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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS INSTITUTO DE PSICOLOGIA / PROGRAMA EICOS MESTRADO EM PSICOSSOCIOLOGIA DE COMUNIDADES E ECOLOGIA SOCIAL DEBORAH CRISTINA CAVALCANTI CASTOR XINÃ BENA, DINÂMICAS DE UM NOVO TEMPO: Desenvolvimento e Cultura entre os Kaxinawa do rio Jordão. Rio de Janeiro 2012

XINÃ BENA, DINÂMICAS DE UM NOVO TEMPOpos.eicos.psicologia.ufrj.br/wp-content/uploads/deborahcastor.pdf · 5 AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente aos meus pais, Sady e Tania, por

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS

INSTITUTO DE PSICOLOGIA / PROGRAMA EICOS

MESTRADO EM PSICOSSOCIOLOGIA DE COMUNIDADES E ECOLOGIA SOCIAL

DEBORAH CRISTINA CAVALCANTI CASTOR

XINÃ BENA, DINÂMICAS DE UM NOVO TEMPO:

Desenvolvimento e Cultura entre os Kaxinawa do rio Jordão.

Rio de Janeiro

2012

2

DEBORAH CRISTINA CAVALCANTI CASTOR

XINÃ BENA, DINÂMICAS DE UM NOVO TEMPO:

Desenvolvimento e Cultura entre os Kaxinawa do rio Jordão.

Projeto de Pesquisa apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social (EICOS),

Instituto de Psicologia, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro a fim de obter título de Mestre

em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia

Social.

Orientadora: Tania Maria Freitas Barros Maciel

Rio de Janeiro

2012

3

DEBORAH CRISTINA CAVALCANTI CASTOR

XINÃ BENA, DINÂMICAS DE UM NOVO TEMPO:

Desenvolvimento e Cultura entre os Kaxinawa do rio Jordão.

Projeto de Pesquisa apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social (EICOS),

Instituto de Psicologia, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro a fim de obter título de Mestre

em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia

Social.

Orientadora: Tania Barros Maciel

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Tania Barros Maciel – Orientadora

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Maria Inácia D´Ávila Neto

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Elsje Maria Lagrou

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

2012

4

Dedico este trabalho aos meus

pais e a todo o povo Kaxinawá,

em especial, ao pajé Ikamuru,

Augustinho.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente aos meus pais, Sady e Tania, por terem apoiado desde o princípio a minha

iniciativa de fazer mestrado. E, sobretudo por terem acompanhado todos os meus momentos na

floresta, e terem me incentivado a concretizar meus sonhos, apesar da grande preocupação com as

minhas idas à floresta. Agradeço também a meus irmãos Samuel e Ana Beatriz, por todos os dias de

convivência, pelos momentos de alegria e conselhos. Muito obrigado família amada!

Agradeço, à Rainha da Floresta e todos os Huni Kuin (Kaxinawa), que sempre me acolheram e

participaram da pesquisa com alegria e entusiasmo. Sem a colaboração de vocês este trabalho não

poderia existir. Meu agradecimento especial ao pajé Ikamuru, Augustinho, Dani, sua esposa, Itsairu,

Itsaka, Tadeu, Ayani, e todos os demais da aldeia Centro de Memória São Joaquim pelo espírito de

colaboração e pelo acolhimento que me foi proporcionado. A Ozélia, Jandira, Ixã e Tene, que me

acompanharam durante dias e dias nas jornadas de canoa pelo rio Jordão afora me ensinando os

segredos da floresta e, sobretudo a ter tranqüilidade para entrar nela. Agradeço muito a

oportunidade de convivência com pessoas especiais como o professor Ibã, grande cantador e agora

um grande amigo. Agradeço ao pajé Duabussã e a todos os Kaxinawa do rio Jordão.

Agradeço também ao Sabino, Txanu, Basíani, Neshane, Renato, Íris... , enfim a toda essa grande

família da floresta por sua grande boa vontade em me receber, em me proporcionar informações

preciosas para o desenvolvimento da minha dissertação.

Um agradecimento todo especial ao Siã, Fabiano e Bane, pelo acolhimento nos seus lares, pela

companhia amiga, orientações e ensinamentos que certamente levarei para o resto da minha vida.

Enfim, gostaria de registrar que tudo que produzi nessa dissertação certamente representa um

pequeno retrato desses bravos brasileiros, sua história e sua riqueza sócio cultural. Um povo que

apesar das adversidades passadas e presentes nunca perderam a esperança de serem reconhecidos e

respeitados enquanto cidadãos e cidadãs brasileiras e, sobretudo como cidadãos do mundo.

À Rede Povos da Floresta, Ailton Krenak, João Fortes, Alice Fortes, Dominique Aguiar e Virgínia

Gandres, amigos do coração que me apresentaram a floresta amazônica, apoiaram e acreditaram no

meu potencial. Muito obrigado!

Ao Museu do Índio, o diretor Levinho e Simone Melo, que confiaram em mim, e possibilitaram

minhas idas ao Jordão. Em especial a professora Els Lagrou, grande estudiosa dos Kaxinawa, que

me recebeu em sua sala de aula, estando sempre disposta a me ajudar a desenvolver esta pesquisa.

Ao aceitar o convite para participar da Banca Examinadora na Qualificação, me apontou caminhos

preciosos, além de abrir portas que possibilitaram a realização da pesquisa. Meu sincero

agradecimento.

Ao Txai Terri que sempre me recebeu de braços e sorrisos abertos, me doou diversos livros sobre os

povos indígenas do Acre, e foi quem iniciou o trabalho com os Kaxinawa do Jordão e me inspirou a

buscar mais conhecimento sobre esse povo. Muito obrigada, Txai Terri, haux haux!

Agradeço à professora e orientadora Tania Maria de Freitas Barros Maciel por ter acreditado no

meu projeto de pesquisa desde o início, sempre apoiando o encontro das leituras pertinentes ao

assunto e por ter me incentivado a pesquisar aquilo que amo. Pela ajuda indispensável nos

momentos de dificuldade, pela amizade e carinho. Muito, muito obrigada.

Aos professores do Programa EICOS por me ajudarem a expandir meus conhecimentos, em

6

especial a professora Maria Inácia D´Ávila Neto, pela qual tenho grande respeito e admiração. Por

ter me apoiado nos momentos difíceis, por ter me orientado na busca teórica desta pesquisa e ainda

compor a Banca Examinadora na Qualificação apontando valiosas contribuições. Gratidão,

professora.

Agradeço imensamente ao amado companheiro Bruno Pereira, que esteve pacientemente comigo

nesta jornada, me ensinando a magia de viver todos os dias com alegria e amor.

Agradeço ainda aos queridos amigos que foram essenciais nesta conquista: Vania Nagem, Fernando

Castro, Juliana Nabuco, Manuela Berardo, Carol Mattos, Camilla Coutinho, Gabriel Rosa, Sérvulo

Neto, João Carlos Almeida, Patrícia Roseano, Mariana Barcellos, Alexandre Crop, Mirela Dias,

Daniel Garza e Lucas Gonçalves.

Agradeço imensamente aos amados mestres de Siddha Yoga Gurumayi, Muktananda e Nityananda

por sempre enviarem as suas bençãos em minha vida. Om Namah Shivaya.

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Resumo

CASTOR, Deborah. Xinã Bena, dinâmicas de um Novo Tempo: Desenvolvimento e Cultura entre

os Kaxinawa do rio Jordão. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social) - Instituto de Psicologia Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, 2012.

A presente dissertação de mestrado foi realizada através de uma ótica interdisciplinar, guiada pela

perspectiva psicossociológica. Através de uma pesquisa qualitativa, teve como objetivo investigar

as concepções e expectativas de desenvolvimento das lideranças do grupo indígena Kaxinawa, que

habita o rio Jordão, na fronteira entre o Brasil e o Peru, que forma a população indígena mais

numerosa do estado do Acre. Para tanto, as reflexões foram fundamentadas a partir das

contribuições teóricas do desenvolvimento que sinalizam a centralidade da cultura para o

desenvolvimento humano, e surgem como alternativas críticas à concepção de desenvolvimento

clássica, baseada no crescimento econômico. A pesquisa também contou com o estudo das questões

centrais ao desenvolvimento no século XXI, destacando o agravamento da crise socioambiental,

bem como o contexto de crescente visibilidade internacional da Amazônia, e suas repercussões para

a vida Kaxinawa. O estudo foi realizado a partir da análise qualitativa baseada na pesquisa

bibliográfica e documental, na pesquisa de campo – em que foram realizadas observação simples e

participante e entrevistas informais e semi-estruturadas. Os dados obtidos foram submetidos ao

procedimento da Análise de Conteúdo, a partir da ordenação do conteúdo em unidades temáticas.

Os principais resultados da pesquisa revelaram que os Kaxinawa do rio Jordão vivem um novo

processo de desenvolvimento e de identidades onde, na concepção e expectativa de

desenvolvimento das lideranças, a cultura aparece como algo que quase se perdeu na época dos

massacres e que agora precisa ser recuperada e registrada pelas gerações presentes, para garantir

que seja mantida para as futuras gerações. Neste processo, a pesquisa evidencia aspectos de

hibridação da cultura Kaxinawa com a cultura não índia. A fim de discutir as questões levantadas, o

estudo contou com a problematização do paradigma da cultura e dos processos de hibridação e

constituição de identidades culturais trazidos pelos Estudos Culturais. Para tanto, foi necessário

considerar as especificidades da cosmologia Kaxinawa, estudadas pela antropologia e pelas

observações de campo na aldeia Centro de Memória São Joaquim, um espaço de fomento e registro

das práticas culturais deste povo, criada em 2007 com o intuito de se tornar uma Universidade da

Floresta.

Palavras-chave:

Desenvolvimento; Cultura; Kaxinawa

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Abstract:

CASTOR, Deborah. Xinã Bena, dynamics of a New Age: Culture and Development between

Kaxinawa of the Jordan River. Rio de Janeiro, 2012.Dissertation (Master in Social Psychology and

Social Ecology of Communities) - Institute of Psychology, Federal University of Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

This dissertation was accomplished through a multidisciplinary perspective, guided by social

psychological perspective. Through a qualitative research aimed to investigate the views and

expectations of leadership development Kaxinawa the indigenous group that inhabits the Jordão

river on the border between Brazil and Peru and forms the most numerous indigenous population of

the state of Acre. To this end, discussions were based from the development of theoretical

contributions that signal the centrality of culture to human development, and emerge as critical

alternatives to the classical concept of development based on economic growth. The survey also

included the study of issues central to development in the twenty-first century, highlighting the

worsening social and environmental as well as the context of increasing international visibility of

the Amazon and its repercussions for life Kaxinawa. The study was conducted from the qualitative

analysis based on bibliographical research and documentary research in the field - they were made

simple and participant observation and informal interviews and semi-structured. The data were

subjected to content analysis procedure, from the ordering of content in thematic units. The main

results of the survey revealed that Kaxinawa of the Jordão river live a new process of identity

development and where, in the design and expectation of leadership development, culture appears

as a well that was almost lost at the time of the massacres and who must now be retrieved and

recorded by the present generation to ensure that is maintained for future generations. In this

process, the research highlights aspects of culture Kaxinawa hybridization with non-Indian

culture. In order to discuss the issues raised, the study included the questioning of the paradigm of

culture and processes of hybridization and formation of cultural identities brought about by cultural

studies. Thus, it was necessary to consider the specifics of cosmology Kaxinawa, studied

anthropology and the field observations in the village San Joaquin Memorial Center, an area of

development and registration of cultural practices of this people, created in 2007 with the intention

of becoming a Forest University.

Keywords:

Development, Cultural Identity; Kaxinawa.

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LISTA DE SIGLAS

ACMA – A ssociação de Cultura e Meio Ambiente do Rio de Janeiro

ACIH – Associação de Cultura Indígena do Humaitá

AMMAIAC – Associação do Movimento de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre

ASKARJ – Associação de Seringueiros Kaxinawa do Rio Jordão

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento

CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre

EICOS – Programa de Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ISA – Instituto Socioambiental

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MinC – Ministério da Cultura

OI – Organizações Indígenas (Ois)

ONU – Organização das Nações Unidas

OPIAC – Organização dos professores indígenas do Acre

PPA – Plano Plurianual

SPI – Serviço de Proteção aos Índios

SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais

SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

TI – Terras Indígena

UFAC – Universidade Federal do Acre

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

WWF – World Wide Fund

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: Mapa de localização dos povos indígenas do Brasil

FIGURA 02: Mapa de Terras Protegidas do Acre.

FIGURA 03: “Tempo do cativeiro”

FIGURA 04: Yorenka Ãtame

FIGURA 05: O poder da transformação

FIGURA 06: “Roupa”

FIGURA 07: Dau e Kene

FIGURA 08: Medicinas da floresta: rapé e raíz utilizada como colírio

FIGURA 09: Pajé Ikamuru em ritual com a Jiboia

FIGURA 10: Ritual de cura

FIGURA 11: Mulheres da aldeia Novo Segredo assam a caça

FIGURA 12: Casas Kaxinawa

FIGURA 13: As três Terras Indígenas Kaxinawa no município do Jordão

FIGURA 14: Diário de trabalho Kaxinawa

FIGURA 15: Venda de artefatos

FIGURA 16: Cacique Siã e Carlos Minc

FIGURA 17: Kene

FIGURA 18: Participação Kaxinawa em evento de diversidade cultural do MinC no RJ.

FIGURA 19: Documentação da memória Kaxinawa

FIGURA 20: Tene Nivaldo registra o trabalho das mulheres

FIGURA 21: Alunos da “escola viva” na Samaúma

FIGURA 22: Mariri no Centro de Memória

FIGURA 23: Placa no Centro de Memória

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SUMÁRIO

Introdução ...……………………………………………………………….................. 13

Capítulo I………………….......…………...........................................………...........17

1.1 Breve panorama indígena no Brasil …………………………………….....17

1.2 Povos Indígenas no estado do Acre..................................................................18

1.3 Raízes históricas ……………………………………………....…....…….... 22

1.4 Do “tempo dos direitos” à Xinã Bena ............................................................ 28

Capítulo II – Cultura e Desenvolvimento …..........................................……….......38

2.1 A emergência de novas racionalidades para o desenvolvimento .................... 38

2.2 Concepção do Desenvolvimento: uma produção ativa ................................... 41

2.3 Cultura, identidade e Globalização: termos no plural ………….................... 44

2.4 Especificidades da cosmologia Kaxinawa ...................................................... 47

2.5 Brasil: processos de significação .................................................................... 59

2.6 As representações do senso comum sobre os povos indígenas ....................... 61

Capítulo III – Caminhos da Pesquisa.............................................................…........ 65

3.1 Fundamentos da Pesquisa……………………………………………...........… 65

3.2 Etapas Metodológicas ……………………………………………………....... 65

3.2.1 Pesquisa bibliográfica e documental ……………………..........……....…. 66

3.2.2 Pesquisa de campo ....................................................................................... 66

3.2.3 Análise dos dados ......................................................................................... 71

Capítulo IV – A nálise dos Dados…......………………..................………................. 74

4.1 A organização da sobrevivência da vida na floresta .......................................... 74

4.2 A Cultura Viva ................................................................................................. 104

4.3 O Centro de Memória ...................................................................................... 119

Capítulo V – Discussão dos Dados …………..............……………….........……...... 128

Considerações Finais..................................................................................................... 137

12

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 140

ANEXOS ......................................................................................................................... 150

Anexo A ............................................................................................................................ 151

Anexo B ............................................................................................................................ 154

13

Introdução

Bioma de grande relevância à sobrevivência do planeta e da espécie humana, a preservação

e conservação da Amazônia tem sido, de forma crescente, um dos principais eixos dos debates

socioambientais internacionais e das campanhas anti desmatamento mundiais. Sua história, assim

como os dias atuais, está marcada pela exploração econômica predatória que dizimou centenas de

grupos humanos que viviam em sociedades complexas, através da relação com a floresta.

Não obstante às diferentes realidades sociais que vivem atualmente na Amazônia, a presente

pesquisa de dissertação de mestrado realizou um estudo de caso com o grupo indígena mais

numeroso do estado do Acre: os Kaxinawa. Com uma população de mais de 4.500 indígenas, este

grupo étnico tem se destacado na região, enquanto um grupo populoso que manteve viva sua língua

materna, seus cantos, danças e rituais, mesmo após o histórico de massacre que sofreram (ISA,

2011).

