95
1

XII ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS … · A Primavera, O amor e Vênus: a lírica amorosa dos Goliardos no Carmina Burana (séculos XII- XIII) Helena Macedo Ribas ... Partituras

Embed Size (px)

Citation preview

1

2

XII ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS MEDIEVAIS

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE HAGIOGRAFIA

MEDIEVAL

Porto Alegre, 04 a 06 de julho de 2017

3

Comissão Organizadora Prof. Dr. Igor S. Teixeira – coordenador geral (UFRGS) Profa. Dra. Ana Rieger Schmidt (UFRGS) Prof. Dr. André Luis Pereira Miatello (UFMG) Profa. Dra. Andreia Cristina L. Frazão da Silva (UFRJ) Profa. Dra. Carolina Coelho Fortes (UFF) Profa. Dra. Cybele Crossetti de Almeida (UFRGS) Profa. Dra. Daniele Gallindo Gonçalves Silva (UFPEL) Comitê Científico Prof. Dr. Alfredo Carlos Storck (UFRGS) Profa. Dra. Leila Rodrigues da Silva (UFRJ) Prof. Dr. Marcelo Cândido da Silva (USP) Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz (UFBA) Prof. Dr. Stéphane Gioanni (Lyon II) Profa. Dra. Yara Frateschi Vieira (UNICAMP)

4

Programação

03.07.2017 18:30 - SOLENIDADE DE ABERTURA Local: Instituto Ling Endereço: Rua João Caetano, 444, Bairro Três Figueiras, Porto Alegre As demais atividades acontecerão todas no Campus do Vale da UFRGS, Av. Bento Gonçalves, 9500, Bairro Agronomia.

04.07.2017

09:00-10:00 - CREDENCIAMENTO

IFCH-UFRGS

10:00-11:30 - CONFERÊNCIA DE ABERTURA

A imagem do mundo: o homem e a natureza no ocidente medieval

Profa. Dra. Adriana Vidotte (UFG)

Presidente da ABREM

Local: Auditório do ILEA (Campus do Vale, próximo à sede do IFCH e da biblioteca).

13:00-14:00 - MINICURSOS

14:10-15:50 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO

15:50-16:20 - INTERVALO

16:30-18:00 - MESA REDONDA História e Direito: Diálogos Latino-americanos

Afonso II de Portugal: um monarca à prova do tempo

5

Profa. Dra. Maria Filomena Coelho (UNB)

Excomunión y criminalización de la cogitatio en el derecho bajomedieval

Prof. Dr. Alejandro Morin (CONICET/UBA-Argentina)

Local: Auditório do ILEA

18:00-19:30 MESA REDONDA Literatura e Poder

O Reino Português e os Descobrimentos: Poemas de Garcia de Resende Abordam a

Colonização a a Degeneração Social

Prof. Dr. Geraldo Augusto Fernandes (UFCE)

Sarracenos, cristianos y procedimientos épicos en Rhamant Otuel, traducción al galés

medio del poema Otinel

Profa. Dra. Luciana Mabel Cordo Russo (UBA-Argentina)

Local: Pantheon-IFCH

19:40-21:00 CONFERÊNCIA

Une passerelle entre Orient et Occident ? Ecrire l'hagiographie en Italie dans le haut

Moyen Âge

Prof. Dr. Thomas Granier (Montpellier)

Local: Pantheon-IFCH

05.07.2017

08:30-09:30 - MINICURSOS

09:45-11:30 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO

13:00-15:10 - SESSÕES DE COMUNICAÇÃO

15:10-15:30 - INTERVALO

15:30-20:00 - ASSEMBLEIA DA ABREM

6

06.07.2017

08:30-09:30 - MINICURSOS

10:00-11:30 MESA REDONDA A translatio studiorum e a recepção de Aristóteles

Prof. Dr. Alfredo Storck (UFRGS)

Prof. Dr. Roberto Pich (PUCRS)

Local: Auditório do ILEA

13:00-15:10 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO

15:10-15:50 - INTERVALO

16:00-17:30 - CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO

Eresia e santità. Alcuni casi italiani del XIII secolo

Profa. Dra. Marina Benedetti (Universidade de Milão)

Local: Auditório do ILEA

Minicursos:

1. Combate â Heresia e criminalização do pecado: algumas considerações sobre a

História da Inquisição Medieval

Alécio Nunes Fernandes (UnB)

Local: Sala 206

2. Formas de vida religiosa no Medievo Ocidental: o monacato e o movimento

franciscano

Bruno Uchoa Borgongino e Victor Mariano Camacho (UFRJ)

Local: Sala 222

7

3. Construindo Memória: novos olhares arqueológicos no mundo viking

escandinavo

Munir Lutfe Ayoub (USP)

Local: Miniauditório

4. Camponês, servo ou vilão? Teoria e Historiografia sobre o campesinato medieval

Thiago Pereira da Silva Magela e Eduardo Cardoso Daflon (UFF)

Local: Multimeios

5. Sexualidades, Heresia e Marginalidades na Idade Média Central (séculos XI-XIII)

Wendell dos Reis Veloso (UFRRJ) e Odir Fontoura (UFRGS)

Local: Pantheon

8

Sessões de Comunicação

04.07.2017

14:10 – 15:50

Sessão 1– Estudos sobre a Legenda Aurea Local: Pantheon São Jorge, a Ordem dos Pregadores e a Legenda Áurea Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva Caval(h)eiro, mártir e santo: as vidas de São Jorge na Elssässische Legenda Aurea e em Der Heiligen Leben Daniele Gallindo Gonçalves Silva O vilão, a vítima e o companheiro:a presença do laicado na narrativa hagiográfica de Jacopo de Varazze Henrique de Melo Kort Kamp As relações de poder entre instituições eclesiásticas e seculares: a Legenda aurea e a construção de um regime de verdade André Rocha de Oliveira Sessão 2 – Manifestações do Poder na Idade Média Local: Sala 206 Uma Prosopografia da Festa: mapeamento e observações iniciais acerca de nobres participantes do Passo Honroso de Suero de Quiñones Lucas Werlang Girardi Lord justice in the views of don Juan Manuel. Noble identity and resistance to the royal authority (XIVth century) Federico Javier Asiss Gonzalez e Martha Luciana Chiappero Lógica Feudal e as Inquirições de 1258 em Portugal Thiago Pereira da Silva Magela

9

Sessão 3 – Mulheres Escritoras na Idade Média Local: Multimeios Perfil e Atuação Política de Isabel de Aragão através de Algumas Cartas Aldinida Medeiros N’O Espelho de Cristina, a imagem de Santa Maria Maria Ascenção Ferreira Apolonia Fé em Cristo e nos Homens? Como mulheres escritoras expuseram suas relações com o clero e com a Igreja Carolina Niedermeier Barreiro Mística Feminina na Baixa Idade Média: Corpus Mysticum e o Imaginário Medieval Ocidental de Sociedade por Catarina de Siena (1347-1380) Caio César Rodrigues Une femme des lettres: produção de legitimidade de mulheres intelectuais no Medievo Leonardo de Lara Cardoso Sessão 4 - Igreja na Alta Idade Média Local: Sala 222 Estudo comparado dos milagres na Vita Sancti Fructuosi e na Vita Sancti Amandi Leila Rodrigues da Silva A verdade na filosofia de Agostinho Fabiano Ricardo Paz A Cidade de Deus é Heteronormativa? Apontamentos sobre as Proposições Agostinianas acerca das Sexualidades em De Civitate Dei (Século V) Wendell dos Reis Veloso “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”: os sermões de ascensão episcopal de Leão de Roma (440-461) Paulo Duarte Silva

05.07.2017

09:45 – 11:30 Sessão 5 – Entre Ocidente e Oriente I Local: Sala 206

10

A iconografia ocidental do imperador bizantino Heráclio (séculos XI-XIII): uma aproximação Guilherme Queiroz de Souza Do Oriente ao Ocidente: relações entre Constantinopla e o Mediterrâneo nos registros de Procópio de Cesareia e Jordanes: séculos V e VI Renato Viana Boy A ficcionalidade das “atas do concílio de Éfeso (431)”: um exercício de interpretação a partir dos registros cirilinos da sessão de 22 de junho Robson Murilo Grando Della Torre Un texto hagiográfico bizantino atribuido a Efrén el sirio: Vida de Andronico y Anastasia(Madrid, BNE 4787; BHG Novum auctarium 123j) Pablo Cavallero Sessão 6 - Entre Ocidente e Oriente II Local: Multimeios A globalização do antijudaísmo medieval a partir do século XIII Cybele Crossetti de Almeida Movimentos entre o pequeno e o grande mundo: desfazendo as categorias de oriente e ocidente na análise do Picatrix Aline Dias da Silveira Abraham Ibn Daud (circa 1110-1180) e a primeira (ana)crônica sefardita na Toledo do século XII Rodrigo Bragio Bonaldo Conflitos identitários e Intolerância religiosa: a perspectiva maimonidiana sobre as conversões forçadas Tatiane Santos de Souza Sessão 7 - Martírio Local: Pantheon Os ciclos iconográficos do beato Simão de Trento e a difusão do culto ao menino mártir no final do século XV Vinícius de Freitas Morais Sagrada Violência: aspectos do fenômeno martirológico no século XIII Dionathas Moreno Boenavides O Livro de Milagres dos Santos Mártires de Marrocos: a construção de uma santidade em Portugal no século XV

11

Bruno Soares Miranda “Mortos mais que especiais”: mártires e guerreiros no contexto medieval português Renata Cristina de Sousa Nascimento Sessão 8 – Ordens Mendicantes Local: Sala 222 Os conceitos de pobreza, castidade e obediência na Franceschina (1474): releituras observantes a partir do texto e imagem Angelita Marques Visalli Manifestações conflitantes: a influência da religiosidade franciscana no sistema eclesiástico, através do conceito de cultura intermediária, na Inglaterra do século XIV Gabriel Alves Pereira Erudição e atividade intelectual franciscana no século XIII a partir das vitae sobre Antônio de Lisboa/Pádua: uma proposta de pesquisa Victor Mariano Camacho “(...) continuem pelas riquezas do reino dos céus as confrontando com as angústias da pobreza voluntária (...)”: considerações sobre o voto de pobreza na Ordem dos Pregadores (1285-1289) Luiz Otávio Carneiro Fleck Filii carnis-filii spiritus: Angelo Clareno e as sete tribulações da Ordem franciscana Veronica Aparecida Silveira Aguiar

13:00 – 14:05 Sessão 9 – Imagens I Local: Sala 206 Píramo e Tisbe: narrativa de um amor trágico nos cofres de amor do tardo-medievo Flavia Galli Tatsch Anexos Góticos da Sé de Lisboa, interpretações e relações Willian Funke Transformações e continuidades na iconografia do primeiro século franciscano: távolas, afrescos, gravados e vitrais (1226-1285) André Luiz Marcondes Pelegrinelli

12

Sessão 10 – Canções de Gesta e Trovadorismo Local: Sala 222 Lisboa em cena: representação da cidade na dramaturgia medieval portuguesa Márcio Ricardo Coelho Muniz Os diálogos entre gêneros do trovadorismo galego-português: a intertextualidade das cantigas de amor e de amigo de Dom Dinis Ana Luiza Mendes A Primavera, O amor e Vênus: a lírica amorosa dos Goliardos no Carmina Burana (séculos XII- XIII) Helena Macedo Ribas Sessão 11 – Paganismo e Heresia Local: Multimeios De armatura omnium fidelium: a preparação espiritual para a guerra contra os hereges (séc. XIII-XV) Michele de Araújo A Historia Albigensis e a percepção de violência no negotium pacis et fidei no início do século XIII Magda Rita Ribeiro de Almeida Duarte O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen Lukas Gabriel Grzybowski Sessão 12 – Ordenação eclesiástica Local: Pantheon Servus servorum Dei: as redes clientelares e a construção do poder papal na Itália medieval (1024-1157) Felipe Augusto Ribeiro A “invenção” da diocese e a definição da jurisdição episcopal (séculos XII-XIII) Carolina Gual da Silva As redes de poder em torno de Pedro Damiano Cláudia Regina Bovo

13

14:05 – 15:10 Sessão 13 – Imagens II Local: Sala 206 As margens dos livros de horas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Maria Izabel Escano Duarte de Souza A representação musical nos Infernos dos Trípticos de Hieronymus Bosch: Partituras e torturas musicais Grasiela Prado Duarte O ornamental no manuscrito BM Cambrai 528 – século XI Pamela Wanessa Godoi Sessão 14 – Hagiografia no Século XIII Local: Pantheon Os Miracula de Cecília Romana e a Identidade da Ordem dos Frades Pregadores Carolina Coelho Fortes O Exordium Magnum Cisterciense entre crônica e hagiografia: o exemplo dos primórdios e a construção do conceito de pessoa na narrativa hagiográfica do século XIII Ana Paula Lopes Pereira Uma nova história de Francisco? Possibilidades de pesquisas a partir de uma recente descoberta Gustavo da Silva Gonçalves Sessão 15 – Idade Média e Contemporaneidade I Local: Multimeios A Invenção do Medievo: narrativas sobre a Idade Média nos livros didáticos de História Nilton Mullet Pereira A Idade Média que nos habita: sobre a legitimidade memorial dos estudos medievais no mundo contemporâneo Gabriel Castanho Saberes e sabores: a narrativa da Cocanha como uma permanência medieval na cultura brasileira Mariana Amorim Romero

14

Sessão 16 – Aspectos do Monasticismo Medieval Local: Sala 222 O paradoxo premonstratense após a morte de Norberto de Xanten (1135): Vida monástica ou vida canônica? Vinicius Cesar Dreger de Araujo Os primeiros séculos do movimento monástico em The decline and fall of Roman Empire de Edward Gibbon Bruno Uchoa Borgongino Os estudos monacais em Reims no século X Rafael Bassi “Monacato em movimento”: considerações sobre o eremitismona VitaAntonini (século VI-VII) Juliana Salgado Raffaeli

06.07.2017

13:00 – 14:05 Sessão 17 – Bruxaria e Heresia Local: Multimeios Espiritualidade leiga, cristianismo e heresia (séculos XI-XIII): algumas considerações Alécio Nunes Fernandes “Heresiologia e Repressão: a ideia de ‘Perseguição justa’ na Summa Adversus Catharos et Valdenses, do dominicano Moneta de Cremona Patrícia Antunes Serieiro Silva Estudos sobre a bruxaria na Idade Média: revisões historiográficas e novas perspectivas de análise Odir Fontoura

Sessão 18 – História e crônicas Local: Pantheon Sucessões régias e conflitos em três crônicas do Sul da Itália ou características literárias do poder no reino de Nápoles (séculos XIII-XIV) Igor Salomão Teixeira

15

As histórias de um livro catedral: Relações entre passado, presente e futuro na interpretação do Dragmaticon do mestre Guilherme de Conches (c. 1080 - 1154) Carlile Lanzieri Júnior Conquistar, narrar e reputar: a escrita da história e a dimensão narrativa da ação Rodrigo Prates de Andrade Sessão 19 – Aspectos do Imaginário Medieval I Local: Sala 206 Anjos planetários e o mundo sublunar: Trithemius, astrologia e política nos séculos XV e XVI Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior As Paixões da Alma nos escritos dietéticos medievais (séculos XII – XIV) Maria Dailza da Conceição Fagundes O anjo-guia no itinerário da viagem imaginária ao Além medieval na obra Visão de Túndalo Solange Pereira Oliveira Sessão 20 – Hagiografia na Alta Idade Média Local: Sala 222 Formas de devoção aos mártires nas comunidades cristãs do Ocidente (Roma, século III) Vanessa de Mendonça Rodrigues dos Santos O culto à Virgem Maria no Liber In Gloria Martyrum de Gregório de Tours Edmar Checon de Freitas A construção do Santo (Jerônimo) de Estridão Maria Cristina Martins e Alexandra de Brito Mariano

14:05 – 15:50 Sessão 21 – Idade Média e Contemporaneidade II Local: Sala 206 Un avatar argentino de la leyenda del corazón comido Susana G. Artal O mito do cavaleiro na longa duração: um estudo de caso sobre ressignificações do imaginário medieval nos anos 1930 Mauricio da Cunha Albuquerque

16

A “morte domada” e a “morte de si” em Gil Vicente e seus Aspectos Residuais na obra de Ariano Suassuna Francisco Wellington Rodrigues Lima Sessão 22 – Poder e santidade na Alta Idade Média Local: Sala 222 Modelos de conduta nas paixões visigóticas Flora Gusmão Martins Reis, bispos e druidas: autoridade e poder na Vita Sanctae Brigitae, de Cogitosus (Irlanda, século VII) Clarissa Mattana Os Concílios Visigóticos como espaço de construção de consenso (Séculos VI-VIII) Eduardo Cardoso Daflon Sessão 23 – Aspectos do Imaginário Medieval II Local: Multimeios As Sagradas Escrituras como lógica argumentativa jurídica na voz de Deus e do Diabo (século XIII) Clarice Machado Aguiar A reprodução e a geração de monstros no De Secretis mulierum (séc. XIV) Lidiane Alves de Souza Poderes (in) visíveis: as criaturas do mal na Arte de Bien Morir Patrícia Marques de Souza Sessão 24 – Literatura e História Local: Pantheon Servir a Deus e servir ao rei nas Canções de Gesta Ademir Aparecido de Moraes Arias João Zorro e marcas de sua individualidade poética Márcia Maria de Melo Araújo Alegoria histórica: Uma possibilidade para operacionalizar tempo e espaço na antiguidade e no medievo Daniel Lula Costa & Janaina de Fátima Zdebskyi

17

RESUMOS

Conferências

Uma passarela entre o Oriente e o Ocidente? Escrever hagiografia na Itália na Alta Idade

Média

Thomas Granier

(Universidade de Montpellier)

A Itália do sul, latina, zona de contatos entre as culturas romana, lombarda e bizantina, viu

se desenvolver uma intensa atividade cultural na alta Idade Média. Uma parte desta

atividade consistiu na composição de numerosos textos hagiográficos sobre figuras santas

regionais ou sobre as quais o culto teve origem em outras regiões. Foram particularmente

compostas numerosas Vidas, Paixões e Milagres de santos orientais cujo culto tem origens

no Império cristão do Oriente ou às suas margens (Armênia cristã, por exemplo). A quase

totalidade desse corpus de textos dedicados aos santos orientais foi composta em Nápoles,

em um período preciso: os três quartos de século entre 875 e 960, aproximadamente. Esta

conferência procura evidenciar as características dessas obras e as motivações dos que

encomendaram e de seus autores. Trata-se de definir, principalmente, se a origem oriental

dessas tradições é valorizada, se há um autêntico interesse pelas regiões de origem desses

cultos: os laços culturais estreitos da Itália meridional com o mundo bizantino motivaram

uma vontade de transmitir à cristandade ocidental essas tradições que são originalmente

estranhas ao Ocidente?

Heresia e Santidade: alguns casos italianos do século XIII

Marina Benedetti (Universidade de Milão)

Santidade e heresia são dois substantivos aparentemente opostos que deram origem a dois

âmbitos de pesquisarão profícuos quanto incomunicáveis. De modo diverso, a história da

18

Santidade e a história da heresia foram dotadas de instrumentos metodológicos e de

consciência historiográfica. Não obstante, se olharmos os indivíduos – os santos e os hereges

– descobre-se que não são poucos os casos em que uma santa se torna herética (ou um santo

se torna herético), sobretudo na peculiar conjuntura do século XIII, quando a proclamação

do primeiro jubileu solicita o papado e as ordens mendicantes um controle mais cerrado

sobre todas as formas de santidade.

19

Mesas Redondas

O reino português e os descobrimentos: poemas de Garcia de Resende abordam a

colonização e a degeneração social

Geraldo Augusto Fernandes

(Doutor em Letras, Universidade Federal do Ceará)

Garcia de Resende, em sua Miscelânea e variedade de histórias, apresenta umas trovas em

que resume a situação da metrópole portuguesa com a ascensão de grande número de

escravos negros. Diz Resende: “Vemos no reino meter, / tantos cativos crescer, / irem-se os

naturais / que, se assim for, serão mais / eles que nós, a meu ver.” Registro de um reino às

voltas com os efeitos das Grandes Descobertas do final da Idade Média, Garcia de Resende

recheia suas trovas de certo desconforto e certa desilusão para com as riquezas que afloram

em Portugal, as quais, inclusive com a chegada daqueles escravos africanos, colaboram para

degenerar o sonho dourado de perfeita convivência entre os que habitavam Portugal.

Essas trovas de Garcia de Resende espalham-se por muitas obras no Brasil e no Exterior.

Euclides da Cunha em Os Sertões e Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, para

citar apenas dois, valem-se dos poemas resendianos para fazer uma análise da situação

brasileira, invadida pelos afro-lusitanos com seus costumes, ideais e normas.

Este estudo pretende analisar em que situação o uso dos referidos poemas foi importante

para se entender os meandros de nossa Colonização, com destaque para o tema da

escravidão em Portugal.

20

Sarracenos, cristianos y procedimientos épicos en Rhamant Otuel,

traducción al galés medio de Otinel

Luciana Cordo Russo

(Doutora em Letras, Universidad Nacional de San Martín,

IMHICIHU, CONICET)

En esta comunicación me propongo analizar la representación de sarracenos y cristianos en

Rhamant Otuel, traducción al galés medio y en prosa del poema épico francés Otinel,

perteneciente a la llamada “compilación carolingia galesa” que también comprende una

traducción incompleta de La chanson de Roland, Cân Rolant, insertada como capítulo XXI

de la Crónica del Pseudo-Turpín (versión galesa del cuarto libro de la Historia de Vita Caroli

Magni et Rotholandi) y una traducción completa del Pèlerinage de Charlemagne (La

Peregrinación de Carlomagno), Pererindod Siarlymaen. La compilación ha sido datada

hacia el año 1275 pero Otuel es una incorporación posterior, de aproximadamente 1336.

