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1 XII Seminário Nacional TCMSP Educação Ambiental Mudança de Cultura Período: 26 a 28 de novembro de 2007 Dia: 26/11/2007 Palestrante: Marcelo Lamy Diretor da Escola Superior de Direito Constitucional Tema: Educação Ambiental Formal O Sr. Mestre-de-cerimônias – Esta Corte de Contas tem o prazer de receber o doutor Marcelo Lamy, advogado e consultor jurídico, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Paraná, mestre em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo, doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP, diretor da Escola Superior de Direito Constitucional, coordenador e professor da pós-graduação “lato sensu” em Direito Constitucional da Escola Superior de Direito Constitucional, avaliador de condições de ensino do INEP e do MEC, conselheiro internacional e professor convidado do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal, secretário da Associação Brasileira dos Constitucionalistas – Instituto Pimenta Bueno, diretor da Revista Brasileira de Direito Constitucional, dos Cadernos Interdisciplinares Luso-brasileiros e da Revista “Notando”. Membro do Conselho Editorial da Revista Internacional “The Humanitas”, diretor do Núcleo Pensamento e Criatividade, Escuela de Pensamiento y Criatividad, de Madri, do Núcleo Humanidades, Centro de Estudos Medievais Oriente e Ocidente da Faculdade de Educação da USP, do Núcleo Direito Interdisciplinar também do Instituto Jurídico Internacional. Consultor da coordenadoria acadêmica de Ciências Políticas e Sistema Constitucional do Núcleo de Desenvolvimento Acadêmico da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, OAB-SP.

XII Seminário Nacional TCMSP Educação Ambiental Mudança … · da Escola Superior de Direito Constitucional, avaliador de condições de ensino do INEP e do MEC, conselheiro internacional

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XII Seminário Nacional TCMSP

Educação Ambiental

Mudança de Cultura

Período: 26 a 28 de novembro de 2007

Dia: 26/11/2007

Palestrante: Marcelo Lamy

Diretor da Escola Superior de Direito Constitucional

Tema: Educação Ambiental Formal

O Sr. Mestre-de-cerimônias – Esta Corte de Contas tem o

prazer de receber o doutor Marcelo Lamy, advogado e consultor

jurídico, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal

do Paraná, mestre em Direito Administrativo pela Universidade de

São Paulo, doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP,

diretor da Escola Superior de Direito Constitucional, coordenador e

professor da pós-graduação “lato sensu” em Direito Constitucional

da Escola Superior de Direito Constitucional, avaliador de

condições de ensino do INEP e do MEC, conselheiro internacional e

professor convidado do Instituto Jurídico Interdisciplinar da

Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal, secretário

da Associação Brasileira dos Constitucionalistas – Instituto

Pimenta Bueno, diretor da Revista Brasileira de Direito

Constitucional, dos Cadernos Interdisciplinares Luso-brasileiros e

da Revista “Notando”. Membro do Conselho Editorial da Revista

Internacional “The Humanitas”, diretor do Núcleo Pensamento e

Criatividade, Escuela de Pensamiento y Criatividad, de Madri, do

Núcleo Humanidades, Centro de Estudos Medievais Oriente e Ocidente

da Faculdade de Educação da USP, do Núcleo Direito Interdisciplinar

também do Instituto Jurídico Internacional. Consultor da

coordenadoria acadêmica de Ciências Políticas e Sistema

Constitucional do Núcleo de Desenvolvimento Acadêmico da Ordem dos

Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, OAB-SP.

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Doutor Marcelo Lamy, mais uma vez, é uma honra para esta

Casa, para esta Corte, receber tão ilustre presença no momento é um

prazer maior ainda de ouvi-lo.

O Sr. Presidente Antonio Carlos Caruso – Com a palavra,

então, o ilustre palestrante, o doutor Marcelo Lamy, grande

jurista, grande amigo desta Corte de Contas também.

Muito obrigado, doutor Lamy, por sua presença, mais uma

vez enriquecendo os trabalhos desta tarde.

O Sr. Marcelo Lamy – Boa tarde a todos. Em primeiro

lugar, não posso deixar de agradecer veementemente o doutor Caruso:

primeiro pelo presente que nós dá, com esse seminário – é um

presente para a nossa cidade, é um presente para o nosso país, é um

presente para todos nós, educadores –, e em segundo lugar pela

oportunidade de estar aqui, ao seu lado, e de compartilhar algo

que, para minha a vida de história pessoal, é insignificante. Eu

aprendi muito da minha vida profissional com o doutor Toshio Mukai.

Eu tive a alegria, a felicidade de trabalhar em seu escritório. Eu

tive a felicidade de compartilhar diversos e diversos dias com o

doutor Toshio, e diria que o pouco que sou, devo totalmente ao

doutor Toshio. Obrigado, Toshio; estar nesse seminário, ao seu

lado, para mim, é emocionante, muito tocante. De coração, muito

obrigado pelo que me ensinou para a vida.

Portanto, eu devo desculpas a todos, porque parece que

começo chorando, mas acho que os sentimentos do coração não

precisam ficar fora de nós – fazem parte da nossa vida, e nisto não

há problema algum.

Também é uma alegria muito grande estar aqui ao lado do

doutor Marcos Tadeu. Eu diria, infelizmente nem no intervalo pude

conversar com o doutor Marcos Tadeu, porque, pelo que eu conheço de

sua vida, de sua dedicação ao estudo da questão ambiental, eu

queria muito ter lhe pedido, antes de iniciar a palestra, que vá me

passando uns bilhetinhos, me dando umas dicas do que nós podemos

falar, porque sei que a sua especialidade, a sua dedicação à

questão ambiental é muito marcante. E, se não puder fazer esse

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bilhetinhos, que, no final, por favor, nos brinde com os seus

ensinamentos também.

Agora, de qualquer forma, falar depois do doutor Daniel

Fink, falar depois do doutor Toshio Mukai, é um desafio. Talvez os

que tenham ficado, todos que tenham ficado até este momento neste

seminário estejam se perguntando: “Vamos ficar para ver quem é essa

figura que está aí, vamos ver quem é, o que é isso.” Aos que já nos

deixaram no dia de hoje, que retornarão amanhã, mas que já nos

deixaram, talvez tenham sido mais presenteados. No entanto, a

curiosidade de todos me beneficia. Não é fácil falar depois desses

dois baluartes, logicamente, depois de todos que se expuseram nesse

evento, mais especial nesta tarde depois do doutor Toshio, doutor

Daniel Fink.