No início do século XX, os Kaxinawa sofreram diversas invasões territoriais em função da

exploração dos recursos naturais da floresta (seringueiros e caucheiros). Esses períodos em que

viveram praticamente em movimento de fuga das sucessivas invasões, e pelo domínio dos patrões

da seringa, foram registrados como o “tempo das correrias” e o “tempo do cativeiro”. Um longo

período que também formatou os caminhos geográficos seguidos pelo grupo, e a divisão do mesmo

em dois grandes territórios, a porção da população Kaxinawa que se refugiou no Peru e a porção

que se localizou no lado brasileiro da Amazônia.

Em 1988, com a Constituinte, uma nova fase foi inaugurada na vida desse grupo com a

criação do marco legal que reconheceu os direitos das populações indígenas do país. A partir dos

anos de 1990, os Kaxinawa passaram a receber apoio de diferentes instituições, criaram suas

associações, estabeleceram parcerias e colocaram em pratica diferentes projetos e programas de

desenvolvimento (CPI-AC, 2011). E na perspectiva do cenário socioambiental de busca por

aproximação das questões ambientais com grupos humanos, começaram a surgir novas formas de

relações entre índios e não índios.

Sob ao ponto de vista Kaxinawa, esse período da sua história representa um novo tempo,

batizado de Xinã Bane, o Novo Tempo ou Novo Pensamento/Conhecimento. Trata-se de um

período histórico que certamente está imerso nas complexidades e especificidades que marcam o

século XXI e que tem sido objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento.

É no Ano Internacional das Florestas, declarado pela ONU, que a presente dissertação

explorou a interdisciplinaridade das reflexões produzidas pelos campos da psicossociologia,

antropologia e economia para se pensar a sociedade Kaxinawa, na atualidade. Neste sentido, o

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crescente debate sobre a crise socioambiental no século XXI e a visibilidade internacional da

Amazônia, bem como dos povos que nela habitam, contextualizam especificidades históricas que

produzem transformações nas concepções e identidades desses grupos. O século XXI herdou do

final do século XX um processo de transformação estrutural marcado pela fragmentação das

identidades e pelo surgimento de novas configurações das relações sociais e globais (HALL, 2006).

O século XXI é marcado pelo caráter dinâmico de intercâmbio e pela presença de diferentes

tipos de realidades humanas. As formas de deslocamento e comunicação cada vez mais rápidas

propiciam que as experiências sociais, e sua grande variedade de possíveis relações e trocas, sejam

cada vez mais globalizadas. Um fenômeno que as teorias dos Estudos Culturais denominam de

processos de hibridação das culturas humanas.

No que tange a estas questões, o presente trabalho teve como objetivo analisar as

concepções e expectativas de desenvolvimento das lideranças Kaxinawa que habitam o rio Jordão.

Neste sentido, o estudo procurou realizar uma análise da realidade Kaxinawa, no atual processo

histórico, e para isso buscou aspectos da constituição de identidades culturais, bem como dos

processos de hibridação e das especificidades do desenvolvimento deste grupo.

Para este fim, a dissertação procurou refletir sobre a centralidade do conceito de cultura e da

esfera local ao desenvolvimento humano, a partir das discussões apresentadas pelas teorias de

desenvolvimento, críticas ao desenvolvimento clássico. Dentre estas, as teorias do economista

Ignacy Sachs sobre Desenvolvimento Sustentável e Ecodesenvolvimento; de Pahm Nhu Hô sobre

Desenvolvimento Endógeno e; de Maria Inácia D´Ávila e Tania Maciel, sobre Desenvolvimento

Humano Durável.

Tais teorias destacam que, a crise socioambiental do século XX e XXI possibilita a criação

de uma nova compreensão da relação entre homem-natureza, uma vez que são produzidas reflexões

teóricas voltadas à valorização das realidades locais, em detrimento do crescimento econômico,

para o alcance do desenvolvimento. Neste âmbito, o meio ambiente passou a ser analisado não

como um a realidade isolada, e sim como parte integrante de um processo sociocultural de interação

entre o homem e o ambiente em que habita. A relação com a natureza constitui um dado da cultura

de um povo, ou seja, ela também constitui sua identidade (MACIEL & D´ÁVILA, 1996).

No que tange o paradigma da cultura, as teorias dos Estudos Culturais, sobretudo as

contribuições de Stuart Hall e Canclini, e de Boaventura Santos, dos estudos Pós-Coloniais,

embasaram as reflexões e análises sobre o objeto estudado, no que tange os processos de

hibridação, globalizações e a constituição de identidades culturais.

Para Hall (2006), as identidades culturais são formadas a partir de uma dinâmica de

localização simbólica entre espaço e tempo, e se constituem enquanto sistemas de representação.

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Assim as identidades culturais são históricas e se encontram em contínua transformação.

A contextualização histórica do objeto da pesquisa foi norteada pelos estudos antropológicos

sobre os Kaxinawa realizados pelos antropólogos Marcelo Piedrafita e Terri Vale de Aquino, bem

como pelos escritos de Ingrid Weber e os arquivos da Comissão Pró-Índio do Acre.

Uma vez que os Kaxinawa formam uma sociedade ameríndia complexa, com

especificidades cosmológicas, a pesquisa também contou com o estudo da etnologia Kaxinawa

produzidos pela antropóloga Els Lagrou, McCallum e Kensinger. Além disto, foi necessário

compreender conceitos fundamentais à antropologia tais como o perspectivismo, animismo, as

relações de parentesco e semelhança, bem como as estruturas e organizações sociais ameríndias.

Para tanto foi necessário o estudo de autores como Clastres, Goldman, Overing, Viveiros de Castro

e Carneiro da Cunha.

A pesquisa também contou com os estudos antropológicos voltados à problematização do

paradigma da cultura no contexto indígena, realizados por Wagner, Sahlins e Clifford, além dos

autores contemporâneos, sobretudo, aqueles vinculados ao programa de pós-graduação em

antropologia do Museu Nacional e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

Neste sentido, a pesquisa foi realizada através de uma metodologia qualitativa, em que

foram entrevistados treze lideranças Kaxinawa do rio Jordão, através de entrevistas semi-

estruturada e da realização de observações de campo, nas aldeias Centro de Memória São Joaquim e

Novo Segredo, durante 33 dias. As informações obtidas passaram pelo método de Análise de

Conteúdo em que foram identificadas unidades temáticas, agrupadas em três categorias:

1. Organização da sobrevivência na floresta; 2. A Cultura Viva e 3. O Centro de Memória.

Com base nas referências bibliográficas e nas informações obtidas através da presente

pesquisa, pode-se compreender que os Kaxinawá do rio Jordão vivem, diante do contexto

socioambiental atual, um novo processo de desenvolvimento e de identidades onde a retomada das

práticas de sua cultura, bem como sua preservação em um Centro de Memória, ganhou centralidade

na visão de mundo desse povo. Na concepção de desenvolvimento das lideranças Kaxinawa a

cultura aparece como um bem que quase se perdeu no passado na época dos massacres, da

invisibilidade do seu povo, e que agora precisa ser recuperada, preservada e registrada pelas

gerações presentes, para garantir que seja mantida para as futuras gerações.

Nessa perspectiva, observou-se elementos dos ideais de desenvolvimento sustentável e de

desenvolvimento endógeno e um claro processo de hibridação da cultura índia e não índia. Ao

mesmo tempo em que as lideranças Kaxinawa reconhecem a centralidade da cultura local em seu

desenvolvimento e manifestam com orgulho o sentimento de pertencer à floresta, e os vários

conhecimentos sobre a mesma, também têm se apropriado da tecnologia não índia como

16

instrumento para fortalecer sua organização social, sua identidade e autonomia, em um período

histórico de grande visibilidade internacional da Amazônia brasileira e das questões

socioambientais relativas a novos modelos de desenvolvimento humano.

17

Capítulo I

Agora, libertos da opressão em que viviam e do terror de

se defrontarem com civilizados, os índios voltavam aos

antigos territórios dos quais haviam sido despojados,

para procurar restabelecer a vida nos moldes anteriores.

(RIBEIRO, 1977, p.29)

1.1 Breve Panorama Indígena no Brasil

No que tange à diversidade dos povos brasileiros, a FUNAI registra atualmente a existência

de 225 sociedades indígenas, que totalizam 460 mil índios legalmente reconhecidos, formando

0,25% da população brasileira (FUNAI, 2011). Apesar destes dados, o Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) registrou no ano 2000 a existência de cerca de 700 mil pessoas auto

declaradas indígenas. Dez anos depois, o mesmo instituto registrou uma população de 817,9 mil

indígenas, quase o dobro do que foi reconhecido pela FUNAI, ao lado do decréscimo da população

autodeclarada branca (IBGE, 2010).

Os dados acima revelam o enorme contingente de indígenas no país que, de acordo com os

estudos da FUNAI (2010), falam pelo menos 180 línguas diferentes que, por sua vez, pertencem a

mais de 30 famílias lingüísticas distintas. Considerando que “a 'noção' de cultura se constitui via

comportamento, língua, transmissão de conhecimento, interpretação, mudança, significado etc.”

(Gonçalves, 2010, p.74), pode-se imaginar a dimensão da diversidade cultural presente nestes

grupos sociais brasileiros que, como pode ser observado no mapa abaixo, habita, sobretudo, a região

norte do país.

FIGURA 01: Mapa de localização dos povos indígenas do Brasil

FONTE: Fundação Nacional do Índio-FUNAI, 2011.

18

É importante destacar que deste total, 59,40 % estão situados na região geográfica pertencente à

Amazônia Legal1

(IBGE, 2000), distribuídos em Terras Indígenas (TIs) que ocupam 20% da

superfície Amazônica do país. Nesta região, podem-se encontrar grupos indígenas falantes de uma

grande diversidade de línguas, variantes de seis principais troncos lingüísticos: Tupi, Karib, Tukano,

Jê, Pano e Aruak (BRASIL, 2008).

Não obstante à diversidade indígena presente na Amazônia brasileira bem como sua enorme

extensão territorial, a presente dissertação terá como fio condutor a realidade indígena da etnia

Kaxinawa, situada no estado do Acre e, sobretudo, sua porção que habita as margens do rio Jordão,

com população estimada em 1.715 habitantes (CPI-AC, 2011).

1.2 Povos Indígenas do estado do Acre

No estado do Acre existe uma população de 15.853 indígenas, legalmente reconhecidos, que

juntos formam dezesseis etnias – Yawanawá, Poyanawa, Jaminawa, Jaminawa Arara, Nukuini,

Arara, Apolima Arara, Shanenawa, Nawa, Kaxarari. Kulina, Ashaninka, Madija, Katukina e

Machineri – falantes de dois troncos linguísticos, Pano e Aruak (ACRE, 2009).

Além destas etnias, existem quatro grupos de índios conhecidos como isolados ou “brabos”,

que ainda não possuem contato com a civilização, e grupos que se autodenominam indígena, que

possuem forte representação no movimento político indígena, mas que continuam na luta pelo seu

reconhecimento étnico e pela demarcação territorial, como é o caso dos Kuntanawa, o povo do coco

(IGLÉSIAS & AQUINO, 2005).

Em termos geográficos, o estado se situa inteiramente na bacia Amazônica e possui cerca

93% de seu território coberto com Floresta Pluvial. Encontra-se dividido em duas mesorregiões:

Vale do Acre e Vale do Juruá, as áreas de drenagem dos rios Juruá e Purus, conforme o mapa abaixo

(ACRE, 2009).

1 A Amazônia Legal, construção geopolítica estabelecida, em 1966, para fins de planejamento regional. Possui uma

extensão de 5.109.812 Km², correspondente a cerca de 60% do território nacional, e abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão a oeste do meridiano 44º. Em que pese sua grande extensão territorial, o efetivo demográfico da Região é de 21.056.532 habitantes, ou seja, 12,4% da população nacional, o que lhe confere a menor densidade demográfica do País – 4,14hab/km². Disponível em: http://www.noticiasdaamazonia.com.br/amazonia-legal/ Acesso em 23/04/11

19

FIGURA 02: MAPA de Terras Protegidas do Acre.

FONTE: ACRE, 2009

Através da visualização do mapa, pode-se perceber que o estado do Acre possui grande parte

de seu território protegido. As Áreas Naturais Protegidas do Acre estão distribuídas em 7.497.948

hectares e totalizam 45,66% do território do estado, estando divididas em Unidades de Conservação

de Proteção Integral (9,52%), Unidades de Conservação de Uso Sustentável (21,58%) e em Terras

Indígenas (TIs) que ocupam 14,55% da extensão do estado, o equivalente a 2.390.112 hectares

(ACRE, 2009).

Ao observar a parte laranja do mapa, percebe-se que a grande maioria da população indígena

do estado está situada na mesorregião do Vale do Juruá (a porção esquerda do mapa). É importante

notar que a maior porção em laranja, ou seja, de aglomeração de TIs, está localizada na fronteira

entre o Brasil e o Peru, nas proximidades do município do Jordão, local de realização da presente

pesquisa. Nesta porção estão localizadas as TIs Kaxinawá do Alto e Baixo rio Jordão, Kaxinawá do

rio Humaitá e Kaxinawá do rio Breu. Apesar da proximidade mostrada pelo mapa, o acesso a estas

TIs se dá por diferentes municípios, respectivamente Jordão, Tarauacá e Marechal Thaumaturgo. O

que cria certo isolamento interétnico.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA, 2010) a etnia Kaxinawa forma a maior população

indígena do estado do Acre que vive distribuída em TIs e aldeias localizadas nas margens dos rios

Jordão, Tarauacá, Humaitá, Breu, Muru, Envira e Purus. Com uma população de 7.535 (sete mil

quinhentos e trinta e cinco) indivíduos moradores da região transfronteiriça entre o Brasil e o Peru,

4.500 (quatro mil e quinhentos) Kaxinawa se encontram no lado brasileiro da fronteira.

No que tange esta dissertação, a pesquisa esteve direcionada aos Kaxinawa do rio Jordão,

que possuí uma população estimada em 2.234 habitantes divididos em 24 aldeias. Faz-se importante

assinalar que a população Kaxinawa do município do Jordão é maior do que a população ribeirinha,

que possui 1.297 pessoas (Acre, 2008).

20

Historicamente, os índios são os moradores mais antigos das terras acreanas. De acordo com

os registros do estado, antes da chegada dos primeiros exploradores, em meados do século XIX,

existiam pelo menos 50 povos indígenas distintos (ACRE, 2010). De acordo com Iglésias e Aquino

(2005), na virada do século XIX para o XX os Kaxinawa habitavam a região do Juruá e

vivenciaram a chegada dos exploradores dos recursos florestais.

Foi já no início do século XX que o grupo, assim como outras etnias do estado e do Brasil,

sofreu diversas invasões territoriais vindas de, sobretudo, duas frentes que visavam a exploração

dos recursos naturais da floresta: os seringueiros nordestinos e os caucheiros peruanos. Durante este

período, os índios não conseguiram permanecer em um local para morar pois ficavam sem direção,

tentando fugir de uma invasão, e logo se deparavam com outra, com descreve a citação abaixo:

Se os nordestinos atacavam, os índios corriam para as cabeceiras dos rios. Quando

chegavam nas cabeceiras dos rios, os caucheiros peruanos atacavam e os índios corriam, corriam, para outra direção. A esse “corre, corre” dos índios, perseguidos pelos caucheiros e

nordestinos, deram, na história do Acre, o nome de “correrias” (CPI-AC, 2002).

Foi neste contexto de sucessivas invasões das terras indígenas que, um grupo se rebelou,

matou a família de um seringalista e se refugiou na floresta peruana. Lá manteve-se isolado da

civilização branca até o final dos anos de 1940, quando houve a chegada de missionários que

iniciaram um novo processo de “educação”. Este grupo, que durante a correria foi para o rio

Curanja, no Peru, lá permaneceu até a década de 1970, época em que voltou para o Brasil e se

estabeleceu na Terra Indígena do Purus (KENSINGER, 1995).

É importante destacar que durante o século XX, os Kaxinawa sofreram uma divisão que

determinou dois caminhos diferentes: o caminho dos Kaxinawa peruanos, do Purus; e o caminho

dos Kaxinawa dos rios Jordão, Breu, Humaitá e Tarauacá. Foram estes últimos que permaneceram

durante décadas em contato direto com os patrões seringalistas e a indústria da borracha, que os

mantiveram sob domínio, utilizando-os como mão de obra barata. Períodos conhecidos como o

“tempo das correrias” e o “tempo do cativeiro”, como será visto mais adiante.

Apontar estes dois caminhos da mesma etnia é de importância pois a diferença na trajetória

histórica produz grande implicação teórica. Tal diferença pode servir como um horizonte

comparativo, uma vez que, a porção da população Kaxinawa que se refugiou no Peru, e depois

voltou ao Brasil, não teve a mesma experiência de ruptura das práticas culturais como a daqueles

que serviram como mão de obra nos seringais e viveram uma vida de proibições, humilhação e

escravidão.