Los pocos críticos que han estudiado Otuel —en general de forma transversal— subrayan

el marcado énfasis en el aspecto religioso de la composición galesa, en especial los temas de

conversión y cruzada (Poppe, 2014; Petrovskaia, 2015). En este marco, resulta

particularmente productivo explorar el vocabulario y los términos que se utilizan para

referirse a los sarracenos y la imagen que se configura de estos personajes teniendo en

cuenta que tanto los temas de conversión y cruzada como los motivos del noble sarraceno o

la bella sarracena son convenciones narrativas del discurso épico (Ailes, 2012) utilizados con

mayor o menor soltura por parte del compositor de Otinel. Asimismo, esta imagen de los

sarracenos se delinea en relación con un modelo de cristianos que pretende funcionar como

su opuesto. De este modo, en el tratamiento que el traductor dispensa a estos elementos

podremos percibir no solo aquello que le resulta de interés al comanditario de la traducción

y a su público sino, además, el modo en que este comprende, interpreta y traslada técnicas

de composición asociadas al género de la épica francesa a las tradiciones literarias y al estilo

narrativo galeses. Como conclusión, el análisis nos permitirá plantear innovaciones

importantes en el proceso de traducción de Otuel respecto del resto de las traducciones de

textos épicos carolingios al galés medio.

21

Afonso II de Portugal: um monarca à prova do tempo

Maria Filomena Coelho

(Doutora em História, UnB)

Afonso II, que reinou em Portugal, entre 1211 e 1223, é frequentemente identificado como o

monarca que, por meio de diversas iniciativas jurídicas e legislativas, encarna o marco

temporal que assentou as bases para o surgimento do Estado português. Tal reconhecimento

significa também a inauguração de um novo tempo na história, cujo motor se constrói pela

associação necessária e exclusiva entre rei e Estado. Entretanto, a produção legislativa e os

modos de governar de Afonso II, quando analisados por um prisma pluralista, permitem

destacar outras lógicas que se afastam da interpretação extemporânea das semelhanças com

a nossa matriz política contemporânea que, se por um lado, coloca a personagem “à frente

de seu tempo”, por outro, acaba por admitir que ela não esteve à altura do “novo tempo”.

22

Comunicações

Servir a Deus e servir ao rei nas Canções de Gesta

Ademir Aparecido de Moraes Arias

(Doutor em História Social, USP)

Até o século XI, devido ao monopólio da escrita pelos membros do clero, apenas as

narrativas em latim mereceram ser conservadas em textos. Muitos destes tinham caráter

apologético e, como nas Vidas de Santos, exaltavam personagens cuja firmeza na fé cristã, a

devoção, o zelo pregador e a paciência no momento do suplício e da morte serviam de

exemplos ao povo cristão. Mas em torno de 1050 uma literatura vernácula passou a ser

difundida em terras onde se desenvolveria a língua francesa e seus temas e personagens se

distanciavam daqueles valorizados pelos clérigos. O meio cavaleiresco em busca de

afirmação na sociedade cristã incentivou poemas nos quais suas atividades guerreiras eram

enaltecidas e as Canções de Gesta foram um dos melhores instrumentos para isso.

Literatura surgida num tempo no qual a Cristandade se expandia através de guerras

justificadas pela Igreja contra os islamitas da Espanha (tomada de Barbastro, 1064; conquista

de Toledo, 1085) e da Palestina (1095-1099), seus heróis faziam da luta armada uma obra do

agrado divino e suas vitórias eram mostradas como manifestações da vontade de Deus em

favor de seu povo. A morte dos guerreiros era convertida numa forma de martírio, ideia já

esboçada pela Igreja no século X para incentivar o combate contra os invasores normandos,

sarracenos e magiares. Com isto a função cavaleiresca sobrepujava em importância as

funções clerical e monástica, na visão da poesia épica. Poemas como a Chanson de Roland, a

Chanson de Guillaume e o Moniage Guillaume faziam dos cavaleiros um novo modelo para

determinado grupo de cristãos, justificavam a superioridade moral dos combatentes sobre

o homem de oração e defendiam uma primazia do rei épico – identificado principalmente

com o lendário Carlos Magno (764-814) – sobre o papa. Se os santos descritos nas

hagiografias e sermões travavam combates espirituais e morriam indefesos perante seus

algozes, os heróis épicos deviam ser exemplos para uma luta real contra o infiel e a sua

23

morte devia assumir a forma de um autossacrifício guerreiro, doloroso e ao mesmo tempo

homicida, no qual orgulho e fé se entrelaçavam em prol da Cristandade.

Perfil e atuação política de Isabel de Aragão através de algumas cartas

Aldinida Medeiros

(Doutora em Literatura Comparada, UEPB)

Conhecida como a Rainha Santa de Portugal, Isabel de Aragão está envolta há muito tempo

em uma aura de santidade. Porém, consideramo-la mais que uma figura canonizada pela

Igreja Católica, pois sua atuação na política de Portugal é emblemática. Além de ajudar na

pacificação das contendas entre o esposo, D. Dinis, e o filho, D. Afonso IV, a altura infante,

Isabel escreveu cartas com teor político ao seu irmão, D. Jaime II, então rei de Aragão. Nosso

interesse de investigação sobre esta mulher, importante figura histórica do período

medieval, aconteceu através de sua representação no romance histórico contemporâneo,

porém, alargou-se, à medida que mais conhecíamos seus feitos, fossem na habilidade

política com a Igreja Católica, sobremaneira no tocante à questões relacionada ao Mosteiro

de Santa Clara-a-Velha, fosse na política dos casamentos e criação dos filhos bastardos de

seu marido. O objetivo desta comunicação e artigo é trazermos à tona a voz de Isabel de

Aragão bem como observarmos os posicionamentos desta rainha através de algumas de

suas cartas, a fim de comprovar sua habilidade nas estratégias da política do reinado de D.

Diniz. Nosso investigação está embasada, principalmente, pelas seguintes referências

bibliográficas: Sebastião Antunes Rodrigues (1958), Fernando Barros Leite (1993), Francisco

da Fonseca Benevides (2009) e José Carlos Gimenez (2005).

Espiritualidade leiga, cristianismo e heresia (séculos XI-XIII): algumas considerações

Alécio Nunes Fernandes

(Doutorando em História, UnB)

24

Em alguma medida, as heresias medievais podem ser caracterizadas como o

aprofundamento entre leigos de uma religiosidade cristã de caráter monástico-ascético, a

manifestação de uma espiritualidade leiga que tenta se aproximar de Deus. Ao contrário de

ser uma negação da fé cristã, as heresias exprimem a difusão de um modelo de cristianismo

muito semelhante àquele que viria a ser adotado por dominicanos e franciscanos: Pedro de

Valdo e São Francisco de Assis são faces de uma mesma moeda – que o digam os vários

franciscanos condenados por heresia que acabaram seus dias em fogueiras inquisitoriais. O

surgimento e proliferação de movimentos heréticos no começo do segundo milênio são um

indicativo de que o cristianismo se enraizara no ocidente, mesmo que ele continue

convivendo com traços de religiosidades não-cristãs ao longo de todo medievo,

“paganismos” que serão muito mais cristianizados que eliminados. Depois de uma longa,

lenta, gradual e desigual difusão no primeiro milênio da cristandade – dependente da

recepção que ele terá nas diferentes sociedades em que for definido como religião oficial –,

o cristianismo do segundo milênio precisará acertar as contas com uma aflorada

religiosidade popular de leigos que acreditam ter papel importante na tarefa de sua própria

salvação. Nesta comunicação pretende-se discutir o quanto a propagação das heresias

medievais, sobretudo entre os séculos XI e XIII, representou, paradoxalmente, o

aprofundamento social da religião cristã no ocidente: muito mais que uma crítica à

ortodoxia ou a constituição de uma igreja paralela, os hereges acreditavam ser e representar

a verdadeira Igreja dos apóstolos.

Movimentos entre o pequeno e o grande mundo: desfazendo as categorias de oriente e

ocidente na análise do Picatrix

Aline Dias da Silveira

(Doutora em História Medieval, UFSC)

Quando escutamos palavras como globalização ou história global, é comum ocorrer em

nossas mentes imagens como computadores, internet, redes sociais, economia mundo, ou

seja, uma temporalidade que se iniciaria no século XX. Se pesquisarmos um pouco, talvez

possamos recuar até as navegações europeias através do atlântico a partir do século XVI.

25

Que imagens nós teríamos em mente, no entanto, se tentássemos romper com a perspectiva

europeia e iluminista da História e entendêssemos as temporalidades ainda mais recuadas

sem as divisões modernas entre ocidente e oriente? Veríamos o que estava lá, ou seja, uma

gigantesca rede de rotas terrestres e marítimas que ligavam a China à Península Ibérica, a

Escandinávia à África oriental. Rotas que foram passagens para o comércio, o poder, a

religião, a opressão e o conhecimento; passagens de trocas, conflitos e transformações. A

partir do experimento de exercitar uma perspectiva não europeia da história - dentro das

limitações e vantagens que nossa posição subequatorial nos permite - pretendo apresentar

meu trabalho de medievalista (minhas indagações e indignações), trazer questões da

historiografia atual, bem como apresentar exemplos de um fenômeno histórico que teve

passagem pelas rotas antigas e medievais: o movimento de textos, pensamentos e

interpretações das ciências astronômicas e astromágicas através de um texto árabe ibérico

do século X, o Picatrix. A fonte articula diversas temporalidades, como um vórtice histórico,

do qual as linhas nos conduzem às transformações do pensamento platônico em

interpretações monoteístas, às pretensões políticas, bem como às tradições mesopotâmica e

caldeia de estudos dos corpos celestes nas passagens e interações entre micro e

macrocosmos. Passagens da experiência humana no tempo e no espaço.

Os diálogos entre gêneros do trovadorismo galego-português: a intertextualidade das

cantigas de amor e de amigo de Dom Dinis

Ana Luiza Mendes

(Doutoranda em História, UFPR)

As denominações dos gêneros do trovadorismo galego-português nos são dadas pela Arte

de Trovar, tratado poético fragmentado, contido no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, um

dos cancioneiros em que se tem a compilação das produções trovadorescas ibéricas. A partir

desse tratado, portanto, assumimos que as cantigas de amor são aquelas em que o a voz

masculina se apresenta como o porta-voz das lamentações amorosas, diferentemente das

cantigas de amigo, nas quais as benesses e os infortúnios amorosos são cantados por uma

voz feminina.

26

Além do eu-lírico também podemos perceber alguns elementos estruturais que auxiliam a

determinar a identidade desses gêneros, como alguns nexos lógicos, vocativos ou a

utilização de certas frases feitas específicos de cada um deles. Todavia, na produção de Dom

Dinis é possível identificar que algumas cantigas não seguem de forma rígida as predições

que sugeririam o tratado poético galego-português, uma vez que elementos de um gênero

são utilizados no outro, sugerindo uma intertextualidade das obras que pode ser

compreendida como um componente próprio do movimento trovadoresco, uma vez que

dele não estava dissociada a performance que permitiria o compartilhamento de referências

contidas nos cantares.

Diante disso, podemos pensar nas relações entre as cantigas de forma mais abrangente que

a Arte de Trovar sugere, levando em consideração que este tratado fragmentário e contido

num cancioneiro do século XVI, podendo ser possível que contivesse outras informações

sobre as produções que nos escapam ao conhecimento ou que não se constituísse como um

parâmetro tão rígido de produção.

Ainda assim, é sabido que Dom Dinis tinha conhecimento das normas da tradição

trovadoresca, o que pode indicar que, além de ter contato com as produções de outros

movimentos culturais, também poderia ter tido acesso a diferentes poéticas. No entanto,

algumas de suas cantigas não seguiam um esquema rígido de composição. Tal fato pode ser

relativo à falta de um tratado poético dirigido especificamente ao ensino da produção da

poesia ou, ainda, à afirmação de originalidade de produção com o intuito de uma

diferenciação como trovador.

O Exordium Magnum Cisterciense entre crônica e hagiografia: o exemplo dos

primórdios e a construção do conceito de pessoa na narrativa hagiográfica do século XIII

Ana Paula Lopes Pereira

(Doutora em História Medieval, UERJ-FFP)

O Exordium Magnum Cisterciense de Conrad d’Eberbach é a crônica das primeiras décadas

da Ordem Cisterciense. Trata-se de uma narrativa edificante que contém a vida de Cristo,

uma história do monaquismo até o século XII, e uma compilação de pequenas histórias ou

27

exempla que manifestam a santidade dos primeiros membros da Ordem. A base do relato

de Conrad d’Eberbach, escrito entre 1190 e 1210, é o Liber Miraculorum de Herbert de

Claraval composto entre 1178 e 1181. Dessa forma, o texto se situa entre a crônica e a

hagiografia cisterciense tal como é concebida no início do século XIII. Com base na nossa

pesquisa sobre as vitae de beguinas e monjas cistercienses do Brabante consideramos que

esse tipo de relato hagiográfico, construído através de exempla, veicula um determinado

conceito de pessoa, com emoções e formas de intelecção específicas. Buscaremos, na

presente comunicação demonstrar a relação entre a narrativa hagiográfica cisterciense e as

vitae de beguinas e monjas cistercienses no que concerne a construção do conceito de pessoa

na primeira metade do século XIII.

Transformações e continuidades na iconografia do primeiro século franciscano: távolas,

afrescos, gravados e vitrais (1226-1285)

André Luiz Marcondes Pelegrinelli

(Mestrando em História Social, UEL)

O processo de canonização e reconhecimento de Francisco de Assis (1182-1226) foi, no Baixo

Medievo, um dos mais rápidos. Em menos de dois anos, o poverello de Assis, uma vez

reconhecido pelo poder pontifício, teve imagens, efígies e narrativas proliferadas por toda

a península itálica. É provável que a alta popularidade tenha feito surgir uma grande

quantidade de imagens de Francisco, mesmo entre os leigos e camadas populares

(FRUGONI, 1993, p. 322), material perdido. Essa comunicação busca mapear a produção

imagética sobre Francisco de Assis, nas cidades italianas, no primeiro século de iconografia

franciscana, compreendido da morte do santo à criação do Ciclo da Vida de Francisco de

Giotto di Bondone (1266-1337), atentando-se para a manutenção ou modificação da escolha

das cenas narrativas retratadas. Enquanto temas como a “pregação aos pássaros” ou a

“estigamtização sobre o monte Verna” se mantém por um período largo, os episódios de

milagres e curas se alternam com bastante celeridade. Compreendendo essa iconografia

como imago (SCHMITT, 1996), que transita entre suportes visuais, textuais e mentais,

28

buscamos serializá-los, tal qual pistas que nos permitam pensar a devoção franciscana no

período.

As relações de poder entre instituições eclesiásticas e seculares: a Legenda aurea e a

construção de um regime de verdade

André Rocha de Oliveira

(Mestrando em História Comparada, UFRJ)

A Legenda aurea, produzida pelo frade dominicano Jacopo de Varazze na segunda metade

do século XIII, vem sendo abordada pelos estudiosos por diferentes vieses. No âmbito das

Pós-Graduações em território nacional, um conjunto de trabalhos já foi produzido

utilizando este legendário como fonte. No entanto, não encontramos, dentre essas

investigações, nenhuma que se ocupasse exclusivamente da inserção da obra nas relações

de poder entre a Igreja Romana e os poderes seculares instituídos, dos quais se destaca o

Sacro Império Romano.

Nesta pesquisa de mestrado que se inicia, propomos uma interpretação possível para o uso

do legendário. Compreendendo as querelas entre instituições eclesiásticas e seculares como

um embate para estabelecer um regime de verdade, e assim instituir um “discurso

verdadeiro”, a obra do frade genovês pode ser concebida como um instrumento capaz de

influenciar tais relações de poder. Destarte, seus usos poderiam auxiliar a busca da

instituição eclesiástica pela primazia política sobre o Ocidente medieval. Na presente

comunicação, aprofundaremos essas reflexões.

S. Jorge, a Ordem dos Pregadores e a Legenda Áurea

Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva

(Doutora em História Social, UFRJ)

29

Com a chegada dos portugueses e demais grupos europeus ao Rio de Janeiro e a inserção

do catolicismo na região, a prática de veneração aos santos foi iniciada e se expandiu no

decorrer dos séculos. A devoção aos santos deixou marcas não só na religiosidade carioca,

mas em diversos outros campos, como na toponímia, na paisagem, no calendário, nas

manifestações artísticas, na linguagem, nas festas populares. Ou seja, hoje os santos

participam, direta ou indiretamente, da vida de todos os moradores do Rio de Janeiro, sejam

católicos ou não. Dentre os diversos santos cultuados, há vários personagens que tiveram a

sua memória transmitida durante a Idade Média. Nesta comunicação vou me deter em um

desses santos: S. Jorge. O culto a Jorge, segundo a historiografia, surgiu no Oriente entre os

séculos IV e V e expandiu-se pelo Ocidente durante a Idade Média. Dentre os diversos

trechos escritos sobre ele no medievo, vou apresentar as conclusões da análise da Legenda

Áurea, compilação de hagiografias elaborada sob a coordenação do dominicano Jacopo de

Varazze. A opção pelo estudo desta narrativa justifica-se pelo seu papel na sistematização

de uma memória de santidade do chamado Santo Guerreiro, pela perspectiva dominicana,

que alcançou grande difusão ao final do Medievo entre distintos grupos sociais. Estas

reflexões estão vinculadas ao desenvolvimento do projeto “A construção medieval da

memória de santos venerados na cidade do Rio de Janeiro: uma análise a partir da categoria

gênero”, financiado pela Faperj por meio do Programa Cientiista do Nosso Estado.

Os conceitos de pobreza, castidade e obediência na Franceschina(1474): releituras

observantes a partir do texto e imagem

Angelita Marques Visalli

(Doutora em História, UEL)

Apresentamos um estudo sobre textos e imagens da Franceschina (1474), escrita pelo frei

Giacomo Oddi, na região da Úmbria, no ambiente da reforma observante. A obra foi

realizada no centenário da reforma do convento de Monteripido, em Perugia, e apresenta-

se como um “espelho”, evidenciando as virtudes franciscanas. A partir do modelo

evangélico e de Francisco de Assis, são evidenciados diversos frades que se destacaram em

virtudes como a castidade, a obediência, a humildade, a caridade, constituindo-se a obra

30

numa extensa compilação de franciscanos virtuosos, conhecidos e reconhecidos na Ordem

dos Frades Menores ou anônimos. Buscamos uma melhor compreensão da articulação entre

imagens e texto na apresentação das virtudes da pobreza, obediência e castidade, aquelas

que compõem o tripé da Ordem dos Frades Menores. As virtudes destacadas passam por

modificação sensível quanto ao seu conteúdo em relação ao modelo do fundador da Ordem

(mesmo considerando as diferentes perspectivas apresentadas pelos textos das Fontes

Franciscanas) mas destacamos, especialmente, as distintas abordagens entre as duas

linguagens, textual e imagética. A partir da consideração do manuscrito como uma unidade,

desenvolvemos uma análise que expõe as relações entre as duas formas de expressão,

evidenciando o caráter autônomo e de construtor de conhecimento das imagens. Dentre os

quatro códices ilustrados da Franceschina, analisamos aquele que apresenta o maior número

de imagens, o de Santa Maria dos Anjos, com 152 ilustrações.

O Livro de Milagres dos Santos Mártires de Marrocos: a construção de uma santidade

em Portugal no século XV

Bruno Soares Miranda

(Doutorando em História Social, USP)

Prática das peregrinações, a escrita de Livros de Milagres aconteceu amplamente no século

XV português. Um deles é referente aos Santos Mártires de Marrocos. Nesta fonte,

encontramos 26 relatos que foram compilados em Santa Cruz de Coimbra e que corresponde

a um momento de intensificação do culto dos Santos promovido pelo Mosteiro. O registro

escrito dos milagres narrados pelos peregrinos tinha como função obter a canonização pela

Santa Sé dos protomártires franciscanos. O objetivo desta comunicação é analisar este corpus

documental e, com isto, compreender como o aumento potencial de novos testemunhos

sobre graças e mercês recebidas serviu para os objetivos do Mosteiro. Igualmente, através

desta análise, podemos compreender os peregrinos portugueses medievais, sua

espiritualidade e suas angustias diárias.

31

Os primeiros séculos do movimento monástico em The decline and fall of Roman Empire

de Edward Gibbon

Bruno Uchoa Borgongino

(Doutorando em História Comparada, UFRJ)

Edward Gibbon, historiador inglês do século XIX, tornou-se celebre pelo seu trabalho

intitulado The decline andfallof Roman Empire. Adotando uma abordagem pejorativa em

relação ao medievo e partindo dos paradigmas iluministas então em voga, atribuiu, neste

estudo, um quadro de decadência civilizacional aos últimos séculos do Império Romano.

Em sua abordagem desse “declínio”, considerou o papel dos monges e do movimento

monástico no panorama que delimitava. Destaca-se, nesse sentido, o capítulo XXXVII, em

que aprofundou suas reflexões sobre a trajetória do monaquismo cristão.

O objetivo desta comunicação é analisar criticamente as hipóteses tecidas por Gibbon em

The decline andfallof Roman Empire a respeito do fenômeno monástico no início da Idade

Média. Esta apresentação consiste no meu primeiro esforço de avaliação das pesquisas

históricas concernentes ao monaquismo em suas primeiras centúrias – empreitada por sua

vez derivada da constatação da ausência de exposições sistematizadas sobre a trajetória

desse canteiro de estudos.

