais em Tarso, porque os soldados se re-cusavam a ir mais longe. Suspeitavam eles que marchavam contrao grande-rei e diziam que pão fora c0in esse propósito que os tinhamrecrutado. Clearco foi o 'primeiro ·quepensou em recorrer à força pa-raobrigar os seus a avançar. Porém, mal deu voz de marcha, choveusobre ele e a sua equipagern tanta pedra que pouco faltou para ser la-pidado. Quando reconheceu :que à má cara não conseguia nada, con-vocou a soldadesca. Vieram todos e Clearco, .de começo, plantou-sediante deles, hirto, sem dizer palavra.iaslágrimas a rolarem-lhe pelasfaces. Os soldados olhavam para ele,rrtudos e com espanto. Por fim,falou-Ihes assim:

- Soldados: não vos admireis que me mostre magoado como que se passa; estou ligado a Ciro pelas leis da hospitalidade. Quan-do fui banido da minha pátria, .Cironão só me acolheu com todas ashonras, como me deu·dez mil dáricos. Aceitei tal dinheiro não parameu gozo pessoal, mas para prover à vossa manutenção. Primeiro fizguerra aos Trácios e corrvosco vinguei o povo grego, expulsando doQuersoneso .uns bárbaros que queriam nem mais nem menos que és-po liá-Io da teria que herdara dos seus majores. Depois, Ciro cha-mou-me e convosco me fui encontrar com ele sem outro objecto que

.o de lhe ser útil e rnostrár-rne agradecido. Agora, pois, que não que-reis acompanhar-rios, tenho que optar por uma de duas: trair-vos,continuando amigo de Ciro, ou trair Ciro e ficar convosco. Qual é opartido mais justo nãosei nem me importa saber. Dou-vos a prefe-rência, decidido a arrostar comquantas desgraças nos possam cair r.. .

A RETIRADA DOS. DÉZ MIL

'em cima. Não quero que se diga que; tendo eu capitaneado gregos.ern terra estrangeira; os traíe .Ihes preferi bárba~os. Ni~, tallabéu'não recairá sobre omeu nome.Já querecusais obedecer-me e seguir--me, sou eu quevossigo, Amiriha sorte será avossa, Vóséque sois

:a minha pátria, osrneus amigos, os meus camaradas. Convosco hon-,:.;}t~~;ho-mede ser quem sou; sem vós n~d me julgo com dignidade bastan-t···,.:':t:·:. '.' . ....: ". . ". .' .' .' . .;h~" te para prestar auxilio a um amigoou repelir a afronta dum adversa-r::t~rio. FiCai,·pois, ·descarisados que paraonde vós fordes vou eu,'. ,:c,' I" . . . ~ .

.,~(. Assim falou·Clean:;~. Os soldadosé à resto da coluna aplaudi-l~};f.rarrl-no pela resolução de não. querer marchar contra o grande-rei.····d·0 Mais de dois mil homens da hoste de Xénías e de p:ú'xão ergueram'ª~';.arraiais e juntaram -sea ele. ... .'. '

.l'\k ,Ciro, enfad~do .corn a histód~ e ~reoc~upado avale~;chan:ou,j·;ii.·Clearco. Este recusou-se, mas multo, a puridade rnancloú-Ihe dizer .

·que nãodesesperasse, qti~;5 'toisa~ haviam deconcertar-seaseu sa-bor.Econvidou Ci(O acha~á-lo segunda vez. Anuiu Ciroe nova-mente se-negou ele..a obedecer. Destafeita, porem, tocou a reuriir,é à sua gente e!a quantos compareceram falou as~iin:,., "

- Soldados, meus camaradas: Ciro.Tioje, não depende mais denós doqu:e -nósdependernosdele. Uma vezque rios negamos a se-gui-lo,já não somos seus soldados; 'elevtambérn, não é obrigadoa dar-nos o.pré.Sei que se queixa de nós amargamente; que Íhe hei-"de fazerêl Manda-me chamare não vou, sabeis,rião voucom vergo-nha de ter falt~do à confiança que depositava em mim: lenho medo, '.de resto; que me!mandeprender emeq~~ir; castigar pelo dano que,segundodiz, lhe estou a causar. 'A ocasião,' bem vedes, não épara nos :deitarmos a dormir depapo para o ar.,confrados que não há perigo.Nada disso. Há p'er.lgo; por isso vos digo:' toca a deliberar sobrea conduta a seguir. e, urna vez assente, corações para trás das costas!Se decidirrrtoshcar, façamo-lo de modo a conjuraras riscos; se deci-~lirmos partir, haverá, não menos, que ~n(;arartodas as hipóteses daretirada e da-nossasubsistência. Sem maririmenros não-hásoldadosnem capitães que vàlhati.:l.Ciio~hoinemamigo do seu amigo a maisnão poder, Irias no ódio é'tre~endo, Tem consigo infantaria, c~vala-ria, uma frota, Sabemos muitobemcomque pode contar.rpois esta-mos, a vê-IodaquirÉ .chegadai hora. de cada um dizer o que lhe pare"cet melhor; pronunciai-vos.'. ' .

~"...:..~.

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38 XENOF(}NTE'

Levantaram-se uns de moto próprio, para dizer o que lhes vinhaà cabeça; outros, inspirados por 'Clearcoçpara mostrar quanto seriadifícil quedarali ou .irern-se embora sem a aquiescência de Ciro, Umdentre estesçrnuito.afogueado, simulando grande ânsia em partir paraa Grécia, declarou que, se Clearco não queria capitaneá-los na retira-da, elegessemoutrogeneral, E uma vez abastecidos de víveres, quenãoescasseavam no campo dos bárbaros.oerguessern tendas e pedis-

., sem a Ciro navios que os transportassem àsuaterra ou guia que lhesensinasse ocarninho. Se ele lhes não quisessedar nem uma coisanem outra, formassem. emorderride ;batalha e, antes de mais nada,corressem a ocuparas cimos, demodóaantecipar-sea Ciro e aospróprios Cilicianos, que não deixavam deestar ressabiados pela presaque lheshaviarri feito, eo que fossesoaria. .. Clearco respondeu com estas simples palavras:

- Estou ao 'Vosso dispor para tudo o que.quiserdes menos paracomandar. Para isso; não. É escusadorqgai~l11e:Mas juro-vos queobedecerei cegamentea:O capitã() q\le norneardes e ninguém dará me-lhor exemplo de subordinação do que ~u.

.Um outro, a seguir, pediu a palavrae frisou a ingenuidade daque-lequ~ propunha sepedissem navios aCiroçcomose ele não precisas-

'Se deles para transporte da sua gente, ou guia seguro, quando não fa-. ziam mais que 'cavar a sua ruína. .Ecdep ois de desenvolver este. pensamento, discoxreu:" . . . ..... -'- Se háque fiar-se a gente dum guia que ele nos há-de dar, por-que não lhe pedir também.queddendapornósos cimos da serra atépassarmos>! Eu, cá, não era semapreensões que subia para as trirre-mes; quem me diz a mim que.as não põe à nossa disposição para asmeter no fundo mal soltem velas?LQuanto ao guia que lhequereispedir, não é também o. filho de meu pai que se resigna a tal extremi-dade sem perder a cor duas vezes, certo dequepode muito bem ati-rar-nospara um despenhadeiro donde nunca mais sairemos com os.ossos direitos. Eu, a ter de largar, é sem que Ciro para aí seja chama-do, o que se me afigura impraticável. Que fazer então? Tudo o quetenho ouvido é supinamente tolo, mas o que se chama tolo ..Não serámelhor deputar aCiro pessoascompetentes, que vão juntamentecom Clearcoperguntar-lhe que é o que pretende de nós? Se se trataduma expedição análoga àquela em que fbi com tropas gregas, bem'

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vai, e não há remédio senão segui-Io, e nada de mostrar-se a gentemais cobarde que os nossos predecessores. Se, pelo contrário, a em-presa é doutro tomo, mais considerável pelos perigos e os trabalhos,entãO haverá que determinarmo-nos a segui-Io depois de ouvir assuas razões ou abandoná-Io, convencendo-o a deixar-nos partir à boapaz. Se consegue persuadir-rios, avarite e cara alegre, e sejamos-lhefiéis; se não, adeus amigo, mas façarno-Io com segurança. Os nossosdelegados que vão, tragam a resposta, e veremos o que se nos ofere-ce fixar.

Prevaleceu afinal este parecer. Foram escolhidos os deputadosque haviam de acompanhar Clearco. E dos próprios lábios de Ciropuderam ouvir estaresposta: «Tinham-no informado que Abráco-mas, seu inimigo, estava acampado a doze dias de marcha nas mar-gens do Eufrates. Era contra ele que marchava com o fim de lhe apli-car o correctivo merecido, assim ele esperasse. Se não esperasse,veriam depois o que haveria a fazer.»

Voltaram os mensageiros com este recado e os soldados não fica-ram menos suspeitosos de que Ciro queria atirá-Ios contra o grande--rei. Decidiram, todavia, segui-lo. Corno pedissem aumento de pré,Ciro prometeu pagar-lhe seis vezes mais quanto devia de atrasadoe doravanteficar c:adaum a ganhar dárico e meio por mês em vez deum só. De resto, ninguém podia jurar saber de certa certeza que mar-chavam contra Artaxerxes. . .

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IV

Em duas jornadas de dez parasangas atingiu Ciro o rio Psaro, lar-go de três pletros. E no dia seguinte; com uma caminhada de cincoparasangas, botou às margens do rio Píramo, cujo leito tem um está-dio de largura. Dali, em duas jornadas de quinze parasangas, chegoua Isso, porto de mar na fronteira daCilícia, muito populoso, vastoe florescente. Ficou ali três dias, durante os quais chegaram do Pelo-poneso trinta e cinco navios comandados por Pitágoras, de Lacede-mónia -.Fora seu comandante, desde Éfeso, Tarnos, egípcio, quandotrazia ainda debaixo das suas ordens os vinte e cinco navios com queao serviço de Ciro sitiara Mileto, Cidade, como fica dito, governadapor Tissafernes. Nas naus vinha, ao apelo de Ciro, Quirísofo, de La-cedemónia, com os setecentos hoplitas que já comandara antes, de-baixo das suas.ordens. A frota lan?ou âncoras junto das tendas ~e Ci- rro. Neste lugar quatrocentos hoplítas gregos desertaram do arraial deAbrócomas, para se juntar a Ciroe marchar debaixo do seu balsãocontra o grande-rei. .

De Isso, depois duma jornada de cinco parasangas, chegou àsportas, conjuntamente, da Cilícia e daSíria. Duas muralhas erguiam--se face a face, uma cisterior defendida por um corpo de cilicianos, àsordens de Siénesis, outra ulterior, em terra síria, guarnecida, segundoera voz, por tropas de Artaxerxes. Entre ambas corria o Carso, largode um pletro. A distância que ia duma muralha a outra era de três es-tádios. Forçar a passagem parecia impossível, não só porque o desfi-ladeiro eraestreitíssirno, formado por penedia a pique, mas as mura-lhas iam até o mar, impedindo o acesso por qualquer lado. Rasgadasnelas, as portas eram como fauces escancaradas.

A RETIRADA DOS DEZ MIL· 41

Gta~a~ à~Squad~a,dispunha-se Ciroa des~mbarcárhoPlitas dumr: lado e doutrodas portas, de modo apelas armas ficar senhor do pas-

o so se os inimigos persistissem em defendê-lo. Contava que Abróco-mas, que dispunha de forças poderosas, O fizesse. Mas nada disso su-cedeu. Mal s01.lberaqueCitoestava na Cilici~, retirara-seda Fenícial e,li frente-dum exército que diziam compor-sedetrezentos rnilho-

·mens, corria a apresentar-se ao grande~reL' .. Dali, pela. $íri~ d~ntro~mirna [ornada deciricoparasangas, che-

gou a Miriandro, porrofenício, eri-lque se viam.fundeados mwtosna.vios mercantes. Esteve ali sete dias, durante os quaisXénias,deArcá-dia, e Paixãoj. de Mégará, carregando numa nau o que tinham demelhor, içararriveias ese foram. Segundo a opiniãocorr~nte, escan-dalizara-os queCiro deixasse a,Clearcoo comando daqueles soldadosque um dia se tinham juntado aele.com o.propósito de retirar parasuas terras. Malas díscolos desapareceram no. horizonte, começou

·a correr o rumor de que Ciro ia lançarcontra eles as 'galeras rápidas,Havia quem desejasséyê-Ios presos corno traidores; outros.vporém,choravam asorteque os esperava s~ frissem alcançados ..

Ciró.convocados os capitães.xlisse-Ihes: . . . . .~ Xénias e Paixão abandonaram-me, mas saiba~seque rião só

não fugirámàs oó.Jt~s,pois eu achei-me. ao corrente dos' seus desíg-nios, mas nem a.salvo se podem julgar, pois é eu querer e as trirre-mes não se hão-de cansar rnuito pata alcançar o navicique os leva.É propósito meu, porém, tião erguer' um .dedo contra eles. Ninguémme há-deIançar emro~to que meaproveito dos homens enquanto .estão comigo; e os lanço às feras urna vez guese retiram d6rrieusei:-·viço. Deixá -16s ir, .eque' selem brerrr que foram 'mais ruinscomigodo .que eu com eles. Estãb'em meupoderçnapraça de Trálide.isuas rnu-iheres~ filhos. Áinda esses penhores ~oú-Hws mandar entregar, emprêmio da -maneira louvável corno me serviram até o dia de hoje.

Assim falou Cito. Aqueles' dos gregos quenãomostravamgrandesimpatia pelaexpedição, mal tiveram .conheci mento-d orasgo dopríncipe, passaram.a segui-Ia deânimobem disposto e decidido.

Andou Ciroviriteparasangas em quatro. jornadas e estacou diantedo Chalo~ri6 de umpletrodelarguia: Nde cirihaacolheira:u:ma infini-dade de peixes, rr1cito'mansos,. que os Sú:iosalimentavam' e olhavam

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j:1,j 42 XENOFONTE

como deuses, não tolera~do que lhes' fiz~ssetn mal, como noutraspartes fazem comas pombas. Os vilares, em que ergueram campo,

. pertenciam aParisatis etinham-lhesidodados para os alfinetes, Maistrinta parasangas e cinco altas e chegou à nascente do Dardes, largo

-.de um pletro. Era aqui a-residência real de Bélesis, governador da Sí-.' ria, com asua esplêndida fazenda, abundante em toda a espéj=iede·novidades.:Ciro arrasouos pornaresequeimou o palácio. Em trêsjornadas de quinze pa~~sa~gas chegou o exércitoç enfim, ao Eufrates,

.: '.a alturas em que tinha quatro estádios de la~go.Ali se erguia Tápsaco,cidade vastaeópulerita:" ..,

Descansou-se. ali cincodiaseCiro deu a saber aos capitães q).le"'marchavasobreBabilónia"contra ogrande-reiAo mesmo tempo re-:comendava-Ihes que advertissema, tropa, mas de modo a não suscitarprotestos. Oscapitães rriandararnformar .e tornaram pública a notí-cia. Grande assuada, Os-soldados barafustarafu forre e feio, acusan-do-os de guarda:rsegre00 e coisa tão grave, estando fartos de o saber!

•.E' ã umajurarámnãoda~ umpassopara ~f~ente ;rião ser que tives-sem o mesmopréque as tropasque tempos antes haviam acompa-nhado Ciro à coite,chamado pelo pai, dessa feita, para mais, como simples papel de escoltá-Io e ~ão de se. bater. Os capitães foramcom a.requestaa Ciroque.prorneteu, .mal chegasse a Babilónia, dar

.'a cada homemci~co 'minas depratae:pag~r~lhes, contado por intei-(O,. oestipêridio, até. regresso à]ónia. 'Estas 'promessas conciliarama boa vontade da maiorparte dos gregos. Antes, porém, que se to-

'. masse urnaresoluçãogeral, Menãoconvocouos seus homens e fa-lou-Ihes assim:

-.- Soldados, ~e tendes confiança em mim, indico-vos o modo deobter,sem riscosnemtrabalhos.rríais honras e proveitos que o restodas tropas.vCorno? Ciropede a~s gregos que O sigam contra o gran-de-rei. Pois bem, atravessemos nós o .Eufràies antes que se conheçaa resposta dosnossos camaradas. Se sé: decidirem todos a segui-lo,cabe-nos .anós.a honra de tai iniciativa.iReceberemos alvíssaras por-

.'que Ciro 'há-de ficar-nbSre~orihecidõ eninguérnmelhor do que elesabe ser grato. P:re~alecendo o parecer contrârio.ipouco nos custa fa-zerrneia volta. Mas vis toque vôsfostesos únicos a obtemperar

. ~

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III

A RETIRADA DOS DEZ MIL 43

;.~seus votos, tereis ganho a sua confiança e a vós, antes de mais nin-!guém, caberá ficar no comando das guarnições e das coortes, E tam-'.bém vos digo que, se tiverdes mercês a pedir, Ciro fará tudo quantopossa para vos ser agradáveL. .

Mal ouviram tais palavras os soldados de Menão aprestaram-separa passar o Eufrates e fizeram-no antes. dos outros. Ciro, radiante,mandou-lhes dizer por Glos.

~ Gregos, bravíssirno! Eu perca o nome de Ciro se muito embreve não tiverdes que vos louvar no passo que acabais de dar!

Ante tais palavras, os gregos conceberam as maiores esperançase fizeram votos pelo êxito da expedição. Há quem diga que Ciro en-viou a Menão um rico presente. Não tardou que todos atravessassem

X' o rio com água, em certos sítios; até à altura dos peitos.. Os habitantes de Tápsacüptetendiam que ninguém até entãopassara o Eufrates a vau; em qualquer altura do ano que fosse, haviaque recorrer a embarcações. Abrócomas, que chegara primeiro queos gregos, mandara-as queimar na esperança de tolher o passo a Ciro .Considerou-se sinal da vontade divina o rio ter baixado as águas co-mo diante do seu futuro rei.

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v

Em nove jornadas percorreu cinquentaparasangas através da Sí-ria e chegou às margens' do Áraxe. A campina estava semeada de al-deias, fartas de cereais e vinho, e em três dias que ali se deteve abas-teceu-se de tudo o que precisava.

Dali passou à Arábia, com o Eufrates sempre à direita, e em cin-co dias andou trinta e cinco parasangas por uns desertos lisos cornoo mar e cobertos de absintos. Todas as plantas q~e ali cresciam, fosse rjuncal Ou mato, eram estranhamente odoríferas. Arvores não se viam.A.cada passo encontravam manadas de onagros, bandos de avestru-zes, abetardas e gamos. Os cavaleiros, umas vezes por outras, saíama caçá-los.Os o.nagros desatavam a correr e, tomando boa dianteira,estacavam de súbito. Eram mais ligeiros que corcéis e, disparados,pareciam brincar. Mal os caçadores se acercavam, repetiam a mano-bra, de modo que não era possível apanhá-los a menos que os cava-leiros, postando-se vários de espaço a espaço, os atirassem duns paraos outros. A carne dos poucos que foram apanhados parecia-se coma da corça, só era mais tenra.

Avestruzes não se caçou nenhum. Sentindo-se perseguidos, bota-vam longe graças aos pés ligeiros, ajudados pelas asas; abertas à laiade velas. Abetardas, sim, deitavam mão a quantas queriam, todaa questão era feri-Ias de chofre ao levantar. Estas aves têm como asperdizes o voo curto e cansam-se depressa. A carne e finíssima.

Andando, andando por esta região fora, chegaram à vista do rioMascas que não tem mais largura que um pletro. As suas águas ba-nham Corsote, vasta cidade que os ;moradores haviam evacuado. Ali

.A .RETIRADA DOS DEZ MIL .145

::se demoraram três dias; ao cabo dosquais, bem. comidos e bebidos,fizeram,e~ fatigantes~archas, noventa parasangas pelo deserto fo-ra, sempre corri o Eufratesàmão direita. Pelo caminho caíram-lhecom fome muitasbestas. A'terra era tão árida que se não via fêverade verde, Os habitantes desenterravam à beira do' rio grandes lanchasde que faziam mÓS.Com o que elas lhes rendiam, vendidas em Babi-lónia, compravam pão e era desse negocio que viviam, Os víveres .'acabaram por escassear no. exército esealgum pão se comia era nocampo lídio,entre os bárbaros que acompanhavam Ciro, Mas não olargavamsepão a peso de oiro.A cápit~de farinha custavaquatro si-

.'elos. O Sido valia seteóbolos e meio e cada cápita mediá duas chéni-cas áticas. O passadiodos soldadosIimitava-sea carne. E'cada vezfaziam caminhadas mais longas com o fito deacabarem por encon-trar água e forragempara o gado. .

Um dia foram 'daratal arascadeiroquenâo.havia jeito de os car-ros andarempara rrásriernpara-diante: Ciro parou ali juntamentecom os mais-notáveis do seu séquitoedeu ordem para que Glose Pigrete fossemcom um piquete de bárbaros tirar os carros do loda-çal. Mas eles não andaram tão expeditamente COmoseria para desejare, comjeito nervoso, convidou os. senhorespersas a dar uma demãoaos homens, enterradosna lama até os joelhos. E pôde-se presenciarentão um belo exemplo de sujeição. Cada um atirou a terra como seu balandrau depúrpura e desatou a correr, como se se tratasse dedesafio, pela encosta abaixo> E comsúasricas túnicas, perpontesbordados, alguns de colares- ao pescoço e anéis nos dedos,deitarammãos às rodas e aos tirantes e safaram os.carros dó atoleiro. Era evi-dente que Çirose despachava o maisque podia, detendo-se apenaspara se re~baste~erbupormotivosde força maior. Considerava, comefeito, quequanromais-depressa chegasse, menos tempo.deixaria a el--rei para chamar tropas edefender-se. Nãoera preciso ser muito inte-ligente parareconhecer que,' se o império persaé poderoso. pelo des-mesuradodotêrritório e a sua grande população, aí reside, pelo factodas grandesdist~ncias e odispersivo das forças, a sua própria debili-dade; daí o ser mais vulnerável que nenhum Outro a inimigo queo acometa. com presteza e decisão. .

Na outra margem dei Eufrates, frente às plagas desertas em queo exército ergueu tendas, estava uma cidade grande e rica, chamada

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46 XENOFO:NTE '.

Carmanda.Os·soldados iam lá comprarmantimentos em jangadas"... feitas de peles -.-' as mesmas peles que Ihes serVia~de mantas para

dormir .-·cosidas umas às .outras com ponto tão miudiriho que'. a costura não deixa...:rapassar a água. Traziam forragens para as caval--.gaduras, vinho de palma e paihço; gérierosque abundavam na região .

. ' Foi nestaalta que sucedeu dois soldados.iurnde Menão, outro deClearco, travarem-sede rixa. Clearcojulgou que o seu tinha razãoe bateu no contráriorestefoi-se ter corri-os camaradas dorido e g~-

.. rnebundo. E nesse mesmo dia.quandoaquele capitão voltava a cava-10 da margem dó rio, depois de fisca1i~ar'aJeira que os soldados aliarmavam, por seraquele o melhor ponto para.atravessia, um peltastadeMenão que rachava leriha.atirou~lhe.com a machada. Nã1lheacertou, mas logo um segundo lhe jogou urna pedra e, ao alarido quese ateou, acudiram mais. em tom dearruaça ..ele arco pôde acolher-seao arraiale, bradarrdoàs armas; mandou formar os hoplitas em posi-ção de combate, lànçana~ão,esçudo no -,braço; à testa duns quaren-.ta cavaleiros, trácios na maior parte; avançou depois contra as tropas

·de.Menão,gue ao ver aquilo, um .instante presas de espanto, corre-. rarn às .arrnasrA maioria, félizrriertte,déix~va-se ficar quieta, a olharpara semelhante zafarrancho, sem .saber que partido devia tomar. Noentrernentes. chegou Próxeno com uma companhia de hoplitas quetomou posição entre as duas facções. É, fazendo-Ihes baixar as ar-mas, pediu a Clearco que serenasse: Es~e,que esteve vai e não vaia ser lapidado, indignou-se que Próxerio lhe falasse com tanta sern--cetimónia e intimou"O a retirar-se. . '. ..'

. Nest~ altura surgiu Ciro.Tinham-lhe icÍOCOIUa notí~ia e mal ti-vera tempo depôr asarmas. Caindo corno umrelâmpago no meiodos contendores, faiou~lhesàssim:. ..... .

-.~. Clearco, Próxeno, gregos que estaispresentes, perdestes o jui-zo ou quê? Ficaí sabendo que estarnos perdidos secontinuais commotins! Os bárbaros que nos acompanham; assim que virem que asnossas cc>isascÓmim mal, voltat'-se-ão contra nós e s~rão os nossosinimigos, piores inimigos. ainda do que aqueles que estão do lado delá como meu adversário.· ." .' •.' .

Co~ estas palavras Clearcoacalrnoue voltou a si; os dois bandosdepuseram, em' seguida; as armas. , .

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VI

O exército rompeu marcha e não tardou que encontrassem pega-das e estrabode cavalos, vindo a corijecturarque havia passado porali um destacamento dos seus dois mil ginetes, Esta força ia adiantedeles, queimando as forragens e destruindo tudo aquilo que pudesseter algum préstimo. .

Orontas, persa de. sangue 'real, veio, entretanto, ter com Ciroe pediu-lhe mil ginetes ..Com eles propunha-se bater o corpo de in-cendiários que ia na dianteira e, se não conseguisse arrnar-Ihes em-boscada que lhoserttregasse de pés e mãos, ao menos estava certoque poria cobro a.seus-excídios ao mesmo tempo que impediriao inimigo de levar ao rei notícia do que se passava no exército de Ci-ro. Ciro achou bem a proposta e deu-lhe licença para tirar de todosos corpos os homens que precisava.

Ora este Orontas, que passava por hábil guerreiro e depois decombater Ciro se reconciliara coin ele, não buscava senão ensejo parao trair. A ocasião agora era azada e nesse sentido, mal supôs formadoo esquadrão que punham às suas ordens, escreveu uma carta ao reiem que, ar1Un~iando-lhe o seu propósito, lhe exorava o recebesse co-mo amigo. E a bem de tal intento evocava a dedicação e fidelidadecom que outrora Ó. servira.

O estafeta, porém, a quem confiou a carta, em vez de levá-Ia aodestino, foi-dá-Ia aCiro. Este, uma vez inteirado do seu teor, man-dou prender Ororitas e convocar os sete principais da Cortejunta-mente com Clearco, que era de todos os gregos aquele que gozava dasua maior consideração, E com três rnilhoplitas formados em cam-po; para maior solenidade, procedeu ao íulgamento do traidor. Ciro

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48 XENOFONTE

_ contou mais tarde Clearco - abriu o conselho com estas pala-ovras:

- Chamei-vos, meus amigos, paradeliberardes comigo quantoao proceder ~ais justo perante os Deuses e os mortais que devemos:observar para com Oronras. Este homem quis meu pai que fizesseparte da minha roda. Mas como meu irmão lhe desse ordens de mecombater, .alega ele, rebelou-se contra mim. Embora a cidade de Sar-des lhe estivesse nas mãos, de tal modo investi com ele que viu comprazer - vou jurá-lo - o fim das hostilidades. Estendeu-me a mão,aceitei-lha. - «Orontas -. prosseguiu Ciro voltando-se para ele -cometi porventura alguma injustiça de que tenhas aacusar-rne?» -Como respondesse: «Nenhumal», tornouCiro., «Não tendo razão dequeixa da minha pessoa, como confessas, não te bandeaste com osMísios contra mim e não talaste os agros da minha província quantasVezes pudeste?» - «É verdade.» - «Assim que te capacitaste quenão eras homem para te medires comigo, não vieste assegurar-me noaltar de Dianao teu arrependimento? E, ao cabo de muitos rogose promessas, não me juraste fidelidade?» Orontas concordou nova-mente. «Que mal te fiz eu para pela terceira vez me armares uma cila-da, como tu próprio reconheces?» - «Nenhurne i-c- respondeuOrontas. «Confessas então que obraste indignamente comigo?» -Não tenho outro remédio.» - «Acasoserá possível tornares-te ini-migo de meu irmão e seres-me fiel?» -«Se te dissesse que sim, nãoacreditavas!»

Ciro, voltando-se então para os membros do conselho, disse:- Sabeis o que este homem fez e ouvistes bem o que acaba de

dizer, não é verdade? Clearco, rogo que te pronuncies.,.Clearco proferiu:- A minha opinião é que devemos desfazer-nos desta persona-

gem o mais depressa possível, para não termos que nos acautelar delae cuidados despendê-los com quem os merece.

Os outros perfilharam unanimemente este parecer. Em seguida,por ordem de Ciro, os presentes e até os chegados a ele por parentes-co levantaram-se e agarraram-no pela cinta, o que queria dizer queera condenado à morte.

A RETIRADA DOS DEZ MIL 49

Levaram-no sob 'custódia. Vendo-o, aqueles que tinham por cos-tume curvar-se quando ele passava.Tizerarn-noainda mais uma vez,posto soubessem que o traidor caminhava para o suplício.

Conduziram-no ~ tenda de Artápata, um dos homens verdadeiroscães de fila de Ciro. E nunca mais ninguém o viu nem soube o géne-ro de morte que padeceu. Tão-pouco se descobriu alguma vez asuasepultura.

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VII

Pelo agro de Babilónia fora, andou doze parasangas em três [or-nadas. Na última alta, cerca da meia-noite" Ciro passou revista às tro-

" pas, dirigindo-ele próprio a form~tuni dos homens. Estava com pal-pit~ de que nodia ~egúinte,ao nascer do Sol, Artaxerxesviesseoferecer-lhe batalha. Por isso encarregüuClearco de comandar a aladi~eitados gregos e Menão, de Tessália, aesquerd~.Na madrugada,mal raiara aaurora, os trânsfugas t~Quxeram:lhe notícias do exércitoreal. Com os capitães e chefes de coorte conferenciou, então, acercado plano que conviriaadoptar na batalha. Feitooque, dirigiu-lhes es-tas palavras deexortação~' " ", " '-"-,,Gregos, tomei-vos ao meu serviço não porque me faltassembárba~os; nada disso; rornei-vospórque vós considero superioresa eles. O que ;05 p'eçbagora ê q~e'vàs móstreis, corno sais, dignosdaquela liberdade que tendes pelo sumo b~róe que eu prefiro a todasas riquezas. Deixai-me advertir-vos de que força é o inimigo que ides

'i::ombat~r, Pel: quan,tidade é enorme e ~va~ça soltando u~ros. Se Jhe.aguentals, porem; 9 ímpeto balofo, vereislogo - coro ate de vergo-.riha em o dizer -'- queraçàde gente produz esta terra. Vós que soishomenscompo.i:tai~vosconiO tal ,e'prometo pôr na Grécia, enriqueci-,dos corn doris que não deixadàdeClesp.e~tarinvej:l, aqueles quequeiramvoltar; os, que quiserem ficar, e espero que seja a maioria, ao,meu lado hão-deter ~aíor fortuna do que aquela que poderiam en-:.contrar na, sua terra. ',' '. ',,' " " '

, GaulÍtes, banido de Sarnos e homem muito dedicado a Ciro, fa-.lati-lhe deste, modo:

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A RETIRADA DOS DEZ MIL 51:'''!,,;"',

- Há quem pretenda, Ciro, que hoje nos fazes muitas promes-sas, porque te achas sob o acicate do perigo, mas que amanhã, depoisda vitória, nunca mais te lembras de nós. Também não é raro ouvir--se dizer que, embora quisesses satisfazer os compromissos, não te-rias meio de o fazer ao que são de desmesurados.

Ciro respondeu-lhe assim:- O império de meus país, soldados, estende-se para o Sul até

uma zona vedada pelo calor tórrido de ser habitada pelo homem, pa-ra o Norte a paragens também desertas por causa do frio rigorosoque lá reina; o Centro é governado por sátrapas, partidários todos demeuirmão. Eu só me quero corrvosco; se venço, quem há-de ir ocu-par essas satrapias, senão vós? O meu medo é que, em caso de êxitocomo espero, me falte gente para tais cargos. Estai, estai tranquilosque sereis recompensados; cada um de vós pode, além do mais, con-tar com uma coroa de oiro.

Os que ouviram aarenga, além de ficar cheios de entusiasmo, fo-ram dizê-Io aos' outros. E Ciro viu-se assediado por capitães e atésimples soldados que lhe vinham perguntar que espécie de prémioseria o deles,em'caso de vitória. ,A todos ele acolhia com boas pala-vras e despedia esperançados. E eles, então, exortavam-no a não searriscara combatescorpo a corpo, pois o seu lugar era à retaguarda,onde estava mais em segurança. Foi, hão o vendo conformado compapel tão prudente, que Clearco lhe disse: " " "

- Julgas, Ciro, que teu irmão sai a cruzar o ferro contigo?- Então não?! - respondeu ele. - Como filho de Dario e de

Parisatis, não deixará de cumprir o seu dever.À medida que os soldados se armavam, .ia-se procedendo à con-

tagem. Gregos, havia dez mil e quatrocentos hoplitas e dois mile quinhentos peltastas; bárbaros uns cem mil com cerca de vinte car-ros armados de foices. O exército inimigo subia, segundo as vozes,a uni milhão e duzentos milhomenscom mil e duzentos carros ar-mados de foices, sem falar nos' seis mil ginetes que comandava Arta-gerses, postados à frente de el-rei. Eram quatro os marechais doexército real, Abrócomas, Tissafernes, Góbrias e Árbaces, dispondocada um dum corpo de trezentos mil homens. Deste cômputo há,porém, que abater Abrócomas, que chegou da Fenícia quatro dias de-pois da acção, com os seus trezentos mil homens e os seus cinquenta

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carros foiçadores. Cito colheu estes dados da. boca dos trânsfugas,nas vésperas da peleja, dados que os prisioneiros confirmaram de-pois.

No salto que deu à frente, de três parasangas, foi já com as tropasem formatura de batalha, tanto os gregos como os bárbaros; o seucálculo era que el-rei o atacasse naquele mesmo dia. A meio caminhoesbarrou com uma vala que cortava a planície de lés a lés até fortale-zas da Média, comprida de doze parasangas, com cinco braças de lar-go e três de profundidade. Além disso, quatro canais, alimentadospelo Eufrates, sulcavam a planície. Muito profundos, da largura deum pletro, eram navegáveis às barcaças que se davam ao transportedos cereais. Distavam coisa de parasanga uns dos outros e tinham as .suas pontes.

Entre o Eufrates e a vala havia ainda um caminho apertadíssimo,não mais largo que vinte pés. Constituía com os canais o sistema dedefesa engenhado pelo grande-rei, mal soube que ia ser atacado.

Ciro passou semelhante fosso como exército, mas nesse dia' Ar-taxerxes não lhe ofereceu batalha. Bem se viu, porém, pelo calcadoi-ro de homens e cavalos e outros vestígios que rondara por ali. Ciromandou chamar Silano, de Ambrácia, que era adivinho, e deu-lhe trêsmil dáricos. Com efeito, estando este homem no altar dos sacrifícios,profetizou a Ciro que antes de dez dias el-rei não lhe ofereceria bata-lha.

- Se não há batalha antes de dez dias, então nunca mais há -respondeu Ciro. - Acertes tu e tens dez talentos!

Eram decorridos onze dias e ele entregava-lhe agora a quantiaprometida. Em verdade, porque o inimigo não. se opusera à passa-gem do fosso, julgava ele, e com ele muitos capitães, que Artaxerxeshouvesse renunciado à guerra. A marcha no dia seguinte efectuou-secom muito menos precauções.

VIII

.No terceiro dia o exército marchava à vontade,Ciro, de carro,com .uma pequena patrulha à frente, os batalhões a rrouxe-rnouxe,muitos homens comas armas dentro dos ~arros e ao lombo das azé-molas. Era pouco mais. ou menos a hora em que os mercados regur-gitam de gente quando se viu chegar, acavalo num corcel à rédea sol-ta; c~berto de suor, Patágias, persa muito da intimidade de Ciro.Esparvadamente ,clamava paJ;a uns e outros, .ern grego erio idiomados bárbaros, que o monarca avançava com um exército formidável.Logo que tal se o~lviu, levantou-se no campo enorme burburinho.Tantogregoscomà bárbaros viam-se já acometidos de surpresa, semter tido tempo de se equipar pata a:batalha. MasCiro sa.ltou abaixodo carro e, pondo a coutaça e montando a cavalo, foi remediandoa tudo, alinhando os esquadrões na devida forma, mandando armaros soldados.

Os gJ;egos formaram com prontidão, Clearco no Corno direito,junto do Eufrates, com Próxerio e outros capitães nos Bancos; Me-não no corrioesquerdo com a sua .hoste. Perto de Clearco, à direita,formava COm ospeitastas gregos.a cavalaria paflagónia; seriam unsmil cavalos, e Arieu, lugar-tenente de Ciro, postava-se à esquerdaà testa dos bárbaros. Ciro colocou-se ao centro com seiscentos cava-leiros, rev~stidcis,de grandes lorigas e capacetes, corrrexcepção dopríncipe' que se.apresentava' de f~onte' descoberta. Dizia -seque tal eraa etiquetadospersas quando corriam os riscos da guerra. Neste es-quadrão a cabeçae o peito dos cavalos eram protegidos por testeirasde aço e os cavaleirosestavam aimadosdeespadas à grega.'

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Bateu meio-dia e o inimigo sem dar sinal; já o Sol declinava quan-dei, enfim, se descortinou no horizonte um torvelinho de pó, serne-.lhante a nuvem branca, que pouco a pouco foi escurecendo e alastran- .do até barrarde todoa planície. Depois a cortina opaca acercou-se, .

·.percebeu-se o convulsionamento rnulticelulardas colunas em rnar-.cha, faiscaram bronzes, luziram as pont~sd~s lanças. À esquerda'

. avançava um corpo de cavalaria de couraça clara, comandada ao que'parece por Tissafernes, seguido pelos escudeiros, portadores de adar-gas; sucedia-Ihes a infantaria pesada, armada de escudos de pau quechegavam da cabeça aos pés, tudo egipcianos, segundo se afigurava ..A ilharga avançavam. outras forças de gine.tes, apoiadas por mangasde archeiros, em esquadras maciças, pornações. E desta floresta deguerreiros, carros de guerra saíam à desfilada: uns com gadanhas ob- :líquas, para foiçaràs bandas; outros cornelasprojectadasda boleiapara a frente de modo a ceifar tudo o quelhes tolhesse a investida.O papel deles era precipitar-se para os batalhões gtegose rornpê-Ios.

Ao contrário do que dissera Ciro quando exortou os gregos a nãose apavorarem com os çlam~resdos bárbaros, o exército real avança-vaem silêncio, a passo medido e grave. Correndo a todo o lés dos es-

'quadtões, seguido de Pigrete, ointérprete,'e de três ou quatro persas,ordenou O príncipe aClearco que atacasSe ao centro que lá devia es-taco rei.

, . - Se ganhamos ali-.-.'. e~clamou-: .; a vitória é certa!. Clearcoabrangeucorn o olhar.a linhaque devia acometer, mas

-poisJhe diaia..queo rei estava pa~a.lád~ ala esquerda dos gregos -'.i frente doexército real era corriefeito tão extensa que, ocupando'0 centro, sobrepujava a ala.esquerda de Ciró-' .não arredou do Eu-frates, com medode ser envolvido ..Errespondeu que ficava alerta pa-ra que.rudocorresse pelo melhor, '.,

.Entretanto:lsforça~báibaras iam avançando na melhor ordem ..·.Asforças gregas, sem perder pé; continuavam aformar-se, os infan-·tes e ginetes ocupando, unsapós .outrosco lugar que lhes pertencia

nas fileiras ..Ciroia de cá para lá a todo o.longo da frente; e estavaa comparar os dois exércitos, olhando Ora para um, ora para outro,quandoXenofonte,deAtenas,que o avistara do meio do esqua1rã9,

A RE'TlRADA DOS DEZ MIL 55

picou o cavalo para ele e perguntou se não tinha ordens especiais. a dar. Ciro encarou nele e respondeu:

- Podes ir dizer aos soldados que consultei as entranhas das ví-timas e todas à uma auguraram êxito completo.

Ainda estas palavras não eram ditas, certo rumor percorreu as fi-leiras dos gregos.

- Que é? - perguntou .- Estão a dar arma, pela segunda vez - respondeu Xenofonte.Ficou Ciro muito admirado que alguém tivesse dado sinal e tor-

nou:- Que vozes são?- Júpiter Salvador e Vitória!- Pois seja! -.- e foi colocar-se no seu posto.Não havia mais que três ou quatro estádios entre os dois exérci-

tos quando os gregos, entoando o pean, arrancaram contra o inimigo,A linha da frente, galgando o espaço, lembrava uma vaga impetuosa;à retaguarda os gregos que restavam fora das fileiras correram a unire, ao mesmo tempo que se arremessavam à frente, de roldão, invoca-vam como os outros; num .brado altíssimo, uníssono, a Marte todo--poderoso. Para estimular os cavalos, batiam .nos escudos com as lan-ças. E lá ia o mar humano, furioso. Antes, porém, que chegassem aoalcance de tiro, a cavalaria bárbara, adversa, virou de brida e largou.Os gregos lançaram-se-lhe no encalço com toda a alma, não deixan-do no entanto de gritar -uns aos outros que não corressem dispersos,mas conservassem a formatura ..Desamparados pelos aurigas, já oscarros dos bárbaros rodavam à toa, arrastados uns no refluxo daspróprias tropas, entrados outros pelas linhas dos gregos. Estes, malos viam chegar, .abriam alas; apenas um soldado foi colhido por elese deu trambolhão. como nos hipódromos, sem sofrer, aliás, mal al-gum. Uma flecha feriu um homem da ala esquerda, e mais baixas nãohouve na arremetida .

Ciro,vendo os gregos, vitoriosos, levar tudo raso diante deles,experimentou grande júbilo; já os áulicos da escolta lhe falavam co-mo a rei. Mas ele, não se deixando embriagar pelo triunfo, não larga-va de mão os seiscentoscavaleiros, atento ao que se passava na hostereal. Sabia que era no centro que o seu irmão se encontrava, segundo

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a estilo da estratégia persa, Com efeita , é-lhes destinada tal posiçãonão só parque na meia das duas alas se reputam mais em segurança,cama parque dali mais facilmente podem dar as suas ordens.

Ora el-rei, pastada deste modo na centro, excedia cam as suasforças a ala esquerda da exército de Ciro. E não lobrigando inimigasdiante de si, nem diante das seis mil cavalas destacadas para sua pra-tecção, volveu sobre a direita cama se pracurasse contornar as gre-gas. Temeu-se Ciro de talmovimento, de que podia resultar serem asgregas colhidos pelas castas e desbaratadas, e carregau à testa dasseus seiscentas cava leiro s, corn tal derio do que, derribando tudoa que se lhe ofereceu pela frente, destroçou a coorte real comandadapar Artagerses.:a este general, ao que se canta, ele própria fazendamorder a chão,

Aconteceu porém que, mal se sentiram vencedores, as cavaleirosde Ciro despediram cada um para seu lado na cala das fugitivas. Ciroficou quase sazinho,radeada apenas daqueles a quem chamavamseus comensais. Foi nesta emergência que descobriu el-rei e a sua es-..colta.. . ".

'- Veja ohamem! -:-'-exclamou.E; não podendo dominar-seçprecipitou-se sobre Artaxerxes e de

um golpe que lhe atravessou a couraça.i corno atestou a médica Cté-sias chamada pata a tratar, feriu-o em plena peita. Na instante, pa-rém, em que deu a lançada, foi atingida abaixa da olho par um dar-da, mandado por pulsa vigorosa. :Estabel~ceu-se raiva~a referta entreas dois.Irmãos e as respectivas guardas, O morticínio foi grande dalado dos persas, s~gunda a versão do mesma Ctésias que acampa-nhavael-r~i, Da outro lado caiu Ciro ésobre a seu corpo vinte dasseus pares. Conta-se que Artápata, o mais fiel das seus alferes, se lan-çou da cavala abaixa para cobrir a c~:rpo da amo; que a rei a man-dara degalar naquela posição, também se diz. Ainda correu outra ver-são segunda a qual puxou ele próprio da cimitarrae se deu a marte.Andava,de facto, com uma cirnitarra à cinta, de punhas de oiro,e trazia calar e braceletes, distintiva. dos persas de primeira estirpe.Ciro tinha-a em grande apreço pela fidelidade- e afeição que lhe teste-munhava.

.IX

. Assim acabou Ciro; todos aqueles que a conheceram são concor-des em dizer que foi, depois do antigo Ciro, o persa que possuiu emrriais alto graúo gênio easvirtudesdurnrei. Desdemenino que emtudo .levava vantagem ao irmão e aos. filhas dos grandes da Pérsia,com os quais fora críado-Porqueé de lei napêrsia receberem os ra-pazinhos fidalgoscriaçãoàs portas do PaçO: Ali Se formam 'no culto

.da modésria.não ouvem nem vêem coisa que represente menos des-primor; estão presentes quandoo monarca distribui distihçõesou fazcensuras e, senão estâo presentesçsão informados do' que 'se passa.Deste modo.sehabiruam desde os tenros anos aobedecer.e a man-dar. . .' .... ..... . .

Ciro era aÚvel com os da sua idade e,quanto aos velhos, fosseembora-gerHed<l plebe; era mais respeitoso que muitos de condiçãoinferior às~à. Gostava de cavalos esabiade ginetààmat;avilha:Da- .va-se tambémaC;sexeidcios bélicos que exigerhgr~nde esforço, co-mo atirarao arcordespedir o datdo,em t~d6se mostrando-incansá-vel.Malaidadelho permitiu, tornou-se um. apaixonado pela caça,ávida dos perigos que .secorrem monteandol Um dia foi atacado por

;-- um urso; a fera arrojou-o do cavalo e feriu-o de moda que.ficou mar-cado com' cicatrizes, para toda a viciá. Mas ele; sem perder o ânimonem o sangue-frio.vacabou-por abater' a fera. Bao pri~eir.o.que acu-

;,. diu curnuloudegraridesdádivas;para que fosse a arauto daquele su-.;. cesso feliz." . '. -'.

Nomeado-pelo pai sâtrapa da-Lídia, da Frigia Maior, daCapadó-cia, e comandante das tropas .mobilizáveísna planície do Castólio, re-velou-se .urn bom administrador? escravo dasua.palavra.rtratasse-se

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de pactos, ajustes ou simples promessas, Por isso cidades e particula-res depositavam nele inteira confiança: tratados de pílZ ou tréguas,assinados por ele, eram rigorosamenteobservados a ponto. de fica-rem fora de hipótese quaisquer surpresas desagradáveis. E aqui estáporque, quando fez guerra aTissafernes, todas as cidades, exceptoMileto, preferiram ficar na sua dependência. E Mileto, se nutria pre-venções contra ele, era porque Jurara não desamparar a causa dos exi-lados até a últimaextremidade.

A sua grande preocupação era sobrepujar quem lhe fizesse bemou quem lhefizessedano dentro do próprio pólo moral. Ouviram-noexpressar este voto: . ." . . .

- Oxalá que os Deuses não me levem sem tornar com jurosoquedevoa amigos e ainimigosl

Ninguém poderia acusá-Io de ser indulgente com celerado se malfeitores. Não raro ~eencontravam pelos caminhos estropiadosde pés e mãos e até dos olhos, penitenciados da sua justiça implacá-vel. Também nunca houve tanta segurança individual nas cornarcasda sua satrapia, quem quer,. grego ou bárbaro, podendo meter-se aos·caminhos sem perigo algum.

As maiores .honras reservava-as para aqueles que se distinguiamno combate. Da primeira campanha que fez contra os Písidas e Mí-sios, o comandante em chefe foi ele. O governo das terras conquista-das deu-o àqueles que sabiam arrostar com os perigos e não volta-ovam cara ao adversário; daí o serem considerados os heróis comogente de sorte e os cobardes sem:outro-mérito queo de serem escra-vos daqueles. E sucedia quererem mostrar-se todos .mais valerttes unsdo que outros, na cobiça de serem bem vistosde Ciro.

No que muitocaprichava eraqueçsoba Sua governaçãó, em tudohouvesse pontualidade e justiça. Mercê das suas recompensas valiamais ao funcionário serexacto do que locupletar-se por meios ilíci-. .tos. Assim não lhe faltava gente para toda a espécie de missões. Delonge, atravessando os mares, vinham oferecer-se-lhe capitães e es-tratégicos, e decerto o faziam não' com sentido no mesquinho soldomas no galardão que viriam a conquistar por seu zelo e lealdade. Nãoadmira que, assim generoso e justo, não eXistisse no seu tempo prín-cipe melhor servido e venerado.

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Que umgovernador, sem deixar de ser recto, desenvolvesseo bem-estar dos seus administrados e enriquecesse, não era ele quelhe ratinhava os proventos,se antes lhos nãoaumentava. Desta for-ma trabalhavam com gosto e ninguém exorbitavado seu legítimo in-teresse. Lucros sonegados, sim, mereciam a sua exprobração e severi-dade. Ciro era inexcedívelna arte de cultivar os amigos e aqueles quejulgasse capazes de contribuir para o êxito dos seus projectos.

Ninguém, a meu ver, recebeu mais presentes de admiradorese afeiçoados. Também ninguém distribuía dádivas com mão mais li-beral, segundo os gostos e necessidades de cada um. Se lhe ofereciamricas vestes, armas preciosas, não tardava que as"desse aos da sua ro-da, alegando que um homem não podia trazer mais que uma roupae.pór à cinta mais que uma espada, e que os amigos bem ataviadoseram o melhor ornamento do príncipe.

Não. espanta que levasse a melhor aos amigos em matéria de rnu-nificência, pois era mais poderoso do que eles; mais para admirar eraque os excedesse na arte de ser deferente e no desejo de ser agradávelao seu próximo. Muitas vezes mandava aos amigos um garrafão devinho, apenas encetado, com estas palavras:

«Há muito tempo que não provo melhor; bebe-lhe bem com osteus e que te preste.»

Também lhes mandava uma perna de ganso, pãezinhos, gulosei-mas, com recados deste teor:

«Ciro regalou-se com o petisco que aí vai; que tal?»Se não havia feno para os cavalos e os criados iam desencantá-Ia

onde os Deuses queriam, mandava que primeiro fossem pensadas asmontadas dos seus tenentes. Quando aparecia em público, comosoubesse que todos os olhares incidiarn sobre ele, punha-se a praticarcom aqueles que pretendia honrar, modo certo de os distinguir. Queeu saiba, nenhum homem foi mais estimado por gregos e bárbaros.A prova viu-se; sendo todos os seus governados e áulicos vassalos dogrande-rei, nenhum o deixou pelo monarca. Só Orontas ousou fazê--10, vindo a reconhecer em sua desgraça que o homem em que eleconfiava lhe era menos afeiçoado do que a Ciro. Pelo contrário, mala guerra estalou, não poucos favoritos de Artaxerxes desertaram das

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Cortarama cabeça e a mão dirdta :de tiro no própriocampo de .batalha: As .tropas de el-rei, acossando os fugitivos, 'penetraram nocampo adverso. Arieu não lhes ofe.re~eunenhuma espécie de .resis-tência, terido.Iargado .corn o arraial para aquele rnesmoaítio dondepartira pela manhã.Ja quatro parasangas de distância. Começou o sa-que.r.Artaxerxes tomou-uma das amantes deCiro, rapariga da Fócida,

~ . tida por séria' além d~ formosa; üm~outra, mais nova aindado que'} esta, que era de Mileto, quando os soldados do rei lhe iam a deitar

a mão, fugiu m~i~ nua, Haviagregos de guarda ao treme escapou-separa juntodéles.t Sstes, quando viram às coisas mal paradas, forma-ram erríquadradoçfizeram grande matança nos ratórieiros e,não obs-tante as baixas que sofreram, ali se aguenrararn a pé firme 'até seremsocorridos.isaívando-se assim pessoas, bens e até a mocinha dê Mileto.. EI-reiénc~~ttava-se,entã6; distanciado 90S gregos cerca de tr~s

estádios, &esú:savaI1<;:av~m,levando tud() diante, como se a vitóriafosse plena. Ospersas, por sua vez, pilhavam acampe> de Ciro, tarn-bem como se oexército deles tivesse ganho' a batalha. Mas..os gregosacabaram por ser.informados de queel-reilhes acometiaaimpedimen-ta. Tissafernes, por sua vez, ~visavael~reideque a ala esquerda doseuexétcito'.±Ugià deshar~tada . .Artaxerxes, éntão, tratou de concen-traras suas forças, e Clearco,do seu lado, chamou Próxeno e os ca-

. pitães que estaVam maisperto para resolverem se deviam mandar umdestacamento ems~corrodaseqúipa:gensou irem todos .. ' .

Entretanto viram que o rei avançava com. o exército como se qui-sesse atacá-lospela retaguarda e fizeram volta-cara, Mas ele tomou

fileiras reais para as suas.·A morte de Ciro forneceu ainda o argumen-to incontestável de guanto era magnânimo e sabia prender à sua sor-te os homens de brio e carácter, pois que sobre o seu cadáver se fize-ram matar amigos e privados, combatendo até resto de espada em

.punho. Apenas Arieu teve artes de sobreviver. Comandante da. cava-laria da ala esquerda, mal soube da morte do príncipe, fugiu ~ testados esquadrões. .

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outro destino, retrocedendo àqu.et~posiçã6~donde superava Como desdobtamentodas suas linh.asa ':1& esquerda do inimigo. Com eleiam os trânsfugas e vieram juntar-se-lhe as tropas de Tissafernes quetinham sustentado ao longo do ÚO combate com o corpo de peltastasgregos. Estes que eram comandados por Epísteno, de Anfípolis, que

00 tinha famadecapitão pruderite.iesperaram-no a pé firme e, uma vezao alcance, crivaram-riocom um chuveiro de dardos. Tissafernes nãoteve remédio senão retirar, muitoprovadodo recontro.i No recuo to-

p.ou-se com as forças de el-reí;'E()sdoi~,depois 'de reorganizarem .osoesquadrões, decidiram avançar contrao campo inimigo.

F.oiovendo tal manobra que os gregos recearam ser tomados deflanco e,umavezenvolvidos por .tãó copiosas tropas, aniquilados,Hesitavam-por i~sosedeviam ou hão-d~sdobrar:i ala, apoiando-a noEu frates. Enquanto estuda~aITl Q plano; Artaxerxes, reocupando

00 a P6siçãoqúe tinha no iniCio.dilbatalha;veio ~formar em fre~te de-"Ies, Elog.oosgiego~, cantando de novoo pean,se lançaram ao ataquemais furiosamente do que nuncavOsbârbaros, porém, não espera-ram o choque eofugiram para mais.longe que.daprimeira vez. Os gre-

o.gos forarn-Ihes no encalço. até urna aldeia, sobre que se a1candoravao um monte em que as tropas reais tinhamacabadopor seagarra'r e emooque faziam finca-pé.iBsse monte f!c:;ouliteialmente coalhado de gine-

tes, apenas gí~etes, que o rei não dispunha de infantaria. Dificilmentese distinguia em tal aglomeração o quesep~ssava. Pareceu aos gre-gos que o gUião de el-rei, uma águia dê asas abertas, pairava acima doarraial. o oo o o o" oo oo o

Hesii:;tnte~deprinçÍpi~, acabaramos.gregos por se lançar ao aS7salto da colin~ e logo acavalariainimiga começou a ceder; não de jac-to, mas por pelotões, uns por aqui; outros por ali. Em breve não res-tava lá um cavalo. Clearco desistiu, então, deaescalar e fez alto nosopé, destacando Lício, de Siracusa, com outro cavaleiro, a reconhe-cer o terreno. Lício partiu a galope e.voltou a dizer que a cavalariareal fugia em debandada. O Sol estava quase no ocaso. .

Precisados de repouso, os gregos alijaramas armas. Espantava-osque não aparecesse Cironern ninguém da sua parte. Mas, corno igno-ravam que calranabatalha, futuravarn que perseguisse o inimigo outivesse avançado mais longe com o fim de se apoderar de qualquer

A RETIRADA DOS DEZ MIL 63

posto importante. Depois de tomar fõlego; consultaram-se uns comos outros sobre se deviam mandar vir as equipagens, para ficar ondeestavam, ou se não seria melhor voltar ao arraial; decidiram voltar.Quando chegaram às tendas, eram horas de ceia.

Encontraram o trem pilhado. As tropas persas tinham feito mãobaixa sobre as provisões ode vinho eotrigo, oreservadas aos gregos porCiro, para o caso em que houvesse penúria nó exército. Eram m~isde quatrocentos carros. Os gregos não tinham que cear, e já não ti-nham jantado, surpreendidos pelas tropas de:Artaxerxes quando co-meçavam a comer o.rancho, Foi deste modo, com a barriga a dar ho-ras, que se .lhes pôs oS .01.

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Ao raiar da aurora .os capitães gregos reuniram-se em conferên-cia. E, muito admirando todos que Ciro não aparecesse, nem houves-se dele novas nem mandados, foram concordes em levantar arraiale romper avante até o encontrar.

Já nascia o SolquandoProcles, governador da Teutrânia e des-cendente de Damarates de J.;acede·mónia, e Glos, filho de Tamos,vieram anunciar a morte de Ciro. Ao 'mesmo tempo traziam recadode Arieu que, havendo-se refugiado com os bárbaros nos lugares emque estivera entrin<;heirado de véspera, esperava por eles todo o dia:para o caso em que quisessem ir ter com ele, mas que.na manhã se-guinte, sem falta, punha-se a caminho daJónia. .