Neste sentido, é importante perceber que possivelmente a diferença histórica gerou

repercussões distintas para o momento atual destas porções Kaxinawá. Deve-se, assim, considerar

21

que a luta das organizações indígenas, e de seu movimento de fortalecimento da identidade cultural,

faz um sentido mais imediato para as etnias acreanas que tiveram a experiência de contato e

convivência direta com o mercado de exploração dos recursos florestais tais como os Kaxinawa do

Jordão, do Humaitá e do Breu, os Yawanawa e os Ashaninka do rio Amônia.

No que diz respeito aos Kaxinawa que permaneceram no rio Jordão, o início do século XX

inaugurou as décadas em que passaram trabalhando para os seringais. Neste período sofreram o

processo de destruição das suas comunidades, passando a viver em divisões e colocações de

seringais (ACRE, 2010).

Foi apenas no final da década de 1970 que iniciaram, junto à Funai, o processo de

demarcação de suas terras tradicionais, conseguindo retirar os seringueiros de seu território apenas

na década de 1980. Como será visto a seguir, este grupo participou ativamente do processo de luta e

conquista territorial. Vale destacar a participação, neste processo, do antropólogo e indigenista da

Funai Terri Valle de Aquino e importantes lideranças Kaxinawa como Sueiro Sales e Augustinho

Manduca Mateus, que se tornaram protagonistas da história deste povo (IGLÉSIAS & AQUINO,

2005).

Faz-se relevante destacar que, os Kaxinawa, juntamente com a ONG Comissão Pró-Índio do

Acre e outros povos indígenas do estado, criaram uma cronologia de suas histórias e utilizam os

seguintes termos: “tempo da maloca”, para designar o período da história em que viviam juntos,

antes do contato com os brancos; “tempo das correrias”, para designar o momento em que há

invasões das terras indígenas no Acre, e que tentavam fugir; “tempo do cativeiro”, para a época em

que foram humilhados, escravizados e serviram como mão de obra para os seringais; e, finalmente,

o “tempo dos direitos” para designar o momento em que foi iniciada a luta pelas demarcações de

terra, a criação da Constituinte de 1988 e o surgimento do movimento político indígena, bem como

suas organizações (IGLÉSIAS & AQUINO, 2005).

É diante destas classificações do tempo que, as lideranças Kaxinawa do rio Jordão estão

atribuindo um novo nome para o período atual da história: Xinã Bena, ou, na tradução, o “Novo

Tempo”/ “Novo Conhecimento”, o que contextualiza o objeto de estuda desta dissertação. É neste

sentido que, para estudar a realidade atual é necessário, primeiramente, um mergulho na história e

nas experiências de outrora que, certamente, estão atravessadas pela complexidade das relações

geopolíticas, e econômicas, das forças de poder presentes no século XX. As informações sobre o

estado do Acre, e o seu cenário indígena, encontrados no século XXI, devem ser compreendidas

como produto do processo sócio histórico vivido localmente.

A fim de elucidar as dinâmicas socioambientais presentes em Xinã Bena, relacionadas ao

contexto do século XXI, bem como as idéias e concepções de desenvolvimento dos Kaxinawa do

22

rio Jordão, faz-se importante percorrer as raízes históricas do processo de exploração ocorrido nos

primeiros anos de contato entre eles e os não índios, a civilização moderna.

1.3 Raízes históricas

Na segunda metade do século XIX, estimam-se terem vivido 150 mil índios no estado do

Acre, divididos em 50 grupos étnicos distintos. Os dados da FUNAI (2011) indicam que em 1989

este número fora reduzido para uma população de 5 mil indígenas. A redução avassaladora destes

números evidencia a existência dos vários etnocídios na região, durante o século XX.

O antropólogo Darcy Ribeiro (1977) ressalta que o processo de genocídio indígena no Acre

durante o século XX foi muito semelhante àquele encontrado no litoral do país durante a época do

Brasil colonial. Devido à frente de expansão da economia mercantil extrativista, sobretudo a alta do

preço no mercado internacional de borracha, que em 1910 representara 40% do valor total das

exportações do Brasil, o governo brasileiro nada fazia para regulamentar as relações com os índios.

Neste sentido o autor comenta:

Naqueles primeiros anos do século XX a cotação da borracha alcançara o auge, sua

exportação era uma das principais fontes de divisa com que contava o País e, por isso mesmo, nenhuma providência oficial se negava, quando solicitada, em nome da defesa da

produção dos seringais. Entretanto era uma das economias mais destrutivas e exigentes em

vidas humanas, em sofrimento e miséria que jamais se conheceu. (RIBEIRO, 1977, p.28).

Em 1910, a partir das denúncias desta realidade e de pressões provocadas pelas campanhas

da imprensa, da classe de intelectuais e das instituições humanitárias, sobretudo as internacionais,

foi fundado o primeiro órgão brasileiro oficialmente indigenista, o Serviço de Proteção aos Índios e

Localização dos Trabalhadores Nacionais – o SPILTN (ACRE, 2010; RIBEIRO, 1977).

Chefiado pelo Tenente-coronel Cândido Rondon, o SPILTN foi criado para assegurar a

integridade física e as culturas dos diversos povos indígenas, porém, tinha como uma de suas

diretrizes a pacificação dos índios, que eram considerados selvagens e arredios. Estes eram

agrupados em postos e povoações indígenas, uma maneira de facilitar a implantação das atividades

econômicas, que estavam em expansão na Amazônia (ACRE, 2010).

Em 1918 o órgão passou a se chamar apenas de Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

Apesar da mudança no nome, suas ações continuaram a refletir um período em que a política do

País tinha a preocupação em “civilizar” os índios. Dentre as finalidades do órgão pode-se destacar a

promoção de mudanças no modo de vida indígena e sua fixação à terra, como trabalhadores rurais

(ACRE, 2010).

De acordo com Athias (2002, p.52), o SPI atuou através de “atividades integracionistas por

meio das quais se buscava pôr os índios em contato permanente com os 'trabalhadores nacionais',

23

ampliando assim a força reprodutiva”. Neste sentido, é importante notar que a criação do órgão

estava direcionada às necessidades do plano de desenvolvimento do país. Sobre este episódio, o

autor lamenta não ter havido esforço para o combate dos ideais anti-indígenas já presentes na

época.

Darcy Ribeiro (1977) também lamenta o cenário preconceituoso, fortemente presente na

classe de intelectuais do país, e cita o seguinte artigo de jornal, escrito pelo diretor do Museu

Paulista, Hermann Von Ihering:

“Se quiser poupar os índios por motivos humanitários é preciso que se tomem, primeiro, as

providencias necessárias para não mais perturbarem o progresso da colonização. Claro que

todas as medidas a empregar devem calcar-se sobre este princípio: em primeiro lugar se

deve defender os brancos contra a raça vermelha. (…) exterminem-se os refratários à

marcha ascendente da nossa civilização, visto como não representam elemento de trabalho

e progresso”. (Ribeiro, 1977, p.130).

As citações demonstram como os ideais de desenvolvimento da época produziram o modo

em que se deu o primeiro contato entre a população indígena da Amazônia e a civilização de

modelo ocidental. Ideais estes extremamente atrelados ao modelo de desenvolvimento baseado no

crescimento econômico, com o foco nas exportações de produtos extrativistas.

Os efeitos deletérios dos modelos de ocupação, exploração e estratégias de controle da

época possuem reflexos tanto sociais quanto territoriais, até nos dias de hoje. O mercado da

borracha, que sustentou os padrões de vida modernos, estava baseado nas relações de produção e

exploração extremamente atrasadas e primitivas (BECKER, 2009).

A expansão deste modelo de desenvolvimento, baseado no crescimento econômico através

da exportação dos recursos explorados, está fortemente relacionada à desestruturação das

comunidades tradicionais, indígenas e extrativistas, uma vez que esta ocorreu em simbiose com

concentração fundiária, desmatamento, poluição industrial e urbanização desorganizada

(MONTEIRO DE CASTRO, 2007).

As repercussões deste cenário podem ser encontradas na história indígena do Acre. O

“tempo das correrias”, iniciado no fim do século XIX, foi o período de instalação da empresa

seringalista, marcado por conflitos violentos e expedições armadas que resultaram em massacres,

introdução de doenças e ocupação dos territórios tradicionais do povo Kaxinawa. Nesta época,

houve a dispersão de indígenas pelas cabeceiras dos rios e migração para o Peru (AQUINO, 2006).

Este cenário de correrias perdurou durante as primeiras décadas de 1900, em que houve

grande fluxo de nordestinos para o Acre, a fim de incorporar a mão de obra nos seringais. Na

época, o contrabando de sementes da seringueira para a Ásia resultou na concorrência com o preço

da borracha brasileira, o que estagnou a economia da região amazônica durante anos. No período

24

da 2ª Guerra Mundial, década de 1940, o governo brasileiro incentivou a produção da borracha,

mas não conseguiu resultados expressivos. Apesar do fracasso, tal iniciativa do governo federal

marca o começo de suas ações voltadas ao desenvolvimento da Amazônia. (MONTEIRO DE

CASTRO, 2007).

Nesta direção, o autor destaca a criação, na década de 1950, da Superintendência do Plano

de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) que, com poucos recursos elaborou estudos e

planos que, juntamente à abertura da estrada Belém-Brasília, deu início a um novo ciclo de

desenvolvimento da região. Para Ribeiro (1977) a abertura das novas estradas que facilitavam o

acesso à Amazônia foi iniciada, e com elas crescia o interesse por toda sorte de recursos e riquezas

da região.

O “boom” da borracha, o crescimento da sua procura no mercado mundial, fez com que

mais de 50 mil nordestinos, assolados pela severa seca, integrassem a mão de obra dos seringais.

Com a queda do valor da borracha brasileira, pela concorrência Asiática, a mão de obra indígena

foi utilizada, bem como seus conhecimentos sobre a sobrevivência na região, como forma de

baratear a produção (AQUINO E IGLESIAS, 1994).

No que tange as repercussões na Acre, este segundo momento, que vai até os anos de 1970,

é conhecido como o “tempo do cativeiro”. Os Kaxinawa que permaneceram em seu território

tradicional foram incorporados como mão de obra nos seringais da região e foram “escravizados”

pelos patrões da seringa, através de dívidas impagáveis, exploração do preço da borracha,

constantes ameaças de expulsão e de pesados preconceitos (AQUINO, 2006).

Para Monteiro de Castro (2007), como nas décadas anteriores, os frutos desse

desenvolvimento desconsideraram as realidades das populações amazônicas. Nesta linha, a década

de 1960 foi marcada pela implantação de grandes projetos de mineração e energia, pelos projetos

industriais que facilitavam o acesso às riquezas, como a Zona Franca e pelos projetos agropecuários

e madeireiros.

Ribeiro (1977) relata que foi a partir da década de 1960 que a política integracionista do SPI

passou a delegar aos missionários a ação de “pacificar” os grupos indígenas arredios, criando ainda

mais espaço para o massacre dos diferentes povos que habitavam a região e para o descuido da

função do órgão indigenista, ou seja, garantir a posse das terras ocupadas pelos nativos.

25

FIGURA 03: “Tempo do cativeiro”

FONTE: ISA (2011)

No final desta década, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional dos Índios, a FUNAI.

De caráter tutelar, a FUNAI foi criada em 1968, em meio à ditadura militar (1964-1985), e desta

forma, esteve sob o controle da segurança nacional. Como força nacional, o novo órgão participou

ativamente do plano de desenvolvimento do país, de integração nacional, atuando na abertura de

novas estradas, dentre outras formas de acesso à região amazônica (ATHIAS, 2002).

Aqui, pode-se observar, mais uma vez, como o órgão oficial indigenista assumiu o papel de

legitimador instrumental da política de desenvolvimento da época. Esta, por sua vez, estava

pautada na atuação de frentes de expansão nacional, a fim de fortalecer a ocupação das terras

consideradas como parte do território nacional e, sobretudo, a região amazônica.

Sob esta perspectiva, é importante destacar que a população indígena foi ativamente

produzida enquanto uma ameaça e obstáculo ao desenvolvimento desejado pelo país, assim:

O resultado foi o favorecimento, em muitos casos, da entrada de todo tipo de empresas

(mineradoras, madeireiras e etc.) nas áreas indígenas ainda por serem demarcadas,

enquanto outras áreas foram alvo de busca de contato com os índios. O apelo patriótico da

“integração nacional” fez com que a Funai saísse na frente para que 15 mil quilômetros de

estradas fossem construídos na Amazônia durante esse mesmo período, cortando as terras

tradicionais dos povos indígenas (ATHIAS, 2002, p.53).

Apesar do quadro citado, Ribeiro (1977) afirma que foi a partir do contato entre índios e

não índios que a política indigenista encontrou sua razão de existir. Esta foi criada com o intuito de

atuar na direção de um fortalecimento da autonomia indígena, tanto na elaboração das propostas

como na operacionalização dos planos de desenvolvimento.

Nesta mesma linha, Lima (2002) lembra que para que houvesse uma transformação visível

do quadro de genocídios, criado desde o início do século XX, a institucionalização do movimento

indígena, ocorrida, sobretudo nas décadas de 1970-1980, foi essencial. Dentre estas, encontram-se

o modelo não autóctone das organizações indígenas (Ois) e outras formas institucionais assumidas

26

pelo movimento indígena.

No estado do Acre, esta mesma época foi um importante tempo de mudanças e conquistas,

uma vez que nos anos de 1970-1980 foram iniciados os processos de demarcação das TIs pela

Funai. Após mais de meio século de exploração, através da indústria seringalista, algumas das TIs

acreanas foram demarcadas e os seringalistas não indígenas foram retirados do território (AQUINO

E IGLESIAS, 1994).

No caso dos Kaxinawa do rio Jordão, o processo de regularização e delimitação das terras

indígenas (baixo e alto rio Jordão) foi iniciado em 1977, a partir de equipes de trabalho da Funai,

para identificação de terra indígenas em diferentes rios e microrregiões do Estado. Após os trâmites

institucionais e jurídicos, a TI foi demarcada em 1986 e homologada apenas em 1991, e teve em

seu processo a participação ativa das lideranças políticas Kaxinawa (CPI-AC, 2011).

Na década de 1980, o decênio da redemocratização do País, a atuação do movimento

indígena esteve direcionada à ação política e à defesa dos direitos. Como grande conquista do

movimento, a Constituição de 1988 inaugurou uma nova relação entre o Estado brasileiro e os

povos indígenas. Este foi um marco legal a uma nova política indigenista, baseada, sobretudo no

reconhecimento da diversidade étnica e cultural (GONÇALVES, 2004).

A Constituição de 1988 assegurou o direito à diferença, reconhecendo legalmente as

organizações sociais e as tradições indígenas. Além disto, conferiu o direito sobre suas terras e os

recursos existentes, assegurando proteção e valorização das manifestações culturais indígenas, bem

como o uso das línguas maternas em seus próprios processos de aprendizagem (BRASIL, 1988).

Apesar do importante avanço legal, Gonçalves (2004) lamenta que na prática a situação

indígena não tenha avançado como poderia, pois duas décadas após sua promulgação, os direitos

indígenas previstos na constituição continuavam sendo usurpados. Exemplo recorrente é a invasão

das TIs e a exploração ilegal das riquezas presentes em seu território.

De acordo com Barroso-Hoffmann & Souza e Lima (2002) a Constituinte deu visibilidade

internacional aos povos indígenas e reconheceu sua capacidade processual civil, também às suas

comunidades e organizações. A partir deste marco legal, os autores afirmam proliferar na Amazônia

diferentes formas de organização local, sejam em níveis étnicos ou regionais. Algumas destas

organizações passaram a estabelecer vínculos com instituições internacionais e, ainda, foi iniciada a

participação indígena em legislativos municipais.

A partir deste período histórico, os Kaxinawa do rio Jordão e do rio Humaitá começaram a

se organizar em cooperativas e iniciaram a luta pela regularização de suas terras. Para Aquino

(2006), foi nesta época, conhecida como “tempo dos direitos”, em que Sueiro Sales e, depois, seu

filho, Getúlio Sales, se tornaram os principais protagonistas do surgimento de um novo tempo. Foi

27

justamente nesta época que a Comissão Pró-Índio do Acre nasceu diretamente envolvida com as

lutas pela demarcação das terras, pela mobilização política e pelo movimento das cooperativas

Kaxinawá dos rios Jordão e Humaitá.