Mística feminina na Baixa Idade Média: Corpus Mysticum e o imaginário medieval

ocidental de sociedade por Catarina de Siena (1347-1380)

Caio César Rodrigues

(Mestrando em História, UFRRJ)

Através dos indícios coletados no epistolário e na obra “Diálogo da Divina Providência”

(1377 -1378) de Catarina de Siena, encontramos a construção e o entendimento de aspectos

particulares do imaginário medieval ocidental de sociedade como parte idealizada do

Corpus Mysticum de Cristo. Catarina entendeu a dor, o sofrimento e o flagelo do corpo

como elementos constituintes para a cristandade tornar-se o corpus mysticum de Cristo, ou

32

seja, sofrer o que seu deus sofreu assumindo seu corpo e suas chagas. Ao pensar o arquétipo

de sua sociedade, Catarina de Siena, denunciou o estado de ganância e riqueza que envolveu

o clero, desviando-o do cuidado das almas e levando-o à prática da “simonia e ganância de

riqueza, negociando a graça do Espírito Santo” (CATARINA DE SIENA, 1984; 255). E

paralelamente, foi defensora da primazia do clero na sociedade e da infalibilidade papal.

As histórias de um livro catedral: relações entre passado, presente e futuro na

interpretação do Dragmaticon do mestre Guilherme de Conches (c. 1080 - 1154)

Carlile Lanzieri Júnior

(Doutor em História, UFMT)

Escrito entre os anos de 1144 e 1149, o Dragmaticon divide-se em seis livros que trazem

muitas das concepções pedagógicas de Guilherme de Conches (1090-1154). Concepções

assinaladas por uma percepção profunda do tempo, o que nos sugere a intensa relação que

Guilherme estabeleceu entre experiências passadas e expectativas futuras diante de um

presente que considerava decadente e que teria pouco a ensinar aos que a ele se inclinavam.

Ombro a ombro com personagens como João de Salisbury (c.1120-1180), Bernardo de

Chartres (†1160) e Gilberto de La Porrée (1076-1154), Guilherme de Conches atuou na

consolidação do que foi denominado pela posteridade como a Escola da Catedral de

Chartres, uma das importantes expressões da cultura intelectual da Idade Média no século

XII.

Os Miracula de Cecília Romana e a identidade da Ordem dos Frades Pregadores

Carolina Coelho Fortes

(Doutora em História Social, UFF)

Ao longo do século XIII, uma nova ordem se configurava. Nova ordem essa, tanto no

sentido mais amplo – as transformações que vinham ocorrendo pelo menos desde o século

33

XI agora atingiam contornos claros – quanto no sentido mais restrito – surgia a Ordem dos

Irmãos Pregadores. Esse primeiro século de existência da Ordem instituida por Domingos

de Gusmão foi marcado por sucessos e reveses, lutas internas e embates com o papado, os

clérigos seculares e outras ordens mendicantes. A produção literária nessas décadas foi

considerável. Assim, podemos ter acesso a variadas perspectivas do processo de

institucionalização da Ordem Dominicana.

Nesta breve apresentação, preocupa-nos analisar uma dessas visões a respeito da Ordem,

que toma como ponto central a figura de seu fundador. Nesse sentido, buscaremos no

chamado “Relato dos Milagres Operados por Santo Domingo em Roma”, ou Miracula,

elementos que indiquem as posições de seu meio de produção no que tange à identidade

institucional da Ordem, e às relações de gênero.

A “invenção” da diocese e a definição da jurisdição episcopal (séculos XII-XIII)

Carolina Gual da Silva

(Doutorado em História Cultural, Unicamp)

Ao final do século XII, podemos observar uma maior delimitação da autoridade do bispo e

um reforço de seu governo no nível da diocese através da redefinição do ofício episcopal

(officium episcopi), sob influência do direito romano-canônico. Expresso em termos de

jurisdição, o poder territorial do bispo passou a se impor com maior vigor, sendo inserido

em uma hierarquia cada vez mais rigorosa que culminaria com a jurisdição suprema do

papa. O objetivo dessa comunicação é discutir como, principalmente a partir do século XIII,

a diocese transformou-se em um espaço de práticas administrativas, fiscais e pastorais

territorializadas e como ela se tornou um elemento chave de uma instituição – a Igreja – que,

a partir de então, se pensava de forma global como um conjunto territorial dominado por

um papado imperial. Nossa análise tem por fonte alguns dos principais canonistas do século

XIII, particularmente Raimundo de Peñafort e Henrique de Susa, cujas summae discutem

com profundidade o ofício episcopal, a constituição das dioceses e as relações entre poder

de ordem e poder de jurisdição.

34

Fé em Cristo e nos homens? Como mulheres escritoras expuseram suas relações com o

clero e com a igreja

Carolina Niedermeier Barreiro

(Mestranda em História, UFRGS)

O objetivo central desta comunicação estará em avaliar e apresentar os modos com que são

desenvolvidas as relações entre mulheres leigas e figuras clericais masculinas em obras

escritas por mulheres. Concentramo-nos na Baixa Idade Média, em especial entre fins do

século XIII e início do século XV. O trabalho surge como fruto de pesquisas mais amplas

sobre as relações de gênero percebidas nestas obras. A análise nos indica, portanto, alguns

caminhos para responder às questões que envolvem categorias de masculino e de feminino

e suas relações de poder. Ao analisarmos a apresentação de clérigos e os modos com que

essas mulheres se relacionam com eles nas obras, teremos em mente precisamente essas

relações de gênero. Por outro lado, levaremos em conta as relações que estas mulheres

estabeleceram com a própria instituição católica a partir de seus textos, evidenciando as

aproximações e as rupturas, os tensionamentos, as negociações e as disputas envolvidas

para além do gênero.

As Sagradas Escrituras como lógica argumentativa jurídica na voz de Deus e do Diabo

(século XIII)

Clarice Machado Aguiar

(Mestranda em História, UnB)

Nesta comunicação nos propomos a apresentar uma análise do papel do Diabo, em uma

perspectiva jurídica, com base em algumas das narrativas que compõem os Milagros de

Nuestra Señora, de Gonzalo de Berceo (séc. XIII). Frequentemente, Deus e o Diabo são

entendidos de forma reducionista por meio de uma lógica antagônica, como forças duais

que se opõem. Entretanto, as narrativas de milagres permitem ir além dessa imagem,

35

acrescentando aspectos e modelos de comportamento de tornam essa dualidade simplista

muito mais complexa e nuançada. As criaturas, por natureza, estão submetidas ao poder de

Deus, e nem o Diabo escapa a esse vínculo jurídico. O fato de tentar e acusar os homens

deve-se ao cumprimento da missão a que foi condenado no momento da queda. Desta

forma, o Diabo configura-se como importante agente na realização da lógica jurisdicional

cristã, e nas narrativas de milagres mostra-se constantemente preocupado com o respeito à

ordem estabelecida e às Escrituras Sagradas. Enquanto os santos buscam garantir a salvação

dos fiéis, por meio das normas, o diabo aparece como figura oposta, que os desencaminha,

mas recorrendo às mesmas normas para reforçar os argumentos que justificariam a

condenação. Em alguns casos, fica claro que o Diabo, com o propósito de obedecer a Deus

e às Escrituras, acusa a intervenção milagrosa da Virgem Maria como fator desestabilizador

da ordem vigente e promotor de injustiça. Numa perspectiva jurisdicional, conceder perdão

aos que não merecem cria precedentes que prejudicam a atuação do Diabo e encolhe seus

direitos sobre as almas. Nessas narrativas de milagres a preocupação com a norma aproxima

Deus e o Diabo. Assim, o juiz e o promotor das condutas humanas promovem a norma, pois

desrespeitar as Escrituras significaria o caos e a desordem.

Reis, bispos e druidas: autoridade e poder na Vita Sanctae Brigitae, de Cogitosus

(Irlanda, século VII)

Clarissa Mattana

(Mestranda em História Comparada, UFRJ)

O período conhecido como Primeira Idade Média foi marcado por intensas transformações

sociopolíticas e culturais. Uma de suas características foi o grande investimento em

produção hagiográfica, esforço este que emanou de contextos monásticos e eclesiásticos em

um momento de expansão e consolidação da Igreja no Ocidente.

A hagiografia é um gênero literário cristão que se ocupa de contar a historia da vida dos

santos, buscando preservar sua memória e difundir o seu culto. Os santos são os

protagonistas heroicos das hagiografias, cuja vida virtuosa servia como um modelo de

conduta para as audiências às quais os textos eram endereçados. Os relatos de vidas de

36

santos são caracterizados pela presença de uma série de topoi literários, como a origem

nobre do santo, a predestinação à vida religiosa e a capacidade de realizar milagres tanto

em vida como após a morte. Contudo, ainda que muitas hagiografias apresentem uma

estrutura narrativa comum, marcada pela presença de tais estereótipos, podemos também

observar nesses documentos algumas particularidades – como as localidades por onde o

santo circula, ou os personagens com quem ele interage.

Para além de sua mensagem edificante, o texto hagiográfico se encontra permeado por

discussões de natureza eclesiástica, teológica e política. Dessa forma, podemos inferir que

tais particularidades estão relacionadas com as escolhas do hagiógrafo ao compor sua

narrativa que, por sua vez, remetem a questões que emergem dos contextos específicos do

local e do tempo em que a hagiografia foi produzida, e a relações de poder a eles inerentes.

Na presente comunicação, pretendemos analisar a hagiografia de Brígida de Kildare (Vita

Sanctae Brigitae), produzida por Cogitosus em meados do século VII, na Irlanda. Este

documento foi produzido em um período marcado por disputas entre grandes

comunidades monásticas irlandesas, de forma que exaltar a memória do santo patrono de

uma dessas comunidades contribuía para a afirmação de sua superioridade sobre as demais.

Nossa análise será pautada nas representações de três figuras de autoridade – bispos, reis e

druidas – a fim de compreender possíveis relações de poder que perpassam o discurso

hagiográfico, à luz do contexto de produção do documento e da historiografia.

As redes de poder em torno de Pedro Damiano

Cláudia Regina Bovo

(Doutora em História, UFTM)

Desde a década de 1980 a reflexão sobre a configuração de redes de integração social aparece

nas pesquisas em História Medieval. O conceito de rede social adaptado pelos medievalistas

veio de uma tradição de estudos prosopográficos sobre o Império Romano, cujo objetivo

principal era construir bases de dados sobre pessoas que participavam de um mesmo grupo

familiar ou de amizade. Enquanto nessa perspectiva a reflexão sobre as redes sociais era

secundária, servindo como fator de explicação do poderio de um indivíduo ou de uma

37

parentela, mais recentemente, tem-se recorrido ao diálogo com a sociologia para estabelecer

novas abordagens para o estudo das redes sociais. Enquanto um conjunto de relações

estabelecidas entre pessoas ou grupos sociais, indagando-se como um comportamento

individual pode ser modelado pela interação social e vice-versa, a investigação sobre as

“redes sociais” medievais tem se dedicado a identificar as formas de interação das unidades

sociais, quantificando sua natureza, sua qualidade e sua intensidade. Nesse sentido, a

proposta dessa comunicação é investigar o processo de institucionalização da Ermida de

Santa Cruz de Fonte Avellana a partir da identificação das redes de poder constituídas em

torno de Pedro Damiano. Esta ermida foi fundada entre o final do século X e início do século

XI, mas sua projeção política se deu a partir de 1043, quando Pedro Damiano, um dos

principais líderes dessa comunidade anacoreta passou a constituir, pessoalmente ou por

correspondência, uma rede de colaboradores para o debate e orientação da política

monástica.

A globalização do antijudaísmo medieval a partir do século XIII

Cybele Crossetti de Almeida

(Doutora em História, UFRGS)

O fenômeno do antijudaísmo no período medieval é um tema bastante conhecido da

historiografia. No entanto, ainda hoje encontramos generalizações que tendem a abordar

esse tema sem refletir sobre as variações - sincrônicas e diacrônicas - ao longo desse período.

Nessa apresentação pretendo discutir esse problema a partir da análise de fontes como

crônicas, mas também códigos normativos, como expressos nas determinações do IV.

Concílio de Latrão e nas Siete Partidas, como forma de entender a ampliação dos

estereótipos e perseguições aos judeus especialmente a partir do século XIII, verdadeiro

ponto de inflexão no antijudaísmo que, mais que os episódios mais ou menos isolados da

primeira Cruzada, pode ser pensado como uma verdadeira globalização desse fenômeno

nos diferentes reinos medievais.

38

Alegoria histórica: Uma possibilidade para operacionalizar tempo e espaço na

antiguidade e no medievo

Daniel Lula Costa (Doutorando em História, UFSC)

Janaina de Fátima Zdebskyi (Mestranda em História , UFSC)

As perspectivas dos usos acerca da “alegoria” se demonstraram importantes para a

compreensão do imaginário social e cultural, bem como das práticas que envolvem os mitos

e os ritos. A respeito desse tema, podemos problematizar que a constante modificação do

sentido de alegoria conferiu presenças variáveis para a prática de seu uso nas poesias e nas

narrativas, ou seja, sendo a alegoria muitas vezes entendida enquanto figura de linguagem.

A perspectiva com que o tema será trabalhado será evocando a ideia de alegórica histórica

já discutida por Walter Benjamin como sendo uma reabilitação da temporalidade e da

historicidade em oposição ao ideal de eternidade do símbolo. Nesse caso, a “alegoria

histórica” pode se constituir como um método que possibilita descontextualizar os

fenômenos de sentidos originalmente atribuídos a eles, resignificando-os e

recontextualizando-os. Logo, entender a antiguidade e o medievo com a alegoria histórica

permite compreender as expectativas de futuro das pessoas desses contextos, fazendo com

que se conectem com a contemporaneidade em um “encontro de gerações”, pois esse

“futuro do passado” é o nosso presente. Assim, o trabalho do alegorista é capaz de romper

com o continuum de uma história sem significados, visto que constrói uma bricolagem das

centelhas do agora despertando o significado de um passado saturado desses agoras que

nos permite trabalhar com transespacialidade e transtemporalidade. Propomos então nessa

comunicação, discutir o uso da alegoria nas relações de povos e culturas antigos e medievais

que se tencionam em variados contextos. O uso da “allegoria” ou o “algo de outro”, se

configurou em práticas que buscavam a comunicação dos ritos, mitos e das experiências de

vida vinculadas à comunicação do macro e do microcosmos, se distanciando de uma busca

de sentido/significado original e permanente, mas se configurando em um marco

transtemporal, transespacial e transcultural. Nesse caso, nossa hipótese é demonstrar que o

uso da alegoria, na perspectiva que propomos, está inserida na transculturalidade dos

povos antigos e medievais.

39

Caval(h)eiro, mártir e santo: as vidas de São Jorge na Elssässische Legenda Aurea e em

Der Heiligen Leben

Daniele Gallindo Gonçalves Silva

(Doutora em Germanistik/Ältere Deutsche Literatur, UFPel)

Nesta comunicação propõe-se a análise de duas legendas de São Jorge oriundas da região

sul da Germânia: a primeira delas é LVIII Georg, encontra-se na Winterteil da Elssässische

Legenda Aurea (séc. XIV), e a segunda 5 Georg, encontra-se na Sommerteil da Der Heiligen Leben

(séc. XV). Pretende-se, assim, compreender de que forma as duas narrativas, inseridas em

seu contexto e dialogando com outros textos, constroem a masculinidade de São Jorge tendo

como trinômio as representações do caval(h)eiro, do mártir e do santo. À luz da metodologia

comparada e das teorias de masculinidades, espera-se demonstrar que as narrativas

dialogam e misturam discursos laicos e religiosos incorporando, assim, imagens masculinas

recorrentes em ambos os universos: como é o caso do caval(h)eiro e do mártir. Essas imagens

coexistem e recriam uma figura híbrida que privilegia o contexto de circulação destas

narrativas, a saber, o grande movimento das épicas corteses e toda a literatura de corte. Não

apenas a recepção continuada das narrativas através dos séculos influencia a construção

dessa masculinidade, mas também o momento histórico. Destarte, criou-se a imagem de um

santo ‘ao gosto do público’, sobre o qual foram atribuídos os papéis sociais mais revisitados.

Sagrada violência: aspectos do fenômeno martirológico no século XIII

Dionathas Moreno Boenavides

(Mestrando em História, UFRGS)

Há um número considerável de estudos sobre o martírio cristão nos séculos iniciais de

propagação dessa religião. O denominado “tempo das perseguições”, com seus embates,

muitas vezes físicos, costuma chamar a atenção de historiadores. Entretanto, não podemos

dizer o mesmo acerca de martírios ocorridos em séculos posteriores. A carência de estudos

40

sobre o fenômeno martirológico no século XIII é bastante evidente. Muito disso por conta

da quase nula taxa de canonizações oficiais de mártires no período, ainda que o status desse

estilo de santidade, principalmente entre os leigos, tenha continuado bastante valorizado.

Pretendemos, com a comunicação, chamar a atenção para alguns fatores que consideramos

essenciais para compreender tal objeto de estudo nesse recorte cronológico. Articulamos os

conceitos de violência e sagrado para, a partir deles, entender a peculiaridade do martírio

em comparação com estilos de mortes mais corriqueiras. Além disso, levantamos hipóteses

sobre alguns porquês de ter havido a drástica diminuição de canonizações oficiais desse tipo

especial de morto. Identificamos que o ímpeto de enquadramento social por parte da

instituição eclesiástica (que alguns autores costumam chamar de Reforma Gregoriana)

gerou consequências nesse âmbito em específico. Primeiramente, uma inicial tentativa de

controle da violência nas cidades se chocou com a valorização da morte violenta que os

mártires sofriam. Outro aspecto diz respeito ao desenvolvimento dos rituais de

consagração. A partir do momento em que há uma maior valorização do papel

desempenhado pelo consagrador, membro da hierarquia eclesiástica, o martírio parece ter

acarretado em problemas. Quem é o consagrador do ato de martírio, se aquele executa a

função ativa nas cenas são os assassinos?

O culto à Virgem Maria no Liber In Gloria Martyrum de Gregório de Tours

Edmar Checon de Freitas

(Doutor em História, UFF)

Na coletânea de milagres elaborada pelo bispo Gregório de Tours (†594) em honra dos

mártires (Liber In Gloria Martyrum) figuram vários relatos associados ao culto da Virgem

Maria. Relíquias, templos e imagens marianas misturam-se em tal registro hagiográfico,

cobrindo — ainda que de forma desigual ― um arco temporal que se estende da

Antiguidade cristã aos dias do próprio Gregório e distribuindo-se espacialmente ao longo

de todo o mundo cristão. Mas o que faria a Virgem numa coletânea dedicada aos mártires?

A resposta a tal questão exige uma análise em profundidade da lógica narrativa do texto

41

gregoriano. Pois o mesmo está longe de constituir um simples ajuntamento de anedotas

edificantes ou relatos de prodígios. Ao contrário, o fio condutor do texto pode ser

reconstituído com base nas relações que seu autor estabelecia entre texto, milagres e

relíquias, cada um a seu modo manifestando a ação da Palavra divina no mundo. Tal

reconstrução é o que se pretendeo. neste trabalho, tomando como referência os relatos de

milagres associados às igrejas, relíquias e imagens da Virgem Maria incluídos na coletânea

acima mencionada

Os Concílios Visigóticos como espaço de construção de consenso (Séculos VI-VIII)

Eduardo Cardoso Daflon

(Doutorando em História, UFF)

O presente trabalho se insere no bojo de uma reflexão mais ampla a respeito da organização

estatal visigoda, abordando-a de maneira distinta daquela como diversos autores

tradicionalmente têm feito. Ou seja, em grande parte da historiografia ou se trata o Estado

visigodo como um aparato quase moderno em sua configuração ou nega-se

peremptoriamente qualquer possibilidade de sua existência. Procuro aqui, ao contrário,

tomá-lo como a articulação social das várias frações aristocráticas visigodas para a

dominação e exploração do campesinato. Nesse sentido, pretendo nesta comunicação

explorar como os concílios visigóticos eram momentos fundamentais dessa articulação,

sendo de enorme importância para a construção de consenso entre os membros da

aristocracia. Algo que se manifesta mais explicitamente desde a conversão de Recaredo ao

credo niceno em 589, no III Concílio de Toledo, até a conquista árabe em 711, especialmente

nas reuniões de caráter peninsular. Assim sendo, desejo aqui explorar as conflituosas

relações havidas no seio da classe aristocrática visigoda que, com base em minha orientação

teórica, estava dividida em frações que consensuavam ou disputavam abertamente entre si

o controle do cargo régio

A verdade na filosofia de Agostinho

Fabiano Ricardo Paz

42

(Mestrando em Filosofia, UnB)

Agostinho dedicou grande parte de sua obra ao estudo da verdade. Apesar de ser um Bispo

da Igreja medieval, sua abordagem da verdade fundamenta-se, em grande parte, nas

filosofias de Platão e Plotino. Assim, sua preocupação maior diz respeito ao estatuto

ontológico da verdade, ou seja, ao perguntar-se quid est veritas? (o que é a verdade?),

Agostinho encontrará o ser que é a verdade (id quod est). Portanto, seu estudo da verdade

está vinculado ao estudo do ser, e não à mera verdade de proposições faladas. Nosso

objetivo, então, é mostrar que a verdade em si é um atributo de um ser específico, e que, por

participação nesse ser, existem instâncias de verdade no mundo. Com essa finalidade,

trataremos da teoria da participação em Agostinho, a qual se encontra, principalmente no

De Trinitate (A Trindade); da diferença existente entre veritas e verum, isto é, entre verdade

e verdadeiro; em seguida, da relação existente entre memória, verdade e mente; e por

último, da teoria da iluminação divina, que, segundo Agostinho, é o que nos permite

conhecer.