Ainda mais tendo a tarefa de tratar de um tema, a

Educação Ambiental Formal, que eu não posso deixar de provocar ao

doutor Toshio, deixar de provocar ao doutor Daniel Fink, com

relação à importância desse tema. Eu diria assim: parece óbvio para

todos nós que qualquer política pública – qualquer, em que área

seja –, para que ela se implante efetivamente e traga resultados

efetivos, é necessário uma educação. É necessário criar a cultura

da implementação da política pública. Nesse sentido, a educação

informal – ou a não-formal, porque essas duas espécies, da não-

formal e a informal – tem papel muito relevante.

Mas paremos para pensar. Nós temos uma estrutura já

criada, consolidada, com as suas mazelas, mas está espalhada pelo

Brasil todo, em todos os recantos, uma estrutura para explicar o

que é a questão ambiental, ou a questão da saúde, ou a questão do

sexo, ou a questão da ética – nós temos uma estrutura já

consolidada. Um investimento vultuosíssimo já feito. E desprezar a

educação formal quando vamos falar da educação ambiental seria uma

inocência, seria uma estupidez. Não foi o que nenhum dos que me

antecederam falou, mas o que eu quero ressaltar é que a educação

formal ambiental deve ser a menina dos nossos olhos; deve ser a

pepita mais lapidada, para que nós pensemos em algo possível de se

modificar a cultura ambiental. E algo que está aí; já está

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consolidado, já está gasto o dinheiro para a educação formal.

Agora, é preciso aperfeiçoar o que já está investido.

Desta forma, esse tema da educação ambiental formal, eu

acredito que deveria estar até mais amplificado aqui no Seminário,

mas eu compreendo a necessidade do Seminário querer abranger todos

os temas, discutir todos os temas.

Por essa importância que tem a educação formal, a

responsabilidade maior me cabe, porque eu sou o único que falará

expressamente desse tema. E eu preciso pontuar algumas coisas que

me parecem muito relevantes para a educação ambiental formal. Dois

apontamentos eu gostaria – me deu vontade, hoje, vou ser sincero

para vocês, mas deu vontade, hoje; eu já tinha preparado essa

palestra, inclusive pontuado os tópicos aqui, mas eu tive uma

vontade, hoje, de pegar essa palestra e jogar fora. Por dois

motivos. Hoje, quando eu levantei, saiu uma reportagem na Folha de

São Paulo, eu trouxe aqui, a entrevista de segunda. Não sei se

vocês leram a entrevista de segunda, que apresenta a entrevista com

o mineiro Tião Rocha, que foi agora premiado como o empreendedor

social de 2007. Ele fala algumas coisas, aqui, nesta entrevista,

que talvez calem muito no nosso coração, traduza muito do que nós

pensamos, mas destrói a educação formal, destrói a educação

ambiental, se mal utilizado esse pensamento. Vamos dizer algumas

das frases dele: “A escola formal não está só na forma; está dentro

da fôrma. O pior é quando está no formol. É um cadáver.” Não é

mentira, o que o Tião Rocha está falando. Ele está relatando um

empreendimento maravilhoso – que é um grande pedagogo, esse Tião

Rocha, cria diversas pedagogias novas, pedagogia da roda, pedagogia

do sabão, pedagogia do brinquedo, pedagogia do abraço. Fascinante:

leiam e consultem. Realmente, é um educador para que nós imitemos.

Mas o meu medo de afirmações dessa natureza é que calem no nosso

coração, estas frases, e resolvamos abandonar a educação formal.

“Olhe, o negócio é as ONGs, o negócio é os projetos de políticas

públicas; olhe, vamos educar o Estado, vai fazer uma série de

projetos para ensinar a cultura, a conscientizar, e a escola não. A

escola não adianta, está falida. Está no formol.” “A escola formal

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não está só na forma, está dentro da fôrma. Pior, está no formol.”

Isso é terrível. É uma constatação verdadeira. Mas isto é terrível.

Que nós sabemos que os alunos vão para a escola já sem

alegria, já sabemos. Que os alunos vão para a escola, preocupados

em tirar notas, e não em aprender; preocupados em passar no

vestibular; preocupados em ter um bom comportamento. As crianças

vão às escolas e comportam-se, para que os pais não sejam chamados,

e não porque elas queiram se comportar bem. Essa falência no estilo

pedagógico, essa falência na escola, nós sabemos que isso existe.

Mas nós não podemos nos conformar com isso. É possível, sim, que as

pessoas vão à escola com alegria; é possível retirar o medo da

escola; é possível que as crianças vão e reclamem: “Ah, hoje não

tem aula?” É possível. E há diversos modelos que demonstram que

isso acontece. E aqui em São Paulo, inclusive. Inclusive em uma

escola municipal, que eu tenho conhecimento, é encantador o projeto

que se faz ao fim de semana.

O que me preocupa, então... Por que eu fiquei com vontade

de rasgar a minha exposição, hoje, é isto. Será que vale a pena eu

falar de uma série de coisas aqui com que eu me preparei para falar

a todos aqui, diversos aqui são educadores também, se essa cultura

da escola falida estiver em nossa mente não vai adiantar nada. Não

adianta. Se nós já pensamos que perdemos o campeonato, nós perdemos

mesmo. E aqui eu não estou falando de”O Segredo”, não. Mas é que

essa questão: se nós não temos uma atitude ativa, se nós não temos

o peito aberto para lutar pela vida, para lutar pela educação, para

mudar a sociedade, ela não vai mudar. Não vai mesmo. Então me

preocupou demais em ler esta entrevista. Tem idéias maravilhosas

aqui. Por exemplo, uma das criações fascinantes do Tião Rocha, foi

o seguinte: constatou-se que as crianças andam muito tempo de

ônibus para chegar nas escolas. É no interior de Minas. Aqui em São

Paulo, quem dirá mais, não é?