Capitães e soldados, no. geral, ficaram muito penalizados coma notícia. Clearco ergueu as mãos ao céu; lastimoso:

- Prouvera aos Deuses que Ciro vivesse! Mas; pois que morreu,ide anunciar a Arieu que desbaratámosoexército real e que não en-contramos mais resistência diante de nós. Vós a chegardes e nós emordinário de mar~ha!Podeis ganiritír a Arieu, de nossa parte, que,volte ele atrás, e nós oporemosno trono, como está no nosso. bomdireito de vencedores.

Clearco desf>ediu os deputados com esta mensagem e fê-Io sacompanhar por Quirísofo, de Lac~demónia, e Menão, de Tessália.Menão, na qualidade de amigo de Arieu e seu hóspede, arrogou-sea primazia quanto a desempenhar tal missão ..Partiram os deputadose, enquanto não chegava a resposta, trataram as tropas de se alimentar.Foram-se. aos bois e jumentos do trem e abateram uns tahtos, depois,

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caminhando para o sítio em que a batalha fora mais encarniçada, en-contraram grande quantidade de setas de pau, que os trânsfugas, se-gundo a intimação, tinham despojado do ferrão de aço, escudos deverga ede madeira cios egipcianos, carroças vazias. Juntaram estesdestroços todos e assaram a carne a eles. Não' tiveram outro passadioaquele dia; À hora em que o forum está cheio de gente, chegaramarautos da parte do rei e de Tissafernes. Eram' todos bárbaros de na-ção, excepto Falino, grego do séquito do sátrapa, que passava porhomem muito entendido na arte da guerra e no manejo das armas.Adiantando-se para o campo grego,chamararri pelos capitães e inti-maram-nos em nome de. Artaxetxes,' que se ~onsiderava vitoriosocorna morte de Ciro, a q1,leentregassem as armas e fossem à sua por-ta implorar clemência ..

Os gregos ficararp indignados com tais palavras. Esforçando-sepor se moderar, Clearco respondeu que não pertencia a vencedoresentregar as armas. E, voltando-se para os capitães, seus camaradas,como um dos impedidos o chamasse para ver as entranhas das víti-mas, acrescentou:

_ Dêem a resposta que lhes parecer mais honrosa e assisada queeu volto já...

Estavam, com efeito, a sacrificar quando chegaram os persas._ Antes morrer que' entregar as armas! - exclamou Cleanor, de

Arcádia, o mais idoso dos capitães._ Falino - pronunciou Próxerio, de Tebas, a quem competia

falarem segundo lugar-·. - estou muito surpreendido com o que nosvens representar. Artaxerxes pede-nos as armas na qualidade de ven- rcedor ou na qualidade .de amigo e a título de presente? Se e na quali-dade de vencedor, em vez de rio-Ias pedir, porque as não vem bus-car? Agora, se pretende havê-Ias às boas, que declare primeiro que

. é o que nós ganhamos se lhe fizermos' a vontade... ._ El-rei considera-se vencedor - respondeu Falino - desde

que matou Ciro. Em verdade, quem lhe poderia disputar o ceptro?!Quanto a vós, ninguém lhe diga que não estais em seu poder, vistoque vos encontrais em pleno coraçãodos seus' estados, entre cursosde água que é difícil transpor, e não lhe custa nada lançar contra vóstais vagas de gente que, mesmo desarmada, acabaria por levar a me-lhor. . . .

.....

, A illi'TIRADÁ DOS DEZ MIL 69

- Bem yÚ,F~lino .-' proferiu Xenofonre, de Atenas ---: quenão possuímos outrosbens além das armas e da coragem. Enquantotivermos armas, ácoragern não quebra; se as entregássemos, não iajurar que conservássemos a própria .vida. Não te ponhas pois a imagi-nar que vamosprivar-nosdo único bem que nos resta; e que bem?!Pode até àc~ni:ecer que tenhamos de servir-nos dele para. nos empos-sarmos dos ~0SS0S. . .. ' .'. '. . '. .: '.: .' . . '.' '. . I .: ~ Mancebo -·.replicou Falino, sorrindo~gostó de te oilvirh- .

It)sofar e dizer àssimt.oi~as bem ditas, Màsceparaque éioucura irna-. ginarqtie podeisresistir.com vossa valentia à fortalezail4rutadade el--rei, :..:". . "":.' . .' .", .'. . . .. '.' " '.

.Alguns,' que eram escassos de' ânimo, obse&aram' qUe setirtharr; .sido leais carneiro também-podiam sê-lo com Ari:axerXes~setVindo--o igualmenté.HaViam:il maneiras de lhe serem úteis, tomando parteem qualquer éxpedição, por exemplo,co~t.r~ os Egipcianos ....

Neste meio tempo chegouClearco e perguritouque resposta ti-·nham dado os car.n:aJ;~das. • ..". ..' .'' .: '.... ., .... .

-' Um diz uma coisa, outro diz outra---'- respondeu Falino - eninguém se entende: E;i ti que te parece; Clearco? .

-Falino-. =obtemperou ele -é com o maior prazer, decertopartilhado peloscamaradas, que te vejo aqui. Não podia: ser doutromodo: és grégo; todos os presentes gregos são. Como tal, pedimos-teo teu parecer desinteressado quanto i situação em que rios achamos.Pelos Deuses imó~t'ais, aconselha-nos o que há-de melhor afazersem prejuízo da nossa honra .eIembra-te quetepodes cobrir de gló-ria pela.maneira como o fizeres: A rua voz. ficará a ressoar na posteri-dade, pois em .toda a Grécia não deixará de vir a dizer-se: tal e tal foio conselho. de Falino, enviado aos compatriotas por Artaxerxes para'que entregassem asarm:as.· .......• . . . ' ....•. ' . '"

O inriIito deClear~o, com Iinguagemtão .capciosa, era: le~ar Fali- .no a aCQnseJ..ha~.aosgr~gósque não entregassem as armas; esperança-do em que assim lhes levantaria oânimo. Mas Falino ladbou é ~es-porideu-Ihe .nestes termos conwl a suaexpectativa.

- Se tendes unia probabilidade contr;'miC&venceraArta~er-xes, digo-vos que não entregueis as armas, Agora, senão vedes salva-ção possível.ria resistência, então Q melhor é lançar mão dos meios'que se vos Oferecem." . .

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_'_"É ess~ O teu pensamentó?-re~orquiu Clearco. -, Agora ou-''Ve o nosso e vai com ele aA~taxe~xes: ternosou não temos de ser'~migos dele? Se temos, ser-Ihe-érnos tnais úteis conservando as a~-m~s: Se nãotemos~melhor corrrbatererno s cOnservando-as d'J queprivando-nos delas.' " , " ", '.,..' "

~ Bern,nós vam~sirii:eirar el-~ej da vossa resolução. Estarnos"ainda incumbidos de.v oscliae'r qué;ficatido vós aqui, há tréguas;, avançando Óü recuando; háguêrra_Respqndei-me,eti vos peço: ficais'aqui, prefe~indo tié~as?ou, de~o dizer que.recomeçam' as hostilidi-des ...? ' ' " " '" , ' " •, _'_ Comunic~ a Sua Altezaque somosabsolutamente do seu pa-

, tecer. ''- Que -quer isso dize~?_ Se ficamos.Há i:régua~;se avançamos ou recuamos, guerra.-, Mas, afinal, que hei-de anun~iaé ,,'.: ,," " ,~ Paz, .se ficam~s;guerra, se avançamos ou recuamos.E esquivou-se a dar mais explicações. '

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Quando Falino e os arautos se retiraram, apareceram Pro clese Quirísofo, de volta do campo de Arieu. Menão ficara com ele.

- Arieu - disseram eles -' respondeu-nos que havia muitospersas, mais ilustres pelo sangue do que ele, que nunca se resignariama aceitá-Io como rei. Está decidido ':;1retirar; se quereis a sua compa-nhia, muito bem; espera por vós esta noite. Amanhã, de manhãzinha,parte infalivelmente.

Clearco, para lhe não dar a conhecer os seus 'planos, respondeudeste modo:

- Entendido. :Se lá apareceJ;mos, aparecemos. Se não aparecer-mos, que proceda corno melhor entender. '

Ao pór do Sol mandou reunir os mais capitães e comandantes decoorte e falou-lhes assim; ' , ' , ;'

- Camaradas, mandei sacrificar para saber se podia marcharcontra o rei Artaxerxes, e as entranhas das vítimas nada pressagiaramde bom. Acabo de saber que o rio' que está de permeio entre nóse Artaxerxes só se passa de barca e nós não temos barcas. Ficar aquié impossível porque estamos de todo sem mantimentos. Agota osaugúrios que tenho aconselham-nos a [untarmo-nos aos amigos de,Cira. É o que temos afa~ér.Por hoje, toca a recolher às tertdas e emmatéria de papança cada um governe-se confor,me puder. Ao primei-ro sinal da, trombeta, todos a pé; ao segundo, mochila às costas; aoterceiro, marche, em formatura, trem à frente, pela margem do rio,coberto pelos hoplitas.

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Capitães e comandantes de coorte .retiraram-se com estas instru-ções que executaram pontualmente. Desde aquela hora Clearco assu-miu o comando supremo e as tropas obedeceram, embora o não ti-vessem eleito, por verem nele o único com as qualidades militaresdum chefe, quanto mais não fosse, falhos todos os outros de expe-riência.

Segundo os melhores cálculos, desde Éfeso, na Jónia, até o cam-po de batalha, o exército tinha andado quinhentas e trinta parasangasou seja seis mil e cinquenta estádios com noventa e três altas. DaíaBabilónia avaliavam o trajecto em trezentos e sessenta estádios.

Às primeiras horas da noite desertou Miltocites, da Trácia, pas-sando a Artaxerxes, com quarenta cavaleiros e cerca de trezentos in-fantes, da sua nação. Como ficara assente, Clearco pôs-se à testa doexército e por voltada meia-noite chegou ao acampamento de Arieu,Capitães e comandantes decoorte, malas forças bivacaram, foramem peso ter com o general dos bárbaros. Solenemente, gregos, Arieue graduados do exército juraram ser aliados fiéis uns dos outros e nãousar de nenhuma espécie de traição entre eles; os bárbaros juraram,.além disso, ser guias leais. Antes de começar o juramento imolarain.um: javali, um touro, umlobo e um aríete. O sangue das vítimas foiapanhado para um escudo e os gr~gos molharam nele' as pontas dasespadas e os bárbaros as hastes dos chuços,

Depois de trocarem tais penhores de fidelidade, Clearco proferiu:_ Arieu, uma vez que vamos fazer <J, retirada juntos, que itinerá-

rio vai ser o nosso? Voltamos por onde viemos ou conheces melhorcaminho?

- Se voltamos por onde viemos -' respondeu Arieu - morre-mos todos à fome. Nas dezassete últimas jornadas que fizemos,o país, que já era pobre por natureza, ficou esburgado até o osso.Talvez valha a pena tomar outro caminho, mais comprido, sim, masonde encontraremos que comer. Nos primeiros dias:de marcha have-rá que unir fileiras e andar depressa de modo a pormo-nos longe doexército de Artaxerxes. Se nos apanhamos com dois ou três dias deavanço, pode-nos assobiar ao rabo. Com forças reduzidas, não vai.atrás de nós com as forças todas, o seu andar é vagaroso. Talvez lhefaltem também mantimentos. Aqui está o que eu penso.

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A RETIRADADOS DEZ MIL 73. .

Não visava semelhante plano mais que a escapar a Artaxerxese.' "'

a fugir; af~rn.lIla comprouve-seem guiar as tropas pelomelhor cami-nho. Puseram-se em marcha,orientarido-sede modo que o Sol aonascer lhesbatesse pela direita. Contavam estar à noitinha em aldeias .'de Babilóniae não se enganaram -.Pela tarde, todavia, pareceu-Ihes lo-brigar ao longe cav~laria inimi$a; os soldadosque iam fora de formacorreram aos seus .lugares. Arieu, que seguia de carro por causa dumaferida, apeou"see~t1vergouacouraça,bem como todos quantoso acompanhavam. Enquanto se armavam, voltaram os corredoresenviados em reconhecimento. O que passara ao longe ~.eles haviamtomado por gineteseram animais .de.carga. Artaxerxes, no entanto,não devia andar longe. Distinguia-se fumo aqui.e ali de bivaque ..Clearco, fosse corno-fosse, não estava para investir como inimigo.'Sabia muitobemcorno as tropas andavam enfadadas.vquase em je-jum, e que .se fazis, tarde. Mas também não virou de rédea, para nãodar ares de quem foge; antes; 'peloccnteário.irórnpeu direito.vsempreem frente, e.ao pôr do' Sol acar:qpava coma vanguarda nuns povosde que as tropas de Artaxerxes tinham levado tudo, até amadeira.dascasas.

Os primeir~squechegaram puderam aboletar-se sossegadamen-te; .mas os da. retaguarda, coma noite escura.valoj aram-se a. trouxe--rnouxe, e fizeram grande aranzel a ohamar uns pelos outros. Tãogrande aran?elque os soldados inimigos que, por estarem mais perto,ouviram talbulha,deitaram a fugir: Mas só no dia seguinte deramconta; olhando para todos os lados, no horizonte, não lobrigaramnem bestas de tiro; nem tendas, nem fumodearraialmilitar, Artaxer-xes, ao q~ese concluiu, ficaraatarantado'cOin. a marchado exército.

Durante a noite; os gregos. deixaram-se tomardum princípio depânico. O rumor e balbúrdia, corno acontece em sobressaltos destegénero, foram indescritíveis.

Clearco tinha poracas() ali ao pé Tólrnides, da Élida, omelhorporteiro do seu tempo. Por boca dele mandou que estivessem cala-dos e anunciou que receberia um talento de prata aquele que viessedizer quem cometeraodespautério de soltar o burro no arraial. Gra-ças a esta proclamação, compreenderam os soldados que o seu terror

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74 XENOFONTE '

era infundado e que nada de mau acontecera aos <capitães.Ao raiar daffi'anhã Clearco ordenou que os gregos se.armassem e formassem embatalhões, como tinham feito na àntevéspera quando marcharamcontra Artax:erxes. . '.

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III

Não fora rebate falso ter-se Artaxerxes inquietado com a marchado exército grego. Com efeito, ele, que na véspera intimava a que lheentregassem as armas, mal nasceu o Sol enviou arautos entabular ne-gociações. Estes arautos, chegados que foram às guardas avançadasdo acampamento, pediram para falar aos capitães. Clearco, que na-quele momento passava revista às tropas, rnandou-lhes dizer para es-perar, que logo que os pudesse receber o faria, E, alinhando as tropasem colunas cerradas de modo aapresentar uma frente que impressio-nasse, metidos para trás os soldados que não tinham armas, ao passoque mandava entrar os delegados saía-lhes ao encontro escoltado deluzida e bem armada escolta. E, assim procedendo, convidou os ou-tros capitães a seguir-lhe o exemplo.

Quando chegou ao pé dos delegados perguntou-lhes ao que vi-nham. Responderam <}uevinham para negociar tréguas e que a suamissão, portanto, era comunicar aos gregos a vontade de el-rei e le-var a el-rei a resposta dos gregos.

- Pois ide dizer a Sua Alteza que antes de mais. nada temos detravar combate. No nosso carripo não há nada que comer e, a menosque nos abasteçam, é irrisório falar de tréguas.

Os arautos retiraram com esta resposta e não tardou que voltas-sem, sinalde que Artaxerxes estava perto ou alguém por ele, queo representava. .

-Sua Alteza -- disseram os deputados - acha aproposta justae, se estais decididos a assinar tréguas, já aqui estão os guias que voshão-de conduzir a sítio onde nada vos falte.

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76 XENOFONTE ,A RETIRADA DOS DEZ MIL 77

- A trégua: diz respeito apenas aos negociadores ou compreende'as tropas em geral?

- Compreende aso:opas em geral, e dura. até que Sua Altezase'pronuncie sobre asvossas propostas,

Clearco chamou os camaradas a conselho e assentou-se concluí_rem imediatamente o armistício editigirem-se à boa paz para os luga-res em que lhes ofereciam gêneros. Em vez, porém, de darem rés. c"

posta pronta aos delegados, diferiram-na de modo a deixar-Ihesensejo a recear que a trégua fosse rejeitada, não lhes parecendo nadamau que os soldados gregos nutrissem, por instantes, a mesmaapreensão~ .

.' A trégua foi, pois, concluída e logo lhes disse Clearco:.- Vamos aos víveres!. Puseram-se acaminho,'os arautos à frente, atrás as tropas em

formatura de combate. '0 próprio Clearco comandava a falange daretaguarda. No ca~nho encontraram fossos e canais cheios de água,que não houve meio de vadear; e foi. necessário improvisar pontes,utilizando as palmeiras que havia derrubadas pelo chão e outras, quedeitaram abaixo. Nesta conjuntura se patenteou à evidência a forçade Clearco como chefe. Na mão esquerda trazia uma lança, na direitao bastão. Se algum dos homens, empregados na construção das pon-tes, dava indícios de calacear, chegava-lhe pancadae substituía-o poroutra mais activo. Ele próprio, com lama até o joelho, trabalhava co-mo operário. E, só de vê-lo, todos tinham vergonha de não pôr na-quela empreitada o alento máximo. Para este trabalho tinham sidodestinados os gregos de trinta anos para baixo; mas perante o exern-pIo de Clearco, até os mais velhos puseram mãos à obra. Clearcoqueria despachar-se, suspeitoso que aquelas valas e canais nem sem-pre assim estivessem cheios de água. Com efeito, não sendo a sazãode irrigar a campina, presumia que Artaxerxes, abrindo os diques, ti-nha em vista, pelo menos, mostrar aos gregos os inumeráveis obstá-culos que lhes estorvariam a marcha.

Aberto caminho, chegaram finalmente aos vilares .que os guias'davam como bem providos de mantimentos. De facto, encontraram'ali trigo em abundância, vinho de palma e certa bebida ácida que ex-traem das tâmaras. E, quanto a tâmaras, eram' tantas que as davam

;

ios ~ri~dos íguáis· àqueI~squeaparedatl1 na Grécia; imesa: dos ~e-;hores apenas iam escolhidas, admiráveis Pelo tamanho epeio sabor.inh.amcordeâmlJar tostado. Secavam-rias para sobremesa; mas'rarn tão adócit~das que cau~avamenjoo; Foitambém aqui, pela pri-

,fueira vez, que os soldados provaram palmitos, achando divertida:, sua forma e sabor -:Mas, do.rnesmo modo que as tâmaras, agonia-,am aoqueeramdeaçucarados. Apalmeira, uma vez que lhe cortem~quelé grelo.vsecacompletarnente, .'. .' .. • ..... '.''.' .

Ficaram ali três dias. Tissafe~nes, entretanto, ~eio t~t com eles,.acompanhadodoirinão. da rainha e de três persas de categoria, acau-~datadode escravos em barda; Oscapirães .g~egosfonim'ao seu en-'contro'~ Tis~afernes dirigiu-se-Ihes, nestes termos, por meiodo intér-t. . '.' . ".' '.: '. ..... ,'... .

prete: -.' .. . .~ Gregos; bem: sabeisque o meu Esradoé vizinho da Grécia.

.Ern face do!)mar:ese~rabalhos que vos pe~seguem,o'meu gosto é,:com licença de el~rd,re~oriduzir-vos 'sãos e salvos à vossa terra. Pen-.so deste modo alcançar o vosso ~ecúnhecímentoeodos vossos.compatrioras. Movido por estaideia, eu vos digo, fui-meter com el--rei e representei-lhe quanto era justo con'ceder-ine aquela .graça. Fo-ta eu o primeiro queIhe deran~tiêÍli da expedição. de Ciro; ao mes-mo tempo que o.prevenia, trazia-lhe o auxílio das minhas forças; de

. todos quantos ..~ntraram na batalha contra vós, eu fui o único que nãoarredei pé; juntei-me a ele nq vosso campo, depois que Ciropereceu,

:(ir enfim, com as tropas que comandei e lhe são particularmente afectas.:1. acossei os bárbaros de Ciro. Invoquei todas estas razões e el-rei ficou~:. de pesá-Ias. Mas.tpromerendo-mo, mandou-me saber por que motivo)~ pegastes em armas contra ele. Quer sabê-lo e, se aceitais o meu con-." '. . ....lt,: selho, -respondei corri moderação e verdade, de forma a.eu poder im-1:' petrar de Sua Alteza para.convosco tratamento favorável.'~~ Os gregos apartaram-se a conferenciar e pela boca de Crearco..,. responderam: .4 - Nós não nos coricertámos para fazer guerra a Artaxerxes,·:f nem sabíamos sequer que marchávamos com esse fim. Ciro, deves:~ sabê-Io, fartou-se de inventar pretextos e embustes de toda a ordem

:'f para vos cblhe~ de surpresa e a nós arrastar-nos consigo. Verdade se

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78 XENOFONTE

diga, quando o vimosem perigo, tivemos vergonha à face dos Deu_ses e dos homens de abandoná-Io, quando em -hora melhor nos tí-.nhamos aproveitado-das suas liberalidades. Agora que esse príncipe .~já não existe, não pretendemos nada, nem disputar o ceptro a el-rei ~,nem atentar contra aconserv~ção dos seus estados, nem infestar-Ih~'os domínios, mas voltar bem quietos a nossas casas se ninguém Semeter connOsco. Agora se 'nos hostili:za~em,com a ajuda dos De\J.ses,-;

'. cá estamos para repelir a afronta. Dado, porém, que sejam generosos'corinosco, saberemos correspond,e:r.... '.. '- Eu transmito ae1~~eias vossas palavras - proferiu T'issafej,

.nes - e á resposta tê-Ia-eis. Até lá, astrêguàs continuam. Os merca-dos estão ab~itos ..: ,,' .. -". .: . ,.. ' ,,' ,..

Tissafe~ne~ nãoaparecéU:no diasegui:nte, o que causou apreen-,"sôes aos gregos . .Mas voltou três dias depois a dizer que, tinha alcan-'<;:ado deel-rei autorização para os gregos voltarem livremente à sua

terra, etn despeito da oposiçãO de muitos persas gue consideravam, indigno. do monarca deixarescaparhornensque haviam pegado emarmas corltra~l~:, .", ,,' " .: , " . -, ." ,." •

- Enfim~tematou-. -juramos que. ninguém se meterá con-, voscode regresso à Grécia e que os mercados, por onde passardes,vos estão francos. Onde não houver mercados, ficais autorizados

, a requisitar o que vos for precis·ó.De~ossa parte, jurai-nos que atra-"vessareis, asteirasdolmpérid sern causar dano, pagando os ~veres,'onde os h~ja'à venda,erequisitando-:os,apen,as, naqueles lugares on-de não apareçam nó mercado ..•

, .0 pacto foi sancionadovDurnIado Tissafernes e o cunhado deel-rei, do' o~troos capitães e ~oniaridarítesde coorte juraram obser-var as estipulações e·se deram as mãos, ' ,

- Agora vou encontJ;ar-mec()md~rei~disse Tissafernes. ~;Assim qU,etenha ultimado osmeusriegóciosivolto tom, tudo prontopara vos guiare, ao mesmo tempo, ir tomar de novo posse do meu

'. governo:

I.!

I"~

IV

. Mais de vinte diasesperaram os gregos e Arieu, que acampava ao'Jado deles, por Tissafernes. Entretanto recebeu Arieu a visita dos ir-mãos e doutros 'parentes; passaram, também outros persas pelo seuarraial, que tranquilizararn os soldados e lhes prometeram de parte deel-rei que não seriam punidos por terem empunhado armas a favorde Ciro e que o passado seria olvidado. Foi desde então que se afigu-

.rou ter Arieu e a soldadesca bárbara menos deferência para com osgregos. Muitos destes, descontentes, foram-se ter com Clearco e osoutros capitães:

- Que estarnos nós aqui a fazer? - disseram. --.:.Temos acaso';~~tdúvjdas que Artaxerxes não tenha a peito perder-nos, que mais não

f.~)seja com o fim de incutir medo aos gregos, para que amanhã lhe.Iinão façam guerra? O seu empenho, está=se ~ "": .é segurar-nos aqui'j~ porque as suas forças, por enquanto, estao clispersas. Logo que este-~;' jam concentradas; lança-sesobre nós. Quem sabe se não está a cavar:~!fossos, erguer muralhas, de 'modo a fechar-nos o caminho? Não nos~', iludamos, só à viva força poderá admitir que regressemos à Grécia,

.;f pois só os tolos não cornpreeridern que as nossas pessoas por onde,:, forem publicarão a derrota que lhe infligimos, um contra cem, e que,t perdidos no calcanhar dos seus estados, conseguimos voltar a nossas;~ casas depois de mangar com ele.i' _ Não é outra a minha cisma '.- respondeu Clearco. - Não

deixo porém de reflectir que; se abalamos nesta ocasião, vão dizerque o fizemos com pro pós itocie romper oarmistício e recomeçar

\ a guerra. E então adeus feiras e mercados que se nos abrem por agora!" .

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80 XENOFONTE

Ninguém mais nos dispensará um celamim de pão; guias, também,onde ir buscá-Ios?Arieu larga-nos in continenti. Não ficamos com umsó amigo e aqueles que dantes pareciam sê-Io ferram-nos os dentesem primeiro lugar. Não sei quantosrios temos a atravessar; a respeitodo Eufrates, ignora alguém que é impossível passá-Io, opondo-seo inimigo? Além disso, se tivermos de combater, falta-nos cavalaria,enquanto a dos Persas é excelente além de numerosa. E que é o queviria a acontecer? Vencedores, era impossível fazermos-Ihes mal;vencidos" não escapava um. Não vejo, por outro lado, porque é queArtaxerxes, que dispõe de mil maneiras de dar cabo de nós se for esseo seu intento, se abalance, depois de assinar a paz connosco e dar-nosa sua mão, a incorrer de caso fito no perjúrio, pecado tão detestadodos Deuses, e a tornar doravantesuspeita a sua palavra a Gregos,e Bárbaros!

E durante muito tempo desenvolveu este tema paradoxal.Tissaferneschegou, porém, com as suas forças, pronto, dir-se-ia,

a partir para os estados, e com ele Orontas. Este trazia consigo a fi-lha de Artaxerxes que acabava de desposar. Marcharam dali, Tissafer-nes, na vanguarda, para mandar franquear os mercados aos gregos,Arieu logo após, com o exército bárbaro, nas altas fazendo arraial co-mum com as tropas de Tissafernes e de Orontas. Os gregos, que des-confiavam, marchavam à parte na peugada dos ,guias, e acampavamlonge deles uma parasanga. Em verdade, o olhar que se deitavamdum exército para o outro era de poucos amigos. Arraigavam-se cadavez mais as suspeitas. Quando se encontravam a fazer provisões delenha ou de víveres, jogavam a pancada. Daí ódio recíproco. De trêsjornadas chegaram às muralhas da Média. Eram todas de tijolo e betu-milha, largas de vinte pés, altas de cem. O seu comprimento deitavaa'vinte parasangas, ao que se dizia. Babilónia não Íicava muito longe.

Andaram oito parasangas em duas jornadas e passaram dois ca-nais, um pela ponte firme, outroporuma ponte de sete barcas. Estescanais tinham sua nascença no Tigre e ramificavam-se em muitas va~,Ias, rriaiores e menores, as quais por sua vez acabavam em vaIadoscomo aqueles de que se servem na Grécia para regar as leiras de pain-ço. Chegaram ao Tigre, perto do qual se erguia Sítace, cidade imensa

A RETI,RADA DOS DEZ MIL 81

populosa: Os gregos acamparam no subúrbio" à vista duma belavasta tapada,' cheia de arvoredo. Os bárbaros, esses, passaram O rioperderam-se'devista, '

Próxeno e Xenofonte deambulavarIl casualmente, depois da ceia,diante doarraial, quando viram chegar um homem às guardas avan-adas. Perguntava por Próxeno ou Clearco; e não pergunrouporMe,

não, embora viesse, da parte de Arieu, seu comensal, A' Próxeno, que~e adiantara.iohomemdisse: '

.....:...Mandam-me-aqui Arieu 'e Artabaz, fiéis a:Cir6, como é dovosso conhecimento, e que só queremo ;08S0 berri... Dizem para es-tardes de atalaia esta noite que pode muito bem acontecer serdes ata-cadospelos bárbaros. Na, tapada que alivedes há muita tropa. Avi-sam-vos, também; quedeveis mandarpostar sentinelas junto da

(ponte do Tigre. Tissafernes parece estar disposto a cortá-Ia para vosimpedir de ir mais longe e engarrafar-vos assim entre o rio e o canal.

Próxeno e Xenofonte levaram o horriem a Clearco, que ficou so-bressaltado com o que lhe 'referiu. Dentre os gregos presentes, umjovem gllerreíro observou que «cortar a ponte e serem atacados nãoeram coisasconsentâneas», "

-'- Se' os bárbaros .nos atacam -,' argumentou ele - ou nos ven-cem QU são vencidos. Se são vencedoresqueriecessidade têm decor-

"tar aporitel'Muitasrnais que fossem, não-havia maneira de escapar-mos. Pelo contrário, se somos nós os vencedores, com a ponte emterra, perdem eles a possibilidade de retirar e ser socorridos pelas for-ças numerosas que têm ria margem de lá.

Em virtude deste raciocínio, perguntou Clearco ao mensageiroque extensão podia ter pouco mais ou menos a com arca situada entreo Tigre eo canal e qual a sua natureza. Respondeu eleque era vasta,semeada de aldeias sem conto e com muitas cidadesímportantes.E mercê desta resposta Inferiram logo que fora por manha que osbárbaros haviâmenviado aquele emissário, no receio de que os gre-gos cortassem aponte e ficassemsenhores da ilha, defendidos dumlado pelo Tigre, do outro pelo canal. A região, de resto, sendo larga,fértil e povoada de agricultores, ter-Ihes-ia.fornecido mantençasufi-ciente e uma basesegura parahostilizar Artaxerxes.

Ficaram tranquilosrnoenranro, não deixaram de 'destacar umaguarda paraa ponte. Mas ninguém a atacou; não apareceu mesmo

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sombra de inimigo. No dia seguinte, ao romper da alba,atravessaram·o Tigre por essa mesma ponte, que era formada por trinta e sete bar-cas, depois de tomarem as precauções da lei. Gregos que. estavamcom Tissafernes preveniram que poderiam ser acometidos duranr-a travessia. o aviso era destituídode fundamento. Mostrou-se apenasGlos com alguns bárbaros quando estavam a passar. Limitaram-sea observar e, depoisque todos osgregos tomaram pé na outra mar-

·gem, viraram rédea e desapareceram a galope.Do Tigre ao Fisco.há urnas vinte parasarigas que percorreram em

quatro dias. A beira do rio, que é atravessado por uma ponte e nãotem mais que um pletro de largura, fica .agrande cidade de Ópis, cer-ca da qual os ~egos Se encontraram com um irmão natural de Ciroe de Artaxerxes, que avançava de Susa e de Ecbátana r testa dumexército numeroso em socorro de~rtaxerx~s. Mandando parar o seu

. exército, o príncipe ficou-se a verdesfilar osgregos.Tistes, por or- .dem de Clearco,fizeram-no a dois de frente, detendo-se a batero passo às vozes de alto. de quando em quando. Parava uma coorte,paravam todas;de forma que o exército deu 'uma impressão de garboe torça que i~pressicmouo·p~íncip~. . .

Dali, em seis jornadas, andar~mtrinta parasangas através dos de-sertos da Média ealcançaram as~ldeiasdePari~atis, mãe de Ciro e deArtaxerxes. Àlaia deins~it~ à memó~ia de Ciro, Tissafernes permitiuque os gregos as pilhassem mas sem fazerem escravoS. Ali toparam

...trigo e gadoq~e fari:e, alérri dOniais.Percorrer~m a seguir vinte para-.. .sangasempleno.desérto, como Tigre i mão esquerda. Na primeira

·alta estiveram à vista de Ceneia, Cidade considerável sobre a outramargem do Tigre, cujos habitanteslhes vieramoferecer, em jangadasd~CoirO; pão.rqueijo .e vinho. . .

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Chegados ao rio Zábato, largo de quatro pletros, fizeram alta detrês dias, durante Os quais tiveram suspeitas de que lhes armavamqualquer cilada, mas sem acharem provas a que se agarrar. Receosoque a desconfiança não fosse por lá degenerar em guerra, Clearcotentou prevenir tal extremidade, avistando-se com Tissafernes. Pe-diu-lhe, pois, para o receber, ao que ele acedeu sem demora.

~ Tissafernes - disse-lhe ele - não esqueço que jurámos, mãona mão, não .nos fazermos reciprocamente nenhuma maldade. Ob-servo, no entanto, que te temes de nós, como se fôssemos teus inimi-gos figadais, e que nós te tememos também a ti como se nosso inimi-go fosses. Por minha parte, aqui te declaro: nada descobri que meautorize a acusar-te de nos querer fazer mal. Em compensação, pos-so-te jurar por tudo, também, que os gregos não acalentam nenhumaideia ruim contra ti. Aqui está porque te pedi uma conferência: ver secoriseguirnos desvanecer esta absurda suspicácia. Não ignoro que,por medo da calunia ou da suspeita, .cujos efeitos são para aborrecer,

.ao querer preveni-los, muitas vezes se vai causar um dano irreparávela pessoas que não tinham tenção riem vontade de fazer mal. Persua-dido que uma explicação franca pode acabar com mal-entendidos,antes de mais nada quero provar-te que-não tens razão para descon-fiar de nós. A primeira razão é que os juramentos que trocámos nãopermitem que sejamos inimigos. Infeliz daquele que tem sobrea consciência o peso de ter ludibriado os Deuses! Para fugir à suavingança, nenhum passo lhe é suficientemente veloz e nenhuma noi-te bastante escura. Também não há cidadela que possa abrigá-Ia con-tra a divina cólera, que mais tarde ou mais cedo o há-de fulminar.

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84 XENOFONTE

Ora nós contraímos o nosso pacto de amizade sob o patrocínio dosDeuses imortais. Eles, em nossa consciência, respondem por cadaum de nós, e aí está porque eu digo que não podemos ser inimigos ..Baixando a considerações apenas humanas, quero dizer-te ainda quereputo a tua amizade como a nossa boa estrela na hora presente.Contigo qualquer caminho está franco; os rios são fáceis de vadear;não saberemos o que é fome. Sem ti, avançamos às escuras, poisque não conhecemos um palmo do caminho; todos os rios são ma-res; qualquer ajuntamento de gente nos aterra, e a solidão muito maisainda, porque solidão quer dizer míngua de tudo. Se o furor cego nos.levasse a dar-te a morte, que outro resultado teríamos senão chamar.sobre as nossas cabeças o braço vingador do rei dos reis? Mas dá li-cença que te exponha quantas esperanças eu próprio destruiria sechegasse a fazer-te dano ... Busquei a amizade de Ciro porque julgueiver nele o homem, no. seu tempo, mais apto qüanto a obrigar umamigo. Hoje aqui estás tu que juntaste o governo dele ao teu, gozaspacificamente dos teus domínios, apoiado naquele poder imperialque Ciro pretendeu combater. Em tais condições, quem seria tão in-sensato que não desejasse ser teu amigo? Acalento a esperança de

.. que tu também o queiras ser nosso, e eu te digo porquê •.. Sei que osMísios te são importunos; com as nossas tropas, juntas às tuas, ser--te-á brinquedosubmetê-Ios. O mesmo digo dos Písidas e doutrospovos que, a cada passo, vão-perturbar o bem-estar dos teus gover-'nos; queiras tu e nós poremos rerrnoà sua turbulência. Sei que tepreocupam, também, os Egípcios; erião vejo melhor que as nossasforças para te ajudarem a dar-Ihes o.ensino que merecem. A nossaamizade.ser-te-á preciosa na qualidade de vizinhos e se alguém ousasseafrontar-te, connosco ao teu lado, tinhas a certeza de lavar a afronta.Acredita, os gregos dispõem-se a servir-terião somente com mira narecompensa, mas pelo justo sentimento de gratidão para com o ho-memque mais contribuiu paraa sua salvação. Quando me ponhoa considerar todas as razões, fico tão espantado com a tua descon-fiança que tenho pena de não ser bastante eloquente para te persua-dir que não nurrimosrnaus desígnios a teu respeito.

_ As tuas palavras - respondeu Tissafernes - calaram no fun-do do meucoração. Depois de te ouvir falar, sim, estou convencido

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.A itETIRADADOS DEZ MIL 85'. .' . .

de que todo ;.~al que me fiz~ssescontrati próprio sevoltava. Agora,ouve o que te vou dizer, e fixa-o bem para que, daqui em diante,

unca mais desconfies da minha: palavra ou da de el-rei, Se tivésse-.mos na ideia ar:uquilar-vos, julgas que não tínhamos suficiente cavala-tria, infantaria e armas para o fazer sem correr o menor risco? Acasote passa pelacabeçaque ainda não encoritrámos lugarpropício a tal':cometimento? Ah, estas planícies, que tão estafantemérite trilhais,não estão com a suaimensídade a-conjurar-se contra vós? Muitos

·dos montes que tendes de subir não podíamos nós ocupá-los antes·de ernbargar os desfiladeiros? E os rios acaso não podemos nós atra-:vessá-losatodos, com tropas, com bagagens, o que importa paracombater um inimigo; enquanto a muitos deles vós só ospbdereispassar mediante, o nosso concurso>! ... Mas admitamos que todoses-tes meios falhavam. Pergunto eu: resistem ao fogo os frutos da terra?

"E nós não podíamos queimar adiante de vós tudo o que serve paraalimeritaçãó dos homens e dos animais; opondo-vos a fome? Se po-diamos! Vá-se lá lutar' com um inimigo desses, por muito bravo quese seja! Como é que,tendo ao nosso alcance tantas maneiras de vos

·combater, Iamosescolher a mais írnpia e desonrosa, má fé com os·homens, perjúrio.com os Deuses, própria apenas de gente .sernrecur-sos, no fim, na extremidade do desespero>! Não, Clea~cô,!lão somostão dernentados como isso! Quereis saber porque é que, tendo nósmil ocasiões de vos exterminar, onãofizemos? por isto, porqueo meti propósitoé gtánjeara amiz~de dos gregos .e regressar ao meugoverno, certo de ter conciliado 'pela boa vontade a simpatia das tro-pas que Ciroarrastou até aÃsiaInferior a troco de estipêndio. Quan-to aos lucros quepossotirarde$tee~tendimento, alguns já mencio-'naste; Faltou-te Um muito .importante: o rei é a única pessoa que temo direito de pôr tiararia cabeça; corri,a vossa ajudàoutro pode perrni-tir-se trazê-Iaçpelo rnerros, no coração..": . . .' •." '. ".. '.•.'•.' ".· Pareceii aciearco quetallinguigem era sincera e disse ainda:

.-.Merecemos maiores tormentos aqueJes que pela calúnia oupela inveja 'tentarem acender a guerra entrenós, quando sâotãoim-periosas as razõesquetemos para ser amigos,

..- Não hádúvidac-ctornou Tissafern~s;~ Por minha parte, es-tou pronto )l~ponta~ os capitães e os comandantes de coorte qüe vos

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86. . .:' .'

XENOFONTE"

. acusam deconspirar contra rnirn e .contraomeu exército, assim eles.'venham à minha pre~ença. .: . ..'. .

- Pois está dito; viiã~ todos os capitães e comandantes de coor.'.te à tua presença e eu, por meu lado, denunciar-re-ei também aquelesdos te':ls que me vierem predisporsontrati: ..

. Tissafernesréteve Clearcoriesse dia, dando-lhe de cear e cumu-J~ndo~o de amabilidades. De v~l~~ao 'campo~ depois de referir o quese tinha passado com o sátrapa, disse que era conveniente compare-cerern os oficiais superiores diante de Tissafemes e não haver. outro

.'remédio senão punir como. traid~res e irrimigos aqueles dos gregosque fossem: convencidos de calúnia. . .

Suspeitava que Ménão fosse a alma danada da intriga, havendoapurado que ele e Arieu tinham tido uma entrevista secreta com o sá-trapa. Para mais, não se arvorara em cabecilha dum partido contraele, intrigando forte e feio de modo a pôr o exército por sua banda?!E com que intuito; senão tornar-se recomendável a Tissàfernes?!Clearco, por outroIado, tinhaem mente acabar com dissídio s noexército, jugulando aqueles dos rivais que o importunavam. Quandose tratou de saber quem havia de ir na representação, suscitaram-secertos reparos. Alguns soldados foram de parecer. que, sendo Tissa-femes homem de má fé, era grande imprudência irem ter com ele to-dos os capitães e oficiais superiores. Mas Clearco insistiu energi-camente e ficou decidido que ·cinco,generais e 'vinte comandantes decoorte se desempenhassem damissãorcerca de duzentos soldados

". àcornpanhá-Ios-iam de longe; fingindo que sedirigiam para ~ mercado.Mal a comitiva chegou à tenda de Ti~saiemes; os Capitães Próxe-

no, da Beócia, Menão, da Tessália, ÁgiaseSócrates,de Acaia, Clear-co, de Lacedernónia, entraram; ficaram fora oscornandantes de coor-te. Insta~tes decorridos, a.um si~al dado, eram presos os capitãese agarrados os gregos que estavam à porta. Quase ao mesmo tempoa cavalaria bárbara varria a campina; trucidando quantos gregos en-contrava, quer livres quer escni.vos~Dó arraial os gregos presencia-ram o massacre, tninsidos. e perplexos-Mas Nícarco, da Arcádia, veioa fugir, com as.tripasna mão, e contou .o que Sepassara.. Os gregos correram às armas,transrornados'de todo, convenci-

"cios de queo acampamento ia ser assaltado' ..Erri vez dos bárbaros eis,

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A RETIRADA DOS DEZ MIL 87

'orém, que vêem avançar Arieu, Artabaz e Mitridates, que tinham si-o dos mais dilectos de Ciro. O intérprete dos gregos advertiu que

.~entreos bárbaros reconhecia, sem dúvida alguma, o irmão de Tissa-'[ernes. Vinham escoltados por uns trezentos couraceiros persas.",Quando chegaram às imediações dei campo, pediram que um capitão;'ou comandante de cóorte chegasse' ali a receber as ordens deel-rei.:Rodeando-se de todas as cautelas, saíram do campo Cleanor, de Ore.'cÓmeno, Sofeneto, de Estinfalo; Xeriofonte, de Atenas, foi atrás de-les, com tenção de pedir notícias de Próxeno. Quirísofo tinha idoa uma aldeiapróxima, no serviço de reabasteCimento. Quando chega-ram ao alcance da voz, Arieu bradou-lhes:

- Gregos, Clearco, convencido de ter violado os juramentose ter transgredido o tratado, sofreu 'o castigo que merecia: está moita.Próxeno e Menão, que puseram a claro a 'sua perfídia, receberamgrandes honras. .El-rei ordena-vos que amanhã, sem falta, entregueisas armas; alega Sua Alteza que lhe pertencem, pois eram de Ciro seusúbdito.

Pela 'boca de Cleanor responderam os gregos:-i, - Arieu, rei dos bandalhos, e vós que vos dizíeis amigos de Ciro,;:não respeitais mais lei nem santidade?!. .. Não respeitais, não; doutra

modo, depois de ter jurado tratar como amigos ou inimigos aquelesque se comportassem connosco como tais, não teríeis maquinadoa nossa perdição de gorra com Tissafernes, o mais infame e celeradodos homens. Mas uma vez que tão cobardemente assassinastes unse traístes outros, o vosso lugar só podia ser esse, de peito malvadocontra nós, feitos com o inimigo!

- Provou-se que Clearco conspirava contra Tissafernes, contraOrontas e contra todos aqueles dentre nós que andavam na compa-nhia destes chefes - replicou Arieu.

-'-. Se com desprezo dos juramentos Clearco faltou à sua palavra,já pagou - proferiu Xenofonte. -'- É justo que os perjuros morram.Mas fazei-nos o favor de nos restituir Próxeno e Menão, que são osnossos estratégicos, uma vez que tanto vos Iouvais neles. Além disso,como são nossos amigos e vossos, não deixarão de dar aos dois exér-citos conselhos salutares.

Depois de COnferenciar durante bastante tempo, sozinhos, osbárbaros retiraram-se sem dar resposta.

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VI

Os capitães presos foram levados a Artaxerxes que os mandoudegolar. Clearco passava aos olhos 'dos que o conheciam por possuirem alto grau o talento militar aliado ao amor do mester. EnquantoLacedemónia andou em guerra com Atenas, esteve ao serviço da suanação; uma vez assin~da a paz, persuadiu os concidadãos que os Trá-

. cios oprimiam os Gregos. E, sabendo insinuar-se no .ânimo dos éfo-ros, pôde aparelhar uma esquadrapara ir bater os Trácios que habita-

.varo aparte norte. do Quersoneso e de. Perinto. Os éforos, depois deele terIevantado ferro, arrependeram-se e chamaram-no do istmo;mas ele recusou-se a obedecer e fez-se à vela para o Helesponto. Deulugar esta desobediência a que fosse condenado à morte pelos magis-trados de Esparta. Exilado, foi-se procurar Ciro e soube conciliara sua simpatia. Cira pusera à sua disposição dez mil dáricos. Com es-te dinheiro, em vez de se entregar à ociosidade, levantou um exércitoe fá guerra aos Trácios. Tinha~os derrotado em batalha campal e an-dava a pilhar e talar-Iheso território quando Ciro teve necessidadedas tropas. E com ele partiu na expedição temerária.

. Pela simples enumeração destes feitos se vê, parece-me bem,quanto este homem tinha a paixão das armas. Estando no seu bomdireito viver em paz, preferiu a guerra; renunciou aos doces lazerespelas canseiras das marchas; podia gozar a fortuna sem riscos, sacrifi-cou-a a empresas de ordem militar. Nisso gastou os cabedais comtanto gosto como outros os desbaratam com mulheres.

À sua paixão associava-se verdadeiro temperamento militar. Gos-tava do perigo; e no entanto, nas ocasiões arriscadas, fosse de noite,

.A RETIRADA DOS DEZ MIL 89

fosse de dia, era prudente cornocomprovaram quantas iam com ele.· Passava por possuir o dom de comandar em função precisamentedas suas grandes qualidades. Em verdade, se era capaz de parafusare tornar a parafusar na imaginação até descobrir o meio de abasteceras suas tropas, sabia inculcara disciplina e impô-Ia, se preciso fosse,

· pela severidade. Tinha o olhar duro, a voz rude.' Quando castigava,.~.fazia-o sempre com rigorç.algúmasvezes com ira, acontecendo não· raro mostrar-se arrependido. Era; todavia, por princípioque aplicavapenalidades, professandoateoria de que a disciplina constitui o pri-meiro elemento de força dum exército.

Ter-lhe-iam.ouvido dizer, ao ql,le:consta, que o soldado deve te-mer mais ~ capitão que o inimigo.rtrate-sebern embora de defenderuma posição, proteger um país aliado, investir. Por isso, nos riscos,preferiam-no como chefe a qualquer outro. Entlloa rudeza da sua fi~sionornia abrandava; a. sua tacitrirnidade tinha o ar de repousada for-taleza, temero~a apenas para o inimigo. (}S soldados reviam-se nelecomo num seguro palâdió. Mas, dissipado o perigo; se os soldados ti-vessem erisejode:m:~ciar de capitão.ifaziam-no em peso. . . .

A'bondadé.faltava.icom ef~ità,'a Cl~arco ..Aossoldadbsmostravasempre cara dura e fera: .Ninguérnseguia a sua bandeira por amizadeou inclinação, 'mas ninguém como ele sabia domar homens. Debaixodo seu comando foram-se acostumandoa vencer, e à força de expe-riência, hábito dajptrepidez,' porvenrura com o temor da punição só-brios, exactos e disciplinados, tornaram-se admiráveiaguerreiro s.Clearc<?,s~ndo assim' de u~a: só peça quando comandava.mão gosta-va ao queparece d~ ~éntir~secoma,ndicl.o.Moúeu comcinquenta

anos.. .:'., .: .. ", .•.. .' . . .Próxerio, da Beócia, aspirava desde ainfância a seu autor de

grand~s feitos~Fo~r?aram-noem.tal cobiça asliçô.es.de Ge~rg.i~sLeontino. Mal se V1U na força da Idade. e cornpredicados próprios

"dignos de merecer a estima do~grancl.es;~ssoéiou-se à aventura deCiro. Espet~va:adquirirnome. importância ... efortuna. Nutrindo talcobiça, nunca pértsou,porérn; sati~fazê~la por meios menos legíti-mos, mas sirnpeladireitura ehornbridade. .' .

Não lhefaltavatn dotes para~apltanear homens. destemidose bem-intencionados: não sabia inspirar, porém, aos 'subalternos)

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90 XENQFONTE·· A RETIRADA DOS DEZ MIL . 91" '. . . . '. . :

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~emrespeito nem temor, Tinha mais o arde respeitar os soldadosque comandava; do que de ser respeitado por eles. E a causa era quetemia mais tornar-se odioso, que .elesdesobedecerern-lhe. Estava ca-pacitado de que, para bem comandar e ter a concomitante fama, bas-tava louvar os valentes e dirigir' censuras a quem se portava mal.Acontecia, entre os seussubordinados; morrerem por. ele os bonseos probos e çoilspirareméontrade'o~pe~ersos, que o supunham

.bom de. enganar.:Desapareceu comcerc:id~ trl~t~ anos. .. Menão, çle Tessália, não escondia- de riinguérri a sua .insaciável eu-.pidez. Aspirava a comandar unicamente com mira de arranjar pecú-

. ·rii~; e, sé armava à ami.zadedos grandes.veráapenas para permanecer. impune em suas enormidades.tO. peijiírio,~ falsidade, a felonia eram,a seu ver, caminhos rectos paraCIuerrt quer chegar a um fim. Para ele

·lhaneza e verdade eram ·bacoqtüce pura -.Não tinha verdadeira afeição. aninguém e poucolhe custavaaÚnara sua Cilàdaàqueles a quem··chamava amigos. Não fazia pouco-dum adversário, mas das pessoascom quem privava n'unca costumava falar-sem misturar zombaria.

. .Nlio buscava apropriar-se dos bensdum inimigo, porque sabia quan-to c~sta conseguir-se taldesiderato do-homem que está atento; masjulgava só ele ter des~oberto quantoé fácil ~spoliaro amigo sem 'des-confiança. Temia, como sese tratasse.de gente aguerrida, aqueles quenão põem escrúpulos em serem perjuros e maus; dos bons e ternen-

..tes aos Deuses abusava como depusilânirrtes. .Certos homens horirarn-se da franqueza, direitura e das virtudes ..

que praticam; Menão fazia gala do ~eu talento para a trapaça, o logro, .:a picardia aos amigos, e tinha por néscio quem não usasse de manha .

. .Se aspirava a alcançar lugar proeminente junto dum grande, ·tratavade denegrir QS que f~ziam parte da sua roda, como se fosse necessá-'rio tirar os tais para se meter ele. Para to~nar~se obedecido dos. solda-dos, o seu processo era fazer-se cúmplicede seus desvarios. Preteri- .dia fazer-se honrado e benquisto, mostrando que ninguém como eletinha a faculdade de poder fazer mal; se alguém se ~fastava dele, jul-gava-o em divida para consigo pelo facto de não o ter jogado às ferastendo podido faz.ê-Io... .. ", ..

Estava na flor da idade quando obteve o comando das forças es-trangeiras ao serviço de Arístipo. O resto da adolescênciapassou-o

no convívio íntimo de Arieu, homem bárbaro, perdido e achado pormancebos bem-parecidos.

Ele próprio, quase imberbe, concebeu paixão violenta por Taripas,levemente mais velho do que ele. Aqui está o seu currículo de rapaz.Quando os capitães gregos foram degolados às ordens de Artaxerxes,não teve a mesma sorte; posto se tivesse conduzido como eles. Masnão. foi menospunido e m:orreu~não decapitado como Clearco e osrestantes, género & ll)o~tetido pelo mais honroso, mas um ano de-pois, durante o qual Artaxerxes lhe aplicou todos os suplícios empre-gados para com os malfeitores. .. ...

Ágias e Sócrates, de Acaia, foram também executados. Irrepreen-síveis com os amigos, ninguém poderia. acoirná-Ios de cobardes naguerra. Aidade deles orçava pelos trinta e cinco anos.

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j~1:j~;:1~H·~~~~f{~,~'? l~~,. Uma vez presos os capitães e trucidados os comandantes de';;~,'.~'coorte e quantos iam com eles; os gregos caíram em grande abati-:; :i~~<,merito. Viam-se às portas da 'capital, no meio de povos e cidades

'~~;:':hostis;ninguém lhes forneceria viveres; não podiam contar comum;}:~(,sóguia que, fosse, achando-se, por desgraça, a mais de dez mil está-;,'J~dios da Grécia. O caminho era cortado por inúmeras correntes de;}{~\.águainvadeáveis,e até aquel~sdos bárbaros.que perteneiamao exér-SJ;U:citode Ciro lhes voltaram a cara,' Além de isolados, não dispunhamJ'~;:de cavalaria que Ihescobrisse a retirada. Vencedores; sentiam-se inca-':)Ji pazes de deitar mão:a um fugitivo; vencidos, riiio escapava UITl.

d*> Mergulhados em desânimo, poucos dentre eles cearam e acende-iJ~:;,ramlume essa noite; nenhum se prestoua fazer plantão. Cada qual se

:t.;:;~·deixou ficarondeestava,indiferente a tudo.vsernpoder d~rmir, tra-;',;~f;~:balhado pela amargura e as saudadesda terra natal, dos paIS, mulhe-

(,~r-rese filhos, seres queridos que nunca mais tor~ariam a ver.<'S.~ Ora no exército ia,um ateniense, chamado Xenofonte,que não

·(.~Kera soldado.unastão-pouco tinha P?sto de oficial. .Fora convidado,j~;~,por uma carta de Próxeno, seu amigo e conhecido, que se alistara, se-

I,'i~'d~zido pela promessa de f:zer fortuna e alcançar as, boas graças de' ..~:.Clro. Antes de aceder, porem, aconselhou-se com Socrates, de Ate-::t,f)as. O ftlósofo, com receio de que fosse tornar-se suspeito aos Ate-\~i'nienses pelo facto de ligar-se a Ciro, oquai sustentara outrora os La-;~ cedemónios na guerra contra eles, persuadiu-o a ir a Delfos consultar

';~i' o oráculo. Obedeceu Xenofonte e, a primeira pergunta que fez ao;.\o"J.

};;:oráculo foi para saber a que Deuses devia sacrificar e oferecer os seus~:.

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votos de modo a tomar parte da maneira mais c1jgnae frutuosa na ex-pedição que se lhe oferecia e a regressar, depois, à sua terra, são e sal-vo, assinalado por altos feitos. Respondeu Apoio que sacrificasse aosDeuses que estavam naturalmente indicados.

De volta a Atenas, deu parte a Sócrates da resposta que lhe deraApoio, O filósofo répreeiideu~o por não ter perguntado ao Deus, an.·tes·de mais nada, se devia ir ou ficar, 'emvez de consultá-lo quantoà forma de tornar a aventura fácil, ji determinado a tomar parte nela.

-.- Andaste mal; agora o melhor 'remédio é proceder como temanda o oráculo- acabou por .dizer.

Xenofonte, depois de. sacrificar aos Deuses como lhe inculcaraApoIo, tomou um navio para .Sardes, onde se encontrava Próxeno,pre.stes a marchar para a Ásia; Aí foi apresentado a Ciro que o aco-lheu com afabilidade.

Alistou-se, pois, Xenofonte para uma expedição que se dizia diri-gida contra os Písidas, Logrado como foi, não culpou disso Próxeno.Nenhum capitão, afora Clearco, sabia' que marchavam contra Arta-xerxes. Na Cilícia, apenas, se veio a divulgaro objectivo. Os gregos,na maioria, temiam a distância do percurso; mas, em respeito de sipróprios e de Ciro, não queriam que os chamassem cobardes e foramadiante.

Naquela noite, depois do morticínio.dos gregos, Xenofonte re-cordava todas as circunstâncias da sua ligação com Ciro e não podiapregar olho. Sobre o tarde adormeceu, por fim, e teve um pesadelo.Em sonho ouviu ribombar o trovão e viu um raio abater-se sobrea casa paterna, que se-incendiava. Xenofonte acordou transido .dehorror. Se por um lado tinha que considerar o sonho propício, pois rvira coruscar a luz celeste, por outro era grande a sua perplexidade:pois que o sonhá vinha de Júpiter,rei,o facto de ver tudo em labare-das à sua volta não queria dizer qUe jamais sairia dos estados de Arta-xerxes? Obstáculos de toda a ordem não o envencilhariam de manei-ra invencível? .

. Apóso sonho tremendo, Xenofonte esfregou os olhos e foramestas as ideias que primeiro acudiram ao seu espírito:

_ Porque estou eu 'deitado? A noite vai dobando e é de calcularque, com os primeiros alvores do .dia,;o inimigo se lance sobre nós.