Servus servorum Dei: as redes clientelares e a construção do poder papal na Itália

medieval (1024-1157)

Felipe Augusto Ribeiro

(Mestre em História, UFMG)

Esta comunicação pretende explorar a história da consolidação do poder papal na Itália

entre os anos de 1024 e 1157. Faz uma leitura dos diplomas papais emitidos dentro deste

recorte temporal, focada especialmente na península itálica. Tais documentos levantam para

o pesquisador um problema: os papas aparecem neles não tanto como sacerdotes, homens

cujo ofício é cuidar da religião, da fé e do sagrado, mas como senhores terrenos encarregados

de exercer a justiça, de gerir e distribuir bens públicos, de organizar territórios, definir

fronteiras e jurisdições, bem como de proteger seus vassalos contra ataques externos,

conferir-lhes privilégios e garantir-lhes os direitos. Destarte, o objetivo do trabalho é fazer

uma análise crítica da atuação dos papas neste campo, entendendo a simbiose entre a

43

religião e a política, o sagrado e o mundano, o espiritual e o temporal que significa o ofício

episcopal. O método empregado para o estudo é a analogia: comparar-se-ão os diversos

casos contidos na documentação procurando entender, mediante uma leitura heurística, o

que eles trazem de semelhanças e diferenças entre si. A investigação parte da premissa,

sugerida pelas fontes, de que aos sucessores de Pedro coube evocar e fazer-se o baluarte da

autoridade romana numa Itália repleta de grupos insatisfeitos com a política imperial

germânica: a recusa em oferecer a fidelidade vassálica aos alemães fez alguns italianos

procurarem nos papas um novo protetor, um novo dominus (malgrado a sua

autorrepresentação como servus servorum), um novo soberano. Nas novas alianças que se

estabeleceram ambos os lados tinham garantidos os seus interesses: os vassalos contavam

com a proteção papal para os seus bens e privilégios e os papas contavam com fiéis dispostos

a conceder-lhes parte de suas rendas e a prestar-lhes serviços como a albergagem e defesa

militar. Como resultado, a comunicação espera propor a compreensão dos pontífices não

apenas como sacerdotes, mas também como governantes que agiram em meio ao vácuo de

poder deixado na Itália após a migração da coroa imperial para as casas teutônicas para

construir uma rede clientelar que lhes desse a fidelidade das cidades e de estabelecimentos

monásticos por toda a península.

Lord justice in the views of don Juan Manuel. Noble identity and resistance to the royal

authority (XIVth c.)

Federico Javier Asiss Gonzalez

(Doutorando em História, CONICET, Universidad Nacional de San Juan,

Universidad Nacional de Mar del Plata)

Martha Luciana Chiappero

(Graduada em Língua e Cultura Inglesas, Universidad Nacional de San Juan)

The writings of don Juan Manuel, taken as literary monuments of Spanish language for a

long time, not only boil down political, social and religious theories of previous centuries,

and in some cases their later expression. In that trifunctional social order that the author

44

outlines, a contradictory and complex representation of nobility emerges through several

identity traits. From among them, in the current paper framed within the New Cultural

History and the New Political History, we approach Lord justice as a facet originally

interpreted by don Juan. In the frame of his dynastic and political disputes with the Castilian

monarchy, several means to fundament a noble class, free of interference of the monarchy

will be used, but perhaps there will not exist a more offensive one than to question the role

of the king as a source, chosen by God, as the jurisdiction of His kingdom. His collegiate

vision, in which the practice of Sovereign justice is not a royal prerogative, not only implied

a questioning of the rex iudex figure, but also the exercise of royal power in all spheres of

public life under this concept. Thus, through comparison with treaties and full legislations,

late medieval as well as local, vg. Fuero Juzgo or the Partidas, and European vg.

Policraticus, or the works of John Fortescue, we will look into sizing the theoretical

implications of the idea of the king as a place where “justice lies” (II, I, V) in the political

level, as it was declared by the Partidas.

Píramo e Tisbe: narrativa de um amor trágico nos cofres de amor do tardo-medievo

Flavia Galli Tatsch

(Doutora em História, UNIFESP)

Píramo e Tisbe – ele, o mais belo, ela, a mais linda das moças do Oriente, como os descreve

Ovídio (43 a.C – 17/18 d.C.) em Metamorfoses – viveram um amor impossível e com final

trágico. A partir da segunda metade do século XII, esse mito passou a integrar a imagética

do amor cortês: despido de seu aspecto clássico, o sentimento puro e eterno dos jovens foi

inserido em um ambiente medieval. Nos séculos XIV e XV, a história de Píramo e Tisbe foi

entalhada em cofres de amor. Os exemplares que chegaram até nós, elaborados em regiões

distintas da Europa, testemunham o gosto de uma ampla elite social por esses bens de luxo,

determinado em grande parte pela concentração das elites com potencial de compra nos

centros urbanos. Nesta comunicação, apresentarei cofres elaborados em Paris e em Veneza,

procurando destacar suas diferentes formas narrativas.

45

Modelos de conduta nas paixões visigóticas

Flora Gusmão Martins

(Mestranda em História Comparada, UFRJ)

Em nossa pesquisa de mestrado analisamos comparativamente nove paixões escritas no

reino visigodo, entre o final do século VI e a primeira década do século VIII. Consideramos

que estes relatos hagiográficos foram produzidos em um período em que a instituição

eclesiástica passava por um intenso processo de fortalecimento e unificação no reino. A

redação e divulgação destas paixões eram, portanto, ao que tudo indica, parte das

estratégias episcopais que buscavam fortalecer o poder da instituição, como as normativas

conciliares, a difusão do culto aos santos e a unificação da liturgia.

Nesta comunicação temos como objetivo apresentar uma análise comparada destas

hagiografias, a partir da observação das virtudes exaltadas nos relatos. Tais virtudes se

associam à divulgação de determinados modelos de conduta prezados pela hierarquia

eclesiástica que buscava atingir uma comunidade diversificada de cristãos.

A “morte domada” e a “morte de si” em Gil Vicente e seus aspectos residuais na obra de

Ariano Suassuna

Francisco Wellington Rodrigues Lima

(Doutorando em Letras/ Literatura, UFC)

A morte, de acordo com o pensamento cristão medieval, por exemplo, tornou-se símbolo de

passagem, de travessia, de viagem ao reino de Deus, ou do Diabo. Ela era esperada e nunca,

repentina. Tornou-se ainda símbolo de medo e de angústia diante do desconhecido; algo

inevitável que levaria a todos ao fim comum: a finitude do ser. A morte seria ainda o

caminho para o Céu, para o Inferno ou para o Purgatório; o caminho que levaria alma

humana ao encontro dos anjos, dos santos, de Deus, de Cristo, da Virgem Maria; do Diabo,

46

dos demônios e dos pecados mundanais. De certa forma, esse modo de pensar a morte

atravessou épocas e transformações culturais. Tornou-se, por exemplo, presente na

atualidade brasileira, de modo, claro, compatível com mentalidade cristã cá constituída,

híbrida por natureza. Sendo assim, o referido trabalho visa dissertar sobre sobre a morte e

o ato de morrer no teatro medieval português vicentino e no contemporâneo de Ariano

Suassuna. Para tal, abordaremos dois aspectos importantes presentes nos textos teatrais dos

respectivos autores: a “morte domada” e a “morte de si”. A “morte domada”, segundo os

estudos de Philippe Ariés, no livro O Homem Diante da Morte (1989), é o momento em que

as personagens, diante da morte, esperam a sua chegada. Este é o momento de refletir sobre

a vida e a passagem para o Além-túmulo; o momento de perdoar; de pedir proteção a Deus

e morrer em paz consigo e com o mundo. A “morte de si”, ainda conforme a obra de Ariés

(1989), é um fenômeno que nos remete a quatro dimensões importantes: 1. a da negação de

Deus e da Igreja; 2. a da vida; 3. a do temor do Juízo Final; 4. a da sentença. Para

compreendermos como foi possível que traços da cultura medieval – “morte domada” e

“morte de si” -, subsistissem por tanto tempo e aparecessem vivos na obra de Ariano

Suassuna, utilizamos os conceitos de resíduo, hibridismo, cristalização e mentalidade

trabalhados pela Teoria da Residualidade Cultural e Literária sistematizada por Roberto Pontes.

Os conceitos teóricos são trazidos de outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a

história e a antropologia. A partir dessa sistematização, o autor demonstra que os resíduos

da cultura de um período temporal podem ser percebidos noutro tempo e numa sociedade

diferente, sendo, portanto, o mesmo fenômeno observável na literatura, desde que esta é

um produto da endoculturação.

Anjos planetários e o mundo sublunar: Trithemius, astrologia e política nos séculos XV

e XVI

Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior

(Doutor em História e Culturas Políticas, UFSM)

47

A presente comunicação se debruçará sobre as relações entre esoterismo e política na

transição do século XV para o século XVI, na Alemanha de Maximiliano I (1459-1519),

imperador do Sacro Império-Romano Germânico. Dando continuidade a uma reflexão

iniciada em nossa dissertação de mestrado e aprofundada em nossa tese de doutoramento,

iremos novamente nos voltar às obras do abade alemão Johannes Trithemius, mais

especificamente sua De septem secunda Deis id est intelligentiis sive spiritibus orbes post deum

moventibus, obra resultante dos seus derradeiros anos de vida. Ao analisar tal fonte,

investigaremos a relação que o abade fez ao fim da vida entre o reino supralunar e o reino

sublunar, em outras palavras, como ele pensava a relação entre ideias esotéricas e práticas

políticas, após já carregar a pecha de demonomago há alguns anos. Dessa forma,

acreditamos que podemos contribuir para ampliar o olhar sobre o complexo cenário das

relações políticas no período marcado pela passagem do regimen medieval para a Razão de

Estado.

A Idade Média que nos habita: sobre a legitimidade memorial dos estudos medievais

no mundo contemporâneo

Gabriel Castanho

(Doutor em História, UFRJ)

No Brasil e em outros países do mundo as pesquisas nas áreas das humanidades em geral e

das ciências sociais em especial têm sido frontalmente atacadas por interesses ligados à

formação de competências necessárias a uma mão de obra técnica que permita o aumento

da produção industrial ou da “uberização” das profissões. Nesse contexto, a produção e o

ensino de conhecimentos históricos perderam seu capital simbólico face ao avanço de

abordagens personalistas do passado. De fato, se as sociedades ocidentais contemporâneas

atribuem grande valor a narrativas que alimentam seus imaginários sobre tempos passados,

cada vez menos essas mesmas sociedades dão ouvidos ao que dizem os historiadores.

Assim, e no que mais interessa aos associados da ABREM, enquanto filmes, livros, jogos

eletrônicos, romances gráficos etc. de forte caráter “medievalesco” alimentam o bilionário

mercado do entretenimento, os medievalistas não apenas não obtêm a mesma visibilidade

48

social como, em muitos casos, precisam lutar por sua sobrevivência diante de reformas

educacionais e científicas que pretendem apagar a memória de tal temporalidade.

Impulsionada por tais questões gerais, esta comunicação versará sobre a legitimidade da

medievalística no mundo contemporâneo por meio do estudo do papel do período medieval

no longo processo de “laicização” da memória no ocidente.

Manifestações conflitantes: a influência da religiosidade franciscana no sistema

eclesiástico, através do conceito de cultura intermediária, na Inglaterra do século XIV

Gabriel Alves Pereira

(Mestrando em História Social, UFRJ)

A presente comunicação tem como objetivo analisar a questão da influência da religiosidade

franciscana na vida de clérigos e leigos na Inglaterra do século XIV. Sabe-se que a vida

desses dois grupos está inserida em um sistema eclesiástico, isto é, como afirma Jérôme

Baschet, esses dois tipos sociais constituem a comunidade de fé centrada na Ecclesia. O clero,

por sua vez, não forma uma comunidade homogênea. De fato, existem muitos conflitos de

interesses e confluências não só entre clérigos, mas também entre esses e a aristocracia leiga.

No século XIV, a alta hierarquia clerical é constituída por abades, bispos, arcebispos e papas.

Entre esses se encontram alguns dos aristocratas mais poderosos da época. Alguns membros

do clero escolhem viver em penitência, isolamento, dedicando-se às letras, ao sagrado, em

suma, ao que concebem como serviço de Deus. Outros conservam maior presença na vida

secular, tendo contato com os leigos; sua missão é o cuidado com as almas através do

ensinamento da palavra divina. Dentro desse contexto heterogêneo, composto por

diferentes formas de pensar e viver o religioso (religiosidades), encontra-se um embate

cultural, entre as chamadas cultura clerical e cultura vulgar. De acordo com Hilário Franco

Júnior, deve-se olhar para a religiosidade medieval como um substrato cultural comum

partilhado por diferentes grupos sociais, manifestado por meio de uma “cultura

intermediária”. A presente comunicação irá examinar, utilizando o conceito de “cultura

intermediária” proposta por Hilário Franco Júnior, as possíveis relações entre a

49

religiosidade franciscana e elementos culturais comuns a clérigos e leigos na Inglaterra do

século XIV.

A representação musical nos Infernos dos Trípticos de Hieronymus Bosch: Partituras e

torturas musicais

Grasiela Prado Duarte

(Mestranda em História da Arte, UNIFESP)

O estudo analisa escritos partiturados contidos especificamente nos Infernos dos trípticos

“Jardim das Delícias” e “Juízo Final” (1482) de Hieronymus Bosch, e seus aparentes efeitos

de tortura nos condenados existentes nestes Infernos. A pesquisa parte da região dos Países

Baixos no período Tardo Medievo, do artista e das obras citadas, para mais especificamente

nos situarmos no Inferno criado por Bosch, onde observamos uma peculiar forma de tortura

dos sentenciados, a tortura musical. É possível a leitura destes pequenos excertos musicais

partiturados, conforme a escrita da época, e desta forma é feita a análise das composições e

a possível decifração do por que foram colocadas neste propósito. As fontes de pesquisa

abordadas neste estudo contam também com obras especializadas no meio infernal e na

temática apocalíptica do período proposto.

A iconografia ocidental do imperador bizantino Heráclio (séculos XI-XIII): uma

aproximação

Guilherme Queiroz de Souza

(Doutor em História Medieval, UEG)

Este estudo iconográfico focaliza a representação do imperador Heráclio (c. 575-641) na

Europa ocidental entre os séculos XI-XIII. Em 614, os persas – liderados pelo rei Cósroes II

– invadiram a Palestina, conquistaram a Cidade Santa de Jerusalém e roubaram a relíquia

da Santa Cruz. Em um contra-ataque eficaz, Heráclio derrotou os sassânidas, recuperou a

50

Terra Santa e conduziu, de forma triunfal, a relíquia de volta para Jerusalém (630). O renome

do basileus na sociedade medieval está diretamente ligado ao restabelecimento da Santa

Cruz, a Restitutio Crucis. No Ocidente medieval, os feitos de Heráclio ganharam contornos

míticos, com caracterizações que oscilaram entre a soberba e a humildade – do triunfante

imperador ao imitator Christi em busca da Restitutio Crucis. Simultaneamente à análise

iconográfica, estudaremos as características do texto fundacional desta tradição, a Reversio

Sanctae Crucis, que serviu de inspiração para os artistas medievais.

Uma nova história de Francisco? Possibilidades de pesquisas a partir de uma recente

descoberta

Gustavo da Silva Gonçalves

(Mestrando em História, UFRGS)

Não é frequente a descoberta de novos documentos sobre Francisco de Assis. Acreditava-se

que, ao longo do século XX, havia se consolidado a documentação sobre o santo, bem como

a Ordem criada por ele. De tal modo, seria possível a descoberta de uma nova hagiografia

sobre Francisco? Vinculando-se a esta interrogação, em 2014 houve a descoberta do

manuscrito NAL 3245, posto à venda em um site especializado e adquirido pela Biblioteca

Nacional da Franca (BNF). De pequenas dimensões e em precário estado de conservação,

este manuscrito contém a inédita Vita Brevior, redigida por Tomás de Celano, possivelmente

entre 1232 e 1239. Inédita para os pesquisadores brasileiros – e também suscitando

discussões historiográficas sobre seu conteúdo no exterior, esta hagiografia é uma versão

resumida e, portanto, alterada, da Vita Prima, redigida pelo mesmo hagiógrafo. Sendo uma

versão abreviada da primeira hagiografia sobre Francisco, cabe apontar alguns

questionamentos norteadores: Por qual motivo houve a solicitação de uma nova Vita? Quais

foram as condições que possibilitaram a existência – e até mesmo permanência deste

manuscrito, haja visto que Boaventura ordenou a destruição de todas os documentos

concernentes a Francisco em 1264? Por fim, é possível identificar, a partir da análise

comparada das hagiografias sobre Francisco, uma alteração – por parte da Ordem, frente

aos estudos e à posse dos livros, já que esse manuscrito possivelmente fora produzido para

51

uso interno dos frades? Em caráter provisório, argumenta-se que esta hagiografia possibilita

uma nova interpretação sobre a vida e os feitos de Francisco, ao lado de novas análises sobre

a história do movimento franciscano em relação às diferentes conjunturas históricas

existentes no século XIII. Não somente isso: a descoberta deste manuscrito permite

compreender de que modo as tramas históricas inferem na produção das hagiografias, cujas

interpretações fomentaram – ao longo do século XX, acaloradas discussões filológicas,

também conhecidas como a “Questão Franciscana”.

A Primavera, O amor e Vênus: a lírica amorosa dos Goliardos no Carmina Burana

(séculos XII- XIII)

Helena Macedo Ribas

(Mestranda em História, UFPR)

O século XII vê nascer na Cristandade Latina uma série de fenômenos transformadores, e

dentre eles podemos citar as escolas laicas e catedralícias que surgem nas cidades, que

também estão se renovando. Atendendo uma demanda crescente por instrução e

institucionalização dos poderes, essas escolas serão responsáveis por formar doutos, isto é,

pessoas letradas com conhecimento em diversas áreas, do direito à medicina, que tentarão

encontrar seu lugar nas cortes, nas próprias escolas, na Cúria e nas cidades. Neste contexto,

vemos florescer uma diversidade cultural muito grande, a exemplo da presença de jograis

e trovadores nas cidades e nas cortes, responsáveis por trazer divertimento para as pessoas

e também prestígio para aqueles que os contratavam. Os Goliardos, personagens que são o

foco de nossas pesquisas, são uma interseção entre essas duas esferas, enquanto poetas

doutos que transmitem através de suas canções tanto a riqueza de sua erudição quanto seus

sentimentos, percepções e comportamentos. A poesia goliárdica ocupa um espaço

importante dentre as formas de poesia difundidas na cristandade latina, fruto de uma vasta

gama de experiências desses homens de letras, que poderiam transitar por diversos espaços

e ocupar diversas posições dentro da dinâmica da cidade e da corte, num contexto que por

si só está em transformação. Ainda que não tenhamos muitas informações biográficas sobre

os goliardos, a própria existência dos códices que contém as canções já revela uma intenção

52

de preservação e indica sua importância. Outro aspecto importante sobre o qual devemos

refletir é a extensão da penetração dessa cultura clássica nas sociedades do século XII, que

estava presente em vários âmbitos do saber, e que de certa forma foi um dos responsáveis

por sua renovação. Os goliardos também representam isso em sua poesia, mesclando vários

elementos clássicos e cristãos com a própria experiência de vida e criando uma lírica

bastante original e diferente do que estava sendo feito em outros âmbitos da cristandade.

Nosso objetivo principal é apreender através dessa lírica, especialmente a lírica amorosa, a

forma que os goliardos se relacionavam com o mundo e a forma como eles o enxergavam e

representavam.

O vilão, a vítima e o companheiro: a presença do laicado na narrativa hagiográfica de

Jacopo de Varazze

Henrique de Melo Kort Kamp

(Mestrando em História Social, UFF)

O modelo de escrita hagiográfica desenvolvido durante a Idade Média Central constituiu,

para além de seu caráter de preservação da memória da santidade, um suporte por meio do

qual a Igreja legitimava seu discurso acerca dos preceitos que deveriam reger a vida dos

cristãos. Logo, as hagiografias medievais perpetuavam não só a tradição do culto aos santos,

mas principalmente os exemplos de vida a serem imitados pela comunidade de fiéis.

Tornavam-se, pois, obras de caráter educativo que representavam as relações cotidianas,

como a aproximação entre a aristocracia laica e as ordens mendicantes, naturalizando e

idealizando-as afim de maximizar suas intenções discursivas. Nesse sentido, o dominicano

Jacopo de Varazze construiu, por meio de elementos e artifícios narrativos, uma clivagem

particular entre o sagrado e o profano, estabelecendo modelos de santidade ora

contrapostos, ora associados ao laicado. Entretanto, a historiografia acerca das vidas de

santos e das práticas eclesiásticas e religiosas tem se preocupado em analisar a santidade e

os modelos hagiográficos por meio de interpretações que consideram o divino, o sacro, em

detrimento de sua contraparte, o mundano, o leigo. Desta forma, o objetivo desta

apresentação é pontuar e analisar algumas características centrais e possíveis motivações

53

para o papel dos leigos na Legenda Áurea, procurando relacionar a sua participação no

processo de legitimação de sua santidade.

Sucessões régias e conflitos em três crônicas do Sul da Itália ou características literárias

do poder no reino de Nápoles (s. XIII-XIV)

Igor Salomão Teixeira

(Doutor em História, UFRGS)

Esta proposta tem como principal objetivo apresentar as linhas gerais da proposta de Pós-

Doutorado aprovada com recursos CAPES para desenvolvimento na École Française de

Rome (2017-2018). O cerne da investigação é o Reino de Nápoles durante o período

angevino entre os séculos XIII e XIV. O corpus documental privilegiado são crônicas em

vernáculo escritas no período, como a Cronaca di Partenope, escrita por Bartholomeo

Caracciolo-Carafa por volta de 1350. Interessa saber como se deu, em termos narrativos e

literários, a afirmação da dinastia francesa em terras italianas após a batalha de Benevento

e as Vésperas Sicilianas. A Batalha de Benevento marcou a vitória de Carlos de Anjou sobre

os Hohenstaufen (1266) e as Vésperas Sicilianas (1282) a expulsão dos franceses da Ilha da

Sicília e a redução espacial da dominação francesa na parte continental do Sul da Península

Itálica.