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O Sr. Marcelo Lamy – Então o que nós vamos fazer? “Ah,

vamos colocar professor dentro do ônibus, e dentro do ônibus vamos

ensinar; vamos ter atividades educativas dentro do ônibus.” E deu

certo. É a pedagogia do ônibus. Então é possível mudar a realidade,

é possível criar encantamentos, é possível que a educação seja

gostosa. Mas cuidado: se entrar em nossa mente essa idéia de que a

escola... Olhem a manchete do jornal: “Essa escola é formal, não

serve para educar ninguém.” Se isso estiver em nossas mentes, é

melhor passarmos para as próximas palestras. Quer dizer, não

adianta. A educação formal tem um papel que eu defendo como o mais

importante em todo o processo de educação ambiental.

Toda a preocupação – vejam todos os documentos

internacionais, desde a Carta de Belgrado, em 1975 –, todos os

documentos internacionais, todos os documentos nacionais, a Lei da

Política Nacional Ambiental, a Declaração de Brasília, todos os

documentos sérios para todos aqueles que estudam a questão da

educação ambiental são unânimes em uma coisa que o Doutor Caruso

traduziu muito bem. O Doutor Caruso, no folheto do nosso evento,

fala especialmente o seguinte: “A crise ambiental em que vivemos

reflete um estilo de vida fundado no consumismo desenfreado, na

lógica do ganho, na cumulação de bens e no domínio da natureza e do

mundo.” E lá no final: “Não é o clima do planeta que deve mudar,

como desastrosamente vem ocorrendo, mas as nossas atitudes e nossos

comportamentos.”

Ora, essa questão de que a educação ambiental está

voltada à mudança de atitudes, a mudança de comportamentos, isso é

patente em todos os documentos internacionais sobre a educação

ambiental, é patente em toda a legislação nacional, nas diretrizes

curriculares nacionais. É patente essa questão de que a educação

visa a mudança de comportamento. Portanto, quem está voltado a

educar as crianças para terem novos comportamentos deve fazer um

exame pessoal, pelo menos. “Qual é o comportamento que eu tenho?”

Porque não é porque eu vou repetir o que está na lei nacional do

meio ambiente que eu estou dando educação ambiental. A preocupação

na educação ambiental não é a transmissão de conhecimento, embora

esteja junto – é mudança de comportamento. É atitude. Atuar,

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efetivamente, para a resolução dos problemas ambientais. Ora, se o

educador não está com isto incorporado, não será a escola formal.

Aí, realmente, “a escola formal estará no formol”. É verdade. Então

a primeira preocupação é essa.

Então, em minha exposição, eu pensei em dois aspectos

relevantes para que nós pensássemos sobre a educação ambiental

formal. Eu já perdi um tempão aqui falando só da minha preocupação

de por que eu quase rasguei essa palestra. Primeiro, os pontos

centrais em que se ancoram, do ponto de vista jurídico – porque eu

não posso trair a minha origem, eu sou advogado –, os pontos

centrais que explicam o porquê da educação ambiental. E segundo, o

que é mudar de comportamento? O que é mudar de atitude? E aí eu

fujo da área jurídica e vou para a área filosófica.

A área jurídica é mais fácil. Eu diria para vocês o

seguinte. O Professor Toshio já nos alertou: a Constituição Federal

dá o parâmetro. “Todos têm o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes

e futuras gerações.” Doutor Toshio apontou: nós preservamos para as

presentes e futuras gerações. Doutor Fink também apontou. Quer

dizer, por que se preserva o meio ambiente? Preserva-se o meio

ambiente pelo homem. Isso é opção da nossa Constituição. Eu posso

ser acusado, se Capra estivesse aqui, agora, acusaria o nosso

direito de uma ecologia rasa. Essa é a expressão que o Capra usa.

Porque a ecologia profunda já tomou consciência de que o homem é um

fio da teia da vida, e não o condutor da vida; essa é a ecologia

profunda. Mas a nossa Constituição optou pela ecologia rasa. “O

homem é a finalidade da proteção ao meio ambiente”, apesar de isso

estar estreitamente superado na mentalidade da educação ambiental

mundial, a nossa Constituição não foi modificada ainda nesse

assunto.

De qualquer forma, ainda o artigo 225 diz que a educação

ambiental deve estar presente em todos os níveis de ensino. Todos

os níveis de ensino. Aqui, no Tribunal de Contas, que tem uma

Escola de vanguarda, que tem uma Escola que lança um curso de pós-

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graduação que tem parâmetros de competitividade jamais vistos na

pós-graduação do Brasil, há que dar educação ambiental em todos os

cursos da Escola de Contas do Tribunal de Contas. É o que coloca a

Constituição e a educação ambiental em todos os níveis de ensino,

não importa que escola seja, em que nível seja. É ensino? Tem que

ter educação ambiental.

Mais ainda, a nossa Constituição aponta, no 205, que a

educação tem três finalidades: o pleno desenvolvimento da pessoa

humana, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação

para o trabalho. Nossa Constituição foi compromissória – sabe

aquela constituição que quer agradar todo mundo? São as três

tendências da educação da história do homem. A Grécia educava o

homem para ser guerreiro, educava o homem para o Estado: preparo

para o exercício da cidadania. A sociedade industrial preparava o

homem, sua educação, para ser operário: é preparação para o

trabalho. E eternamente se discute, na educação, como finalidade o

desenvolvimento do homem. Nossa Constituição diz que a educação

deve atingir tudo, todas as finalidades. Mas, entre todas essas

finalidades, deve permear a educação ambiental.

Então, quando nós preparamos alguém para o trabalho, nós

devemos ter em conta do que o trabalho é compatível ou incompatível

com os limites de proteção ao meio ambiente. Quando nós preparamos

alguém para exercer a cidadania, não podemos esquecer que faz parte

da cidadania tomar o destino das questões ambientais; isso o

Professor Toshio falou muito bem. Quando nós lembramos do pleno

desenvolvimento da pessoa, nós temos que resgatar também a questão

ambiental – para que a pessoa seja completa, ela é completa

realizando-se no meio ambiente. Poderíamos explorar muito isso daí.

E, por fim, um último artigo da Constituição Federal –

são vários que poderiam ser levantados para a questão ambiental,

mas relevantes para essa abordagem “educação ambiental formal”. O

artigo 210 diz que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino

fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e

respeito aos valores culturais, artísticos, nacionais, regionais.