De acordo com Maná (199-), a passagem do “tempo do cativeiro” para o “tempo dos

direitos”, marca uma nova vida na história dos povos indígenas da região. É o tempo da luta pela

terra e de sua conquista, da livre comercialização da borracha das cooperativas Kaxinawa e do

direito à educação, em que há o surgimento das escolas e da educação escolar indígena

diferenciada. De acordo com o autor, é em 1983 que aparecem as primeiras idéias de organização

da história indígena dos povos do Acre e sudoeste do Amazonas.

É interessante mencionar que, há muitos séculos os povos indígenas do Acre já conheciam e

utilizavam a borracha produzida com o látex extraído da seringueira. Foi justamente em viagens

pela Amazônia que exploradores estrangeiros e cientistas europeus viram a possibilidade de utilizar

a borracha nas indústrias (MANÁ, 199-).

À semelhança da situação político-econômica-socioambiental vivenciada pelos Kaxinawa,

Pimenta (2010) conta que, para os Ashaninka do rio Amônia a década de 1970 esteve marcada pela

exploração de madeira e pelas caçadas com fins comerciais, devido a não existência de seringa na

área do rio em que habitam. Nos anos de 1980 houve uma grande intensificação da exploração dos

recursos florestais da região. As madeireiras realizavam invasões territoriais mecanizadas com o

corte de cedro e mogno em grande escala, o que afetou 25% da TI.

De acordo com o autor, durante a maior parte do século XX, a ausência da seringa no

território Ashaninka possibilitou certo isolamento dos brancos regionais, porém mantinham uma

relação de troca de peles de animais silvestres, carne de caça, caucho e madeira por bens

industrializados. Diante desta informação, é importante assinalar que a família Piãnko, principal

liderança Ashaninka do Amônia, foi formada através do casamento de um Ashaninka com uma

seringueira, que ensinou a comunidade indígena falar o português. Hoje os filhos desta união,

Benki, Moisés, Isaac e Francisco são importantes atores políticos do movimento indígena do Acre.

Foi no cenário da década de 1980 que a intensificação da exploração madeireira gerou o

agravamento da crise social e ambiental. Esta situação fez com que, progressivamente, os

Ashaninka se mobilizassem politicamente em defesa da demarcação de seu território, assim como

de seu modo de vida (PIMENTA, 2010).

Diante destas questões, é preciso notar que houve a mobilização política dos índios

acreanos, no campo interétnico, pela demarcação de seu território, o que começou em meados de

1980. A luta dos povos indígenas contra a exploração dos recursos florestais e pela demarcação de

seu território faz parte de uma conjuntura regional, muito importante, do final dos anos 1980 e

28

início dos anos 1990 caracterizada pela “Aliança dos Povos da Floresta”, este momento de

reivindicações e conquistas ficou conhecido como o “tempo dos direitos”.

Este foi o tempo da reorganização das aldeias e do surgimento das escolas da floresta. Na

região dos rios Jordão e Humaitá, a grande crise da economia da borracha (o Acre foi a principal

zona produtora da Amazônia), possibilitou o avanço desta reorganização e novas aldeias Kaxinawa

surgiram.

Embora em 1989 tenha se constatado que a população de 150 mil indígenas, no estado do

Acre, havia se reduzido para 5 mil, em 1996 o número de indígenas aumentou para quase 9 mil.

Pouco mais de uma década depois, os dados do governo do estado apontam para a presença de

15.853 indígenas, divididos nas 16 etnias já mencionadas (ACRE, 2009).

1.4 Do “tempo dos direitos” à Xinã Bena

A mudança no cenário de diminuição do contingente indígena na região pode ser explicada

pela conjunção de diferentes forças políticas presentes, sobretudo, a partir da década de 1990,

conhecida entre os Kaxinawa como o “tempo dos direitos”. As transformações mundiais da época

devem ser consideradas, apesar de não se poder atribuir exclusivamente à esta o caráter da

mudança dos dados.

É importante considerar que no cenário internacional, as organizações socioambientais

passaram a se direcionar, de maneira crescente, aos debates sobre a crise ambiental e à qualidade da

vida humana na Terra. Através de encontros e conferências que debatiam a crise ambiental e

questionavam o modelo de desenvolvimento vigente, de intervenção de personalidades de projeção

internacional, como o cantor Sting que passou a associar a sua imagem à defesa dos povos da

Amazônia2, esta região, que possui a biodiversidade equivalente a 10% de toda biota mundial,

passou a ter um grande foco mundial, assim como os povos que nela habitam (MONTEIRO DE

CASTRO, 2007).

Segundo Evangelista (2004) a Constituição de 1988 é um marco da passagem de uma fase

de dominação e de relações de violência e de poder e de espoliação de bens materiais e culturais da

comunidade indígena para uma fase de reconhecimento como povo que se diferencia em sua

organização econômica, cultural e política. É também a passagem de um momento de tutela por

parte do Estado para com os índios para a sinalização de caminhos de autonomia e possibilidade de

auto-gerenciamento de seus bens. Ainda, segundo o autor essa conquista é fruto não só de uma

conjuntura nacional propicia, como também uma resposta a pressões de Organizações

2 Globo Amazônia; Sting reencontra Raoni em SP e pede mais diálogo sobre usina de Belo Monte. 22/11/09 http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1388070-16052,00.htm l

29

Internacionais no reconhecimento dos direitos dos índios.

Foi também a partir deste contexto de visibilidade internacional que, em 1988, foi criada a

“Aliança dos Povos da Floresta”, celebrada pelas lideranças dos movimentos indígenas e

seringueiros, que contou com o apoio de diversas ONGs nacionais, sobretudo as do movimento

ambientalista, e internacionais. Dentre reuniões, debates e ações que esta aliança iniciara, em 1989

foi realizado, em Rio Branco – AC, o I Encontro Nacional dos Povos da Floresta (CUNHA &

ALMEIDA, 2001).

Entretanto, diante da possibilidade de se obter financiamento junto aos organismos

internacionais, a aliança entre os povos da floresta foi produzida, para Souza e Lima & Barroso-

Hoffmann (2002), a partir de um utopismo ecologista, devido ao seu caráter generalizador. Para os

autores, a alta internacional da temática ambientalista fez com que a especificidade dos problemas,

e soluções, das causas indígenas fosse reduzida à conservação e sustentabilidade ambiental,

gerando invisibilidade aos problemas recorrentes na esfera fundiária e no etnodesenvolvimento.

Faz-se importante notar que com a conquista dos direitos, a partir da Constituinte de 1988, a

proliferação das organizações indigenistas e, sobretudo, a Aliança dos Povos da Floresta evoluem

com a ajuda de diversas parcerias e das demandas internacionais de crise socioambiental. Uma vez

que o meio ambiente se transformou em uma das principais questões das relações internacionais e

alvo de negociações de sucessivas Conferencias das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas,

o Brasil tem assumido uma posição central, por abrigar em seu território a maior porção da região

Amazônica3.

A partir dos anos de 1990, as funções das organizações indígenas que na década de 80

estavam direcionadas à defesa dos direitos e à ação política, foram direcionadas à capacitação

técnica, para a operação de projetos e de planos de transformação e desenvolvimento

(GONÇALVES, 2004). No rio Jordão, foi criada em 1988 a Associação de Seringueiros Kaxinawa

do Rio Jordão – ASKARJ – que continua a ser a principal associação indígena do local.

De acordo com Aquino e Iglesias (1991), a ASKARJ recebeu nos anos de 1990-92 recursos

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como parte do Projeto de

Implantação da Reserva Extrativista do Alto Juruá e Desenvolvimento Comunitário das Áreas

Indígenas Circunvizinhas, que fez com que a produção de borracha da cooperativa Kaxinawa

alcançasse a maior produção de sua história.

Junto com o apoio do BNDES, a ASKARJ recebeu recurso da ONG internacional WWF

(World Wildlife Fund) para o fortalecimento da Cooperativa do rio Jordão. De acordo com os

3 Blog do Planalto; Café com o Presidente: Brasil teve posição de destaque na COP 15 . 22/12/10 http://www.cop15brasil.gov.br/pt-BR/?page=noticias/cafe-presisidente-cop15

30

autores, uma vez que a cooperativa estava fortalecida, através do apoio e da aplicação dos recursos

obtidos com a venda da borracha dos seringueiros indígenas, foi possível proteger os interesses e

fortalecer as mobilizações dos próprios membros da população Kaxinawa. Houve o aumento

territorial da área indígena (através da compra de seringais), aumento da produção de borracha e da

atividade agrícola voltada à subsistência e à comercialização externa e a prestação de serviços tais

como transporte e assistência médica.

Aquino e Iglesias (1991) comentam que a melhoria da qualidade de vida dos grupos

familiares Kaxinawa, gerada pelo conjunto de transformações citadas, também possibilitou

melhorias significativas na vida dos seringueiros não indígenas que quiseram permanecer

trabalhando nos seringais Nova Empresa e São Joaquim (aldeias Kaxinawa do Jordão que na época

funcionavam como seringais indígenas).

Estas transformações foram muito importantes uma vez que, no final de 1993, a cooperativa

conseguiu pagar todas as dívidas que tinham junto aos comerciantes dos municípios do Jordão e de

Tarauacá e, ainda, com os recursos da venda de borracha conseguiam comprar mercadorias para

abastecer as cantinas da área indígena (AQUINO e IGLÉSIAS, 1991)

Apesar da geração de melhorias, no que diz respeito às iniciativas de apoio voltadas à

Amazônia brasileira, Monteiro de Castro (2007) chama atenção à possibilidade de que a defesa do

meio ambiente e das comunidades indígenas, assim como dos projetos de ONGs internacionais,

possam estar subordinados aos interesses geopolíticos de seus países de origem. Através da

preocupação mundial em criar mecanismos regulatórios de preservação e controle das ações

ambientais, a criação de uma consciência coletiva da população brasileira para a preservação e o

desenvolvimento da Amazônia aumentou a liberdade da ação das ONGs e, assim, a defesa à

intocabilidade da Amazônia, o que na visão de Castro pode gerar entraves ao desenvolvimento da

região.

Diante desta questão, Bertha Becker (2009) afirma que na década de 1990 os programas do

Governo Federal – Brasil em Ação e Avança Brasil – favoreceram a retomada da exploração dos

recursos naturais da Amazônia para a exportação, gerando conflitos na fronteira socioambiental,

mesmo com a existência de diretrizes advindas da pressão dos organismos socioambientais

internacionais e nacionais, voltados à um plano de desenvolvimento de perspectiva sustentável.

É importante notar que, os organismos internacionais, preocupados em participar da

governança dos ambientes naturais que ainda contêm as riquezas em biodiversidade do planeta,

desempenham, neste cenário, um papel de protagonistas na produção de novos valores sobre os

povos indígenas amazônicos. Estes, que anteriormente eram percebidos como um obstáculo ao

avanço do desenvolvimento do País, passam a ser convidados à participar de eventos nacionais e

31

internacionais, fazer capacitação em recursos audiovisuais e em línguas, dar palestras sobre gestão

territorial e etc.

É neste âmbito que Santos (2003) lembra que índios e seringueiros têm ganhado novos

aliados internacionais e lamenta o descaso com que a elite nacional tem lidado com questões de

relevância ao desenvolvimento da Amazônia e seus habitantes. Neste sentido o autor afirma:

Não seria exagero dizer que as elites começaram a despertar para a seriedade da questão

ambiental no Brasil quando o Banco Mundial (...), passou a bloquear alguns empréstimos.

Foi preciso que a devastação da floresta amazônica e o lamentável tratamento da questão

indígena fossem contestados em instituições financeiras internacionais para que

internamente as elites principiassem a perceber a existência de um problema (Santos, 2003,

p.35).

No âmbito nacional, o processo evolutivo de reconhecimento dos direitos dos povos

indígenas, em 2006, o governo Federal promoveu a Conferência Nacional dos Povos Indígenas que

constituiu uma consulta junto aos povos indígenas quanto a suas reivindicações e expectativas.

Esse processo culminou com a inclusão do Programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas no

Plano Plurianual do Governo Federal 2008-2011 ( PPA 2008- 2011) sob gestão do Ministério da

Justiça/FUNAI. Entre as diretrizes desse programa no PPA 2008 – 2011 estão :

1. Trabalhar com os conceitos de Promoção e de Proteção como eixos norteadores da ação do

Estado; 2. Assumir o caráter multisetorial das ações destinadas aos povos indígenas, buscando um

compromisso e responsabilidade de gestão compartilhada.

Conforme registra o documento do PPA 2008-2011 a primeira diretriz é resultante do

Documento Final da Conferência Nacional dos Povos Indígenas e reflete as reivindicações destes

por uma maior participação política, econômica e social junto à sociedade nacional, sem abrir mão

da proteção e promoção, pelo Estado, de seus direitos básicos, quais sejam os direitos territoriais,

ambientais, culturais e todos aqueles relacionados à reprodução de seus modos de vida.

Uma das resultantes do esforço multisetorial das ações governamentais destacam-se

programas de proteção a saúde dos povos indígenas, a demarcação das terras assim como

iniciativas do Ministério da Cultura e do Ministério do Meio Ambiente. Estes dois Ministérios têm

contribuído o financiamento aos projetos indígenas. A exemplo do projeto de Pontos de Cultura

indígena na Amazônia, que beneficiou três aldeias Kaxinawa do rio Jordão, aldeias Kaxinawa do

rio Humaitá e Breu, os Ashaninka do Amônia, os Yawanawa, os Kuntanawa e outros povos dos

estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima.

Voltado ao fortalecimento cultural, sobretudo da cultura dos povos tradicionais, os Pontos

de Cultura Indígena receberam recursos e equipamentos tais como microcomputadores, mini-

estúdio para gravar CD, câmera digital, gravadores, filmadoras, capacitações em tecnologia, dentre

32

outros que possibilitem o avanço do fazer artístico e cultural da comunidade.4 O projeto de 30

Pontos de Cultura Indígena na Amazônia possuiu como objetivo maior a consolidação de uma rede

de comunicação entre as comunidades indígenas, através de um processo de inclusão digital, com o

intuito de integrá-los à comunicação global e fortalecer o diálogo interétnico, bem como o

fortalecimento da preservação do patrimônio cultural indígena e de sua gestão territorial.

Além deste projeto, pode-se destacar, no século XXI, o apoio que o MinC tem dado à

realização de festivais da cultura indígena, que tem ocorrido no estado do Acre, bem como o

auxílio à passagens aéreas para que as lideranças indígenas possam participar de encontros

socioambientais e culturais no Brasil e no exterior, tais como encontros da cultura da floresta.

De acordo com Joaquim Maná (199-), pesquisador Kaxinawa, o tempo posterior ao “tempo

dos direitos” é o tempo do governo dos índios, uma vez que a terra já está demarcada e há a

proliferação das associações indígenas de representação política. É o tempo da gestão das terras

indígenas e do surgimento das escolas da floresta.

É importante destacar que, acompanhando esta expansão foi iniciado nas TIs do Acre um

forte movimento “pró-cultura”, que foi considerado pelos próprios Kaxinawa como uma espécie de

divisor de águas, por proporcionar mudanças consideráveis. Para Weber (2006) a história Kaxinawa

pode ser dividida em antes e depois da Cultura (a.C x d.C). Faz-se relevante notar que, neste

movimento, que tem se intensificado ainda mais no século XXI, a escola indígena, a educação

diferenciada e os centros da floresta são elementos de grande relevância às manifestações culturais.

Para Carneiro da Cunha (1992), as configurações políticas e econômicas deste período

trazem desafios inéditos aos povos indígenas brasileiros, uma vez que através das relações com o

“mundo dos brancos”, vivenciaram a desigualdade, o colonialismo, invasões territoriais e

imposição de mudanças socioambientais. Diante deste histórico, foi necessário que os povos

indígenas fizessem avaliações próprias, definições de estratégias, projetos e escolhas.

Lopes da Silva (2002) complementa afirmando que, há certa tensão no cotidiano dos povos

indígenas brasileiros, no que tange à definição de estratégias, opções de vida e de futuro. A tensão a

que se refere a autora, diz respeito à dicotomia entre conhecimentos indígenas e ocidentais, entre

políticas públicas, tendências políticas internacionais e políticas das aldeias..

De acordo com a autora, a escola indígena aparece, primeiramente, como uma instituição

originária do “mundo dos brancos”, ocupando o lugar simbólico do meio pelo qual se pode

adquirir, de forma seletiva e autônoma, conhecimentos “externos”. Se para a maioria destes povos

as relações sociais são elaboradas e expressas através de uma reflexão sobre o mundo, em que há

4 Informações obtidas no site oficial do Ministério da Cultura.

33

aprendizagem com os seres de outros domínios cósmicos, o “mundo dos brancos” se constitu i

enquanto mais um desses domínios – em que há conhecimentos e recursos a buscar, seja ele

pragmático, tais como tecnologia, medicina e desenvolvimento econômico; político ou simbólico.