“Monacato em movimento”: considerações sobre o eremitismo na Vita Antonini (século

VI-VII)

Juliana Salgado Raffaeli

(Doutoranda em História, PPGHC/UFRJ)

A pesquisa de doutorado em desenvolvimento tem por interesse a investigação do

“monacato em movimento” no ocidente medieval, a partir de relatos hagiográficos

produzidos entre os séculos VII e IX. O conceito de análise foi construído a partir da

interseção de duas formas de experiências monásticas, o eremitismo e a peregrinação

54

(Peregrinatio pro Christo), que estavam baseadas, principalmente, nas ideias de isolamento

ascético e deslocamento regular.

O presente trabalho se propõe a analisar os elementos eremíticos da terceira

hagiografia que compõe o corpus documental dessa pesquisa doutoral: a Vita Antonini.

Escrita por um autor anônimo no século IX, relata as experiências religiosas do monge

beneditino Antonino (555-625) e do bispo Catelo, que almejam se tornar eremitas. Uma vez

instalados em uma gruta no Monte Áureo, eles constroem uma capela para a promoção do

cristianismo. No entanto, são perseguidos por outros clérigos, o que leva à prisão do bispo

Catelo em Roma e à saída de Antonino do isolamento para a cidade de Sorrento. Catelo

consegue ser inocentado das acusações e Antonino se torna abade em um mosteiro

beneditino.

Estudo comparado dos milagres na Vita Sancti Fructuosi e na Vita Sancti

Amandi

Leila Rodrigues da Silva

(Doutora em História, UFRJ)

A Vita Sancti Fructuosi foi escrita no reino visigodo entre os anos de 670 e 680 e a

Vita Sancti Amandi na primeira metade do século VII no reino franco. Não obstante as

especificidades de cada uma das duas hagiografias, ambas foram produzidas em ambientes

marcados pelo processo de cristianização. Nesse contexto, conforme destacou Gregório

Magno, o milagre assumiu papel fundamental na edificação dos fiéis, tendo sido percebido

como expressão do sagrado.

Dentre os topoi observados nos dois textos, podem ser verificadas alusões às origens

nobres dos santos, ao apreço ao eremitismo, aos conflitos com autoridades temporais, ao

enfrentamento do demônio e ao gozo da proteção divina. A despeito de tais topoi, na

evidência dos quais são exibidos vários milagres, observa-se a vinculação direta entre o

texto e a conjuntura na qual o hagiógrafo e o próprio santo viveram. Tendo como referência

tais aspectos, nesta comunicação analisaremos comparativamente os dois relatos, com o foco

nos milagres realizados por cada um dos hagiografados. Tal interesse se associa ao projeto

ora em desenvolvimento junto ao CNPq, intitulado “Monacato, episcopado e literatura

55

hagiográfica: Vita Sancti Fructuosi e Vita Sancti Amandi em perspectiva comparada (séculos

VII-VIII)”.

Une femme des lettres: produção de legitimidade de mulheres intelectuais no Medievo

Leonardo de Lara Cardoso

(Mestrando em História, UFSC)

Entre os séculos XIII e XVI, na Europa, observamos a Querela das Mulheres, que, a

sua maneira, questiona o lugar de personagens femininas tanto nas literaturas sagradas

quanto profanas. Questionamentos estes, que não se limitam apenas a produções isoladas

ou aleatórias. Mas supomos que esses textos compõem uma produção de legitimidade.

Christine de Pizan escreve entre última década de 1390 até quase o ano de sua morte, em

1430. Em seus textos podemos encontrar elementos que produzem uma aura de autoridade

a seu nome, somando legitimação a seus escritos em longo prazo. Suas obras serão

analisadas como um projeto em curso, elementos constitutivos de uma unidade textual.

Portanto, esta comunicação tem por objetivo contextualizar o período em que Christine de

Pizan emerge enquanto mulher intelectual e apresentar as primeiras identificações que

mostram estes elementos em algumas de suas obras, como O Livro da Cidade das Damas, O

Livro do Caminho do Longo Estudo e a compilação de cartas, epístolas e textos relacionados à

Querelle des Femmes.

A reprodução e a geração de monstros no De Secretis mulierum (século XIV)

Lidiane Alves de Souza

(Doutoranda em História, UFG)

A geração e a reprodução da vida constituíram um dos assuntos mais investigados

e debatidos pelo pensamento médico medieval. O caráter secreto e ao mesmo tempo

sagrado desses processos – pois um novo ser era gerado e formado no interior do corpo

feminino – motivou o surgimento de um novo gênero da literatura médica focado nesse

tema: o Segredo das mulheres.

56

O De Secretis mulierum, atribuído a Alberto Magno (1206-1280), foi a obra precursora

dessa nova literatura de segredo. Por congregar conhecimentos de filosofia natural e de

medicina o tratado apresenta, ao longo de 12 capítulos, as principais ideias e concepções

referentes à geração e a reprodução que circularam no baixo medievo, a saber: a geração e a

formação do embrião e a influência dos planetas sobre este (Cap. 1, 2, 3 e 5), a geração de

animais sem a necessidade de sêmen (Cap. 5), a concepção de animais monstruosos (Cap.

6), os sinais da concepção, da castidade e da perda da virgindade (Cap. 7 e 8), a enfermidade

da sufocação da madre (Cap. 9), os meios que impedem e que favorecem a concepção (Cap.

10 e 11), e a geração de sêmen (Cap. 12).

Disto posto, o presente trabalho tem como objetivo investigar, a partir da análise do

De Secretis mulierum, como a medicina medieval compreendia os diversos aspectos do

processo reprodutivo e de que forma explicava a geração de seres monstruosos.

Uma prosopografia da festa: mapeamento e observações iniciais acerca de nobres

participantes do Passo Honroso de Suero de Quiñones

Lucas Werlang Girardi

(Mestrando em História, USP)

Esta comunicação pretende apresentar um mapeamento inicial de alguns nobres

presentes nas fontes atreladas ao Passo Honroso de Suero de Quiñones, uma festividade de

cavalaria ocorrida durante trinta dias, entre 10 de julho e 9 de agosto do ano de 1434, e

abordar hipóteses sobre os participantes destes eventos. A partir do estudo dos nobres

presentes nesta festividade em questão, será possível perceber que sujeitos eram estes e

possivelmente estabelecer suas motivações particulares e como integrantes de um grupo.

Neste exercício, centrado em uma breve “prosopografia da festa”, será necessário manusear

fontes diversas, partindo daquelas relacionadas ao Passo Honroso, e outras, como crônicas

e relatos históricos ou biográficos, a fim de buscar uma investigação das posições que

aqueles nobres ocupavam dentro de suas linhagens e suas relações com outros nobres do

período. A observação deste evento em particular e as conclusões resultantes da mesma

devem servir para a comparação com outras festividades similares, com vistas a um plano

57

mais amplo acerca dos participantes deste tipo de festividade, seja por suas semelhanças ou

por suas diferenças.

O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert

e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen

Lukas Gabriel Grzybowski

(Doutor em História, UEL)

Ao tratarmos da cultura religiosa na Europa setentrional no período alto-medieval

deparamo-nos com uma condição singular no que tange a natureza das fontes textuais

disponíveis ao historiador. Estas são todas constituídas por relatos produzidos por agentes

externos à cultura escandinava, ainda que em contato com esta. Assim, os documentos

centrais para o conhecimento das práticas religiosas levadas a cabo no espaço escandinavo

acabam por constituir um corpus ao menos “problemático” em relação ao objeto que se

propõe a investigar. Tais questões são fundamentais, todavia, pois têm gerado uma gama

de debates em torno da fiabilidade das fontes textuais, sobretudo diante da diversidade de

informações oferecidas pelas investigações de natureza distinta, como a arqueologia ou a

linguística. Ainda mais interessante nesse contexto parece ser o caráter quase sempre

intermediado das informações registradas pelos autores do continente europeu em relação

aos costumes religiosos do Norte. Desse modo, proponho um estudo comparativo entre

duas narrativas, compostas em épocas distintas e a partir de experiências

fundamentalmente diversas com o espaço escandinavo. De um lado a Vita Anskarii,

composta por Rimbert ao final do século IX, e de outro as Gesta Hammaburgensis, escritas por

Adam de Bremen na segunda metade do XI. Para além do tempo, separam as obras o gênero

textual – a primeira é uma hagiografia, enquanto a segunda trata-se de obra historiográfica

– e a mediação da narrativa, posto que Rimbert foi ele mesmo partícipe dos eventos

narrados, enquanto Adam se baseia principalmente nos relatos de Sven Estridsen. Irei focar

a investigação sobre um aspecto pontual das narrativas: os relatos sobre o paganismo

escandinavo. O eixo da análise será a relação entre percepção e imaginação do elemento

pagão nesses autores, tema que se coloca em relação direta com discussões recentes a

respeito dos textos historiográficos e hagiográficos medievais.

58

“(...) continuem pelas riquezas do reino dos céus as confrontando com as angústias da

pobreza voluntária (...)”: considerações sobre o voto de pobreza na Ordem dos

Pregadores (1285-1289)

Luiz Otávio Carneiro Fleck

(Mestrando em História, bolsista CNPq, UFRGS)

A presente comunicação tem como objetivo problematizar uma postura largamente

assumida pela historiografia que estuda a Ordem dos Frades Menores (OFM) e a Ordem

dos Pregadores (OP). Segundo essa historiografia, enquanto que na OFM as discussões

sobre prática da pobreza voluntária levaram a um racha dentro da Ordem, os frades

Pregadores não tiveram problemas quanto o cumprimento desse voto, pois não pesava

muito em suas considerações. Discordamos desse pressuposto, pois na medida em que os

frades da OP, também, estavam obrigados ao voto de pobreza, acreditamos que sua prática

fez parte do cotidiano dos Pregadores. Para defender nosso argumento, partimos de

considerações sobre o âmbito institucional da Ordem. Para isso, partimos das cartas

enviadas aos capítulos gerais pelo mestre geral Munio de Zamora (1285-1291), nos quatro

primeiros anos de seu governo (1285 a 1289). Podemos ler nessas cartas, uma proposta do

modo de vida que os frades Pregadores deveriam seguir. Figurando entre os componentes

dessa conduta, considerações sobre a realização do voto de pobreza. Considerando essas

cartas como discursos políticos, identificamos tanto uma linguagem jurídica (oriunda das

atas dos capítulos gerais) quanto uma linguagem teológica (baseada nas considerações de

Tomás de Aquino sobre o estado religioso na Suma Teológica) na retórica do mestre geral.

A partir do cruzamento entre cartas, atas e teologia, podemos ver que, nas considerações de

Munio, o voto de pobreza era subjugado ao de obediência. Isso fazia com que a hierarquia

da Ordem definisse os seus limites. Assim como, a pobreza figurava relacionada ao estudo.

Com esse garantindo tanto a prática da pobreza quanto sendo possibilitado por ela, na

medida em que facilitava a saída do mundo para se dedicar à vida contemplativa.

59

A Historia Albigensis e a percepção de violência no negotium pacis et fidei no início do

século XIII

Magda Rita Ribeiro de Almeida Duarte

(Doutoranda em História, UnB)

A avidez das palavras de Inocêncio III na epístola de 10 de março de 1208 pela qual lançou

a cruzada contra os hereges e seus defensores no Sul da atual França demonstrava um

intenso anseio por encarnar a luta pela unidade da Igreja. A morte do legado pontifício

Pierre de Castelnau, às margens do Ródano, em janeiro daquele ano, havia sido um atentado

contra a paz e a fé, pelo que o antigo arcediago de Maguelone havia sido encarregado de

pregar e lutar e por cuja causa seu sangue fora violentamente derramado. Uma imensurável

violência, cuja culpa recaía sobre o mais poderoso senhor das terras meridionais da Gália,

Raimundo VI de Toulouse, que deveria ser impiedosamente golpeado com a espada do

anátema. As profundas e dolorosas palavras do papa, ao longo desse documento, ecoavam

pelas províncias eclesiásticas da Occitânia e clamavam pelo suporte material dos príncipes

e cavaleiros cristãos contra uma violência ainda maior que o martírio de Pierre de Castelnau.

Sua morte não poderia ser em vão. O apelo pontifício era pelo zelo por uma fé que agonizava

em meio a vícios e ansiava pelo encorajamento das virtudes. As palavras de Inocêncio III

são evidenciadas fielmente pela crônica de Pierre des Vaux-de-Cernay que considera o

documento pontifício a mais autêntica narrativa da morte do legado. E é justamente por

meio dos relatos desse famoso notário cisterciense da cruzada que este trabalho objetiva

analisar a noção de violência que se tentou construir naquele panorama de guerra e paz.

Algumas vezes, a violência aparece como uma afronta do inimigo à paz que se quer

estabelecer na região. Em outras, os atos violentos dos cruzados são plenamente justificados

por sua luta ter um escopo mais nobre, a paz e a defesa da fé. Outras vezes, ainda, a questão

se remete aos movimentos de Paz e de Trégua de Deus que se iniciaram séculos antes

naquelas terras occitanas. Diante disso, considerando o exercício do poder papal no

Languedoc, à luz da Historia Albigensis e em confronto com a historiografia especializada, a

análise buscará compreender a percepção de violência ora a contrapelo da noção de paz, ora

como elemento justificador da luta e necessário à paz.

60

João Zorro e marcas de sua individualidade poética

Márcia Maria de Melo Araújo

(Doutora em Letras, UFG)

As cantigas do trovador João Zorro integra a seleção de José Joaquim Nunes em seu

Cantigas d’amigo dos trovadores galego-portugueses e, da mesma forma, a seleção de 504

cantigas de Rip Cohen, em que este trabalha somente as cantigas de amigo. Na edição

coordenada por Mercedes Brea (2014), disponível em site do Centro de Investigação Ramón

Piñero, temos as onze composições que integram o cancioneiro de João Zorro, sendo dez

cantigas de amigo e apenas uma cantiga de amor. Em tese de doutorado, Araújo (2013)

comenta a imagem da amiga que aguarda o namorado diante do rio, remetendo a

conhecidos símbolos da libido, seja pelo movimento das águas, seja por sua fecundidade.

Asensio (1970) informa que atitudes da amiga diante do rio, da fonte e do mar representam

uma temática rica em símbolos, descrita em outras cantigas, por trovadores como

Meendinho, Nuno Fernandez Torneol e Martin Codax, em que acrescentamos o próprio

João Zorro. Assim, seguindo essas pistas, selecionamos, para este trabalho de pesquisa, o

cancioneiro de João Zorro, composto por suas onze cantigas, com a intenção de investigar a

presença do rei e a simbologia do rio nas cantigas desse trovador. É no sentido de entender

as simbologias ocultas na linguagem das cantigas de amigo e cantiga de amor de João Zorro

que encontramos a justificativa para este trabalho. Buscamos, numa perspectiva

comparativa, estudar as estruturas literárias e sociais do mundo medieval em que as

cantigas foram idealizadas e analisar algumas marcas da individualidade póetica de João

Zorro, expressas pelas práticas e pelas mentalidades do homem dessa época.

Lisboa em Cena: representação da cidade na dramaturgia medieval portuguesa

Márcio Ricardo Coelho Muniz

(Doutor em Letras/Literatura Portuguesa, UFBA)

61

Dentre os gêneros da literatura dramática medieval, a farsa foi o mais associado à

representação da realidade, como se esta fosse mais palpável por meio do riso. Por sua vez,

a alegoria e, por conseguinte, sua personificação dramática, a personagem alegórica, foram

estratégias retóricas a que os dramaturgos medievais frequentemente recorreram para a

representação das instituições sociais, especialmente quando em perspectiva crítica.

Partindo daquele gênero e desta personagem dramática, discutirei a personificação da

cidade de Lisboa na dramaturgia quinhentista portuguesa, analisando sua configuração e

observando criticamente o diálogo daquela representação com fatos históricos concernentes

aos períodos em que uma crise econômica, política, climática ou de outra ordem tenha

afetado a joia da coroa, a capital do reino português. Guiar-me-ei pela historiografia

dedicada à cidade de Lisboa (GHANDEIGNE, 1992; CATARINO, 2007; MATTOSO, 2013 e

2011; HANAWALT, REYERSON, 1994; SILVA, 2010) e pela crítica sobre a dramaturgia

quinhentista portuguesa (CAMÕES, 2007,2009, 2010; BERNARDES, 2006; MUNIZ, 2011)

para ver a Lisboa medieval em cena.

N’O Espelho de Cristina, a imagem de Santa Maria

Maria Ascenção Ferreira Apolonia

(Doutora em Letras, USP)

Christine de Pisan logrou vislumbrar, na passagem dos trezentos para os

quatrocentos, a insinuação de um neopaganismo que ganhava terreno com a adesão ao

hedonismo misógino do Romance da Rosa, contra o qual publicara: A Epístola ao deus do amor

(1399). Perante a ameaça pagã, buscou revigorar o espírito cristão na sociedade medieval a

partir da França. É nosso intuito surpreender e aprofundar, n’O Espelho de Cristina, os

desdobramentos da aliança entre o divino e o humano nas analogias, associações e símbolos

que compõem o modelo ideal de princesa, e que igualmente dizem respeito às expectativas

do desempenho político régio. Segundo a autora, é no cultivo da vida interior que se deve

alicerçar o amadurecimento humano, intelectual e político da maior autoridade feminina.

Tudo se passa de dentro para fora. Do foro íntimo, para a materialidade da ação realizada.

62

E O livro das três virtudes: a insinança das damas tem o mérito de desenhar, com riqueza de

detalhes, o percurso ascético e doutrinário que está na base da educação e do

desenvolvimento das potencialidades da princesa. Nessa relação dinâmica entre mundo

interior e vida político-social, percebemos a unidade do espírito medieval: a Corte celeste

serve de paradigma para a Corte da Baixa Idade Média. Não só o Céu baixou à Terra, mas

delimitou os contornos da atuação política da princesa por meio de paradigmas extraídos

da pregação religiosa, dos escritos dos Padres e doutores da Igreja e dos arquétipos

femininos, com ênfase para a representação de Maria como Rainha do Céu.

A construção do Santo (Jerônimo) de Estridão

Maria Cristina Martins (Doutora em Letras, UFRGS)

Alexandra de Brito Mariano (Universidade do Algarve, Portugal)

Eusebius Sophronius Hieronymus nasceu em Estridão, na Dalmácia (atual

Eslovênia), entre 345 e 347 a.D. e morreu em 419 ou 420 a.D. É conhecido especialmente por

ter feito a tradução da Bíblia adotada pela Igreja Católica, a Vulgata. Porém, sua importância

reside muito além dessa tradução e dos estudos interpretativos sobre seu conteúdo. São

Jerônimo legou-nos um trabalho intelectual produzido durante mais de quarenta anos – o

que o faz patrono dos tradutores, bibliotecários e enciclopedistas. Conforme registrado no

Corpus Iuris Canonici (Cain, 2006, p. 500), em 20 de setembro de 1295 o papa Bonifácio VIII

conferiu a São Jerônimo o título de Doutor da Igreja. Durante o Renascimento, a arte

pictórica de Albrecht Dürer, Leonardo da Vinci, Bernardino Luini, Domenico Ghirlandaio,

entre outros, mostra Jerônimo como santo de duas maneiras: em algumas representações, é

um estudioso, sereno, amante dos livros; em outras, São Jerônimo é uma pessoa

atormentada, sofrida. Nessas condutas de vida antagônicas, o modo de vida penitente e

monacal enfatiza a humildade necessária para se entrar em comunhão com Cristo, ao passo

que o estilo de vida intelectual confere a sabedoria necessária para a tradução e

interpretação de uma obra sagrada. Por essas duas atuações, São Jerônimo foi considerado

santo. Baseando-nos na própria produção literária que retrata sua trajetória de vida, bem

como em algumas obras atuais, buscaremos mostrar e interpretar quais foram os elementos

63

primordiais que levaram ao culto de Jerônimo como santo, ocorrido no Renascimento: se

pelo aspecto de monge asceta ou de intelectual que traduziu e interpretou a palavra de Deus.

As paixões da alma nos escritos dietéticos medievais (séculos XII – XIV)

Maria Dailza da Conceição Fagundes

(Doutora em História, UEG)

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o conceito de paixões da alma nos escritos dietéticos

medievais que, na literatura médica, era o gênero que tinha por finalidade fornecer preceitos

destinados à manutenção da saúde. A sexta coisa não natural, as paixões ou acidentes da

alma, refere-se às inclinações que rompem o equilíbrio da vida psíquica e, portanto, na

medicina medieval, era um campo de domínio médico, pois acreditava-se que as emoções

poderiam modificar ou alterar o corpo e consequentemente prejudicar ou beneficiar a saúde.

Nesta perspectiva, propõe-se o estudo das paixões da alma a partir da análise de quatro

textos dietéticos: o Livro VI da obra Colliget do médico árabe Averróis (1126 – 1198), o

Regimen Sanitatis do físico judeu Maimônides (1135 – 1204), o Liber de Conservanda Sanitatis

do físico português Pedro Hispano (1210-1277) e o Regimen sanitatis ad Regem Aragonum

composto pelo catalão Arnaldo de Vilanova (1240-1311). Assim, pretende-se analisar esses

escritos, a partir de uma dupla perspectiva: compreender como os físicos medievais

concebiam a influência da vida emocional na saúde dos seus pacientes e identificar os

preceitos médicos acerca das quatro principais paixões: alegria, tristeza, temor e ira.