A RETIRADA DOS DEZ MIL 97

Se caímos nas .mãosde Artaxetxes, quem.poderáobstar a que, depoisde infligir-nos .os maiores tormentos e vexames; nos dêrrt~rte afron-tosa? Em volta do nosso campo não hásentinelas, nem rondas, nema menor defesa. Estarnos a descansar, corno se o descanso fosse Um

< dos nossos maislegítimos direitos.rf'alta-nos um. capitão, .. Mas emque parredesencantar o .hornem providencial? Quantos ~nos queroeu ainda viver? ..Pois não vouJonge se me deixo catrafilarpelos per-

~as;Com estis ret1ex'ões ~nülrgas, xenofortt~er~eu-se. Chamou Ji~ .'méiro os comandantes dascoortesde PrÓ:iceno,.. .... .'

- Carriaràd~s ·-..-di~se-lhes ele -' riã~ possodormir nem. des-cansarcC)mo·qu'adro que tenho diante da.vista, e a vós sucede com

, certeza a mesma cbisá: É claro Como a.águaque oinimigonãoroiri~..: periaconnoscose não se julgasse preparado.i E nós quefazemos, que

meios adaptamos :para: nos defender? Se pordesrnazelo caímos em.'.poder desse re:i,qtie .Cometeu' a barbaridade. de mandatcortara cabe-"ça e a dextra do próprio irmão, depoisdernorto, 'e de' arvorá-ias nu-'

;ma cruz, que sorteimaginamos quenos~spera a nós que marchamos",contra ele para o réd'üzirà escrâ";'idão .ou rnatá-Io, se estivesse no nos-:;50 querer? Nãoirá r~çorrer ao~ maiores supllcios,à morte infamante,

de forma que espante o mundo e faça perder-aos exaltados a vontadede o guerrear? Camaradas, a nossaobrigação é fazer tudo para lhenão cairmos nàs garras. DeJ.xai que vos diga: grandes foram. as mi-nhas penas corno grego; enquanto duraram as tréguas.T'azia-rne in-

":"veja a felicidade 'desteArtaxerxes e do seu povo ao considerar a vasti- .-dão e a fertilidadeda terra,à sua fartura, a cópia de escravos. degado, de oirei,de tudo muitO~Mas; .logo aseguir, quando atentava na

" situação dos .I;Ú)SSOS soldados, quenãopodiam gozar":~ede tantosbens senão àforça de espórtula, e que poucos eram os que estavam

" '5><,* em condições de fazê-lo.rtolhendo-os os.juramentos de empregar ou-; j~r"tros rneios.vquando atentava em tudo isto, a pazImpacientava-me';~: mais do que .hoje me .afernor.iza a guerra: Uma vez querqmperar.n:'f~.'o pacto; não é verdade quei,mplicitamehtepuseramcobróaos seus,5~~.achincalhese aos nossos escrúpulos? Os bens que. estesPersas usu--, .)J-f>'j' :.". . ," . . '.' - .,::1. fruem são .corno que um prêmio ao mais nobre: Entre.eles enós, os

". gif.~;'Deuses declârar-se-ão em nosso favor. E corno não se os bárbaros osi ...

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98 XENOFONTE "

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provocaram com seus perjúrios, enquanto ql,l(:;,nós, com mil tenta-ções à volta, rios mantivemos fiéis a nossos juramentos e aos Deusesimortais?! A meu ver, podemos sair mais confiados que eles a çorn.bate. Pela',compleição. dos nossos corpos; estarnos mais aptos d6 queeles a resistir ao frio, ao calor e aos trabalhos. As nossas almas sãotambém de têmperamaisrija; ecoma .ajuda dos, Deuses, sob o nossobraço, os homens deles hão-de caircorricitordos.rnais débeis e me-

, nos resistentes em tudo doq~~nó~.O que.eu.penso outros o terãopensado igualin~nte:,Em nome dos Deuses,~ão percamos, porém,tempoaespera:; que out~6ssaiain a exo rrar-rio s! Dêmos, antes de

'mais ningliém,o exemplo de coragem que todos devem imitar! E vÓs"inostrai que sois oficiaisvalentes, mais dignos de ser capitães que Ospróprios capitães.iQuanto ámim,para oridevós fordes vou eu; se

•me quiserdes.para chefe, respondo: presentel.Não darei por escusa osmeus poucos anosç jáque me acho comforça bastante para arcar

, com as responsabilidades: " , , -. ,As:Üm' falouXenofonre. Infl~madosporêstas palavras, os co-

'~andilOtês de coorte incitaram-no, todosàuma, a pôr-se à testa doexército. UrntalApolónides, que falava. um dialecto da Beócia, saiu--se a dizer que era rematada loucura supor que havia outro meio de$alv<i.çãoalérrtde apiedar el-rei, se era possível.Ao mesmo tempo tra-çava Ó paineldas dificuldades que osassoberbavam. Más Xenofonteinterrompeu-o: ','" ', - Óhomemestup~ndo, para que queres os olhos, se não sabesver, ea memória, se és sacororo? Tu éste~temunha como Artaxer-xes, ancho de todo corri a morte doirmão, rios intimou a entregar asarmas; em vez delhas entregarmos, cin!SÍmo~noscom elas e assim fo-mos acâmparju~to dele. Que não fez-então-para obtera paz? Não te

lembras que nos-mandou embaixadoresenos forneceu víveres até, que selou conrtoscootranido de aliança, que foi ele o primeiro a soli-citarvAgora.idize, nãof~i confiados' n~ fé 'juiada;sem armas, como

,,~tu'desejaria~ver-nos'log6; que' ÓS~oSS()Sestratégicos e comandantes'se foram encontrar comeles ...? E onde é que estão os nossos cama-radasêTu sa:be~fud6isto e chamas:inserisatos~os que preconizam

,a defesa e aconselhas-nos ,,~implorar a.corniseração de Artaxerxes!?A minha opinião,cama~adas"é que este h6meQ"ideve ser expulso da

,A RETIRADA DOS DEZ MIL 99

nossa companhia, riscar-se da coorte e deitar-se-lhe a faxina às cos-tas; um grego deste estofo é a vergonha da Grécia!

- Este homem ~ declarou Agásias, de Estinfalo - nada temde comum com a Beócia nem mesmo com a Grécia; vi-lhe com estesque a terra há-de comer as orelhas furadas como os Lídios.

Verificou-seque assim era e expulsaram-no. Quantos ali estavamforam, em seguida, pelo campo fora chamar os capitães e, à falta des-tes, os tenentes, e se o tenente não era vivo, o cornandantede coorteque tinha escapado' à açougada: E, quando todos foram presentes, as-sentaram-se à frente das armas em número ,de cem.

Jerónimo, de Élida, veterano das coortes de Próxeno, foi o pri-meiro a usar da palavra:

- Camaradas, a nossa situação é crítica e torna-se indispensávelque se examine entre todos. Xenofonte, faze o favor de repetir o quenos expuseste há pouco ...

- Todos vós sabeis - disse ele - que Artaxerxes e Tissafernesse mais gregos não prenderam é mataram é que não puderam; é tam-bém fora de dúvida: que hão-deprocurar armar a rede aos que restame dar cabo de rios todos, sóse não acharem maneira. O problema,pois, consiste em escapar-lhes das unhas e,se é possível, fazer-lhesa eles o que pensam fazer-nos a~ós. Ora eu creio que tal contingên-cia depende, sobretudo, da' vossa vontade. Os soldados têm os olhosnos seus oficiais: se os virem abatidos, admirá que procedam comocobardes! Se os acharem porém resolutos, dispostos a enfrentar como inimigo, dado que os exortem com alma, sem dúvida que se porta-rão com brio e heroicidade, De resto, é avossa obrigação. Sois estra-tégicos, taxiarcos, chefes .de falange, diferentes pois do soldado raso,Em tempo de paz tínheis direito a maior soldo e a maiores honras;agora, que' estamosem guerra; tendes quernostrar-vos zelosos emsuperar pelo valor à soldadesca; deveis, se tanto for necessário, assi-.nalar-vos pela previdência e a bravura. Primeiro que tudo, se quereisdesde já prestar bom serviço à vossa causa, tratai de substituir os ca-pitães que baquearam. Sem chefes nada de definitivo e de útil se po-de conseguir, mormente na guerra'. A'di sciplina éa boa saúde doexército; a indisciplina asua perda certa, Elege! superiores e a primei-ra coisa que há afazer {reanimar acoragern dossoldados. Há que

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100 XENOFONTE

convocá-Ias e falar-lhes, Decerto observastes, corno eu, com que de-sânimo pegaram ontem à noite das armas e com que moleza as senti-nelas se dirigiram para os plantões. Soldados assim não prestam paranada. Se houvesse maneira de distrair-lhes o pensamento para outroobjecto; se em vez de se' ocuparem exclusivamente com a ideia domal que pode aco nrecer-Ihes, se ocupassem, de preferência, coma ideia do mal que podem fazer ao inimigo, porventura se lhes dessevolta ao ânimo. Bem sabeis que na guerra não é a multidão e a forçaque arrancam a vitória e que o embate do inimigo se quebra semprecontra a haste que lhe oferece, .corn a ajuda dos Deuses, uma frontetersa e inquebrantável. Tenho notado igualmente que, nas refregas,

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aquele que procUra a todo o custo salvar o seu rico corpo cai quasesempre sem honra nem 'vergonha; aquele que pensa que a morte éuma só e que, a morrer, mais vale morrer de pé e vendendo caro a vi-da tem boas probabilidades de sair.da peleja com a saúde toda e go-zar da,existênciaattavés duma feliz e prüvecta idade. Persuadidos co-mo estamos todos da sabedoria destas máximas, não temos outroremédio senão ter coragem e dar, exemplo aos mais.

Xenofonte sentou-se-após estas palavras e Quirísofo dirigiu-se--lhe nestes termos:

'- Antes de te ouvir falar, não fazia nenhuma ideia de ti, Xenb-fonte. Sabia apenas que erasateniense. Não posso deixar de aplaudir--te de todo o coração, e se todos fossem como tu o mal estava conju-rado. Mas vamos ao. que importa:. separemo-nos e aqueles dentre vósque não tenham capitães tratem de nomeá-Ias; dirijam-se depois to-dos para meio do 'campo; temos que convocar as tropas; o arautoTólmides que não saia do pé d~ mim.

Proferidas estas palavras, Quirísofo. ergueu-se a fim de que nãodiferissem o cumprimento das suas instruções. Elegeram-se logo oscapitães: Timasião, de Dardânia, em lugar de Clearco; Xanticles, deAcaia, em lugar de Agias; Filésio, de Acaia, em lugar de Menão; Xe-no fonte, de Atenas, sucedeu a Próxeno.

II

Estava aron'Ipe~a .marihã quando" terminada a eleição, os capi-tães, se dirigira.~ parao centro do. arraial. Arite s-de tocara reunir,postaram sentinelasp ara lá das portas do campo. Qnírísofo, ante, 'a soldadesca .apirihada a seuspés.lfaloú assim: ." ,.' .• .'. ' "

~ Soldados; a perda queacabámos de sofrer' cleestratégicos,decomandantes de coorte e de simples camaradas, torna anossa situa-ção difícil. Pata mais, fomos traídos pelas tropas de Arieu"ontemnossasaliadas. Mas pata tudo há remédio eternos que nos safar do

: atoleiro" cbm.ogentedebrici que somos. Em:~ezde nos deixarmos; desrnoralizar.i'tenternos com ânimo denodadoa fortuna das armas.Antes morrer que entregarmo~n()s a .urn inimigo vil e carniceiro.

A seguir teve.apalavra Cleanor, de.Orcórneno: ' ,,...- Esrãóbem patentes, soldados.to perjúrio do rei Artaxerxes e a

sua impiedade; ebernpatenre, igualmente, a perfídia de Tis~afernes.;Depois de.nos dizer que, na qualidade de vizinho, tinha O maior em-penho em nos salvar; depois de nos ' jurar paz e dar a mão, mandou.

~prender os nossoscapitâés, Nem mesmo.temeu Júpiter Hospitaleiro;•para melhor.nosenganarsentou Clearco-à sua mesa. E este Arieu,'que nós quisemos elevar' ao trono, que-trocou connosco a.fé jura-da, que assumiucorinosco o compromisso de jamais nos separarmos,':este Arieu, sem te~brdosbeú.ses nem respeitar a memória de Ciro' que o curhulo~de honras, passa-se para os inimigos ferozes desse.príncipe e procura perder-nos a nós, amigos dele!' Oxaláos Deusescastiguem os celerados! 'Testemunhas destafelonia, toda a nossa cau-tela é poucaconrra eles! Masavante! Avante contra os traidores

.e confiemos na vontade dos Deuses!' .

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102 .XENOFONTE

. Xenofonte,ergueu-se a seguir, ;evestidodehelas roupagens e dasarmas mais. magníficas que pôde encontrar. Considerava que se osDeuses lhes concedessem a vitória uma bela indumentária não .ficavamal aos vencedores' e que, se houvessem desucumbir, tão-pouco ha.

••veria malem passar para o outro iniInci~ elegante e cuidado da suapessoa -.Encabeçou 6 disctirs~ ne~tés termos: .

". .,...-'-Falou-vosCleanor dos perjúrios edaperfídia dos bárbaros.Presumoque estais. bem inteirados. Se se tratasse; em nossas delibe-rações, de nos reconciliar Com eles; necessariamente teríamos que de-salentarao pensamento da injúria que s~frerain os nossos capitães,osquais, fiados na palavra dada, .forarn tercómos seus algozes sema mínima cautela: Massep.ropQmos:vingarmo-nos,de armas na mão,do mal que praticaram connoscoç.temos, com a ajudados DeusJ, e~-perança de passar este transe com.honra e glória,

Enquanto Xenoforrtefalava, aconteceu um grego espirrar. To-dos, imediatamente, deram graças.'ao Deus quelhes mandava talpresságio. EXenofonte éxclam6~: •.' •... .' '.' .. .. -Pois que no mesmo instariteern.que nosocupamosda nossasalvação; Júpiter Salv~dorli:os augura bom êxito, façamos voto de lheoferecer um hofocaustoja ele em particular e aOS outros Deusesimortais segundo a devoção de cada 'um, mal se chegue a terra amiga,Aqueles que estiveremdeacor:do,Úga"m o braço,.. .

Todos o erguerarri, Pronunciou-se o voto em V;ozalta e cantou-seo pean.'E. após o preito à Divindade, Xenofonte prosseguiu:

. : _:'- Dizia eu que temos esperança' de passar este transe com hon;a>eglória." Primeiro, .porque somos observadorés dos juramentos ernque tornárnos os Deuses corno testemunhas, enquanto os nossos ini-migosviolaram comamaior desfaçatez-a religião da fé jurada, Conte-mos, portanto, que .osDeusescombatampornós, eles que com umacenO'abate~'os' poderososeexaltam os humildes.iguardando-os do

•.perigo. E'jáque falo de perigo, vou lembrar-vosaquele que correramos nossos maiores, para que fiqueis edificàdos quanto ao interesseque há em vos comportardes córnvalentia, mediante a qual e o so-corro do Céu não há fortaleza iriimigaq~epievaleça. Quando os Per-sas e os aliados vierarrl à testa dum exército formidável investir Ate-nas, os Arenienses decidiram-se' a resistire ve~ce±am. Tinham feito

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A RETIRADA DOS DEZ MIL 103

promessa de imolar a Diana tantas cabras quantos inimigos mordes-sem o pó. Nãolhes sendo possível encontrar número bastante, resol-veram sacrificar todos os anos quinhentas e o voto ainda se cumpreà data de hoje, Quando, em seguida, Xerxes, que tinha reunido umexército inumerável, marchou contra a Grécia, os nossos maiores ba-teram o inimigo na terra e no mar, Por todá a parte restam troféus davitória. Mas a maior prova consiste na liberdade das cidades em queviestes à luz. e fostes criados, porque nós não reconhecemos outrosamos além dos Deuses. Eram assim os antepassados de que proce-deis. Não direi que tenham que corar de vós, pois não há muitosdias, postos em linha de combate em face dos descendentes daquelesinimigos vencidos por vossos pais, des troçastes com a ajuda dosDeuses tropas muito. superiores em. número, Então combatíeis comvalor e era para colocar Ciro no trono; hoje, que se trata da vossa sal-vação, impõe-seque redobreis de denodo e de coragem. Precisais deatacar com a mais audaz confiança. Então não conhecíeis a naturezado inimigo e todavia, em despeito da sua multidão, ousastes acome-tê-Ia com a bravura que herdastes. Agora, instruídos pela experiênciade que os bárbaros, por 'muito numerosos que sejam, não ousam me-

, . . .

dir-se convosco, seria razoável temê-Ios? Quanto à traição das tropasde Ciro, não imagineis que ficámosmais fracos pelo facto de nos dei-xarem, Ainda são mais cobardes que as de Artaxerxes. Não tenhamospena; mais vale que estejam com o inimigo do que connosco tropasque têm de ser sempre as primeiras a fugir. Se algum de vós desespe-ra porque não temos cavalariavenquanto o inimigo a tem numerosa,considere que dez mil cavaleiros não são' mais que dez mil homens,Nunca ninguém .morreu numa batalha da dentada ou do coice dumcavalo; os homens é que marcam o destino das batalhas. O infanteteve sempre melhor supedâneo que o cavaleiro, Içado acima da mon-tada, não só terride se acautelar dos golpes. que lhe vêm de baixo,mas não pode perder de vista o cavalo: duas inquietações, O infanteestá escorado na terra firme e, como tal, o seu golpe não pode deixarde ser mais rijo e-certeiro. O cavaleiro apenas lhe leva umasuperiori-dade: fugir com mais certeza de pôr.'o corpo no seguro,

Após um instante de circunspecção, Xenofonte continuou:

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104 XENOFONTE

- Suponhamos agora que, confiados na força do vosso braço,vos apoquentais, no entanto, com a ide:ia de que falta Tissafernes pa-ra nos guiar e que Artaxerxes nos manda fechar os mercados. E quetem lá isso?' Vale mais ser guiado pelo malvado dumhomem, esseTissaferries que não pensava noutra coisa senão na maneira de nosdesgraçar, ou por pessoas da nossa escolha qj.le sabem que pagamcom o corpo qualquer embuste que nos armem? E quanto a manri.mentes, não vale mais, ernvez de pagá-Ios do nosso rico bolsinha;tomá-Ias onde os há e quantos 'nos dê na gana?

Corno visse o ar aprovativo dos soldados, foi adiante: ,- Há os rios;' os grandes rios a atravessar, sem dúvida, Sim, mas

os rios tanto nos prejudicam a nós corno aos bárbaros. E os cursosde água, se não se passam mais .ern baixo, passam-se mais em cima,sem molhar mesmo o artelho. A questão é remontar' à nascente. Masfosse a sua passagem impraticável, seria -razão para esmorecer? Oraouvi: toda agente sabe que os Mísios, que não são mais valentes doque nós, estão à fina força dentro "dos estados de Artaxerxes; aquifundaram cidades consideráveis, e daqui não mexem. O mesmoacontece com os Písidas. Não vimos os Licaónios ocupar as posiçõesque dominam a planície, de modo a poderem cultivá-Ia e recolher osfrutos, e não se aguentam ali e ali vivem?! Pois bem, se o caminhopara a nossa terra se tornasse impossível, começaria por vos aconse-lhar a que não mostrásseis grande empenho em voltar à Grécia, antestomásseis tais e tais disposições, próprias de quem assenta domicílio.E por isto, porque sei que Artaxerxes está pronto a dar tudo, guias,reféns, aos Mísios se quiserem ir-se embora. Mandava até abrir-lhesuma estrada se aceitassem retirar-se de quadi:iga! Claro está procede-ria da mesma maneira corinosco, se nos visse inclinados a ficar. Masficar era ainda o menos. O meu receio é que, habituando-nos a viverna ociosidade e na abundância, gozados das mulheres e donzelinhaspersas e medas, que são de belo parecer e bem fornecidas de carnes,não acabássemos, como os comedores de loto, por esquecer o cami-nho que leva à pátria. Antes de mais nada tratemos de voltar à Gré-cia, que mais não seja para mostrar aos nossos coricidadãos que se vi-vem na 'pobreza é porque querem, pois os bens nesta terra andamaos pontapés e só esperam pelo conquistador.

': A RETIRADA DOS DEZ MIL 105• o" ,=

Calou-se um 'instante. Em tod~s' as, fisionornias, abertas e comoque esclarecidas duma luz .novà, leu Xenofonte a aprovação do que,dizia. E prosseguiU:,',' ,.:,' ,"",' -. ':" ,,' "

- Resta-me expor a maneira.vquanto a mim,de marcharmos pe-lo seguro e cornbarerçse tanto for preciso; com vantagem. Sou deopinião, primeiro, que' sequeimemos carros, para termos o passodesembaraçado e metermos para onde for mister. Depois, que sequeimem as tendas. Astendas são urna maçada, e não é com elas queprocuramos víveresoucombaternos melhor. Temos ainda que alijara bagagem que nosésupérflua eguardarapenas as arrnascorn quecombatemos e as vasilhas em-que comemos o rancho. E a maneirade ter mais gente nas linhas e menos génteno trem. E há que mos-trar cara alegre. Bem sabeis que os vencidos não têm nada de seu. Seformos nós' os vencedores, os inimigos levarão às costas a nossa ba-

,',gagem e e~tud~ serão os nossos escravos. Ficaremos assim indem-nizados do sacrifício de-hoje. ", ' ': " ,', ,',', ' ,

-Xenofonte fez .uma pêqueriapa,usa etornou: "- Apenas vos roubo um momento para-ventilar um ponto, esse

muito, irnportanre', o mais importante de todos; Reparastes que ospersas não se atreveram.a recomeçar corri. hostilidades senão depoisde ter prendido os 'nossos capitães. Irá imaginar que nósIhes éramossuperiores enquanto tínhamos chefes e que, sem eles, a.desordemque viria a lavrar não .deixaria de causar a nossa perda.Poís bem,é preciso que os novos comandantes sejam mais vigilantes que os an-teriores e queo as oldado s se. mos trem ainda mais disciplinadose mais .dóceis di) que até aqui, Se cada soldado ajudar o seu capitãoa manter a disciplina ea castigar os desobedientes, as esperanças dospersas 'desvanecer-se~ão. ao vento. E como não só, a partir: deste dia,vão ter pela frente .não um Clearco, mas dez mil Clearcos interessa-do~ em que nenhum grego dê rnostrasde polrrão>l É) tempo de aca-bar; o inimigo não' tareia aí. Aqueles que aprovam o que acabo de di-zer manifestem-no.se alguérrr tiver alguma sugestão a fazer, venhaela do mais simples soldado raso, que não se acobarde. Assim o exigea salvação de todos.

- Se algué~tem alguma coisa a acrescentar - disse Quirísofo- fale,mas fale depressa. Penso que o melhor que temos a fazer

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106 XENOFONTE. .., '. .

é dar a nossa aprovaçãoincortcliclonal aoqueXenofónte acaba depropor. Aqueles que são desta opinião levantem a mão ...

Todos a levantaram. Xenofonte voltou então a dizer:- Camaradas, temos de estar preparados para -determinada con-

tingência, ides ver. Não se discute que o nosso caminho é por aque-les lugares em que hajaquetrincar, Ora, eu ouçodizer que, a poucomenos de vinte estádios, há povos' fartos de tudo. Para lá metemos.Ag~ra muito me espantaria que o inimigo nãoaparecesse a picar-nose a atacar-rios pela espalda, semelhante aos cachorros cobardes quecorrem: atrás dop~ssa:nte, mordem-lhe as ca~elas se podem, e deitam

..a fugir se pega duma pedra. E, nestas condições, a melhor ordem namarcha é, penso eu, formar com os hoplitasuma coluna de alas tão

...afastadas que dentro delascaibam ;aimpedimmtae tudo o que nãoécombarente de primeira linha. Quedizeis? Se desde já nomeásse-

.mos aquelesquedev;efucomandarahoste~ frente, flancos e retaguar-da, não teríamos que preocupar-nos com tal matéria quando o inirni-

. go nos. acómetesse.i. .. .. ..... ..-: . •... -. .. ..... E, corno todos se~a1ass~m, desassornbradamente proferiu:

.; -r- Podeha~er melhor táctica? Se .há, vejarnosv.Se não há, queQuirísofo comande a vanguarda; pois ide Lacedemónia; os doismais antigos estratégicos tenharna seu.cargo os flancos; eu e Tima~

··sião, cornomais novos de todos; ficamos poi agora na retaguarda.O tempo diiá as alterações 'lue convém adoptar. Repito: se alguémtem melhorr que fale.:, . J .

Ninguém o coritraditoue concluiu:. ..... ; •. -·Agora; toca afazer o que ficoüdecidido e em marcha. Aque-

"IesqUe desejam voltar para opédosseusapenastêm um meio: corri-bÚer com a coragem toda. Aquelesque têm amor à vida que tratemde alcançar a vitória. Ovvencedor mata, ovencido morre. O mesmose pode dizer aOS que 'são cobiçosos de riqueza: vencendo-se, salva--seo q~eé nosso e toma-se o qu~édó vencido.

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Terminados os discursos, aprimeira coisa que fizeram foi quei-mar carros e tendas. Quanto à bagagem supérflua, distribuiram partepor aqueles que precisavam dela, a outra parte inutilizaram-na. Emseguida, comeram. Estavam no meio da refeição chegou Mitridatesnuma escolta de trinta e cinco ginetes e, chamando os capitães ao al-cance da voz, disse-lhes:

- Gregos, devéis saber que me conservei sempre fiel a Ciroe que tenho simpatia por vós. Por isso trago a vida em contínuo so-bressalto. Visse eu que tornáveis por caminho seguro e passar-me-iacom toda a minha gente para o vosso lado. Pode-se saber que inten-ções são as vossas? Escusado dizer-vos que estais a falar com umamigo, que só zela o vosso bem e está pronto a auxiliar-vos.

Depois de deliberar, os capitães deram esta resposta pela boca deQuirísofo: . .

- Resolvemos, ·se nos deixar~m voltar ànossa· terra, atravessarestes estados causando o menos dano; se nos embargarem o cami-nho, fazer a guerra com unhas. e derit~s,

Procurou dernonstrar-Ihes Mitridates que era impossível escapa-rem, a não ser 'que el-rei o consentisse. E por estas e outras palavrasse suspeitou que estava aÍi com recado encomendado, tanto mais quena companhia dele vinha um dos familiares de Tissafernes que deviater por missão vigiá-Io. A partir daquela hora compreenderam os ca-pitães que não havia outra saída senão a guerra, uma guerra sem tré-guas nem quartel, exclusiva, para que os bárbaros não viessem aban-dalhar os soldados, Nicarco, daArcádia, passara-se para o inimigo,durante a noite, com vinte homens ..

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108 XENOFONTE'

As tropas, depois de comer, atravessaram o Zábato segundo a or-:dem prefixa: impedimenta, reserva e gente sem armas entre as alas dacoluna. Não tinham dado grandes passos, reapareceu Mitridates comos seus duzentos ginetés e uns quatrocentos archeiros e fundibnlj ,rios, arma muito ágil e expedita. Aproximou-se dos gregos, fingindo--se amigo, mas desde que se encontrou à distância de tiro, arcose fundas dispararam a um tempo. Muitos gregos ficaram feridos,mormente na retaguarda, mais susceptível ao ataque.

As flechas dos' crerenses não alcançavam tão longe como as dospersas e para mais, armados à ligeira, eram obrigados: a manter-se nomeio dos batalhões, cobertos pelos hopliras. E os lançadores de dar-do muito menos poderiam competir com os fundibulârios. Vendo is-so, afoitou-se Xenofonte a acometer oinimigo à testa duma coorteformada por hoplitas e peltastas da retaguarda. Mas 'a investida nãodeu resultado; para dá-lo, havia de ser feita com ginetes, força de quenão dispunham. A infantaria cansava-se antes de atingir a tropa de pédos persas, que retirava de longe, e sem deixar de apoiar-se no grossoda hoste. Ao contrário,os cavaleiros bárbaros, mesmo a fugir, dispa-ravam, os arcos por cima da garupa dos cavalos; com marcha tão pro-vada, os gregos não puderam caminhar naquele dia mais que vintee cinco estádios, e só à noite entraram nas aldeias. Novamente o de-sânimo invadiu a todos. Quirísofo e' os capitães mais repuxados cen-suraram a Xenofonte a táctica que o levara a apartar-se da coluna pa-ra carregar o inimigo, expondo-se sem vantagem alguma. Xenofontereconheceu que as críticas deles eram acertadas e que o próprio de-senrolar dos acontecimentos as justificava.

~ Agora - concluiu ele - se meresolvi a investir é porque mepareceu que, permanecendo nós na passividade, o inimigo nos mo-lestava cada vei mais, julgando que o podia fazer a salvo. E algumacoisa se lucrou: chegar-se in loco ao convencimento em que estais,porquanto não há dúvida que, acometendo, não se ganhou nada e aretirada foi dura, Valeu-nos o inimigo não estar em grande força, se-

, não odano podia ser maior. Mas, Deuses louvados, ficámos a conhe-cera nossa inferioridade: 'impossível contrabater os arcos e as fundas, 'dos bárbaros que atingem mais longe que as flechas e dardos dosnossos homens; se os acossarmos, pão poderemos ir longe, porque

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A RETIRADA. DOS DEZ MIL 109

não é em pequeno espaço que um infante; por muito ágil-que seja,'. pode alcançar outro que lhe leva, a dianteira dum tiro de arco. Se não

queremos ser inq1,lietados durantea marcha,não há outro remédiosenão opor ao inimigo Um corpo de, ginetes e de archeirosà altura.Constóu~me'quehápara aí ródios q~e são muito destros no manejoda funda; que' são capazes demandar a pedra.o dobro dal~njura dos '

j persas, que carregam muito e alcançam pouco; que mesmo estes ró-\ dios se servem de balas de chumbo. Se nó stratássemoade indagarquais são. Os soldadosque têm fundas, Ihes déssemos boarecompen-sa, es tipe ndiássernos outros.que tiv~s~emjeito para fabricar maiseengenhássernosa maneira de não' correrem grandes perigos, não se-ria possível formar a falange que nos falta? Quanto à cavalaria aindanos restam cavalos: alguns até me pertencem, outros deixou-osClearco; Uns, tantos andam à carga. Pois o que há a fazer é procedera uma escolha de~sescavalos, .indo buscá-Ios onde os há, dando aosdonos deles outras cavalgaduras; uma vez bem aparelhados, monta-dospor quem saiba gineta, aí temos o esquadrão que nos é precisopara perseguir o inimigo na retirada. , ,

Adoptou-se este ~lvitre. Durante a noitepôde formar-se. Um cor-; pc>dos seusduzentos f~i1dibulários; na manhã seguinte escolheram-

-s~ cinquenta corcéis, cinquenta cavaleiros, deu-se peliça e couraçaa cada um, e pôs-se a sua frente Lício, de Atenas, filho de Polístrato.

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IV

. . ,'.' .Ficaram ali aquele dia, mas na manhã seguinte, muito cedo, abala-

rarn. Havia um barroca! a passar e estavam comreceio de serem ata-cados durante o ti:ajecto. Aconteceu, porém, já estarem para o ladode lá quando reapareceu Mitridates com milginetes e .cerca de quatromil archeiros e fundibulários. Tal.era a força que lhe dispensou Tissa-fernes ante a afirmação' de que eraquantoprecisava para vencer osgregos. Como no último recontro.icom pequenas forças, lhes causara

'grandes estragos, ou assim o supunha, sem sofrer uma só baixa, vi-nha cheio de farronca, com grande desprezo pelo inimigo," Estavam já os gregos a oito ,estãdios da ravinà quando Mitridates

a atravessou à testa dasua gente. Foi dadaór<:le~ a omas tantas fa-langes de hop litas e peltaStasdedei~arem,àproximar o inimigo,

"6 mais cerca possível, e carregarem depois a fundo. A cavalaria deviasecundar o movimento, acossando ()s fugitivos; forças suficientes fo-ram designadas para cobertura das tropas empenhadas na manobra.

AS,sirrisucedeu: Mal o exércitode Mitúdates chegou ao alcancede tiro, ~,trombeta deu sinal; a infantariapesada arrancou a passo do-brado e logoinço~tinen.tios ginete:;;. Os bárbaros não sustentaram ochoque e fugiram destroçados pir~obar~ocal. Na debandada perde-ram muita infanta.~ia e foram aprisionadosdezoito cavaleiros. A fi~de inspirar terror ao inimigo, os gregos, sem ninguém lhes mandar,mutilaram os cadáveres. ' ,

Os inimigos retiraram-se' có~esteesc~rmento_ Os gregos, t~docaminhado todo .o dia sem ser incomodados, chegaram ao anoitecer

, às margens do Tigre: Havia ali uma grande cidade, mas deserta;

A RETIRADA DOS DEZ MIL 1!1

chamada Larissa, antigamente habitada pelos Medos. As muralhas.'tinham vinte e cinco pés de espessura,cerri de altura e uma circunfe-::rência de duas parasangas. No tempo em que os Persas suplantaram;95 Medos no império da Ásia, o .rei da Pérsia pôs cerco a esta cidade.:Não havia maneira de a fazer capitular até que um mago tapou o Solcom uma nuvem e os habitantes alarmados abriram as portas. Nos

.::arredores erguia-se uma pirâmide de pedra com a altura de dois ple-, rros; cada pano da base media um pletro de largo. Muita gente das al-deias vizinhas tinha vindo refugiar-se dentro dela.

O exército fez uma jornada de seis parasangas e chegou a uma"grande fortaleza abandonada, junto da cidade de Méspila, outrora ha-:,bitada pelos Medos. A muralha, na base, era de pedra lavrada, incrus-tada de conchas, para cima de tijolo, cada uma das partes medindo

, cinquenta pés de alto e outros tantos de largo. O seu âmbito era deseis parasangas. Conta-se que a rainha Medeia se tinha refugiado aqui

.'quando 05 Persas subjugaram os Medos. Também o rei da Pérsia si-tiou esta cidade, que não pôde dominar pela força nem à míngua derecursos. Zeus, porém, mandou uma horrível trovoada que, feriu os

',moradores de assombro, e a praça rendeu-se.Dali, os gregos andaram quatro parasangas numa só jornada. Du-

rante o trajecto, surgiu Tissafernes à testa, dos seus ginetes, acompa-,nhado das tropas de Orontas, que esposara a princesa real, dos bárba-, ros de Ciro, das 'tropas que o irmão bastardo de Artaxerxes trouxera: em seu socorro, e de forças várias, vindas daqui e dali, de modo que,'o conjunto era forrnidando.

, "', Quando chegou perto, mandou postar o exército à retaguarda',·.r;t~. . .",5fti:' e nos flaricos dos gregos. Mas não ousou investir e não quis correr os" ,:*5,\' riscos da batalha; limitou-se a dar ordens aosarcheiros e fundibulá-

•.~........ . .'"vi,' rios de atirar. ,Mas os ródios, em linha de atiradores, .e os cretenses,',.fí responderam, e na multidão densa do inimigo não perderam um tiro.n~fAnte o descalabro.iretirou-se Tissafernes fora do alcance das fundas", ':~~ ,

:'1f{i e arcos, seguido das mais tropas. O resto do dia passaram-no assim,~'~i'os gregos marchando à frente,os bárbaros no encalço, jogando-lhes'.,\tt dardos e flechas que não atingiam o alvo, pois o tiro dos ródios e cre-,I', tenses continha-os a-respeitosa distância. Ainda, como os arcos dos'11 persas e~am muito grandes, as flechas que lançavam eram utilizadas

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112 XENOFONTE

II

I

pelos cretenses que lhas devolviam, tendo acabado-por despedi-Iaslonge e certeiras, depois de se exercitarem a fazê-lo de mais elevadoângulo. Dali em diante nunca mais deixaram ficar a Gorda e o chum-bo que encontravam pelas aldeias, pois lhes eram precisos. para asfundas.

Aquele dia os gregos acamparam numas. aldeias que encontraramem caminho; os bárbaros, porque ainda não estivessem refeitos daderrota, deixaram-nos em paz. Ali passaram todo o dia seguintea descansar e a reabastecer-se nas tulhas. que estavam cheias. Levan-taram ao terceiro dia, planície fora, seguidos por Tissafernes que oszargunchava de longe. Foi então ,que os gregos reconheceram que amarcha dum exército em rectângulo equilateral não é b~a marcha,quando se traz o inimigo aos calcanhares. Com efeito, sempre que asalas eram forçadas a aproximar-se, quer se estreitasse a estrada, querpenetrasse em desfiladeiro ou ponte, inevitavelmente acontecia queos hoplitas se acotovelavam e que, marchando com dificuldade ouà pressa, se embaraçavam e se trilhavam uns aos outros. Ora genteem desordem não serve para nada.

. Depois, quando as alas voltavam à distância normal, sucedia natu-ralmente que os homens que há pouco se esmagavam, afastando-se,davam origem a um vazio ao centro que permitia ao soldado ver-sea marchar sozinho, o que não é do melhor moral quando o inimigovem, no encalço; Estava, pois, tirada a prova. Sempre que havia ponte. 'a passar era uma balbúrdia; cada qual queria passar à frente; o inimi-go tinha ali naquele momento fáceis,reses de matadoiro.

, Reconhecendo, todos .esres inconvenientes, formaram os capitães.seis falanges de cem homens cadaumaçnorneando para as comandarcenturiões, penreconrarcase enomorarcas. Em marcha, quando asalasse chegavam uma à outra, à passagem por exemplo de desfiladei-ro,os centuriões ficavam à retaguarda; uma vez vencido o embaraço,voltavam .a ocupar o seu posto, nos flancos da coluna. Quando, pelo

, contrário, as alas eram obrigadas a apattar-se para lá do espaço regu-lamentar, para cumular Ó vazio as tropas marchavam por centúrias,pelotões decinquenta, rnanípulos de vinte e cinco homens, consoan-te as dimensõesdova:zio, partindo da menor área para a maior.

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ARETIR.ADADOS DEZ:MIL' 113

Diante de ponte ou desfiladeirqnãohavia já confusão possível; ascentúrias marchavam umas apósotitras. Tornava-se urgente formarem linha de batalha: enquanto.seabre a mão e se fecha, as tropas dis-punham-se na ordem-oportuna. .: '.

.Ao quinto dia de marcha, os gregos avistaram um palácio, e aquie ali muitas aldeias. Para chegar até lá, tinham de passar vários oitei-

. ros que nasciam da serra, .ern cujo sopé ficava situado o primeiropovo. Com regozijo se encontraram os gregos perante térrenornon-tanhoso,ho qual a cavalaria do inimigo não teria facilidade de movi-

, mentos. Mas quandodesceram a primeira colina e se dispuseram atrepar a segunda; os bárbarosfizera~ sua aparição crivando-os de al-to com dardos, pedras e flechas. Ficaram. feridos muitos gregos. e astropas ligeiras tiveramque ir abrigar-se entre os hoplitas. Nesse dia,archeiros e ftind,ibulários~misturados com o pessoal do trem, não pu-deram fazer um tirosobre o inimigo.

Os gregos, assim fustigados, resolveram investir com os persas;mas, por causa das armas pesadas, só lentamente alcançavam os ci-mos e, uma vez lá, o inimigo havia desaparecido. Voltar,em seguida,tinha os seus espinhos. Ao descer uma segunda ladeira sofreram osgregos novo percalço. Numa terceira, decidiram que os hoplitas nãose mexessemdali e.pelo flanco direito da coluna mandaram sair ospeltastas, que se puseram a escalar o mOrited~nde dominariam .oini-migo. Assim que alcançaram o coruto, os bárbaros; temendo seren-volvidos.idesistiram de os inquietar; Marcharam todo o dia com estadisposição, uns cortando pelos contrafortes, outros serra acima, atéchegarem às .povoações. Aí formaram umacompanhia de saúde comoito médic6s,.por serem muitos osferidos. ... -. .. Demoraram-se ali três dias, riãosó.por causados ferldos.i cornoporos convidarem a esse ripanço ós mantimentos que eram empro-fusãorfarinha -de trigo, vinho e um grande depósito de cevada paraos cavalos, .Todasestas provisões~stavam reservadas para, Osátrapada províricia:Ao quarto dia, os gregos romperam marcha pela planí-cie. Tissaferhes foi-lhes na peugadae obrigou-os a acampar na pri-m~iraaldeia .que...se lhes ofereceu, impossibilitados de cOmbate~.du-rante a marcha. Muitosdeles -'- feridos.rrnaqueiros, os que' levavamas armàsdunsedoutros ~ decerroonão podiam fazer: Mas, apenas

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I

114 XENOFONTE

se instalaram na aldei~; levaram a m~llior'aosbárbaros que se adian-taram a escaramuças, assim sedemonstrando quenão é pequena a di-

, ferença que vai entre fazer uma surtida pararepeli~ um ataque e resis..tir, emordetn de marcha,}lsacomecidas do .inimigo, .

, Descia, a noite e os persasrque .nunca acampavam a menos desessenta esticliosde distância:comt~ceió de ser atacados na escuri-dão, retÍrarain~rude~temente.Ó exéi:cii:op~rsa,duran te a noite,é duma fragilidade inacreditáveLCostumam prender os cavalos, unsaosoutrose mesmo deitar-lhespeias commedo de que fujam. À pri-meira v:ozde alerta, o cavaleiro tem dedespr~nder o cavalo, selá-lo

"epôr-lhe o freio, montá-Ia depois, revestidojá.da couraça, operaçõesnada cómodas de executar no escuro e a meio da balbúrdia. Era estaa razão por que iam bivacar sempre' longe dos gregos.

Assim que estes deram conta que os per~ascomeçavam a retiradariocturna, uma trombeta tocou a preparar. Mas foram observados e oínimigo deteve-se em expectativa durante .um certo tempo: Depois,como se fizesse tarde, abalou. Osgregos.renrão, levantaram tendas,atrelaram animais e puseram-se ernrnarcha. Fizeram de uma assenta-da sessenta estádios; Tocand6-lhe,sempre,a1cançaram tal dianteira ao

'inimigo - que nem no dia seguinte, nem dois dias depois o~ pôdealcançar. No quarto dia, embora tivessem passado 'a noite-em mar-cha, surgiu-Ihes pela frente em eminência que era forçoso passarem.Não havia outro caminho. ,

Vendo a crista da serra ocupada, Quirísofo mandou di~er a Xe-nofonte, que estava à retaguarda, que avançasse cornos peltastas.Mas Xenofontenãotocoú naquela força,ao ver Tissafernes que se

',acercava com o grosso do exérçit~. Correndo.iporérn, ao encontrode Quirísofo, bradou-lhe:

-Que me desejas? ,- Levanta os olhos -,- respondeu Quirísofo. - O inimigo ocu-

pou o cabeço antes de nós e nãoháremédiosenão empurrá-lo dalipara fora: Porque não trouxeste os péltastasj

, - Não podia desguarnecer a retaguarda, uma vez que é ali queo inimigo vai atacar. ,,' '." ,

" -', Pois sim, mas como desalojar o inimigo dos altos? - replicou"Quirísofo.

I

I

A RETIRADA DOS DEZ MIL 115

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Xenofonte, tendo-se posto a examinar a serra que dominava:~I~o exército grego, descobriu um carreiroque levava ao cume.~/ - O que háa fazer - disse para Quirísofo - é trepar por ali,:~~, acima, custe o que custar, e de uma arrancada. Se conseguirmos pôr

lá pé, O inimigo não se sustenta onde estáv.Se te parece, fica aqui, euvou tentar a escalada. Se nãó.lvai tu.:e fico eu.

- Escolhe ...Redarguiu então Xenofonte que, sendo ele o mais novo, a ele

competia a diligência. Mas, como trazer tropas da retaguarda levavao seu tempo, pediu que lhas desse da frente. Deu-lhe Quirísofo tro-pas, que tratou de substituir por unidades do centro, e, em reforço,'após ele mandou um esquadrão de trezentos homens, gente escolhi-da que ele próprio comandava.

O destacamento rompeu a passo dobrado pela encosta acima.Mal os inimigos, porém; perceberam o objectivo que os levava, deita-ram a correr para ocupar o cimo primeiro que eles. E foi de parte

" a parte uma corrida de velocidade, no meio de grande gritaria, os gre-

1..:~.'.~.'.!.:';' gos que s,e animavam uns a.os .outros, os de Tissafernes que exorta-:t~,vam os barbaros.

.~ ,"~b:: Xenofonte galopava dum lado para o outro no seu corcel, inci-.. ~""J~: :~; tando os gregos::_)~r - Camaradas, coragem! Lembrai-vos que é agora que se decide

·~~i:\se tornais a ver a Grécia, vossas mulheres e filhos. Mais um arranco,,:lt e o resto do caminho é brincadeira. Alma! Alma!

,f~t - De cima do cavalo .podes fanfar!-lançou-Ihe um certo Soté-~ , ,~y rides, de Sicião. - Se fosses à pata e levasses o escudo como eu levo,

1.'l~:não te mostravas tão farsola!

',;~, Mal ouvi~ ~stas palavras, Xenofonte deitou-se abaixo do cavalo,,,-\'r empurrou o soldado para fora da forma, e arrancando-lhe o escudo..}~", ,,~i:pôs-se a correr ao lado dos outros. Mas como trazia a couraça em de-~:.~fmais, não admirava que começasse afraquejar. Nem por isso deixava

,'I ?0', de animar os que iam à frente a prosseguir no avanço, e os que vi-;'.' nham atrás a passar adiante; sem se importarem com ele. Os solda-

"'1;"'1 dos, e~t~et~?to, re,rararam no absurdo, e,.depois de ac~tovelar Soté-:Irides <OJu",-1o e Jog" -Ihe pcdrad as , obrigaram- no a trrar o escudo

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116 XENOFONTE

a Xenofonte. Xenofonte, então, saltou de novo para cima do cavaloe lá foi, exortando uns, advertindo outros, enquanto o caminho erapraticável, Depois, lançando as rédeas, correu a pé com as suas for-ças. E assim conseguiram os gregos firmar pé no topo antes do ini.migo.

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Os bárbaros que oc~pavam a serra deso:oçaràITl cada uin para seu .lado. E, 'cornoXenoforite ocupasse os pontos estratégicos, Tissafer-

'.nes e Arieu tiveram deretirarpor um caminho transversal.énquanto. Quirísofo avançava-para •.a .planíciemuiroà sua vontade, indo acam-':,par numa aldeiafartade mantimentos. Ao longo do Tigre havia mui-tas outras, não menos abastecidas de. tudo ..Sobre i tarde o inimigoapareceu, de improviso, fazendo empostasuns tantos gregos, que

".andavam separados iJ.apilhagem. .. .. '.Os gregos, entretanto, apoderaram-sede rebanhos. vários, quan-

L do a toda aptes~a .P~pastores os tangiam-para passarorio. As al-.' deias,ao lón:ge, começavam a arder. Era Tissaferries eos seus que: lhes deitavarnfogo;tendoadoptado aquela táctica extrema. E outra. vez os gregos se deixaram invadír pelo desânimo.receosos que da-quele jeito nãoencontrassemno seu itinerário .coisa para que ergueros olhos. Mas .Quidsofochegou de socorrer os gregos que se entre-gavam ao saque; Xenofonte desceu-a serra. .•..... ." I·

. .... : - Gregos ~ disse ele para os soldados. ~ estaisaver Cjuebs ..i';I;f~:.persas consideram já esta, r~gião comon~,ss.~.~No t~à~adoque assin~~.;)1~ram connosco,·tlhha~seestfpuladoque rios nâodeitâssernos fogo as\:JM;terras deAri:a~erX~s.·.Ot~sãoeles queasin~~ndeiam como território

I,~; que j,i lhes não perten~~. Mas estai desc~ris,ad~s; ele~hão~de deposi-.t::~1i,~ tar viveres em certos S1t10S pata sua subsistência. P01S bem, esses de-.: jY$(' pósitos nós lhe deitaremos a mão. .LembroçQuirísofo, que se caia

: .....'... i';I'~(r..".·.;, a fun.do 50. b.teos inC~h~.·.á.r.iO.S'..c~m.'.0..se.a.....Co.mar.can6~ ~er.ten.c.e.s.se....:é / ,,3 - Eu sou de 'opirnao contraria - contestou Quirísofo. - Del-::~i;> temo-nos tambêma incendiar; hão-de se cansar primeiro do que nós.!,~. .. ."li

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. XENOFONTE ' '

Capitães e comandantes da coorte' reuniram-se, enquanto os sol-. .dadosse oc;Xp~vam.comóabasteCime:rito.A situação era embaraço_.sa: viam-se entre altas montanhas, dum lado; o rio de que não encoj-,travam pé, sondando com as-lanças, doutro'. Estavam perplexosquando umródiose apresentou adizer; ". . ' . .

'-, Encarrego-me d~ passar quatrornil hoplitas de cada vez, com. a condição de me fornecerdes certos materiais ... E haveis de me darum talento' de recompensa. .. . -'- Que precisas? .'. " ". '.

-Preciso de dez mil odres. Háparaaí carneiros; cabras, burros,em barda. Matam-s~ e dapele fazerrr-seos odres necessários. Precisotambém de 'sogas para ligar uns aos 0~tro~.Segtiro~6s por meio de

.pe'dras lançadasno fu~dodorioà laia de âI1coras,por cima deito fa-xin:as que cubro com.terra. só me restalig)t';asextremidades em cadamárgempara ter uma ponte. " .:. •.. , '

.Os capitães ti;eram ainveriçã;. cornoengenhosa, mas de difícilrealização. Como lançar a espia d() outro Jad; coma cavalaria inimiga?

No diaseguinte, ós gregos retrocederam sobre os passos, em di--recçâo contrária a Babilónia. Entraram em aldeias não incendiadas einCendiarain-n~s quando s~ iam embora. A cavalaria persa deixou-osern paz;vi~-se bem que estavamespantadoscnão podendo adivinharaonde iam e o que queriam. A certa altura, enquanto os soldados fo-ram à cata devíveres, os capitãese oficiaissuperiores reuniram-se emconselho e mandaram vir à presençaos prisioneiros. Interrogadoscorn inteligência,dedararam que o caminho na direcção sul levavaà Média e à Babilónia, donde tinham vindo; a oriente, levava a Susae Ecbátana, onde el-rei, ao que se ,dizia, passava a estação calmosa;que passando o rio e cortando a ocidente, ia-se dar à Lídia e Jónia;enfim que ao' norte, para 'lá das cordilheiras, se encontravam os Car-ducos. Estes povos, acrescentaram; habitavam nas serras, eram extre-mamente belicosos, e não admitiam a autotidade real. Dum exércitode cento e vinte mil hornens queoutrora fora mandado contra elesnão escapara úmsóhomem. No entanto, quando estavam em paz

,com o sátrapa que governava as cornarcasda planície, havia comér-cio,regular entre. as,duas' nações:

A RETIRADA DOS DEZ MIL 119

, Colhidos estes informes, os capitães mandaram apartar os prisio-'ileiros queconheciama região, sem declarar que caminho iam tomar.:o parecer unânime foi que se metesse pelas terras dos Carducos fo-ra. Os prisioneiros tinham-nos informado, com efeito, que uma vez'fora deles estariam na Arménia,nação vasta e fértil, em que governa-~a Orontas. Dali fatil~ente transitariam para onde quisessem, re-montando o Tigre até a nascente .

Fizeram, logo a seguir a esta resolução, sacrifícios aos Deuses, de;'modo a estarem prontos a partir à hora que lh~s conviesse. O receio;deles era que o inimigose antecipasse a ocupar os desfiladeiros,',B deram instruções aos soldados para, depois da ceia, repousarem.~sobreas armas, prontos àprimeira VÇ>Z.

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.: No último quarto da madorra;os capitães deram sinal de levantar} partir o mais escoteiro possível. Atravessaram a plarúcie a favor dasúevas e ao 'romper da manhã estavam nas serranias. Quirísofo iaà frente com 'a sua divisão. Xenofonte à retaguarda com hoplitasape-'nasna persuasão deque oexér~ito,.em marcha ascensional, dificii-mente seria atacado por aquele lado.

Atingiu Quirísofo as alturas antes de Ser pressentido. A partir daívançou mais devagar, em dirécçãoãs aldeias que se avistavam espa- .. adas pelas lombas é os côncavos dos montes, seguido a distância! elo grosso do exército. . .