Para aqueles que não são da área jurídica, talvez isso não soe tão

estranho. Mas para quem é da área jurídica, preste atenção em uma

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situação. Uma norma jurídica, de hierarquia superior, chamada

Constituição, diz que o ensino deve respeitar os valores. Sabem os

juristas que “valor”, por muitos e muitos teóricos do Direito, é

algo paralelo ao Direito. Paralelo. Não é do interesse do Direito.

O positivismo implantado na ciência jurídica, coloca o valor como

algo à parte. Essa é uma questão de política, não de direito. Ora,

nossa Constituição faz uma opção: é do Direito a proteção dos

valores. Isso volta à mesma questão: a educação ambiental é

formação de comportamento, é formação de atitudes, é construção de

valores. Nossa Constituição aponta, portanto, uma compatibilidade

com os documentos internacionais e apresenta como norte que a

educação deve ser uma educação de valores, uma educação que

desenvolva a pessoa, como o Professor Toshio falava da dignidade da

pessoa humana.

Eu lembrava só quando o Professor Toshio falava da

dignidade, da questão que Kant nos coloca: como nós esquecemos a

noção de dever. Diz o Kant que o dever fundamental de cada um de

nós é a perfeição própria e a felicidade alheia. E é curioso,

porque parece que a sociedade atual inverteu a equação: a perfeição

não é mais própria, nós queremos a perfeição alheia, e a felicidade

própria. Nós invertemos a equação dos direitos e deveres, que a

nossa sociedade vive assim. “Eu me preocupo com os meus direitos,

eu não me preocupo com os meus deveres.” E a dignidade, diz lá

Kant, se realiza pelo exercício dos deveres. E assim nós

conseguimos enxergar como nós nos tornamos dignos respeitando o

meio ambiente, porque o dever nos torna dignos. É curiosa, essa

situação de que nós invertemos a equação.

Não bastasse a Constituição, ainda vem a Lei da Política

Nacional da Educação Ambiental e estabelece um elo de ligação

inafastável, dizendo que a defesa da qualidade ambiental é um valor

inseparável do exercício da cidadania. Não é possível que

construamos a cidadania sem a defesa da qualidade ambiental. Mais

ainda, diz que a educação ambiental é fundada no princípio da

solidariedade; é fundada no princípio da responsabilidade – eu só

estou destacando algumas partes, porque são mais fundamentos, mas

são aqueles fundamentos que talvez nós nem saibamos o que são.

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Solidariedade não é “peninha dos pobres”, não é

“caridade, filantropia”. Isso não é solidariedade. Eu diria para

todos o seguinte, talvez eu pudesse traduzir da seguinte forma: se

um irmão nosso pega câncer, nós nos afetamos. Tanto quanto ele, nós

nos abalamos. Talvez nós nos abalemos até mais do que o nosso

irmão. Essa simpatia – de ter a mesma “pathos”, “sim” + “patia”,

“patia” de “pathos”, “paixão”, “sentir a mesma paixão” – ou

empatia, isso traduz o que é solidariedade, de forma que, se nós

abrimos o jornal e vemos o que vemos, nós deveríamos chorar todos

os dias. Chorar. Chorar. Mas não, porque isso está longe de nós; e

nós vamos criando defesas, para ficarmos pessoas frias e

calculistas – e nós criamos defesas, aqui em São Paulo, para não

nos importar que tem uma pessoa maltrapilha na rua. Nós vamos

criando isso. Ora, a solidariedade tem muito mais a ver com isto do

que com essas esmolas que nós distribuamos. Isso não é

solidariedade.

Responsabilidade é “responder por”, “responder pelos

atos”. Não adianta pensar que somos livres, que nós fazemos o que

queremos. Não. Nós respondemos pelo que nós fazemos. Apesar de, no

passado, não ser crime, se nós soltamos balão no passado, nós

respondemos por isso – se algum dano foi provocado, respondemos do

mesmo jeito, mesmo não estando na lei. A resposta.

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O Sr. Marcelo Lamy – Esses fundamentos da Política

Nacional de Educação Ambiental são fundamentos que nós devemos

refletir se nós já os compreendemos; porque se não os

compreendermos, talvez, realmente, estejamos falando do mundo dos

formóis.

De qualquer forma, a educação ambiental, diz a nossa lei

de Política Nacional, a Lei nº 9.795/99, no seu artigo 10,

parágrafo primeiro: “Não deve ser implantada como disciplina

específica no currículo do ensino.” E aqui eu me debato com um

problema seríssimo. Vocês vão ter uma professora que vai lhes

falar, que é brilhantíssima, amanhã, a Professora Eda, que vai

falar sobre a interdisciplinaridade. Aprendam com ela, não comigo,

essa questão: esse parágrafo primeiro, do artigo 10 é uma

confissão, na nossa legislação, do que nós somos incompetentes.

Fala assim: “Não funciona educar por disciplina, então vamos

proibir que a educação ambiental seja por disciplina?” É o que está

escrito lá. “A educação ambiental não deve ser implantada como

disciplina no currículo do ensino.” Quer dizer, não pode, porque

não funciona. Agora, o que é isso? Parem para pensar: se a educação

por disciplina não funciona, será que não é melhor extinguir as

disciplinas?

É aquele raciocínio que nas discussões ambientais é

comum, mas eu vou repetir aqui; olhem a falta de ética que nós

todos temos e concordamos. Isso eu vivenciei: estava no terceiro

ano da minha faculdade, em Curitiba, fui fazer estágio na

Secretaria de Administração do Estado do Paraná, em um prédio

construído pelo grandíssimo arquiteto Niemeyer. E a Secretaria de

Administração tinha o Departamento Jurídico no subsolo. As pessoas

que conhecem, às vezes, as construções do Niemeyer, com todo o

perdão, talvez já estejam antecipando qual é o problema de um

departamento no subsolo de uma construção de uma cidade úmida como

Curitiba. O que acontece? Todas as pessoas que trabalhavam no

subsolo tinham um adicional de insalubridade. Então a nossa conduta

é tão anti-ética, o desrespeito aos homens é tão grande, que, ao

invés de nós proibirmos um trabalho insalubre, nós premiamos. E as

pessoas, às vezes até lutavam: “Será que não dá para ir para o

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departamento lá, porque daí eu ganho o adicional?” É terrível,

isso, nós negociarmos com a saúde alheia, com a vida, às vezes, o

encurtamento da vida alheia, com um prêmio, só, por que se recebe

um pouco a mais por mês.