As margens dos livros de horas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Maria Izabel Escano Duarte de Souza

(Doutoranda em História, USP)

Na primeira metade do século XIII surge um novo tipo de decoração nos

manuscritos iluminados, as imagens marginais: tratam-se de iluminuras de animais, seres

fantásticos e antropozoomórficos, cenas do cotidiano ou de cavalaria, que se localizam nas

margens – ou bordas – dos folios dos manuscritos. Apesar de não terem sobrevivido ao

64

século XV, quando as folhagens tomam seu lugar, tal decoração ainda provoca inúmeras

perguntas ao historiador.

Chamadas por muito tempo de drôleries, imagens que tinham um caráter cômico, profano e

de puro divertimento, tal decoração vem sendo reavaliada pela historiografia moderna, que

procura compreender e analisar sua presença nos manuscritos, sua relação com os outros

elementos da página – tais como o texto, as capitulares e as iluminuras centrais -, bem como

seus significados aparentes e não aparentes.

Presentes de forma abundante principalmente em livros de horas, cuja profusão da

decoração favoreceu o surgimento e o desenvolvimento desse gênero de iluminação, as

imagens marginais constituem-se fonte importante para a compreensão da mentalidade e

da cultura da sociedade do medievo.

Buscando, portanto, compreender as práticas devocionais da sociedade laica e a

relação existente entre estes livros e a cultura e mentalidade medievais, analisaremos de

forma preliminar as margens dos livros de horas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,

pertencentes originalmente à Real Biblioteca Portuguesa – Casa do Infantado, à luz das

novas abordagens sobre imagens marginais produzidas pela historiografia nas últimas

décadas.

Saberes e sabores: a narrativa da Cocanha como uma permanência medieval na cultura

brasileira

Mariana Amorim Romero

(Doutora em História, Instituto Federal de Goiás, Campus Valparaíso)

O texto medieval do mito da Cocanha encontra seu lugar em diversas áreas de pesquisa,

como os estudos literários, históricos e culturais. Dentro da perspectiva da história da

alimentação, analisamos o texto francês fazendo um estudo comparativo com a literatura de

cordel, que ressignificou o mito medieval, adaptando a cultura brasileira moderna,

agregando saberes ao fabliau francês (séc. XII). As palavras saber e sabor possuem a mesma

65

origem, no termo latino sapere. Ao significar “ter gosto”, estas palavras aproximam-se

trazendo o saber também para os hábitos alimentares, o que perpassa a narrativa da

Cocanha. Saber e sabor se interpenetram e o ato de se aventurar em outros sabores é também

a possibilidade de expandir nossos saberes. Desta forma, pretendemos demonstrar neste

trabalho as permanências do mito do país de delícias, que encontraram seu lugar no

nordeste brasileiro, povoando o imaginário popular em um momento de miséria e

dificuldades.

O mito do cavaleiro na longa duração: um estudo de caso sobre Ressignificações do

Imaginário Medieval nos anos 1930

Mauricio da Cunha Albuquerque

(Mestrando em História, UFPel)

Neste trabalho analisamos pranchas da série em arte sequencial Prince Valiant (no Brasil,

Principe Valente), produzida pelo escritor e ilustrador Harold Rudolph Foster em 1937.

Buscamos compreender como o mito do cavaleiro medieval – ou seja, a representação

idealizada desta figura histórico-literária, somada a um complexo arca bolso simbólico que

lhe é próprio –fora apropriado e ressignificado pelo autor em um momento em que a

indústria cultural dos Estados Unidos estava completamente voltada à exaltação de seus

ideais socioculturais, assim como à propaganda anti-eixo. Neste sentido, asseveramos que

ao criar Prince Valiant Foster se inspirara não apenas nos romances e códigos de cavalaria

que vigoraram durante o medievo central e tardio, mas também nos valores morais e

ideológicos básicos dos Estados Unidos. No intuito de tornar Val (herói e protagonista da

narrativa) e suas aventuras mais atrativas para um público que ainda era atormentado pelos

“fantasmas” da Grande Depressão, em paralelo ao avanço dos fascismos na Europa, o autor

acabara construindo um personagem quimérico, mesclando características de um cavaleiro,

de um soldado patriota e de um self-made man. Em suma, trata-se de um trabalho que busca

compreender como determinadas imagens relacionadas ao passado medieval sobrevivem

em nossas expressões cultural-midiáticas em um processo de longa duração. A

representação imaginária do cavaleiro medieval como paladino da justiça, galante, cortês,

66

sempre ávido a defender os fracos e oprimidos perante as forças do caos, encontra ecos no

ideário dos séculos XII e XIII, mas sua sobrevivência em nossos meios de comunicação e

entretenimento é um fato a ser analisado em sua complexidade.

De armatura omnium fidelium: a preparação espiritual para a guerra contra os hereges

(séc. XIII-XV)

Michele de Araújo

(Doutoranda em História, UnB)

A doutrina cristã prega uma mensagem de “paz”. A guerra, como consequência da

queda do homem, é sempre um ilícito. A dificuldade dos pensadores cristãos foi justamente

a de conciliar as exigências de paz com a guerra. Partindo desse problema – da construção

discursiva da legitimação da guerra contra os inimigos da fé – analisaremos a ilustração

constante na obra Summa de Virtutibus et Vitiis de Willelmus Peraldus (séc. XIII), o Estado e

Pranto da Igreja de Álvaro Pais (séc. XIV) e o Fortalitium Fidei de Alonso de Espina (séc. XV).

Para estes teólogos não se busca a paz para promover a guerra, mas ao contrário, se vai à

guerra para conquistar a paz. Ao defenderem a guerra, salientam que a força corporal

também é um dom de Deus. Ainda que se guerreie por uma necessidade, ainda assim, a

vontade deve desejar a paz. O fim último da guerra é a paz.

Os milites christi tinham como objetivo estender o reino de Cristo ao mundo dos

homens através da espada. Esta sacralização do serviço militar a Cristo fica evidente no

próprio vocabulário das fontes. Um cavaleiro não é “armado”, mas “ordenado”. O ato de

pegar em armas se torna quase um sacramento (um ato de consagração a Cristo). A missão

do bom soldado seria a de pacificar os homens, manter e defender o cristianismo e vencer

os infiéis. A guerra deveria estar a serviço da fé cristã. Para tanto, as guerras deveriam ser

combatidas com os mais nobres ideais, pois sempre estariam imbuídas de uma missão

divina. Por isto, os fiéis devem se armar para a guerra espiritual, colocando a armadura que

os protegerão no combate aos inimigos da fé. Somente podem ir à guerra aqueles

67

preparados não só fisicamente, mas espiritualmente, para lutar. Visto que mesmo uma causa

justa pode se tornar injusta se os ânimos não estiverem conforme as virtudes.

A Invenção do Medievo: narrativas sobre a Idade Média nos livros didáticos de História

Nilton Mullet Pereira

(Doutor em Educação, UFRGS)

A comunicação se propõe discutir as estratégias narrativas sobre o medievo nos

livros didáticos de História, PNLD 2011, decorrente dos resultados da pesquisa Projeto

Narrativa Histórica, coordenado pela professora Helenice Rocha (UERJ). Seu objetivo

central consiste na análise da narrativa sobre o medievo construída nos livros didáticos e as

representações gerais sobre Idade Média neles constantes. Esse processo de narrativização

do passado que se dá nos livros didáticos não descaracteriza o papel concreto do que

passou, do que ocorreu e da tarefa de compreensão e explicação do passado que tem o

historiador e o professor de História, mas agrega a essa tarefa, que aqui chamaremos de

disciplinar, o elemento da razão prática, que é tornar o passado prático (WHITE, 2014), com

vistas ético-políticas de criação de um novo futuro e de problematização do presente.

O estilo narrativo dos Livros Didáticos consiste, sobretudo, em uma narrativa global

do medievo, que procura um sentido geral, com uma lógica única a 10 séculos de passado,

tendendo a apagar temas e sujeitos que desviam ou estão em desacordo com a lógica global

do sistema feudal. Essa forma de apresentação da Idade Média tem como eixo central a

gênese do Feudalismo, que compreende as migrações germânicas, como período de

constituição das relações de vassalagem; o processo de ruralização, que está relacionado à

descentralização do poder real; e o renascimento urbano e a crise, que compreendem a

decadência do modelo. Tudo se passa como se toda a história entre os séculos V e XV

estivesse submetida à doação de sentido ao sistema feudal. E, do mesmo modo, parece haver

uma clara tentativa de forjar uma história do nascimento, do apogeu e da crise desse

sistema.

Esse eixo tem como sujeito principal a Igreja e a ela se agregam outros sujeitos, que

são, basicamente, a nobreza e os camponeses. De qualquer forma, o papel de cada um se

68

resume, salvo exceções, às relações políticas e de dominação. Uma vez ou outra a Igreja

aparece como a guardadora da cultura e da educação.

O caráter global dessa explicação afasta da narrativa outros sujeitos, como as

mulheres, os hereges, os professores, os filósofos, os jovens estudantes das Escolas e das

universidades e outros – que criam significados diversos e, às vezes, desviantes, em relação

ao chamado “domínio da Igreja do nascimento até a morte dos indivíduos”.

Estudos sobre a bruxaria na Idade Média: revisões historiográficas e

novas perspectivas de análise

Odir Fontoura

(Doutorando em História, UFRGS)

Esta apresentação tem por objetivo fazer uma revisão dos witchcraft studies, ou seja,

das diferentes abordagens que foram empregadas ao longo das últimas décadas para se

compreender o fenômeno da bruxaria na Idade Média. Nessa apresentação serão revisadas

as principais influências dos estudos da área da história, da antropologia e da sociologia que

permearam esses estudos contribuindo com novos conceitos e novas abordagens. Também

serão comentadas algumas fontes primárias tradicionalmente utilizadas e seus problemas:

exemplos de falsificações, adulterações e traduções equivocadas que hoje em dia estão

sendo revisadas por novas edições críticas destes documentos. Esta comunicação visa,

portanto, tanto fazer uma retrospectiva das principais perspectivas de análise dos witchcraft

studies quanto apontar para as novas metodologias que estão não apenas se debruçando

sobre novas fontes, mas também fazendo novas perguntas e problematizando antigos

conceitos já consagrados pela historiografia, como as noções de “Inquisição”, “magia”,

“heresia” e por fim, “bruxaria”.

Un texto hagiográfico bizantino atribuido a Efrén el sirio: Vida de Andronico y

Anastasia (Madrid, BNE 4787; BHG Novum auctarium 123j)

Pablo Cavallero

(Doutor em Letras, Universidad de Buenos Aires / CONICET)

69

La ponencia presenta el texto conservado en la Biblioteca Nacional de España, indicando

sus rasgos paleográficos y lingüísticos y la problemática que genera la transcripción del

texto, dado que parte de él se halla dañada por los accidentes habituales sufridos por los

códices, en particular la parte final, folio que en el s. XVI fue copiado y añadido aunque su

responsable no llegó a descifrar plenamente el contenido. Por otra parte, según parece el

contenido se halla desordenado; debemos confirmar si eso se debe a un trastrueque en el

modelo del copista.

Esta ponencia anuncia la próxima edición crítica de este texto, acompañado de traducción

española, introducción y notas, como aportación al conocimiento de los textos hagiográficos

bizantinos, dado que éste se halla inédito. Se propone que el texto no pertenece a Efrén,

debido a ciertos rasgos de lengua que serían del autor, no del copista, y al hecho de que no

fue incluido en las Opera omnia del escritor sirio.

O ornamental no manuscrito BM Cambrai 528 – século XI

Pamela Wanessa Godoi

(Doutoranda em História Social, USP)

Os livros litúrgicos foram objetos comuns nas bibliotecas medievais. Seus usos, atrelados

aos rituais de celebração e de estudo, os fizeram necessários em várias igrejas e abadias; a

organização desses códices pode nos dizer muito a respeito da forma como se deu sua

utilização, nesses locais. De difícil catalogação, o livro litúrgico se apresentava a partir de

várias possibilidades: homiliários, lecionários, graduais, missais; sendo que o texto litúrgico

é o que os define. Ainda que se tratasse de livros importantes, não era muito comum, até o

século XI, o uso de iluminuras nesses tipos de códices. O homiliário/lecionário catalogado

como BM Cambrai 528, no entanto, se destaca entre os livros litúrgicos desse período. Nesse

manuscrito de 276 fólios encontramos um grande número de imagens: miniaturas e iniciais

historiadas e ornamentadas com vários elementos vegetais, animais e geométricos, além de

diversas letras coloridas. A organização dos espaços destinados às imagens e ao texto

funcionava de maneira bastante dinâmica, criando um ritmo que agregava ao códice

elementos de diferenciação. A partir do conceito de ornamentalidade apresentado por Jean-

70

Claude Bonne, procuramos refletir sobre as possibilidades de organização encontradas

nesse livro litúrgico medieval.

Poderes (in) visíveis: as criaturas do mal na Arte de Bien Morir

Patrícia Marques de Souza.

(Mestra em História Social, UFRJ)

No medievo, o Diabo e os demônios eram objetos essencialmente visuais e constantemente

o texto se referia à imagem e a imagem ao texto. Estas duas formas de expressão inspiravam-

se mutuamente e era muito difícil falar do “príncipe deste mundo” e do seu séquito de

seguidores sem apresentar as suas representações pictóricas. Por isso, grande parte dos

livros medievais que tratavam deste tema eram ilustrados, já que a visualização das figuras

e das ações demoníacas causava um grande impacto nos espectadores e chegava ao ponto

de muitos demônios serem riscados dos manuscritos e dos afrescos em que apareciam, por

exemplo.

Uma das funções desempenhadas pelos demônios na escatologia cristã era a de tentar os

homens e pô-los à prova. O momento de ataque favorito destas criaturas era a hora da

morte, pois a partir do século XIII, passou-se a associar o instante do transitus da alma com

a decisão do destino pessoal. Neste sentido, esta comunicação tem como objetivo analisar o

papel desempenhado pelas figuras demoníacas no processo de construção e propagação da

pedagogia da boa morte no século XV. Além disso, pretende-se explicitar quais foram os

recursos retóricos e visuais utilizados para comover e persuadir o leitor/espectador. A fonte

privilegiada neste trabalho é um livro raro e de grande relevância: trata-se do incunábulo

conhecido como a Arte de Bien Morir, a primeira versão ilustrada da Ars Moriendi realizada

em língua vernácula na Espanha. Esta edição que foi impressa em c. 1480, na cidade de

Saragoça, ficou a cargo da oficina de Pablo Hurus, um importante gravador, impressor e

comerciante de livros do reino de Aragão.

71

Heresiologia e Repressão: a ideia de “Perseguição Justa” na Summa Adversus Catharos

et Valdenses do dominicano Moneta de Cremona

Patrícia Antunes Serieiro Silva

(Doutoranda do Programa de História Social, USP)

As primeiras sumas anti-heréticas redigidas pelos frades Pregadores surgiram na primeira

metade do século XIII, logo após o comprometimento da Ordem Dominicana com as

funções inquisitoriais, em 1233, por solicitação do papa Gregório IX (1145-1241). De

natureza polêmica, essas obras têm como objetivo mostrar a “falsidade” e os “absurdos” das

crenças heterodoxas, bem como reforçar os dogmas e as ações repressivas da Igreja Católica,

por meio, principalmente, da argumentação escriturística. Nesta comunicação, propomos

analisar alguns argumentos escriturais recorridos pelo frade pregador Moneta de Cremona,

na Summa Adversus Catharos et Valdenses, composta entre 1241 e 1244, para legitimar a

perseguição e a punição dos hereges. Moneta recorre à ideia agostiniana de “perseguição

justa” pautando-se em alguns episódios bíblicos neotestamentários. Pretendemos, ainda,

com este estudo, pontuar as relações entre a produção heresiológica do dominicano e o

ofício inquisitorial.

“Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”: os sermões de ascensão episcopal de Leão

de Roma (440-461)

Paulo Duarte Silva

(Doutor em História Comparada, UFRJ)

Durante a Primeira Idade Média (séculos IV-VI), o Ocidente assistiu ao fortalecimento do

episcopado, cuja atuação pública gradualmente se articulou aos assuntos urbanos e, em

menor medida, rurais. Sabe-se que esta primazia fez com que muitos bispos se

empenhassem em ampliar a pregação. Componente fundamental das atividades pastorais,

72

a divulgação de sermões e homilias serviu simultaneamente como expressão e meio de

projeção do bispado, se articulando à ampliação de seu público-alvo.

Nas últimas décadas, os pesquisadores tem se voltado ao estudo da historia do episcopado

dando atenção a documentos como as hagiografias e os sermões, de modo a investigar de

que modo os bispos conceberam sua liderança em meio às transformações socio-culturais

em andamento. Deste modo, temas como as eleições episcopais e o próprio debate sobre os

limites e os fundamentos de suas atuações foram ampliados pelo emprego de novas

documentações.

Nesta apresentação, examinamos os cinco sermões de Leão divulgados por ocasião de

comemoração anual de sua elevação à sede romana. Considerando as especifidades

relacionadas à pregação e aos sermões, nos interessa avaliar como a prédica do bispo

referente ao ofício episcopal pode ser contraposta a outros documentos de sua autoria, que

costumam fundamentar o entendimento historiográfico sobre seu bispado.

Os estudos monacais em Reims no século X

Rafael Bassi

(Doutorando em História Cultural, Unicamp)

Richer de Reims (v. 940-998) foi um monge beneditino que, no final do século X, a pedido

de Gerberto de Aurillac, escreveu um relato histórico, chamado "Historiarum Libri

Quatuor", ou, simplesmente, Histórias. Essa obra tornou-se uma grande fonte de

informações sobre a sociedade no Reino dos Francos e sua estrutura política neste período.

Essa comunicação tenta apontar, a partir da análise dos próprios relatos richerianos, como

estavam estruturados os estudos na formação monacal. Se partimos do pressuposto que

Richer enquadrava-se em um conjunto de ideias-base para a escrita da história, é

fundamental compreender o ambiente educacional para discutir a pertinência e validade

desses direcionamentos obtidos a partir dos livros, disciplinas e estudos diversos desse

ambiente cultural que é Reims no período.

73

“Mortos mais que especiais”: mártires e guerreiros no contexto medieval português

Renata Cristina de Sousa Nascimento

(Doutorado em História, UFG / PUC-Go)

O rito cristão envolve uma série de elementos que foram sendo construídos ao longo do

estabelecimento e fortalecimento desta religião. Inicialmente no Império Romano, os corpos

dos mártires rememorados por narrativas sublimes, teriam sido responsáveis pela

instituição da santidade dos locais de suas tumbas. Uma nova reconfiguração espacial e

valorativa destes mortos especiais teriam incorporado os cemitérios ao mundo urbano. Com

o fim das perseguições, e a institucionalização do cristianismo enquanto religião oficial o

número de martírios teria diminuído sistematicamente. Por desejarem uma experiência

mística mais intensa, os fiéis passaram a experimentar novas formas de sofrimento, como a

solidão, a autoflagelação e a negação do que consideravam desejos carnais. Com o advento

das cruzadas no século XI, paralelamente ao avanço muçulmano na África do Norte, novos

desafios foram apresentados ao universo religioso. Agora era preciso reelaborar um perfil

de santidade, respaldada pelo exemplo dos primeiros mártires. Uma revivência do morrer

por Cristo e pela fé, encontraria no palco africano oportunidade de retomar o significado

mais profundo da morte santa. Neste texto pretende-se analisar dois casos específicos que

tiveram singularidade, pois referem- se a construções narrativas que alcançariam relevância

para além de seu significado puramente religioso. Para tanto foram elencadas duas

manifestações célebres de martírio tardio, tendo por contexto as lutas entre muçulmanos e

cristãos: A vida e a morte dos Mártires de Marrocos e o cativeiro do Infante Santo.

Do Oriente ao Ocidente: relações entre Constantinopla e o Mediterrâneo nos registros

de Procópio de Cesareia e Jordanes: séculos V e VI

Renato Viana Boy

(Doutor em História Social, UFFS, campus Chapecó-SC)

74

Este é um estudo sobre as relações travadas entre o Império Bizantino e regiões do

Mediterrâneo, em especial a Península Itálica, durante a segunda metade do século V e o

governo do imperador bizantino Justiniano, no século VI. Trata-se de um período

historiograficamente conhecido como sendo de guerras dos exércitos imperiais pela

“Reconquista” dos antigos territórios romanos, tanto nas fronteiras com a Pérsia quanto na

Itália e norte da África. Entretanto, propomos para este trabalho uma reavalização desta

ideia. Tendo como documentos principais as obras História das Guerras, de Procópio de

Cesareia e a Getica, de Jordanes, acreditamos ser possível verificar nas relações entre oriente

bizantino e ocidente mediterrânico, além de disputas por espaços de poder político e militar,

nem sempre compreendidas como uma reconquista territorial, também argumentos para a

constituição e legitimação de relações de alianças entre o governo imperial e populações

estrangeiras. Assim, este trabalho pretende, a partir dos escritos desses dois historiadores,

refletir sobre a complexidade das relações, tanto para uma aproximação quanto para

aquelas de natureza conflituosa, travadas entre Bizâncio e populações ditas “bárbaras”

durante os séculos V e VI. O objetivo aqui é buscar uma melhor compreensão sobre os

argumentos apresentados pelos dois historiadores sobre as ações do governo imperial neste

período de disputas e entre a Roma Oriental e o Ocidente mediterrânico.

A ficcionalidade das “atas do concílio de Éfeso (431)”: um exercício de interpretação a

partir dos registros cirilinos da sessão de 22 de junho

Robson Murilo Grando Della Torre

(Doutor em História, UNIMONTES)

Em 431 d.C., um concílio reunido a mando do imperador Teodósio II (408-450) deliberou a

respeito da disputa teológica entre os arcebispos Cirilo de Alexandria (412-444) e Nestório

de Constantinopla (428-431) relativa à relação entre a humanidade e a divindade de Cristo.