Os carducos, ao avistá-los, fugiam para os picotes com mulherese filhos, desamparando as casas. Havia, génerospor toda aparte ~ asmoradias estavam bem apetrechadas comutensilios de estanho. Masos gregos não tiraram uma só vasilha nem perseguiram os habitantes,a esperança de que lhes permitissem atravessar o território como

migos. Quanto a víveres, anecessidade obrigou-os a fazer mão bai-! a sobre o que encontravam. Convidados a vir parlamentar com eles,

,."..os carducos não sónão acederam, antes deram logo mostras de dis-":J'.,í:~;';., .....,' .

~~~poslçoesnada pacíficas. .1~( Quando os últimos gregos atab~ram de descer das serras para;,I~,~j,~,;,àaldeia, já era ~oite fechada,' Tinham. gasto muito tempo no caminho}itlao que era de mgreme e apertado. Ao sabor das sombras, um bando-~~.'decarducos pôde chegar à retaguarda e chacinar alguns homens e' fe-f~!rir outros à pedrada e azagaia. Não foram muitos, pois os gregos ti-.~~Inhamaparecido em suas portelas inesperadamente. Se fossem mais,-<~boa parte do exército arriscava-se a ser dizimada.

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124. XENOFONTE

Os gregos pernoitaram nos povos, vendo. os montes à roda co'roarern-se de fogueiras que os carducos acendiam, modo de comun1".car uns com os outros. De madrugada os capitães e oficiais tiveram:consulta, resolvendo ficarapenas com as cavalgaduras indispensáveis,para o que seriam escolhidas as melhores, e 'soltar os prisioneiros, feic:'tos mais recentemente, empregados na cartetagem. A grande profu-':;são de animais de carga e os prisioneiros entravavarn-Ihes o passo'"muitos soldados não faziam outra Coisa senão guardá-los; além disso' )quanto mais elevado era o número de bocas a alimentar, maior a quanti~;Tdade de víveres a descobrir e a transportar. Tomada tal deliberação, os .prego eiras gritaram-na pelo campo. Puseram~se a caminho depois daprimeira refeição e mal chegarama uma canada, os capitães, postando-'-se na passagem, obrigaram os soldados a deitar fora os objectos que ti-nham teimado em ~ardai: e lheseram inúteis. Não houve ninguém quedesobedecesse; urriou outro teve artes,quando muito, de passar emcandonga o seu fanchono ou mocinha idolatrada. Levaram o dia a cami-nhar, afora as cunasparagens em que tomavam fôlego ou tinham de sa-cudir o inimigo, dando-lhe uma saltada.

No dia seguinte foram surpreendidos por uma forte trovoada,mas não tiveram remédio senão romper adiante, pois lhes escassea-vam os mantimentos. Quirísofo ia à testa; como sempre Xenoforireà cauda. Chovia a cântaros e iam por um carreiro apertadíssimo,quando os carducos caíram sobre eles, desfechando quase à queima--~oupasúàs pedras e setas. Obrigados a fazer-lhes frente a cada pas-so, os gregos não podiam andar depressa. Ao sentir-se atacados, Xe-nofonte comandava: Alto! E duma ponta à outra, a coluna estac~vaiUma vez, porém, em vez de parar, Quirísofo tratou de avançar comà sua gente o mais rapidamente que pôde. Alguma coisa se passava.Mas Xenofonte não podia naquele instante distrair-se para averiguarqual a causa de marcha tão precipitada. E as tropas da retaguarda lar-gara~ a correr' empós, com tal desatino como só em fuga. Os cardu-cos não deixaram passar em falso tal confusão e acometeram ousada-mente. Ali perderam a vida Clcónirno, de Lacedemónia, e Básias, deArcádia. O primeiro era um bravo soldado que caiu com uma flechaque se lhe cravou na vazia depois de atravessar o escudo e a veste;um dardo trespassou a cabeça ao segundo, de lado a lado.

-ARETIRADA DOS DEZ MIL 125

MalXenofoiJ.teconseguiu alcàr'l.~arQuidsofo, cerisuro u-o poraO ter e~pei~do,fQt<;ando-oa sustent~r em toás condições; como~amas -duma retirada em .marchas forçadas, combate com a inimigo.ar essa iazãcitinhamsucumbidocl6is sold~dos dos mai~;valentes'l1emos corpos lhes pudera dar à terra ...: - Olha lã para Cima -'-.• respondeu Quirísofo, apontando a serra-ia. - É inacessível, não? Pois nós ?ãa temos outro caminhosenãt5,tepor ande vamos, e -o meu intento foi aviar-me antes que o inirni-Ô ocupasse os altos. Cheguei tarde, desgraçadamente. Nodizer dosuias, há que 'passar pelo.píncaro ..: . . .

-:- Tenho ali dois ca.rducos.Foram· apanhados há pouco, quando.osataca~arriâ'rriá cara, ~a cilada que ihés ai-~ei: Foio.xnie no~ va-:il. Além dos dóis 'prisioneiros e matarmo-lhes uns pO).lCOSde ho-ens, fic;Í.moscorri 'o 'terreno desafronrado. Queres interrogá-Ias? .

Separararri~mprisioneirodooutro e subrneterarn-nos a r=s=-s: Um, em-despeito dasameaçàs;'iespond~u que nil:o co~heciame-ar caminho. COmo' chegasserríà conclusão que nada. se podia tirar

ele, trouxeram-rio àpreseriçaclo comp~nheiro e a110 degolaram.~ outro prometeue~sin~r~.lhes ,um segundo caminho, nada' mau, aces-uvel às própriascavalgaduras. Eexplicou gue o seu patríciotinha para,gueles sítios unia filha-casada, por issoresolvera não abrir-boca.. ....:....Era! esse Iadonão há barroca .qlle seja custosa depassar>

....:....Há urnapara o cim~ da serra. Se nãóeseíver.guardad«, 6e~. ,,". . '. . .. .assam.... , . .. ' ..

Resolveu-se deitar bando' se hão haveria homens de boa vontadeéntre os COmandantes de coorte que se oferecessem para Cometer um~nce que exigia, sobretudovaudácia e decisão. Ofereceràrn~s~, pri-eiroçdojs oEciaisde hoplitas, árcades, Aristónimo, de Metrídia,

~Agásias, de Esb~fal~;, Um outroçCalírriaco, de Parrásia{nio.lhes_uis ficaratrãS e ofereceu-se para ir Com aqueles que oquisesseJncornparihar ~. eninguérri como ele para levar ..de rompante genteova e denodad.a.Convinha q~~efosse ainda um destacarrient~.de in-

lífan~aria ligeir~~am o ~eu taxíar~o. AIg~ém se ofere~ia? Adstea~, de',~:QU10, que mais de .uma vez se singularizara em con)unttlrasarnsca-i~flas, deu um passo à frente. '.' ". ." '. '. . ..'IJI.

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o Sol,declinava no horizonte; quando, erigolido o rancho, à ~oz::do comarid~ os expedicionários r'omp.e~ammarcha, com o guia; de:mãos alge;nadá~, à .frenre. ,Fora cü.rtibinado que, chegando a Ocuparos.cumes, ali'sem~htivessem durante a noite. Mal amanhecesse, toca-

.vam atroir; bera' a dar sinal e cairiam sobre o inimigo. postado de sen.. tinelaao caminho, ao passo que O exército o investiria de frenre..A coluna, que se compunha duns dois nill homens, avançou debaixode chuva torrencial. Par~cobri'r a rha~obra e desviar a atenção doscarducos, Xenofonte rneteu pelá carr;inhovelho com as forças, co-mo se prosseguisse na jornada. Ao chegar, porém, à ravina sobre quedeitava alto. e escarpado cabeço, os bárbarosd~satarama rolar por ci-ma deles pedregulhos de toda a ordem, alguns 'grandes COmOmós. 'Tais pedras, topando desupetão nos rochedos, .lascavam em mil esti-lhaços, osquais espirrando-à roda.jmais céleres que despedidos porfundas, irnpediam-rros de 'avançar um passo. Fizeram simulacro al-

'.gUns comandantes de coorte ,de quererrornejar por outro lado, maslogo oscarducoaacudiram, fazen:~dchqvéráfragada. Neste jogo:

".passa-se, nãose pássa,. se' consumiu o resto do dia. Quando o escuropermitiu a Xeriof~nte retirar-sem ser visto; voltou para o arraial. Al-guns sdldadoscla retaguarda não tinham o dia todo metido uma sódentada de pão à boca. Cearam com 'prazer e,durante a ceia e pelanoite fora,' o inimigo não cesso~; um: instante de ~olar pedras das es-carpas, a avaliar pela. resi:olh~daqti~..fazi~~. -.

Entretanto ac~lunade.volurii:átios, di~ig~da pelo guia, trepouà serra e cQnsegu~u, após muitas voltas e reviravoltas, surpreender

A RETIRADA DOS DEZ MIL 127

arda dos visos, assentada à roda duma fogueira. E lançando-sebre ela, mataram uns, atiraram outros para o precipício, e assim seoderaram da posição. Não estavam, porém, senhores de toda a eu-eada, ao contrário do que aprincípio julgaram. Acima deles havia

inda outro picoto, guarnecido pelo inimigo, ligado àquele por umrreiro que ia serpenteando serra fora. ,

Passaram a noite ali mesmo e,mal alvoreceu, avançaram para',inimigo em silêncio e na melhor ordem. Estava nevoeiro e a favore tal cortina puderam chegar quase ao pé sem ser pressentidos. De-

'iois, a um breve sirial da trombeta, abandonaram as precauçõesprecipitaram-se sobre os bárbaros soltando seus' gritos de guerra."as eles, colhidos de 'surpresa, não esperaram a acometida, e fugirame escantilhão cada um para sua banda. Como eram muito ágeis,)OUCOslhes ficaram nas mãos. '. '

Mal ouviu soar a trombeta, Quirísofo rompeu adiante pelo carni-ho velho, à frente das. suas tropas. Outros capitães lançaram-se com

. sua gente pela serra acima a corta-mato. Tudo lhes servia de apoio:;a pé, de gatas, estendendo as lanças uns aos outros, juntaram-secoluna que ocupava os píncaros da cordilheira.

Xenofoilte, p()r sua vez, tornou a rota qúe na véspera levaram os.'oluntários:, por sei essa a mais cómoda,senão.a única acessível, animais de carga. Tinha disposto o trem a meio da coluna como sevesse obstáculos a vencer. E alguns teve. A breve trecho, deparou-se-lhe o caminho dominado por um oiteiro em que pululavam os

)1imigos. Não havia outro remédio, para não ficar cortado dei exérci-0, senão romper avante custasse o que custasse. Romperam, forma-

'.:mdosem pequenas colurrasçeriãr, em linhàenvolvente, para o inimigo•. ?!!;" ' ", '

~e deixar tentar pela fuga. Defacro, vendo os gregos avançar intrépi-:' idos, os carducos Iargararn, sem despedir um só dardo.

.. : I{t Desafogado aquele pas~o,os gr~g~s en~Ohtraram-seperante um:~segundo morro, sobranceiro ao caminho; também defendido pejo'f;trúmigo. Para que os bárbaros não voltassem atrás e não fizessem al-~~m estrago. na impedimenta, a qual por causa da estreiteza do caminho

I~s'e alongava numa. fila se~_ fim, Xenofonte p~stou ali três, coortes,l,~:sobo comando de Quefisodoro, de Atenas, filho de Quefisofonte.>

~~0-nfícrates, também de Atenas, filho de Anfidemos, e Archágoras,'.-"(.

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128 XENOFONTE.' .. ' .

A RETIRADA .DOS DEZ MIL I129

. exilado de Argos. Ele, à testa das forças, avançou contra o segundcabeço, que tomou de. modo idêntico ao primeiro. Restava agor~mais à frente, um último cerro alcantilado, que sobrepujava o lug:em que na véspera a patrulha de voluntários surpreendera os carducos a aquecer-se ao. fogo. Com espanto de todos, o inimigo desarriparou-o sem combate. Estavam em supor que o tivesse feito com:rceio de ser cercado quando, olhando à retaguarda, deram conta qu'go inimigo caía em peso sobre a cauda da coluna. . ,.

Xenofonte, perante tal emergência, ordenou às coortes que [os·,:sem avançando devagar de modo a dar tempo a que o grosso da;'forças se desembaraçasse dos carducos.Ao chegar a uma clareira.;que luzia adiante à borda do caminho, deviam parar e formar ern li:.nha de batalha. Estava' ainda a dar as suas instruções quando chegou';todo esbaforido o argiano Archágoras. Anunciava que tinham sido:.desalojados do morro; e Quefisodoro e Anfícrates mortos com todo~·:os gregos que não se tInham decidido a abandonar a eminência eafugir para a retaguarda:.. .. . .;,f;

Entretanto os carducos, realizada a proeza,corriam a oct)pa:i:;~:ooiteiroque ficava defronte do picoto em que, no momento, es:taviXenofonte. Lembrou-se, então.veste de lhes propor um armistício;:.pelo intérprete, ao mesmo tempo que pedia lhe dessem os m6rtos\,para os sepultar. Eles responderam que sim, contanto que não intenddiasse as povoações. Xenoforite .aqwesceu. Neste entrementes, en,,;:quanto se entabulavam negociações; os carducos iam-se apinhando .no oiteiro.Mal os gregos começaram a descer para se ir juntar ao~:}outros, que haviam deposto as ·àrmas na chão, avançaram eles err/'"chusmae corn grande alarido. E assim que se apanharam emvoltaram a rolar pedregulhos pela vertente. Um deles partiu a pernadum homem ..No tumulto que se estabeleceu, Xenofonte viu-se.abandonado pelo soldado que lhe segurava o escudo. Mas Euríloco,de Lúsio, árcade e hoplita, deu conta e correu a proregê-Io com o seubroque!. Deste modo, movimentadamente, a retaguarda se juntou aogrosso do exército, formado em linha de batalha na limpaça. Avança-ram dali para uma povoação e essa noite ficara~ debaixo de telhae não lhes faltou trincadeira. Armazenado em grandes cisternas depedra e betumilha havia vinho à farta. Ali trocaram o guia contra os

rpos doscamá~adascajdos na escaramuça, aosquais prestaram asnras fúnebres devidas a homens de coragem.Na manhã seguinte, romperamàdia~te. Esforçadamente tentou

;;nimigo arrancar-se-lhesnocamínho, frechando~osdosaltos,· c~r-do à frente li ocupar as gargantas em que forçosamente tinham de

ssar. Quando a vanguarda ia emperrar com alguma resistência, Xe-fonte levao:tava:docouce corrrurna força, escalava os montes,

;:porlonge ia-sacudir dos topos o .inimigoencarniçado.Quirísofokecutavà a mesma manobra em relação à retaguarda, quando o ata-ue era por·ali.Destoa -forrna seprestavamauxílio, e a co.luriaavan-ava sempre, corrimaior ou menor lentidão. Acontecia os. bárbaros·'quietar.muho astropas quando volviam de. suas ascensõesesrraré,cas-.Como. eram muito ágeis não havia forma de apanhâ-los.iembo,

~ sófugissem.a'.poucós passos-dos gregosvPermitia-Ihes ainda tal.,.cilidadcdemovimenros o poucopeso das armas que traziam: um .rco e Uma'funda. Excelentes .archeirós eram eles. Os arcos mediám;~rto de três côvados eas flechas-mais de dois. Disparavam-nas es-'fcando-se no pé e;q?etdóà medida que retesavam a corda: As suastas trespassavarríosescudos e as couraças. Os gregos apanhavam-as do chão e, 'atando-lhes. cQrrei;s 0:0 conto; serviam-se delas corno

" dardos. Nestas serranias, prestaram grandes serviçososcretens~s~omandava-.osEstritodes,de C:reta.· .

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N ~queh! di~ bivacaram nas aldeia~'que fi~amda parte de cima daplanície regada.pelo.Ceritrirasv.Este rio, largode dois pletros, sepaia a

, , Arrnénia d~ terradosCarducos, e não c:iistavadali mais de set está-dios ", ", '. " ' .:," ',' ' , :

, '~oi com ilivioqu~osg.regossevirarn.na'queles lugares, bem pro-vidos de viveres; com perspectiva: de melhor caminho. Estavam qua-.se exaustos, &p9isde~ete clia~dejo'rn~daatravés de serras, semprede aimas na mão, acabrunhados de trabalhos que deixavam a perder devista aqueles que a perfídia de Tissàfernes e a força do grande-rei Iheshaviam infligido. Livres do pesadelo, dormiram consoladamente asono solto. Mal, porém, abriu à manhã, para lá do Centritas descorti-naram um:esquadrão de cavalaria armado dos, pés à cabeça, de guar-da ao rio, e, logo atrás; a infantaria: disposta em linha de batalha,Eram 'as forças de 'Orontas e de Artuco, constituídas por mercenáriosda.Arrnénia, da:Migdónia eda Cáldeia,postadas ali com o objectivo'de lhes impedira' entrada na .Arménia. Os Caldeus passavam por seruITI povo livree aguerrido, quehaQit;rya~anascente do Eufrates.Traziam corrio armamento grandes escudos de verga e lança.

Estas tropas ocupavam um~emi.flência;a uns três ou quatro ple-, tros. do ri~;.seinoutravia de aéess~ (pi~umíngreme caminho de pé, posto. I-:i~';ia'gue desalojá-Ios, e6s gregos avançaram: para o rio na-quel~ direcçãoe entraram na âguarMasnãotardou que ela lhes che-gasseaos pdt6s,e reconhecessem-ao mes~otempoquanto a corren-te era rápidaeo leito coalhado deseixosescorregadios. Passararmado era impóssí~el,edespir-see levaras armas à cabeça expor-se,

I

II c:

A RETIRADA DOS DEZ MIL 131

remediavelmente, às setas e dardos dos irúmigos. E força lhes foioltar para trás e assentar arraial nas margens do rio.

De repente, os montes em que tinham acampado na noite ante-[or cobriram-se dum formigueiro de gente armada. Eram os cardu-os. E os gregos foram tomados de grande desalento, ao ver diante

deles o rio caudaloso, com forças consideráveis na margem de lá" vedar-lhes a passagem, os carducos,às espaIdas, prontos a atacá-Ios

al cometessem o trânsito difícil. ,\ , " ,Estiveram aquela noite e a seguinte em consultas, mergulhados

ia maior perplexidade. Mas Xenofonte "teve um sonho: sonhou que,\stando com os pés atados, as peias caíam por si e ficava com a fa-~uldade de ir onde lhe apetecesse. Mal rompeu a aurora foi ter comQuirísofo e contou-lhe o sonho que tivera e que devia ser interpreta-do como sinal propício, Folgou Quirísofo com a comunicação e, mal

dia clareou, os dois com os mais capitães celebraram sacrifícios aosDeuses. Logo à primeira vítima; as entranhas, apresentaram indíciosfavoráveis, Por isso, maio holocausto rerrninou, capitães e coman-dantes deram ordensaos soldados para tomar depressa a refeição,que se ia partir. Estava Xenofo~i:e a comer, vieram ter com ele, a to-

,da apressa, dois jovens soldados. Sempre que se tratasse de qualquer'coisa importante, 015 homens podiam dirigir-se-lhe não importa em,que altura, 'estando mesmo a dormir. Os dois vinham comunicar uma\descoberta que tinham feito ... Quando andavam, já longe dali, aos'chamiços para fazer lume, despertara-Ihes a atenção um grupo de,pessoas, velho, mulher e duas raparigas, que se mostraram nos

w,,~,:cachopos do rio, rente à margem de lá. Essa gente trazia trouxas às,;g::>costasque procurava .esconder nas lorgas dos penedos. Foi obser-:t!~':;vando-Iheso manejo que repararam ser aquele sítio nada mau para, ;~:o exército atravessar, pois do outro lado, com a penedia, não eram os'E"t:ginetes do .inimigo que Ihes punham empeço.E assim que tal ideia:~;,'.lhes veio a cabeça, trataram de se desenganar. Despiram-se e com

, "~tuma faca nos dentes meteram ao rio, dispostos a atravessá-lo à nado.,~, Mas não foi necessário: de cachopo em cachopo, corno sobre alpol-:~~dras, quase sem molhar os pés, chegaram à outra banda.ii' Em sua exultação Xerio fon.te fez uma libação aos Deuses. E,

{~rmandan~o deitar vl.nh~aôs bons mensageiros, jun~o.com eles conj~-t~ rou-os, Ja que lhe haviam mandado o sonho auspicioso, e agora tao

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132 XENOFONTE 133!}. RETIRADA DOS DEZ MIL ..

esplêndidos sinais, a levá-Ios a porto de salvamento, Conduziu, dt::;~f, . Quando Xerioforrte notou que na outra~nargem tudo corriapois, os mancebos a Quirísofo que [ubilosamente bebeu à boa novai:{'?' :, maravilha -,-.Quiiísofo ocupara os cimos e Lício, à testado seu pu-E desde logo, enquanto os soldados levantavam tendas, mandOIl.';~: :$hado deh0J:'Ilens, acabava de tomar aitnpedimenta do inimigo, noconvocar os oficiais para assentarem no plano que havia a seguir. De'c:~ .~ itneioda qual séencontrou .uma .riquíssima vestiaria e taças para vi-cidiram atravessar. Ó Centritas naquele vale pela ordem seguinte: Qui-:1~~: }ho preciosas _:-.voltou à pressa ao v~up'Ol:onde o exército estavarísofo à frente com metade do exército; a seguir a impedimenta Com/i~. ·~apassar. Jáos, carducos corriam na planície com tenções decair so~a gente não armada; no couce o resto, sob o comando de Xenofonte.i!('·· :': re a retaguarda. Pouco faltava para o trem dos gregos e a gente de-

O exército, à voz de marche; rompeu ao longo do rio guiado pe- t~;:,.·.'sarma~aestarenl quase.porcoo:p1etodo outro lado do rio. Xenofon-los dois. soldados. Doutro .lado, paralelamente, pôs-se a avançar a ca-';:' .I;te, entao,ordenoumelavo~taas s~astropas. d.e modo a ficarem de

1 . . . '. U 'di d d h D : ..,>':".' '.:facepara os carducos. Deu-instruções, em seguida, para que 'as coor-va ana Irumlga. ns quatro esta os an a os c egaram ao vau. epu- ..y ::: .. ' . .'. ... .. ;. ... .. '. . . ..... .' ' .....' .'h- Q" c·.- . d lh .' . :-;;..' . 't.es formassem emmarupulos, os quaIs sedesdobrariam â.esquerda,seram armas no c ao; UlnSOLOtirou a roupa e to os e segulra:m)~#J,'" .. ,.: '. . .... ..- '.,' . .... .. •. ', '.

. . 1 D . .. .. d f' . di" ..,' . '. ·'OfiClalsdo lado do irumrgo, chefes de fila do .lado da ribeira ..o exemp o. epols, clngln o a ro.nre com uma coroa e OIrOS'>..;. f;' '. . ..... . .•... : . ". .... . ..,'. , ' .' _ .. , . . ',:rg Os carducos - aSSImque .vIram' o trem .da banda de Ia::e a reta.a melO do exercito formado .em batalhoes, Imolou VItimas aos Deu-"'!'~~~ .' d .du ·cü'· '.' 1 f' dernui :.. 'ld d '.. ' .". . .

.' . .,.' ... '.!:~jQl' '~guarare UZl ssirna, pe o acto .. e muitos so a os Seterem retira-ses. Enquanto estavam no santo Sa:CrIfICIO,os irnrmgos fizeram cho- '.;,.,;.:.Zíi!." ' .•. "d· 'd .' :: . 1"··d .' b·.· . . "..' . ,,,~, .': o preocupa os com as..cava ga uras, a agagemou as amantes -ver sobre eles pedras e .flechas, sem-nenhuma os atmgir. E, como ,d.r!~i. . .. . d .: 'hin bá b Q' .,' c'· ,'. d" . '. ,. . .: . '. ;:;~.,. ;{lcometeram,entoan o. seus os. ar ar()s. UltlSOLO,porem, quan oo augurIo lhes fosse favorável, os soldados entoaram o pean a plena .:~ '!i..' . .' ····d· . . l' '. . -'d X c"· I. . '. ' :;;tj :;~eV1Uem se~ra.nça, estacou ogo ern.socorro e enoronte pe tas-voz e soltaram gritos de guerra, a que responderam as mulheres em -.~;l~r,'tas, fundibulários e até archeiros, E já estas forças desciam a ribancei-coro, Muitos soldados, com efeito: traziam consigo as amantes'd~" '1ia quando Xénoronte Ihesrnandou dizer: que esperass~n1form~dos

Quirísoforneteu-se ao rio com a divisão. Simultaneamente Xeno-'~5:" ';!~namargerrie q~eaperi.~~ se met~sserrí à água no. instante em que eles,fonte, à testa dO,ssoldados mais ágeis da retaguarda, ~eitou a correr ','4,; .•Jppr seu tur~cprrieçassem a passar; que deviam fazê-lo.de modopela margem ate aquele ponto que ficava em frente a garganta dos J,~:!i;à parecer-qrréirivestiam pelos dois flanço.s, a mão na correia do dar-montes arménios, no jeito de tentar o vau para colher a cavalaria pe- 'J;~:,.!~o,a flecha nó~rco;mas que não valia a pena levar o simulacro rnui-Ias traseiras. E esta, consoante tinham imaginado, mal viu a coluna de',:~~, ~to longe, avançandopelo rio dentro. . .' .Quirísofo atravessar o Centritas corri tanta facilidade, e Xenofonte :~~';~ Ao mesmoternpo deuordensaossoldados para cJ.ue;mal as pe-avançar sobre o seu flanco, receou de facto ser envolvida. E lançou- ..~lr,1dras começassem a crepitar em seus escudos, entoassem o pean e car--se a galope pelo caminho que levava à serra. Lício, que comandava ':~;'regassem a f~ndo o inimigo; que, urna vez ele destroçado, ao toqueos gínetes gregos, e Ésquines, cpmandante dos peltastas da divisão::da trombeta fariam meia volta e deitariam acorrer para a ribeira, osde. Quirísofo, mal a viram largar ~ rédea solta, ~oram-lhe no encalço.., ~.'1chef~s de filaàfrente:Sem hesitar tomariam o vau, cada unidade deA infantaria, por seu lado, requetla em altos gntos para tomar parte:} lIvper SIpara se nao embaraçarem umas contra as outras.na perseguição. Quirísofo, mal deitou pé na outra ~argem, não se'~~:. .~ OsoldadOmi1.·s.Yalenie~ disse finalmente - é aquele quedistraiu a correr empós dos ginetes. Sem perda dum ins tarite formou <.: '~chegar primeiro à outra' margem.' . . .' .as tropas e lançou-se contra a ribanceira, ao alto da qual estavam pos- .. '; 'I: Tudo correu como fora previsto. Os carducos, iludidos comtados os inim.igosem peso. Estes, porém, vendo os cavaleiros que f~-' .~I~~'.•o pequeno número de..gregos que viam do seu lado, atacaram deno-giam e os hoplitas que avançavam contra eles, abandonaram a POS1- , r, dadamente, descarregando sobre eles fundas e arcos. Mas os gregos,ção.: :~:soltando o hino :te guerm, contra-atacaram. Armados, como todos~I .

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134 XENOFONTE

IV

os montanheses, à ligeira, modo admirável para acometer e fugir, lhasnão para esperar a pé firme, os carduco s não puderam aguentaro choque e debandaram. Eles adebandar émais.a trombeta tocavana sua peugada; mais a trombeta tocava, e mais céleres eles fugiam.Num ápice, depois,os gregos deram meia volta e velozes corno ga-mos atravessaram o rio. Raros foram os carducos que repararam namanobra e mais raros aindaaqueles que, volvendo a tempo, puderamlançar uma Ou outra flecha que foi bater'nos retardatários. Já os gre-gos estavam todos a são e salvo .na otitrabanda e ainda se viam osbárbaros dar às de.vila-diogo.pelaplanície fora. As tropas, que se ti-nham postado na margem, deixando-se,ul.lmrapto de entusiasmo, irmais longe do que convinha, chegarama repassar o rio. Ficaram feri-dos alguns soldados ..

Cerca do meio-dia os gregos puseram-se em marcha, formados,..pela terra arménia fora, através de vales e colinas sucedendo-se emondulações suaves. Nesse dia andaram nada menos de cinco parasan-

" gas, visto não encontrarem aldeias em queaboletar-se, muito despo--.voada a região por causada guerra contínua que lavrava entre persas

e carducos. Finalmente, chegaram a uma grande localidade, ondeo sátrapatinha palácio e a maior parte das casas era coroada por tor-res. Não faltou que comer.

Dali, andaram~ez para.sangas em duas jornadas deitando além danascente do Tigre. Depois, em três jornadas de quinzeparasangas, al-cançaram o Teléboas, ribeira de água límpida. Viam-se muitas aldeiasespalhadas pelas margens. Chamava-se à comarca Arménia Ocidentale governava-a Tiribaz. Tinha este homem sabido insinuar-se no âni-mo de Artaxerxes a ponto de ser um dos seus primeiros favoritos.Quando se encontrava na Corte, ele é que tinha a honra de lhe segu-rar o estribo para montar.

Ora Tiribaz, tendo rumor de que os gregos atravessavam o terri-tório, saiu-lhes ao encOntro, seguido de cavalaria, depois de lhesmandar um parlamentário a pedir uma conferência. Anuíram os gre-gos e, adiantando-se tanto quanto era preciso para serem ouvidos,perguntaram o que desejava. Respondeu que propor aos gregos o se-guinte: liberdade de atravessaremo território e tomar os víveres quenecessitassem, contanto que não deitassem fogo a nada. Tais condi-ções satisfaziam aos gregos e o tratado de paz foi concluído de partea parte.

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139 XENOFONTE

Andaram, em seguida, quinze parasangas em três jornadas, sem_'pre em terra chã, com o exército de Tiribaz a marchar de soslaio, para par com eles, a uns dez estádios de distância. Chegados a uma re-gião coalhada de aldeias, em que el-rei tinha um grande palácio queservia de armazém de, gêneros; acamparam ao ar livre. Mas durantea noite caiu tantaneve, que, no dia seguinte viram-se na necessidade'de se aboletar nas localidades, .certos de não. correr perigo, defenjl],dos de surpresas pelo próprio nevão. Foram encontrar gado, trigo,vinho - até do velho e perfumado -' passas, legumes de toda a or-dem; urna fartura, Uns soldados, porém, que foram longe na ratOnÍ-ce, voltaram a dizer que tinham enxergado o clarão de muitas foguei-ras que pareciam ser bivaque de exército. Em vista da informação, oscapitães acharam perigoso que as tropas estivessem dispersas pelasaldeias e, tocando a reunir, montaram arraial.

Durante a noite continuou a cair neve em tal quantidade que co-briu os homens e as armas ensarilhadas junto deles, Os animais de .carga estavam tão enregelados que era um castigo fazê-Ios levantar dasepultura branca. O mesmo sucedia com a gente. E não deixava deser um espectáculo admirável, se bem que angustioso para os solda-dos, ver o lençol que tudo cobria e nivelava.

,Xenofonte sacudiu o torpor e pôs-se nu a rachar lenha. Os solda-dos, ao vê-Io, seguiram-lhe o exemplo. E não tardou que todos,à uma, se levantassem do leito enliçador e, acendendo fogueiras, de-satassem a friccionar-se com as drogas várias que encontraram: ba-nha, óleo de sésamo, de amêndoa e de terebinto, que fazia as vezesde azeite. Extraídas destes produtos, depois de ·rectificados, depara-rarn-se-lhes ainda pomadas aromáticas com que 'era um regalo prote-ger a pele contra o cieiro.

A inclemência do tempo excedia tudo o que se pode imaginare de novo resolveram que as tropas buscassem boleto pelas aldeias.Os soldados receberam esta ordem com gritos de alegria; cada umcorreu para debaixo de telha, onde já estivera, lamentando-se aquelesque tinham deitado fogo às casas, que os haviam agasalhado, de o terfeito, obrigados agora, se não a dormir ao sete-estrelo, a procurar de-baixo de frio rigoroso outro tugtÍrio.

Durante a noite, uma patrulha, sob ocornando deDernócrates,de Témeno, foi explorar os sítios em que os soldados da roubalheira

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ARETIR.A.DA DOS DEZ MIL 137

retendiitn ter div-isadolumes de bivaque: Este homem era tido pelaerdade em pessoa.ipor isso o destacara~ para aquelarnissão melin-rosa.' Pois o homem foi, rondou; e volveu a dizer que não tinha des-ortinado fogueira nenhuma: Pudera.ino entanto; deitar a mão a umornem que andava armado com arco serr:iel.l:1ànte~ódospersas, alja-a e umamachadinha como usam as amazonas. Interrogadoiespon~eu que era pérsa.rdefacro, e só afastara-do campo de Tiribazà bus-

ca de,víveres. Quanto às forças de que aquele dispunha, declarou quealém das próprias trazia ao serviçomuitosmetcenárioscálibes e táo-cos, e ser intenção suá atacar os gregos no desfiladeiro, única portelapara se sair daqueles-montes. , ' "." " , " " ",' , ', Depois do queouviram, os capitães foram unânimes quanto

o,à necessidade de romp,er adiante. E assim fizeram, guiados pelo, pri-sioneiro, depois de deixarem. à retaguarda um destacamento, coman-dado por Sofeneto, de Estinfalo; com a missão de recolher os arrediose retardatáriose prover aos múltiplos inconvenientes que sempre re-

·sultarn de partidas precipitadas. Depois de transpor os montes, osrpeltastas que iam à frente avistaram ~campQ de Tiribaz. E sem um·minuto de hesitação; sem esperar a infantaria' pesada.racometerarn·com grande vozearia. Não foi preciso mais para os bárbarosdeitarema fugir. Mataram-lhes.tnâo obstante, alguns homens, e apoderaram-sede vintecavalos e,da tendi de Tiribaz, com seus padeiros e copeiros,e a mobília riquíssima.iIeiro com pés de prata, vasos de vária ordem.

Entretanto' o campo podia ser acometido, e os capitães dos ho-.•plitas deram sinal de retirar. '

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Na manhã seguinte, trabalhados-pelo receio de que Tiribaz con-centrasse as tr()pas e ocupasse o desfiladeiro antes' de eles: passarem,puseram-se em marcha, resolutamente, com a terra coberta de neve.Tinham bons guias aensinar-Ihes o caminho, de modo que nessemesmo dia acamparam para lá dasserras em queseria perigoso que

".Tiribaz os esperasse. A seguir, sempre à .beira do Eufrates, percorre-ram quinze parasángas 'er.r1 três jornadas. Passaram o rio, cuja nascen-tediziam perto; com ~guaaté oumbigo: E dali andaram quinze para-s'angasem três dias, através da planícieadormecida sob a grande.~amada de-neve. O terceiro dia fQrap~rd~ularmente duro para os.soldados. O vento fustigava-9sdefrente, rrespassando-lhes as carnesate os ossos, lJt:n arúspice sugeriuque se fizessem sacrifícios ao Ven-to. Imolaram-se vítirrias e todos puderamhÇ>t:flr que a nortada abran-dar~'deviol~ncia; A camada de neve. tinha uma ó1J',ia de altura. Morre-rammuitos animais, rriuitos escravos e uns trinta. soldados... ' A noirepassaram-naemvolta de-grandes fogueiras. Havia fartura

de lenha e queimavamsem dÓ~Os últimos a chegar é que já poucaencontravam', Para que osdeíxa~semaquecer davam pão e outros co-mestíveisque traziam. No sítio onde acendiam as fogueiras ficavamgrandes covas escuras, ~eb~rdadasde neve.i Por elas mediam a espes-sura do .nevâo, que era prodigiosa. ". •". Marcharam todo o dia seguinte pela neve fora; muitos gregJs fo-ram atacados de bulirriia; Xenofoniéao 'princípio não percebeu quemal era aquele; mal soube do que se tratava, correu ao-trem e rnan-

, dou reparti! pelos infelizes, prostrados sem forças, o que havia que. . . '. . ..

A RETIRADA DOS DEZ MIL 139

comer. Desde que· tomavam algum alimento, os soldados erguiam-see punham-se a marchar.

Chegou Quirísofo a uma aldeia ao cair da noite e encontrou na':fonte, junto das portas, muitas mulheres e raparigas que estavamà espera de vez para encher os cântaros. Perguntaram aos gregos:quem eram. Responderam eles pela boca do intérprete que tropasque o grande-rei mandava ao sátrapa. E elas disseram que o sátrapa·não se encontrava ali, mas obra de uma parasanga mais longe, E co-'mo já fosse tarde conduziram-nos à presença doregedor, que era':aautoridade principal da terra. Este forneceu-lhe alojamento e a to-;'dos quantos vinham com ele. Mas os retardatários passaram a noite'sem lume e sem comer e alguns não puderam resistir. Na peugadados gregos ia um bando de ratoneiros que não só davam caça aosque se deixavam ficar para trás como faziam mão baixa sobre tudo

, '!ir o que lhes vinha a talho, especialmente as azémolas cansadas. Pela'lliposse delas batiam-se, em seguida, uns cornos outros, a calhau e fa-

;ica. Também ficavam para tr~s aqueles que a oftalmia, provocadapelaf~dtneve; enceguecera, e ainda muitos a quem O frio gangrenara os dedos'·1'?!··..·-· . .

··I~:dos pés. Para evitar aofuscação que causava a neve, punham diante:.....:.gç~os olhos uma espéciede pala, ou sa:rafo preto, sbbret~do quandotI: Iam de marcha; para que os pes se nao enregelassem, nao paravam,~ I~t:um instante, andando de cá para lá, a correr ou em rodopio, e descal-

. ""."1" r~.:'~.I~.l:çavam-se antes d~ se d..eita,r..Se adorme~iam calçad~s, as correia.s en-. ;~"travam na carne e as sandalias gelavam a roda do pe. E acontecia as-.' ~'sim porque eram de coiro de vaca recentemente esfolada, tendo

~~;gasto há muito as de cabedal curtido.

j•';.~.;..::. .Era martiriza~os por ~ais trabalhos que alguns sOl.dados se deixa-~i.vam ficar para tras. Mal viam um pedaço de terra negra, naqueles lu-

,~~:gares em que a neve se fundira sob a acção da água de fonte, aninha-"~ .

,.~ varri-se, recusando-se a ir mais longe. Xenofonte, que comandava.~j como sempre a retaguarda, fazia tudo para convericê-Ios a prosse-

I"~.).;:.~.':guir, entre outras. ra.zões repr.e~en~a~do-Ihes o fantasma do inimigo;~ que marchava no rasto deles sangumano e fero., ~: - Podem-nos matar; não damos mais um passo! - diziam.;~' Xenofonte, então, considerou que a maneira de livrar os pobres sol-

Ilil."dados exaustos das mãos do inimigo era cair sobre o inimigo e fazê-lo%t .

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140 A RETIRADA DOS DEZ MiLXENOFONTE 141

em postas. E pôs-se de emboscada. Fazia já escuro e os bárbarosavançavam às cegas, fazendo grande as suada e despicando-se uns?com os outros por causa das presas. Os gregos, então, atacaram-nos:pela frente e pelas costas; para dar a impressão de grandes forças ....e semear o pânico, os próprios doentes soltavam gritos e batiam com·;as lanças nos escudos de bronze. Tomados de terror; os bárbaros lar-.gavam em todas as direcções, numa fuga louca, e,' nas sombras da '::;noite, o seu tropel foi esmorecendo, esmorecendo, até se perder ao~'ilonge no silêncio da terra, calafetada de neve.

Depois de prometer aos doentes e estafados que no dia seguinteviriam buscá-los, Xenoforitee os seus puseram-se de novo em mar-cha.Não tinham percorrido quatro estádios quando encontra,ammais soldados estendidos na neve, enroscados no capote, sem umavedeta sequer.a protegê-Ios. Mandaram-nos erguer; obedeceram; masum deles observou que toda a coluna se encontrava deitada no chão,nas mesmas condições. Xenofonte mandou os peltastas mais robus-tos explorar o terreno em roda a ver se era verdade. Era verdade,voltaram eles a dizer. Xenofonte, em vista disso, postou sentinelasaos quatro ângulos e bivacou ao pé dos seus, entanguido de frioe sem comer. Mal raiou a manhã, deu ordem para que os soldadosmais novos e fortes levantassem os doentes e os ajudassem de qual-quer modo a seguir para diante.

Foi neste entretanto que chegou.a força encarregada por Quiríso-fo de averiguar o que se passava. Saudaram-na como se lhes trouxes-sea salvação. Tomou conta dos doentes e foi com mais ânimo queos outros percorreram os vinte estádios até chegar ao povo em que seaboletara Quirisofo. .

.Pareceu aos capitães que não havia perigo em alojar-se o exército'pelas aldeias, o problema era a distribuição. Deitaram-se sortes, e ca-da qual marchou à testa da sua companhia para a localidade que lhecoube. Antes, Polícrates, de Atenas, um 'dos graduados, veio ofere-cer-se para ir à frente, persuadido de que o não faria debalde. Aceita-ram e, à testa dum punhado de soldados ágeis como ele, correu à al-deiaque competira a XenOfonte, e foi surpreender os habitantes emseus afazeres, com o administradoi,a filha, casada d~ nove dias, semcontar dezassete potros que estavam a criar e representavam o tribu-.to pagoai:l~almente a el-rei, Ao genro do administrador valeu ter ido

.. , ...

caça das lebres, senão teria sido apanhado na: ratoeira como osais. . "':". . '. ..., .'

As casas eram debaixo da terra; entrar para elas era o mesmo queara um poçovemboraoinrerior f6sseespaçoso.Os animais entra-

. am por corredores em declive; rasgados, no solo; os homens des-iam por escadas. Nesta espécie de antros havia cabras; ovelhas, bois,

, alináceos-e criação miiíçli. O gado era sustentado a feno. Tambémse encontrava ali em profusão trig~, cevada, legumes, e cerveja em ta-

as. Os grãósdé cevada nadavam à superfície e dentro delas mergu-~vani:canas furadas, u~as mais grossas, outras mais delgadas. Paraeber; levavam a cana à boca e chupavam. Tal bebida era muito forte

"'.agradáveldepois .de se es~ar acostumado, .' ..-Xerioforite pôs o àdministr~dor a cear aopé de si, ao mesmo

tempo que sedava atranquilizá-Io, prometendo-lhe que, se guiasse.9 exército até outro povo sem haver novidade, não só o não privaria:dos filhos cornolhe encheriaa' casa de coisas boas para o recompen-. ar do que agora lhe cOiniam.Oarménio prometeu servi-los com li-sura e, por sinal, revelou o sítio onde estava o vinho escondido. Ossoldados, aboletados naquele povo; passaram a noite co~endo-Ihebem e bebendo-lhe melhor, sem deixar de ter de olho o administra-dor e os filhas:

N a manhã. seguin te Xenofo~ te chamou o administrador ..e. foi -se:"apresentai:.com de a Quirísofo. De caminho, se acontecia passar per-'to duma aldeia, torcia um pouco. para visitar os homens 'nela aquarte-:ladose a todos ia encontrar em folganç;l e cornezaina. Aqui, além,!uão o deixavam' partir, sem primeira se haver sentado à mesa com~,eles.E nada ~iifaltava:' cabrito, porco, vitela, frangãos e pãeúnhos de~trigoe de cevada. Tinha também de beber com uns e outros; Leva-vam-noàs talhas; rnetiarri-Ihea cana na boca e toca asorver cervejacomo um' boi: sorve água.durna pia,. Insistiam igualmente como ad-

(ministrado! 'pará corner .e beber.' Más ele, discreta e grave, abanava;acabeça que não. Parecia, de resto, um mosca-morra. Anlri1ava~se,:apenas, quando via algum parente e então pedia licença a Xenofonrepara o chamar para o pé de si. '.' '. .' .•. . '. .' .'

Chegado à localidade em que se instalara Quirísofo, depararam-,se-Ihegruposcie soldados, 'defronte Cingida'por coroas de feno se-

;eo, fazendo-se servir porjovens arménios,vestidos à barbaresca,~,\'

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142 XENOFONTE

E era por sinais, como a surdos-mudos, que lhes indicavam o que ti-nham a fazer.

Depois de trocadas as saudações de estilo: perguntou Q\lirísofoao administrador, pormeio dum língua, em que país estavam.

- Na .Arménia -' respondeu ele.:Perguntaram-lhe depois a quem se destinavam' os poldros, res-

pondendo que ao rei, aquem eram pagos como tributo. E de bomg~ado forneceu todas as informações quanto à terra limítrofe, que era.habitada pelos Cálibes, e qual o caminho que deviam levar para lá.

Depois de interrogado, .Xenoforite foi levá-Io à família. Deu-lhe.um cavalo cscanz elado que trazia; recomendando-lhe que oengor-dasse para O imolar ao Sol, tendo averiguado que os Persaso haviamconsagrado àquela divindade. Em compensação levou os poldros,que distribuiu pelos capitães e seus lugares-tenentes. Os cavalos indí-genas eram mais pequenos que os dos Persas.mas eram mais genero-sos. O administrador ensinou aos gregos como deviam fazer para,quando houvesse neve, estes cavalinhos se não enterrarem nela atéo ventre. Era meter-lhes.as patas em saquinhos atados ao jarrete.

VI

Já lá ia uma semana quandoXenofonte entregou o administradora Quirísofo para o utilizar como guia, depois de soltar a família toda,excepto o filho, que entrava apenas na idade da puberdade e ficoua cargo de Epístenes, de Anfipolis. Era uma espécie de refém que alitinha para ser restituída ao pai no caso de este guiar o exército com

:'lealdade e acerto, Depois de lhe rechearem a casa com tudo o quetraziam e podiam dispensar, puseram-se em marcha, o administradorà frente, através dos campos cobertos de neve, sem nenhuma quali-dade de liames. À terceira alta, Quirísofo tratou-o mal, muito irritadocom ele porque não encaminhava o exército pelas povoações. E em-bora teimasse em dizer que atravessavam um descampado, sem po-vos alguns, o capitão grego bateu-lhe. Bateu-lhe, mas deixou-o soltocomo dantes. E o que aconteceu foiescapar-se na noite seguinte,abandonando o filho à sua sorte. Deu isto causa à única cizânia que,durante a longa retirada, houve entre Xenofonte e Quirísofo, não po-dendo aquele levar a b~m a brutalidade e a imprevidência com queeste se conduziu para com o guia. Quanto ao mocinho, Epístenesgostou tanto dele que o levou para a Grécia e nunca teve que se quei-xar da SUafidelidade.

Com mais sete jornadas de cinco parasangas, deitaram às mar-gens do Faso, rio com um pletro de largura. Andaram mais dez para-sangas em duas jornadas e, quando se preparavam para transpor umaserra, surgiram-lhe pela frente os cálibes com seus aliados táocose fasianos. A uns trinta estádios de distância, Quirísofo mandou parare formar por colunas; E chamando os capitães e mais oficiais, disse--lhes:

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144 XENOFONTE

- Como vedes, o inimigo ocupa os cimos da serra. Vejamoso que temos de melhor a fazer. Por mim sou da opinião que se toquea rancho e, entretanto, assentemos se é hoje ou amanhã que devemosatacar o inimigo ...

- Eu sou de opinião -'- interveioCleanor - que os soldadosranchem e se dê logo a seguir ordem de ataque. O inimigo tem osolhos em nós; se adiamos para amanhã, não deixará de ganhar ousioe juntar mais forças.

~ Que reis saber o que eu penso? ... - disse.Xeno fonre. _::;É preciso combater? Vamos a isso com toda a alma.iAgora se o nos-so objectivo é somente passar, tratemos de fazê-Io, sacrificandoo menos gente possível. A cordilheira tem mais de sessenta estádiosde extensão e inimigos, de vigia, apenas se vêem os do alto. Não valemais ir por qualquer portela que não esteja defendida, sem o inimigodar conta, que atacar um lugar fortificado por natureza e onde seconcentram forças dispostas a resistir>! Sobe-se mais facilmente ummonte escarpado, sem inimigos a combater, do que se palmilha umterreno plaino, quando o inimigo nos acomete por todos os lados.Vê-se melhor de noite onde sepõe O pé, quando nada há a temer, doque de dia, lutando; e cansamo-nos menos a trilhar um chão pedre-goso, quando se vai sem inquie~de de espécie alguma, do que quan-do o nosso rico corpo está em perigo. Neste nosso caso, não mepa-rece impossível passar-se a gente à socapa, sem dar cavaco, muitomais se estivermos dispostos a fazer um bom rodeio. De resto, pode-mos simular um ataque aos cimos, 'de modo a atrair quantas tropashaja pelas serranias. Mas, agora reparÇ>,atrevi-me a falar da possibili-dade de nos passarmos para olado de lá, pela sorrelfa, diante dum Ia-cedernónio como é Quirísofo!? Que heresia a minha! Não é verdadeque desde meninos sois educados na escola do furto ou da destreza,que é a mesma coisa? Os latrocínios, que a lei de Espartanão proíbe,são para vÓs motivo. de glória em vez de vitupério. Para chegardesa mestres na arte de escamotear e perdes-vos ao fresco sem ninguémdar conta, apanhais a vossa chicotada, se a lição não foi bem aprendi-da. Eis chegado o ensejo, Quirísofo, ele nos mostrares os frutos daeducaçãoqueiecebeste. TemcuidadC; que não sejamos surpreendi-dos a fraudaro inimigo ou trabalha o arrocho.

A RETIRADA DOS .DEZMIL 145

- Também ~ã6' é novidade para ninguém ~. replicou Quirísofo'- que os Atenienses são exímios-a roubar.oeráriopúblico; por mui-to grandesql,le sejam os riscos a correr, e que. os mais distintos são osque se mostram cons\].rnados em 'talãrter se é certo queriavossa Re-'pública elegeis para magistrados os mais distintos.Porta11.to, Xeno-fonte, tens tanto como .eubelíssimá ocasião para mostraras tuasha-)ilidades. '.. .....•.'. ..'

-. Está dito -'.: tornou Xenofonte, -'-'Logo que se ceie estoupronto a ir com urna força enga.naro inimigo; roubá-lo emseuscál-

. .

culos, ocupando-lhe a posição ql.1-enão esteja guardada. Pude deitara mão a alguns,ciOs larápios quevinhàm no nosso rasto. Por eles seique há várioscarriinhos para. atravessar a serra. Vão e vêm por elesdas pastagens rebanhos de cabras e manadas de vacas; Qualquer por-

, tela; de resto, nos serve para passar. Estou em crer que maIo inimigo..nos aviste num' dos cimos, larga, e abre-nos passagem, pois não sehâ-desentir com forças para se medir corinosco em rasa campina.

- Mas porque hás-de ser tu que vaise deixas a retaguarda>! bes-taca uma força, dado quese nãoapl'esentemvoluntários _. objectouQuirísofo. '.. .• .•• .... .

Ofereceram-sé logo Aristónirno, de Metídria, com os seus hopli-'tas, e Arísteas, de Quio, e Nicómaco, de Eta,com os peltastas. As-;.sentou-se que mal chegassem ao alto dessem sinal por meio duma fo-; gueira. Tudodet<;rminadó, cearam. E Quirísofo, para dar a impressão. de que o ataque era por aquele lado, mandou avançar o exército atéi dez estádios do inimigo.

Já noite fechada, o destacamento abalou, tomou pé nos altos, en-quanto o exército, cornofora combinado, ficava no campo, sem bu-lir. O inimigoteve indícios de que os gregos subiam a serra) mas, nãosabendo por onde, limitou-se a acender fogueiras e a red.obrar de vi-gilância. Na m~nhã' seguinte, depois de fazer holocaustoaos. Deuses,

li' Quirísofo pôs-;ee~in~rcha. Enquanto o destacamento, que durante~l.•i~. '} a noite se,apoderara dos.c~~~s; av.ançava pe.Ía cu~eada; ele avançava~'.' pelo camLn,h?velho: Ounimigo atirou-se.sem hesitar con~a o desta-

jl' carnento enja pelejas erravou. Os gregos .levararn o~ bárbaros de,li vencida, q~:fugiram destroçados Bara :odos os ladosvAo mesmo.'1 tempo QU1t1sof? assaltava com os hoplitas o altoda serra, que era

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'ápOsiçãO"pt;ih~ipal do inimigo, Masclestnoralizadocoma derrota so-frida poucoanté~,nãoaguardou o embate. Debandou, não sem quedeixasse no caminho muitos mortos e feridos. Nosdespojos c;:ncon-traiam os gregos grande quantidade de escudos, que foram destruí-

.dos pará não ,voltarenimai~a aproveitá-IosvUrna vez nocoruto daserra, sacrificaram aos Deuses e ali elevaram umámemória. Meteramem seguida; para a planície, em que nãof;;J.ltavam povoações be~'abastecidas de tudo ... , .

VII

Ao cabo de cinco jornadas de trinta parasangas, chegaram ao país;"dos Táocos. Não havia que corrier, pois estes bárbaros moravam; dentro de praças fortificadas, ali tendo suas adegas e celeiros. Depoisdum extensíssimo ermo, despido de todo de povos e de casas, o exér-

:., W" . .. .0:' ;~;?cito chegou a um castelo dentro do qual se tinha refugiado com os..~'~~rgados grande bandada de homens e de mulheres. A necessidade dos

.::~~:gregos era grande e Quirísofo mandou atacar. Sucessivamente três,/ t,· divis~es rompera~ ao assalto, mais depress~ se c.ansando que vencen-:,'.i~:do a rngreme ladeira ~o alto da qual se ergwa a cidadela de rocha. En-::'::Wi~ tretanto chegava Xeriofonte com os peltastas e hoplitas da retaguarda .

.. , ",\.t , . .'. , A •,:,ir - Vens a propOSItO - disse Quirísofo. -,- Ves esta fortaleza ...?'~.j:rSe não conseguimos tomá-Ia, morremos todos à fome.:;~~' - Qual a razão por que se não há-de tomar? - observou Xeno-....~~..".. \~' fonte .•. ~; - Só tem este mau acesso. Mal as tropas dão um passo, aqueles;1..~I;'malditos deitam pedras a' rolar por ali abaixo que esborracham quem: -foi.., apanham. Queres ver?i/i. Mostrou-lhe dois gregos que estavam num feixe, costelas e per-

,"{},> .. ~\ nas paradas.~l-Se gastarem as pedras que têm, haverá outros obstáculos que

'.! ~;, nos impeçam de lhes tomar o castelo? - inquiriu Xenofonte. -',I.' Homens :rmados vej~ apenas uma ~eia dúzia ..O espaço exposto. às: <"",;', pedras nao mede' mais, como se esta vendo, de um pletro e mero,;~, . ..~ ..;

:' frf~.' dois terços do qual estão a pinhal. Se os homens se abrigassem por..;:" detrás das árvores, decerto não eram atingidos pelas pedras, tanto as...• .

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148 . XENOFONTE

que os inimigos atiram de lapada como as que deitam de corricão.Fi_caria assim, como espaço perigoso, coisa de meio pletroque teríamosde atravessar mim rufo, malas pedras deixassem de chover.

~ Mas até chegarmos ao pinhal, quem nos livra delas? - objec-tou Quirísofo.

- Ouve, quantas mais pedras nos lançarem daqui até o pinhal,menos têm para nos lançar depois. Tudo se resume, em seguida, em;ir desde o pinhal até as muralhas. Nas muralhas devemos ir direito ao (f

ponto' que rios ficarmais perto, tanto menor sendo desta forma o es-.paço, quer para assaltarmos, quer para bater em retirada.

Quirísofo eXenofonte escalaram.ide concerto com Calímaco, deParrásia, que nesse d1a comandava as coortes da retaguarda, a encostaabrupta, a meio da qual o terreno eraarborizado. Uma vez aí, procu- .raram abrigar-se com 'as árvores.' Seriam setenta homens e começa-

. rarn à avançar não em monre.unas um a um, cada qual olhando por sio mais .quepodia. Agásias, de Estinfalo, e Aristónirno, de Metídria,oficiais da retaguarda, tinham fic~do à desbanda, pois as árvores não

. podiam servir de amparo a mais de uma coorte.Calímaco, entretanto, suspendera a marcha e por detrás duma ár-,

vore pusera-se a negacear com os bárbaros. Dava dois, três passosà frente, jogavam-lhe uma saraivada de pedras, e ele num ápice me-tia-se detrás do tronco. Repetiu muitas vezes o estratagema ede cadavez era uma carrada de pedras, que voavam por cima dele. QuandoAgásiasviu que CaIímaco, alvo de todos os olhares, acabaria poresgotar os projécteis quehaviana praça, receou que não fosse eleo primeiro a entrar os muros, e sem chamar ninguém, nem mesmoAústónirrio, que estava ao lado dele, e Euríloco, de Lúsio, seus ca-maradas, lançou-se ao' assalto. Calímaco, porém, vendo-o passar,agarrou-o pelo bordo do escudo. Entretanto Aristónimo, seguido deEuríloco, passou-lhes adiante. E; excitados pela emulação, todos osguerreiros se precipitaram para a cidadela e de arranco a entrarame tomaram.

Assistiram então a um espectáculo terrível. As mulheres lança-vam os filhos do alto do rochedo e precipitavam-se logo após, segui-das dos. homens. Eneias, de Estinfalo, avistou um bárbaro, luxuosa-mente vestido, que corria com o desígnio de se atirar ao abismo.Quis segurá-Io. O bárbaro, porém, deu um empuxão, ambos caíram,

A RETIRADÀ DOS DEZ MIL 149

'dá foram, saltando de penedo em penedo, até O fundo do precipí-ia. Poucos prisioneiros fizeram. O gado que encontraram é que foirn abundância;

Em sete dias andaram sete, parasangas através da terra dos Cáli-es, povObelicosO~com o qual mais de uma vez tiveram de lutar.

, savam couraças de linho que lhes 'desciamaté.oquadril, com franjae corda ao redor; traziam capacete, safõese um estoque à cinta noénero do dos Lacederriónios~ Com ele degolavam os prisioneiros,ujas cabeças levavamcorno troféus, cantando e dançando quandoabiarnqué eram lobrigados.pelo inimigo. Andavam, ainda, corri uma

< nça ao Ombro, dos.seus dois côvados e tal decomprim~nt6. Ha-iam-se trancado rias suas povoaçõesmuradas e, apenas viam os gre-os pass.ar.adiante, saíarna persegui-tos; contra-atacados, recolhiam .

ãs praçasfortes, em que faziam recolha, ao mesmo tempo; dos pro-lutos do solo. Os greg6satraves~aratn· a sua terra, não tendo mais .rue comer alémdas reses que tinham pilhado aos Táocos. ..... .

Dalid~itàtám aorioHârpaso.rcom quatro pletros deIargo. En-raram.em seguida, narerra dosCitas.tandando viriré parasàngasernuatro jornadas, sempre planície, e durante três dias tiveram arraialm aldeias fartas de tudo.iSernpre paraafrente,em vinteparasangas. cançararn a cidade: de Gímnias, t~Q opulenta corno populosa. O go--ernador ofereceu um guia aos gregos, pq~artbmouo cornprornis-o, sob. pena de lhe .cortarern a cabeça, de levá-los num prazo decin-o dias a·sítiodonde veriamomar. Puserarn-se :a marchar com essa