Como a nossa sociedade é anti-ética e irrefletida. Então

nós fazemos assim. Em vez de acabar com a insalubridade – “olhe,

reforme o prédio, chame lá o Niemeyer, vamos resolver essa

situação” –, não, nós damos um “tapa-buraco”. Então, a educação por

disciplina para que não está funcionando no Brasil. Então a

educação ambiental, que é a lei concreta, “vamos proibir que seja

educado por disciplina; tem que ser pelo método transversal.” De

temas transversais. Aí é eleger os cinco temas transversais e

agora: “Professores, aprendam a educar com métodos transversais.”

Eu não tenho dúvida, eu sou um defensor dos temas

transversais. Não pensem que eu sou contrário à educação dos temas

transversais, até porque o pensador espanhol Afonso López Quintás –

que foi um dos criadores dessa tecnologia pedagógica –, eu o admiro

muito, e sou um leitor assíduo de todos os seus livros. Ele tem

mais ou menos uns 60 livros; eu cheguei na metade dos livros dele.

Ele é o criador dessa teoria, dos temas transversais; um brilhante

pedagogo espanhol. Eu sou favorável aos temas transversais – eu

acho que eles funcionam muito mais porque a vida é transversal. É a

mesma coisa daqueles estudantes do Direitos que querem se

especializar: “Ah, como o Professor Toshio.” Chega um aluno dele,

pelo brilho de suas exposições, e fala: “Ah, eu quero ser um

especialista em licitações.” Só vai estudar Lei de Licitações e

esquece o resto. E esquece que, na Lei de Licitações, tem questões

criminais, tem questões tributárias – o Direito também é

transversal. A vida é transversal. Não dá para pensar por

departamentos, por especialidades; então eu sou favorável à

educação pela transversalidade, para quebrar justamente o

artificialismo da educação que torna a educação enfadonha, chata,

realmente. Ou algum de vocês gostava de estudar os capítulos das

nossas aulas? O capítulo das histórias, de um instituto? Nós não

gostamos porque está descontextualizado.

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Eu não consigo entender por que as escolas, por exemplo,

não pensam assim: “Estamos na Grécia.” Então o professor de

Matemática vai ensinar o que os gregos descobriram de Matemática.

Professor de Geografia, olhem, ensinar a geografia da Grécia.

Professor de História, história da Grécia. Professor de Português,

peguem os textos gregos para vocês aprenderem a língua através de

textos gregos. Eu não consigo entender por que não fazer isso.

Ficaria mais gostoso; o ensino ficaria mais gostoso. Nós

aprenderíamos épocas na sua completitude. Bem, isso aí eu tenho que

encerrar, porque senão...

A educação ambiental não deve ser implantada como

disciplina específica no currículo de ensino. É uma ordem jurídica;

nós devemos obediência; então, a educação formal se dá por temas

transversais. Ainda mais, na regulamentação desta lei nacional, o

Decreto nº 4.281/02 aponta, então, como referência de como deve ser

a educação formal, os parâmetros e diretrizes curriculares

nacionais, que são os grandes documentos que criaram, no Brasil, a

educação por esse modo transversal. Vocês terão uma exposição sobre

o modo transversal, então eu me abstenho de aprofundar essa

discussão.

Mas nestes parâmetros curriculares nacionais, documento

de 1997 de nosso país, no livro específico da questão ambiental,

volta-se ao tema que o Doutor Caruso, aqui no folheto, colocou

muito bem. Diz expressamente este documento: “Tarefa importante

para o professor, associado ao tema do meio ambiente, é de

favorecer ao aluno reconhecimento de fatores que produzam real bem-

estar.” Olhem que curioso: “Fatores que produzam real bem-estar.”

“Ajudá-lo a desenvolver um espírito de crítica às induções ao

consumismo e o senso de responsabilidade e solidariedade no uso dos

bens comuns e recursos naturais, de modo a respeitar o ambiente, as

pessoas e a sua comunidade. A questão ambiental, mais à frente, no

ensino de primeiro grau, centra-se principalmente no

desenvolvimento de valores, atitudes e posturas éticas.” Primeiro

que me parece que os PCNs criaram, no Brasil, um resgate

maravilhoso para a nossa educação. Falar assim: “Quando vamos

educar, é para educar para a vida. Por isso nós vamos falar dos

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fatores que produzam real bem-estar. É preciso ensinar as crianças,

é preciso ensinar a todos o que nos faz feliz. O que nos faz

feliz.” E, nesse sentido, nesse ponto dos parâmetros curriculares e

nessa luz que os PCNs nos deram, que é preciso ensinar, que o

espírito crítico é avesso a essa manipulação do consumismo, essa

manipulação da irresponsabilidade, a manipulação do individualismo

– essas manipulações que criaram a nossa sociedade, a nossa

cultura.

Essa luz que o PCN nos trouxe, em 97, que certamente

ainda é pouco desenvolvida nos bancos escolares, nos fez resgatar

um pensador que eu gostaria que todos nós tivéssemos lido para,

agora, debater este pensador, e não que eu tenha que apresentar as

idéias desse autor. Chama-se Bertrand Russell. Bertrand Russell

escreve um livro chamado “On Education”, em 1926, dirigido aos

pais, não dirigido às escolas. Não é sobre educação formal, no

sentido escolar. Neste livro, ele discute a formação das crianças

de zero a seis anos, porque é nesta fase que se forma o caráter de

uma criança, defende Bertrand Russell, com todos os apontamentos –

e isso é confirmado pela ciência até hoje, pelo médicos e pelos

psicólogos, que muito do caráter se forma nesta idade.