No curso desses debates, houve um cisma entre os partidários de Cirilo e os de João de

Antioquia (429-441), um bispo originalmente aliado de Nestório que acabou assumindo

uma linha de atuação independente de confrontação a Cirilo. Por conta desse cisma e da

importância do imperador para a organização do encontro, os dois partidos eclesiásticos

75

envolvidos começaram não só a realizar sessões conciliares em separado, mas também a

produzir registros das mesmas concebidos para ser despachados o mais rápido possível ao

palácio de Constantinopla a fim de convencer o soberano a apoiar sua causa e condenar seus

rivais. Dispomos de parte significativa desses registros conciliares, sobretudo daqueles

produzidos pelo partido cirilino, conservados em coleções canônicas medievais usualmente

chamadas de “atas do concílio de Éfeso”, ainda que o esforço de compilação dessa

documentação não remonte a iniciativas levadas a cabo pelos participantes do encontro

efesino. Nessas ditas “atas”, destaca-se a sessão em que o partido cirilino condenou Nestório

pela primeira vez, realizada em 22 de junho de 431. Não pretendo aqui tratar das inúmeras

versões desse texto conservadas nos manuscritos medievais, porém, tomando sua versão

base editada por Eduard Schwartz em suas Acta conciliorum oecumenicorum, almejo mostrar

que o texto que podemos reconstituir não reflete um registro literal da dinâmica do encontro

e das falas de seus participantes, mas sim constitui-se como uma peça de propaganda

cuidadosamente elaborada para surtir o máximo efeito em seu público-alvo inicial, qual seja,

o imperador em Constantinopla. Assim, defendo que tais registros são dotados de forte

ficcionalidade, ou seja, de artifícios ideológicos e literários que, embora não alterem o cerne

dos debates originais, moldam essas informações de modo a dar-lhes uma forma

conveniente aos interesses propagandísticos do grupo eclesiástico que os gestou.

Conquistar, narrar e reputar: a escrita da história e a dimensão narrativa da ação

Rodrigo Prates de Andrade

(Doutorando em História, UFSC)

Entre os anos de 1268 e 1278, sob os auspícios de Jaime I de Aragão, o Conquistador (1208-

1276), foram elaboradas duas obras historiográficas: a Geste dels comtes de Barcelona i reis

d’Aragó e o Llibre dels Feyts. Procuramos aqui compreender como a ação, a

monumentalização e a comemoração se articularam a partir de uma experiência cavaleiresca

do tempo. Afinal, ao realizar seus feitos, Jaime I desejara construir uma memória sobre si?

A consciência histórica do Conquistador deve ser percebida como um sentido complexo que

condicionara a ação do monarca e estimulara a necessidade de transmiti-la na forma de um

76

texto. Estas narrativas se confluíram em uma ideologia da imitatio morum parentum pautada

na exemplaridade dos ancestrais – de características laicas esta ideologia da casa de

Barcelona, que se situava codificada em formas textuais ao menos desde o século XII, fizera

da ação condal e régia e da escrita da história um uníssono: a superação dos antepassados.

Entendemos que a elaboração de memórias e a comemoração da ação nobiliárquica e régia

dera continuidade a mesma ao transformá-las em monumentos a perpetuação e exaltação

de seus pretensos protagonistas. A memória sobre a ação e a ação em si não estabeleciam

uma contradição – as obras de um rei só se tornaram dignos porque eram posteriormente

lembradas, alçando tanto o feito quanto a memória sobre ele como reprodutores sociais do

poder e autoridade régias.

“Abraham Ibn Daud (circa 1110-1180) e a primeira (ana)crônica sefardita na Toledo do

século XII”

Rodrigo Bragio Bonaldo

(Doutor em História, UFSC)

Lançada por Yerushalmi (1992), a tese de que os judeus escrevem a história em momentos

de crise ou perseguição tornou-se um guia para os estudos a respeito do relacionamento dos

hebreus com seu próprio passado. Seu argumento indicava que, entre Flávio Josefo e o

século XVI, o interesse do povo da Torá na escrita sobre o passado teria cessado. Mas o que

fazer com as fontes teimosas? Nesta comunicação, viso apontar e problematizar aspectos da

experiência do tempo presentes no Dorot ‘Olam de Abraham Ibn Daud, sábio toledano do

século XII que viveu sob a “proteção” dos reis-imperadores cristãos. Com uma leitura

compreensiva, busco propor que algumas passagens da obra de Ibn Daud, vistas como

obscuras pelos comentadores, desvelam táticas de sobrevivência social que articulam usos

do passado em benefício da comunidade judaica de seu período.

O anjo-guia no itinerário da viagem imaginária ao Além medieval na obra Visão de

Túndalo

77

Solange Pereira Oliveira

(Doutoranda em História Medieval, UFF)

Esta comunicação propõe-se a analisar as funções do anjo na narrativa de viagem imaginária

ao Além na versão portuguesa do manuscrito Visão de Túndalo (códice 244). Nessa obra o

anjo assume o papel de guia do cavaleiro pecador, Túndalo, a um itinerário penitencial no

mundo dos mortos, dividido nos seguintes lugares: Inferno, Purgatório e Paraíso.

Destacam-se as características da figura do anjo como protetor, condutor e mensageiro do

Além de importância fulcral para a transformação espiritual do cavaleiro e para o público

leitor e ouvinte da narrativa. Desta maneira, o anjo no Além é uma figura essencial para o

processo de conversão cristã, na medida em que é um agente partícipe da pastoral da

conversão cristã através do desvelamento dos mistérios do mundo do pós-morte.

Un avatar argentino de la leyenda del corazón comido

Susana G. Artal

(Doutora em Letras, Universidad de Buenos Aires)

Desde la sugestiva alusión a un lai de Guirun, en el Tristan de Thomas (ms. Sneyd 1, ca.

1173), hasta la recientemente estrenada ópera Written on Skin, con música de George

Benjamin y libreto de Martin Crimp (2012), la leyenda del corazón comido no ha dejado de

demostrar su capacidad para burlar fronteras geográficas, temporales, idiomáticas y

genéricas, dando origen a las más diversas apropiaciones y reescrituras. Este tema, que en

el Medioevo europeo se manifiesta entre los siglos XII y XIV en las literaturas provenzal,

francesa, alemana e italiana, prácticamente no ha dejado de transformarse y resignificarse

en distintos contextos sociohistóricos. Más allá del campo literario, sus ecos son reconocibles

no solo en las obras de compositores como Michele Carafa, Donizetti, Mercadante y Camille

Saint-Saëns, sino incluso en más de un film contemporáneo. El objetivo de este trabajo es

examinar el particular tratamiento de esta fértil matriz narrativa en la novela El unicornio

(1965) de Manuel Mujica Lainez.

78

Conflitos identitários e Intolerância religiosa: a perspectiva maimonidiana sobre as

conversões forçadas

Tatiane Santos de Souza

(Mestranda em História, UFRRJ)

Questionando a tolerância na Idade média hispânica, a partir do novo governo que se

instaurou na Península Ibérica - o governo Almôada, no qual as relações entre os

muçulmanos e dhimmis se agravaram ao ponto de ter-se estabelecido a escolha entre a

conversão forçada ou o martírio - que nos propusemos a analisar o epistolário

maimonidiano (1165 - 1172). Documentação, esta, que nos proporcionou perceber a

inauguração de novas formas de relacionar-se com a "fé judaica" durante e depois dos

processos de conversões forçadas. Afinal, mais do que um grupo religioso, a designação

"judeu" representa uma identidade social, um modo pelo qual indivíduos atribuem sentido

ao mundo em que vivem. Desse modo, ao serem coagidos a adotarem uma nova religião -

o Islã - instaurava-se um conflito identitário e social na forma de concepção de existência

dos mesmos.

Lógica Feudal e as Inquirições de 1258 em Portugal

Thiago Pereira da Silva Magela

(Doutorando em História, UFF)

A sociedade Feudal é, sem sombras de dúvidas, uma das que mais desperta a atenção de

estudiosos e curiosos em geral (graças aos jogos de RPG, vídeo games e etc!). No nível

acadêmico podemos observar uma frequente, mas, nociva idealização do poder régio. Os

estudos, em geral, parecem perenemente atribuir à ideologia régia medieval, um poder

transcendental de explicação de si mesmo e de suas ações.

79

Um dos maiores exemplos dessas posturas idealizantes por parte dos medievalistas são

algumas análises das Inquirições régias de 1258 (realizadas no norte de Portugal por ordem

de Afonso III). Os medievalistas portugueses consideram que a ação de inquirir por ordem

do rei é uma iniciativa de controlar e recuperar seus patrimônios “perdidos” por usurpação

dos senhores locais. Assim, muitos autores enxergam nessa prática o indício de uma

racionalização do patrimônio público (régio), e um processo vivo de centralização do poder

num pólo único.

Nesta apresentação desejamos demonstrar que as lógicas sociais que perpassavam as

Inquirições de 1258 estavam longe de assegurar uma racionalização do patrimônio régio.

Desta forma, defenderemos que os objetivos da realeza portuguesa com os inquéritos

pautavam-se na necessidade de estabelecer e reafirmar pactos feudais. Pactos estes abalados

por uma conjuntura de conflitos sociais iniciados nos anos finais do reinado de Sancho II

(1223-1248).

Formas de devoção aos mártires nas comunidades cristãs do Ocidente (Roma, século III)

Vanessa de Mendonça Rodrigues dos Santos

(Mestranda em História Social, UFRJ)

Nossa comunicação tem por objetivo apresentar os resultados preliminares de nossa

pesquisa, que consiste na análise do monumento Memoria Apostolorum, construído

aproximadamente na metade no século III, na atual Catacumba de São Sebastião (Roma),

para receber os corpos dos apóstolos Pedro e Paulo, os quais teriam sido transladados para

o local em virtude das perseguições imperiais. Nosso trabalho consiste na análise do espaço

físico do local bem como das inscrições votivas deixadas por visitantes endereçadas aos

apóstolos, associada à leitura de textos de intelectuais cristãos, cujo nosso destaque é

Tertuliano. Neste esforço, pretendemos delinear as principais questões referentes à devoção

aos mártires nas comunidades pré-constantinianas no Ocidente, tais como: o papel social do

mártir enquanto figura central na construção de identidade das comunidades cristãs

durante o período de perseguição, seu papel religioso enquanto meio de comunicação com

o divino, e as formas de relação da comunidade com seus mártires.

80

Filii carnis-filii spiritus: Angelo Clareno e as sete tribulações da Ordem franciscana

Veronica Aparecida Silveira Aguiar

(Doutora em História, UNIR)

Esta comunicação tem por objetivo fazer um exercício de análise da Liber Chronicarum, da

“espiritualidade” de Angelo Clareno (1245?-1337) intimamente preocupada com o retorno

as “origens” e discutir o que a historiografia italiana mais recente tem proposto acerca desta

obra. O Liber Chronicarum sive tribulationum Ordinis Minorum é o escrito mais famoso de Frei

Angelo Clareno. Em linhas gerais, o principal objetivo deste manuscrito é apresentar as

tribulações e os relaxamentos da pobreza da Regra que a Ordem franciscana teria sofrido

até aquele momento. O Liber Chronicarum revela ainda uma continuidade histórica ao

apresentar a separação de um grupo de frades, “filii francisci” e “filii Helie” que viviam em

constantes conflitos, Clareno faz um paralelo com a separação dos frades dentro da

ortodoxia e de seus discípulos que sofreram perseguições, prisões e condenações. As

tribulações mais espirituais do que corporais gravitaram em torno de quem seriam os mais

“fiéis” discípulos de Francisco de Assis, os frades desviantes das origens e inserem-se no

debate mais amplo da interpretação da pobreza, da humildade e da obediência a Frei

Francisco. Enfim, todo o tema da obra está repleta da antítese “filhos da carne/filhos do

espírito”, fornecendo motivações concretas aos companheiros de Clareno para

permanecerem fiéis a pobreza dos “filhos de Francisco”.

Erudição e atividade intelectual franciscana no século XIII a partir das vitae sobre

Antônio de Lisboa/Pádua: uma proposta de pesquisa

Victor Mariano Camacho

(Doutorando em História Comparada, UFRJ)

81

O texto a seguir se propõe a lançar luz sobre o campo dos estudos acerca da escrita

hagiográfica franciscana dedicada a narrar a vida e os milagres de Antônio de

Lisboa/Pádua, o primeiro frade menor ordenado presbítero que foi canonizado pela Igreja

Romana, em 1232. Apresento neste trabalho aspectos da proposta de pesquisa em

desenvolvimento no curso de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em História

Comparada, que tem como objeto as representações do clérigo minorita nas hagiografias

sobre o frade lisboeta compostas no século XIII, à luz das transformações ocorridas na

Ordem Franciscana. Neste sentido, ao longo da exposição, serão apresentadas as legendas

sobre o santo redigidas durante o século XIII, bem como um panorama crítico sobre os

principais estudos sobre estes relatos levantados até o momento.

O paradoxo premonstratense após a morte de Norberto de Xanten (1135): Vida

monástica ou vida canônica?

Vinicius Cesar Dreger de Araujo

(Doutor em História Social, UNIMONTES)

Os movimentos de renovação espiritual embasados na vita apostolica que se expandiram pela

Cristandade Ocidental entre os séculos XI e XII, disseminaram uma pletora de formas

religiosas novas ou renovadas, a partir de um contexto unitário de vivências religiosas

oriundo da reorganização carolíngia (por exemplo, a regra beneditina sendo considerada

como única forma de organização monástica). Entretanto, neste período surgiram ordens

eremíticas, novas ordens monásticas reinterpretando a regra beneditina (como a Ordem

Cisterciense), as novas ordens militares e, finalmente, a reestruturação dos cônegos,

tornados regulares por meio da aderência à regra de Santo Agostinho, movimento do qual

veio a surgir a Ordem dos Cônegos Regulares Premonstratenses ou Ordem Norbertina, a

partir de seu fundador, Norberto de Xanten.

A fundação oficial da ordem se deu com a do então priorado de Prémontré, na diocese de

Laon em 1121. Todavia, Norberto não deixou de lado sua vida como pregador intinerante,

que passou a ligar à fundação de novos estabelecimentos, incluindo Cappenberg, a primeira

casa em terras germânicas. Até sua morte, não mais retornou a Prémontré, embora ainda se

82

mantivesse como seu prior. Por outro lado, houve um choque considerável entre as fileiras

da ordem quando, em 1126, Norberto deixou a intinerância para aceitar sua eleição como

Arcebispo de Magdeburg, adentrando assim ao mundo que havia renunciado em 1115,

quando de sua conversão: o mundo do Alto Clero e da política imperial germânica. Quando

faleceu em 1134, Norberto não deixou nenhum herdeiro designado ou última vontade em

relação à ordem, que teve um crescimento explosivo durante o século XII, e veio a encontrar-

se, na prática, dividida entre duas lideranças e destinos: Hugo de Fosses, eleito abade de

Prémontré, advogava a vida monástica aos Premonstratenses, com pesada influência

Cisterciense. Evermode, depois bispo de Ratzeburg, liderou o impulso canônico,

incentivando as casas de cônegos regulares em meios urbanos ou nos entroncamentos das

principais vias comerciais. Assim, chegamos ao paradoxo premonstratense: a ordem

fundada por Norberto de Xanten se pôs em uma encruzilhada – ordem monástica ou

canônica? Nos ermos ou nas cidades? Nossa investigação pretende, a partir das fontes

contraditórias, estabelecer um entendimento mais amplo destas questões.

Os ciclos iconográficos do beato Simão de Trento e a difusão do culto ao menino mártir

no final do século XV

Vinícius de Freitas Morais

(Mestrando em História, UFF)

A devoção ao menino de dois anos e meio chamado Simão de Trento, suposta vítima de um

crime ritual, foi logo disseminada por diversas cidades da península itálica e da Baviera.

Embora o culto a Simão de Trento houvesse sido proibido inicialmente, por meio de um

edito feito em 10 de outubro de 1475 pelo papa Sisto IV, as imagens e os textos escritos

relacionados ao assassinato do novo menino mártir não pararam de circular tanto ao sul

como ao norte dos Alpes.

Dentre os temas imagéticos relacionados ao beato Simão, o mais conhecido é o que

representa o seu martírio, momento crucial para a justificação da devoção a este pequeno

menino. Contudo, chamarei a atenção para as xilogravuras relacionadas a dois ciclos

iconográficos, referentes ao caso do assassinato de Simão Unferdorben, presentes nos

83

incunábulos: Die geschicht und legend von dem seyligen kind und marterer genannt Symon e

Geschichte des zu Trient ermordeten Christenkindes respectivamente. Sugerir algumas possíveis

funções desse grupo de imagens e relaciona-las à religiosidade cristã da região ao entorno

dos Alpes no final do século XV, são os principais pontos desta apresentação.

A Cidade de Deus é Heteronormativa? Apontamentos sobre as Proposições Agostinianas

acerca das Sexualidades em De Civitate Dei (Século V)

Wendell dos Reis Veloso

(Doutorando em História, UFRRJ)

Dentre os autores denominados de Pais da Igreja, talvez Aurélio Agostinho (354-430), bispo

da cidade de Hipona, no Norte da África, seja um dos mais estudados. E grandes estudiosos

das sexualidades humanas nas comunidades cristãs medievais, tais como, Peter Brown,

Joyce Salisbury e Thomas Lequeur, o distinguem dos demais autores da patrística pós-

nicena, tais como Ambrósio de Milão e Jerônimo, a partir de suas proposições sobre as

sexualidades, descritas como positivas e até mesmo revolucionárias. Atentando-se para os

textos de época dos quais essa historiografia se vale, constata-se que as argumentações se

sustentam majoritariamente na monumental e derradeira obra agostiniana, De Civitate Dei

(413-426), embora isso nem sempre seja explicitado de maneira objetiva. Esta caracterização

das sexualidades nos escritos agostinianos estabeleceu o que tenho denonimado de noção

historiográfica de revolução sexual agostiniana. Seguindo no propósito de rever esta

historiografia, fundamental para os estudos das sexualidades no contexto de expansão do

cristianismo, inclusive em sua via institucional, o objetivo desta comunicação é, a partir de

reflexões da Teoria Queer, analisar o discurso agostiniano sobre as sexualidades em A Cidade

de Deus, a fim de caracterizar que sexualidade é esta que fora considerada positiva e

revolucionária, verificando quem dela (não) participa. Como a provocação na pergunta do

título sugere, minha hipótese é que a própria afirmação das proposições do hiponense como

positivas já é fruto da heteronormatividade enraizada e tomada como padrão para a análise

histórica hodiernamente. De igual modo, feitas as devidas ressalvas, a noção de

heteronormatividade também ajuda a pensar as proposições de Agostinho no século V.

84

Anexos Góticos da Sé de Lisboa, interpretações e relações

Willian Funke

(Mestrando em História, UFPR)

No presente trabalho pretende-se apresentar algumas possibilidades de interpretação dos

anexos Góticos da Sé de Lisboa enquanto indicativos dos processos políticos e sociais que

ocorriam na cidade e em Portugal durante os séculos XIII e XIV. O edifício original do

templo foi erguido depois da conquista de Lisboa aos muçulmanos em 1147, em estilo

românico. Passados pouco mais de um século a situação era bem diferente. O Tejo já não era

fronteira do reino, mas encontrava-se a meio caminho entre o norte e o sul, e o Rei passava

mais tempo em Lisboa. A Catedral da cidade também ganhava importância e foi alvo de

reformas e acréscimos. No reinado de D. Dinis (1261 – 1325, Rei desde 1279) foram

adicionados ao corpo românico da igreja o claustro, por patrocínio régio, e a Capela de São

Bartolomeu, por iniciativa do comerciante lisboeta Bartolomeu Joanes, o que pode indicar o

aumento da relevância dessa parcela da população na vida da cidade e do reino. Já durante

o período em que D. Afonso IV (1291 – 1357, Rei desde 1325) esteve à frente do reino foi feita

a reconstrução da cabeceira da igreja. Esses elementos adossados ao templo lhe conferiram

novas configuração e funções, alterando a relação da construção com a cidade. A instituição

encabeçada pelo bispo também não ficou sem conhencer alterações, precisando se relacionar

constantemente com os monarcas, os habitantes de Lisboa e as demais componetes da

estrutura religiosa, por vezes de forma conflituosa. Assim, o edifício da Sé de Lisboa foi

marcado pelos acontecimentos desse período. Não existe, porém, concenso sobre o que essas

obras significariam, podendo ser respostas a necessidades decorrentes de intempéries ou da

passagem do tempo, constituição intencional de lugares de memória ou ainda adequações

para mudanças nas demandas às quais o templo era submetido. Este trabalho pretende

apresentar possibilidades e contribuir com essa discussão, enriquecendo o debate sobre o

período de reinado de D. Dinis e D. Afonso IV.

85

Posters

A Cavalaria nos Contos da Cantuária: Análise dos contos do Cavaleiro e do Escudeiro

como possibilidade de entendimento da cavalaria inglesa no século XIV

Alexandre Fernandes Alves (Graduando, UFRGS)

Este trabalho tem como intuito a abordagem da cavalaria na Inglaterra do século

XIV. Visando atingir o objetivo, Os Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer foi o

documento norteador da pesquisa.

Como parte da metodologia elaborada está a análise e comparação da tradução da

obra para o português brasileiro com traduções do inglês médio para a língua inglesa

contemporânea. Os manuscritos que serviram como base para as traduções também serão

mencionados, com suas semelhanças e diferenças.

Também como parte do tópico metodológico encontra-se a discussão das

particularidades dos personagens selecionados, Cavaleiro e Escudeiro. Não apenas como

estes se aproximam do ideal de cavalaria, mas em especial as características que podem os

distanciar do ideal cavalheiresco cristalizado em alguns romances medievais.