.sperança,' mas o homem levou-os através dum povo que ~nda~a deixa c~módeie,eo ~euprimei~oi:uidado fOI incitá-Ias a destruirincend~ar a cornarcá ..Donde se viuqu~: s~septesta,,:áa servir <j>s

_ egos nao era pm amizade; mas para utilizá-loscorno instrumento,trioódio que tinha aos daquela raça. '. .....'.. ' .. " •...... ." .. Ao quinto dia chegaram ao monte santo denominado Teches, Os

primeiros que subiram aOcimoromperametngr~nde clamor. Ao ou-(vi-Ios,Xenqfonte, que estava à retaguarda, supôs que novos inimigos:investissem com atesta da coluna ..Traziam à perna, com. efeito, -os;habitantes a que tinham incendiado assearaa.Táarmando-lhes em-'boscada, as forças da-retaguarda haviam matado uns, aprisionado ou'tros, tornando-lhés uns vinte escudos de verga, .recobertos de coirode vaca como pêlo parafora.

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15.0 .XENOFONTE

-.Os gritosaumentavam. de' in~ensidaÇleâm~clida que mais solda_dos chegavarna;pin~' do monte. E, chamados por aqueles, Outrosd.eita~amparaláa correr, em bandos, singularmente, e mais a.aSSua_da recr:udescêu.X~nofonte teve 'de admitir que alguma coisa de ex.

.traordinário se .passava; montoua cavaloec.fazendo sinal a Lício, lan-. .çou-se, seguido do seu,esq~a'drã9 de ginetes, oiteiro acima, à tédea

solta. Não tardou que percebesse-as VOZes:o mar! o mar! ao passo queos soldados se abraçavam unsaosoutros, ébriosde alegria. Entãoo resto do exércitovinfantaria, cavaleiros, trem, deitou a correr em

-.peso para o pino do monte, Eà vista do mar sem fim, foi um delírio,Os soldados' pulavam, cantavam, punham-se -achorar como' crianças,Beijavam os capitães e oficiais, ea exultaçãonãó tinha limites. De re-pente, sem que ninguém dêsseorcie~,cadaqualcorieu a buscar pe-dras; com das elevaram ummontículo, sobre que' depuseram, em

,guisa de Oferend.a aos Deuses, muitcscciros de vaca ainda por tanar,bastões e escudos de verga.conquistadosaoinímigo. O guia, à medi-

, da>que os gregbsaj1,lritâvai:nestestr~féus, ia-os fazendo em bocados'e exortava a todos a fazerem o mesmo, para que não tivessem maispréstimo,Ofereceiama este hornemçdo rrtonteCOITlUm,um cavalo,

, urna taça de prata.. urna roupa à persae dez dáricos. ,Do que mais' seagradou foi de anéis; errtuitos soldados deram-lhe o~que traziam ~osdedos. Ensinou, ainda, aos gregos uma aldei~ em que podiam acam-par e o caminho que conduzia à terra dos Macrões, e, 'quando baixoua noite; fez os seus adeuses 'edespediu .. '

VIII ,

. '

Andaram dez parasangas em três jornadas pela terra dosMacrõesdentro. Logo no primeiro dia chegaram à ribeira que faz estrerna en-tre eles e os Citas. À mão direita estendia-se um terreno áspero e bas-tanteíngreme, à esquerda serpenteava o rio em que vinha lançar-seo riacho queserviade raia entre os dois povOs:N as margens, er-guiam-se processionàlmente duas filas de árvores alrasrdelgadase bastas. Os gregos, parapassar, puseram-sea cortá-Ias com grandedesembaraço, na pressa em que estavam de sair dali para fora. Do

~'.outro lado do riacho' os' macrões esperavam-pos, formados em linha:fir:' de batalha, armados de lanças eescudós de verga; e com baios de cri-

: ....I:I~.~.,i;.'=. ~ncorajavam-seuns ~os .outros e..iam =do pedra.s por .cima':f.;, do no. Mas as fundas nao unham alcance bastante para as pedras

.:..': :;t#Ji. ..: :1%; chegarem a ser pengosas..: ?'~~' Foi então que um peltasta, que diziam ter sido escravo em Ate-.}~;nas, veio ter com Xenoforite e disse-lhe que conhecia a língua dol~ .'J'~; gentio.

w: - Ou eu muito me e'~gano ou estamos' na terra em que nasci -I·!.~(acrescentou. - Se .não achas mal, vou falar com estes bárbaros.

!I:'-~" "~;; - A vontade -, respondeu-lhe Xenofonte. - Vê se sabes que

JJ~ espécie de gente são. Fala-Ihes já daqui... . .::t: O soldado formulou a pergunta na aravia, que presumIU ser a de-.'i;'':::',f' les, e eles responderam que eram macrões.'t:,' - Porque é que pegam em armas contra nós? - tornou a dizer:f( Xenofonte. '

- Porque lhe invadimos o território - volveu a dizer o soldadodepois de falar com eles.

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I

IiII

152 XENOFONTE

.- Afiança-lhes que não temos vontade nenhuma de lhes fazermal. Só temos um empenho depois de ter feito guerra a Artaxerxes:voltar i Grécia.

Após muitas perguntas e respostas, inquiriram os macrões se osgregos estavam dispostos a dar um penhor das suas boas intenções..E corno se lhes respondesse que estavam prontos a dar e a receber,osmacrões entregaram aos gregos uma lança, que tal era a etiqueta'

..quandose juravam paz. Dos dOISlados se invocou o testemunho dasdivindades. . .

Concluído .o tratado, osma~rões cortaram de sociedade com osgregos as sebes que era preciso para lhes dar caminho. E, não recean-do mais ver-se no meio deles, forneceram-Ihes por dinheiro quantosmantimentos quiseram' e guiaram-pos, durante três dias de marcha,até os montes da Cólquida. Foi num destes montes, alto emboraacessível, que os colcos apareceram formados em liriha de batalha.Os gregos dispuseram-se em falanges, prestes a escalar o cerro e cairsobre o iriimigo, mas, antes, os capitães acharam por bem ventilara táctica que convinhaadoptar. Xenofohte foí de parecer que seavançasse contra o inimigo por manipulas, dada a dificuldade que ha-via, como terreno acidentado) em manter outra espécie de formatu-ra. Podia acontecer ainda .que, avançando em profundidade, fossemenvolvidos pelo inimigo, que dispunha de muita gente. Oferecendofrente muito vasta, não eram também pequenos, por outro lado, osinconvenientes. Podia a linha. ser cortada, o que não seria para admi-rar com a profusão de inimigos, tendo a possibilidade de arremessarchuveiros e chuveiros de dardos. E se a ruptura se desse, toda a linhada haste se ressentiria indubitavelmerite. A táctica mais recomendá-velparao casoconsistia, portanto, em lançar ao assalto colunas deinfantaria, espaçadas o que. basta para.ultrapassar pelos extremos asalas do inimigo. Deste modo poderiam envolvê-Io e as melhores tro-pas gregas de choque dese'nvolver toda a sua vis. Infiltrarem-se osbárbaros por entre as colunas não lhe parecia possível; seria sujeita-rem-se a ser atacados de flanco pelos dois lados. E cortarem eles ascolunas,projectadas em cunha, muito menos. Admitindo que umadas colunas cedesse, outra lhe prestaria apoio. E desde que a primeiraunidade tivesse atingido os címos, fatalmente o inimigo era desaloja-do da serrá.

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A RETIRADA DÓS DEZ MIL 153

Adoptaramésteplanoe a hbstef9i.distribuída· em colu~.as. .x-.ofonte, antes dea trombeta dar o sinal,' foi dumas para as outras, di-endo: '. .....•.. ' . '.: . .... .. .

. - Camaradas; aquelagente éolilci.mo empecilho que nOS testavencer. Teh;c;~cJl.iefa~ê~16s emestilh~s. . .... . .' '< .

Ordenadas-as colunas~contar~m-seoite~ta,~ada u~a dec~m ho~ens,tud~irifaritaria pesada, Os peltastase archeirosformararnem

três corpos;.a um' foidestinadaa ala direita do inimigo; a outro, a alasquerda;ao ter~eir6,~centro.Cada corpocompunha-se duns'. seis-

ceritoshomen:s>, . '. . .,'. Os capitães Invocaram os Deuses; de peàn ria boca os. soldados\âbaláram a passodobrado. Quirísofo e.Xenofonre, à testa dos.peltas-'tas, romperam em acelerado a contornar as alas do inimigo. Este,vendo-os, precipitou-se ao seu encontro, inflectindo paitesobtea di-'reita,paÍ:te sobre a esquerdaydesternodo se cavando ao centro um'ya~io imerisoiF oipor isso que aos pel tastasárcadesçcornandadospor 'Ésquines.rde Acarnânia, se figuro~'qtie6s'çolcos fugiam em de~.bandada, E c6(reip~hl seúaacima, entre aitos grirbs, foi obra dum'instante. Foram eles os priméírosque chegaramao alto. Seguiram-se--lhes os hoplitasárcades, sob o comando de Cleanor.vdeOrcórneno.,:Apavoradoseomarreinetida tão inttépIda,os bárbaros vacilaram 'l~minstante e lançaram-se: em fuga desabalada; ,

Na serrá havia muitas aldeias, ricas.e fartas. Os grego,s alojaram--se nelas e o que mais os espantou foi a grande quantidade de enxa-

" mes de abelhas que havia pelas quebradas. Ecomose pusessem a co-. '. ". . .. .

:~~"meros favos à boca cheia, veio-lhes grande .desmancho do corpo, ..~i acorripanh~dó' dedelíriorV órnitos .~.dise~terias enfraquecéram-rios .'

'!:,I:,j;:~;oaq;:o~,a:l;:r~~i~:m.é,.b~,~o,:,;:'~~,r::,~ti~~, :i:,~,~~~::~:.r.~:~,a~:U.~"'1.;;.ldelade loucos furiososede quem Ia, dum momento pamo outro,••;~{j,exalaro último,sopró. Qs Soldados deita,:,"am-sé no c~ão a.ocompr!-,h~do; como depois duma derrota, tomados de desfalecirnenro. No dia:i<seguinte ao da ingestão dos favos, ninguém, porém, tinharnorridorI e o delíriocessouquase à mesma horaem quêti~ha começado na .. ~·l· '. . ..... .... . .:...,'1véspera. No terceiro e quarto d~a,levantaram-se fatigados, como se

-: ~: acabassem de tomar grande medicina, -. . ..

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154 ·XENOFONTE

D~li, andaram sereparasangaserndU<l:s-jornadas e chegararn;~a Trebizonda, cidade 'grega, sobre o Ponto Euxino, na Cólquida.uma das colónias de Sinope, eaí acamparam coisa de mês, pilhandono Interior. Osrrebizondinos, que à chegada Ihes trouxeram de pre-sente muitos boisrfarinha de cevada, vinhos, .costumavam ir feirar ..dentro do arraial. Por isso fácil Jhe~' foi servirem de intermediários }'en~re os greg()~ e oscoI~os, queacabaramporoferecer, em sinal dê-"hospitalidade, osbois da praxe. ' . • ..,..... . ,

, Os gregos, a certa altura, trataram de preparar o holocausto quetinham prometido à divindade. Tinham bois desobra para sacrificai-a Ze~s, salvador, a Hércules, qu~ tão bernos guiara, e aos outrosDeuses benignos, Realizariam também jogos de força, e Dracônciode Esparta/foiencarregado de prepanir as COrridas e presidir à luta:13,stegregotinhasidobanido da suaterra,descle criança, por ter invo.hmtaria~entematado um amiguinho da, sua idade, brincando com

. um punhaL .... ' ." ' .' ' ', No dia determinado, celeb~ou-s~o holocausto. As peles das víri-

mas foram dadas a Dracôncio, após. o que levou os corredores para, '..a pista designada, . " . '..' , ' , . ... .

.- Aqui? ,_.-. observaram~rhe,ante o terreno que era irregulare arborizado.';,

- Aqui, pois então. Melhor sítio não podia haver para se correrem qualquer-direcção. Quemcair, melhorse~tirá a queda.

Mocinhos, ria maior parte prisioneiros; tomaram parte' nas corri-das; cretenses em ~úmerosuperior a ses~entainscreveram~se na CO[-

°fida do, dó/ito;· outros jogavam as 'lutas, opugilato e o panc.rácio. o es-pectáculo decorreu com entusiasm~igalhard;a, é a maior e mais lealemulação.' Houve ainda corridas de cavalos; os cavaieiros desciamaescarpa abrupta e na orla clapraia;junto do altar, viravam de rédea.

. -.Quando desciarrr. uns rolavam por cima dos outros; a subir era a pas-··so eimpando que os cavalos o faziam. De todos os lados se ouviamgritos, risos, irnprecações, uns' que exortavam, outros que escame-.ciarn,

LIVRO QUINTO

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I

. Os soldados.reuniram-se em assembleia para decidir O rumo que'deviam daràvicla:Antileão, de Túrio, foi o primeiro a ter a palavra:

- A minha. opinião; camaradas, é que·estou farto de andar com; a mochila às costas, de rnarchar.rde correr, de carregar as armas, an-dar na forma, fazer guardas, batalhar. Uma vez que estamos à beira--rnarçp orqu einào .hei-dé tomar um navio echégar à Grécia cornoUlisses, deitado na tolda, de papb para o ar?

Estas palavras levantaram grandé algazarra; os soldados gritavam:-'-' Assim é que élVamos por mar!. . .. . .. ...Um segundO o~ador ~bunc:lou nos votosde Antíleão,de modo

!tnais concreto ainda. 'Aplaudiram todos. Quirísofo ergueu~se depoise disse: .. ... ..... .

, - Gregos, s~u amigo dei\naxíbi6, que ocupaagot'a o posto dealmirante: Se assim oentenderdés, vou ter com ele de vossa parte,e espero voltar corri as ,trirremes e transportes necessários. Üma Vezque quereis embarcar, só vos digo que espereis o meu regresso; con-.to demorar-me pouco.

Os soldados deram palmas.eassentaram que Quirísofo sepuses-se de velas o maisceclo possível. ,

Após ele falou Xenofonte:- Enquanto Quirísofo vai buscar os navios, bem entendido que

.ficamos aqui. Por isso,quero falar-vos do que convém fazer neste'meio tempo. Primeiro que' tudo., temos que ir, procurar mantimentospor essas terras inimigas, onde os haja. O.que aparece no mercado

~nãobasta, e poucos são dentre vós os que esÚo nas condições de pagar

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II

I

158 XENOFONTE. . . . . ,

com o ricoclinheirinho do seu bolso; Se fôssemos por mantimentos,.sem tomar as devidas precauções, é natural que nós saísse caro. So~e.de parecer, pois, que se pilhe o vizinho, que se vá pela comarca den-'1tro att onde seja mister, mas quecom outros fins ninguém ar'rede p~_'ra longe, já que tais digressões nos podem ser funestas. Pilhar, sim,mas em.bando.. .. J '

O alvitre foi aprovado.· E Xenofont<;: tornou:-. Ouvi: ides à pilhagem, pois que riãÓhá outro remédio. Paia

desejar, pórém,équ~ todos aqueles ,q~e.se proponham fazê-Io pre~i-namosseus.ç~pitães.e digam aonde vão, Deste modo ficaremos de .atalaia para o que dá e vier: Emcaso de hecessidade saberemos aoo-

'.de acudir. Por outra/pode acontecer que algumas cabeças esturrad~s·e sem experiênCiamaquinemqualque~ empreendimento arriscad~;e bom que antes ouçam os conselhos e idvÚtências de quem os pó-de dar; Port,antQ,nadadedi~simúláçoes ..: '" .... . •

Estesegundo alvitre foi aprovado' Úmbém. E Xenoforite prosse.guiu' '. . ': . . :

.'.. -'.: Considera! agora oseguinter o Ú';.imigÓpode cairsobre o nos-·so campo e fazer as presas que puder;. está,no seu direito. Fomos nos'..os primeiros que pilhámos o que era dele. Mora nos altos, é-lhe fácil,pÜisnós.estamos cános baixos, Por isso éabsolutamente necessáriopostarsentinelas em voltado campo. Se estivermos de alerta, poucas .probabilidades ficarão ao inimigo de nos. colher de surpresa. Outroponto ainda para que chamo· a vossa atenção: se tivéssemos a certezade que Quirísofo voltava com os .navios suficientes para nos trans-portar, bem ia. Mas suponhamos que não. Neste caso há toda a van-tagem em arranjarmos nós mesmos o maior número de navios quenos for possível. Se Quirísofotraz ~lguIlS,.com os que cá estejam,poder-se-à fazero transporte do exército-à vontade e comodamente.Se não trazçremediár-nos-ernos comosnossos. Ora, daqui vêem-sepa~sar muitosnavios ao largo-da cost~:A q~estão é que Trebizonda'ponha à.nossa disposição algumas naus deguerra. Com' elas iríamosCaçar os navios mercantes; e guar~a:-iOs~iamo~aqui, tirando-Ihes os.lemes.raté que tivéssernos-número suficiente, Que dizeis?

AprovaramíncondiCionalmerite tal~lviti:e.' .· -..-. E uma. vez que estais deacordo ~ proferiu - parece-me

•.~quitativoque Osgastos de alimentação' co,maúipulaçãodos navios,

A RETIRADA DOS DEZ MIL 159

ue venhamos a requisitar, sejam custeados por nós e se fixe de ante-'" ão o salário que os homens hão-de ganhar na travessia para a Gré-cia; eles para que não percam, nós para que saibamos com que temosa contar. Sou ainda de parecer que; para o caso em que não se apa-nhem os navios mercantes necessários, se convidem as cidades marí-'cimasa consertar as estradas que estão em mau estado. O terror queinspiramos e o desejo de se verem livres de nós levá-las-ão a anuir ao;oosso pedido. . .

Puseram-se todos a gritar que não era preciso consertar os carni-.nhos. Xenofonte reconheceuqJlanto' havia de cegueira naquela assua-~:da,mas não recorreu à votação. Em segredo soube mover as cidades,marítimas a empreender o arranjo necessário das estradas, persuadin-;do-as de que quanto mais depressa elas estivessem reparadas mais;:depressa se desembaraçavam deles, Trebizorida pôs às suas ordens:um navio de cinq~en'taremos, cujo comando confiaram a Dexipo, da~Lacónia. Mas este, mal se apanhou a bordo, desertou do Ponto Euxi->no. Teve mais tarde O prérnio -r= merecia. Envolvido numa intriga.da corte de Seures, na Trácia, foi morto por Nicandro, seu compa-triota.

Além daquela nau, conseguiram os gregos que lhes fornecessem,.outra de trinta remos: Ficou a comandá-Ia Policrates, de Atenas, que(arrebanhou .não poucos navios para Trebizonda. T'iraram-Ihes a car-(ga, que desembarcaram e puseram, abom recato; com os navios cru-zavam, por sua vez, ao longo da costa. .

Entretanto, os soldados saíam a pilhar, com êxito umas vezes,outras voltando com as mãos a abanar. Cleeneto tentou uma opera-ção deste généro com gente sua e a d~m oficial seu amigo. O posto. . . , . . .

. inimigo era de difícil acesso; e ali deixou a vida e muitos dos gregos

..que o acompanhavam. . .'

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II

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'. A RETIRADA DOS DEZ MIL. . 161 .

Como faltassernrnarrtimentos .e fosse impossível aos soldados irpor eles e voltar no mesmo dia, Xenofonte tomou guias em Trebi.zonda e, deixando metadedo exérci to no campo, dirigiu-se corria outra metade contra os Drilas. Era forçado a tomar estas disposi-ções porque os Colcos; expulsos de suas casas, ao primeiro descuidocairiam sobre o arraial. Os guias não lhes ensinavam lugares perto,onde seria fácil abastecerem-se, por esses lugares fazerem parte deterritório amigo, mas de boa vontade os levaram aos Drilas, de qt;emtinham razões de queixa. De todos 'ospovos ribeirinhos do PontoEuxino eram estes .os mais belicosos; a região era acidentada e agreste.

Os gregos atravessaram a raia e logo os Drilas começaram a reti-rar, ao mesmo tempo que iam queimando tudo atrás deles. Um pou-co de gado, porcos e, mormente, bois; foi tudo quanto puderamsalvar do incêndio. Mas os Drilas tinham a sua capital, onde se re-fugiavam e depositavam as riquezas, e os gregos deitaram-se lá.Dir-se-ia uma praça forte, protegida por uma ravina bastante profun-da e abrupta. Precisamente, estavam eles a recolher dentro de murosas manadas de gado e os carreros de coisas mais preciosas, quandoapareceram os peltas tas. Estes tinham-se adiantado os seus cinco ouseis estádios da coluna e, assim que viram toda aquela azáfama na

. . .metrópole dos Drilas, não estiveram com meias medidas. Atiraram--se para a frente e toca a assaltar a praça. Seriam, ao todo, com os do-ríforos, ou carregadores de saque, obra de seus dois mil homens, for-ça insuficiente para o cometimento, pois se tratava duma espécie de

cidadela, com fosso, e tranqueira de pausflanqueada de torresde ma-deira. Tanto assim que, depoisdeter passado a ravina, pensaram' emretirar. Mal porém: .viravam costas, os 'Drilassaltavam-lhes às canelas;

.'fugir, mesmo, não podiam por O caminhoatéa ravina ser tão estreito:que não cabia mais que um de frente. A situação tomava-se crítica, e mandaram recado a Xenofonte que marchava com os hoplitas.

O mensageiro foi a 'correr e disse -àquele.capitâo: .- A infantaria; ligeira está às portas dá praça, cheia corno um

, ovo de vívere.:>e.coisas boas ..Mas. não pode avançar, porque não se:.sente corri forças. para isso. Ainda o pior de tudo é que; se não pode'.avançar mtiitonien,ospodei:et:roce~er, que os Drilas não deixam.'·'

Xenofonte, depois de se informar circunstanciadamente do que(ocorria, levou ~suagenÚ: até aborda do fosso. Uma vez ali mandou.;descansat armase CQm os oficiaisaperias.passou a ravinarEntre eles;'perguntavam-sé qual-era-preferível: ~andai .retirar ospelrastas ou·avançar com a.infanrariapesada e acometer a fortaleza. parecia im-·possível recuar sem perder. muita gerite, enquanto que tbnia~ a praça(não se afiguràvaaosoficiais coisa do outromund6. Xeriofonte f6itambém deste parecer! tanto mais que as vítimas, corisultadàs pelosarúspices, davam .bom vaticínio, emborali:6uvesse .luta. Erncumpri-mento de tal resolução, os oficiaisde hoplitas ocupar.am-se em fazeratravessar aravina àsua gente enquanto Xenofonrereagrupava os .pe1tastas, fazendo-Ihesrnarcár passb ao pé de si. Assim que a .infanta- .ria pesada chegou, mandou que cadaum dos oficiais dispusesse a sua

"coluna pela maneiraque lhe 'parecesse mais eficazçcómissoquerén-do estirnular-Ihes .aernulação e espírito de iniciativa. E, enquanto tal

. disposição se efectivava, .de~ voz~os peltàsraspara que avançassem,a mão na correia do dardo, aos archeiros que tivessem a seta sobrea corda, aos gimnetos de terem a patrona bem cheia de pedras, demodo a poderem. arremessá-Ias sobre O inimigo à primeira-voz.

· Ultimados os preparativos, oficiais e soldados a postos, à vista to-,.dos uns dos outros por' a conformação do terreno Ihesimpor a for-matura em crescente, cantaram o peàn.Àtrombeta, seguidament~,

,deu sinal e as tropas lançaram-se à frente a passo dobrado', soltando·gritos de guerra. Dardos, setas, pedras de .funda e pedras jogadas·à mão riscaram o ar como chuva torrencial. E não faltaram tições in-, flamados atirados para as torres.

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162 XENOFONTE A RETIRADA DOS DEZ MIL 163

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. .Perante tão intensà acometida..o inimigo desamparou tranqueirae torres, e Agásias , de Esrinfalo, e Filoxeno, .de Péleno, despirama couraça para poderem saltar dentro; outros seguirani~lhes o exem_plo, içando-se ao ombro uns dos outros. Assim puderam penetra- nacidadela. '. ". ....: . . '. '.. ..•...•......'.'.'. . Uma vez ali, sem esperar maissinalIançaram-se de roldão, acuti.

Iando e.deita~do a unhaaO queencontravam, A título de prudên<;ia,Xenofonteconservara-se as portas, segurando consigo o maior nú-mero possível de soldados. Em verdade,n:ão tardou muito que gran.

. de-clamor soasse. Ao mesmo tempo, os soldados fugiam de dentro,uns carregados, outros sem, nada, muitos deles feridos. Que era, quenão era, apurou-se que haviaurriredl.itci no interior da praça; do-qualtinha irrornpido ilú!spe~adamentecop.traosgregcis grande e alentadaforça deinimigos, '. ": .... .'..' .. . Xenofonte, então, mandou publicarpelo arauto Tólmides quetodos aqueles que quisessem exercer o direito do saque, podiam fá-zê-Io; entrada franca: E logaúma vaga ci.e gente se precipitouJparadentro da praça, fazendo recuar os fugitivos e empurrando os perse-guidores na sua dianteira até refluírern para onde vieram. Tudo o que

". havia fora do forrirnFoi pilhado numa voLta de mão, ~ontinuandoacertadamer;teôshoplitáspostàdosnos c~~itü~Osea guardar a tran-..queira: Entretanro, Xenofonte e os oficiais i~quiriram se havia OLI

não maneira de 'tomar o reduto. Se havia, era a retirada asseguradaa são e salvo; se'não, a reti;ad;iafigurava~se-lhes extremamente peri-gosa. Depois de demoradoexame ,co~ciuírám que não havia nadaa fazer, etratararride preparar a retirada; 'Arráncararn as estacas datranqueirae mandaram adiante os gregos quejá ali não eram de ne-rihurn préstimo, .as pessoas can:'egáda~corri Osaque, e a maior partedos hoplitas, Ficaram apenas aqueles em que os oficiais depositavaminteira confiança pela:valentia erob~st~z.·· .... ..... ..... Mal começou' a retirada-os inimigos caíram sobre eles; eram mui-tos, armados de escudos de verga,' lanças, gre~as e capacetes paflagó-nios.Uns atacaram a peito descoberto.outros subiram para as casase de lá atirav;;tm.sobreosgregos bocados detrave e caibros. Destemodo, emb~ra 'numvolta-caraos pudessem encurralar novamente

.'.no reduto, haviatanto perigo em ficar comoem retrOced~r. A noite,

no entretanto, baixou, redobrando com isso a inquietação dos gre-gos. E achavam-se perplexos, tomados de ansiedade, quando osDeuses os iluminaram. Uma casa, à direita deles, subitamente incen-diou-se sem que se visse criatura humana apegar-lhe lume. Mal dessacasa os telhados vieram abaixo, quantos bárbaros estavam naquelecorrer de moradias deitaram a fugir. Xenofonte aproveitou-se de li-

.'ção tão providencial ê mandou chegar fogo às casas da esquerda.Eram de madeira e não levaram muito tempo a flamejar; os bárbaros

, .que se tinham alojado dentro delas, por sua vez, evacuaram-nas. Res-tavam os inimigos que atacavam' de frente. Xenofonte mandou juntarno meio do camirrho iquanta lenha e madeira pôde haver. E, uma veza rima feita, aproximou o lume. Dali a pouco tudo estava reduzido

.a cinzas, casas, tranqueiras, torres, salvo a cida dela.tpr opriarne ntedita.

No dia seguinte os gregos retiraram para o campo com os manti-mentos que' tinham podido arrebatar. Mas como r.eceassem a descida

· para Trebizonda, por ser muito em declive' e apertada, imaginaram· uma falsa ciladav Um rnísio chamou dez cretenses e foi esconder-se· num bosque, fingindo ter-se acachapado sem que o inimigo desse

;J;i. conta. M~spelos re~exos ~os capacetes, .fi~tr~dosatravés da r~mar~a,l~bem se VIaao longe que Ia estavam. Os Irumlgos contavam ali, pOIS,,I·ft com uma emboscada. Quando o mísio viu o exército a coberto de·J~t'más surpresas, passou sinal aos seus para se porem ao fresco. Os cre-(i~ten~es largaram a fugirpelo mato fora, dizendodepois que não fal~~uli}· muito para serem apanhados, e chegaram a salvo ao campo. O rrusro

:1,) meteu pela estrada e teve que bradar por socorro. Acudiram-lhe, mas".,- ninguém o livrou de ficar ferido. Os soldados, que saíram em seu au-~;: xílio, tiveram que retiraràs arrecuas debaixo da lança dos inimigos,l~:enquanto alguns cretenses os protegiam, disparando os ar~os. Dest~:t~modo consegwram chegar os gregos ao arraial sem ter perdido um so{á'~homem. .

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.III

Quirísofo não voltava; os mantimentos iam escasseando; os na-vios eram insuficientes para transportar' as tropas todas e não haviamaneira dearranjar mais. Resolveu-se partir. Embarcaram os doentese inválidos, os soldados de mais de quarenta anos, crianças e mulhe-res e toda a impedimenta dispensável. Entregaram a direcção de tudoa Filésio e Sofeneto, os capitães mais idosos, e a frota largou velas.O restante exército pôs-se em marcha por terra. Tinham sido repara-dos os caminhos. Em três dias deitaram a Ceras unte; cidade grega daCólquida, porto de mar e colónia de Sinope. ,

Estiveram ali acampados dez dias e os capitães passaram revistaàs tropas. O exército montava a oito mil e seiscentos: homens. A estenúmero estava reduzido o exército demais de dez mil homens comas baixas sofridas em combate e causadas pelas intempéries ou pordoença.

Repartiram o dinheiro proveniente da venda dos prisioneiros de-pois de tirarem o dízimo que competia a ApoIo e a Diana de Éfeso.Cada um dos capitães foi encarregado de guardar uma parte da quan-tia pertencente às divindades; a de Quirísofo foi entregue a Neão, deAsineia. Xenofonte tinha prometido consagrar a Apelo todo o di-nheiro que lhe pertencesse; assim fez; entregando-o à tesouraria deDelfose inscrevendo com o seu nome, na lista dos doadores, o no-me de Próxeno, de quem fora hóspede e amigo, vítima de Artaxer-xes. Quanto à parte de Diana, no momento em que deixou a Ásiacom Agesilau, a caminho da Beócia, entregou-a a Megabiso, tesourei-ro da Deusa, com esta recomendação: devolver-lha no caso em que

A .RETIRADA DOS DEZ MIL 165

sobrevivesse aos perigos que iaarrostar; convútê-Ia na oferendaquese lhe afigurasse mais grata à Deusa, se soubesse que tinha morrido,

Aconteceu.ql.l~estan:do Xenofonte, exil~dodà pátria, a residir ernCilonte, cidade edificadapélos Lacedemónios.iperto de Olimpia, Me-gabiso veio assistir aos jogos Olímpicos, e.encorrtrararn-ae.fCorifor-me foraestrpulado, ó tesoureiro restituiu-lhe o dinheiro. Com elecomprou Xenofonte uma terra que consagrou a Diana, regada peloSereno, rio quetem o rriesmO nornequeurn outro que corréemÉfe~so, junto do templo da Deusa, Em ambos os tios se encontrarnpei-xes e mariscos; mas na propriedade de Cllontehá caça de toda a qua-lidade. . .. . :.' ". ...•.. .'. .

Com o ditlheirOAo voto erigiu ainda Xenofonte'.um templo'.à Deusa comali:ar próprio, no qual anualmente lhe oferece um sacri-'fício, custeado-pelo dízimo tirado d6praduto das colheitasvConcorre-rneio mundo, de' Cilontee dos arred6res, homens' e mulheres, em tra-'jes de festa,Ape~sa oferece aosrorneiros pãezinhos de cevada, vi-nho, frutas secas, carne dasvítimasengordadas rios pastos sagrados,e caça. Para o dia,c~rri efeito-os filhos deXenofonte fazem uma ca-çada em que' torna parte todo o bicho-careta. Quer ali na fazenda,

'quer nas coutacÍ.isde Fóloa, abiterrirriultos javalis, veados e cabritosmonteses, Fóloa. fica no camirlho de Olímpia para Esparta, a cerca devinte estádios do templo de Júpiter. Na cerca, que se dilata por mon-tes e vales, há grandes pradarias em que se cria toda a espécie de ga-

·do: Quem vai :ls.'festasaproveita para se abastecer, Em volta do tem-plo plantara~um pomar de boa e excelente fruta. O edifício parecea miniatura do de Éfeso e a própria estátua da Deusa, de madeira,

·lembra també~ a de Efeso, tanto quanto o pau de cipreste se pode. . .parecêr com o oiro. Ali perto ergue-se uma coluna com esta in scri-

· ção: Estas terras sãoforo de Diana ..Quel'l'l as possuir e l'ultivartem que pagaro dí'{jmo paraa festitddadé. Tem ainda obrigação de cuidar do templo. Se o não

':,fizer, a Deusa se vingará.

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!

IIV

De Cerasunte, em que vieram a encontrar-se, uns continuarama viagem por mar, outros por ter;a. :Este~,uma, vez chegados à fron-'teifa dos Mossínecos, députaram-lhes Tirnesiteu.ide Trebizonda, quese dava muito com eles a perguntar se; ao' atravessarem o território,deviam fazê-ló como amigos ou inimigos: Responderam, fiados na

, ,força das suas praças ,de guerra, que irão davam licença de passar.Timesiteu informou então que os Mossínecos de Oeste andavam

.ern guerra-comaqueles, e osgregósIembraràm-se de propor-lhesaliançaofensiva edefensiva, Timesireu foi-Ihes despachado como tie-

g~ciador e tão, bem se 'soube haver que';olto~~o~o.s chefes da tri-'bo.Ná reunião que tiveram, presenréstodosos capitães, Xenofontedisse-lhes, setvin:d6 Tirnesiteu deIíngua: "'.

, , -t--r- Mossín~cos: é intenção nossa voltar à Grécia por terra, por- •que não ternos navios suficientes para toda a gerite. Os patrícios com.quem andais ern guerra não queremdeixar-nos passar às boas. Se qhe- •reis aliar-vos conn:ósco, tendes Urnamagnífica ocasião para vos vingar- •des dos ultrajes e prejuízos que tende~re~ebidó deles. Reflecti... '

O chefe dos Mo~sÍI1ecosú:sponde~ que-aceitavam a aliança.'.,.- Bem; vejamos agora que espéciede auxílio nos presrais ..., - Estamosprontós a tomar o Inimigo de revés e mandar-vos

"urna esquadra com gente que pode muito ,bem servir-vos de tropa.auxiliar. , '

, Selado o,pacto com juramentos de' p?-rte aparte, os chefes bárba-ros partira~ pata as suasteúas.Ne> dia seguinte voltaram com

A RETIRADA DOS DEZ MIL 167

trezentas canoas, cavadas num só tronco, cada uma com três ho-mens, Desembarcaram dois, o terceiro ficou para dirigir o barco.

Uma vez em terra, formaram em colunas de cem homens. Tra-ziam escudo de verga, recoberto de coiro de vaca branca, pêlo parao exterior, em forma de folha de hera, e empunhavam chuços de seiscôvados de comprimento, com haste de ferro, por conto uma bola.As túnicas mallhes chegavam aos joelhos e eram de estopa; cobriam--se com capacetes decoiro à paflagónia, encimados por uma espiralde crina, que lhesdava ares de tiara. Pendia-lhes da cinta uma afiadamachadinha,

Assim que formaram, um deles lançou certa invocação aos Deu-ses, e :os outros responderam com grande cantoria. E, rompendomarcha, atravessaram entre os gregos, perfilados em linha de batalha,e a passo cadenciado avançaram para um dos fortins do inimigo. Erapor uma questão de supremacia que andavam de rixa uns com os ou-tros. Havia uma fortaleza, considerada de capital importância. Quema ocupasse era tido como dono do país. Os de Ocidente, mais forade mão, contestavam, alegando pertencer-lhes em comum e dando--se, portanto, comoesbulhados de seus direitos.

Avançaram, pois? os MossÍnecos de Oeste contraos seus irmãosde Leste, acompanhados, sem autorização dos oficiais, daqueles gre-gos a quem sorria a esperança de saque. Os outros, sem bulir, deixa-ram-nos aproximar. Só quando os viram chegados à beira do forteé que caíram sobre ~les. E fi~era~-no com tanta fúria que os destro-çaram, matando-Ihes muitos homens, entre eles uns poucos de gre-gos, seus acólitos. Foi o exército grego, que, marchando imediata-mente em socorro dos aliados, os impediu de dar caça aos fugitivos.

Os vencedores cortaram a cabeça aos morros e mostraram-nasaos Mossínecos ocidentais e aos gregos, dançando e cantando hinosheróicos. Com tal facto muito Se,contristaram os gregos, não só poro inimigo vir a tomar ousio com 'o lance, mas por terem visto oscompanheiros voltar a cara, coisa nunca sucedida desde o começo daexpedição. Foi por via disso que Xenofonte convocou as tropase lhes disse:

- Camaradas, não desanimeis com o que acaba de acontecer.Em última análise vereis que ainda ganhámos mais do que perdemos.

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III

168 XENOFONTE

Primeiramente.ificárnos a saber que de facto os, Mossínecos andamem guerra uns com os outros; segundo, aqueles que se não importa_ram com as nossas advertências reiteradas e lhes pareceu que a Com-panhia dos bárbaros também podia convir foram bem castigados. Pa-ra outra vez, esses que têm o pé alceiro não se afastarão para tãolonge do campo. Agora, temos de mostrar aos bárbaros, que fizeramaliança connosco, que valemos mais do que eles, e aos adversáriosque vão ter pela frente gente.diversa daquela com que se mediram hápouco.

O dia passou-se mais ou menos em preparativos. No dia seguin-te, depois dum holocausto aos.Deuses, em que se leu bom agoiro nasentranhas das vítimas, o exército tomou a sua refeição matinal e CD-

meçou logo a formar em colunas. Os bárbaros foram dispostos tam-bém em colunas, na ala esquerda. Nos intervalos das colunas, a filada frente um pouco aquém dos hoplitas, foram postados archeirospara combater os fundibulários inimigos que eram ágeis a correr e ti-. .nham a mão certa. E, de facto, maio exército sepós em marcha, aíapareceram eles, provocantes e audaciosos. Mas os archeiros e ospeltastas repeliram-nos.

O exército avançou para o ponto em que na véspera os Mossíne-cos de Oeste tinham sido desbaratados. Esperavam ali em linha debatalha. Os primeiros a atacá-Io s foram os peltastas e de verdadeo inimigo aguentou menos mal o embate. Apareceram porém os ho-plitas, e debandaram. Os peitas tas fo~am-lhes na 'peugada e subiramde ímpeto a encosta que levava à metrópole. Os hoplitas, esses, avan-çaramrnais lentamente, sempre em ordem de batalha. Ao atingir asprimeiras casas, os bárbaros concentraram-se e volveram ao comba-te, disparando sobre os gregos toda a espécie de projécteis, atacando- '-os cara à cara.vpara o que se serviam dos longos chuços que um ho-mem mediano teria dificuldade em mover, • '

, Os gregos,porém, em vez de afrouxar, apertaram cada vez maiscom eles. E foi tal ainvestida que os Mossínecos se puseram emfuga, desamparando a praça. O rei residia numa torre de madeira edi-ficada no alto do morrte. Intimada, a entregar-se, preferiu morrerqueimado. Da mesma maneira pereceram os homens que defendiamo reduto. A cidade foi posta a saque. Nas casas foram encontrados

ARETIRADA DOS DÉZ MIL 169

~grandesdepó~itos de pães que, segundo dizem, os Mcissfm:~ostrans-~.mitem cornoherança de pais para filhos. H:avialá também muito tri-t\ go ainda na espiga. A'rnaiorparte era daespéciedenorninadaespelta.,~Em talhas; àspostas, deparou-se-lhes golfinho salgado;· noutras, ba-k nha do mesmo cetáceo, empregada pelos Mossínecos corno o azeite~pelos Gregos.c'Viam-se 'os-celeiros repletos de castanhas, quecóstu-~ mavam comer cozidas; e lhes faziamas \Tezes de pão: E não faltavai; vinho, um vinho rascãoquando bebido puro, perfumado e agradável~::se se lhe misturava água.

Depois de co mer.eb eb er e entregar a praça aos seus amigos ,e aliados, os grégos romperam de novo:à frente. Outraspraças en-contraramno caminho.iumas desamparadasçoutras que 'se entrega-

.'-vam sem resistência. Não distavam umasda~ outras mais do que oi-tenta 'estádios e, graças às condições acústicas do terreno, mercêduma 'disposição especial de côncavos e cerras, podia-se falar dumaspara as outras. Assim a palavra de rendição percorreu a nação inteira.

Quando os gregos entraram no território dos aliados, estes mos-traram-lhesmeninos da gente rica, criados a castanhas cozidas. Eramquase tão largos como' altos, flácidos de carne e brancos de tez, 'n

. nham as cosraspintaroladas de várias tintase pela frente tatuagens deflores. Ali mesmo ~rri.,público pretenderam Os Mossínecos gozar-sedas mulheresq~eos gregos traziam com eles; tal era a cortesia darerrx· ,,'... '. '.' , ' _

Mais selvagens do que estespovos e mais afastados dos-costumeshelénicos, nãotinhamaindá os gregosencootrádó durante toda aex-pedição. À vista de roda ~ge~te faziam o que outros costuri1~m prati-car à parte e; inve'-'-·sarrie~te,quando estavam sós entregavam-se a ac-tos corno se ~s.tivesserpem sociedade: assim falavam para si próprios,riam, e a cada passo se punham a dançar na atitude de, querp.mostraa espectadores invisíveis suas prendas coreográficas.

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Os gregos gastaram' oito dias aatravessara terra dos Mossínecos,amigos einimigos, e chegaram à dos Cálibes. Povo pequeno, pagavatributo aos Mossínecos e vivia da extracçãodo ferro.

Em seguida a este, pisaram a terrados Tibarenosç.corn seu imen-so agro e praças fortes à beira-mar,tnal defendidas. Os capitães, re-solveram tomá-Ias pelas armas, li fim de dar alguma coisa que pilhar

"aos soldados: por isso não aceitaram os presentes que lhes traziam,"a titulo de boas-vindas, dizendo que os deixassem primeiro sacrificar, aos Deuses e conhecer a divinavontade. Celebrado um grande holo-causto , todos os adivinhos foramconcordes erri ler nas entranhas dasvítimas que os Deuses não aprovavam semelhante guerra. Os: gregosaceitaram, então, os pr,esentese como amigos passaram adiante, emdois dias de jornada deitando a Cotiora, cidade' grega, colónia de Si-

,nope, situada ainda na naçãodosTíbarenos.: •, 'Ali se quedaram quarenta e cinéodias;'Neste meio tempo fize-

ram sacrifícios, solenes.aos Deuses .eorgànizaram, povo por povo,.procissões votivas, Simultaneamente cultivavam o atletismo e ginásti-ca. Mantiment~siam buscá-los àPaflagóni~,e pilhavam-nos nas fa-zendas dos Cotidrita~.Estes não só se tinham negado a feirar comelescomo a receber os doentes de portas adentro da cidade.

"Entre~entes chegaram representantes deSinope, Preocupava-os,não só a cidade de Cotiora, que lhes era tributária, como o mais terri-'" tÓrioque, segundo se,dizia, ia ser posto a saque. Pela boca de Heca-

,tónimos, que passava por hábil orador.xlirigiram-se assim aos gregos:-'- Soldados, estamos aqui enviados pela cidade de Sinope para

vos felicitar, na qualidade de gregos; pelas vitórias que alcançastes

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sobre os bárbaros ,~vos manifestar o nosso regozijo por vos encon-trardes entre nós sãos e salvos, depois.de tão estupendos trabalhos.Na qualidade de vossos irmãos de raça, temos esperança de receberde vós demonstrações de amizade, ,e de modo algum agravos, tantomais que não nos pesa na consciência ter procedido mal para con-vosco. Ora os Cotioritas são colonos nossos e fomos nós que lhesdemos a terra, conquistada aos bárbaros; por isso mesmo nos pagam,bem como os povos de Cerasunte e Trebizonda, um determinado tri-buto. Nestas condições, O mal que lhespossais fazer, a Sinope o fa-zeis. Com vivo desagrado soubemos que entrastes na cidade à força,que muitos exigiram bole to aos habitantes, e que vos apossais pelashortas e porriares daquilo que vos é preciso. Não, actos desses nãopodemos' deixar de reprová-los e se persistis, mau grado nosso, sere-mos obrigados a coligar-nos com Córilas, os Paflagónios, e quantosaparecerem.

Depois de ouvir a adrnonenda, Xenofonte levantou-se e respon-deu assim em nome do exército:

- Sinopenses, .tarnbérn nós nos congratulamos por nas vermosaqui, rijos, feros e de armas na mão. Sem isso, ser-nos-ia impossívelcombater o inimigo e proceder à necessária pilhagem. Enfim, eis-nosem terra grega e com gente da nossa raça. Em Trebizonda, franquea-ram-nos o mercado e tudo o que precisávamos pagámo-lo como nosso rico dinheiro. Em troca das honras que nos prestaram e dospreset;ltes que nos ofereceram, prodigalizámos-Ihes as nossas ho-menagens, indo até poupar o território dos bárbaros que lhes eramafectos e combater os inimigos, contra os quais eles próprios nos hãoencaminhado, fazendo-lhes quanto dano estava em nossa mão. In-formal-vos junto dos mo'~adores de Trebizonda com que espécie degente estiveram a lidar. Encontram-se aí aqueles que a cidade, amical-mente, nos ofereceu por guias. Consultai-osl Mas desde já ficai sa-bendo que nas terras em que passámos, quer de bárbaros, quer degregos, se requisitamos víveres fizerno-Io por necessidade e não peloprazer de vexar ninguém. OsCarducos, os Táocos, os Caldeus, nãoobedecem a rei nem roque; pois; apesar de serem temíveis, não tive-mos dúvidas em pó-los contra nós pelo simples facto de precisarmosde comer e eles não quererem fornecer-no-Jo às boas. Pelo contrário,os Macrões, embora incultos, puseram à hossa disposição aquilo que

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precisávamos e passárnos pelo território deles como verdadeiros ami-gos, sem nada lhes tirar pela força. Quanto aos Cotioritas, que dizeisser vossos vassalos, que se queixem apenas de suas más cabeças. Nãose comportaram conriosco como amigos. Fecharam-nos as portas nacara; obstinaram-se não só em nos não receber dentro de portas co-mo em não nos vender coisa alguma fora delas. Verdade: seja queacusaram o vosso harmosta de ser o autor do procedimento adepta-do contra nós. Quanto à insinuação de que nos -aboletárnos à vivaforça em casa dos vizinhos, eu vos digo: pedimos que recebessem osnossos doentes debaixo de telha. Como se não prontificassem a abriras portas, tomámos o caminho. que estava indicado, e sem praticarnenhum acto de violência fomos instalar os doentes nas casas dosmoradores, onde vivem à nossa custa. Lá sentinelas às portas postá-mos, sim, para não estarem à mercê do vosso harmosta e podermostirá-Ios dali quando nos apetecer. O resto do exército, como estais

.a ver, dorme ao sereno e na melhor ordem, pronto a render mal commal e bem com 'bern. Quanto à ameaça de vos coligardes com Córilase osPaflagóriios, paclência!Se forpreciso levantar a espada contra' .vós.Tevanta-se. Já vimos pela frente inimigos mais poderosos. Maspode acontecer que rios dê na gana 'defazer dos Paflagónios amigos'-- nós estamos ao corrente do rno docomo cobiçam não apenasa vossa cidade mas os vossos portos - .. ~ não desdenharemos de ne-nhum meio para lhes ser agradáveis.· .:'

. Não foi difícil de ver; depois destas palavras, quanto os colegas.de Hecatónimos estavam desconrentes corn o seu porta-voz. Um de-les,adiantando-se, pronunciou:

~Nós não viemos para vos declarar guerra, mas sim para vosmostrar que 'somos vosso s amigos. Se fordes a Sinope, é com osdons da hospitalidade que .sereis recebidos. Desde já vamos dar or-dem à gente daqui paravas fornecer tudo o que puderem, pois reco-nhecemos que tendes razão. '.

Assim se' passou o entrernez com Sinope. Em verdade, os Cotio-ritasenviaram os costumados presentes da hospitalidade e os capi-tães gregos trataram··os delegados com as honras que se conferema hóspedes de qualidade. Cordialmente con'ferenciaram acerca dosnegócios respectivos; do itinerário edos serviços que se podiamprestar de parte a parte. .

VI

. No diaseguirite os capitães mandaram tocar a reunir. Í'arecia-Ihesbem que se deliberasse de comum acordo com os Sinopenses. Comefeito, se continuassem por terra, precisavam que eles, conhecedoresa fundo daPaflagónia, lhes fornecessem guias capazes; se decidissemir por mar, precisavam em sumo. grau do porto de Sinope. Apenas alipoderiamenconrrar os navios precisos parao transporte. Convida-ram por isso ()s'delegados pa~a a assembleül;rep~esentando-Ihes queo primeiro serviço aprestar a compatriotas era mostrarem-se bem-

.-intencionacl0se dar-lhes bons 'conselhos. . .... '., .'. • .> Hecarónirnosfoi o.primeiro a usar da palavra e a su? primeira

,,;~.. preocupação foi jus tificar- se de ter dito que Sinope se coligaria com.:'1 os Paflagónios. O que' tinhaquerido dizerrtão era queSinope, coliga-"'~".' . . '. . ..•'~~f da com aqueles povos; fizesse guerra aosgregos, mas que, podendo

.l ~;, ter os bárb~r~scomo~nU~9~, Sinopepreferia-lhes a arriiz~qe dos gre- .. ~ gos-Depois, .corno o .solicira'ssem a dar um conselho, I.!:J,VOCOU os::I~Detlsesedissé: . ... ,....',' ........• . . '. '. ....•.. . .

:jt ---'Se vos aconselhe> o que ernrninha consciência reputo orne-".ti, lhor,que eu seja muito feliz; ao contrário, se o faço por rriaJicia,que~~Icaiam sobre mim todos os' flagelos, O que vou dizer-vos é como se; ~~. fosse sagrado, Sei muito bemque.rse o.meu conselho sai bom, me

. ::,.~.; cobrireis de bên?ãos,ao, cont~ário?não faltarão pragas. T~~.bém sei.' s I que, se eu 'vos disser-que deveis regressar por mar; causo. serios con-··1 traternpos àrriinha terra, É ela que terá de Vos dispensar os navios,I. enquanto' que, se fordes por terra; lá vosarranjareiscomopuderdes.iflMas omeudeverédizer~vo~o que penso, porque eu conheçopprI .'. '. '"'lj;,·,i.,1:1 .'

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174 'XENOFONTE ••

'experiêricia a situação e poderio dos Pa:flagÓnio5.Sei bem qual o ca-.minho-que ser.eis obrigados a torriar. Esse caminho tanto atravessabelas planícies cornocordilheiras.i.A certa altura mete pelo maciço fo-ra, tão comprido que parece nunca. mais ter fim. Basta um punhadode .hOmensnOspicos e ninguém, muito menosum exército, transita_

-':'rápelosdesfiladeiros. Sed~vidais,'viriçlecomigo e eu vo-lo mostro.Aqui está o quevossU:cederia riaseri~nia ..E na planície? Para a plaIÚ-ciedispõern osPaflagóniosdurna cavalaria que os próprios Persasconsideram super;Íor à deles. Ainda não há muito se negou, ao serchamada por el-rei, aacudir à sUl!:VOZ.O seu comandante é cheio deopinião. Mas, dando de barato que chegais a atravessar as serras,obrando de surpresa ou mais.Iigeiros queo inimigo; que uma vez naplaníCie não. só venceis a célebre cavalaria;' COfI1.oa infantaria que so-be a mais de cento e vinte mil homens, tendes os rios pela frente. Pri-meiro o Terrnodonte, que mede três pletrosde largura. Suponho quetereis a VOSsadificuldade em •• passar, com um inimigo numerosopela frenteepelà espalda. Em segundo lugar o Íris, igualmente largode três pletros; em terceiro lugar o Hális, que não mede menos de

. três estádios e que não é possível transpor sem barcos. Quem vosfornece os barcos? Depois do Hâlis, se conseguis passá-Io, tendeso Partériio, que também não. é vadeável. Como vedes, a rota nãoé apenas difícil, é impraticável.' Se, pelo contrário, ides pot mar, nãoprecisais de tocar mais que em Sinope, depois em Heracleia, sempreao longo da costa. De Heracleià em diante não tendes dificuldade,tanto pela via terrestre como pela marítima; navios ali não faltam.

Assim discorreu Hecatónirnos. Suspeitaram uns que falava assim, por simpatia por Córilas, de queme~a hóspede; outros que na espe-rança de receber presentes; ainda uns tantos que com o. fim .de irnpe-

. dir que os gregos, indo por terra, causassem prejuizo no território si-nopense. Fosse como fosse,os gregos assentaram. que se fosse pormar.

Xenofonte tomou a seguir a palavra:- Sinopenses, o exército acaba de prónunciar-se a favor da rota

que vós lhe aconselhais: Mas nestas condições: se conseguirmos na-vios suficientes, .de modo-que riem' um. só homem fique por embar-car, vamos por mar; se, porém, acontece que uns tenham de ficar pa-ra outros ir, não pomos pé nos riavios. Sabemos à saciedade que,

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conservando-nos unidos'~ fortes, não se mete connoscoo inimigo,e não só teremos as vidas salvas; m~s não nos faltará que comer. Queo inimigo nos encontre divididos, mais fracos do que ele,e a escravi-dão é a sorte que nos espera. . '.

Depois de ouvir estas palavras, I-1ecatórumos e os colegas acon-selharam os gregos a mandar uma representação a Sinope, Foram es-colhidos para esse fim Calírnaco, de Arcádia, Aristonte, de Atenas,e Sâmolas,de Acaia.· . . .'

Entretanto Xenofonte, vendo aquela profusão de hoplitas, depeltastas, de archeiros, de fundibulários, de cavaleiros, que se tinhamtornado excelentes soldados pela-prática das armas, à beira do PontoEuxino, onde só à custa de muitos. capitais' se poderia ter concentra-

~ do tropa. tão numerosa, pensou no lustre que haveria em fundar aliuma colónia grega; ampliando assim o território nacional e o seu po-der. Figurava-se-Ihe que tal empreendimento estava votado ao mais

. franco êxito; dada a cópia de gente que tinha consigo, e as possibili-dades que ofereciam aquelas paragens. Antes de manifestar a alguémo seu intento, chamou Silano, de Ambrácia, que tinha sido arúspicede Ciro, e ofereceu um sacrifícioaos Deuses. Mas este, receoso quetal projecto fosse por diante, foi logo divulgá-Io. Em verdade, tinhapressa de voltar à Grécia, rico como se via com os três mil dáricosque Ciro lhe dera quando vaticinou não se travar batalha antes de dezdias, soma que conservava intacta. Ao espalhar-se ral rumor, houveainda soldados que acharam bem fixarem-se ali; a maior parte, po-rém, foi de parecer contrário.

Aproveitando-seda boato, Timasião, de Dardânio, e Toraz, daBeócia, foram dizer aos mercadores de Sinope e de Heracleia, pre-sentes naquela altura, que «se não dessem um subsídio às tropas demodo a adquirir mantimentos para a viagem, arriscavam-se a vê-Iasficar ali para todo o. sempre. Aideia deXenofonte era que, mal osnavios chegassem ao porto, se dissesse aos soldados: comes e bebespara a travessia não há; coisa com que presenteardes a familia, muitomenos; mas, se quereis, temos aí navios e num ápice saltamos naque-le ponto da costa. que nos der' na gana. Uma vez lá, quem quiser ficar,fica; quem não quiser, navega para a sua terra.»

Os mercadores foram com a notícia à cidade, acompanhados deEurímaco e Toraz por ordem de Timasião. E não tardou que, em

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resposta, este recebesse a promessa de ter o dinheiro que era pr~cisopara abastecer os gregos e a frota que os havia de levar. Por isso, sa,tisfeito com o ardil, saiu a dizer aos soldados que convocou para umareunião:

- Camaradas, não vaie a pena pensar em erguer aqui casa. Nada. .

iguala a nossa querida terra. Ouço dizer que há entre nós gregos que,sem nos consultar, acalentam tão estapafúrdio projecto e que fizeramsacrifícios aos.Deuses nesse sentido. Nada, nada! Se vos decidisa embarcar antes da lua nova.igaranto-vos um ciziceno de soldo por.mês. Daqui vamos a Tróada, que éa minha terra; tenho a certeza que. me hão "de receber de braços abertos e que nada vos há-de faltar. Da-li posso encaminhar-vos para certosIugares onde se enche o saco.

. Tróada, Eólida, Frígia, a .satrapia inteira de Farnabaz, todas estas re-giões.conh~ço-as como os meus dedos, à .uma porque sou de lá, àoutra porque aspalmilhei palmo a palmo, na hostede Clearco e Der-cílidas.

A seguir levantou-se para falar Toraz, da Beócia, que sempre in-vejara a Xeriofonte. o.comando supremo:

-Camaradas, ficar aqui, para quê? Logo para lá do Ponto Euxi-no temos o Quersoneso, região fértil. e opulenta, onde quem quiserestabelecer-se, estabelece-se, quem não quiser, segue adiante. Agoranão deixa de ser patusco que se vão procurar terras entre os Bárbarosquando a Grécia as oferece incomparavelmente melhores. Por minhaparte.vresponsabilizo-me do mesmo modo que Timasião pelo soldoque vos prometem.

Xenofonte tinha-se conservado silencioso. Vendo o seu rnutis-mo,. Filésio e Liconte, ambos aqtietis, ergueram-se para significara sua estranheza que alguns gregos, em particular Xenofonte, fossemde parecer que se ficasse alie fizessem sacrifícios propiciatórios aosDeuses sem, antes disso, .consultar o exército. Assim alvejado, Xeno-fonte ergueu-se e disse:'