Desta forma, “(...) a educação escolar é valorizada como instrumento para a compreensão da

situação extra-aldeia e para o domínio de conhecimentos e tecnologias específicos que elas podem

favorecer” (LOPES DA SILVA, 2002, p.57).

A autora chama atenção ao fato de que tais processos não podem ser considerados como

simples produto de forças “aculturativas”, vindas de fora. Ao contrário, trata-se de um processo que

envolve elaboração de projetos coletivos, avaliação das experiências e significação política em

contextos de diálogo e conflito, ou seja, trata-se de uma inovação histórica e culturalmente

formulada.

Para exemplificar, Lopes da Silva (2002) expõe seu estudo com a etnia A´uwe e conta que

há, neste grupo, tanto um esforço visível voltado à obtenção de informações sobre as sociedades

complexas, quanto à redefinição da relação com os não índios e à busca de alternativas ao

desenvolvimento econômico. Sobre este processo a autora afirma que:

Destaca-se uma grande valorização da educação escolar por parte dos A´uwe e a formação,

sob orientação dos mais velhos, de jovens intelectualmente preparados para a interlocução

com os não índios. Destaca-se também a busca de acesso a implementos urbanos e ao

conhecimento científico ou tecnológico, para vários fins, inclusive para o registro da memória das práticas rituais próprias com vista a sua comunicação às gerações futuras e a

produção de bens culturais para consumo em mercados urbanos nacionais e internacionais

(LOPES DA SILVA, 2002, p.56).

Gonçalves (2010) relata, a partir da experiência entre os Paresi, que “tradição” e “cultura”

se tornaram um objeto de reflexão para uma nova possibilidade de relação com os brancos. A partir

de 1990 iniciou-se a idéia de preservação cultural. Neste contexto, produziu-se uma nova

perspectiva do significado de ser indígena, assim como da relação e do contato com os brancos. O

registro da relação conflituosa e de dominação ganhava um novo corpo, repleto de possibilidades,

capaz de gerar novas ambições.

Nesta mesma linha de raciocínio, foi após ter o território assegurado pela demarcação das

Tis do Baixo e Alto rio Jordão e a compra do Seringal Independência2 , assim como, com o direito à

diferença cultural reconhecido pela Constituinte de 1988 que, os Kaxinawa do Jordão iniciaram,

com o apoio de ONGs e antropólogos, um movimento de “resgate” de sua cultura tradicional.

2 Apesar da Ti Seringal Independência não estar situada no rio Jordão, e sim no rio Tarauacá, ela faz parte da

conquista de terras Kaxinawa. Siã Kaxinawa, conhecido como o Cacique Geral do rio Jordão, comprou este seringal com o recurso de um prêmio que ganhou da Reebok.. O Seringal Independência e as TIs do Alto e Baixo rio Jordão,

formam um complexo de TIs dos Kaxinawá pertencentes ao município do Jordão. Na reunião geral de 2011,

ocorrida na Ti do baixo rio Jordão, liderada por Siã, todos os projetos citam “atividades para as três Tis”.

34

Conforme matéria de destaque veiculada na Revista O Globo de 21 de junho de 2009:

“Fiscais da natureza. Como a tecnologia e a troca de experiências entre grupos de empresários

cariocas e os índios da tribo Ashaninka, do Acre, estão ajudando a proteger a Amazônia”, pode-se

observar que, cada vez mais se tornou comum a associação do papel de guardiões ou fiscais da

floresta à imagem dos indígenas. O nome da ONG Instituto Guardiões da Floresta, criada no início

do século XXI, no Rio de Janeiro, que reúne indígenas e indigenistas com o objetivo de proteger a

floresta amazônica, evidencia esta tendência.

De acordo com Pimenta (2010), iniciativas como estas oferecem uma oportunidade para

refletir sobre o lugar dos povos indígenas na cena amazônica contemporânea do desenvolvimento

sustentável. O autor conta que foi após a demarcação da terra, em 1992, que os Ashaninka do rio

Amônia iniciaram uma luta pela sustentabilidade de seu território, através do apoio de diversas

parcerias, e ganharam visibilidade nacional e internacional.

Para o autor, a falta de alternativas econômicas, sociais e ambientalmente sustentáveis

ameaça a integridade do território indígena, colocando em risco sua sobrevivência, bem como a da

população não indígena do entorno. Com o intuito de mudar tal realidade, de risco, os Ashaninkas

do rio Amônia criaram em 2007 a Escola Yorenka Ãtame, a escola dos Saber da Floresta. De acordo

com Pimenta (2010) esta escola materializa a luta do povo indígena contra a exploração ilegal do

território e seu direcionamento rumo ao desenvolvimento sustentável.

FIGURA 04: Yorenka Ãtame

Fonte: Apiwtxa

É de grande relevância destacar que a luta dos Ashaninka, assim como a dos Kaxinawá,

está, de acordo com Pimenta (2010), fortemente relacionada à conjuntura regional do final dos anos

1980 e início dos anos 1990 caracterizada pela “Aliança dos Povos da Floresta”, movimento que

marcou profundamente a história do Alto Juruá levando à importantes configurações territoriais.

São símbolos desta aliança o antropólogo Terri Valle de Aquino, o indígena Ailton Krenak e

o seringalista Chico Mendes. Dentre os Kaxinawá do Jordão é importante destacar a participação

de Sueiro Sales, seu filho, o atual cacique geral: Siã Sales e Augustinho Manduca Mateus. A

“Aliança dos Povos da Floresta” ganhou visibilidade nacional e internacional, ganhando apoio de

35

grandes ícones brasileiros como o cantor Milton Nascimento e a atriz Lucélia Santos.

Nota-se que, dentre os Kaxinawá do Jordão, estavam diretamente envolvidas neste

movimento as famílias Sales e Mateus. Adiante ver-se-á que os membros destas duas famílias

continuam protagonistas do movimento indígena atual, que define uma nova política para a região

do rio Jordão. A referência aos Ashaninka do Amônia também se faz relevante, uma vez que foi

através de um ritual com a ayahuasca nesta comunidade que Augustinho Manduca Mateus, o pajé

Ikamuru, teve uma visão que mudou o rumo de sua vida e, consequentemente, do seu povo. Neste

ritual, na aldeia Ashaninka, a muitos dias de canoa no rio, muito longe de sua casa, ele ouviu uma

voz lhe dizer:

O que você está fazendo aqui? Olha quanta cultura bonita que está aqui, o que você sabe do

seu povo? Nada? Você já lutou no movimento político, já viajou muito e conquistou a sua

terra, agora é hora de voltar para o seu povo e trabalhar o resgate da sua cultura!

(IKAMURU, 2010).

Foi nesta época que, os Kaxinawa localizados no rio Jordão iniciaram um processo de

gestão de suas terras e dos costumes de seu povo, que haviam sido reprimidos pelas forças

opressoras presentes nos anos anteriores. Através de parcerias estabelecidas entre sua associação e

o poder público, embaixadas européias e organizações não governamentais (ONGs), conquistaram

a demarcação e homologação de suas terras e iniciaram projetos para o fortalecimento do

desenvolvimento nas aldeias e da identidade cultural Kaxinawa, disseminando-a entre a juventude

de seu povo e pelo mundo afora.

Mesmo com toda opressão que sofreram após o contato com a civilização não indígena no

inicio do século XX, o grupo Kaxinawa do rio Jordão conseguiu manter viva sua língua materna e,

através desta, cantos, rituais, conhecimentos, mitos e histórias de seu povo (WEBER, 2006). Além

desta especificidade, os Kaxinawa do rio Jordão, diferentemente dos outros grupos da mesma etnia,

vivem em um rio que possui exclusivamente indígenas da etnia Kaxinawa, o que fortalece a

presença de numerosos participantes nas atividades ritualísticas, festas e reuniões.

Como produto desta tendência incentivada pelo pajé Ikamuru, que participara de toda a luta

de seu povo nas décadas anteriores, foi criada em 2007, pelas lideranças indígenas do rio Jordão, a

aldeia Centro de Memória São Joaquim. Com o intuito de sediar um espaço de fomento e registro

dos costumes da etnia, funcionando como uma “Universidade da Floresta”, e também enquanto um

ponto estratégico para reuniões e articulações entre as 32 aldeias da região, e dos demais rios, este

centro se assemelha ao projeto Ashaninka do Amônia, a escola Yorenka Ãtame. (IKAMURU,

2009).

É importante salientar que estas etnias receberam, desde o processo de demarcação de seus

territórios, o apoio da CPI-AC, através de formações, capacitações, em professores indígenas,

36

informática e em agentes agroflorestais, o que, certamente, contribuiu com o movimento cultural

indígena, rumo a uma maior autonomia, e também voltado às ações de desenvolvimento e

sustentabilidade. A escola Yorenka Ãtame funciona como um espaço físico capaz de oferecer

estrutura para os cursos de formação de diversos projetos voltados às questões citas, em que recebe

ribeirinhos, seringueiros e indígenas de outras etnias do Acre.

Tendo em vista esta realidade, e a de outros povos indígenas do país, os estudos

antropológicos de base indigenista têm problematizado a relação desses povos com o Estado

brasileiro. Porém, é, sobretudo, a partir do século XXI que ocorre o fortalecimento dos debates

sobre os processos de desenvolvimento indígena, bem como as maneiras em que este

desenvolvimento vem sendo articulado (SOUZA E LIMA & BARROSO-HOFFMANN, 2002).

Provavelmente como resultado desse amadurecimento de visão, a atual abordagem desse

tema pelo Estado Brasileiro aparece revestida de uma visão mais cuidadosa ao lidar com essas

relações, como deixa transparecer na problematização, no objetivo e em algumas das diretrizes do

plano Programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas que integra o Plano Plurianual do

governo federal 2008-2011:

Problema : Ameaça permanente às condições de reprodução dos modos de vida dos povos

indígenas e obstáculos à participação indígena nas diversas esferas da vida nacional.

Diretrizes :

No caso dos índios, o “combate à desigualdade social” é um conceito parcialmente adequado, muito menos o de “inclusão social”, visto que se tratam de povos diferentes

de “nós” e diferenciados entre “si”, os quais têm organizações sociais próprias, portanto

outros parâmetros de sociabilidade; é mais correto dizer que são povos “excluídos de

direitos” no âmbito da sociedade e do Estado nacional brasileiro. O texto constitucional

torna claro o caráter pluriétnico da nação brasileira, daí a necessidade de afirmação dessa

pluralidade como direito, cuja plenitude valorizará positivamente e afirmativamente o

processo de revolução democrática no Brasil

O Estado deve promover os povos indígenas. A idéia de promoção rompe com a tradição

assistencialista e clientelista que está vinculada também ao conceito de tutela. Promoção

pressupõe o reconhecimento da diferença como fator positivo e potencializador e não como

fator de “desigualdade social”. Cada povo indígena constitui uma civilização própria, diferente da dos outros e com uma história de contato específica com a civilização

ocidental. O diálogo de civilizações é sempre possível e positivo, mas deve levar em conta

trocas simétricas, no tempo e no espaço, adequadas em cada caso, e enriquecedoras para o

desenvolvimento de ambas. Esse é o desafio do século XXI, no qual o Brasil tem papel

destacado, pois ainda tem a chance de mostrar ao mundo (a modernidade demonstrou

que os países “desenvolvidos” não o conseguiram) que esse diálogo é possível...

Objetivo do Programa : Garantir aos povos indígenas a manutenção ou recuperação das

condições objetivas de reprodução de seus modos devida e proporcionar-lhes oportunidades

de superação das assimetrias observadas em relação à sociedade brasileira em geral

( PA 2008-2011 Programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas p 8 – 15)

Nessa perspectiva esse Programa apresenta dentre suas estratégias a articulação de diversas

instâncias de governo envolvidas na proteção territorial em torno de um Sistema de Proteção das

Terras Indígenas, de modo a coibir e desestimular os ilícitos nessas áreas. Também prevê medidas

que vão desde a proteção de povos em situação de isolamento, o reconhecimento do direito

37

territorial indígena, passando pela demarcação das terras tradicionalmente ocupadas, assim como

sua vigilância e busca se concretizar na consolidação de uma relação de respeito e de convívio

vantajoso com as populações do entorno. Esse programa apresenta como essencial a participação

indígena na proteção de seus territórios e defende que o protagonismo indígena na defesa de suas

terras pode e deve ser incrementado por meio do apoio oficial, através de uma maior capacidade de

comunicação e mobilização por parte destes.

Nesse programa é reconhecida a necessidade de se “reformular o desenho” e a massa crítica

do órgão indigenista - a FUNAI - aperfeiçoando-os e adequando-os ao quadro atual das relações

democráticas não-tutelares entre o Estado e as comunidades indígenas do Brasil; aprimorar a

integração e a sinergia das ações do Estado, aumentando a eficiência e a eficácia das ações nos

territórios; prosseguir na garantia dos direitos ao patrimônio territorial indígena, combinados com a

promoção ao etnodesenvolvimento sustentável; promover a educação e a saúde diferenciada de

qualidade; progredir no debate das garantias da propriedade intelectual dos índios sobre seus

conhecimentos tradicionais, associados ao patrimônio genético e cultural; garantir o protagonismo e

a participação dos índios nas decisões que lhes dizem respeito.

Trata-se de uma agenda tão ambiciosa quanto complexa nas suas intencionalidades que

parecem refletir uma nova racionalidade sobre esse tema no âmbito das ações do Estado Brasileiro e

que se de fato for concretizada poderá contribuir para o fortalecimento da cidadania dos povos

indígenas da Amazônia previsto na Carta Magna e, sobretudo poderá contribuir para o

desenvolvimento sustentável da região.

No que tange ao presente estudo, a aldeia Centro de Memória São Joaquim, criada

estrategicamente no início do rio Jordão, próxima ao município, representou um espaço privilegiado

à investigação das concepções e expectativas de desenvolvimento local desse grupo na atual

conjuntura. Por ser um ambiente criado a fim de sediar tanto as reuniões gerais das aldeias

relacionadas à sua organização social quanto às manifestações culturais deste povo, foi também

terreno fértil à identificação de processos de hibridação e de constituição da identidade cultural

Kaxinawa, dando visibilidade a uma experiência social indígena e amazônica, na atualidade.

38

Capítulo II – Cultura e Desenvolvimento

“É na cultura, com efeito, que o desenvolvimento

encontra seu impulso fundador, nas necessidades

e nas aspirações dos indivíduos como

coletividades, nos fins a que eles se propõem e

nos projetos que os concretizam”

(HÔ, 1988, p.65)

2.1 A emergência de novas racionalidades para o desenvolvimento.

A partir da década de 1930 surge um novo campo de atuação da Psicologia Social.

Originado na Escola de Chicago, o novo campo cresce no sentido de encorajar a incorporação das

realidades e saberes locais ao estudo acadêmico e, assim, colabora com os esforços voltados ao

desenvolvimento humano bem como à inclusão social.

De acordo com Maciel (1998), a Escola de Chicago e a Ecologia Humana são as primeiras

responsáveis pela apropriação da ecologia e do estudo de ecossistemas pelas Ciências Humanas. As

intercorrelações entre plantas e animais, sob as quais as ciências naturais se detêm, serviram como

fonte de inspiração ao surgimento dos estudos da Ecologia Humana da Escola de Chicago, que

somadas às contribuições da Antropologia Cultural tornaram-se um marco às diretrizes da

Psicologia Social moderna.

Foi a partir deste campo de estudo interdisciplinar sob a ótica da Sociologia, Antropologia e

Psicologia, que a Escola de Chicago enfatizou a necessidade de se compreender o meio ambiente,

como um ambiente onde o homem e suas relações sociais também integram a realidade ambiental,

despertando o interesse e atenção à dimensão local para o alcance do desenvolvimento desejável.

Foi a partir da segunda metade do século XX, sobretudo após a II Guerra Mundial que

surgiram novas teorias de desenvolvimento, tendo em vista seus efeitos destrutivos à humanidade

como a bomba de Hiroshima, somado ao fomento dos movimentos de direitos humanos e

ambientais. As novas teorias do desenvolvimento assumem, desta forma, uma função de crítica à

teoria clássica, em que o desenvolvimento foi fundamentado pelo crescimento econômico e pela

modernização. Tendo em vista estas transformações, o debate sobre o tema adquiriu um caráter

antecipador da emergência de uma nova racionalidade, que se torna ainda mais evidente no século

XXI (HÔ, 1988; MOSCOVICI, 2007).