Como educar uma criança até os seis anos de idade? E isto

é educação formal também porque essas crianças chegam às escolas

com essa idade. Neste ponto, me parece de uma lucidez o Bertrand

Russell, que eu vejo que é um homem não do seu tempo, é mais

avançado, talvez, do que nós. Ele nos aponta o seguinte: “Olhem, o

homem pode ser educado para várias coisas.” Nós podemos educar um

homem para ser um bom advogado, para ser um bom engenheiro, para

ser um bom médico, para ser um bom pai, para ser um bom operário,

para ser um bom chefe de família. Nós podemos educar o homem para

várias finalidades. Cada homem tem um destino particular nesta

vida, e vai ser educado para o que lhe apetecer ou para o que o

acaso lhe trouxer, mas há características que todos os homens

necessitam ter; todos os homens necessitam ter para serem felizes.

Todos os homens precisam de quatro características, e

estas são as características pelas quais ele escreve este livro

inteiro. Então, se nós estamos falando que o homem precisa mudar de

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comportamento, precisa mudar de atitude, quer dizer, que atitudes

são essas, básicas de todo e qualquer homem, que precisam ser

modificadas para que a educação ambiental formal exista?

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O Sr. Marcelo Lamy – Vejam que a educação ambiental

formal está colocada não para transmitir conhecimentos, conteúdo,

dados, informações, estatísticas, não é para isso que está colocada

a educação ambiental formal. Ela está colocada para modificar o

comportamento e as atitudes. Ora que comportamento e atitudes são

esses? O que é possível? O que é necessário para todo homem? São

quatro características que Bertrand Russell aponta: vitalidade,

coragem, sensibilidade e inteligência, mas é preciso entender cada

uma delas e, nesses pontos, quero deixar um especial recado.

Vitalidade. Não é possível existir educação, seja

ambiental, seja saúde, seja sexo, seja ética, estou pegando os

temas transversais, ou, seja geografia, seja história, seja

português, seja matemática. Não haverá educação se não houver

vitalidade. Se a criança, o adolescente, o adulto não tem

vitalidade, ou ele não absorve nada, ou ele dorme, ou ele desmaia,

é o primeiro aspecto que é a vitalidade física. Mas, a preocupação

de Bertrand Russell não é vitalidade física, é vitalidade

espiritual. É o prazer de sentir-se vivo, o interesse pelas coisas,

a sensação que as coisas do mundo nos fazem felizes. Essa

vitalidade está sendo afogada na sociedade moderna – isso, Bertrand

Russell já falava em 1926 -, por uma espécie de acídia.

Acídia é traduzida nos dias de hoje pela palavra

preguiça, que não é a mesma coisa que acídia, mas traduz uma parte

do que é acídia. Acídia é uma espécie de tristeza contagiante que

nós faz duas coisas: ou não nos entusiasmamos pela grandeza, pelo

que podemos ser, pelo que podemos fazer, pelo que podemos

transformar, ou afogarmos nossas preocupações como a Daria

Aleksandrovna, a russa da Anna Karenina, que afogava os seus

desgostos no dia-a-dia dos seus afazeres. Nós também afogamos os

nossos desgostos, a nossa falta de mudança de vida, a nossa falta

de conquistas, não fazer muitas coisas. O “fazer muito, fazer

muito, fazer muito” é uma forma de acídia, é uma forma de preguiça,

veja que curioso, como muda o significado das palavras.

A preocupação de Bertrand Russell é que o homem para ser

educado em vitalidade que é o oposto da acídia. É preciso vida, é

preciso energia, é preciso afastar a tristeza para que aquela

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expressão de Píndaro: “Torna-te o que és” não seja esquecida.

“Torna-te o que és”. Todos nós somos chamados a nos tornarmos o que

somos, homens, homens que lideram, que modificam, que são livres,

responsáveis e que amam. E nós nos esquecemos disso porque estamos

afogados na acídia. Então, essa é a primeira característica que

Bertrand Russell nos aponta como... É para isso que serve, é este

comportamento que nós devemos afogar.

E aqueles que não perceberam em si a acídia, porque a

acídia está em todos nós, nos maiores e menores, percebam também

nos outros. As crianças, cada vez mais, afogam a sua falta de

realização nos afazeres, seja o afazer de ficar no vídeo-game o dia

inteiro, quer dizer, perde o sabor da vida. E como é que se pensa

em educação ambiental, se uma criança de hoje poucas vezes tem o

prazer de colocar uma água numa planta? Pode ser um vasinho dentro

de casa, pôr uma agüinha e ver a planta crescer, ou pegar um

feijãozinho e colocar lá no algodão molhado e fazer brotar. Isso é

participar do que as coisas externas nos trazem de alegria. Isso é

uma forma de vitalidade. Eu não vou poder ampliar todas as

conseqüências da vitalidade para a questão ambiental, mas vocês

enxergam isso já, eu tenho certeza.

A segunda característica. É preciso modificar o

comportamento para que a educação ambiental seja efetiva. Primeiro

comportamento é vitalidade. Segundo comportamento é coragem, o

oposto da covardia. Os homens ficam ofendidos se falamos que não

temos coragem e as mulheres podem estar pensando: “Mas isso é coisa

para homem.”. Coragem, talvez, seja uma tradução que Bertrand

Russell fez de algo que é apontado por Tomás de Aquino e apontado

por Aristóteles já, como uma virtude cardeal, que faz os pontos

cardeais, que fazem a estrutura do ser humano que é a virtude da

fortaleza. Coragem é aquele que é forte, não porque é “marombado” e

tomou uns anabolizantes, mas porque ele é forte de espírito.

A coragem passa por dois aspectos, há dois pressupostos

para que exista coragem. E nós devemos pensar se isso está em nós e

nós pudemos produzir isso nos outros. Temos que tomar cuidado. Nós

falávamos, semana passada aqui, sobre a liberdade com Dr. Caruso,

discutimos bastante a liberdade. Eu diria que há uma espécie de,

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parece que está cheio de anúncios pelo mundo, cheio de anúncios

invisíveis espalhados pelo mundo, de uma espécie de sistemas

intelectuais dominadores. Está se vendendo aí em todos os cantos

segurança em troca de escravidão. Em todos os cantos se vende

segurança em troca de escravidão. Pensem nas religiões, pensem nas

ideologias, elas vendem segurança em troca de escravidão. Pensem

bem nisso.