- Soldados, não nego que fiz sacrifícios aos Deuses e fareiquantos puder no vosso interesse e no meu para que tanto os meuspensamentos como os actos redundem apenas em glória e vantagemde nós rodos: Precisamente, não há muito clue eu sacrificava para sa-ber se devia pôr-vos, antes de mais nada, ao corrente dos meus pró-jectos, ou não vos dizer. palavra. Silano respondeu-me - e peço-vos

A RETIRADADOS pEZ MIL 177

f . . . ."rpara fixar este ponto.que éimportànte ~ que as entranha$ das víti-émas me erarnfavoráveis. Teve de me dizer a verdade porque sabe~'muito bem quevâ.força de assistir aos holocaustos, estou prático em[ matéria de 'adivirihação.Tvlas Omesmo acrescentou que nas entranhas!' havia sinais.de insídia e conjura contra mim. E como não.havia ele detestar certo do vaticínio se era opróprio que se preparava para me ca-li luniar junto de vós? Ele,. só ele,' propalou o boato' de que eu me pro-lpunha realizar os meus desígnios sem os submeter à vossa aprova-'f ção. Dei:X:aique vos diga, foi meditando na extrernidadeernquerios-t encontramos que me ~ei6' aopen~am~n:toapoderarm()~nos duma ci-~!.dade qualq.úer?dondeq~em quisesse largarlárgava,. quem.não quise~-~çse esperána hora. melhor. Agora, .urna vez'queSiriope eHeracleia!I!" . .. .' •.~oferecemnavios e um -soldo a parar da lua I1,0va,às mil maravilhas.j Por minha'pa~te,dedaro que os meus projecros não têm-mais razão'I:. .-. '. ... ..' . ,. .'. de ser. Digo-obem alto-àqueles que andavam entusiasmados com

eles, M~s Ouvi:' e.tiq~~ntciestiv~rdesunidos,cam0 agora; bem vai; se-reis respeitados enão.vos faltarão víveres, porque, desdeque o rnun-do é mundo, estàéa-corrdiçâo para ernpalmar aquilo que édo próxi-mo. Se Vos dividis .edispersaisas' forças, ha~eis de passar grandesnecessidade{~não hão-de faltar perigos no. vosso caminhO. PensoComo vós: voltemos para a Giécia e castigue-se aquele que procurefugir oudemover os 'outros destaresolução.ranres que oexército n~ochegue a-porto seguro. Quem aprovar, erga o braço ..:. Ergueram todos abraço. Silanoçporémçrornpeu a barafustar que

nao havia Il~dam~isj~stoquedei~~:r ir embora quem assim odese-jasse. Ossoldados hão estiveram.para O ouvir e ameaçaram-no para o

,~ caso em que tivesse aveleidade de se pôr ao freSca sem.os mais.;~ 'Tempos depois os ~idadaos de Heracleia, havendo-se certificado'~. da decisão tornada, rnandaram riavios, mas quanto ao soldo prometi- ... ..... .'

.~. do não sopraram.qualquer palavra. Timasião e .Toraz, que tinham fei-,Jf, to promessas solenes, ficaram aterrorizados. Chamaram os capitães1~ que, salvo. Neão.deAsineia, substituto de Quirísofo, estavam a pari das suas diligências, 'e foram ter com Xenofonte. Disseram-lhe que"i. estavam arrependidos de ter discordada do seu modo de ver e que,~;' de facto, já que não faltavam navios, o melhor era demandar aterra.~ dos Fasianos, em que reinava o neto de Eeta, e tomar posse dela.~ .' .

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178 ,XENOFONTE

- Está muito bem-'-, respondeu Xenofonte - mas Comigo'n~contem para fazer semelhante proposta :i0S soldados. Convoqueri'~rios, se lhes parecer, e falem-lhes.' ':,

Timasião Iembrou que, em vez dese ,c~nvocar o exército, ca(i~,~um tratasse de preparar asua G()otJe para tal efeito. E separarain~s~;A;com este propósito.

VII

~. ,

Chegou aos ouvidos dos soldados o que se passava. Neãodiziaboca cheia que Xenofonte, depois de' ter embaído os outros capi- ,

rães, estava com a .ideia ferrada de voltar atrás à conquista do paisos Fasianos, levando os soldados 'ao. engano. Quando tal ouviram,

os soldados deram por paus e por pedras. Pouco a pouco formaram-se ajuntamentos, vozes sediciosas soaram aqui e além, de modo queão seria para admirar que viessem a repetir-se aqueles motinsduran-

te os quais foram apedrejados os emissários dos Calcas e os fiscaisde géneros; com efeito; uns fica~am com a cabeça partida, outros ti-veram que se atirar aomar, para não ter igual sorte. '

Xenofonte, advertido destes pródromos de revolta, decidiu con-:vocar o exército antes que ele se reunisse de moto próprio. O arautodeitou bando e logo os soldados acorreram em chusma ao lugar indi-cado. E Xenofonte,evitando pôr em causa os capitães que tinham

.ido ter com ele, disse:, - Camaradas, ao que me consta dizem para ai que ando a ar-'~mar-vos uma estrangeirinha que me permita levar-vos contra os Fa-, sianos. Em nome dos Deuses peço-vos que me deis atenção! Se es-:;tou culpado, não me deixeis sair daqui sem sofrer o justa castigo; se,~'pelo contrário, se demanstrar que fui caluniada, tratai OS meus de-, tractores como eles merecem. Todos vóssabeis de que lado nasce"o Sol e de que lado. se põe; que tornamos a ocidente se queremos ir.•para a Grécia, e a oriente se pretendemos voltar ao. pais das Bárba-

ros. Haverá alguém que possa passar~vos ocanto do vigário, fazen-,I' i da-vos crer que o oriente é do lado em que se põe a Sol e a ocidente

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-.'A RETIRAbA DOS DEZÚIL

do lado em que nasce?! Sabeis, toda agente sabe que o vento nortt. atira os navios para fora do Ponto Euxino em direcção ao país dos'Fasianos ... Não é verdade dizer-se a cada passo, quando sopra o ven-to 'norte: que belo tempo para a: gente fazer-sede vela para a Grécia!"Caberia na cabeça' de alguém levar-vasa embarcar com vento sul>.Mas suponhamos que seembar~ava com calmaria. Neste caso, eu ia.~num.navio e vós' em ,'cem, pelomenos. Como poderia eu forçar-vosou iludir-vos se não fosse da vossa vontade navegar na minha com-panhia? Admitamos que, mercê dos meus artifícios ou por obra defeitiçaria, vos arrastava até a terra dos Fasianos? Naturalmente de-sembarcávamos, não? Eque acontecia? A primeira coisa que aconre.cia era vós dardes conta ,que não estáveis na Grécia. E eu que vos ti-nha intrujado encontrava-me no rneio de dez mil gregos, ou poucomenos, armados até eis dentes; Quem era o louco que assim metiaa cabeça na boca do lobo?

Calou-se urn instante, como a dar tempo a que meditassem noque acabava de dizer, e prosseguiu: '

-Não, tudo isso são invencionices de cretinos que me têm in-veja porque vós usais para comigo dtima certa consideração. E, noentanto, não dou motivos a esses estúpidos zelos. Acaso tapo a bocaa alguém, se esse alguém é capaz de emitir um parecer favorável aoexército, ou estorvo alguém de combater, se lhe dá na gana para velarpela conservação própria e ade nós todos? Quando elegestes os VO$-

sos chefes, atravessei-me no carriinhode alguém? Estou pronto a ce-der o meu lugar a outro; Venha ele! Será com o maior gosto que lhepasso.o comando, desde que se prontifique a trabalhar de corpo e al-ma a bem do-exército. Mas não vale apena gastar mais palavras comcasos de Iana-caprina. Se algum de vós imagina que podia deixar-selo~rarpor semelhant~s mentiras~ ou mesn:~' que al~um de vós = r'deIXOUlograr, que o diga e o demonstre. E Ja que aqUI estamos, em-bora vos pese, há uma coisa grave que. vos quero comunicar. O exér-cito começa a enfermar .durn mal que pode acarretar consequênciasfunestas. É, tempo de meter cada um a mão na consciência, e delibe-rarmos no meio de lhe pôr cobro, para que mais tarde não nos cha-mem os maiscelerados e reles dos viventes à face de Deus e dos ho-mens, quer amigos quer inimigos.

Os soldad~s' ficaram. muito intrigados ao ouvir aquelaspalavras[nstaramcomXenoforaté para que se explicasse: Ele então-reatou:

- Ninguém' d~sconhece que por essas serras fora há muitas al-eias bárbaras, enfeudadas aos Ceràsuntinos, tanto assim.queos ha-jtantes vinham vender-rios gado e os frutos dos seus hortas. Unsantes dós rio~s'os<.':stíverani,~o que me consrac númadelas.ressa queos fica' mais perto, a fazer compras. Pois bem, o sargento Clearato,

informado que apovoação era pequena e dorrniadespreveruda,con-, ada nas boas.relações que-mantinha connoscoçfoi assaltá-Ia de noi-e; em segredo, no intrutoçle a pôr a saque. Atenção do homem era,aso a expediçãotivesse .êxito, não aparecermais no arraial, e ir to]

mar, distanredaqui, em certo ponto da costa; o navio que uns tantosca~aradas seus.Teltos Com ele,teriarr: àespera, pondo-se, depois, aofresco tom o 'produto .da pilhagem sem dar mais cavaco. Aconteceu,porém, que só puderam .alcançar a aldeia ern questão de manhãzinha '.'e os mOr'adoÍ:es'der~~fée tocaram a rebate: Edefe~derim-ú: tio-berriou rãó.rnal do alto dos seus oii:~i~osqueClearato perdeu a vida'.no combate e.comelemuitos dos que o acompanhavam. Outros pu-deram fugir é cheg:úa,m aCerasunte.i.Isto passou-se no dia em queviemos para aqui. Muitos dos nossos não tinham Ievantado .âncorasa tempo e encontravam-seainda no-porto, Para ..aÍi deputou a aldeia~tão afro n.tosa men te atacada três dos seus .ahciães principais como fim.de sénosqueixarda agressãohavida ..Como não nosencon-trassern, levaram a deprecaria aos Cerasuntinos que lhes asseguraram

i ter sido aagressão de que eram vitimas um acto singular, de que:o exército grego Javayii as mãos. Satisfeitos com talrespostaçdispu-nharn-se a.embarcar paraaquicom o inruitodedizer.o que se passa-ra e da~"nos todas as facilidades para o caso em que quiséssemos en-

,'terrar osrnorros. Mas encontraram-se com alguns daqueles que, tinham ido na desgraçada expedição' e .deviàm a vida à velocidade daspernas. B, pranto, vêem-se corridos à pedra por eles e'por. todos 0S

.mais energúmencis que se Ihes juntam, excitados por suas vozes,.E quereis saber .o resto? Esses três velhos que vinham ter connosco

J~!.'ria qualidade de embaixadores m.orretaml~pidados!II Ao cabo duma pausaçXenofonte contlQuou:· '. ,'. " .- Estavamestes factos .aser:-nos relatados peloscerasuntinos,

que tinham' vlnd6de propósito filar connosco..e nós consternados

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-.182XENOFONTE'. . . . . .:' : ': " :. ' .. :.' .' J .a mais não poder ser; quando ouvimosnointerior do acampamento

".grande as suada e vozes mais altas: «Mata! Mata!» Levantámo-n;)sa ver e não tardou que víssemos chegar muitos soldados esbaforidoscarregados \lI1S de pedras, outto'g aapanharem-nas do chão. Os cera~'suntinos, aterrorizados, fugiram para os navios sem esperar por mais.

. Era para isso; estou' em dizerque alguns dós capitães também não..ganharam para o susto. O quê havia afazer era deitar água na fervura.e foi essa a .minha intenção quando me dirigia uns dosarruaceirQs.

..' «Que foi? Que foi?» A maior parte deles ignoiavam-n~ mas isso nãoos impedia de estarem carregados de pedras. Afinal sempre topei u~que. me diss~' te~enFsele~antadocontraos fisc~isdos géneros que~ram uns.ladrões refinados. Enquanto o.soldado me falava, aconte-ceu. passar à .distância o fiscal Zelarco, que se dirigia para o cais. Umsegundo soldado que parara a ouvir a nossa conversa avistou-o e, sol-tandci um grito, deitou acorrer atrás dele. E eis que três; cinco, dez.alucinados s~ lànçamern perseguição do diábo, do homem, uns por

. aqui, outros por ali.ra.vozear e a correr, c~mona montaria a umjava-li. Os c~tasuncinos que vêemisto julgam que é com el~se atiram-seao m<it:'Noter~or pânico quese ~~tabele~e,alguns dos nossos sãotambém ernpurradosparaa água,'e os que não sabem nadar não vol-tam a comer ~ais pão. 'Aqui estão os borii~os feitos! Imaginai agoracom que cara ficaram'os cerasuntinoslPor mais que procurassem,não. achavam culpas de que fossem réus. contra nós. E inevitavelmen-te deviam.ser Ievados à con~lusão de queÓ' exército grego tinha sidotomado dum ataque de fúria comosucede aos .cães danados. Agora,

. camaradas.rpeço-vos que considereis ~oque podem dar tropas regi-das por semelhante disciplina. N'uÚa mais' es'tare:i~em condições de

•fazer a guerra ouvotar apaz, se~osaproúver tomar tais resoluções'•..em conjunto. .Não h;í.mais vontade coiectl:Vil.~inasa do atrevido que

soübersopr~r o seu mau intento às tropas. Se vierem emissários compropostas-de paz ou de qualquer outra natureza, quem quiser podeassassiná-Ios e ficareis assim na ignorância dos motivos que os tra-ziam. Os capitães quenorneasres perderam a autoridade toda. Quemquer se fará vosso general e gritândo«MatarMata!» se encontra des-vairados que ó secundem, pode mandarpara o outro mundo quem

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uito bem lhe apetecer, general ou soldado raso, sem outra forma de.processo. Peço-vos que mediteis Um pouco quanto às obrigações em;queestais para com os chefes, que são fruto da vossa vontade. Se Ze-arco estava culpado, conseguiu com O despropósito pôr-se a salvo,largando velas a toda a pressa. Depois que os deputados foram lapi-dados, que segurança podemos encontrar em Cerasunte, a menos~ue não estejamos de armas na mão?! Os bárbaros, que tinham mata-do os nossos, vinham perguntar-nos se os queríamos enterrar. Hoje,depois do que se passou, ninguém poderá fazê-Ia, ainda mesmo com'

".~caduceu em punho. E quem teria coragem para desempenhar o pa-•el de arauto? Lastimável é diz ê-Io;' mas não houve remédio senão,pedir aos Cerasuntinos que inumassern eles os nossos infelizes com-·patriotas. Se vos parece bem, se estes feitos são dignos, dizei-o clara-

'mente e aprovai-os para que,naiminência de que venham a repetir-'-se, cada um trate de fazer-se custodiar por uma guarda particular

,~e arme a renda em lugar apto a defender-se de assassinos. Se, pelo:~;contrário, vos parecem feitos de puro banditisrno, fazei-os co~denar" ,,:;"'etratemos de tomarprovidência~ de forma a que se não repitam..:(;Doutromodo, corrio podemos commãos sujas por tais abominações. J,sacrificarao grande Zeus! Com que c~nsciência combateremos o ini-'~'migo se nos devoramos uns aos outros? Q~e cidade nos receberá co-li;mo amigos quando assim abusamos da hospitalidade? Quem ousará~~'vir ao nosso arraial vender mantimentos, quando souber que falta-:~tmos aos respeitos mais sagrados? E quanto à glória com que estáva-~. . . . . . ..,g mos a contar, quempoderâenalrecer celerados corria nós? Porque

,:g ouvi, nós próprios trataríamos de cderadoshomensqu~ se compor-I~!tassem como nós nos comportamos.' .

j.~ Os soldados levantaram-se a dizer que assim não podiam coriti-

.:r.:...nuar, de facto; que. era preciso. castigar severa. me~te os cabeças de.~:motim; e que dali em diante quem se tornasse réu de semelhantes fei-

o~:tos fosse passado pelas armas. E ficou decidido que o~ capitães fizes-

Issem julgar todos Os actos criminosos, praticados desde a morte de

'::.:i' Ciro até então, sendo juízes os co~andantes de. c.oorte. Em seguida;,: a uma proposta de Xenofonte, apoiada pelos adivinhos, procedeu-se<t à purificação do exéi:~it~. .-s-;

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VIII

A .RETIRADA DOS DEZ MIL 1851

:- E peltasta?.-. Também não. Embora ho~em livre, conduzia à rédea um

}rnacho, de acordo cornosmeuscamaradas.de tenda.. - Não eras tu quetransportavas o doente? -,....perguntou de sú-ibito Xenofonre, caindoria lembrança do homem. .~: . ." '. '. . .. . . '. . .fr .~ Era eu mesmo. ?ara transportar o doente; atiraste-mecom tu-,"'o o que era dos.parceiros ao chão. •.... •..•. : .. .'.

- Atirei,não; teparti as p.orcariasiqueIevavas poroutros, com:ordem terminante de me setemapú:sentadasqUandoeu as pedisse.'foi assim ou nãof~i? Tu entregavas-me. o doente e eu restituía-te as:ruascoisas. .Assimé qu~é,Mas ouçam alUstóriaque vale a;pena;'Ti-p.ham dei~adoa.trisuin soldado qU:e~e.não àguen~ava rias pernas.

''"''''Tudo o que sábia a respeito dele é que era um dos nossos, Reparo.neste hornernqueaqui esÚ e rriandoclhe'que leve o irtfeliz,s~m o que''riuncamais se levantava do-châo ..Se bem me..Iernbro, o inimigo vi-nha-no~ na peugada,,~

- É verdade-o -·.conveio o queixoso.. . . .": . .r'l' '-:' '--' Mandei-te:ità frenrecorn ek- volveu Xencforite. - Eu. : : . :continuei atrás,mi retaguarda, Mas, eis senão quando; vou dar <:om' .

~;estemaganão a cavar uma cova, e ao lado o soldado estendido-com os ._.olhos fecha.d()s.Parq: a.louvar-lhea caridade, mas ei~ que O .homem,~I~para quem f~zià a sépuitur~,:mex~ ~om U:.!l1apern~.(Ainda_está vi~Ivo!», exclamam todos. «Poisdeixá-Iovivér, eu e queonao levoil'mais», respondeste tu. Foi eritão que eu te bati;tusabi~s muito bem,

.. 1l'. . . ,.. .' '. .' '. . . '.' ..

.;";'quando começaste li. abrir a cova, que. ele estava VIVO.... .'. ....'" - Poissim;~as lá se\'iu s~ escapou! :--redatguiuo queixoso.;i~: - Não escapou, é verdade; à morte riinguémescapa e todos te-

,~.::remos a nossa hora; mas isso é razão suficiente para sermos enterra-~Pfdosvivos? . .

:~. A um~ disseramtodos que o quei~oso não recebera tantaspanca-',~das quantas merecia. Em seguida a.esre, Xenofonte propô~-seres-~!'ponder às várias acusações de que era alvo; para o que perguntou aosJ~queixosos porque tazão ei~os ma:ltratara~C~mo não quisessem res-

I:I~ponder, aquele capitão proferiu: . 'o' •

. §'i - Sim, camaradas, confesso que bati nestes homens por terem'~.lcometido faltas graves de disciplina; quereis saber quais? Enquantol' .

. Re~olveu-seque os capitães prestassem contas da maneira comotinham procedido até eritão. Feito b inquérito, Filésio e Xânticle~foram condenados a entrar com a quantia de vinte talentos, quea tanto subia o desfalque cometido na caixa dos navios que estavamsob a sua jurisdiçãovSofeneto a uma multa de dez talentos, por faltáde zelo no exercício do seu mando. Xenofonte, por sua vez, foi acu-sado de ter maltratado e exercido sevícias nos soldados. Quando talouviu, Xenofonte levantou-se do' seulugar e perguntou ao primeiroqueIxoso:

-Bati-te; em que ponto 'do nosso caminho te bati eu? Podesprecisar?

"- Foi naquela altura em que estávamos enterrados na nevee mortos de frio.

- Se talfiz -' respondeu Xenofonte - numa ocasião em quenos faltava tudo, não havia côdea de pão nos bornais nem .gota de vi-nho nas borrachas,à alma a rastos.vo inimigo à perna, confesso, soumais burro que os próprios burros, cuja asnidade não sofre cobrocom os trabalhos que padecem. Mas hás-de explicar porque te bati?".Negaste-me alguma coisa que te pedisse e eu, de raiva, levanteia mão? Foi por causa do pagamento de dívida em atraso? Na disputaentrou história particular de ciúmes? Olha lá, estaria eu bêbado?

O soldado respondeu que não tinha sido por nenhuma daquelasrazões e Xenofonte tornou:

- És hoplita?-Não.

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186 XENOFONTE

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marcháveis em Iinhaeaguentáveiso e~bated@ inimigo, eles Íaziam_-vos O favor de se deixar salvar por vós. A cada passo quebravama formatura para correr adianteondelhes _cheirasse a rapina ..Quandose tratava de saquear, sim, eram mais audaciosos do que vós e vol-viam corn as mãos mais cheias do que vós.iMas eu vos digo, se osfósseis imitar.ihoje não estava.aqui um.só.grego, porque todos teriamperecido, Batiness~s e bati ainda num ou outro retardatário, que, es-

. tava desmoralizado de todo, com vontade de se.entregar ao inimigo,.. e obriguei-o' a ir para a frerite. Sabia. o que isso era, a hora negra e fa-

tal. Urna.vez que, trespassado pelo frio-medetive a esperar que ossoldados botassemmcichila às costas, senti esse torpor veneno~onão meapetecendo nada d~ nada erguer-me dali, nem subljIleie:o corpo à~açadado movimento. Em.verdade custavapôr-se ~gente

. em I?é e andar. Mas tudo era questão.dé ~6ntade e a máquina huma-na obedecia.Ass~m,àdvertido pela experiência do perigo que haviaem estarpárado, quando avistavaumhomem sem se mexer, comares de mosca morta, espertava-o efazia-o caminhar adiante de mim..Com o exercício, os' membros readquiriamelasticidade e a resistên~jaque lhes ép~ópria~ 'Pelo -có9trário,~imobilidade era causa a que

.;o sangue gdasseeo~ dedos se tolhessem cÓl,hgangrena, como acon-.'.teceua muitoshomens. Pode dar-se o caso que tenha aplicado o meu

cachaçãoa esre:e àqueleque.cralaços' ria marcha, impediam a colunade 1evar,davariguardaà retaguarda, um passo invariavelmente ginás-.tico, comofi mairtda de poupá~losàlaóça do bárbaro. Agora que

'lhes salvei a vida podem exígir~me con tas dos castigos iníquosque lhes irifligi. Se rivessemcaído.empoder do iriimigo,a quem iriampedir contas .dapouca sorte? Falo-vos decÇ>raçãonas mãos. Se puni umgrégo para seu bem, parece-me que .mereçoa penalidade em que in-corre um pai quando castigaosfrlhosbuUrn mestre quando corrigeos discípulos. Os médicos não lancetam e não cauterizam para salvarO enfermo? Agora se irnaginais que procedi assim por: uma questãode' mau.génio, à que sucediaontemcornrnuito mais razão se deviarepetir hoje que; graças aos Deuses, ~esinto plenamente à vontade,

. d~ritro do meu ser: beb~~doaminhapingoleta~ Mas dizei: não achas-tes que eu ti~ha razão? Achastes, sim, pois; dispondo cada um de es-pada; já que não de voto, não vique a desembainhassem para socor-.rero s dfscolos. É verdade quenãomeajudastes'também a meter na

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II

A RETIRADA DOS DEZ MIL 187

ordem os transgressores da disciplina. E quereis saber o que resul-tou? Tornarem-se os cobardes insolentes. O fenómeno repete-se ho-je, e se nãoreparai: os que na hora difícil se mostravam mais poltrõessão os que hoje se permitem falar com mais arrogância. Vejam Bois-

:-cos, por exemplo, o pugilista tessálio; a pretexto de que se achavadoente; não queria nem a cacete carregar com as armas; pois acabode saber. que é um dos péscfrescos' mais atrevidos a pilhar o paisanode Cotio ra, Se quereis usar para com este ratorieirodo .tratarn enro

. que merece, é preciso fazer-lhe o contrário do que se faz aos cães de

I~·fila: prendê-Io de noite e soltá-Io de dia. o que me espanta é que,'.~.;.tendo eu agravado um ou outro de vós, apareçam esses tais a lavraro:;. testemunho do agravo, e que dentre os muitos que protegi contra:~~;o frio, salvei das manápulas do inimigo, amparei na doença e na hora,~~adversa, nem um só se mostre le~brado! Do?belo~ feitos que cele-

brei, e das recompensas que distribuí a este e àquele valente na medi-da das minhas possibilidadcs.: também ninguém guardou memória?!

.'~;Pois é dever sagrado, dever prirnacial, lembrar-se o homem mais dos

.~ benefícios que das injúrias que lhe fazem.

1'.1 A estas p~lavrasrnuitos gregos levantaram-se a proclamar as, fine-::~ zas e obngaçoes que unham para com Xenofonte. E fOI um triunfo.~. para ele a maneira cOmo o debate terminou.~.lf.;j.·I;'

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Durante a estadia em Cotiora, os soldados viviam, uns do quecompravam no mercado, outros do que pilhavam nos agros de Pafla-

c gónia. Os Paflagónios davam-Ihes caça sempre que os apanhavama jeito, mormente de noite àqueles que dormiam fora do arraial. Daí,rixa pegada duns com os outros. Foi neste estado de coisas que Córi-

,; Ias, governador da Paflagónia, enviou uma luzida embaixada, com-I' posta de cavaleiros com corcéis ricamente ajaezados, a dizer que, se.Ii; os gregos lhe respeitassem à território, ele por sua vez deixaria de os~' hostilizar. Os cap~tães~respo_nderam :ue semelhante proposta tinha

,li.' de ser submetida a deliberação do exercito e que para esse fim o Iam',I'.{:· convocar. Entretanto ~ratariain de honrá-los c?mo. hóspede~ de qua-,~lidade, DepOIS de ter Imolado aos Deuses bOISe outros animais to-\1'( mados ao inimigo, foi dado um banquete qUe não pareceu desmere-11 cer da magnificência grega. Os convivas estavam reclinados em~ ..: 1'. camas de folhas e bebiam por canecas de chifre, à moda da terra.; fi Depois que trocaram os brindes do 'estilo e entoaram o pean, os'f trácios foram os primeiros que se. ergueram e; armados, executaramJ' suas danças ao som da flauta. Saltavam ao ar e merieavarn-se com:;i: grande agilidade, chocando os gládios uns contra os outros. Ao fim,I~;um dos dançarinos feriu o,seu par e todosjulgaram.q~e tinha sido

.:; a valer, tanto a cena fora mimada com arte. Os paflagoruos chegaram

j',mesmo a soltar um grito de horror. O vencedor, entretanto, despoja-.: va o vencido das armas e saía cantando o sitalca. Logo a seguir, outros'~' trácios retiravam o fingido defunto da liça, em perfeita saúde, como,~ todos haviam acabado por. compreender.

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192 XENOFONTE

Em seguida enienses executaram com mag;netas, revestidos dasarmas, a pantoriüma da sementeira. A dança consistia no seguinte:o figurante que representava o papel de' lavrador despia as armase punha-as por terra; semeava o campo; pegava do arado e começavaa lavrar, voltando-se a cada passo como alguém que tem medo. Sur-gia o ladrão. O lavrador, mal dava conta dele, lançava: mão das armase batia-se denodadamente pelos bois. Todos os seus movimentosobedeciam a uma cadência determinada, regida pela flauta. Por fim,o ladrão amarrava o lavrador efugia coma junta de bois, quando nãoera o contrário: o lavrador subjugava o bandoleiro e, mãos atrás dascostas, prendia-o com a soga à canga e assim entrava com ele em casa.

Seguiu-se um misio, com uma rodela em cada braço. Dançava,manobrando-as, como se tivesse que defender-se ora de dois adver-sários a um tempo, ora de um só ..Por vezes rodopiava sobre os cal-canhares; dava um salto de alta fantasia, cabeça para a frente, sem lar-gar as armas, e tão depressa se deitava de joelhos como se erguia,tudo com ritmo apropriado, ao compasso da flauta. Acabou peladança persa, percutindo os escudos um contra o outro. E~te número

foi dos que mais agradaram.Sucedeu-lhe um grupo de mantinenses e árcades. Tinham endos-

sado belas armaduras e fizeram a sua entrada .ao som das flautas queexecutavam uma marcha guerreira. Entoaram o pean e puserarn-sea dançar consoante é de rigor naimprécação aos Deuses: O que maisassombrava os 'paflagónios era vê-los a dançar revestidos das armas.O mísío apercebeu-se de tal estranheza e pediu a um árcade, cujaes-crava era bailarina, que a deixasse VIr ao tablado. Acedeu ele e a rapa-riga vestiu-se, o mais graciosamente que pôde e apareceu de adaga namão.. Com grande destreza dançou a pírrica, e os aplausos crepitaramde todos os lados. Perguntaram então os paflagónios aos gregos se asmulheres combatiam 'ao seu lado. E responderam-lhes:

-:- Ora essa! Foram elas que correram o rei da Pérsia do campo

para fora.Ficaram porali naquele dia osdivei:timentos. No dia seguinte, os

deputados foram adrriitidos à assembléia dos soldados. Deliberou-seque daquela data em diante não se cometeria mais nenhuma espécie

193A.RETlRADA DOS DEZ, MIL

de hostilidade de partea parte. Concluido o pacto, os deputados par-tiram para a sua terra e eis gregos, julgando que tinham navios em, nú-mero suficiente, embarcaram e fizeram-se à vela com vento de fei-ção, acostá dePaflagónia à mão esquerda..'

No dia seguinte molhavam em Harmena, porto que serve.Sinope,Esta cidade é colônia de Mileto e fica nos confins da Paflagónia. Os

iR: habitantes mandaram aos gregosco~o presente de hospitalidade trêsmil moios de farinha de cevada e quinhentas :lnforasde vinho. Quirí-sofo, inesperadamente; apareceunuma trirreme. Os soldados ficaram

t<~" muito esperançado s quando o viram, mas breve se Ihesdissipou.o contentamento, Vinha; apenas, anunciar que o almirante Anaxíbio.e os seus oficiais celebravam em alta voz a gesta do exército e que lhes

"'pagariar.6 um soldo; desde que saissem doPcint~. 'Ficaram cinco dias naquele porto; Como davam contaque se

.acercava m.da Grécia, preocupavam-se com a ideia de não "altar: de'mãos a:abanár.Cismaram então que v~lia a pena ~leger um chefe úni-co, que se faria obedecer melhor do que muitos, seria mais rápido

''& a tomar umadeliberação,e ficaria em condições de poder tirar parti-I~.dAo~as boa~ oportuni~ad~s que se oferecessem, dispensando confe-jit.' rencias, consultas e o infalível voto.i~; E, trabalhados' pÓr esta ideia, lançaram os olhos para Xenofon te.t, Foram os comandantes de coorte os primeirosa.vir ter com ele e aJ pó-lo a par dás desígnios do exército. Pessoalmente, depois, cada um;!~'lhe testemunhou a sua simpatia e oconjurou a aceitar o comando..~ Xenofonte esteveteritadoa anuir. Era a maneira de dar mais lustref ao seu nome, sendo de crer que o exército lhe ficasse~a dever novas'i finezas. Mas, sentindo-se por um lado propenso a aceitar o alto pos-l~!tO, por outr~, corno a ninguém é dado ler no futuro; receava vir

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)f,,' 'a perde~ ag!Óriaj,ia,dguirid, ,a,:,Daígrande perplexidade. Foi ne,ste es- ..~ tado de espmtogue se decidiu a consultar os Deuses. Ofereceu duas, % ,vitimas a]úpiterRel,ao qual o oráculo de Delfos lhe tirrhaacorise-'/ lhado fazer holocm.lst;s. Era também crença si.!; que fora ele, üTo-{ nante, que lhe.inspirara osonh~ que tivera guandooii1vesti~~m coma ,,' " ,," ' " ,f outros do marido de capitão a fimde conduzir os gregos para fora da': Pérsia.L~l1':1bi:àva~se que, ao partir de Éfesopara ser apresentado a

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194 . XENOFONTE ...: . ..:. .. .

O adivinha qqe então a acornpanhavavaticinou-Ihe lago. ali que talsinal lhe augurava um papel distinta e glorioso embora cheio de espi-nhos, parquanto todas as demais aves apenasse atrevem a ·to.carnaáguia quando está no chão ..Não eram todavia riquezas _. acrescen.tou o adivinha - que lhe prometia aquele augúrio, uma vez que(apenas na voa que a águia faz preia.

. Celebrou poisXenofonte a sacrifício. divina, e Júpiter advertiu-omanifestamente que não. só não. devia apetecer o comando supremo,mas lhe cumpria rejeitá-lo se fosse eleito~Entretanto o exército. insta-

..va unanimemente pela eleição dum chefe e o nome de Xenofonteandava na boca de todos. Quandose tornou 'evidente que, ao proce-der-se à eleição, '0 seu .norne seria votado, Xenofónte pronunciou o dis-curso seguinte: .

~ Soldados, a honrá com que me quereís distinguir sensibiliza--me extremamente, como homem quesou. Obrigado pois e aosDeuses peço que me forneçam ensejo de vos ser útil. Não julgo, po-rém, que vos convenha a vós nem a mim ser <::ueleito generalíssirno,quando há aqui t~~ Iacedernónio. Bem vedes que em tais circunstân-cias os Lacedernónios seriam menos inclinados a prestar-vos auxíliopara o caso em que viésseis aprecisar. Por minha parte, não sei mes-mo se deveriaacautelar-rriecontra' o seu possível ressentimento. Ésabidoque só puseram fim à guetr~ contra. aminha pátria quando es-ta aceitou à sua inteira hegernonia. Sódepoiséque cessaram as hosti-lidades e levantaram o cerco de Atenas, Ciente destes factos, não se-ria' atentar contra a sua autoridade, aceitando um lugar proeminentecom prejuízo dum lacedemónio? Q1:lanto~opinião comum de quea disciplinamelhorará demodo considerável sob o comando único,plenamentede acordo. Por minha-parte prometo subordinação abso-luta ao chefe que elegerdes, porqua[.ltü,. na guerra, qualquer acto derebeldia equivale 'à conjurar-se o rebelclecontra a própria salvação.Agora, se me norneásseis vossoêhe:fe,p.ão estou certo que todospensassem da' mesma maneira ..

....'.' . Em resposta. aestaspalavrás,levantarai:Tl"Sernuitos a dizer que:Xenofonte é que devia ser eleito chefe. Agásias, de Estinfalo, decla-rou que achava-ridículo o pretendido privilegio dos Iacedemónios,e que, por esse caminho, deviam também ficar melindrados se nos

A RETIRADA DOS DEZ MIL 195

banquetes não pusessem também um compatriota a presidir. Em vir-tude de tal princípio, eles, que eram árcades, não tinham mesmo o di-reito de ser comandantes de coorte.

Estas palavras foram coroadas de vivos aplausos, Xenofonte ca-pacitou-se de que era obrigação sua voltar à carga. Tomando a pala-vra disse:

- Camaradas, pois que é precisa falar-vos franco, seja. Em no-me de todos os Deuses e Deusas da corte celestial juro-vos que, des-de que pressenti os vossos desígnios, consultei as entranhas das víti-mas no holocausto divino. De modo tão categórico, que um leigo senão deixaria iludir, declararam que não devia aceitar o comando.

Elegeram Quirísofo.A eleição terminada, este avançou para o meio. da assembleia e proferiu:

1ft - Soldados, quero dizer-vos que se a vossa escolha recaísse nau-f tro nome, podia contar também com a minha inteira obediência.

'I: Acabais, inegavelmente, de prestar um grande serviço a Xenofonte.: r Ainda não há muito que ouvi Dexipo estar a comprornetê-lo junto de;'~ Anaxíbio, e todas a~razões que invoquei não foram suficientes parai~ lhe calar a boca. Teimava que Xenofonte teria.mais gosto em ver o

~' exército comandado por Timasião, da divisão de Clearco, que era· tr dárdano, do que por mim, por ser da Lacedernónia! Enfim, já que me"~ elegestes, tratarei de me desempenhar de tão difícil cargo o melhor~~. que puder. ~reparem-se t~dos pa,ra amanhã de manhã embarcarem~g" para Heracleia. Uma vez 'alise vera o que cumpre fazer.

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No dia seguinte os gregos puseram-se de .vela com vento favorá-vel e durante dois dias navegaram ao longo da costa. De passagemviram com vivo interesse o promontório de Jasão, onde, segundoéfama, abordou o navio «Argo», e a foz de vários rios, TerrnodonreHális, e por último oParténio. Adiante deste, toparam Heracleia, ci-dade grega, colónia de Mégara, situada na nação dos Mariandinos,e lançaram âncora perto da península de Aquerúsia. Foi aqui, ao quereza a tradição, que Hé rcule s desceu aos .inferno s para açaimarCérbero. Um precipício que ili há de mais de dois es tád io s.deprofundidade é apontado como vestígio certo da sua proeza. A planí-cie é regadapelo rio Lico, largo duns dois pletros. Os habitantes deHeracleia mandaram logo aos gregos .os costumados presentes de hos-pitalidade, três mil moiosde farínhade cevada, duas mil ânforas devinho, vinte bois.e cem carneiros.

Havia certa perplexidadequanto à via que deviam tomar para sairdo Ponto: seguir por terra ou continuar por mar, e os soldados reuni-ram-se .para dirimir tal problema. Licorite, de Acaia, foi o primeirogue pediu a palavra e disse:

- Camaradas, estou muito admirado que os nossos capltaescontinuem de braços cruzados, sem se preocuparem com angariar osrecursos que nos são precisos. Os presentes de Heracleia chegam pa-ra três dias, se tanto; e depois? Sou de opinião que se reclamem da ci-dade de Heracleia três mil cizicenos, pelo menos. .

-.- Qual três ~ll-,'- exclamou outro ---, dez mil não é de mais.O que temos a fazer é eleger os emissários que hão-de ir com a re-presentação.

,·197A RETiRADADQSDEZ MIL

Trataram de eleger as pessoas em questão e o primeiro nomeproferido foi ode Quirísofo na. qualidade. de generalíssimo, Alguémpronunciou também o nome deXenofonte. Tanto um como outrorecusaram-se terminantemente a título de que não eram de opinião'que se lançasse-tributo de guerra a uma cidade grega, Elegeram, em

," consequência, para tal missão, Liconte, 'de Acaia, Calimaco, de Parrá-sia, e Agásias,deEstinfa16. E os três hi foram à cidade. Liconte che-gou a proferir certas ameaças, caso não fosse dada satisfação ao exér-cito. Em resposta, os Heraclensespedirarn um prazo para deliberar,E àlufa-lufa matid~ram acoitar deritro da cidade gados e pessoas queandavam pelos campos e fecharam as portas. Ao mesmo tempo, aoalto das muraihas mostraram-se homens armados até os dentes,

~,' Em seguida a tão estrondosoinsucesso, os seus causadores não:l; acharam nada melhor que imputá~lo aos capitães. Os árcades e aqueus,;~': esrrernando-se do resto do exército; trataram de ,assentar no que lhes.'! convinha ~azer. Eram seus cabecilhasCalimaco,deParrásia, e Licon-

, .:Ii te, de Acata. Todos acharam que era uma vergonha umarernense,"r~ . . . '.' .,~t: que não trouxera tropas nenhumas consigo, comandar gente de La-,.!i cedemónia e, doPeloporieso; os trabalhos eram para eles, o galardão~'~'.para os outros,ese os gregos ali estavam não o deviam a mais nin-'~, guém. Não constituíam árcades e aqueus mais de metade do .exér-li: c.ito? O que ha~i~a fazer.isequisessem proceder com juízo.iera con~l tinuar a rotasozinhos.inomeando chefes e fazendo presas onde se

~'~ lhes proporcionasse. . . '.' . '. .'.. ..-: ,~1 .O parecer fOIadoptado e quanta gente havia deA.caia ou Arcádia

t~~ts~i;~~t~s~eE~U;!~~~:'~:~:7:fd~:e ca~;:~:~-:et~::r::lut:t~:sa::

.[ mais .resoh~çõe~,compadve:is corn os seus planos. Deste modo, foi."t Quirfsofodeposto do 'comando; sete dias depois de recebera investi-

I~dura. . . .•

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't' Xenoforite.tentouainda segurar osdíscolos, persuadido de que:t 'nã~ havia nada.a ganharem 'marcharem divididos, MasNeâoaconse-~_ lhou, por sua vez, .~Quirrsofo a fazer grupo i. pilrte, uma vez, que'~ Cleandro>h~rmosta deBizâncio, lhe tinha prometido virbuscá-IoIf; com as galerasáb porto de Calpe. Daquele modo havia todas asJ~.,,~I}"

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possibilidades de ele e as suastropas.encontrarem o necessário trans-porte. Quirísofo, enfadado depois do que se passara; com a sua pon-tinha de despeito contra oexército, não. soube resistir à voz da sereia

Xenofonte esteve meio tehtadcíaabandonarastrôpa~ e partir so~. zinho por mar.Tendo, porém, feito uni sacrifício a Hércules, guia dedesgarrados, para saber sedevia ir-se embora ou ficar com a solda-desca, o Deus.fez-lhe sinal.nas entranhas das vítimas para se manteronde estava. O exércitorepartiu-se, assim; em três corpos: aqueuseârcades, a um ladoçou seja cerca de quatro mil e quinhentos ho-mensrtodos hoplitas; mil e quatrocentos hoplitas e à volta de sete-centos peltastasa outro, sob o mandodeQuirísofo. Eram quase to-dos trácios, recrutados por Clearco ..Enfim, mil e setecentos hoplitase trezentos peltastas formavam a coluna dê Xenoforite. Só ele tinhacavalaria, um. pequeno esquadrãocomuns quarenta ginetes:

Os árcades.. tendo conseguido que Heracleia lhes dispensasse na- .vios, foram os-primeiros a pôr-se de vela corri O pensamento de cair·de improviso na Bitínia e saquearà varaIarga: Calpe, em plena Trá-

.'ciá, foi o porto escolhido pàra dese·mbarcar. Quirísofometeu a corta-."mato pelo interior, logo nas abasde Heracleia. Mas assim que atin- .giu a Trácia.i pós-sea seguir a Iinha da costa, pois se sentia doente,

. Xenofonte,esse, mal puseram navios suficientes à sua disposição,fez-se à vela até os confins da Trácia e do território de Heracleia,e dali em diante seguiu a rota terrestre.

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Os árcadés desembarcaram de noite no porto de Calpe e, semperda de tempo, marcharam sobre as aldeias próximas; as quais fica--varn a uns trinta estádios de distância. Ao amanhecer dividiram-se,cada capitão lançando a sua gente sobre uma localidade: Se esta tinhaares de importante, em vez de uma .coorte eram duas a atacá-Ia, Co-mo ponto de concentração fixaram determinada colina.

Depois de assim assentarem, os gregos investiram as aldeias, sen-do a tal ponto inesperada a sua irrupção que além de se apoderaremde muito gado fizeram nãopoucos prisioneiros,

Muitos dos trácios puderam, todavia, fugir a tempo, outros esca-param-se, já presos, das mãos doshoplitas, cujas armaduras pesadaslhes atavam os movimentos. E, armados à ligeira, em bando, caíramsobre a coorte de Esmicres, que se dirigia para o sítio aprazado, car-regada de saque. Durante algum tempo os gregos puderam contero inimigo, avançando sempre; mas à passagem dum barrocal, a suaresistência quebrou-se, e soldados e chefes foram passados a fio deespada. Sorte quase igual teve. a coluna de Hegesandro, um dos no-vos capitães; desta voltaram ainda oito homens. Quanto às mais, lácompareceram no lugar marcado; uns com boa maquia, outros comas mãos a abanar.

Durante todo o resto do dia, os trácios chamaram-se uns aos ou-tros de oiteiro para oiteiro, exaltados pelos êxitos obtidos. E, tendo--se juntado em grande força peltastas e cavaleiros, ao nascer do diapuseram cerco ao monte em que estavam acampados os gregos.O número deles crescia hora a hora e era impunemente que assalta-vam os hoplitas, que não tinham tropas ligeiras em que se apoiar.

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E faziam-no acercando-se a galope das linhas gr.egas, despedindo osdardos e pondo-se a coberto de qualquer riposta com duas esporadasnos filhais dos cavalos. Deste modo feriam os gregos sem receberuma só iançada. E estes acabaram por não poder bulir do lugar ondeestavam, nem abastecer-se de água, diante de cujo manancial os trá-cios sehaviam atravessado já.

Nestaconjuntura crítica, lançou-se a ideia de tréguas. Os tráciosnãoestiveram, porém, de acordo qu an to a entregar reféns, comoqueriam os gregos, e a situação perdurou assim tensa e delicada todoaquele dia...

Entretanto Quirísofo chegava pelo caminho da beira-mar a Calpesem ser molestado. e Xeriofonte, leva que, leva' pelo interior, encon-trava-se comuns velhos a quem dirigiu .a palavra. Que era feito dumoutro exército grego, que tinha cortado para aquelas bandas? Sabiam?Responderam eles que.esse exército estava cercado e envolvido de to-dos os iados pelos trácios numa colina daquela comarca. Depois de re-ferirtudo o mais que sabiam, foram entregues a uma escolta para, em

"caso de necessidade, os utilizarem como guias. Xenofonte, depois depostar vedetas dali em foracconvocoua sua gente e disse-lhe:

- Soldados, uma parte dos árcades. foi trucidada, outra parte. es-tá em riscos de perecer cercada pelostrácios. Quanto a mim pensoque, se deixamos morrer esses homens, mal vai para nós, que vamoster à perna um inimigo terrível pelo número e inchado pelo triunfo.E o melhor que temos a fazer é co rr er em defesa deles; se aindaé tempo, e juntarmos as forças: para não ficarmos, isolados uns dosoutros, tão expostos ao perigo. Em marche, pois, até a hora de ran-cho: acampamos a seguir. Timasião; vai tu à frente com a cavalaria,batendo o terreno, sem saíres, porém, da nossa vista.

Ao mesmo tempo que dava estas ordens, destacava os homensmais ágeis, tirados das tropas ligeiras, para os flancos da coluna, comordem de irem de banda, pelos montes, a deitar o lume a tudo o quefosse susceptível de 'arder,' e' infor~ar do que descobrissem de singu-lar. E aos soldados foi-os exortando com estes dizeres: '

- É escusado pensar em retirada, por muitas razões: Heracleiafica-nos longe; Crisópolis, mais longe ainda e pela nossa frente, istoé, no caminho do inimigo. O lugar mais perto é Calpe, onde Quiríso-fo se encontra a estas horas se os Deuses não lhe faltaram com a sua

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graça. Mas em Calpenão há navios que nos levem, nemvíveres paraa tropa se aguentar ali um dia só que seja: Nestas condições, deixar

,sucumbir bsárcades, para nós, irmos juntar àgénté de Quirísofo não, me parece o melhor partido. Vale mais romper adiante e libertar osnossos compatriotas que é o mesmo que defender as nossas vidas.Avante pois, resolvidos a cair gloriosamente ou a assinalarmo-nospor um feito heróicojcornoé asalvação de tantos gregos: Quem sa~be se não, anda aqui 'O dedoda Providência que se ~praz em humilharos soberbos e rnagnificar-rios anósque respeitamos os seus desíg-nios! Avante, e .atenção às ordens-que forem dàdas. '

Xenofonte pôs-se à testa da ~ohHla.Acavalaria,na vanguarda, ospeltastesçnosflancos, iarnqueimando tudo Oqueencorrtravam. Asmais trop~spraticavam: igual devasração sempre que 'lhesetàp~ssível.~a região em fogo anunciava otrânsitode numerosoexército.,A .horàprópria, as-tropas subiram.para uma colina donde avista-ram os fogos doinimigo, que devia,enCOQHar-Sea uma distância dequarenta estádios;:Ace~dera~tambÚn t~ntas' fogueiras' quantas lhesfoi possível; ,acamp aram , ,in,charani,~:xtinguiramde, p rorito todoe qualquer Íume e,po~tancl.O guardas avançadas, cada um seacomo-

, dou conforme 'pôdé para.dormir. Ao .ius~o-fuswdaaurora,as tropasi~;, fizeram, as suaspreces ,e rnarcharamà frente, a passo estugado. Tima-!~'sião,q\le ia.àtesta da,C,QIU?aCOma c~valai:iae.os guias, encont~ou,cseªr sem o~sperarno .cabeça ~m que Q~ arc~desttnham SIdo ass:ediadol.i Mas, nãodescobrindo amigos nem 1nImIgos, correu a advertir Xeno-~t fdnte. No sítio quanto restava de vivo era 'meia dúzia' de velhas e ve-~ . . . . ". . "... . ..f'h lhos, uns carneiros: tinhosos 'e umas tantas vacas, Pelos homens 'veiof~ a averiguar-~e q~~~s trácios t~nh~m retira~~ na vésper~ à n~ite e os"f gregos, na.manha;' nãosouberam dizer, porem, em que direcção.J Cólhidos estes infortnes,Xenoforlte deu ordem pa~aq~le se c~-tt messe o rancho: E logo após sepusetam de jornada coma esperançaf~ de apanhar os (mtrosgr~gos dali até O pOW) de Calpe. Ac'ertaaltiJta,'}' descobriram o rasto dos aqueus e dos árcadés, cujo itinerário era pre-

cisamente o que eles .iarn seguindo rApertararn Qpasso e,quando osalcançaram) abraçaram-se fraterrialmenrecom grande regozijo departe a parte. Perguntaram os árcades aos soldados de Xenofonte

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porque é que tinham apagado as fogueiras. Corri.efeito, ante a escun,dão súbita quesefizera;futuraramqu~ se 'propunham atacar os trá-cios. Estes, por sua vez, deviarnteromesmopensamento, porque,tomados de 'medo, debandaram pata longe. Por outro lado, como astropas deXehoforí.tenão chegassem eo tempo .urgisse,: concluíram

".que tin:ham ficado intimidadas ao terconhecirnento .da situação delese que houves~emretir~do para as b~nd~sd6 mar. Eles, também, ha-viam decidido não.ficar atrás, e eis porque vinham de espora fita por

. aquele caminho. ' . . .'

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IV

Passaram o dia acampados à beira-~ar,' sobre' a restinga. Chama-vam-lhe ali porto de. Calpe, e o território fazia parte da Trácia asiáti-ca. Esta nação estende-se desde a entrada do Ponto Euxino até Hera-eleia, e fica à-mão direita dos que n!tv'egam. para o Ponto. Gasta-seum dia inteiro parair dali até Bizâncio em galera a-remos. No inter-valo não existe cidade grega ou mesmo aliada dos Gregos. Os habi-tantes chamavam-se Trácios-Bitínios, tão inimigos dos Gregos que seapanham algum a jeito - enãoé raro que ali dêem à costa por nau-frágio ou acidente análogo ---'- fazem-lhesofrer os mais cruéis. trata-mentos, ao que se 'diz. O porto de Calpefica a meio caminho entreHeracleia e Bizâncio para quem tomou o 'navio. Pelo rnar dentroavança um espigãode terra, cujaponta de rocha' viva se alcancioramais de vinte ó~i<1ssobre as ondas. ,O istrno tem quatro pletros delargura, se tanto, todo O .promonrório podendo comportar uma po-voação de dez mil almas.

Fica a enseada à sombra do alcantil, com a praiazinha voltada pa-ra o poente. Ali brota uma fonte de água doce,abundantíssima. Cres-cem ali árvores de toda a casta, que dão madeira empregada nasconstruções navais. O solo vai-se empinando e formando montanhaque se prolonga para o interior mais de vinte estádios; mas enquantoa faixa à beira-mar desaparece sob o copado e viriderite arvoredo, pa-ra o alto o solo é nu, embora pouco pedregoso. O resto da comarca éfértil, muito extenso e povoado. Produz cevada, trigo, toda a espéciede legumes, painço, sésamo e figo à farta. Nas encostas a videira dá--se bem e o vinho é maduro. Em suma, medra ali toda a árvore depomar, excepto a oliveira. Aqui está o que era a região.

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204 .XENOFONTE

"OS' gregos levantaram tendas à beira-mar; tendo evitado fazê-Iono sítio onde estava iridicado erguer-se uma cidade, para frisar a SUaanimadversão por um projecto quelhes parecia andar no ar. Em ver-dade, não fora a necessidade que obrigara a maior parte dos gregosa alistar-se no exército de Ciro. Tinham ouvido falar na sua generosi-dade e, um pouco, ao desfastio, OU11:0 pouco por aventura, ainda Comesperança de ganhar a grande vaza, decidiram-se a atravessar o mar.Agora o que desejavam acima' de tudo era regressar à Grécia sãose salvos.

.Urn dia depois de se haverem encontrado, Xenofonte celebrouum holocausto para saber o que deviam fazer, visto que a estada alise tornava precária. Era preciso arranjar víveres a todo o custo; alémdisso era preciso dar sepultura aos mortos. Os vaticínios não foramnada maus e os árcades proritificararn-se a acompanhar Xenofonte,Tiveram que enterrar os mortos no próprio local em que sucumbi-ram, pois, jazendo insepulroshácinco dias, estavam em adiantadadecomposição. Mas limitaram-se a levantar os dos caminhos e a to-dos se fizeram exéquias tão solenes como foi possível. Quanto aosque faltavam e não houve 'modo de encontrar os despojos, ergueramum vasto cenotáfio e rieleforarn depostas muitas coroas. Uma vezcumprido este dever, voltaram ao arraial para comer o rancho e go-zar o repouso bem rrierecido.

No dia, seguinte houve assernbleia, a rogo de Agásias, de Estinfa-lo, e Jerónimo, da Élida, ambos comandantes de coorte e velhos ve-teranos da Arcádia. Propuseram e foi votado que dali em diante fossepunido tom pena de morte aquele que pretendesse criar divisões no.exército. Deliberou-se mais que cada um voltasse a ocupar o postoque tinha anteriormente e fossem investidos no comando os antigoscapitães. Quirísofoacabava de morrer com uma poção que tomarapara combater a febre; em seu lugar foi eleito Neão, de Asineia. '

Na mesma reuniãoXenofonre usou da palavra nos termos se- rguintes:

.- É claro como a água que temos de continuar o caminho a pévisto que não dispomos de ni.:rios.E há que dar já o sinal de partida,senão queremos morrer à fome. Por isso vos digo: celebremos o sa-crifício aos Deuses, e cada um prepare-se para combater com maisbravura do que nunca. O inimigo está a imparde bazófia,

~RBTiRÁDADOSDEZ MIL 205

Irriolaramc'se~svítimas na preieriçade' .Arexionte, d~Arcádia,"~,:o adivinho. Silano,de Ambrácia, esse, tinháfretado uma galera em

Heracleia e desaparecido, sem dar rumor, As entranhas nãodetarn,,,'bonssiriaiseadiou-'seapartida para adia seguinte. E tanto ba~tou" para muitosm~rmurai:erri que: birtte:fttO'de Xenofonteerafundar alic'.. . ....., . "~' ,uma cidadeesubornara o adivinho. Foi por isso que aquele capitão(i mandoupúbÍi~arp6rum àrauto que quem quisesse podia assistir no

dia seguinte aoholocausto das vítimas eobsérvat as entranhas. As-sim, quando sedeu iÍl.ício àcerimónia, havia muitaspessoas àrodado altar. Foram sacrificadas três vítimas; a seguir umas às outras, semse~eparar.sinalprop ..ído.,?s sOldadoos. estav.arn in..CJnsOláYei~,.tan~omais que tinham consumido os rnanrrmeriros e nao apareCIa nadaa.vender; ' " ',:. " ':, ,... '.' ',_ " .'. •.

Reunia-se de novo' o exército e Xeriofonte disse:~ Bem ~vecies, camaradas, qU:econtinu~ apers eguir-rio sa má

sorte. Agora, como não hi que comer, sacrifiquemos novamente pa~i', ra que osD~us:es imori:ai~ se amerceiemdenós. . ,.,..'

~. ' '~ Cotnpre,ende-se:-- proferiu uma voz ~ que ;s enttanhas dást~ vítimas nos sejam desfavoráveis. Oritem.abordou aqui um navio e a'~ um marinheiroouvieu que Cleandro.vharrnosra de Bizâncio, devia

" estar achegar com .trirrernes 'e navios de transporte.I' Em faceda .notícia, foram todosdeopi~iãó que se, ~sperasse.',' 'Mas como arranjar q):lecomer> Novamente se Imolaram vítimas e to~

das três deram.sinais funestos. Os solcladosiam ter comXenofonree gritavam que tinham f~in~. Ele respondia que coritra a yontadedosDeuses não ~ariaum passo para fo;a do arraial. .,' '" . , ,

Celebrou-se.novo sacrifício no dia seguinte; astroPas todas, mo-vidas de ansiedade, formavam círculo em volta do alrar-Novarnenteas vítimas responde~amnegativa:~éni:e.Os capitães persistiam emnão levar as tropas à pilhagem, mas 'nãoHouve remédio se'não falar--Ihes, ." .; "..... ", " .: . . ." '.' ,- ,,' "':, .."

-' Não há dúvida ~disse .Xenofonte - que o inimigo está-seconcentrando. para U:ósatàéare queocombate é inevitável, Se dei- .xásserrios aqui..a iinpeClimenta, debaixo de guarda, ~nos limitássemosa dar batalha.italvez 0$ presságios nos fossem pr6pícios... .

-:- Não, não! -.-. exclamaram .muitas vozes a um tempo ..-'- Nadade f~zer aqui castro] Volte-se.a sacrificar! ' -. ' '.

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Já não havia gado miúdo; abateram-se .bois. Xenofonte, parao caso em que o vaticínio fosse afirmativo, recomendara a Cle~notque tivesse tudo a postos para a surtida. Mas oS presságios mais umavez foram contrários. .' '. -Ó, '., • •

Neão, que suced,eni a Quirísof() no. posto de capitão, vendo a pe-riúria geral; quis tornar-seagtadável às tropas: Apareceu-lhe um habi-

:tante de He~ácleiaadizetqu~ conhecia muito bem certos povos, nãolonge dali, onde não custava nada ir buscar víveres. E logo ele, apro-veitando a deixa, mandou deitar: bando pelo pregoeiro que quem qui-sessesair a 'forragearse apresentasse qjle ele seria O comandante.Cerca' de doi; mil homens, ~rmados apenas-de .dardos, mas munidbsde sacos, odres e de toda a espécie de recipientes, marcharam atrás