Neste período da história, a problematização dos processos de desenvolvimento vigentes

produziu reflexões que trouxeram alternativas ao paradigma economicista, insuficiente ao bem estar

da maioria dos seres humanos (MORIN, 2000). Nesta trajetória, diferentes sociólogos e

39

economistas elaboraram novas teorias do desenvolvimento inspiradas, sobretudo, nas problemáticas

socioambientais.

Nesse contexto, Maciel (1999) destaca a contribuição de três teorias, uma vez que possuem

condições de responder adequadamente a um desenvolvimento onde as políticas buscam ser

elaboradas com a participação da população local e consideram a importância da cultura enquanto

um eixo central ao desenvolvimento. São estas: o Ecodesenvolvimento, o Desenvolvimento

Sustentável e o Desenvolvimento Endógeno.

Para o economista Ignacy Sachs (1980), o Ecodesenvolvimento, criado em 1972 durante a

Conferência de Estocolmo, a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pelas

Nações Unidas, foi a primeira dessas a questionar o paradigma economicista do desenvolvimento.

Marco importante para as discussões sobre desenvolvimento e meio ambiente e início da busca de

elementos de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, a conferência estipulou uma lista de

princípios para a prática de preservação ambiental que se transformaram, ao longo das décadas

seguintes, em elementos e metas de negociação.

Para o ecodesenvolvimento cada ecorregião deve está voltada aos seus problemas

particulares, bem como às suas soluções específicas, que não devem considerar apenas os dados

ecológicos, mas também as necessidades imediatas do local e os dados culturais. As potencias

específicas da localidade tanto no nível de recursos quanto de tecnologias devem ser valorizadas e

aproveitadas ecologicamente, a favor do homem.

Já em 1987, o termo Desenvolvimento Sustentável foi consagrado no relatório “Nosso

Futuro Comum”, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CMMAD). Considerado como uma estratégia que procura “satisfazer as necessidades do presente

sem com isso comprometer a satisfação das necessidades futuras” (BRUNDTLAND, 1991, P.46), o

desenvolvimento sustentável é um processo de transformação que procura harmonizar a exploração

dos recursos e o desenvolvimento tecnológico com as aspirações e necessidades humanas

(BRUNDTLAND, 1991).

O economista Ignacy Sachs (2004) destaca cinco pilares do desenvolvimento sustentável:

social; ambiental; territorial; econômico e; político em que a governança democrática é um valor

fundador e instrumento necessário ao desenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento deve obedecer

ao imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, exigindo explicitação de

critérios de sustentabilidade social, ambiental e de viabilidade econômica.

Sachs (2004) diz que a transição para o desenvolvimento sustentável nasce como uma

proposta de mudança imediata ao paradigma de desenvolvimento herdado do século XX, que possui

dois problemas principais, apesar do progresso científico e técnico sem precedentes: o desemprego

40

em massa e as desigualdades crescentes.

Para o autor, as novas problemáticas formam o fundamento principal à evolução do conceito

de desenvolvimento. A partir das diretrizes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente, realizada em Estocolmo, a idéia de desenvolvimento sustentável foi sendo refinada,

ocorrendo, ao longo das décadas, importantes avanços epistemológicos. A sustentabilidade social

tornou-se, assim, um componente essencial ao conceito de desenvolvimento, que evoluiu para uma

complexificação, em que foram adicionados sucessivos adjetivos, tais como econômico, social,

político, cultural e sustentável.

O Desenvolvimento Endógeno, conhecido também como Desenvolvimento Local, foi

elaborado a partir da atribuição de valor à integração da cultura local, enquanto fundamento e

finalidade essencial ao desenvolvimento. Para Pham Nhu Hô (1988) trata-se de uma perspectiva

centrada no homem e na valorização da cultura, com foco no local. Apesar deste foco, o

desenvolvimento endógeno considera o local não como objeto isolado, e sim como espaço-tempo

em constante relação com o global.

De acordo com o autor, a identidade cultural assume, neste contexto, a função de permitir

que a dinâmica de contato entre o local e o global aconteça, sem que as transformações ocorridas

sejam sinônimas de alienação e/ou perda da configuração local. Hô (1988) reconhece a dimensão da

desvalorização global do sociocultural, através da penetração intensiva de novas normas

remodeladoras, em que a transferência de conhecimentos entre grupos socioculturais e povos ocorre

em um campo de relações de poder nos níveis político, econômico, social, cultural e

epistemológico.

Para Long e Van der Ploeg (1994), o desenvolvimento endógeno também está baseado nos

recursos locais disponíveis, tais como as potencialidades da ecologia local, da força de trabalho,

conhecimentos e modelos locais para articular produção e consumo. Neste sentido, esta perspectiva

do desenvolvimento enfatiza as características socioculturais, ecológicas e econômicas locais como

elementos principais ao estabelecimento de relações e a qualquer processo de câmbio social.

É importante ressaltar que o desenvolvimento endógeno não objetiva a ruptura de relações

externas, a fim de evitar o “desaparecimento” dos elementos socioculturais e ecológicos da

localidade. Ao contrário, esta perspectiva busca a integração das identidades culturais locais aos

processos globais, uma vez que este movimento possibilita a emergência da potencia sociocultural

local ao mesmo tempo em que evita a simples produção social de consumidores dos modelos

culturais, elaborados pelos mercados globais (TOURAINE, 1997).

A partir desta concepção, o desenvolvimento clássico é compreendido enquanto um

instrumento de poder, gerador de dependência e limitação das potencialidades internas, produtor de

41

pobreza das massas e da uniformização cultural. Assim, o desenvolvimento endógeno não significa

ausência de elementos externos, e sim a “localização” do desenvolvimento, e se propõe enquanto

alternativa na medida em que “se encontra em adequação profunda à aspiração, ao respeito, à

vontade dos povos e das comunidades se desenvolver sem se renegar” (HÔ, 1988, p. 61).

Hô (1988) atribui a importância do desenvolvimento endógeno ao seu caráter de antecipador

de uma nova racionalidade e de uma nova prática de desenvolvimento, uma vez que possui a função

de crítica ao desenvolvimento clássico, assimilado ao crescimento e à modernização. Para o autor, a

retórica do “desenvolvimento X subdesenvolvimento”, nascido após a Segunda Guerra Mundial,

foi, inicialmente, como veremos a seguir, uma produção ativa do discurso ocidental.

2.2 Concepções do desenvolvimento: uma produção ativa.

A natureza ocidental do discurso sobre o desenvolvimento, da qual nos fala Hô (1988), está

apoiada nas idéias de modernização, que visam a ocidentalização das estruturas econômicas, sociais

e políticas dos ditos países subdesenvolvidos. Para o autor, a questão do desenvolvimento se torna,

então, uma “simplicidade luminosa”, em que o Ocidente remete ao Terceiro Mundo, os países

subdesenvolvidos, a imagem do caminho a seguir. De caráter exógeno, o problema do

desenvolvimento seria apenas mobilizar recursos para acelerar o desenvolvimento dos

subdesenvolvidos.

Apesar desta linha “luminosa” de raciocínio, Leroy (2010) lembra que sessenta anos após a

Guerra Fria, em que os países em desenvolvimento foram atraídos para o “campo ocidental” com a

promessa de desenvolvimento, a América Latina apresenta taxas de crescimento econômico, porem,

uma crítica situação social.

Para Hô (1988) a ciência do desenvolvimento atuou ao longo da história como um

instrumento de dominação, de desigualdade e de normalização. Neste sentido, Leroy (2010) diz que

as elites políticas e econômicas dos países em desenvolvimento encorajam as relações de

dependência e se aproveitam das relações de subordinação, que trabalham no sentido de expulsar

populações de seus territórios de origem, destruir o meio ambiente, extrair recursos naturais,

transferindo riquezas para o hemisfério Norte.

No que tange ao discurso racional, legitimador de tal perspectiva de desenvolvimento,

Moscovici (2007) lembra que foi sob à luz da razão da modernidade que a ciência se impôs como a

detentora exclusiva do saber humano e desqualificou todas as outras formas de conhecimento, tais

como o senso comum, a filosofia e os saberes práticos e tradicionais. A ciência moderna, ao decretar

quais conhecimentos são os verdadeiros, sob a luz da razão, nos afastou e nos barrou do contato

com a natureza.

42

Para Hô (1988), foi justamente por estar vestido com a suposta legitimidade do discurso

racional e científico que, o discurso ocidental de desenvolvimento pareceu ser facilmente aceito por

grande parte dos países subdesenvolvidos. A crítica apresentada, pelos diferentes autores, ao

progresso técnico-científico e o processo de apropriação da ação e dos saberes humanos, se

aproxima daquilo que Boaventura Santos (2010) chamou de razão indolente.

Uma vez que esse processo, tal qual ainda vivenciamos, só é possível através da produção de

ideias e conceitos que passam a moldar a tendência do pensamento e da cultura humana, Serge

Moscovici (2007) afirma a necessidade de se promover o reencantamento do mundo. Apoiado no

pensamento de Weber, o autor diz que a humanidade vivenciou nos últimos séculos um processo de

desencantamento do mundo, em que o progresso técnico-científico, ocidental, se apropriou dos

saberes e savoir-faire dos humanos. Neste processo, a ciência e as técnicas se impuseram e, assim,

foi-lhes atribuída a realização de tudo o que até então havia sido conquistado pela humanidade,

havendo a substituição do homem no papel de protagonista da história.

Como alternativa à este modelo de racionalidade, chamado de razão indolente por Boa

Ventura de Souza Santos (2010), este propõe uma razão cosmopolita, capaz de reconhecer o

potencial contra hegemônico e emancipatório das realidades ativamente invisibilizadas. Neste

sentido, o autor enfatiza o caráter emancipador da América Latina, a “Nuestra America”5, por

possuir experiências sociais capazes de gerar alternativas aos problemas que se impõem às

sociedades modernas.

Mesmo com tal potencial, Santos (2010) denuncia que há uma riqueza social sendo

desperdiçada que, move-se no campo das experiências sociais que são ativamente produzidas

enquanto não existentes. Para o autor, a experiência em todo o mundo é muito mais ampla e variada

do que a tradição cientifica ou filosófica ocidental reconhece. Não existir, neste caso, não é só uma

questão objetiva. Há realidades que existem materialmente, mas são dadas como inexistentes, por

serem consideradas residuais, minoritárias ou apenas não contemporâneas, embora sejam

simultâneas.

Neste sentido, a presença dos mecanismos de dominação, tais como, ações de violência

física, descaso, racismo e desqualificação é capaz de produzir, ativamente, uma noção de

inferioridade do outro. Apesar de esta lógica parecer brutal, esta razão esteve presente em diversos

episódios do século XX tais como o nazismo da II Guerra Mundial e os processos de escravidão dos

nativos na colonização dos países subdesenvolvidos, pelos países ditos de Primeiro Mundo.

5 O termo “Nuestra América” foi criado por José Martí no final do século XIX e se refere à um projeto político

e cultural que propõe uma mudança de paradigma para o entendimento das características históricas, culturais e

identitárias dos povos da América Latina.

43

Apesar das reflexões estarem pautadas nas experiências do século XX, Bauman (2001) diz

que o século XXI evidencia ainda mais a crise da modernidade. O período moderno, que foi o

símbolo do desenvolvimento humano, objetivando a obtenção de liberdade sob a orientação da

razão, passa por uma crise em que seu ideal de “progresso sem fim” chega a um “limite natural”.

No que tange o atual século, além dos aspectos humanos soma-se os da crise ambiental. A

exploração incessante de recursos naturais, em nome do progresso e modernização sem fim,

enfrenta uma crise de escassez ao mesmo tempo em que gera conflitos armados que destroem vidas

humanas, animais e vegetais de nosso planeta (Moscovici, 2007). Apesar da grave crise ambiental,

Leroy (2010) diz não haver mudança no modelo de desenvolvimento propagado pelas principais

potências mundiais.

Moscovici (2007) diz que a 'questão natural' foi a questão do século XX e é a questão do

século XXI. A crise socioambiental cada vez mais evidente leva a um longo processo de

reconfiguração de sentido da relação entre o ser humano e a natureza. Como consequência, o foco

das organizações socioambientais em nível internacional está direcionado, de maneira crescente,

aos debates ambientais. No Brasil, o cenário internacional trouxe grande visibilidade para a floresta

Amazônica e, certamente, para os povos que nela habitam (Santos, 2003).

É no sentido destas contribuições que, Bauman (2001) diz que a sociedade no século XXI

não é menos “moderna” do que no século XX, ela é moderna de um modo diferente. O autor

acrescenta ao “limite natural” uma condição também mais evidente neste século: o encurtamento

das distâncias. O efeito da velocidade da informação e da comunicação, que marcam este período,

relativizou a concepção de fronteira, que passou a ser representada a partir de formas simbólicas e

sociais, e não apenas geográficas.

Ao contemplar os possíveis modelos de desenvolvimento do atual século, e as formas de

dominação presentes, faz-se importante destacar que a principal ferramenta de poder deste período

está justamente na velocidade do movimento e no acesso a meios mais rápidos de mobilidade

(Bauman, 2001).

No mundo atual a velocidade da informação e da comunicação tem sido a propulsora de

mudanças nas relações de poder e dominação ao propiciar o empoderamento de populações

vulneráveis através da sua inclusão em redes sociais, a exemplo do recente no enfrentamento de

forças opressoras que culminou, e, 2011, com a histórica derrubada do governo egípcio a décadas

no poder, gerando uma onda de movimentos similares em outros países árabes.

Neste sentido, o tempo moderno pode ser compreendido como um instrumento de poder e de

conquista do espaço, uma vez que propicia um processo de desestruturação dos contextos locais de

interação, ruptura do espaço e do tempo e das diferentes realidades locais. Em resumo, a relação

44

entre espaço e tempo no período moderno está diretamente relacionada a uma mudança estrutural,

evidenciada no final do século XX, que permanece presente no século XXI (BAUMAN, 2001;

HALL, 2006).

2.3 Cultura, Identidade e Globalização: termos no plural

A relação entre espaço e tempo no período moderno, diretamente vinculada à mudança

estrutural, evidenciada no final do século XX é, produtora de um processo de deslocamento das

identidades. A permeabilidade das fronteiras, característica do estilo de vida mediado pelo mercado

global e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, resulta em uma fragmentação das

paisagens culturais que antes forneciam uma localização precisa dos indivíduos sociais, tais como a

noção de etnia, raça e nacionalidade (HALL, 2006).

Para dar uma melhor compreensão a este processo, Cardoso de Oliveira (2000) relata uma

experiência concreta, através do depoimento de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. Por

serem considerados pela rede de classificação étnica local como hispânicos, uma categoria étnica

desvalorizada no país, os brasileiros, e os demais grupos latinos, querem ter uma identidade própria

e lutam por isso. Ao enfatizar o processo de deslocamento, o autor analisa a presença de

ambiguidades no processo de constituição das identidades brasileiras como parte do processo de

surgimento de crises de identidades, sejam elas reais ou virtuais, fruto da fragmentação das

paisagens culturais precisas.

Essa transformação estrutural, da qual nos falam Hall (2006) e Cardoso de Oliveira (2000), é

caracterizada pelo deslocamento, ou fragmentação, que gera uma “crise de identidade”, em que o

sujeito vive a descentração do seu lugar no mundo social e cultural, e de si mesmo, uma vez que as

identidades se tornam desvinculadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicos.

Hall (2006) chama a atenção, desta forma, para uma compreensão histórica da identidade.

Ele reconhece a possibilidade de um mesmo sujeito assumir diferentes identidades, tendo em vista

diferentes momentos. Nesta perspectiva, a identidade não é um fenômeno biológico e não pressupõe

um “eu” unificado e coerente. A formação das identidades pressupõe uma transformação contínua,

de acordo com a maneira pela qual os sistemas culturais do entorno atribuem significados e

representações àquele que se identifica.

À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos

confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,

com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (Hall,

2006, p.13).

O conceito de identidade, como se pode perceber na passagem, encontra-se diretamente

45

relacionado ao paradigma da cultura. Este paradigma, historicamente central à antropologia, tornou-

se, a partir de reformulações teóricas e metodológicas construídas, sobretudo, após a II Guerra

Mundial, um campo de investigação interdisciplinar (CLIFFORD, 1998). Na Psicologia Social, são

poucos os autores que têm se interessado em estudar o conceito de cultura apesar da centralidade do

tema para a análise psicossocial (MELLO E SOUZA, 2003).

Para Sahlins (1997), o paradigma da cultura, no sentido antropológico, foi capaz de superar

a noção de “culto”, de refinamento cultural, da qual etimologicamente é descendente. E também foi

capaz de se afastar das idéias progressistas de “civilização”, a que já esteve relacionada, bem como

da ideia de uma cultura original.