E logicamente que sem a liberdade não haverá coragem, não

há fortaleza, não há possibilidade de modificar sem liberdade. Mas,

ultrapassando a liberdade, a coragem só existe se, primeiro, temos

respeito a nós mesmos, que é algo que, talvez, nós pensemos pouco,

porque nós somos acostumados a viver da opinião do vizinho. Não

adianta. O vizinho é terrível e a vizinha, então. A vizinha, eu

digo, em função dos homens, porque o homem logicamente dá muito

mais valor à opinião da vizinha.

Nós vivemos governados pela opinião dos outros. Nós somos

espelhos do que os outros querem que nós sejamos. Daí, nós

querermos ser corajosos, fortes, diferentes, ser admirado por

todos. Se nós queremos ser admirados, nós não somos corajosos. Se

nós temos pavor de perder a consideração pública, temos pavor de

perder a estima pública, é porque nós não somos corajosos. Nós

certamente não faremos o que queremos fazer.

E quanto que as nossas crianças são criadas assim? O

quanto são criadas para aprender a agradar. As coisas mais

ridículas do mundo. Eu já me peguei em diversas situações, como

diria Fernando Pessoa, “Ah, estou farto de semideuses.”. Todos são

príncipes. Só eu que sou ridículo. Só eu que trai, só eu que tomei

emprestado sem pagar, parece que todos são deuses. Se Fernando

Pessoa não sou eu, mas eu já me peguei em situações tão ridículas,

por exemplo, de batendo palma para o meu filho porque ele comeu.

Isso é ridículo. Nós estamos, eu estou criando uma cultura no meu

filho de que ele come para me agradar e não porque ele está com

fome, e não porque ele tem necessidade. Nós fazemos isso, coisas

tão ridículas como essas criam nossas crianças para serem crianças

que vivem pela admiração, vivem pela consideração alheia.

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Outra necessidade da coragem, para que exista coragem, é

a visão impessoal da vida. Nós temos a doença da “unbiguite”. Toda

a nossa vida nós enxergamos através de nós mesmos e todo o

referencial são as minhas preocupações, o que eu quero fazer e

“hoje, eu não estou bem...”, quer dizer, nós temos essa visão

pessoal da vida muito marcada. Como é que nós vamos valorizar as

coisas alheias se nós vemos o mundo por nós mesmos? Nós precisamos

construir essa visão impessoal e nós só passamos a ter coragem

quando nós temos menos importância.

O homem corajoso ou a mulher corajosa, o que é muito mais

comum, a mulher corajosa é aquela que passa por cima de si mesma.

Coragem precisa disso. E o meio ambiente precisa disso. Precisa que

nós passemos por isso do que ficar para a fala que nós somos da

ecologia rasa. Só haverá a proteção do meio ambiente quando nós

entendermos que o meio ambiente é tão importante quanto nós. Essa

cultura cristã que nos foi incutida de que o homem é o ser do

universo é perigosa, porque nós passamos a ser os déspotas do mundo

e tudo está a nosso serviço.

O certo é que a fortaleza ou a coragem nasce da

inteligência, da vontade e do braço, deste tripé. Só vai ser

corajoso aquele que ensinarmos a usar a inteligência, usar a

vontade e usar o braço. O que eu quero dizer com isso? A coragem

nasce de um centro de convicções. Estar convicto de algumas coisas

e não porque eu fui manipulado, não porque eu sou marionete na mão

dos outros, isso não é coragem. Isso é burrice, é manipulação.

Então, a coragem existe de um centro de convicções, de alguém que

aprendeu a amar, amar de verdade.

Há um pensador espanhol que fala muito bem assim: “Amas?

Amas como um avaro ama seu ouro? Ou queres? Queres como um avaro

quer o seu ouro? Não? Então, não queres.”. Às vezes, falamos que

queremos alguma coisa, que amamos alguma coisa, mas não é tanto

assim, um querer tão profundo. É porque desaprendemos a amar. É

preciso aprender a amar de verdade, ter um centro de convicções e

fazer o que se deve. Isso é coragem.

Eu diria como remédio para o comportamento que trará

conseqüências ambientais terríveis, e benéficas também. Terríveis

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nesse sentido, benéficas, marcantes pela amplitude. É de algo que

nos esquecemos, de um pensamento de vários pensadores religiosos:

temos que fazer o que se deve e estar no que se faz. Fazer o que se

deve, nós, volta e meia, nos lembramos.

Mas, estar no que se faz, parece incrível, esquecemos

isso e isso faz com que nós ajamos com mais felicidade, com um

comportamento mais adequado. Fazemos uma coisa já pensando no que

tem que fazer depois. Vamos dormir pensando nas coisas que temos

que fazer no dia seguinte. Não é assim a música? Assim, você nem

dorme, nem faz as coisas. Então, é melhor não dormir e fazer as

coisas? Mas, a nossa vida é essa neura de não estar no que se faz.

Agora, é a palestra, então, agora é o horário da palestra. Daqui a

pouco, é o horário da pizza. Ficamos naquela neura, nos remoendo.

Dizem que isso é um conto medieval clássico, mas já

passamos o tempo demais, que conta o seguinte: a grande arma do

demônio para cultivar o preguiçoso é a ansiedade. Cultivar a

ansiedade pela próxima coisa que ele tem que fazer, porque ele fica

tão ansioso pela próxima que ele nem faz a atual e acaba não

fazendo nenhuma. É assim que se cria a preguiça. Esse é um mito

medieval.

Terceira qualidade necessária para a educação e mudança

de comportamento: sensibilidade. Eu teria que contar, talvez, eu já

falei para vocês da simpatia? Simpatia pela solidariedade. Mas, sem

sensibilidade, não é possível pensarmos em educação ambiental e não

é possível pensarmos em seres humanos verdadeiros. Não basta criar

a sensibilidade nas pessoas, é criar a sensibilidade adequada. Não

é porque, agora, qualquer coisa que façamos, vamos desabar em

choros e lamúrias, porque somos sensíveis. Não. É preciso despertar

a reação adequada àquilo que nós temos que ser sensíveis.