. dele. Ora, mal pisaram nas aldeias, d~u sobre eles a cavalaria de Fàr-'.. nabaz. Tinha vindo em socorro dosBitínios corn o fim de se Opor

.à passagem dos gregos pata a Fógia.Nadamenos de quinhentos gregosforam passados a fio deespada;ostest~.b.tes fugiram para os montes.

TrouxeUrridos .fugitivos a má noticiá ao' arraial. Corno os sacrifí-cios tinhamainda esse dia sido aziagos; Xenofonte imolou um boi,

porfaltá d~melhor,emarchol,lcóttlóssoldados de menos de trinta'··anosem.socorrO dos gregos. Estava já Ó Sola pôr-se quando os ex-. pedicionários, muito desalentados, se puseram a comer alguma coisa,Imprevistamente, os bitínios vieram por :detrás .dos bosques e caíramsobre eles, matando asguardasavánçadas e afugentando os outros

. para ocarnpov.Quando de tal se aperceberam, os gregos soltaram um

. grito terrível ecorreram às armas. Mas era perigoso perseguir o ini-.. rnigo ern regiãotão acidentada e selváticaenão arredaram dali, pas-

sando a noite, porém, de prevenção .:

No dia seguinte fortificou-se o lugar. Abriu-se um fosso no istmo( de lés a lés, guarneceu-se durnatranqueira, deixando-se três portas

~' por único acesso. Ali se acoitou a impedimenta toda.e o exército pôdeli respirar. De~ois deu-seacircu~stância benéfica de chegar d~ Hera-'~' cleia um navio carregado de farinha de cevada, de gado e de Vinho.I.' Xenofonte, q~e andava apé desde a alba;s~cri~co~ aos, Deuseslft para obter deles licença de sair do castro. Logo a pnmelra vrnrna, os~: s~~iS fo~a~ de b0r.n augúrio. p:o.~n~ dO,s,acrifício,Arexionte, de ,P~r~

"1'~'1.. rasra, .ad1Vlnho, avistou U!::a ag.~la, iridício certo de bom pressa.glo,',~':e conjurou Xenofon:tea por-se a testa das tropas. Os arautos foram!,i: pelo campo e publicaram esta ordem'; «Que os soldados, logo depois;~,do almoço, saíssem do castro, armados; mas que a gente sem armas,~*bem como os escravos, não era autorizada a saio) Veio. tudo, salvo'~ Neão, ao qual se confiou aguarda do campo, como posto de honra.;i~"Os soldados e comandantes de coorte não queriam, porém, ficar~ .. .' ....~) com ele. Tinham vergOnha de não. acompanharem os mais ao com-lf. bate. E resolveu-seque ficassemde guarda ao campo todos aquelesj~ que tivessem mais de quarenta e cinco anos. O testo abalou.:li.!, "." , ", '~t Andados quinzeestádios, começaram a encontrar mortos. A frente.Jf da coluna fez meia volta, e os da reraguardaincumbirarn-se de sepultarir os, cadáver~s: A manobra re~etiu~se tantas ~ezes quantas foi preciso~.:~ate chegar a entrada da aldeia, onde os cadaveres eram aos montes;~ ". . .F Juntaram-nos todos e iriumaram-rios numa grande cova.~J.. Já passava do rneio~dia quando as tropas começaram a desernbo-~fcar das aldeias, ca~regadas de rapina. SubitaII1ente lobrigaram o inirni-f'( go a descer a ladeira, que lhes ficava de tope, formado por tropas de

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infantaria e de cavalaria em linha já de combate. Eram Esfitridatese Rátiries à testa duma força considerável, mandada por Farnabaz.Por sua vez, assim que estas tropas avistaram os gregos, pararam; es-.tariam a quinze estádios de distância pouco mais ou menos. Arexion-te, adivinho dos gregos, imolou imediatamente aos Deuses e logo as:entranhas da primeira vítima auguraram sucesso feliz. Xenofonte dis-:se então para os mais capitães:

_ Proponho que à retaguarda da coluna de ataque postemoscompanhias de reserva, prontas a acudir aos pontos críticos. Se não:forem precisas para esta manobra, estando frescas e debaixo de for-:ma, podem facilmente após o primeiro embate transformar a confu-são do inimigo em desba~ato.

Concordaram todos e Xenofonte acrescentou:- Vá, toca a atacar-a furido imediatamente que o inimigo está

a observar-nos. Eu sigo-vos, é só questão de dispor as reservas noseu lugar.

Os capitães avançaram com a haste a passo mesurado. EntretantoXenofonte, retendo os três últimos batalhões, que eram de duzentoshomens cada um,. formou três corpos: um que marcharia no couce daala direita, à distância de um pletro, sob o comando de Sâmolas, déiAcaia; outro, sob o comando dePírrias, de Arcádia, que' avançaria aocentro nas mesmas condições; finalmente o terceiro, que constituiriao reforço da ala esquerda, às ordens de Frásias, de Atenas.

O exército ia marchando quando aguarda avançada esbarroucom uma ravina, difícil de passar, e fez alto. Na dúvida se convinhaou não romper adiante, foram passando I?alavra para que os capitãese comandantes de coorte se pronunciassem. Xenofonte, dando contada paragem súbita, ficou muito intrigado e lançou-se para a frenteà rédea solta. Sofeneto, que era o mais velho dos capitães, estava na-quele momento precisamente a dizer que não via meio de transporo barrocal. Xenofonte não o deixou acabar:

_ Bem sabeis,camaradas, que não tenho prazer .nerihurn em ex-por-vos ao perigo. Mas, agora, não se trata de dar mais provas de va-lentia, que já destes até de mais, mas, de salvarmos a vida. Notai bem:nós não podemos voltar atrás sem combater. Se não vamos de cara

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A RETIRADA DOS DEZ MIL 209

, para o inimigo; é eie que virácontrà nós e nos atacará pelascostas ..Dizei-rne: qualvale mais, atacar de frente, ou voltar o rosto a cadapasso para repelir a agressão? Bem sabeis que se não há estímulo al-gum em retirar diante do inimigo, acossá-lo dá alma até aos cobardes.Por isso eu preferiasaltar-lhe às canelas, com metade dás tropas quelevamos, a retirar com forças duasvezes mais mi~erosas. De resto,podeis ter a 'certeza guenão é.gente para aguentar o embate, masque, se rios vêern-recuar, tornar-se-ão tremendos a perseguir-rios.Uma vez' atravessada esta barroca, nã() será' também esta umaóptirnaposição para óferecer combate? Não éa segurança pela espalda? Porminha parte sempre desejei que os caminhos fi~assemüvresaoad-versário paraarerizada e que o acidentado dos ltigares era, aindae sempre pa~álló's"a lição certade que só ria.vitória podemos ençon-trar salvação, Espanta-meque este desfiladeiro vos inspire mais ter-ror do que tantos outros que não tivetama propriedade de deter-vosum só momento. Mas; digam-rné lá; se não batermos a cavalaria que'além se vê, seremos capazes de dar um passo na planície? Eçomohavemosde tornar a passar os montes, que jáconheceis, COm tantospeitas tas aos calcanhares? Dando de barato que alcançamos o marsem gravamede maior, aP()nto .Euxino-riâo éum escolho bem maissério, onde não só Jão teremos navios que nos levem, como não te-

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remos alimentos que não nos deixem morrer de fornel? Se fugimospara lá, forçosamente reremosde sair e sem perda de tempo, picadospelas necessidad~s davidi. Não, soldados, vale mais oferecer batalhahoje, berncornidos 'ebebidos, que amanha em jejum. Ossacrifícios,o voo das aves;as vítimas pressagiam-nos um grande sucesso. Avan-te! Seria o cúmulo que o inimigo, depois de nos pôr a vista em cima,jantasse com a comodidade toda e.arrnasse tendas onde lhe dessea gana. ,

Os comandantes de coorte instaram então com Xenofonte paracomandar a coluni. Ele pôs-se a frente; recomendando qUI;:ao atra-vessar a cova não quebrassem a forma e cada um avançasse sempre'a direito onde quer que estivesse. Era persuasão sua que as tropasdeste modo atravessariam mais depressa do que desfilando pela pon-te que havia por cima daquela grande baixa. Eassim foi, Uma vez do

·lado de lá, Xenofonte exortou novamente o exército:

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- Camaradas, lenibrai-vosdàshorasdifíceis..de que,com a ajudados Deuses, pudestes sair triuilfa~ú:se représeritai-vos a sorte queespera aqueles que voltam costas nó. combate. Não esqueçais- que es-

. tamos às portas. da Grécial Invocai Hércules nosso Guia, e animai-·'. -vos chamandO uns' pelos outros, Nada mais bonito que ser louvado· '.amanhã por aqueles que vos ouvirem contar os feitos que praticastes.

Xenofonte percorreu a cavalo a frente de batalha, proferindo vo-zes assim de estímulo. Finai~ente os peltastasforam colocados nas

·..duasalas, E,d~ lança ao ombro a espera que a trombeta desse sinalde carregar; avançaram a passo gúiasticop_ar~ o inimigo. Quando pe-

..···!as filas soou arma com as palavras consagradas J1fpiter Salvador, Hércil-les nosso Guia, o lnimigo,confiad~ria sua posição, esperou a pé firmeAssim que Se viram perto, ospeltastas, sem esperar ordens, solJrambseu grito de glier~a elançararn-se à.carga. Saiu a fazer-Ihes frente'acavàlaria e o grOSS() da infantaria bitínia e destroçaram. Mas a infan-.taria grega avançou ern linha e:. a. passo dobrado ..A trombeta saltouóseudangor,os hoplitas entoaramo pean, seguido da vozearia cos-tumada, e enrist:ltam'lanças.E ante a investida impetuosa o inimigofraquejoti e despediu em debandada. '.. Tirnasião foi em sua perseguiçãO coma cavalaria. Feriu e matou

tantos quantos podia um ésquadrãotão diminuto. A ala esquerda doinimigo, que ficava em oposição aos ginetes, foi logo pulverizada;a ala direita, nâo tendo. sofrido investida tão rude, fez alto numa lom-ba.' Vendo-a, cOh~ideraram os gregos que nada mais fácil e menos pe-rigoso que-investir CQmela naquela ocasião. E cantando segunda vezopean, lançaram-se ao assalto. O inimigo, porém, vergou ante a aco-metida e.fugiu. Derainno seu encalçóos'peltastas esó o largaramquando o viram dispersar aos quatropontos. '. . .'. 'Nãoobstante o pânico de que se tornoúo inimigo, não forammuitos os seus mortos. E a razão dtavae~que os gregos temiam-se

'.da cavalaria bitíiüa que era numerosa, Mesmo assim.rvendo ao largoos cavaleiros.de.Famabaz voltara ordenar-se e postarem-se de atalaiano' alto dum morrC), assentaram. de~de logo que não deviam deixá-Iosrefazer-se e tomarfôleg~.E ~isque,volt~!1cio a formarem linha de

· .'batalha;. deram sobre eles ousadamente. Àsüa aproximação, o inimi-go precipitou-se do morroparabaixo, para o lado de lá, desaparecen-do da vista; como. se tivesse .cavalaria inimigaàgarupa: J:;meteu para

A RETIRADA DOS DEZ MIL 211

umdesflladeiro que os gregos não conheciam. Mas estes suspende-, rarn a perseguição, que começava o dia a declinar. De passagem pelo. .

~ lugar da primeira refeita erigiram uma memória; em seguida, punha-i.r -se o Sol, cortaram em direcção ao mar. Estavam a sessenta estádios,'l pouco mais ou meno~, do castro.

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Escarmentado da peleja, o inimigo tratou de retirar para lugarseguro pessoas e bens. Os gregos, entretanto que esperavam Clean-dro, saíam quotidianamente a forragear. E voltavam, escravos e ca-valgaduras, carregados de trigo, cevada, vinho, legumes, painço e fi-gos. Na comarea havia de tudo, .afora azeite, e nenhum perigo secorria em fazer mão baixa sobre a propriedade do Bitínio. Os solda-dos, depois de ensarilhadas as armas no castro, podiam ir à pilha-gem para onde muito bem lhes apetecesse e o que apanhavam eraseu; quando, pelo contrário, o exército partia em expedição, se' al-gum era apanhado desgarrado com o saco cheio, o que levava per-tencia à colectividade. No arraial havia fartura; das cidades gregaschegavam a cada passo comes e bebes; os próprios navios que pas-savam à vista com prazer vinham molhar em Calpe, ao rumor deque andava ali em construção uma cidade com o seu porto. Já osinimigos, das vizinhanças, ouvindo contar que Xenofonte fundarauma colónia, mandavam emissários a re querê-Io de amizade. Eleapresentava-os aos soldados.

Cleandro chegou neste meio tempo; vinha com duas trirremes,mas nada de navios de transporte. A hora em que desceu em terra,o exército tinha saído do castro e alguns soldados, isoladamente, ha-viam-se abalançado à pilhagem pelas serranias e tomado muito gado.Receosos, segundo o regulamento estabelecido, que lhes fosse con-fiscado, pediram a Dexipo, aquele que tinha largado de Trebizondacom um navio de cinquenta remos, que lhes guardasse o saque, sqbpromessa de lhe darem parte.

213ARETIRADADOSDEZ MIL~.1

Já os soldados; à volt~de tão copiosa presa.idiziam que aquilo erade todos quando .Dexipo apareceu. E como procurasse debalde de-sinteressarossoldados, foi queixar-se. a Cleandro de que lhe queriamroubar o gado. " . '

- Traz-me o 'ladrão -,'- disse Cleandro.Dexipod~itoU a.mão a um dbsgregos mais. recalcitrantes e le-

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vou-o. .,.'.: .. " : ..... ,. ...."Mas no caminho encontrou-se com Agásias que lhe arrancou

o preso das mãos, por acasosoidadada sua coorte. A cena, porém,foi presenciadapor.muitos outr6ssoldados que romperam à pedradaa Dexipo e Ihe.chamavam traidor. Os-marinheiros, espantados com'a assuada, deitaram a fugir para o cais. E o próprio Cleandra viu-seobrigado a fugir. Xenofonte e os outros capitães acudiram, ao alvoro-ço e 10gointervieramcxplic;lOdç) a Cleandro que o incidente não ti~

nha importância e que fora oc~sionàdo por 'se'ter desrespeitad()~madecisão dó exército. Mas Cleandro.uncitado por .Dexipó, no fundoaborrecido consigo próprio por ter dado'm~stràs de terror; estava em

i' grande exaltação e falava nada menos do que em fazer-se de velail e dar aquela' gen.te como inimiga, proibindo às cidades gregas que .osj~: acolhessem dentro de portas. Nessa altura os Lacedemónios davamIf cartas em toda, i GrÚia.~;. Os gregos, vendo o mau caminho que o negócio podia tomar,~' trataram de abrandar Cleandro. Mas ele mostrou-se inflexível, a me-~~'• nos que lhe não ,entregassem o pri~eiroque atirara pedras e aqueleO': . que tinha arrancado o preso das maos de Dexipo. ,Ora um daquelesf '.que Cleandro reclamava ~ra Agásias, dos ahúgOSleiis de Xenofonte,r .e era por isso mesmo que Dexipo o acusava. Para resolver sobret o momentoso caso, convocaram O exército: Havia uns que não liga-t .vam importância ao caso; mas outrosnão escondiam a sua inquieta-~~~ ção. No número destes estava Xenofonte,que disse perante as tropasti. : reunidas:' 'I~ - De modo algum nos pode ser indiferente que Cleandro se váf embora nas disposições que nos anuncia. .Estarnos a dois passos das1: cidades gregas e,bem sabeis queria Grécia hoje quem dom'ina são os.. ,.' ' , '. '1~ Lacedemónios. O poder deles é tal que bastaum indivíduo ser da-j~ quela nação pa~a fazer o que muito bem lhe apeteça. Se Cleandro,

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214 XENOFONTE

começa por nos fechar as portas de Bizâncio e leva em seguida osoutros harmostasa recusarem-nos abrigo, a pretexto de que somosgente sem lei riem santidade enão acatamos a autoridade de Lacede-mónia, se uma tal fama chega aos ouvidos do almirante Anaxíbio, co-mo os Lacedemónios tanto mandam em terra como no mar, eis-nosentre a espada e a parede, nem embarcát nem poder ficar em terra.Ora não é legítimo que par moi" de uma ou duas pessoas se vá tãolonge no sacrifício; corno seria fecharmo-nos as portas da Grécia.E o meu parecer é:dê-sesatisfaçã6aos,Lacedemónios. As vilas emque somos nados não lhes juraram obediência? Disseram-me queDexipo afirmara. à Cleandroque para Agásias .assim proceder é por-que recebera ordens minhas. Pois bem, Se Agásias for capaz de dizerque sou euo autor da assuada, aqui está.quem assume a responsabili-.dade. Se incitei um só gregoaatiraipedrasoua cometer qualqueroutra violência, mereço o.úlrimosuplício e estou pronto a sofrê-lo.Resta-me acrescentarque, se outro é acusado, tem de entregar-sea Cleandro para que o julgue. Não tinha pés nem cabeça que nas cir-cunstâncias em que nos achamos, com esperança de sermos 'honra-dos e glorificados na Grécis.inern sequer fôssemos tratados como osmais concidadãos, e as cidades gregas nos .fosserrrinterditas cornoa pestíferos.' .' ..' '.". . '. . ' .. '....' .. ,.. . . .

Agásias levantou-se e disse: '. •... .•. .... . •~' Camaradas, juro por todos os Deuses e Deusas' da Corte C<,:-

Iestial que nemXenoforite nerri·neÍi.humde vós me aconselholf a li-bertar ohomem~ Revoltou-me Ver um dos soldados mais valen~b daminha coorte ser levado preso por Dexipo, que nos traiu, e não mecontive, confesso ... Mas não é precisoque me enttegueisa Cleandro;vou eu próprio entregat-me,equeCle~u1dro faça o que entender.Não, daqui não há-de .surgir a guerra entre.vóse os Lacedernónios.Nem a terra me comia se aceitasse que por minha causa vos fossecerceada a liberdade de ir onde vos apeteça:. Agora uma coisa vos pe-ço: rnandai emissários comigo pata que falem por mim se eu não meexpressar bem.. . '.

Deu-se aAgásiasa faculdade de escolher as pessoas que deviamacompanhá-lo. Escolheu os capitães ..Estes foram pois falar a Clean-dro, de companhia com Agásias eo homem arrancado à força dasmãos de Dexipo. Um dos capitães fa16u assim:

A RETIRADA DOS DEZ MIL 215

- O exército delegou-nos junto de ti, Cleandro, para te rogar, seé ele que está em causa, de julgares e de decidires segundo os ditamesda tua consciência. Se é apenas um, dois ou três dos nossos que acu-sas, todos nós somos de opinião que venham entregar-se para que,também, os julgues. Nenhum dos gregos que fazem parte do nossoexército se esquivará à tua justiça com o nosso consentimento.

Então Agásias adiantou-se\ e disse:- Sou eu, Cleandro, o homem que arrancou o preso das mãos

de Dexipo e que disse para lhe baterem. O preso sabia eu que era umsoldado às direitas e também sabia muito bem que Dexipo, escolhidopara comandar o navio de cinquenta remos que pedimos aos Trebi-zondinos, fugiu às escondidas, traindo os companheiros com quemtinha atravessado tantos riscos. Daqui resultou ser a cidade de Trebi-zonda espoliada dum rico navio e a nossa boa reputação sair diminuí-da. Pouco faltou ainda para nos perder a todos e, em boa verdade,é responsávelcorno se tal acontecera, porque ouviu dizer, como nósouvimos, que era impossível, que mais não fosse por causa dos riosque havia a atravessar; voltar à Grécia por via terrestre. Aqui está deque estofo é o homem a quem arranquei o meu soldado. Se fossepreso à ordem dum outro, tu ou pessoa enviada por ti, juro-te queo facto não teria acohtecido. Faze o que quiseres; manda-me matar seachas bem, mas assenta na consciência que matas um homem honra-do por causa dum cobarde e dum velhaco.

Depois de ter ouvido aquelas razões, Cleandro declarou que nãoaprovava Dexipo se soubesse que fora essa a sua conduta, mas quenão julgava ninguém autorizado a usar de violência para com aquelelacedernónio, mesmo que se provasse ser o mais abominável dos pa-tifes. O que tinham a fazer eiajulgá-lo como agora pediam que selhes fizesse a eles e dar-lhe punição conforme fosse de justiça. Po-diam retirar-se e ficar só Agásias. Comparecessem para ouvir a sen-tença quando fossem chamados. E pois que um homem se apresen-tava como culpado, não havia mais razões para acusar o exército ouqualquer grego, indeterminadamente.

O soldado, causa do incidente, disse:- Hás-de julgar, Cleandro, que eu estava culpado pois que Dexi-

po me prendeu. De modo algum. Nem atirei pedras, nem bati em

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216 XENOFONTE~

ninguém. O que eu dizia era que os carneiros pertenciam ao exércitojá que estava assente que sempre que o exército fizesse uma surtid~e um homem fosse à pilhagem, o que se lhe apanhasse pertencia a to-dos. Aqui está o que eu dizia. Foi isso o que desagradou a Dexipoque estava feito com os da pilhagem para dizer que tudo aquilo eradele e receber uma parte.

Cleandro em resposta pronunciou:-Já que és o.hornern do barulho, fica que também temos con-

tas a ajustar.Cleandro e os seus foram jantar. No entretanto Xenofonte man-

dou tocar a reunir e propôs que o exército mandasse uma representa-ção a Cleandro a pedir-lhe a graça dos presos. Deputaram-lhe os ca-pitães, os comandantes de coorte, Dracôncio, de Espana, e todosaqueles que por alguma circunstância dessem esperança de vergar-lheo ânimo. Iam autorizados a lançar mão de todos os recursos paraob-ter o perdão dos dois. '

- Harrnosta - disse-lhe Xenofonte, que também estava no nú-mero dos emissários - os acusados estão-te nas mãos e podes fazerdeles o que te apetecer. O exército manda-nos, porém, pedir-te, portudo O que é sagrado, que nos restituas os nossos companheiros. Me-recem essa graça pelos grandes esforços que fizeram para a salvaçãocomum. O exército, se lhe prestas este favor, te será reconhecido. Sequeres pôr-te à sua frente e os Deuses te são propícios, tens aqui sol-dados para te acompanhar até o cabo do mundo. Põe à prova, dumlado os gregos, doutro lado Dexipo, e verás quem tem carácter.

Ouvindo estas palavras, Cleandro exclamou:-,Por j úpiter..a minha resposta ei-Ia: restituo-vos os dois ho-

mens e, se os Deuses o consentem.squemvos conduz para a Gréciasou eu, Disseram-me que tínheis em vista nada mais nada menos queempurrar para a defecção o exército de Lacedemónia; reconheço quefoi insídia.

Depois de agradecerem, voltaram os gregos ao castro com osdois homens.Xlleandro tornou-se de amizade com Xenofonre e, as-simqueviu o exéicit~ manobrar na parada, nada lhe pareceu maisdignO de arnbiçâóque ser o seu comandante em chefe. Mas em três

,sacrifícios quefez aos Deuses; os vaticíriios foram desfavoráveis. Em,vista disso chamou os capitães e disse-lhes;

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A imTiRADADOS DEZ MIL ' 217

-Não co~teiscon1Ígo para tirar o exército daqui pata fora. Ospresságios são contra. Mas não desanimeis. Avós somente, ao que

~ parece, cabe desempenhar tal missão. A caminho pois! Quando che-~',.gardes a Bizâncio, lá estou para vos receber. ' ,

As tropas decidiram presenteá-lo com os carneiros que havia: em;, curral e eram de todos. Ele aceitou para não fazer desfeita, mas antes'.' de se fazer à vela, restituiu-os. Oexérdto largou dali Bitínia fora,de-

,.1'i,- pois de se desfazer do trigo acumulado e demuitas coisas que lhe es-torvariam a marcha. Mas corno tornassem a direito pelo trilho ordi-

~t nário não encontraram nada .a que deItara mão. Por isso, a certa. ~ltura, arrepiaram caminho durante um dia e uma noite.TsfizeramI; muitos escravos eapoderaram-se de gado em profusão. Ao sexto 'dia:: de jornada chegaram a Ctisópolis,na Calcedónia. Ali se demoraram

I~sete dias a negociar; ricapresa que leva~am.

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c t . Farnabaz, receoso: que oexército grego lhe devastasse acomatca,11'. mandou uma deputação aAnaxíbi~, que se encontrava em Bizâncio,~; Pretendia 'eleque () almirante dos Lacedemócios pusesse aquelesho~~ .,...., ". '. . ..'

.;.:; mens da Asia parafora, em troco decuja fineza estava pronto a cor-" responder com o que estivesse ao seu alcance ...Anaxíbio mandou

chama): os capitães ecomandant~s decoorte a Bizâncio eprometeu.' dar pré aos soldados desde que atravessassem para o lado de lá do es-r treito. Os.capitãesficaram de conferenciar com as tropas e dar res-

,: posta. Xenofonte.iesse..anunciou que estava disposto a separar-se do\~ exército e emb~w(r:imra à Grécia. Anaxíbio rogou-lhequeo não fi-

'~. zesse antes deo exército passaro Bósforo e Xenofonte~cedeu.''': .Por seu lado.Seutes, da Tráciavenviou Medósade a Xenofonte;,cotn a mesrnadeprecada, 'prometendo-lhe mundos e fundos. Res-

~c pondeu Xenofont~: '. '.' . . -, .' ", . .: ..''!i- Pod~srcarcçrtoque o exército. sai da Asià, Quanto a recom-pensasrSeutesnada deve, nem a mim; nem a outrem. Eu, assim que

.vir osgtegos dotado de lá, despeço-me. Para o' mais que precisar, di-rija-se aosoutros capitães. ...' . '. .

.. O exército passou a Bizâncio.' Contra o que fora pactuado, Ana-"'~'-xíbio não deup,ré aossolda~o.s. U~ pregoeiro, pe:loconhário, intiTJ?m?u-os aquetinham.de sair imediatamente da cidade com armasw1: e bag~gens.' deixando sentir que ia fazer-se.a ~harnada para depois se-

I;:rem licencl.ado.•.,s, Os: solda?o~ recebe~am .semelhante ~rdemc. o~cara.;~ de poucos amIgos, .tantornars que nao unham dinheiro p<lra a)orna-} da, equan~o a deitar correias às costas foram diferindo.t -', . , .~.

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222 ,XENOFONTE A RETIRADA DOS DEZ MIL 223

Xenofonte, que estava muito grato a Cleandro , foi despedir-sedele.

~ Não,agoranão deixes a tropa,-'-, disse-lhe o harrnosra. - Játe acusam para' aí de' seres o responsável da má vontade e vagar comque o exércitosai da cidade. , '

- Lavo daí as mãos - respondeu Xeriofonte. - Os soldadosmostrampouca diligência-a obedecer pOf<Jueos querem sacudir sernlhes dar comque voltar às suasterras.iAté fome passam!

-,-Emtodo o caso acho bem que os não deixes por enquanto,Tens prestígio, leva-os atéfora de portas. Depois, sim, farás comoentenderes,', ' " , '"",,' ,,'"

-'-,Vamos filar a Anaxíbio e Ia setesólve..,...,..disse Xenofonre,Foram ter com oalrnirarite que instou corn Xenofonte para se-

guir o cc:inseiho.deCleandrovE acrescentou ,que os soldados ,que sedemorassem a sair da cid~de e.a comparecerà revista depois não sequeIxassem.,

O exército saiu, capitães âfrerite. Estariam quase todos os ho-mens fora, com excepção de meiadúziadeles, ejáEteónico se plan-taraâ porta, pronto a deitar-lhe as trancas, mala último acabasse d~passar. Anaxíbio dirigiu-se aos capitães e oficiais e disse-Ihes:

- Abastecei-vos.por essas aldeias da Trácia fora; não falta lá na-da, Quando tiverdes o necessário, dirigi-vos para o Quersoneso. Qui-nisco tem lá o soldo que vos prometi.

Levadas por algum oficial ou ouvidas pelos soldados, estas pala-vras correram pelas tropas. E tanto bastou para as açular. :Entretantoque os capitães procuravam saber se Seutes devia ser considerado co-mo inimigo pu aliado e, portanto, se convinha passar pelo MonteSanto ou contorná-lo, metendo mais para o interior da Trácia, os sol-dados, terçando armas, correram para as portas com, o propósito depenetrar.na cidade. Eteónico estava de atalaia e fechou-as a tempo:Os soldados romperam à pancadaria a ehi.s,gtitando que era um cri-me sem norneatirá-Ios à margem, deixando-os à mercê do inimigo.Mas outros foram, pelo lado do, mar e saltando o .molhe entraram nacidade, E os que se haviam atrasado dentro de muros, tendo conhe-cimento do que ocorria, cortaram as trancas à machadada e escanca-raram os batentes. Como uma vaga, o exército precipitou-se paradentro da cidade.

Xenofonte, medindo num relance oque se passava, teve medoque as tropas se entregassem, à pilhagem e resultasse um desastre irre-parável para a cidade e para todos; O seu primeiro movimento foicorrer ao mais aceso do motim. Os habitantes, vendo os soldados ir-romper de roldão, deitavam a fugir das ruas e praças para dentro, dascasas e dos navios; os que estavam dentro decasa, pelo contrário,saíam para o exterior, sobréssaltadamerite; outros 'puxavam as trirre-mes para a água e dispunham-se a fugir por mar; todos se julgavamperdidos, corno se a cidade acabasse de ser tomada pelo inimigo,Eteónico refugiou-se ria cidadela. Pará lá mandou também, remarAnaxíbio, que teve artes de chegar ao cais e saltar para dentro do bar-co dum pescador. Uma vez ali, à primeira coisa ,que fez foi requisitarum destacamento da guarnição de Calcedónia. Já se não julgava sufi-cientemente seguro corn as tropas q):leestavam na fortaleza.

Os soldados mal avistaram Xenofonte correram para ele:- Hoje é que se vai ver se és homem ou o que és, Xenofonte,Ai

tens tudo, cidade, naus, riquezas, gente às ordens. Guia-nos, e seráspoderoso.

- Não desejo outra coisa - respondeu Xenofonte. - Estou aovosso dispor. E já que assim o quereis, toca a formar e armas em terra.

Xenofonte falava-Ihes em tom meio de comando, meio de fami-liaridade, forma de os acalmar, darido-Ihes a impressão de estar deacordo com eles, Ao mesmo tempo incitava os outros capitães a se-guir-lhe o exemplo. Formaram os hoplitas em linha, a oito de pro-fundidade, os peltastas nas alas. Estavam na praça de Trácia, boa pa-ra manobrarem os batalhões, ao. que era de vasta e plaina. Assim queXenofonte viu as tropas em linha e os ânimos mais aplacados, falou--Ihes assim:

- Soldados, a vossa ira não me espanta, como não me espantaque considereis uma infâmia o logro que vos armaram. Se nos deixar-mos, porém, dominar pela raiva e, para lavrar vingança dos lacede-mónios com quem tratámos, saquearmos esta cidade que não temculpa nenhuma, que futuro nos espera? Imediatamente passamosa ser inimigos declarados dos Lacedemóriios e imaginai agora, vósque andais há mais de ano em guerra, que guerra se vai seguir! Quan-do Atenas rompeu guerra com Esparta, tinha ao menos trezentas

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224 XENOFONTE

. . .' .rrirrernes, -seja n.a água, seja nas dárserias; um tesouro na cidadelasem fala~ na receita anual de mil talentos, provenientes da Ática e ter~ras anexadas. Dominava em todas as ilhas, numa grande quantidadede cidades, tanto da Europa como da Ásia, eaté nesta Bizância emque nos encontramos agora; pois bem; não obstante tudo isso, Ate-nasacabau por sucumbir. Que imaginais que nas iria acontecer, hojeque os Lacedernónios têm como aliados não apenas os Aqueus, mas

os Ateniensese os antigos aliados de-stes? Acrescentai-Ihes, ainda,Tissafernes e os Bárbaros, nossos inimigos figildais. E será bom Contarcom o pior de todos, aquelecôntra quem tnarchámos para lhe tirar co-roa e vida, se estivesse na noss:l mão, o grande-rei. Haverá alguém tão.insensato queimagine termos nós forças para nos medirm6's comuma coalizão destas? Pelos Deuses imortais, não levemos a laucuratão.longe; não cavemos a nossa destruição, levantando o ferro contraa pátria, arnigose próximos! Nãohaved. cidade que não. se erga paranas dar combate, e até.certo ponto não será sem razão. Então. nós ti-vemos repugnância em conservar uma só cidade bárbara, de tantasque corrquistárrios, e na primeira cidade de nação grega em que entrá-mos; havíamos de pô-Ia a saque? Antes estar debaixo da terra, a cempés de profundidade, que ver-vos praticar sem~lhante desatino. Soisgregos, como tal sou deconselhoque vos submetais aos chefes daGrécia e procureis as boas obter tratamento equitativo. Supondo quevos era recusada, preferíeis por causa duma injustiça que as portas dapátria vos fossem fechadas para sempre? Quereis um alvitre? Mandaidizer a Anaxíbio que não estamos aqui para cometer nenhuma espé-cie de violência, mas para salientar as nossas reclamações e fazer-lhesaber que sairemos de Bizânciorrão como gente que se deixalagrar,mas que sesubmetec

O alvitre foi aceite. Deputaram aAnaxíbio Jerónimo, da Élidi,Euríloco, da Arcádia, e Filésio, de Acaia. Depais que eles partiram,chegou-se aos soldadas; sentados por terra, um tal Cirátades, de Te-bas. Não obstante não. andar proscrito, era homem que corria as setepartidas, oferecendo os seus serviços a este e àquele, com a esperançade que alguma hora o pusessem à testa dum exército. Pois Cirátades,metendo fala com os soldados, prorrtificou-se a conduzi-Ios a certa

.~;;\~;A RETIRADA DOS DEZ MIL 225

região da Trácia,chamada oDelta, onde· encontrariam tudo o~ue háde precioso, e que até lá pu~h~àdisci-ição os víveres necessárias. .

Os soldadosestavam a ouvir o que ele dizia quando voltaram osdelegados COm a:resposta de A.riaxíbio.Oal~iranteaf1ançava-lhesque não teriam que se arrepender delhe prestarem obediêricia.ique iadar conta da sua atitude aos magistrados de Esparta, e quant9 a siha-via de fazer~lhesobem:quc:;·pu.desse; Os gregos, em vista disso, acei-taram Cirátades corno-capitão e saíram de Bizâncio.Tíesde.que trans-puseram-as .muralhas, Anaxíbio mandou trancar ;sportas é publicar'por um pregoéiroqu~ todo O soldadoque.fosse encontrado na cida-de seria Vendido como-escravo. No. diaseguinte Cirátades apareceuno campo doS'gr~gas com vítimas e utnad.i~inh6 ..Seguiam~na.vinte

"< homens càrregadosdefarinha; outros vi~te com odres deviriho; três~l com, az~íte. Urritra~ia.ümà tal carga de alhos que mal podia corn_ o peso; outro vinha ajàujadocom réstias de cebolas. Cirátades man-.,. .' ;" . .... .',. '. .

~.. dou pôr tudo. no chão e celebrar o sacrifício: .. .. ... .. . Xenofonte pediu aéle~ndro que lhe viesse fabio Desejava .podetIentrar em Bizâncio ~fim deembarcarpaiaa Grécia éincumbiJ

..~\ o amigo de obter de Anaxíl;>io acompetente .:autorização; Cleandro,depois de: te~·slado:an!:lamento ao. pedido, disse.a Xenofo~te:

·-Ohometn aprincíplo mqstr~u~sereh.ii:ante. Lá lhe parecia pe-rigoso que tu, estivessesem Bizâncio, como exército acampado rente .:às muralhas e com as facções em que a cidade está dividida, Mas, emsuma, deferiu c6n1~ma condição: ires ria minha companhia.

Xeriofonre despediu-se dos soldados e atravessou as partas debraço dado com Cleandro. '

Na prímeiro dianãohQuverrtodode Cirátades obterpresságiosfavoráveis e não deu· ~ãdaaas gregos. Nosegundo dia, estavam já asvítimas junta. d~.altar'eCirátadés dispunha-se afazer a Iiolocausto,de coroa na cabeça, quando apareceram Tirriasião, Neãoe Cleariora dizer que era Inútil fazer o sacrifício, pois não era a exército queaceitava corriochefe um homeinque, ·tendoos géneros à mão, ° dei-xava passar fome'. CiÚtades ordenou que a disrribuição.se fizesse ...Mas cornoas.vituàlhasnão chegassem sequer para fartar o exército.durante um dia; retirou-se levandoas vítimas. Deste modorenunciouao bastãode ge~eralíssímo.

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··Neão,de Asinei~, Frinisco, de Acaia; e 'Timasião, de;Dardânio, fi-i:~~am acapitanear o.exército .. O p~úi1eii::ocuidado foi ~boletarem-senasaldeiasttácias em frente de·Bizâncio:Mascedo deram mostras dese não entender.Ckarior e Frinisco pret6ndialll pôr o exército às or-densde Seutes,quesouber~ conciliar-Ihes a estima, convidando umcom um cavalri.outro com uma mulher: O gosto de Neão era enca-.minhá-lopara o Quersoneso, persuadido de.qÍle~em paísdependentede Lacedemó!Úa;· fatalmente lhe seriàcQnfi~do o comando supremo.Timasiã~,esse.estava~orto por torn ai paraa Ásia, na esperança demais facilmente poder .regressaràsua terra; era também o ·que os sol-dados desej~vam.Otempo no-entanto foidobarido:inuitos soldadosvenderam as armas e arranjaram passagerna bordo sabem os Deuses

,.como; outros deixaram-rias em casa dosÓrhponeses e ·foram viverpara ascidades. Amlsdbio esfregouâsm~os de contente quando lhedisseram queo exército grego se tinha esboroado; .era a maneira dedar satisfação aFarnabaz, seinte:ramenorquebreira de cabeça.

A caminho da Grécia Anaxíbie encontrou-se em Cízico comAristarco que iasubstituir Cleandro nas funções de harrnosta de Bi-zâncio. Foieleque levou a notícia de que Polo,o novo almirante, es-

·tava a chegar ao Helesponto d~mdiap~ra O outro. Conferenciandoacerca dos negócios da cidade, Anaxíbio deu-Ihe ordem para quevemlesse todos os soldados de Ciro .queséencontrassem dentro demuros. Cleandro não tinha vendido nenhum. Cheio de comiseraçãopelos doentes.vrnandara-os rratare forçara os habitantes a dar-lhesagasalho. Aristarco, apenas chegou, vendeu qualquer coisa como uns

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quatrocentos. O navio que levava Anaxíbio fez escala por Pário e oalmirante aproveitou para mandar recado a Farnabaz que se n9.0 es-quecesse dos compromissos. Mas o sátrapa, quando soube que Aris-tarco tinha chegado a Bizâncio como harmosta e que Anaxíbio já nãoera o chefe supremo das forças do mar, não fez caso e renovou comos novos governantes as estipulações que já subscrevera quanto àstropas de Ciro.

Quando Anaxíbio soube disto, fez grandes instâncias junto deXenofonte até convéncê-lo a seguir para a Trácia a toda a pressa rea-grupar o 'exército e avançar com ele sobre Perinto, que era o pontoideal quanto a atravessarem para a Ásia: E pôs à sua disposição umanau de trinta remos e credenciais, ao mesmo tempo que o mandavaacompanhar por um homem que levava ordens expressas para queem Perinto fornecessem a Xenoforite os cavalos necessários à jorna-da. Xenofonte fez a viagem sem novidade e, metendo ao direito pelaPropôntida, alcançou o campo do~ gregos. Ossoldados receberam--no com grandes demonstrações de júbilo, pondo-se logo às suas or-dens, pressurosos de passarpa~a a Ásia ...

.Seures, quarid'o soube q~e Xenofonte se encontrava deriovoà testa dos gregos; expediu-IheMedósade, nurna.riau rápida, comgrandes promessas :s~ lhe desse ajuda militar. Xenofonre respondeu--lhe redondamente que não. Marcharam para Perinto e ai Neão apar-tou-se com oitocentos homens e ergueu tendas em separado.

Xenofonte tratou de arranjarnavios que transportassem as tropaspata a outra banda. Andava nisso, chegou o harrnosta de Bizâncioem duas trirremes. Criatura toda de Farnabaz, proibiu aos armadoresque transportassem as. tropas, depois, dirigindo-se ao campo grego,proibiu também aos soldados que .atravessassern para a outra mar-gem. Xenofonte,em resposta, invocou as ordens de Anaxíbio.

- Anaxíbiojánãoé o comandante dá esqúadrae eu é que souo harmosta. Nau que se atreva a ernbarcá-Ios vai ao fundo.

E sem dizer mais palavra; Aristarco voltou para Bizâncio. No diaseguinte, porém, mandou convocar a palácio os capitães e coman-dantes de coorte. Estavam a entrar as portas, alguém segtedou aXe-nofonte:

- Não vás, que quer mandar-te. prender e entregar a Farnabaz.

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228 XENOFONTE

Xenofonte, a pretexto de que tinha um sacrifício a fazer, voltoupara trás. E de facto sacrificou aos Deuses com o propósito de saberse autorizavam ou não dar ajuda militar a Seutes. Via o perigo que osameaçava em atravessar para a outra margem, com o estreito coalha-do de trirremes. Também não tinha grande empenho em meter-se noQuersoneso, onde havia escassez de .tudo. De resto, era mister obe-decer a~ harmosta da península e sem utilidade.:Estava ainda hesitan-te, quando os capitães e oficiais regressaram: da conferência comAristarco. Não tinham, afinal, chegado à deliberar. O harrnosta .man-dava-os voltar à noitinha ..Tormlvam-se· assim mais manifestas as suasintenções sinistras. Em vista disso. e dos sinais lidos nas entranhasdas vítimas, capacitou-se Xenoforíte de que o partido mais prudenteera aceitar a proposta de Seutes -.Chamou' Polícrates, de Atenas, co-mandante de coorte, e pediu aos capitães, excepto Neão, que lhe des-se cada um seu homem de confiança: E partiu de noite para o acarn-pamento de Sentes que ficava a uns sessenta estádios dali. Uma vezlá, encontrou as fogueiras sem ninguém. Mas pelos rumores e o aler-ta das sentinelas, transmitido durnas para as outras na escuridão',compreendeu que aquilo. era estratagema trácio de modo a veremquem vinha sem serem vistos. O intérprete foi à frente anunciar queestava ali X~nofonte e desejava falar a Seures. As sentinelas quandoouviram o recado exclamaram:

- o quê? Está aí o ateriiense Xenofonte, o capitão dos gregos?- Está aí, sim, senhor.. .Correram a levar a notícia e não tardou que aparecesse uma força

de duzentos peltastas para conduzir Xenofonte e a comitiva até o 10:-cal em que estava Seutes, Dormia dentro duma torre, fechado a setetrartcas,e com um esquadrão de ginetes à volta. Levava-o a tornaraquelas precauções .o receio de ser surpreendido, como seu avô Te-res, que não. sofrera apenas grande rnorticínio dos seus, mas chegaraa ficar sem as .equipagens, levadas pelos Tinos, que têm fama de seros mais belicosos dos Trâciose muito ~trevidos de noite. Por isso ti-nha ali aquela força de cavalos em pé de'!guerra, pronta ao que dessee viesse. Dali não bulia mal descia a noite; de dia é que os cavaleiroslevavam as montadas a pastar.

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A RETIRADA DOS DEiMIL 229

Seutes ~andotle~ttarXenofonte com dois dos seus homensà escolha. Depois de se apresentarem os cumprimentos do estilo,tro-

rs;> caram ainda saúdes bebendo por cornos cheios de vinho à moda trá-cia. Aolado de Seutes estava Medósade que era 6 universal embaixa-dordaquelep.drici~e.. ' .. ' .. .' '.. . •.... .. .... I

: - Seutes ·-.disse··Xenofonte, tórnandoapalávra -'-'. mandaste--rneurna primeira yezMedósade a Calcedônia tom d fim de .eu tra-zer o exército. da Ásia para a Europa,:prornet~ndorecompensar~me ..Está aí ao teulado'ópróp~io quemenão dei~â mentir. .

Medósade acenou corn a cabeça afirmativamenre,- O mesmo veio em teunomet~r segunda vez comigcaPerin-

to, quando voltei para o exército, prometendo-me, se te prestasseajuda militar, não só: tratares-'me cornoamigo e irrnão, masceder-meas cidàdes marítimas que estão em teupoder. Éverclade 'ou não, Me-dósade> . . . '. ': . : '.' ..••'. '.' . . .: ',.' . .

Medósade.movarnente, confirmou aquelaspalavras.:- Agora -' .•vo'lveuXenofonre - peço-te ofavo rclere perir .:

a Seutes o que te respondi em Calcedónia ...,." ... ..'- Respondeste que o exercito iapassarpara Bizâncio e que por

isso não te deviam nada; nem. a ti nem a outrernj-que era de resto in-tenção tua separares-rtedo.exérciro. mal se efectuassea travessia.' Que"falaste verdade,' viu-se.x . '.

- E qu<;:foi que tedisse quandovieste a Selímbtia! ~. tornouXenofonte. '.. '. . . .'. ' ..

'- Que nada.havia afazerç.urna vez quevos dirigíeis a Periritocom o fim devoltarparaa Ásia. . '" , .

- Pois bem - disse Xenof6rtte .-'.- hoje venho eu para negociarcontigo, acompanhado de' Frinisco, aqui a,oine~ lado, um. dos nossos .capitães, e Polícrates, tarrtbém aqui presente, comandante decoorte.Lá fora e~tioho~~nsde confiança, delegados por cada um dos capi-tães, salvoNeão,deLacónia. Sé tep~r~ceequeresdar maior-peso-àsnegociações, ri,a~d;-os entrar..; Polícrates~ai dizer-lhes que, ordenoeu, deixem as arrnasà porta. Tu podes também.deixar Ü a espada.. A estaspaÚw(~s Seutes exclamouque .não desconfiavà dbs ate-nienses, gente leal, gente da sua :raça,poiscorria~lhesangueatenien~enas veias. Quando' os. mais' gregos en trararn, Xenb fon te pergun toua Seutes para que expedição pediaeleauxílio. .

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Trocaram o aperto de mão em sinal de amizade e os gregos vol-taram para o acampamento. Chegaram ainda com noite e in continenticada um foi dar contado que se passara ao seu capitão. Ao amanhe-cer, Aristarco chamou de novo os capitães e oficiais. Em vez, porém,de acederem à chamada, convocaram os soldados.

Vieram todos, com excepção dos que formavam às ordens deNeão, que estavam acampados obra- de dez estádios dali. Xenofontedisse-Ihes:

- Soldados, se quisermos embarcar, Aristarco, com as galeras,não nos deixa ir para oridé muito bem entendermos. Não pensemospois em atravessar a Propóntida; seria mais que arriscado. O que elepretende já vós sabeis: empurrar-nos para o Quersoneso, onde nãohaverá outro remédio senão abrircaminho à ponta de espada atravésdo Monte Santo. Em paga, 'promete não. vos vender como tem feitoaté aqui, dai-vos pré e abastecer-vós de mantimentos de modo a nãoterdes mais necessidades, Aqui está ° que oferec~ Arista~co. Seutes,por' seu lado,' toma os compromissos. que são notórios, dado que lhepresteis auxílio. Agora, vede bem se ·VOS.quereis pronunciar mesmojá aqui Ou se vos parece mais assisado ir deliberar em sítio onde hajaque comer. Como não dispomos de dinheiro, e aqui não podemosdeitar mão a nada que.não tenha de se pagar, se acham bem, vamospara terras em' que os habitantes, menos fortes do que nós, não terãoremédio senão sustentar-nos. Aíestarémos em melhores condiçõespara nos decidirmos pelas condições dum Ou doutro. Quem aprova,levante °braço ...

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- Meu pai ._.- respondeu o trácio - chamava-se Mésades e ti-nha por vassalos os Melandeptos, os Tino~ e os Tranispas. Mas osnegócios dos Odrísios correramrnal.crneú pai foiexpi.llso .dos s~us

. estados e foi morrer no exílio acabrunhado de desgostos ede enier--.rnidades. Eu' fiquei órfão e f\1Ícriado na corte de Médoco, que reina

··presente~ente ..Ao.chega~;porém, à a~ole,sçência, não pude cTnfor-mar-me corrra .ideia .de .vrver toda a VIda as sopas dum estrangeiro.Umdiaqueel-rei me fize~a sentar ao seu lado, supliquei-lhe que me

. desse tropas com, que me vingar daqueles que nós haviam espoliado,de modo a poder, ao mesmotempo, Iibertar-rne da sua dependênCia

·genero.sa.Deu-ma~;ama:rihãasvereis.Por.agora vamos vivendo das. presas que temos feito nas terras dos meus. Se ITleauxiliais, espeto,-,com a ajuda dos Deuses, entrar na posse do reino. Aqui está para que.cometimenro eu solicitelo vossoconcurso. ' . •

- Se ficarmos ao tey serviço -;-. tornou Xenofonte - que pagaqueres dar aos soldados, aos·óficiais e aos capitães?

Seutes prometeu um .cizice~o~o~ soldados, o duplo aos oficiais,:0 quádruplo aos capitães. Além dissdfica:ú<im com quanta terra qui-sessem, juntas de bois COma sua apeiragern, e uma praça forte à bei-ra-mar. '. ..' . • ' . .

.- Esecisn~ssosesforços s.equebrar~m com uma intervenção,suporihamos, dos LaCedelnóri~os,Úhom~mpanl receber nas tuasterras aqueles que te peçam refúgio? .' .

.,--,,:, Tratá-les-ei como irrnãose rude; o que for meu é deles. Quan-.'to ~ti, Xenofonte, dou-te uma dasminros fi,lha~e, se tdns.uma, com-

.'.procta;como é ~ostu~e entre os Trácios.ve pata r~sidência ofereço-teBizanto, a jóia das minhas cidades marítimas ..•.. . .. .

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232 XENOFONTE

Levantaram todos o braço,- Então, toca a preparar e, ao primeiro sinal, em marcha.Xenofonte pôs-se à frente dos soldados e romperam. Debalde

Neão e outros indivíduos mandados por Aristarco pretenderam dis-suadir as tropas. Ninguérnlhes deu ouvidos. Tinham andado já unsvinte estádios, Seutes saiu-Ihes ao caminho. Xenofonte fez-lhe sinalde que se chegasse bem para o pé das tropas de modo a que todosouvissem, e proferiu: . . I •.

- O nosso firoé ir acampar onde haja que comer. Uma vez lãteremos vagar paraexaminar as propostas que tu nos fazes e aque1d~que nos faz Aristarco e decidir. Queres tu erisinar-nos uma regiãofarta e onde seja fácil encontrar. mantimentos? Se o fizeres, coriside.,rar-nos-ernos ligados à tua pessoa pelos laços da hospitalidade.

- Sei duma corda de povos, ondeencontrareis o que é preciso- respondeu Seutes. - A caminhada a fazer é apenas o que basta.para alrnoçardes com mais apetite.

-r- - Então ·guia-nos - disse Xenofonte.Por volta da meio-dia chegararriao dito lugar. Seutes, em segui-

da, falou assim às tropas: .- Soldados, mais uma vez vos. digo: vinde comigo. Cada um de .

vós ganhará um ciziceno por mês; os oficiais e capitães o que é de leique ganhem. Independenternentedo soldo, não deixarei de recom-pensar aqueles que o mereçam. Quanto a' comes e bebes, a região vo--los fornecerá como agora; da venda da presa que se fizer há-de sairo vosso pré. Tenho tropas bastantes para bater e perseguir o inimigo;vós seríeis a reserva." para o caso em que viesse a encontrar qualquerresistência inesperada.

- Até que distância do mar calculas tu que será preciso auxiliar--te? - perguntou Xenofonte, .

- Nunca mais de sete dias de jornada - respondeu Seutes.Quem quer podia usar da palavra ..Muitos soldados foram de pa-

recer que as propostas do trácio eram aceitáveis; que se estava no In-verno; que a estação não era própria para embarcar; que era impossí-vel quedar em país amigo desde que se tivesse de pagar a ração; queparecia menos perigoso acampar em terra hostil feitos com Seutes doque independentemente dele; e que uma vez que ele oferecia um esti-pêndio era ouro sobre azul. Xenofonte pronunciou:

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'ARETIRADADOS DEZ MIL 233

- Se alguém tem alguma objecção af~zer, digarde Contrário,vai-se votar.

Ninguém pediu a palavra e o .pacto com Seutes foi aprovado. Xe-. nofonte anunciou-a Seutes que o exército recebia as suas ordens.

Foi por companhiasque os soldados se alojaram. Seutes convi-.dou os capitães e oficiais a jantar COm eleria aldeia próxima que lhe: pertencia. Quando chegaram às portas, esbarraram com .urn certo.~ Heráclidas.vde.Maroneía.tque dIzia duas palavras e~ tom meiode~'confiÚncüi.,ffi<,!iode.cortesaniaàqúéIes 'que supunha ~mcondições...de oferecer presentes aSeutesv.Prirneiro dirigiu-se a uns indivíduos·

r f: d:: Pário,que yin~~ún nego~i~r urntrat.ado de aliança entre ~ sua n~-çao e Médocoçrei dos Odrísios, e rrazram prendas para O reiea rai-nha. . ,

-·Essespresentes._· -. représeniou-lhes Heraclidas - deveis dá- .-los a Seutes, e eu vós digo porquê:" Médocoreina da Trácia Superior, .

,jjf, a doze dias do mar, e Seutes, dentro .em·breve; com os auxiliares queaí vedes, será senhor damargem toda de Propôntida. Ele éque.ficará

.iI1? em condições.vcomo ninguém; de ~os fazer bem.ou vos faz~r mal.~1 Parece-me, portanto, quetereis mais vantagemem exerceravossa li-

~..beralidade com ele do que COmum prínCipe que fica no calcanhar do'I mundo. :, . E· eles, persuadidos Com.o palavreado, levaram o presente a Seu-'~ teso Heráclidas, em seguida, abordbu Tirnasião, de Dardânio, que .I~passava por dono de vasos preciosos e de ricostapetes persas. E .corn~ voz curralcertificou de que era uso osconvivas de. Seurés.fazerem-I -lhepresentes.. _.I ~Bem sabes, que os .nao deltas em saco roto. Quando entrar na~ posse do re~no, ~stá na sua mão pôr-~e.na Grêcia ou fazer-te um rica-X;. ço, se te. qUIseres estabelecer nestes SlUOS. .I A·todos ia. coma sábia. parlenda. A Xenofonte não deixou de di-~. zer:I·. ~ Tu és fU~oí:.edacidade mais importante da Grécia e S~utes faz~'. de t1 um:a alta idcia. Pensas, talvez, em possUIr nesta naçao terras~ •. é bens corno muitos dos teus compatriotas.i.P Não deixes de conciliar~. as simpatias de Sentes comum presente que encha o olhov Dou-te;~ este çonselho para teu bem. E fica certo que, quanto mais deres, mais

. ji; terás a receber.§

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234 XENOFONTE

Xenafonte ficou embaraçadocom a léria do. sujeito. Em vetdadetudo quanto trouxera para a Europa fora um moeito e o viático sufi-ciente para a jornada; .

Foi servido o jantar. Eram convivas os trácios mais importantes. do séquito de Seutes.jos capitã~s e ofic~aisgregos, e uns tantos repre-.sentanresdascidades -,Sentaram-se todos ern redondo e trouxeramurnas vinte' rriesasde :pé~de-galbajoujada;; de carne partida aos bo-

. cados e de pães fermentados. Conforme a pragmática, estas tripo-.........dezinhas eram colocadas de .preferência .diante dos estrangeiros, que

. ficavam assim com.o encargo de distribuir as iguarias. Seutes deuo exemplo. Pegou 'dos pães e foi-os partindo aos. pedaços e atirandoa este e àquele. Fez o mesmo com as carnes, limitando-se a provar.Um certo árcade, que: tinha norneada.de grande comilão, chamadoAristos; é que .não esteve 'para cerimóniasrpegou dum pão de três cbé-nicds, abriu-O ao meio; entalou dentro uma. boa fatia de carne e pós-sea.manducar.· ". . .'. . : .'.:.' ..•. .' . :

O vinhoera servido em cornos e cada umrecebia semelhante ta-ça das mãos dos escudeiros. Quando chegou avez de Aristos, este

proferiu, ~em deixar ~~mastigar,véndo )(en~fonte _quejá não cemia:'.. . '-..- Da. a esse capitão, que·.tem vagar; eu ainda nao tenho. . ~ :

Seutes, anre o todt facecioso, perguntou. o que dizia o hornern.. O escudeiro sabia,grego e traduziu apilh~dà; desataram todos a rir.

Estavam rias libações, entrou um .trácio cOm um cavalo branco.2, rédea. Pegou dum corno cheio de .'Vinh6e disse: .". '. ~ .Seucesc bebo à tua saúde e trago-te aqui este cavalo com o. qual não há inimigoque não alcances ou inimigo que não fujas.

Um o~t'ro trouxe um rap az in'hoeofer e.ceu-o aSeutes corrio mesmo ritual. Um terceiro ofereceu-U';'e vestes para a mulher. Ti-

'. masião bebeutambé~ à saúde de Seutesé deu-lhe uma taça de pratae um tapete que valia dez minas. .Gnésipo, ateniense, ergueu-se e disseque achava admirável que os ricos honrassem o rei, à maneira antiga,

. Com dádivas, conta rito que Orei, por.suavez, repartisse com os quenão tinham nada: E voltando-se para Seutes completou: .

-Se queres que te preste hornenagemçhabilita-rne primeiro..'Xenoforitesentia-se um póucó comprometido, tanto mais que

estava no lugar de honra, ao pede .Seutes, Heráclidas indicou ao es-cudeiro que .lhe.chegasse o vinho.

A RETIRADA DOS DEZ MIL 235