Constituindo característica fundamenta deste trabalho, é necessário destacar

algumas análises historiográficas acerca da Cavalaria enquanto ordem dominante no

período medieval. Com o intuito de cumprir este requisito, autores como Alain Demurger,

Jacques Le Goff e Jean Flori serão essenciais para compreendermos o panorama social e

político que permitiu que os cavaleiros pudessem se consolidar (e posteriormente se

reproduzir) como setor dominante da Inglaterra do século XIV.

São Pelágio na Legenda Áurea: Hagiografia ou Crônica?

Augusto Machado Rocha (Graduando, UFRGS)

86

O foco de uma crônica é determinado por quem a escreve, sendo que essa pessoa

possui suas próprias opiniões ou é cativada a escolher um foco sobre determinado

acontecimento. A analise da mobilidade do foco neste capítulo da Legenda Áurea possibilita

uma compreensão sobre a maneira e as escolhas de um cronista escrever sua história,

possibilitando a percepção “dos bons e dos maus”. Tendo uma entidade central (a Igreja)

podemos perceber a diferença de percepção dos que estão ao seu redor em determinadas

situações e ações.

O objetivo deste trabalho é o de buscar responder a seguinte questão: “É possível

analisar o capítulo de São Pelagio da Legenda Áurea como uma crônica, mesmo sendo uma

hagiografia?”. O estudo será feito através da comparação na escrita entre o capítulo ___ que

fala sobre Santa Maria Madalena e como o Capítulo de São Pelágio se diferencia deste,

aproximando-se muito mais de uma crônica do que de uma hagiografia propriamente dita.

Utilizando-se da Legenda Áurea realizaremos um estudo comparado a partir do

Capítulo de São Pelágio, buscando a compreensão do por que e do como ele difere dos

demais registros presentes nesta hagiografia. Portanto nosso recorte espacial está centrado

no momento de escrita da obra (século XIII), pensando-se no momento de sua escrita, no

que viria a se tornar a Itália moderna.

As representações dos judeus nas crônicas da cidade de Colônia

na Idade Média tardia

Christian Arend Kremer (Graduando, UFRGS)

A historiografia medieval no Brasil já se utiliza de crônicas há bastante tempo e com

ótimos resultados. Entretanto, as obras analisadas no Brasil são geralmente restritas ao

contexto ibérico e a temáticas político-econômicas. O trabalho desenvolvido inova ao

apropriar-se de fontes de uma região que é pouco explorada na historiografia medieval

brasileira, que é o caso do Sacro Império Romano-Germânico. Neste âmbito, o presente

trabalho inclui-se em um projeto mais amplo que analisa três eixos temáticos – judeus,

mulheres e praticantes da medicina – nas crônicas das cidades alemãs de Colônia e Mainz.

Entretanto, neste trabalho é feita uma observação apenas da ocorrência e da abordagem dos

judeus, grupo que foi adotado como recorte temático, nas crônicas de Colônia. Assim, a

87

metodologia empregada recorre à análise narratológica das fontes cronísticas desta cidade

para a obtenção de resultados. O recorte proposto pretende observar as formas como judeus

foram pensados e abordados (inclusive estereótipos), e como isto é retratado nas crônicas.

Sabendo da clara fronteira existente entre a medicina “teórica” e a medicina

“prática” durante o período medieval, verifica-se, a partir da análise temática dos relatos

cronísticos, que os judeus - assim como as mulheres - eram fortemente relacionados à

medicina prática, alijados da formação universitária e do sistema de aprendizado, mas

desempenhando funções importantes – e reconhecidas –, no que diz respeito ao cuidado da

saúde da população. Ademais, a prática da medicina misturava-se com crendices e práticas

mágicas e supersticiosas, o que, juntamente do tabu do sangue (vinculado a sacrifícios de

sangue e uso ritual do mesmo), colaborou para o processo de exclusão e estigmatização

deste grupo. É comum, por exemplo, o enquadramento dos judeus como marginais na

sociedade medieval, sendo estes paulatinamente degradados, empobrecidos e

culpabilizados por problemas como aumento de impostos e doenças. Isso pode ser apontado

como um dos principais fatores desencadeadores de comportamentos irracionais como o

antissemitismo e do desenvolvimento de iconografias como a Judensau (porca judia).

Assim, a partir da apropriação da ocorrência de judeus nas crônicas da cidade de Colônia,

pode-se compreender melhor diversas relações sociais e seus desdobramentos, como a

expulsão dos judeus da cidade em questão, ocorrida em 1424.

Malleus Malleficarium e A Camona de Avintes: uma reflexão sobre as diferentes facetas

do discurso inquisitorial a cerca das práticas de feitiçaria

Daniela da Silva Martins (Graduanda, UFSM)

Francisco de Paula Sousa Mendonça Júnior (Doutor, UFSM)

Este trabalho se propõe a apresentar uma reflexão sobre a construção do discurso

inquisitorial a cerca da feitiçaria a partir da comparação e problematização deste nos

manuais e nos processos inquisitoriais. Para realização de tal tarefa focaremos nossa reflexão

na análise de um processo inquisitorial ibérico do início do século XVIII e num dos mais

conhecidos manuais de Inquisição, o Malleus Malleficarium. Esta obra fora escrita em 1486

por monges dominicanos, mas seria ao longo dos três séculos seguintes que se converteria

em um dos manuais indispensáveis para a Inquisição na perseguição às bruxas. Assim,

88

trabalharemos nosso objeto de pesquisa dentro do recorte em que fora produzido o

documento e refletindo sobre os impactos dessa produção nos processos inquisitoriais já no

período de caça às bruxas. O processo inquisitorial utilizado trata do julgamento da

curandeira Maria Gonçalves, também conhecida pela alcunha “A Camona”, que no ano de

1709 fora acusada do crime de superstição e feitiçaria, e teve seu julgamento conduzido pela

Inquisição do Porto. Nossa pesquisa pretende identificar como era o discurso oficial e

perceber de que forma ele era utilizado nos julgamentos, buscando observar como eram

encaradas as práticas de feitiçaria e de que forma sua relação com o pacto demoníaco vai

fazendo com que adquiram significado de bruxaria. Nossa perspectiva teórica e

metodológica está diretamente vinculada à História Cultural, principalmente a partir das

contribuições de Roger Chartier sobre análise de discursos. Também nos pautamos

consideravelmente nas reflexões de Carlo Ginzburg, sobretudo no que diz respeito à

circularidade cultural.

“Mal esteja o Diabo no Inferno”: a figura do Demônio através dos Manuais de

Inquisição e sua relação com as diferentes concepções do Inferno Medieval

Eduardo Leote de Lima (Graduando, UFSM)

Este trabalho apresentará uma reflexão sobre a associação entres as diferentes concepções

de Inferno e as diferentes facetas da figura do Demônio que serão elaboradas ao longo da

Idade Média e que terão influência direta na formulação de manuais de Inquisição dos

Séculos XIV e XV. Deste modo, pretende-se discutir como a população em geral, os

pensadores da Igreja e a própria instituição irão elaborar concepções diferentes sobre o reino

infernal e sobre a figura central desse local, Satanás, como tais concepções se relacionam

entre si e como isso influencia no imaginário sobre tais elementos no final da Idade Média,

de modo que estes adquiram contornos mais nítidos e ares mais ameaçadores. Para isso,

pretende-se pautar inicialmente na análise de dois manuais de Inquisição, o Directorium

Inquisitorum e o Malleus Maleficarum, escritos por volta de 1376 e 1486, respectivamente,

entendidos aqui como expoentes de uma concepção teológica que se alimenta da visão

popular sobre Inferno e Demônio, buscando sistematizar diversos de seus elementos, e que,

ao mesmo tempo, serve de base para a doutrina da Igreja sobre o tema. Assim, será

89

trabalhado o objeto da pesquisa dentro do recorte de produção dos documentos, refletindo

como estes são produtos da complexa e intrincada relação entre as diferentes elaborações

de Inferno e Demônio, e como todo o imaginário construído ao redor deste último nos

manuais de Inquisição, é, portanto, em última análise, não exatamente original: é o resultado

de uma intersecção entre diferentes visões, é toda uma carga de elementos do imaginário

popular, recheados de influência de culturas não-cristãs, que são racionalizados em uma

corrente de pensamento teológica que, por sua vez, também não foge da influência de

pensamentos considerados pagãos. Assim sendo, se faz importante a problematização

destas questões sob um ponto de vista que leve em consideração essa totalidade de

elementos que constituem a poderosa e ameaçadora figura do inimigo número um da

cristandade e de sua morada infernal no fim do período medieval.

Vos Exorciso et Conjuro : Práticas necromânticas no meio eclesiástico germânico do

século XV

Jayme Rodrigues Krum (Graduando, UFSM)

Esta pesquisa tem como objetivo fazer uma análise interna de um manual

necromântico encontrado na Baviera, datado do século XV, para assim retirar informações

relevantes acerca dos praticantes de necromancia e sobre a sociedade eclesiástica germânica

do século XV.

O manuscrito original se encontra no Museu Nacional da Baviera ( Bayerisches

Nationalmuseum ) sob o código de Clm 849: Fold 3r-108v, e foi transcrito no livro

“Forbidden Rites: A Necromacer’s Manual of the fifteenth Century ” por Richard

Kieckhefer.

O documento está majoritariamente em latim eclesiástico e para facilitar a utilização

do mesmo, como fonte para o estudo, foi necessária a divisão dos 47 conjuros em 10

categorias - Saúde, Conhecimento, Social, Maldições, Pessoais, Materiais, Invocações,

Magias, Fragmentos e Outros – Estas divisões se fizeram necessárias porque existem

diferenças significativas entre os conjuros de campos diferentes, por exemplo, os diagramas

performáticos, componentes verbais e demônios, mencionados nas conjurações que buscam

ganhos pessoais, podem ser diferentes nos conjuros que buscam amaldiçoar alguém.

90

Com os aspectos gerais da pesquisa abordados, podemos adentrar nos motivos que

levam a mesma. Utilizando o manual necromântico (Clm 849: Fold 3r-108v) como fonte e a

necromancia medieval como eixo de discussão, desejamos retirar informações pertinentes

do manuscrito para a produção de conhecimento sobre a sociedade eclesiástica germânica

do século XV e o papel da necromancia neste meio eclesiástico.

Relações de Poder e estruturas políticas na Crônica Anglo-saxônica: uma visão sobre os

séculos VII e VIII

Kauê Junior Neckel (Graduando, UFFS)

O trabalho se dispõe a analisar as relações de poder e estruturas políticas dos reinos

anglo-saxões construídas sob a ótica da Crônica Anglo-Saxônica, nos séculos VII e VIII. A

Crônica Anglo-Saxônica trata de um conjunto de sete manuscritos que começaram a ser

escritos no século IX no reino de Wessex durante o reinado de Alfredo, o Grande, e

estenderam sua escrita até o ano de 1154. Nele, constrói-se uma narrativa em que relata os

acontecimentos da ilha britânica desde o nascimento de Cristo até 1154, o ano que o

documento deixa de ser escrito. Aqui, nos atentamos aos séculos VII e VIII, investigando

espaços de construção e desconstrução do poder político, buscando verificar trocas de

reinados e questões sobre hegemonia política. Neste sentido, questões como análises sobre

trocas de poder envolvendo os reinos anglo-saxões mais mencionados no documento –

Wessex, Mércia, Nortúmbria, Ânglia Oriental, Kent e Essex – estão presentes. Todas estas

questões são vistas a partir do pressuposto de que a Crônica Anglo-Saxônica foi escrita no

reino de Wessex, sendo uma fonte carregada de perspectiva política, temporalidade e

diferentes narrativas quando menciona os outros reinos anglo-saxões. Estas narrativas

influenciam na descrição de outros reinos anglo-saxões, aparecendo como uma

problemática ativa de nossa pesquisa. A leitura sobre um espaço de poder na produção da

Crônica Anglo-Saxônica está constantemente relacionada com nossas questões de pesquisa

voltadas ao estudo do poder político. É necessário entender o espaço do rei dentre sua

nobreza e como ele se relaciona com o poder em seu reino, verificando relações que

envolvem desde o entendimento de determinadas posições reais até o próprio conceito de

91

reino a partir do que se constrói na Crônica Anglo-Saxônica. A política e suas relações

externas são elementos presentes em nossas inspeções, fazendo a necessidade de se

visualizar hegemonias de reinos e expansões de seus territórios para pesquisar estas

relações de poder que os reis anglo-saxões estabelecem entre si, buscando verificar o reflexo

que estas relações políticas externas produzem sobre a manutenção do poder dos reis

internamente. Assim, partimos do pressuposto de que é possível realizarmos um estudo da

Crônica Anglo-Saxônica pelo viés de uma história política que nos permite realizar uma

reflexão sobre as relações de poder e suas formas de organização nos reinos mencionados.

Noli Me Tangere: o vitral de Santa Maria Madalena (1495) da Catedral de Barcelona,

perspectivas artísticas, simbólicas e luminosas

Lorena da Silva Vargas (Graduanda, UFG)

Construído em 1495, o vitral de Santa Maria Madalena, mais conhecido por Noli me

tangere, foi o último a ser produzido para a Catedral de Barcelona, composta por cento e

oito vitrais acrescentados entre os séculos XIX e XV. Nele, apresenta-se a cena da

ressurreição de Jesus, na qual Maria Madalena aparece ajoelhada frente a Cristo

ressuscitado, havendo logo abaixo das personagens a inscrição Noli me tangere e ao fundo

uma paisagem com vegetação frondosa. Especificamente, o que cabe neste estudo é a

percepção da luz e da cor enquanto elementos simbólicos que compõem os vitrais, de uma

forma geral, e o de Santa Maria Madalena, de forma específica, partindo de sua análise

enquanto fonte histórica que revela, através da arte, o imaginário social e suas criações

simbólicas. Artisticamente, esse vitral destaca-se ao integrar aspectos dos estilos gótico e

renascentista, e sua composição revela elementos que caracterizam tal processo transitório,

tanto no emprego das cores, associando-se à mensagem da cena representada, quanto na

perspectiva realista e naturalista/paisagística encontrada. A luz, por sua vez, associa-se à

cor enquanto fragmento luminoso e natural, fazendo do vitral instrumento de aproximação

entre Deus e os homens.

Disputa simbólica e barbárie na representação do saxão em a Destruição Britânica e Sua

Conquista (540-546), do monge Gildas

Luciana Araújo De Souza

92

A presente pesquisa, orientada pelo Prof. Paulo Duarte Silva no âmbito do Pem-

UFRJ, tem por objetivo problematizar a caracterização do bárbaro, substantivo adjetivador

daqueles povos que adentraram no ocidente romano durante as migrações germânicas, feita

pelos monge Gildas, em A destruição Britânica e sua Conquista (540-546).

Levando em consideração a região da Britannia como uma das componentes de tal

território romano, busca-se enfocar na chegada dos saxões e seu assentamento como

realidade de contraposição à ordem romano-bretã estabelecida à priori: ou seja, a chegada

dos saxões correspondeu a uma alteração da organização estabelecida anteriormente.

Pretende-se então demonstrar como a representação do saxão como um bárbaro na

citada obra corresponderia a essa reação supracitada sobre a chegada de tais grupos.

Ressalta-se que tal reação, em um plano mais amplo e correspondente a outras obras do

mesmo período a saber, remete a dois modelos que divergem em conteúdo: um deles

constrói a memória de tais grupos de forma valorada e se vê associado a projetos

monárquicos, e o outro corresponde a um rechaçamento de tais grupos.

Ambos os modelos tem a mesma finalidade – a de inserir os grupos “bárbaros” no

universo simbólico pré-estabelecido na região, além de ser indicativo da situação política

estabelecida/em mudança.

Deste modo, nosso principal objetivo é analisar a forma como a representação dos

grupos recém chegados, como os saxões, pautava-se em caracteres associados à definições

de civilização e barbárie, levando em consideração uma narrativa de extrema violência, nos

possibilitando assim estabelecer conexões entre a chegada de tais grupos, a realidade

política da Britannia e a recepção de um representante da Igreja.

A Jornada de Pampinéia em Decameron: peste negra, trauma e o medo de um

castigo de Deus associado à criação de uma utopia de moral religiosa

Rafaella Schmitz dos Santos (Graduanda, UFSC)

A obra de Giovanni Boccaccio, "Decameron", escrita entre 1348 e 1353 é analisada no

presente trabalho enquanto uma literatura que permeia problemas e acontecimentos da vida

cotidiana e simbólico-religiosa da sociedade medieval italiana. A peste negra, um dos

principais medos que assolam a vida da sociedade neste período, faz com que o autor

imagine um cenário de refúgio, o qual temos a intenção de retratar como utópico após o uso

93

da metodologia hermenêutica de moral religiosa para a construção do seu retrato. Partindo

da fonte, trataremos como moral o que percebemos enquanto vícios e virtudes. A relação

dos vícios e virtudes como constituintes dessa moral religiosa com a percepção periódica e

também linear do tempo histórico, apresenta, para o presente trabalho, a necessidade da

obra de defender os pecados cristãos em relação ao medo do fim dos tempos. Assim,

podemos nos apoiar num certo pressuposto medieval de explicar a peste negra enquanto

um castigo de Deus. Ainda neste sentido, a partir da análise da peste enquanto uma

experiência traumática, é possível indagar se o trauma enquanto fenômeno social pode

constituir um elemento importante dentro da criação desta utopia. É a partir da jornada de

Pampinéia que pretendemos trabalhar a relação entre um tempo periódico, sendo este ritual

ou litúrgico, associado a um tempo linear, sendo este escatológico. Para a criação da utopia,

estas duas perspectivas temporais se relacionam seja para encontrar um jeito melhor de lidar

com as desgraças mundanas, seja para defender os pecados que teriam levado à decadência

deste espaço medieval. Em contraposição à este espaço abatido e através da criação de um

cenário imagético, a utopia se manifesta em um majestoso castelo, com lindos bosques,

roupas belas, banquetes, danças e histórias de vícios “justificáveis”. Assim, busca-se

demonstrar que as duas formas de percepção temporal trabalham justamente com a acepção

de Reinhart Koselleck de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”, além do

diálogo com Jörn Rüsen para o entendimento do trauma histórico. Para tanto, a metodologia

epistemológica também se faz essencial.

A expansão mediterrânea aragonesa e as Vésperas Sicilianas: construção narrativa para

um (futuro) império marítimo?

Vinícius Silveira Cerentini (Graduando, PIBIC/CNPq-UFRGS)

A presente pesquisa tem por objetivo analisar duas crônicas catalãs dos séculos XIII

e XIV para entender como a conquista da Sicília a partir da rebelião das Vésperas Sicilianas

pela Coroa Aragonesa é construída pelos narradores. As duas crônicas fazem parte de um

corpo documental mais vasto nomeado de “As quatro grandes crônicas” – Les quatre grans

cròniques, em catalão – que englobam uma mais antiga, de Jaime I de Aragão, e uma mais

moderna, de Afonso III, o Benigno. As duas narrativas analisadas situam-se entre ambas as

94

referidas. El llibre del rey En Pere e dels seus antecessors passats, ou crônica de Bernat

Desclot, foi escrita em 1288 pelo escrivão do rei Pedro III, o monarca no trono aragonês à

época das Vésperas Sicilianas. A segunda crônica chamada geralmente de Crònica Calatana,

ou Crônica de Ramon Muntaner, foi escrita no primeiro quarto do século XIV – c. 1328 – e

abarca um período que vai de Jaime I (1207) a Afonso III (1327). Muntaner trabalhou a

serviço do rei e viajou por todo o Mediterrâneo. Seus escritos são fontes importantes para o

entendimento da expansão aragonesa no período. A análise das duas crônicas servirá para,

em trabalho posterior, contrapor a outras crônicas escritas na Península Itálica (analisadas

em trabalho anterior) e que também fazem referências às Vésperas Sicilianas e à conquista

da ilha pelos aragoneses de Pedro III, o Grande. Juntamente com a análise das crônicas para

entendimento da construção narrativa da conquista da Sicília pretende-se analisar os usos

do passado em crônicas posteriores aos eventos a partir da construção narrativa empregada

nas crônicas contemporâneas a eles. Este é o principal objetivo do trabalho aqui

apresentado, que constitui a proposta de TCC e um futuro projeto de dissertação de

mestrado.

A formação da religiosidade etíope entre os séculos V e XVI

Vitor Borges da Cunha (Graduando, UFRGS)

Neste trabalho, pretendo apresentar a formação da religiosidade etíope entre

os séculos V e XVI. Esse recorte cronológico foi escolhido por dois motivos: primeiro, por

conta das modificações que essa religiosidade sofreu com o tempo devido a contatos e

dominações que a região foi alvo ao longo do tempo, a saber: axumitas e sua religiosidade

influenciada por diferentes culturas, em um primeiro momento, e que, a partir do século VI,

passam a ser mais fortemente influenciados pelo cristianismo monofisista; povos de origem

semita, que trazem características judaicas para a religião ; e muçulmanos, que, a partir do

século X até o XIV, exercem um controle político e comercial na região e que, por conta disso,

influenciam a religião local .

O segundo motivo para o recorte cronológico escolhido é devido à fonte que

trabalhamos, Verdade Informaçam das Terras do Preste Ioam, escrita por Francisco Álvares ,

franciscano português que integrou uma embaixada portuguesa ao Império Etíope no início

da década de 1520, a qual culminou com a publicação de sua obra por volta de 1540. A partir

95

de sua obra, podemos perceber esses traços da religiosidade etíope que se desenvolveram

ao longo do tempo, uma vez que as características da crença local são um dos pontos

abordados na obra de Francisco.

Traçando um panorama da religião etíope a partir de uma fonte exógena,

poderemos traçar tanto a cultura local quanto questões relacionadas à produção de relatos

de viagens europeus, algo que, como aponta Rafael Afonso Gonçalvez, em sua dissertação

de mestrado , se modificou fortemente no século XIII em diante.