Bertrand Russell nos fala: “Uma grande porção dos males

do mundo moderno deixaria de existir se pudéssemos remediar esse

fato, isto é, se pudéssemos aumentar a capacidade para a simpatia

abstrata.”. A sensibilidade, a simpatia, se existisse, muito do que

está no nosso mundo não aconteceria. Nós jogamos lixo, abrimos a

janela do carro e jogamos lixo, porque aquilo não nos afeta, não é

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nosso. Eu nunca vi ninguém jogar lixo em si mesmo. Eu nunca vi. Nem

louco eu vi fazer isso.

Eu tive uma experiência muito peculiar na minha vida e,

talvez, isso explique um pouco de mim, com todo o hilário que isto

é, mas, eu, durante dois anos, prestei serviços num manicômio e eu

nunca vi nenhum louco comer “merda”, nem passar em si mesmo, nem

jogar dinheiro fora. Nunca vi no manicômio.

Então, me parece que muitos dos nossos problemas

ambientais é isso: nós não somos sensíveis à coisa alheia, ela não

nos interessa. Diz o mito de Píndaro, quando ele descreve que Zeus

faz uma festa no Olimpo para mostrar aos outros deuses, porque Zeus

era todo metido - não sei se vocês têm essa visão -, Zeus era o

“cara”. Zeus faz uma festa no Olimpo e convoca todos os deuses do

Olimpo para ver o que ele tinha feito. Ele tinha criado o homem.

Faz aquela cena toda, todos no banquete, lá na festa no Olimpo,

chega o momento crucial, ele abre as cortinas e mostra para todos

os deuses: “Olhem o que eu criei.”. Automaticamente, todos os

deuses se espantam com a obra que Zeus criou, pelo fascínio do que

Zeus criou. No entanto, lá no fundo, levanta a mão um dos deuses –

não fala o mito qual era o deus, talvez fosse Hermes -, e fala para

Zeus: “Ah, mas tem uma falha. Tem um defeito de fabricação neste

ser que você criou.”. Zeus fica possesso, “Como eu tive uma falha

do que eu criei? Eu, Zeus?”. O outro deus, que não sabemos quem é,

fala: “O homem é um ser que esquece. Esse é o grande problema do

homem. Esquece de quem ele é, esquece de que é criatura, pensa que

é criador. Esquece das coisas importantes da vida.”.

Nós não nos esquecemos do cheque que está para cair na

nossa conta. Nós não esquecemos uma festa que estamos esperando há

muito tempo. Mas, nos esquecemos de quem somos. Esta falta de

sensibilidade para a humanidade é o que perturba a educação

ambiental.

Como é que vamos criar o homem dentro de um meio e

valorizar esse meio, se esquecemos de quem nós somos? Mas, para não

nos desesperarmos, o que faz Zeus? Cria as musas com a finalidade

de lembrar o homem de quem ele é. As musas, as artes fazem lembrar

o homem de quem ele é, fazem o homem ganhar a sensibilidade

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necessária. No entanto, a educação formal, infelizmente, está

abandonando as musas. Cada vez menos se vê arte na educação. É

triste isso, mas é algo com que nós devemos nos preocupar. É pela

arte também que nós criaremos comportamentos e lembraremos do meio

ambiente para as pessoas.

Por fim, última característica, e já fecho aqui, assim

não me demoro mais, inteligência. A inteligência não é acúmulo de

conhecimentos, é capacidade para conhecer. Aprender a aprender,

diriam os pedagogos, é o que interessa como comportamento e

atitude. Inteligente não é aquele que tem muitas informações no seu

bolso, inteligente é aquele que pára e sabe pensar. Nisso, é

perigoso para todos aqueles professores, em qual me incluo, que

parece que depois de pensarmos tantas coisas, estudar tanto,

conviver com pessoas mais sábias aqui, ao meu lado, em ambos os

lados, nós começamos a achar que sabemos alguma coisa. E, achando

isso, ao encontrar com os nossos alunos, nós queremos ensinar-lhes

o que nós sabemos.

Assim, criaremos alunos que vão anotar o que nós sabemos,

que vão anotar para tirar boas notas e nós voltamos para o ciclo do

começo da palestra. A escola perde sua alegria. Por mais sábio que

um professor seja, se realmente sábio é, tem que parar de ensinar,

tem que começar a aprender com os alunos. E, aí, volta-se às

questões dos temas transversais. É a solução de problemas e se os

professores sábios sabem tanto as soluções dos problemas, que nos

mandem rapidinho, porque faremos os projetos, políticas públicas e

leis e resolvemos. Resolvemos o nosso país, a nossa sociedade.

É preciso aprender. Para criar a cultura do aprender a

aprender, o professor precisa descobrir que ele não é um gênio.

Isso é difícil, porque nós estamos acostumados com essa neura de

acharmos que nós estamos preparados para ser professores.

De qualquer forma, eu diria o seguinte. Eu tenho uma

convicção que eu quero deixar-lhes como conclusão da minha

exposição. Confirmando os ensinamentos do Professor Toshio, mostrei

a vocês que sei muito pouca coisa, por isso falei tanto. Mas, tenho

uma convicção e, talvez, essa não ser minha, ser de um grande

pensador alemão, possa lhes deixar como mensagem de esperança para

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educação ambiental formal. Trata-se do pensamento do escritor Ernst

Jünger, não confundam com o psicólogo, esse aqui era tenente-

coronel do Exército alemão. O seu livro “Heliópolis” diz o

seguinte: “Sabe que existe duas espécies de homens: os simplórios e

os iniciados.” – é uma espécie de sociedade futura -, “Os primeiros

são os escravos. Os segundos os senhores. Bem, onde está a

diferença? Muito simples. Duas grandes leis regem o universo, o

acaso e a necessidade. Lembre-se bem disso. Não existem outras leis

além dessas duas. O acaso e a necessidade. Os escravos são

governados pelo acaso, os senhores governam o acaso. No seio do

exército de cegos anônimos, existem alguns espíritos que

enxergam.”.

Eu sei que, nesse auditório, os meus colegas, estamos

entre espíritos que enxergam, que governam o acaso. Então, eu diria

com a minha convicção religiosa junto, pelo amor de Deus, deixemos

de achar que a questão ambiental é o acaso, é a catástrofe que nos

assola. Nós as fizemos, mas nós as podemos retificar, nós podemos

mudar o meio ambiente e a nossa educação.

Muito obrigado.