A concepção de cultura, como algo originário, preexistente, trouxe a idéia simplista, de uma

suposta “aculturação” ou descaracterização, em decorrência do contato com a alteridade que pode

gerar transformações, consideradas pelos não nativos como não condizentes à idéia de

tradicional/original. Esta visão não histórica da cultura ignora que a “tradição” não é mais estática

no passado do que agora. É preciso perceber que a habilidade de inovação não é uma indicação de

falência e sim uma qualidade intrínseca do sistema (Sahilns, 1997).

É neste mesmo sentido que Roy Wagner (1981) enfatiza a cultura como um sistema aberto-

fechado, em constante movimento, capaz de produzir significados, a partir de uma dinâmica de

relação e movimento. O autor também lembra que, historicamente, a antropologia constituiu seu

objeto de estudo através de uma perspectiva que buscou fixar as culturas humanas em um sistema

fechado, supostamente “original”.

Ao trazer as reflexões para o campo do desenvolvimento, Sahilns (1997) dá visibilidade a

intensificação do movimento anti-imperialista ocidental na segunda metade do século XX, na qual o

paradigma da cultura apareceu como a antítese de um projeto colonialista de estabilização. Neste

movimento, diferentes povos de todo o planeta passaram a utilizar, de forma consciente, sua

“cultura” enquanto um contraponto, para marcar suas identidades e especificidades e, assim,

retomar o controle de seu próprio destino. Neste mesmo sentido Lagrou (2007) ressalta que em todo

mundo, as populações nativas estão passando por um processo de afirmação identitária através de

mecanismos de visibilização da cultura, de sua ' autenticidade' e vitalidade.

Encontra-se nesta passagem um importante ponto: a idéia de cultura passou a ser utilizada

como uma estratégia de resistência e garantia aos projetos de vida, e assim, de desenvolvimento,

dos diferentes povos, sobretudo aqueles em situação de invisibilidade. Vale salientar, neste sentido,

que o paradigma da cultura está diretamente relacionado à constituição de identidades e, estes

devem ser compreendidos através de uma perspectiva histórica, em que a atribuição de significado

ocorre a partir de um sistema de relação aberto-fechado, em movimento contínuo de transformação.

46

No que tange a perspectiva histórica, Hall (2006) esclarece que o tempo e o espaço são as

coordenadas básicas dos sistemas de representação e, assim, diferentes épocas culturais podem

produzir diferentes significações, uma vez que combinam coordenadas de espaço-tempo

específicos. O atual século, como dito por Baumam (2001), carrega a marca do encurtamento das

distâncias em função da velocidade do deslocamento e da informação.

Esta especificidade, iniciada no final do século XX, é denominada por Hall (2006) de

“permeabilidades das fronteiras” e “aumento da transição territorial”. É justamente por se definir

enquanto um espaço não plenamente estruturado, que possui uma virtualidade histórica, que os

novos formatos de fronteiras se tornam um potencial na geração de transformações e novas

realidades (BECKER, 2009).

É neste sentido que Hall (2006) afirma que a dinâmica das coordenadas de espaço-tempo da

época gera um espaço favorável às trocas e transformações e, que a produção da identidade está

diretamente relacionada ao processo de representação constituído neste período. É neste sentido

que, para o autor, a permeabilidade das fronteiras pode produzir uma desintegração das identidades,

como resultado do “pós-moderno” e da crescente homogeneização cultural.

O século XXI, marcado pelo aumento de tal permeabilidade, possui cada vez mais uma

realidade global, no que tange a acessibilidade aos espaços, capaz de gerar a desintegração das

identidades nacionais, em função do impacto da globalização sobre as identidades (HALL, 2006).

No que tange este mesmo período histórico, Boaventura de Souza Santos (2010) chama

atenção ao fato de que aquilo que habitualmente designamos por “globalização” faz parte de vários

conjuntos de relações sociais. O autor enfatiza que deveríamos utilizar o termo globalização apenas

no plural, uma vez que se refere à diversos feixes de relações sociais que se constituem de forma

histórica, através de sucessivos processos de transformação.

É esta crescente troca de informações que gera, de acordo com Garcia Canclini (2008), um

processo de hibridação sociocultural, em que as estruturas que existiam de forma separada, se

combinam para gerar novas estruturas, objetos, práticas e saberes. O autor chama atenção à

necessidade de se estudar tal processo através de uma teoria não ingênua da hibridação, que

considera os limites daquilo que não se deixa, ou não quer, ou não pode ser hibridado.

Como um processo em que é possível ter acesso e se pode abandonar, a hibridação evidencia

as posições dos sujeitos nas relações interculturais. Assim, falar de hibridação não é sinônimo de

falar de fusão sem contradições. É desta forma que, seu estudo pode ajudar a compreensão das

formas particulares de conflito geradas nos contatos interculturais, presentes tanto nas combinações

de elementos étnicos ou religiosos, quanto na de produtos tecnológicos e nos processos sociais

modernos e pós-modernos (CANCLINI, 2008).

47

Para Friedman (1990) tanto a fragmentação étnica e cultural, e o processo de hibridação,

quanto a homogeneização modernista são tendências que constituem a realidade global e, desta

forma, não devem ser consideradas visões opostas sobre o que está acontecendo no mundo.

Tendo em vista a pluralidade de realidades sociais e globalizações, Santos (2010) ressalta

que a experiência em todo o mundo é muito mais ampla e variada do que a tradição cientifica ou

filosófica ocidental reconhece, ou seja, há uma riqueza social sendo desperdiçada. A este respeito,

diz que uma vez que as globalizações são feixes de relações sociais, elas envolvem conflitos e,

assim, vencedores e vencidos.

2.4 Especificidades da cosmologia Kaxinawa

Até aqui, a presente pesquisa tem levantado questões relativas à produção de Xinã Bena, o

Novo Tempo para os Kaxinawa do rio Jordão. Este esforço conta com o estudo cuidadoso da

história deste povo que, certamente, encontra-se intimamente atrelada à sua relação com a

sociedade envolvente. A construção deste novo momento faz parte de uma conjuntura regional,

nacional e internacional, em que se deve considerar aspectos do desenvolvimento, como visto, e dos

processos de globalização e de hibridação da cultura.

A presente dissertação não se propõe enquanto um estudo etnológico, entretanto, está

lidando com uma etnia indígena, que possui especificidades em relação à outros povos e, sobretudo,

à cultura ocidental. Neste sentido, é importante esclarecer que, quando se fala de uma nova

constituição de identidades Kaxinawa não significa atribuir a este processo um caráter de invenção

de identidades, uma vez que há entre os Kaxinawa, assim como nos demais ameríndios, uma

cosmologia de mundo própria. É sobre esta que este tópico se propõe. Deve-se lembrar que é a

partir desta cosmologia que pode haver a tradução de novos conceitos emergentes pois, em algum

grau, deve haver uma redefinição ou reinterpretação do modo de ser Kaxinawa, a partir do dialogo

com a alteridade.

É neste sentido que McCallum (2001) diz que em seu estudo sobre os povos amazônicos

aprendeu o quão é falsa a ideia do “nobre selvagem” 6 que vive nas Américas. Para a autora, os

habitantes da floresta, tais como os Kaxinawa, possuem autenticidade, assim como os humanos, e

possuem um estilo de vida e de pensamento grandiosamente original e criativo.

Diante destas questões, o leitor deve considerar que, há uma importante distinção entre a

cosmologia do ocidente, moderna, e a ameríndia, do qual faz parte o sujeito da presente pesquisa.

Viveiros de Castro (1996) destaca como ponto de contraste entre estas concepções a distinção entre

6 Jean-Janques Rousseau (1755) introduziu o pensamento idealista do “nobre selvagem” em que os ameríndios são

considerados puros, naturalmente bons, vivem em comunhão com a natureza.

48

natureza e cultura. Enquanto o ocidente possui um pensamento “multiculturalista”, que se apóia na

unicidade da natureza e na multiplicidade das culturas, a cosmologia ameríndia supõe uma unidade

do espírito e uma diversidade dos corpos em que, a cultura é a forma universal e a natureza a forma

do particular.

Levi-Strauss (1964) afirma que a diferenciação entre natureza e cultura é tema comum, e

importante foco, da mitologia ameríndia. Nesta, fica evidente a atribuição de uma condição comum

aos homens e animais: a humanidade. Ao contrário do pensamento ocidental, evolucionista, a

cosmologia ameríndia não diferencia o humano a partir da animalidade e compreende uma

condição comum com os animais, a própria humanidade. É neste sentido que Phillipe Descola

afirma que “o referencial comum a todos os seres da natureza não é do homem enquanto espécie,

mas a humanidade enquanto condição” (DESCOLA, 1986, p. 120).

À esta ontologia ameríndia, chamada de animismo, percebe-se a atribuição de um caráter

social às relações tanto humanas, quanto não humanas, em que considera que os animais estão

imersos no mesmo meio sociocósmico que os humanos. Apesar desta semelhança, a cosmologia

ameríndia considera somente o grupo a que pertence como aquele que encarna a humanidade. Nesta

visão, os estrangeiros ocupam o mesmo lado da fronteira que separa os humanos dos animais e

espíritos, a cultura da natureza e da sobrenatureza (VIVEIROS DE CASTRO, 1996).

Ao contrário do animismo, o naturalismo atribui um caráter natural às relações entre a

natureza e a sociedade, ou seja, as relações sociais, relações contratuais ou instituídas entre sujeitos,

só existem na sociedade humana. Nesta perspectiva, a interface entre a natureza e a sociedade

encontra-se regulada pelas leis naturais da biologia e da física. Os humanos são considerados

organismos vivos que interagem de forma ecológica com outros corpos-objetos, ou corpos e forças,

todos regulados pelas forças naturais (VIVEIROS DE CASTRO, 1996).

Para melhor entender esta distinção, faz-se importante destacar que, as categorias de

natureza e cultura dos ameríndios não dizem respeito ao mesmo conteúdo e estatuto dos ocidentais,

elas manifestam o que o autor chamada de “qualidade perspectiva”, ou perspectivismo. O

pensamento ameríndio considera a existência de diferentes espécies, sujeitos humanos e não

humanos que apreendem o mundo através de pontos de vista distintos, configurado por contextos

relacionais e perspectivas móveis.

Aqui, a posição de sujeito só é possível, quando há a capacidade de intencionalidade

consciente, um poder de agencia ou ponto de vista. É, assim, por atribuir tais capacidades aos não

humanos, que a cosmologia ameríndia considera os animais e espíritos como pessoas, dotados de

humanidade. Porém, Viveiros de Castro (1996) esclarece que, o pensamento animista é menos uma

projeção do humano sobre o anima do que uma equivalência real entre as relações que humanos e

49

animais mantêm consigo mesmos.

É neste sentido que, no que tange a constituição da identidade cultural Kaxinawa, Lagrou

(2007) ressalta que, assim como para a maioria dos ameríndios, o mundo Kaxinawa é caracterizado

pela possibilidade de transformação dos seres em outros seres. A alteridade possui, neste sentido,

importante centralidade na constituição do eu, em que todas as pessoas estão a caminho de se

tornarem outra.

Nesta cadeia de sucessivas possibilidades de se transformar na alteridade, “o outro é sempre

de alguma maneira reconhecido como parte do eu num sentido temporal assim como constitutivo

(…) a produção da sociedade Kaxinawa consiste em um tipo de domesticação, familiarização ou

sedução da alteridade” (Lagrou, 2007, p.63).

As transformações da forma possuem, neste contexto, grande importância, uma vez que,

cada forma assumida pelo ser possibilita o acesso e a atuação no mundo. Lagrou (2007) acrescenta

que, é através do controle da forma que a sócio-cosmo-política Kaxinawa está fundamentada. As

transformações das identidades Kaxinawa acompanham tanto as mudanças de hábitos, de relações,

dos corpos e dos pensamentos.

No que diz respeito aos corpos, Viveiros de Castro (1996) diz que há, nas ontologias

amazônicas, uma noção de “roupa”, um processo de metamorfose possibilitado pela onipresença do

“mundo transformacional”. Para os ameríndios, os animais possuem uma intencionalidade e

consciência idêntica à humana e se vêem como humanos. Seu corpo é como uma “roupa” que

esconde uma forma humana sob a máscara de animal, que só é visível a partir do ponto de vista da

própria espécie ou de seres capazes de contato com esse “mundo transformacional”, como os

xamãs.

Sobre a capacidade de comunicação com outras dimensões, Sztutman (2005) e Viveiros de

Castro (2000) ressaltam a importância das reflexões sobre o xamanismo ameríndio partirem de uma

compreensão cosmopolítica do espaço, uma vez que domínios além do humano povoam as

subjetividades produzidas. As relações, neste sentido, vão além, alcançando domínios de agentes

sobrenaturais, invisíveis, micro e macroscópios. No que diz respeito ao desempenho desta função,

pode-se destacar entre os Kaxinawa o mukaya, o xamã por excelência. Lagrou (2007) diz que, de

acordo com seus informantes, o mukaya pode realizar a comunicação com outras dimensões e seres

e, assim, obter informações sobre doença, cura e eventos futuros.

É neste sentido que, o xamã adquire a capacidade privilegiada, de acordo com Sztutman

(2005), de se comunicar com agencias humanas e não humanas, tornando-se um mediador da rede

de relações entre as duas realidades. Para carneiro da cunha (1998) o privilégio do xamã advém de

sua ação política, em que desenvolve uma atividade de tradução dos aspectos da realidade

50

sobrenatural para a realidade sociopolítica. Neste processo, faz-se necessário produzir uma

inteligibilidade – apreender a informação e interpretá-la, inserindo-a na ordem das coisas.

FIGURA 05: O poder da transformação

FONTE: Bane Sales

Aqui, faz-se importante enfatizar a função social do xamã enquanto um tradutor de mundos,

um comunicador, capaz de facilitar a compreensão dos elementos que compõe o espaço

cosmopolítico local. Apesar disto, não basta tal característica de tradutor para que o aprendiz se

torne um xamã, uma vez que para os Kaxinawa a percepção da onipresença das agencias

sobrenaturais, yuxin e yuxibu, não é privilégio do xamã, já que todos podem perceber os efeitos de

tais agencias no cotidiano (LAGROU, 2007).

A autora revela que os Kaxinawa dizem ter perdido todos os seus xamãs, porém, por

possuírem uma lógica dualista de pensamento, a existência de xamãs pode ser declarada em um

outro contexto, até mesmo pela mesma pessoa. Para Lagrou (2007) esta lógica dual, em que uma

hora se aponta a presença e, em outra, a ausência, é uma dinâmica da política do poder, do

conhecimento e dos papéis sociais publicamente reconhecidos.

No pensamento Kaxinawa a política de poder diz respeito ao poder da transformação. Os

seres espirituais, yuxin e yuxibu, estão sempre à procura de obter uma forma, transformando-se em

algo diferente, e desta forma, possuem poder e podem produzir estados animados na mente das

pessoas. Esta capacidade dos seres espirituais, o poder da transformação, está presente no processo

de tornar-se xamã e configura uma relação de predação

Esta relação pode ser compreendida no processo de se tornar um mukaya em que há a

implantação do “amargo”, muka, pela agencia sobrenatural, o yuxin, no corpo do xamã. A

implantação do veneno configura uma relação de poder em que o aprendiz terá que transformar a

relação potencialmente predatória, a implantação do veneno, em uma relação produtiva. O grau em

que a relação predatória acontece, de maneira controlada ou descontrolada, produzirá a

51

transformação do aprendiz, tornando-se um xamã mukaya, aquele com o amargo, ou, se não for

bem sucedida, produzirá comportamentos “estranhos”, desajustados socialmente (Lagrou, 2007).

É neste sentido que a autora afirma, como anteriormente citado, que “a produção da

sociedade kaxinawa consiste em um tipo de domesticação, ou melhor, familiarização ou sedução da

alteridade”(Lagrou, 2007, p.63). A possibilidade de transformar as intenções agentivas de predação

em um nova maneira de relacionar-se, torna-se um processo de produção de novos seres em que a

alteridade é produzida pela semelhança, e vice-versa.

Fica evidente, assim, o caráter relacional da produção de uma compreensão do mundo,

semelhança, alteridade e identidade, entre os Kaxinawa. É a partir desta perspectiva que Lagrou

(2007, p. 80) afirma que, “(...) o agir no mundo pelos Kaxinawa sempre foi movido pelo fascínio

pelo outro, significando um processo de predação, incorporação e transformação do que era do

outro”.

O fascínio pelo outro citado pela autora, torna-se uma fonte de poder uma vez que atrai para

perto de si agencias que poderiam protagonizar uma relação de predação. A possível predação

causada pela presença da alteridade, enquanto pessoas “de fora”, tais como estrangeiros e pessoas

das cidades, é seduzida e transformada, podendo produzir, naquele que poderia vir a ser o inimigo, a

vontade de colaborar e de se tornar um aliado.