i X~nofonte que.já tinha bebido um pouco, erguendo o corno:~ com ousadia, proferiu:i ....-;Pois eu, Seutes, que te hei-de oferecer? Ofereço-me eu pró-~ prio, com os meus camaradas, para teus fiéis amigos. Eis-nos, todosIte servimos de vontade; o que desejamos, todos uns mais que os ou-i rros, é fazer-te feliz. Estárnos prontos, pela tua causa, a correr os~ maior:s riscos e trabàlhos. Se os Deuses quiserem, con.nosco ao lado,Ientraras em posse do que era de teus avoengos, acrescido de grandes~' e belas conquistas. Não te faltarão cavalos, escravos, mulheres boni-~ltas; e não hào-de.ser presa que tu faças, mas presentes ou entregas:! voluntárias.! Se~tes levantou-se, bebeu ao mesmo tempo que Xenofonte,~ e derramou o resto do:vinho no chão.~' .Entraram em seguida no recinto do festim uns cerasuntinos que~ tocavam em flautas e canudos de coiro uma ária marcial, produzindo~ um som harmonioso ecadenciado como se utilizassem a mágade. Seu-~; tes, de arrebatamento, levantou-se e, soltando um griço de guerra,l~deu um salto, furtando, a .seguir, agilmente o corpo para o lado comot se quisesse esquivar Uma lançada. A seguircornéçaram os bufões?f com as partes gagas..~ O Sol estava perto do ocaso eos gregos falaram da necessidade~.' de postar sentinelas em volta do campo. Pediram, ao mesmo tempo,(~ a Seutes que não autorizasse os trácios a entrar nele, durante a noite,~; «pois que amigos e inimigos todos eram trácios, e de princípio nãori: era fácil distinguir». Fora, .Seutes, que não tinha nada o ar embriaga-:,;' do, disse para os capitães:{ - O inimigo ainda não está a par da nossa aliança. O que temosi;: a fazer é cair já sobre ele antes que tenha tempo de se concentrar.\',. ;

i~ e defender. E ainda o processo mais eficaz para fazer uma boa presa./'\

!;; Os capitães acharam bem e responderam que podia ser naquelal·. mesma noite. El~ então pronunciou: .f: - Pois ide e aprorrtai-vos que eu não me demoro. Quando vir} que é tempo, lá apareço com os meus peltastas e 'as outras tropas. E,~ . .

:' se os Deuses quiserem, o inimigo nem sabe para onde se há-de virar.l-Visto q1.lea marcha é de noite - observou Xenof~nte - pe-

ço-te que consideres um pouco se não vale a pena adoptar a nossa

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236 2371\ RE1'IRADA DOS .DEZ MILXENOFONTE

táctica de preferência à vossa. De dia; a natureza do terreno é - Euvou atirar a cavalaria para o vale e mandar ocupar as al-cide do género de tropas que devem constituir a vanguarda da :deiaspelos peltastas. Marchai aceleradocle modo a apoiar estas .for-na. De noite, a regra seguida pelos gregos é que são .os hoplitas i ças, dado que encontrem resistência.vão à frente, como tropas de movimentos mais pesados. Deste Xenofonte, que tal ouviu, apeou-se da montada.é raro que a coluna se quebre. Os :soldados não podem arredar, - Hornérnytu descavalgas, quando é preciso ir depressa? -.- ob-que sejam vistos, para fora da forma. Sabes, muitas vezes, tropas lservou Seutes. .. ...se separam são lançadas umas contra as outras e, enquanto se não ; - Sim, p~rque sei muito bem que nãoé apenas de mim que tuconhecem, não pouco dano se fazem. ·?precisas~ Os h?p]itas hão-de correr mais ecommelhor disposição se

- A vossa reflexão éacertada - tornou Seutes - e desde iá r me virem a pé ao seu lado. ... .' ..claro que adapto a táctica O'1"ega.De resto vou pôr à voss f· J Seutesadiantóu-se, levando consigo opequeno esquadrão g:rego

b- , a rente . . .... ..ra vos guiar pessoas batidas no terreno. Eu próprio com a;de quarenragirietes coma~dados porTimas~ãó. Xe~ofon~e,tendo da-formarei a retaguarda. Dali, posso evolucionar para onde seja mister. \,do voz aosho~~~s de t~lntaanos para sair das Iinhas e formar em

D di le orooósit f d : A I .: , volta dele, preCIpItou-se a frente. Cleanor comandou o resto das tro-espe iram-se naque e proposl o e oram escansar. pa avra:' .. .. .d . A . C d . . S : . pas gregas.e passe seria teneia. erca a meia-norte, eutes veio ter com eles % .,... '. , .', di' d . dos neltasi :. d .:' Uma vez nas aldelas,S.eutes veio ter com eles a frente duns trintaa testa a cava ana pesa a e os pe tas tas com equipamento e carn- ;.. ..... . . . . .

. . .. ., gmetes e clissea Xenofonte:panha. Apresentaram-se os gUlas; os hoplitas marcharam-Ihes no ras-, ! i .: ..... . . h· bitantescaí . I·. ..,' - Aconteceu como tu previas: os a itantes caíram no aço, masto; a seguIr os peltastas, no couc.e os gmetes. Ao amanhecer Seutes ... I . di . ís d f itivo .d. I . I, , . . ' .(,a cava aria lspersou-se arras os ugltlVOS,ca a cava erro para seu a-deu uma saltada a frente e celeb.rou a tacnca grega dizendo: .1 d .. h d· . ..... b .and . . dian -. _" . . .' o, e ten o me o que o InimIgo, reco ran o-se mais a ianre, nao

- Nao ha dúvida, com a marcha de noite sucede que a cavalaria ....Ih . I H'· . . d . .. 1: ld . - h'. . . .; es arme a guma. a que eixar torças nas a elas queestao c elasse afasta da infantaria, trate-se bem embora de pequenas forças. Eis- " d : :

. " " ' .e gente.-rios Juntos, como se acabassemos de sair do campo. Admirável! Eu . .E :. d di ··X 1: t Cl_ ., -, u vou ocuparo CImo a. serra- sse enolon e. - .. ea-vou em exploração e Ja volto. .[ nor que estenda a sua gente diante das aldeias em cortina.

Picou o cavalo e desapareceu num carreiro que levava pela serra .\ Executada a manobra, colheram-se.duma assentada milprisionei-fora. Chegado a certo sítio onde havia muita neve, tratou de exarni- . :~ros, mil bois, e dez mil cabeças de gado miúdo. O exército passounar se se não descobriam pegadas de homem, voltadas na sua direc- '\ a noite no local.ção ou na inversa. Como a estrada estivesse lisa e sem mostrar ne-nhuma espécie de vestígios, arrepiou prontamente caminho e veiodizer:

- Palpita-me que com a graça dos Deuses tudo há-de correr pe-lo, melhor. O inimigo ainda não deu fé de nós. Eu vou tomar a dian-teira com a cavalaria, que é o modo de não deixar escapar ninguém.Vinde no meu encalço. Se vos atrasardes, guiai-vos pelo rasto dos ca-valos. No alto das serras há aldeias riquíssimas.

Era cerca de meio-dia quando Seutes alcançou os altos; voltou·à rédea solta dar as suas instruções:

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A RETIRADA DOS DEZ MIL 239

IV

Na dia seguinte, Seutes deitou fago. às aldeias; não. ficau uma ca-sa intacta. O seuabjectiva era, semeando aterrar, fazer sentir aoshabitantes a sorte que as esperava senão se apressassem a fazer actode submissão. Voltando-atrás, enviou Heráclidas a Perinto vender

, a presa para arranjardlnheiroque lhe permitisse pagar o pré das sol-dadas. E com as gregas foi acampar navárzea das Tinas. Os habi-tantes assim 'que ~s' avistaram deixaramrudo e refugiaram-se nosmontes. ,'. " ,'. ,

A neve era muita; estava um teITlPÓ.tao fria que a água que iam-buscar às fontespara fa~e~ a comida gelavano caminha. Gelau tam-bém a vinha nas ânforas e muitos gregos apareceram cam o nariz

'e orelhas queimadas. Aí estavaporque é que as tráciasencafuavamna cabeça barretes de pele de rapOSa que não. deixavam ver as ore-lhas, usavam-urnas vestiinenta~quenãó só lhes pro tegiam :o peitomas ascoxas ,das pernas, e',a cavala envergavam uns' capotões que oscobriam todosdos pés ao tautiça.Seutessoltou uns tantas prisionei-ros ~ mandou-os .ir, pelas serraSa:visar os patrícios que se não. valtàs-sem pita suas casas, decidid6sa a:ceitar~suaautaridade, lhes quei-mavaas aldeias e os 'celeiras,.ehav"iamde perecer à míngua de

"recursos. Corri esta caminaçãa, apresentaram-se Os velhas, as mulhe-res e as crianças. Tudo, porém, que estavana flor da idade, fico/u rias

"aldeias das cerrosvSeutes, quando 'osoube.cdisse a Xenafante quea seguisse corn as hoplitas, Puseram-se em marcha durante a noite;

'ao. romper da aurora estavam em 'frerite das aldeias monresinhas;a maior parte das 'rrácios, rendo verrtos daacorné tida, escapau-se

a tempo.; a mantanha, cam efeito, era grande e acidentada. Seutesmandau frechar todos aqueles quefassem apanhadas. Entre eles es-tava um mocinho de boa aparência, apenas púbere, ainda cam o bro-quei na pulsa, e um tal Epístenes, de Olinta, que era hamossexual,viu-a e enamorou-se dele. Daí a correr a Xenafante e conjurá-lo portudo. a que havia na mundo. a que salvasse a pequena. Xenafante foiter com Seutes e, modo de amenizar a requesta, cantou-lhe que Epís-tenes, chamada um dia a organizar uma falange,a primeira requisitaa que atendia era a danaire das hamens. Pais senda tudo. rapazes bo-nitas, dera à testa deles pravas de alta valor. Seutes mandau chamarEpístenes e interpelou-o:

- És homem para dar a vida pela mocinho?- Sou, mas primeiro há-de consultar-se o mocinho. Que, ao. me-

nas; me diga adeus.Seutes, então, perguntau ao. adolescente se achava bem que aque-

le homem marresse em lugar dele. Ele respandeu que de modo al-gum e rogou ao. rei que poupasse a vida aos dois. Ao. ouvir a sua res-pasta, Epístenes agarrau-a pela cintura exclamando:

~ Agara se a quiseres, Seutes, hás-de te bater camiga.Seutes desatau a rir e mudou de' assunta. Foi de opinião que

a exército. acampasse ali para impedir as trácias de se abastecerem.'Ele iria para a planície.

Xenofonte ficou pais na píncaro. da serra, alojando-se nas casasdesamparadas cam a melhor das suas tropas. O resto das gregosacampava a pequena distância, 'mas já na território. da Trácia Alta.

Poucos dias andadas, as trácios desceram das suas portelas a pe-dir tréguas e oferecer reféns. Xenafante apareceu quase ao. mesmatempo. a representar .a Seutes que a posição era .melindrosa na corutoda serra; valia maís a pena acamparem em sítio. farte par natureza daque na aldeia corri as inimigos a' rondar à valta. Seutes riu-se das suascautelas ernostrou-lhe as reféns. Trácias da montanha aparecerama rogar a Xenofonte que intercedesse junta de Seutes para lhes seremconcedidas tréguas. Ele prorneteu-Ihes que não lhes aconteceria malalgum se se submetessem; a fim deles, parém, não. era negaciar a paz,mas espiar.

Na noite seguinte, corn efeita,'as tinas vieram atacar a aldeia.O escuro era cerrada, de mado que para cada casa traziam, cama

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240 XENOFONTE

guia o dono dela. Mas cada uma das moradias tinha à volta a Suapali-çada de estacas, para segurança dos rebanhos. Os assaltantes, encon,trando as cancelas fechadas, lançaram os seus dardos, bateram Comas mocas, puseram fogo aqui e ali. E em altas vozes gritavam a,Xeno-fonte:

- Se és valente, salta cá para fora! Cá ao largo é que se vêem oshomens! Ai não, então vais morrer estorricado!

E pegaram lume à choupana. A chama ateou-se, desenvolveu-se,já chegava aos telhados, e Xenofonte e os mais gregos que estavamali alojados pegaram das armas para sair. Mas Silano, de Macesto, dedezoito anos, lembrou-se de tocar à trombeta. Tocou com quantoalento tinha. E logo, de todas as bandas, os soldados começarama sair das casas de espada em punho. Os incendiários deitaram a f~-'gir, cobertos, segundo o seu costume, comosescU:dos. Alguns foramapanhados ao pretender saltar por cima da paliçada, envencilhadosnas estacas; outros caíram quando pro'curavarn a saída sem atinarcom elà, O inimigo foi acossado até fora da aldeia.

Mesmo assim alguns tinos voltaram ao ataque, a favor da escuri-dão. Agachados nas trevas, orientando apontaria pelas labaredas dascasas em que continuava a lavrar o incêndio, atiraram os dardos e fe-riram] erónirno, Euódias e Teógenes, da Lócrida, comandantes, decoorte., Além dis to não houve mais danos que a perda de algumasmochilas, devoradas pelo fogo. Seutes acudiu com uma força de seteginetes, por mais não ter à mão: Entre eles vinha um clarim trácio,que tocou, sem pai::ar.Com tal fanfarra, algum tanto, também, se de-via ter intirriidadoo inimigo. Seutes imaginava, no que se enganou re-dondamente, que se ia' encontrar perante uma hecatombe de gregos.

Xenofonte pediu-lhe que lhe entregasse os reféns e propôs-lheavançarem para os pico tos a acabar com ~ resistência dos trácios. Se

, não queria vir, que lhe desse licença de ir ele com os gregos. Seutesmandou no dia seguinte entregar-lhe os reféns; eram os velhos maisimportantes da serra, ao que se dizia. Ele próprio veio com forçastrês vezes mais numerosas. Muitos odrísios, com efeito, tinham vin-do juntar-se-lhe ao rumor das suas vitórias: Quando os tinos viram

. . . - .dos cumes tantos hoplitas, tantos peltastas e cavalaria junta, vierampara baixo e pediram paz. Prometiam submissão inteira e ofereciam

,A RETIRADA DOS DEZ MIL 241

reféns. Seutes mandou chamar Xenofonte, comunicou-lhe o que sepassavadize~db' que não concederia a capitulação antes de aquelechefe ter dito a sua palavra quanto ao castigo que desejava aplicar aosagressores da noite transacta.

- Já estão bem castigados ~ respondeu Xenofonte - em caí-~'rem da liberdade na escravidão. '

No'entanto,aconselhou à Seutes a tomar gente nova como r e-,t; féns e a deixar os velhos em paz;

, O tratado fOIselado por quantos habitantes havia na nação.

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Partiram em campanha contra os trácios que habitam da parte decima de Bizâncio na cornarca chamada Delta, Estes povos não fa-ziam parte do reino de Mésades, mas tinham sido, outrora, vassalosde Tereu, príncipe odrísio. Entretanto, apareceu Heráclidas com o di-nheiro das presas. Ao mesmo tempo que procedia ao p:agamento,Seutes mandou trazer três parelhas de mulas e várias juntas de bois.Apontando as rnuaresç disse para Xenofonte:

- Tira; o que não quiseresjdá-os .aos capitães e oficiais.- Não.queronada para mim - respondeu Xenofonre.v-c- Para

os capitães e oficiais, sim, aceito, . .Tirnasião, Cleanor e Frinisco receheratn cada um a sua parelha d~

mulas. Repartiram os bois pelos oficiais. Estava vencido um mês desoldo, mas Seutes não pagou mais que vinte dias.: Heráclidas respon-deu às reclamações que lhe faziam dizendo que as presas não tinhamrendido mais ...

- Zelas maios interesses do. teu amo.--,- proferiu Xenofonte, demá catadura. - Outro fosses tu e terias, arranjado para pagar o queé de direito. Seavenda não deu a quantia necessária, pedias dinheiroemprestado. Eu nos teus casos teria vendídoa roupa que trouxesseJ,1ocorpo.. ,

Heráclidassentiu-se agravado com aquelas palavras e a partir deentão, receoso de perder as boas graças de Seutes, tratou de intrigarXenofontejunto do amo. Os s()ldadostornavam Xenofonte respon-.sável por não terem recebido a paga por inteiro e Seutes não podialevar a bem que aquele capitão exigi~se com firmeza o cumprimento

A RETIRADA DOS DEZ .MIL 243

do ajustado. E ele, que dantes não se cansava de repetir que breve lhedaria a posse de Bizanto, Gano e CasteÍoNovo, nunca mais lhe to-cou em tal particular. Ainda aqui andava. ° dedo de Heráclidas queinsinuara a Seutes quanto era perigoso pôr um homem que dispunhade tropa à testa de praças de guerr~. '

EntrecantoXenofonte hesitava se devia ou não dar o seu apoio.ao projecto de nova campanha. Heráclidas chamou os outros capi-tães, convencido que dirigiriam as operações tão bem como Xeno-fonte. Mas Timasião foi categórico:

- ,Aindague mepagasses cinco meses adiantados de soldo, nãodaria um passo sem Xenofonte.

Frinisco e Cleanor deram resposta equivalente. Seutes, então, re-preendeu Heráclidas por não ter charruado Xenofonte e mandou pe-dir a este que lhe viesse falar. Xenofonte acedeu, mas como conheciabem que sorte de intrigante e traiçoeiro era Heráclidas, foi com oscapitães e.os oficiais. Reconciliaram-se e a expedição prosseguiu se-gundoo plano traçado. O exército, deixando à direita o Ponto Euxi-no, atravessou o país dos Trácios Melinófagos e alcançou Salmidesso.Acontece ser muito frequente encalharem na costa, com os parcéisde que está serneada, os navios que pretendem entrar no Ponto. Oshabitantes destas paragens chamam-nos seus e cada um tem umazona delimitada por estacarias em que exerce a sua jurisdição. Antesde chegarem a este acordo, matavam-se como cães à vista dos naviossinistrados. A costa vêm dar baús, camas, livros e toda a espécie desalvados.

Submetida a comarca, voltou-se pelo mesmo caminho. A estetempo Seutes dispunha já dum exército mais numeroso que o dosgregos, engrossado dia a dia pelos odrísiose os trácios recentementesubjugados. Foram acampar numa planície acima da Selimbria, a cer-ca de trinta estádios do mar. Já se não falava em soldo; os soldadosandavam furiosos comXenofonte. Seutes, também, já não o tratavacom a familiaridade cordial dos primeiros tempos. Sempre que o ca-pitão lhe queria falar, havia de inventar pretextos para não o receber.

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VI

Dois meses eram quase decorridos quando chegaram Carrriindo,de Lacónia, e Polínico, enviadas par Tirribrão. Tinha estalada a guer-ra de Lacedernónia corn Tissafernes e vinham canvidar a exércitogrega a tornar parte na campanha, sob pramessa de um dárico pormês' a cada saldado, dois aos oficiais e quatro aos capitães.

Heráclidas, quanda osoube, carreua dizer a Seutes que estavacom sorte, Se aos LacedemÓni~s era indispensável a exército grego,ele dispensava-a à maravilha. Abrindo mão, uns ficar-lhe-iam obriga-das e outros não a importunariam mais corn a macarena da soldopor pagar, ao mesmo tempo que desarvoravarn do território.

Foi a que bastou para Seuteschamarà sua presença as deputa-das de Esparta. Deram' estes canta dorecado, respondendo ele quelhes entregava a exército com todo o prazer, parquanta a sua ambi-çãa era ser amigo ..e aliada dos Lacedernónios. E em testemunho deamizade convidou-os .'para um festim, que foi sumptuasa, em que

.não figuraram Xenofonte riem nenhum dos capitães. Foi aí que as Ia-cedernónios lhe perguntaram que espécie de homem era Xenafonte.

- Nãaé má pessoa-o respondeu ele - mas traz as saldadosnas palmas das mãos e não ganha nada corn isso.

- Tem então grande ascendente sobre as soldados?-Ah, sim ..

. - Nesse caso, é capaz de as não deixar vir cbnnosca? ...-. Não me parece. O que tendes a fazer é convocá-los e ofere-

cer-Ihes um salda. Vereis cama lhe viram as costas e vão atrás de :vós.

A ~TIR.ADAD6SDEZ MIL 245

- E como havernos nós de convocá-los?- Eu voucorivosco. Amanhã de manhã cedo, vaslevarei ao

campo dos gregas. Idesver; dito e feito.Na dia seguinte Seutes e Heráclidasforam ensinar a campa dos

gregos aos dals lacederri6nias:bexércitareuniu imediata~ente. Umr deles disse':' . . .'.~ '. . .".

. - Esparta decidiu-fazer guerra a Tissafernes, esse sátrapa quevos fez tant()nl·aLSeestais.dispostos a tomar parte na expedição,contai com um dárica mensal; para cada soldado, o duplo para cada

'~;oficiale oquádruplopa~acada capitão ..~ Ouviram as soldadas esta propoSta cornrnariifesto prazer. Um

.árcade apro";'eitciuparadedamarcorttra Xenafonte. Seutes, que per-cebeu, aproximou-se para Ouvir melhor. Estava ao pé deleo grego,além de que percebiaaIíngua sofrivelrrierite~" '. .

---: Lacedemónios, him~it6que estaríamos a vosso lado se Xe-nofonte ~ão nos tivessepersuadidoatornar este rurno.T'assárnos uminverno, dosmaisterríveis invernos. de que temos rnernóriajern guer-ra aberta sem tirar rierihurn lucro, enquanto que eleestá a gozar dasuor do nossorosto e<:J.ueSeutes;que lhe untou a pata, nosnegao pré. Cá por mimdava-me por bem recompensado de tudo se visseXenofontelapidado:e punido pelas desgraças a que nos arrastou;

Levantou-se um segundo grega ~nãofai outro. o som do.cho~a-

I.~·lho. Um terceiro, id~m.Xe~af~?te, então.Tevantou-se e proferiu: ...,' -'--:-Cem anos que eu .vrva Ja nada me espanta, p01Sque me veJo

I';hoje acusad~ p'rêcis~rtie~te dllqUil~-·-.·í~r6::vos na rrunh~ consciên. cia': - que tratei com' a maior zelo e isençao. para' bem vosso. Bem .sa-j. beis que meac.hav~ jáacaminho a"e casa qua~dovolteiatrá'~ e, porfi.' . J úpiter, niiofo(p:a:r~ participar da vossa prosperidade. Tinha-ine.~be-" gado notícia do transeemquevosenCOrttrá"eis enãoouvi senãoi a voz do meu .eoràçãonvaler-vos, se lTIe fossepossível. Mal-acabava Ii de chegar ao pé de .vósjSeutes, aqui presente, mandou-me um pró"~J; prio com promessas de encher o olho; para ocaso em. que lhe pres-.~. tássernos ajuda militar. Não lhe dei ouvidos, cama é notório; e erica-tL minhei-vos.para o porto donde facilmente passaríamos para a Ásia:..~ Era o que vós ambicioniveis e(; que, em realidade, se rneafigurava~ preferível. Neste entretanto apareceu-nos Arístarco cornoseu ulti-~. mata: «não periseisem,atiavessara Propóntida. As minhas galeras lái ". .. . .~t.

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246 XENOFQNTE

Irestão para vos tiraras teimas.» Ao mesmo, tempo aconselhava-nos

,a meter para o Quersoneso.Quefazer?ChahIei-vos para deliberar..Entre a inrirnação dum ea propostil. doutro) destes os vossos sufrá-giosaotiácio. Agora, pergunto eu: cometi um crime, capitaneando_-vos numa empresa que vós própriosresolvestes abraçar? Se, porém,eu houvesse tomado o partido deSeutesdepois que anda a mangar'convoscój a fazer gato-sapato, não nego"que merecia o vosso ódioe as vossas repreensões. Se porém eu';os disser que, depois de serum dos .seus melhores amigos; hoje estou de relações, pode dizer-se,cortadas com ele, é justo que me Ianceis em cara precisamente aquilo,q).lefoi a causa do nosso desaguisado? Pode ser que vos passe pela

"cabeça que Sentes me deu o dinheiro que representa o soldo que vosédevido e quea.minha atitude. a seu respeito .não passa de artifício.Mas, sendo assim, não salta aos olhos da cara que não foi intençãosua desembolsar aquéIedi~h~iroécoritiríuar a ser o vosso devedor?E então só secompree~dequemetenha dado a mim uma parte doque vos devia, parase dispensarde vos, dar a.quantia por inteiro. Masneste caso.iháuma maneira de desatara conjura, ficando nós ambos,

, que atrarnámos, a chuchar no.dedo: é exigir-lhe o pré. Se eu recebi,',algum dinheiro, ficai certos que ele nã6se incornodarárnuito para

mo pedir, tanto mais que não se realizou a condição que deveria tersido prevista, ficardes vós calados. Mas ouvi, tudo isto é bom raciocí-nio, mas inútil.vjuro-vos por todos os Deuses e Deusas da corte ce-,lestial que não vi um óbolo doque vos pertence. Nada daquilo queme cabia recebi, tão-pouco., Sentes; qUe está a ouvir-nos, que me des-.minta se é capaz. MaS,digo-vos mais esob juramento: recebi muito,

'menos que os outros capitães, rnenos ainda queos ofi~iais. Como, ex-plicar semelhante procedimento? Eu vos digo, contava que, parti-'Ihando com Seutes as dificuldades em que se via, mais direitos alcan-'çaria à sua amizade para a hora em que rec()rresse a ela. Enganei-me?Sim, erigariei-me; mas só agora, que está na prosperidade, é,que mos-tra bem o barro de que é feIto. «Nao tens vergonha - poderão di- 'zer-me - de te deixares tão estupidamente lograr?» De facto, era pa-ra corar de vergonha se fosse um .inimigo que tivesse feito pouco demim com tal requinte. Mas não, tinha~o por amigo.: E, entre amigos, ,mais vale ser enganado queenganaL De resto.vse precauções há a to- 'mar com amigos, ninguém as toma melhor do que vós. Destes-lhe

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'fi: A RETIRADA DOS DEZ MIL 247

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acaso, por algum acto, pretexto a faltar à palavra? Não, ninguém lhedeuurna só razão de queixa. Levou-nos a combater para a direita ...para a esquerda, e nunca lhe manifestárnos má vontade nem demosprovas de temorou cobardia, Dir-rne-eis que seria conveniente tertomado penhores, de modo a não nos enganar ainda que o tivesse no ,ânimo. Ides ouvir ...icles ouvir aquiloque eu nunca seria capaz deproferir na presença.de Seutesse não tivésseis mostrado há poucoa vossa ingratidão. Estais lembrados da extremidade .a que vos achá-veis reduzidos, quando vos levei para debaixo da bandeira de Seutes?!Não acabava Aristarco de vos fechar as portas dePerinto Com penasterríveis para os recalcitrantes? Não acampáveis fora ~e muros, ao se-reno? Não era no pino do iriverno? Se queríeis comer uma côdea depão, não tínheis que a pagar? Mesmo com dinheiro, havia génerosque chegassem? Mas havia dinheiro? Da .Trâcia para fora não podíeisbulir, pois que as galeras vigiavam o estreito. Mas, quedar ali era que-dar em país inimigo, com forças consideráveis de cavalaria e infanta-ria pesada às canelas. Tínhamos hoplitas, é verdade. Caindo de repe-lão sobre esta eaque\a aldeia, poderíamos apanhar uns sacos de trigo;dispúnhamos de tropas capazes de' perseguir o iriimigo, fazer-lhe pri-sioneiros, arrancar-lhe gado, em suma, fazer boa presa? Bemdeveisestar certos que, aovoltar ao exército,' já não encontrei, cavalaria nempeitas tas ou coisa que se pareça. Supondo que, em face do transe queatravessáveis, eu me tivesse bandeado, sern exigir soldo, com Seutes,que, esse, tinha cavalaria e peltastas, parece-vosque teria sido contrao vosso interesse? Desde que vos juntastes às tropas dele, os Tráciosnão quiseram mais saber do que era seu. Fugiram às sete partidase deixaram-vos 'nas mãos trigo, que nunca mais vos faltou, escravos,e gado de que, sempre vos tocou uma parte. Depois que a cavalariade Sentes fez causa comum convosco, nunca mais o iriimigo se apre-sentou de cara, quando antes, a cada passo, os seus cavaleiros e pel-tastas não nos deixavam respirar um instante. Indigna-vos que o ho-

, mem a quem ficastes a dever tal mudança de situação tenha sidopouco exacto nas contascónvosco; sim, tendes razão. Mas não valenada a segurança de que gozastes? E o contratempo foi tão grandeque deva eu pagá-Io com a vida? E agora dizei-me: em que circuns-tâncias vos ides embora? Depois de passar o inverno na fartura, não

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248 XENOFONTE

levais ainda o que Seutes ~á vos deu em conta? Vivestes em país hos-til, à custa do inimigo, a comere beber à barba longa, e não Obstantenão morreu urn só homem nosso.rnem um só caiu prisioneiro. Issonão tem .valor? Não .vos resta ainda a glória que granjeastes na Ásiaa combater os Bárbaros e na Trácia da Europa a reduzir à obediência

.populações iridómitas? Ah, tenho O desassombro de o proclamar,graças, graças aos Deuses, é que deveisdar pelo benefício, que come-teram para convosco, desses mil infortúnios de que me tornais res-ponsáveL A vossa situação é nítida. Pelos Deuses imortais rogo-vosagora que repareis para a minha. Quando embarquei para a Grécia,deixava a todos as melhores recordações; tínheis-rne cumulado delouvores; cria-me com direito a desfrutar alguma glória na minha ter-ra. Além disso, gozava da confiança dos Lacedemónios, sem o quênão teriam instado comigo para voltar ao exército. Hoje, retiro-me,diminuído junto dos Lacedemónios, Odiado, por vossa causa, odiadode Seutes, o homem de quem eu esperava, mercê da aliança, conciliarestima bastante para encontrar junto dele refúgio digno para mime meus filhos, se viesse a tê-Iosl E que direi do vosso procedimentopara comigo, por causa de quem granjeei inimigos encarniçados, mais .poderosos do que eu, por causa de cujos interesses, neste próprio :instante, o meu espírito está atribulado! Aqui estou; não sou dos quefogem; fazei de mim o que vos aprouver; ficai, porém, sabendo que,se dais andamento aos vossos instintos, sacrificais o homem que ve-lou pela vossa segurança mais do que era legítimo pedir-lhe; sofreumil fadigas e correu mil perigos à vossa frente; ergueu, com a graça.divina, troféus inúmeros nas terras dos Bárbaros; matou-se para im-pedir que cada um de vós se tornasse inimigo figadal do seu irmão deraça! Hoje podeis ir para qualquer lado que vos apeteça, por terra oupor mar, sem que ninguém se vos atravesse no caminho. Pois bem,é nesta altura; quando o dia de amanhã se vos anuncia próspero e opovo mais poderoso da Grécia solicita o vosso concurso,que me to-mais para vítima? Nas horas de perigo, outro era o vosso pensamen- rto, ó homens de boa memória! Então chamáveis-me pai e juráveislembrar-vos de mim como do primeiro benfeitor. Só direi mais umapalavra para vos frisar uma coisa: os homens que aí estão decerto não

A RETIRADA DOS DEZ MIL 249

são desprovidos de co~sciêricia.C) meu medo éque fiquemforman-do à vosso respeitoum juízo pouco favorável, vendo-vosprocederpara comigo de maneira tão pouco airosa. .

Xenofonte sentou-se e teve a palavra Carrnindo, de Lacedemó-nia:: .

- Sold~dÓs, riãomeparecequesejam justasas razões que Invo-cais contra este homerri.Ee dais licença, aí ~ai um testemunho em seufavor. Quando eu ePolinico· perguntamos a Seutes que espécie de in-divíduocra; oque noáapreséntou 'corno-qualidade depreciativa foiprecisamente a sua afeição exagerada pelos soldados. Se bem li nassuas palavras, tal circunstância pre)udicá-lo-iano .nossoconceito co-mo nodek.. ', .. ... ... -.

Seguiu-senouso de palavra Euríloco.ide Lúsio, na Arcádia:.-:-Arninhaopi.nião,I~cedem6nios, équeo vosso primeiro act9'

.na qualidadede nossos chefes, seja obrigar Seutes a pagara que nosdeve, e que antes disso não devemos sair daquipara fora.. Polícrates; <tteJ;1.iense,ped1ua palavra e proferiu:

- Camaradas, éstou a ver daqui Heráclidas, Foi ele que recebeua presa, destinada a: recompensar os nossos trabalhos. 'Vendeu-ae não entregou a importância nem a nós nema Seutes. Guardou-ao gatuno. Orqueternosa fàzer éprendê-lo. Este sujeito não é trácio;é grego como nós eenvergohha-nos a nação.. , .

Heráclidas, ao ouvir aquele discurso, ficou fulminado de terror.Aproximando-se deSeutes, disse-lhe: . .. -:

_. O mais sensato é irmo-nos embora. Repara que quem mandaaqui são os gregos. . ". .. . . ;

Montaramnoscorcéis e abalaram à rédea solta.U ma vez em se-. . .:",' ,.. .guro, Seutesdespáchou o intérprereAbrozelmo a Xenofonte a con-vidá-lo a ficar ao seuserviço com mil hoplitas sob promessa de lhedar as cidades marítimas eo mais que fora ajustado~A puridade avi~sava-o dequeouviradizer a Polinico que Timbrão prúpunha7sedar--Ihe morte desde que o tivesse nas mãos. Várias pessoas, depois dis-so; vieram preveni-lo que se acautelasse que a calúnia lhe abocanhava

. o norne: Xenofonte imolou duas vítimas a Júpiter para saber o quemais lhe convinha: ficar cornSeutes, aceitando as suas condiçõesrouacompanhar oexércitol ODeus significou-lhe que devia sair daquelaterra.

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JA RETIRJ\.DA DOS DEZ MIL 251

VII

Seutes mudauacampa mais para aintetioi, Os gregas, esses, er-gueram tendas naquelas aldeias, donde lhes era fácil alcançar a casta,depois de se abasteceremdos mantimeni:Ç>$ne~essárias, Estas aldeiastinham SIdo.'aÚrecidas par Seutes a Med6sade, Foi par isso que este,venda eis gregas consumir tudoquanto havianaslocalidades, veia tercorn eles i frentedetrinta ginetes, trazendo, em sua companhia a ho-mem mais importante dos Odrísios que tinhavindo das serras, abra-çadaa causa de Seutes Uma vez a vista da ~rraial das gregas" cha-mau Xenofante de parte, Este, seguido dalguns oficiais e pessoasqualificadas para oencontro, apressa\l~seem;correspander ao. desejade Medósade, , ",', ,,"

~ Saqueias as aldeias; .Xenofonte -,"disse' o trácia -,- e assim"praticas actos que nas são. hostis e não. padem ser-nas indiferentes,Par isso eu, em nome de Seutes, e .este 'odrisià, em .norne de Médoco,reida Trácia Superior; te intimamos a pôr cobro, a tais excessos; senão.a,cederes, não imagines que .o farás impunemente. Fica' sabendo:se continuas a infestar a nosso territóriojconra connosco cama ini-migas. , ' ',; ,

, - O que tu merecias ~ replicauXenoforite-pela maneira co-ma te diriges a mim era que virasse as costas e te não. respondesse.Mas vou-te responder em atenção a este jovem odrísia, para que sai-baquem vós sais e quem nós Sarnas. Antes de ser aliadas, circuláva-mas par es ta cornarca cama muita bem' queríamos, pilhando. andeencantrávamas que pilhar,deitanda faga ande houvesserepresáliasa cameter.Das vezes que te delegaram cama deputado junta de nós,

queixaste-te alguma vez e, até, pela contrário, não. te davas por muitofeliz em poder dormir a sana salto nó nosso acampamenta? Dantesnão. eras tu nem as teus que punham a pé nesta região; e se púnheis,era com as precauções todas, fogos acesos, cavalas selados, cama emterra de inimiga mais farte da que vós. Foi com a nosso apoio queficastes senhores da cornarca; e, sendo assim, é precisa tapete parapretender expulsar-nos dum lugar que não canquistastes, repita, se-não mercê da nosso braça e do qual a inimiga era impotente paranas rechaçar. E, em vez de nas vir apresentar despedidas com votosamicais e presentes, em sinal de reconhecimento pela que nos deveis,querias impedir-nas de assentar aqui arraial de caminho para o par-ta?! E não tens medo de proferir tais ameaças à face das Deuses?!E não. teris vergonha de vir com baboseiras semelhantes diante destemanceba:que te vê rico e soberba quando, antes da nossa aliança, le-vavas, coma tu própria confessaste, a vida atribulada dum bandolei-ro?! Olha lá e parque é que vens ter comigo em vez de te dirigir aoslacedemónios, que são. hoje quem manda aqui, e a quem entregastea exército grego com .carta branca parao levarem para aÁsia, semter consideração. par rnirri, chamando-me, corno seria justo, a.desatarum tratada para de algum moda recuperar a simpatia que possivel-mente tivesse perdida aliando-me convosco?!

Ditas aquelas palavras a jovem odrísio exclamou:-,- Depois do que acabodeauvir, tenho vantade deme meter

debaixo da chão. ande ninguém me veja. Se tivesse sabido corno ascoisas eram, não. te teria acorripanhado, Medósade. Mas vau-me jáembora. Médoco, meu real amo, nunca me-perdoaria que tivesse co-laborada de alguma forma na expulsão. das nossos benfeitores.

E,sem outras palavras, montou a cavalo e partiu a galope segui-da das mais cavaleiros, à excepção duns quatro. que ficaram cam Me-dósade. Este teimou em levar a sua reclamação. par diante e pediupara chamarem as lacedernónios. Xenafante transmitiu este desejaa Carrnindo e Polínico, acrescentando:

- Chegau aocasião de se coriseguirque paguem o que devemao. exército. É questão. de lhes dizerdesque as saldadas exigem a pa-gamento. a bem au a mal; que prometeram ir convo sco desde quea dívida lhes seja satisfeita e, pois que têm toda a raz ão , tomastes

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o compromisso de os não levar daqui para fora. antes de estaremcompletamente reembolsados.

Os Iacedernónios concordaram, e, mal se viram em presença dotrácio, rompeu Carmindo: , , '

- Tens, alguma coisa a,dizer-nos? Se tens, dize. Senão, temos,nós.

- Seutes e eu -, respondeu 'em tom humilde - vimos pedir:-vos para não praticar depredações nesta com arca, que se nos tornouafeiçoada depois que é nossa.

- Quereis que nos vamos dela para fora? Vamos, mas primeirotendes de pagar o soldo àqueles que vos ajudaram a conquistá-Ia, Decontrário, se faltais à palavra dada e lhes fazeis algum mal, connoscoé que tereis de vos haver.

Xenofonte disse:- Medósade, proporiho-vos o seguinte, uma vez que tendes esta

comarca por afeiçoada: decidir por um plebiscito se somos nós ouvós quem deve sair daqui ...,

Medósade dissentiu da proposta e convidou os lacedemóniosa dirigirem-se a Seutes, que decerto não deixaria de dar resposta fa-vorável à reclamação, ou de rnandar.com ele Xenofonte. Entretantorogava que dessem ordens para poupar a região o mais possível.

Xenofonte foi, pois, delegado junto de Seutes, com aqueles gre-gos que ofereciam mais idoneidade para o desempenho de semelhan-te missão. Uma vez diante do rei dos Trácios, Xenofonte disse:

- Não venho, Seutes, pedir-te nada pessoalmente mas, sim, fa-zer-te sentir que não tinhas direito a pôr-te de mal comigo por terexigido o soldo das tropas. Se1l?-presupus e continuo a,supor que ti-nhas tanto interesse em pagar -corno elas em receber. Graças a elas,depois dos Deuses, é que te tornaste senhor de vastos territórios e denumerosas populações, atingindo uma altura em que nenhum dosteus actos, bons ou maus, podem passar despercebidos. Nessa posi-ção eminente, não te convém ganhares fama de despedires os leaisservidores sem a recompensa devida; tens também toda a vantagemem ser louvado pela boca de seis mil homens que te serviram e, so-bretudo, de não deixar pôr em dúvida a tua palavra. Tenho notadoque a palavra dos homens sem carácter é vã, sem eco, sem poder, en-quanto a dos homens honrados vale como o oiro e tem: força como

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o gládio. Lembras-te o ué preciso Iembrar-te que ~ada nos desteadiantadamenteq~andocontraímosaliança? Nada nos deste, tam-bém nadá te pedimos, Foiconfiados na tua dignidade que de armasna mão teajudámos a conquistar um império que vale incomparavel- "mente muito rriàis que os trinta talentos que nos deves e te reclama-moscomodívld;l ~agiada.Agora dite: essa confiança, que te valeuum reino, queres aliená-Ia-por: semelhante preço? H~m?Lembra-tea paixão queterno~ia à conquistadesté~eino! Quem te dera entãoser senhor dele atrocode.somas e sornasbem mais taludas! Suponhoque seria antes parati 'maior desgraça ~ maior desdouro perder. estaconquista' do, que tê-Ia:' feito, como antes-é mais molesto volver de, ri- "co a pobre do que ficar-sempre pobre, e mais desanimador torna~a simples particular, depois de ser rei; do que nunca terempunhadoo ceptro. Ouve.: tu sabes muito bem 'que' Se,estes povos se mostramsubmissosçnão éporafecro, mas por coacção.Tensdúvidas que nãotentariam novo esforço para recuperar a liberdade senão estivessemtolhidos, de medo>! Se virem, poré~,as nossas, tropas' dispostas a fi~cal' as tuas ordens, ou pelo menosaácudir em teu auxílio, em caso de 'necessidade; Se ouvirem falár de ti com respeito.inão crês-que. o teuimpério fica melhor cimen tado d~ que pelo terror? Ou achas preferí-vel quesaibam que,' em virtude do teu procedimento, ninguém maisvirá socorrer-reçmasque pelo contrário' nós estarnos em melhoresdisposições paia com eles do que para contigo>! De .resto,seos Trá- ,cios foram' subjugados, não foi por serem inferiores em força, maspor lhes faItaiem de todo chefes. Oranão édererner quev~nhambuscá-Ios entre.estes gregos; que se achamlesados p~rti, o~ que sefaçam capitanear pelos Lacedernónios, mais poderosos ainda, que te-rão todo o empenho em ser agradáveis aos gregos para que aquelesse decidam a acornpanhá-Ios na expedição? Também não há. dúvidaque os próprios Trácios marchariamde mais boa mente contra ti doque a teufavor.vfi, por isso, atua vii:ória .reforça os fuzis dasalgemascom que osescravizas; à tua derrbtá Iibertá-Ios-ia. Se ~ejulgas na'obrigação de zelarpelo bem-estar dos pOVbSquec~nquistaste, ficacerto que a cornarca será mais bem tratada retirando-nos nós pacifi-camente do que::ocupando-a a.prazoindefinido. E quanto a dinheironão te valerá mais pagar' jáó que deves, do que ficar a dever e ter de

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estipendiar tropas consideráveis? Heráclidas.àcha ,a quantia avultada;jámo declarou, Mas não te será hoje mais fácillevantá-Ia e pagar doque te era ontem arranjar adécima partezUrna quantia, aliás, é gran-de 'ou' é pequena apen.as em relação corri as faculdades de quem pagae de quem cobra. Os teus proventos de umanoçhoje, valem mais do.qu~quani:~ tupossuías ontem: Digo-te estas t6isascomtoda a fran-quezaparaq~e te mostresdignodos be~s 'queos De~ses te dispensa;rarn e não me deIxes ficar ~al colocado naopinião dos soldados. Em:verdade, seeu hoje quisesse vingarcmed~rrdn.irnlgo ou prestar-te no-vamente ajuda; não o coriseguiria.rrç estado de espírito em que seacha o exército a meu ~espeito~E;todavia~i:omo-tepor testemu~ha,tue os Deuses imortais a quem nada é oculto, emcornonada recebi'da tua mão pelos serviços que os soldados te.prestaram, bem comonunca te· reclamei nada daquilo que .me prometeste. E posso jurarque se te tivesses prontiflcadoa satisfazer para comigo os compro-missos,eu sóaceita~iadepois.de oexércitorer sido pago do que lhedevias. Consideraria como .infarnanreocupar-medos meus negóciose pôr os dele de. banda.: mormente honrando-me os soldados comasua confiança. Que um Heráclidasirnagine queos maiores bens domundo são. as ríqÍlezas, entesouradas .seja por que meios for, vá; mas:

. tu, Seutes, corriopríricip~, tensobtigaçãp de pensar que os bens maisestimáveis são a.virtudeçajustiça e aequanimidade. Quem os possui,estando em alto.rvê-se rodeado de amigos. Se está na prosperidade,corigratulam-se comele; resvala naadversidade, correm em seu so-

. corro. Se pelos meus actos nã() cheguei a convencer-te de que era teuamigo sincero, seis minhas palavras não ilÚrriinar;lIn o teu espírito,presta ao menos ouvidos ao quedizem os soldados. Ouviste as acu-sações de que .fuialvo. Acusaram-mediante d~Carmindo e Polínicodeme importa~rtia:is contigo do que cornos Lacedemónios e com

.oexército, e de estar mais atento aos .teusin~eresses do que ao dossoldados. Nãochegaram apretenderque m~vendi à rua pessoa? Dize:se eu não tivesse dado sempre prOvas de zelo em .tudo o que te diziarespeito era possível que metorriasseobjecto de semelhante suspei-ta?Tamb~in penso que é 'opiniâo unanimemente admitida que a gen-tedeva mostrar-se dedicada àquelesdequem recebeu don~. Antesque eute ti~esse prestado quaiquer· serviço particular tu.tratavas-me

f"com a mais larga bizarría. Pelas tuas palavras, pelos teus gestos, aochegar ao pé de ti, sentia que era bem-vindo. E, quanto a promessas,

.não me prometestem este mundo eooutro? Agora que realizaste astuas ambições e que fiz quanto pude para te tornar poderoso, não tepesa ver-me desacreditado aos olhos dos soldados?! E, vê lá tu, nãoduvido que mais hora, menos hora venhas a pagar-lhes. O tempo há--de curar-te e estou certo de que acabarás por não fazer orelhas mou-cas às queixas dos que te prestaram serviços inestimáveis. Paga-lhes,paga-lhes, peço-te, que quero ver-me tratado por eles com aquelaconfiança e estimac~rri C}uese dignavam honra·r-me antes de entrarao teu serviço!

Seutes, que .não perdera uma palavra do discurso, arrenegou dohomem por culpado qual os gregos ainda não tinham sido ernbolsa-dos do soldo que lhes era devido; e toda a gente ficou a julgar que sereferia a Heráclidas.

- Nunca pensei em ficar com esse dinheiro - protestou ele. -Vou pagar.

- Pois que dizes que vais pagar, obsequeias-me muito se o fize-res por minha mão _.. proferiu Xenofonte. - Por causa de ti descina opinião dos soldados; não é legítimo que pela mesma via tornea reabilitar-me?

~ É legítimo enão serei eu quem queira o teu prejuízo. Dissee repito: fica com mil hoplitas e terás as praças fortes e mais bens quete prometi ...

- Impossível. Se dás licença, retiramo-nos.- Homem, fica. Não te hã-de faltar nada. Estás mais seguro

aquI...- Agradeço-te muito as atenções, mas está decidido. Podes, de

resto, ficar certo que por onde vá-não serei eu que te faça más ausên-eras.i.

Seutes,· perante aquela resolução peremptória, acrescentou então:- Não tenho grande dinheiro; mas dou-te o que há: Um talento.

Em compensação ponho seiscentos bois, cerca de qu.atro mil Carnei-ros e uns cento e vinte escravos. Toma tudo, toma também os refénsdos trácios que te ataçaram, e.vai.. -.

Xenofonte disse sorrindo: .

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- Se a venda de tudo isso não chega para-pagar o pré, paraquem é a talento? Não te parece que, nesse casa, vale mais dá-lo doque correr o perigo de ser lapidado?

Xenofonte ficou ali o resto da dia. Na manhã seguinte, Seutesentregou aos deputados o que havia prometido e mandou gente en-caminhar o gado para a arraial dos gregos. Já se dizia: à boca cheiaque Xenofonte lhes roera a corda e o que quisera fora ir ter com Seu"tes para lá ficar. Par isso, assim que o viram aparecer, ficaram admi-rados e correram para ele. Xenofante dirigiu-se para onde estavamCarminda e Polínico e disse:

-.- Aqui está o que com a vossa firmeza conseguistes para os 501-.

dados. Fazei o favor de vender e repartir o produto por eles.Fez-se a venda em hasta, não isenta derecriminaçães. Xenofonte

conservou-se sempre de parte. Via-se que se dispunha a partir paraa sua pátria, pais ao tempo ainda não fora objecto de ostraci~mo. Osamigos que tinha ali, no entretanto, vieram pedir-lhe que ficasse aomenos atéemregar o exército a Timbrão,

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Tomaram navios e foram desembarcar a Lâmpsaco. Xenofonteencontrou-se ali com Euclides, de Fliunte, filho de Cleágoras quepintou os Sonhos para o Liceu, e vaticinava. Ao mesmo tempo queo amigo o felicitava por ter escapado atamos perigos dizia:

- Deves estar rico, Xenofonte?- Mais pobre doq~e nunca. Se agora quisesse voltar a Atenas,

não tinha para pagar a passagem, a não ser que me desfizesse do ca-valo e das annas:..: .

Euclides não queria cre~. .Tendo-seçporérn, dado acas~ que osmoradores de Lârnpsaco trouxessem a Xenofonre as presentes dahospitalidade, celebrou um sacrifício em lauvor de Apalo 'ecolocouEuclides ao seu lada. Este, depois de atentar para as-entranhas das ví-timas, disse a Xenofonte: . .' . . '. '.' .

-'Sim, convenço-me de que não trouxeste fiada da expedição:mas, daqui para() futuro, mesmo que a sorte te bafeje, não saberásaproveitá-Ia. '

- Sim, isso é pecha velha.- É]úpiterMelíquio. queteé adversa. Querem ver que-nunca

mais lhe ofereceste holocaustos, cama eu costumava fazerem Ate-nas, em liame de todos? . .' .' .

Xenofonre confessou. que depois que. saíra da pátria nunca maisimolara em honra dejúpitér Melíquio, Euclídes aconselhou-o a fazê--Ia e veria corno.á diviridadese amercearia' dele.·.· .•." . ".: .

. Na di~seg~inte, X:enafont~ foi a Ofrínioê, segu~doorita ate-niense, queimou em holocausto porcos inteiros, e os presságiosse

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lhe apresentaram propícios, Nomesmo dia Bitão, que trazia dinheiropara o exército, ap~esentou-sea Euclides. Hospedados na mesma ca-sa,dentro de pouco estavam íntimos deXenofonre. Assim, comosoubessem que ele vendera o ~avaio por cinquenta dáricos num mo-mento de dificuldade, reembolsaram o' comprador e forçaram aquelecapitão a aceitá-lo como presente.. . De Lâmpsaco, meteram através' da TróadavPassaram o monte I

Idaea primeirapcvoação que~n~ontrara~ foi Antandros, donde,costeando ornar, cheg~rarp à plariíciede Tebas, Dali, depois de passarAdrarníteo e Certónio.ipenetrararn, perto. de Arame, no vale do Caíco,seguindo o qual, sempre em. frente, atingiram Pérgamo, na Mísia. .

Xehofon~e recebeu~loj~rrientoe~~asade Hela, mulher de G6n-'jllo, 'de Erétria;emãe de .Gorgionte edeGônjilo.T'oi ela que infor-rnou encontrar-seAsidates, grande magnatepersa, cerca dali, no vale.De noite, pela caladaçnão seria difícil apa~há-l~ com a mulher e fi-lhos e Ostesouros, que era~ consideráv~is. Corno a empresa fosse detentar, Xenbfohieofe~eceti primeiro urn-sacriffcioaos Deuses. Bá-sias, da Élida, que era adivinho e foichamaclo para assistir, declarouque as entranhas apresentavam sinais favoráveis e que Xenofontedeitaria a mão a Asidates. Xenofonte, erri consequência, pôs-se a ca-~inho depois de ceia. Tinha a guiá-Io Dafnágoras, primo de Hela,que era criatura deconfiança. Como.tropas levava as companhias quesempre lhe foram dedicadas, as quais queria associar à boa vaza.Além disso,no couce, contra a sua vontadeçsaíram do arraial 'mais deseiscentos homens, Mas os oficiais,não querendo repartir com tantagente uma presa' que julgavamsegura,deitatam a correr, deixando-osficar muito para trás., Chegaram ao sitio. à. volta da meia-noite. Não andaram, porém,

'.tão escoteiros que não fossem pressentidos, podendo escapar-se osescravos, que dormiam à voltado castelo, com a maior parte dos ani-mais, Mas os gregos o que pretendiam era "apoderar-se de Asidatese família co~ O tesouro e não fizeram ciso. Assaltaram o castelo,mas es te era uma alta e sólida torre, com arrieias e gente apostasa impedir a escalada, e tentaram miná-Ia, A muralha tinha uma espes-sura de oito tijolos; mesmo assim aozornper da manhã haviam-lhe

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aberto brecha, o suficiente para se entrar; Mas um dos sitiados atra-vessou com um espeto a coxa do grego que se ia a: adiantar, e os ou-tros intimidaram-se. Os bárbaros, também, faziam chover flechas so-bre aquele ponto, tornaridoo acesso perigosíssirno. Aos gritos quesoltaram, aos fogos que atenderam a dar sinal,Itabélio marchou emsocorro do castelo com as fotças que pôde reunir. Acudiram tambémos hoplitas assirio s destacados na Cornânia, uns oitenta ginetes daHircânia a soldo do rei, e perta de oitocentos peltastas. De reforço,ainda, saiu acavaiaria de Parténio, de Apolónia edaslocalidades Iimí-trofes. '

Era tempo debaterem retirada. Os gregos arrebanhaiam quan-tos escravos, bois e carneiros puderam e rne terarri-rros na meio dacoluna. Não que ligassem importância de maior à presa, Mas destemodo a retirada deixava de ter ar de fuga. e riem os gregos desanima-vam nem o inimigo cobraria fumaças de vencedor. Voltavam, pois,com a tomadia, e.Gônjilo, vendo-os assediados por tropas incompa-ravelmente superiores, saiu em socorro deles, não obstante aoposi-ção da mãe. Prodes, descendente de Damarato, acorreu também emauxilio dos gregos com as forças de Halisarna e da Teutrânia.

A hoste de Xenofonte tinha formado em círculo de modo a po-der cobrir-se com os escudos do chuveiro de flechas e de pedras, e,não sem custo, pôde deste modo atravessar o Calco, Foi neste passoque ficou ferido Agásias, de Estinfalo, que sempre combateu comdenodo, Mais de metade dos gregos ficou também ferida. Graças aoauxilio chegado, os gregos puderam alcançar o campo, tendoconser-vado cerca de duzentos prisioneiros e muito gado miúdo, que se pro-puseram sacrificar aos Deuses,

Na noite seguinte, depois do holocausto, Xenofonte pôs-se à tes-ta do exército em direcção à Lídia para que Asidates se tranquilizassee adormecesse sobre as precauções tomadas, Ele, porém, souberaque Xenofonte voltara a sacrificar com o intuito de renovar o ataque,sem dúvida, e para maior segurança deixou o seu castelo e dirigiu-separa o Parténio. Nas povoações das cercanias Xenofonte armara-lhe,porém, uma emboscada com forças retiradas em segredo do grossodo exército. E ele, mulher, filhos, escravos, cavalos e tudo o mais quepossuía caiu nas mãos dos gregos. Assim se cumpriu o presságio.O exÚcito dali retrocedeu para Pérgamo e Xenofonte felicitou-se

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. por ter imolado ajúpiter Melíquio, Com efeito, não-só os Lacedemó-nios, como os capitães.e oficiais, foram unânimes em obrigá-Io a esco-lher da presa, além de cavalos e juntas de bois, o que mais lhe agradas-se. Xenofonte viu-se, desta feita, em condições de poder obsequiar umamigo.

Timbrão chegou por aquela altura e, tomando o comando dastropas, incorporou-as no exército com que fez guerra a Tissafernese Farnabaz.

Governavam as' províncias atravessadas pelos gregos os seguintessátrapas: Ártimasna Lídia; Artácarnas na Frígia; Mitridates na Lacaó-nia e Capadócia; Siénesis na Cilícia; Derries na Fenícia e na Arábia;Bélesis na Síria e Assíria; Roparas em Babilónia; Árbaces na Média;Tiribaz na terra dos Fasianos e dos Hespéritos. Carducos, Cálibes,Caldeus, Macrões, ColcosçMossínecós, Cetos .•.Tibarenos eram povosautónomos. Có rilas governava .na Paflagónia, Farnabaz na Bitíniae os Trácio~ da Europa eram vassalos deSeutes. O total do percurso,avanço e retirada, montava a mil cento ecinquenta e cinco parasan-gas, ou seja trinta e quatro mil seiscentos e .cinquenta estádios. A ex-pedição durou quinze meses.

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1GL:ossiRtO DOSTEKMÓS GREGOS

CONSERVADOS NA TRADUÇÃO''~,t

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Cápit~, medida de .cilpaeidade;equivalerite a' 2,19'1.Carducos, povos hojechamados Curdos, . .

. Chénica, medida decapacidade, equivalente à 1,091.Ciziceno, moedád~ C{ziéo q.ue valia pouco mais Ou menos 28"

dracrnas, ou seja, urna libra e quatro xelins. . .Dárico, moeda ~e oito I?~rsa que valia pouco' menos duma libra de

hoje... ".Doriforos, carregadores do saque.. •. . . . .Estádio, medida de comprimento grega equivalentea 184;0'625 rn:Harmosta, govén1.ador de .Espartanas cidadesconquistadas.Hoplita, soldad6 grego da infantaria pesada.Melinófagos, que se alimentam de milho miúdo.Mina, moeda dosGregos que valia 100 dracmas..6rgia, medidade comprimento (1,85 m).. .. Parasanga, m~didajtinerárià dos Persas(5;520 kg). ". . .. .Pean, canto dos Gregos, de princípio emhonrade Apolo o~ Ártemis .

e consagrado depois como canto de guerra. '.Peltasta, soldado grego da infantaria ligeira.'Pletro, medida de comprimento (30,83m). . .'. .'S italca, canto de guerá éntre os Trá~ios com o nome do rei a quem

foi consagrado.

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