É importante destacar que, de acordo com Vilaça (1992) a visão de mundo perspectivista dos

ameríndios, caracterizada, sobretudo, pela possibilidade de transformação dos seres em outros

seres, enfatiza a inversão dos pontos de vista relativos à relação entre predador e presa, onde a caça

se torna caçador. A este respeito, Lagrou (2007) diz que entre os Kaxinawa tal inversão não ocorre

de forma aleatória e a isto atribui a importância dada, pelos ameríndios, ao corpo.

No que tange o processo de transformação, Viveiros de Castor (1996) afirma que as roupas e

máscaras de animais, usadas pelos xamãs em rituais, funcionam como instrumentos de

deslocamento metafísico, capazes de transformar a identidade daquele que as utiliza. É neste

sentido que, as “roupas” de animais não são meros disfarces, como às fantasias de carnaval, e sim

um equipamento, dotado de afecções e capacidades, característicos do próprio animal.

52

FIGURA 06: “Roupa”

FONTE: Bane Sales

No que diz respeito à corporalidade ameríndia, o autor diz haver uma ênfase nos processos

de fabricação contínua do corpo. Há nestes processos, uma compreensão de que o parentesco é

criado, também, a partir da consubstancialização, assim, a semelhança é fabricada através da

partilha de alimentos, fluidos corporais e sexuais.

Lagrou (2007) diz que quando os ameríndios se referem ao corpo, estão se referindo ao “eu”

e às transformações do corpo. Neste sentido, a autora diz que o “eu” Kaxinawa é constituído pelos

laços de parentesco criados com o tempo, através da convivência, da partilha de banhos, medicinas,

pinturas corporais, substâncias:

A mais inclusiva autodefinição para os Kaxinawa é mukun yuda, que significa uma pessoa que pertence ao “nosso mesmo corpo”: um corpo que é produzido coletivamente por

pessoas que vivem na mesma aldeia e que compartilham a mesma comida. São os parentes

próximos que provocam um forte sentimento de pertencimento a um grupo e, quando estão

ausentes, é sentida sua falta, expressa pelo termo manuaii, palavra usada para definir a

saudade de um parente próximo do mesmo modo que se designa a sensação física e vital da

necessidade de água (LAGROU, 2007, p.163)

De acordo com Kensinger (1995), entre os Kaxinawa a fabricação do parentesco também

ocorre através da partilha de mulheres, em que cada aldeia é composts por duas patrilinhagens,

conectadas pela perpetuação da troca de irmãs. De acordo com o autor, a sociedade Kaxinawa é

dividida entre duas metades, que também são divididas pelo sexo. Os segmentos dos homens são

chamados de inubake e duabake e respectivamente os segmentos femininos são chamados de

inanibake e banubake.

É a partir destas metades que a sociedade Kaxinawa está estruturada. Em cada aldeia deve

haver dois homens centrais, da mesma geração, pertencentes às metades diferentes. Estes dois

homens centrais devem trocar irmãs, para o casamento, e produzir filhos e, assim, criar uma

“molécula” de organização social.

É interessante notar que esta divisão de metades não só está presente, como fundamenta o

53

pensamento Kaxinawa, que se baseia em uma dialética de oposição. Tal pensamento aparece como

foco na vida social deste povo, tais como nas tensões do cotidiano, tensão entre demandas sociais e

desejos individuais, sócio centrismo e egocentrismo (KENSINGER, 1995).

Ainda de acordo com o autor, há na sociedade Kaxinawa uma aparente dominação da

mulher pelo homem, que está diretamente relacionada à artificial escassez de carne e na sexualidade

feminina. Há um alto valor atribuído à caçada e à carne, uma vez que desempenha funções sociais e

é a característica central da identidade masculina. O sucesso do homem enquanto bom caçador traz

tranqüilidade ao seu casamento.

De acordo com McCallum (2001), a distinção entre “homem” e “mulher” na estrutura da

vida social ameríndia não define, necessariamente, uma estrutura de poder. Na sociedade Kaxinawa,

o homem, e a própria mulher, não consideram que a mulher é dominada pelo homem. Os papéis

sociais dos homens seriam explicados através da atribuição de qualidades tais como: serem maiores,

mais fortes e falarem melhor em público.

Kensinger (1995) diz que a divisão do trabalho na sociedade Kaxinawa está baseada no fato

do homem ter pênis e a mulher ficar menstruada. O autor chama atenção à importância atribuída à

menstruação, ao invés da característica feminina de dar a luz aos filhos, como uma definição da

feminilidade. É neste sentido que, os Kaxinawa consideram que antes da menarca e a partir da

menopausa as mulheres não são “totalmente mulheres”. O fato de não menstruar às atribui a

incapacidade de cuidar das crianças.

Além disto, a aparente dominação, da qual fala o autor, está baseada no fato de que a caça é

uma atividade econômica exclusivamente masculina, e possui alto valor e função social. O valor

atribuído à carne diz respeito a esta fazer parte da cultura tradicional, possuir um gosto bom, ser um

veículo de criação, manutenção e facilitação das relações sociais e ser o produto da atividade de

caçada.

A presença da caça também determina o local onde o grupo social formado deve morar, o

local deve conter espaço suficiente para as plantações e para a existência de um ecossistema

diverso, com nichos ecológicos capazes de atrair os animais que são alvo de caça, para que cada

homem adulto tenha seu território de caçada. Além disto, a comunidade local, a aldeia, deve ser

grande o suficiente para se auto propagar e para que tenha pessoas com o conhecimento necessário

para realizar rituais, curar doenças e lidar com as forças sobrenaturais (KENSINGER, 1995).

O autor complementa que, idealmente, a comunidade local Kaxinawa é socialmente,

politicamente e economicamente autônoma, funcionando como um microcosmos da sociedade, que

funciona como uma unidade social fechada, porém com fronteiras mal definidas. Por viverem em

aldeias ao longo de um mesmo rio, existe entre as comunidades locais interação e casamento entre

54

si, que definem o espaço social Kaxinawa através da filiação nas aldeias. É importante salientar

que, assim como a grande sociedade, as aldeias possuem divisões em duas metades femininas e

duas masculinas, que funcionam como uma “cola” unindo as unidades autônomas (KENSINGER,

1995).

Segundo Overing (1991) a visão social ameríndia, bem como seu senso de comunidade,

muitas vezes expressa a falta de estruturas de hierarquia, assim como, de instituições de coerção.

Apesar da noção indígena de comunidade ser dificilmente compreendida aos olhos das categorias

sociais e políticas ocidentais, deve ser entendida como capaz de representar credo político com

intenção moral e estética e, assim, de organização social.

Neste sentido a autora comenta: “O viés mais relevante é o da hierarquia: os antropólogos

tendem a entender hierarquia ou instituições de coerção e subordinação muito mais facilmente do

que o fazem quanto a estruturas de igualdade ou instituições de cooperação e paz” (OVERING,

1991, p.9).

A autora cita Pierre Clastres, que falava da não associação de lideranças à instituições de

coerção, ao defender a idéia de que a informalidade pode ser um credo político, um valor social e

estético, através de um senso de “fluidez estrutural”. A partir desta concepção, pode-se perceber que

nas sociedades ameríndias as instituições de igualdade, bem como a idéia de comunidade, e sua

criação, são mutuamente constitutivas.

Neste sentido, Kensinger (1995) afirma que na sociedade Kaxinawa a força física é

considerada como uma grande ofensa. Neste grupo, nenhuma pessoa, seja ela homem ou mulher,

adulto ou criança, tem o direito de forçar outra a obedecer um comando, mesmo se a pessoa

escolher não obedecer. De acordo com os informantes do autor, as lideranças, xanen ibu, raramente

levantam a voz para brigar com seus parentes. Quando é necessário chamar a atenção, eles falam de

maneira suave e nunca demais e, ainda, possuem um julgamento imparcial, mais pragmático do que

idealista.

Além disto, os informantes frequentemente atribuem às lideranças qualidades tais como ser

legal, inteligente, confidente, bom caçador e generoso com sua comida, quando há algo de grande

importância ao bem-estar da aldeia, a liderança é firme e forte, e sabe usar os poderes dos reinos

invisíveis adequadamente. Segundo Kensinger (1991), se o xanen ibu está ausente da aldeia, por

mais de poucos dias, pode-se notar uma diferença na emergência de problemas.

Neste sentido, o autor afirma que a comunidade parece ser imperceptivelmente influenciada

pela presença da liderança na aldeia. A liderança do chefe é sutil e astuta, uma vez que ele lidera

através de uma suave persuasão e tranquilo exemplo. Desta forma, a habilidade da liderança não é a

da coerção e sim da persuasão, através de sua capacidade de liderar seus parentes gentilmente rumo

55

ao consenso. Além disto, o chefe é formalmente reconhecido pelas pessoas de fora, tanto indígenas

quanto não indígenas. Estes, quando chegam na aldeia vão, geralmente, até o local onde estão a

liderança e seus parentes (KENSINGER, 1995).

Para Overing (1991) o que o pioneirismo de Goldman definiu como “estilo de vida” (ao se

referir ao senso de comunidade Cubeu, traduzido como entendimento político e moral da

construção de comunidade) pode ser, também, referido como pertencente à esfera do

“conhecimento produtivo (ou estético)”.

Esta categoria ameríndia de conhecimento está, para a autora, articulada a uma teoria do

trabalho e da criatividade, uma vez que é capaz de permitir a manutenção da comunidade e prover a

força criativa para a sua continuidade. No que tange a categoria de conhecimento produtivo, estão

incluídas as capacidades que permitem o uso dos recursos, bem como, as que permitem a habilidade

de viver de forma pacífica e social, nas relações sociais do cotidiano.

É neste sentido que, a “estética da produção” se refere à produção e à vida comunitária

ameríndia, focando as estruturas igualitárias e o conhecimento produtivo. Para Goldman (1963) o

índio percebe que somente através da autonomia pessoal o social pode existir, de forma que não

haja prioridade de um sobre o outro.

Neste sentido, o social aparece como o meio de cercear relações de subordinação, através da

liberdade. Há, assim, um senso de complementariedade em que o senso de comunidade contem, de

forma igualitária, tanto o desejo por “laços” sociais quanto o de autonomia pessoal. Sobre isto,

Overing (1991, p.9) afirma:

À diferença da tendência social que, no pensamento político e sociológico ocidental,

equaciona o “social” com a limitação imposta por uma coletividade e com relações de dominação, os índios das terras baixas, em sua teoria política, tendem a insistir no oposto,

onde o “social” (ao menos em sentido positivo, tal como expresso pela relação de vida

comunitária) é visto como o meio pelo qual as pessoas podem ativamente evitar o

estabelecimento de relações de dominância.

Overing (1991) esclarece que através da autonomia da relação de trabalho, bem como de

seus produtos, os laços de comunidade podem ser alimentados. Uma vez que o partilhar e a

generosidade são características pessoais capazes de conferir status, tornam-se valores de

comunidade, ligados à afirmação de direitos individuais, e à aquisição de respeito. Como visto

anteriormente sobre o papel social da caça e das qualidades das lideranças Kaxinawa.

A isto, a autora acrescenta que entre os ameríndios o que diferencia uma comunidade pobre

de uma próspera não é a questão do acúmulo da produção e sim de ânimo. Esta é uma noção que

deve ser compreendida não como algo “ideal” e sim como algo que diz respeito à realidade e seu

pragmatismo, uma vez é apenas a partir de uma moral alta que as atividades coletivas, inclusive o

56

trabalho, podem ser realizados.

É neste sentido que a autora destaca como o insight mais inovador de Goldman a

compreensão de que, a vida social indígena atribui grande importância ao conforto psíquico em suas

relações sociais, em especial nas relações de cooperação no trabalho, em que o ânimo é vital à

manutenção do senso de coletividade.

Nesta mesma linha Lagrou (2007) reflete sobre a falta de acumulação nas sociedades

ameríndias em que, em grande parte, não há sistemas elaborados de troca. A isto relaciona, também,

a ênfase dos ameríndios à generosidade enquanto uma prática social, o que torna os sistemas

elaborados de troca de valores incompatíveis. O que existe, segundo a autora, é um pensamento

sustentado na lógica da predação e da incorporação, o que possibilita o acúmulo de aspectos do

outro, dentro de si mesmo.

Lagrou (2007) chama atenção a idéia de que tal especificidade amazônica possa apontar na

direção de uma teoria de poder relacionada ao saber. Entre os Kaxinawa, o poder também se

encontra relacionado ao poder da transformação. Poder este, também, dos seres espirituais

chamados yuxin ou yuxibu, que podem produzir imagens animadas na mente ou em todo o 'corpo

perceptivo' das pessoas. Neste sentido, é importante destacar que a socialidade é compreendida

enquanto um processo, cuidadoso, de predação controlada, em que há uma elaboração da sedução

enquanto estratégia de alegrar os inimigos predadores.

Desta forma, a teoria de poder relacionada ao saber envolve: o saber fazer pessoas e

artefatos, assim como, o saber como trazer os inimigos para perto. Esta dinâmica de sedução pode

ser evidenciada na prática ritual Kaxinawa em que há uma estética elaborada à atração dos inimigos

mitológicos que, uma vez perto, serão cativados e se tornarão alegres e, consequentemente, terão

vontade de colaborar voluntariamente (LAGROU, 2007).

É neste sentido que Overing (1991) diz que o manejo do ânimo, ao invés das hierarquias de

dominação e subordinação, torna-se um elemento da política ameríndia. Uma vez que é capaz de

criar um moral alto, o ânimo cria a coletividade dos membros da comunidade e, assim, o trabalho,

já que não utiliza a relação comando-obediência e sim o valor da autonomia pessoal. É neste sentido

que a função da liderança é, dentre outras, estabelecer um moral alto entre os membros da

comunidade.

No que tange as relações de trabalho, Overing (1991) afirma que na grande maioria das

comunidades indígenas o trabalho é entendido como uma manifestação do saber produtivo, uma

capacidade criadora, que confere o poder de criação de ornamentos e de meios materiais de

transformação dos recursos da terra, como a produção agrícola. Neste sentido, a beleza das

capacidades criadoras atribui beleza aquele que faz, assim como assinala sua perícia no trabalho e,

57

desta forma, sua autonomia pessoal.

No entanto, a autora enfatiza que o propósito de tais habilidades está diretamente

relacionado à ação social voltada à produção e reprodução da comunidade, através da criação de

relações pessoais agradáveis. É neste sentido que o saber produtivo, e a beleza e criatividade nele

valorizadas, diz respeito a uma “estética social” do senso de comunidade indígena, que permite a

construção e a manutenção desta.

De acordo com Lagrou (2007), o saber produtivo da arte Kaxinawa não funciona a partir da

separação entre a vida cotidiana e o saber artístico, como no pensamento ocidental de herança

evolucionista. É importante destacar que a escala valorativa do mercado das artes e dos museus não

pertence, necessariamente, ao universo das intenções e valores nativos já que, este pode visar a

objetivos além da conquista de vitalidade ou afirmação de identidade e autenticidade, tão presentes

na atualidade em que a afirmação identitária de populações nativas no mundo inteiro passa cada vez

mais pela visibilização da cultura.

No que tange o poder de criação de ornamentos, os artefatos possuem poder de agência, se

tornam seres em si mesmos, não uma agência secundária. Em Kaxinawa, o termo utilizado para

designar ornamento, dau, também é utilizado para se referir a remédio e encantamento. Estes

podem ser usados tanto para curar e embelezar quanto para enganar e matar. Um líder de canto

utiliza uma roupa com desenhos, kene, e é decorado com penas, que são dau. Desta forma, o

cantador está com o encantamento, uma vez que os ornamentos aumentam a eficácia do ritual,

dentre estes também estão as plantas perfumosas, a pintura corporal feita com jenipapo e urucum,

colares epulseiras de sementes, algodão, dentes e miçanga (LAGROU, 2007).

FIGURA 07: Dau e Kene

FONTE: Arquivo pessoal Castor (2011)

A agencia do desenho é considerada própria do desenho e estes são formas da linguagem

58

utilizadas para ligar universos e abrir caminhos para a transformação do “corpo perceptivo”. O

grafismo estabelece relações entre corpos e pessoas, funcionando como uma espécie de malha

protetora e, assim, age sobre o mundo social e guia o mundo das visões, tornando visíveis as redes

de relações. É neste sentido que a autora afirma que a arte é, para os Kaxinawa, incorporada, assim

como a memória e o conhecimento.

Faz-se importante mencionar que existem diferentes ritos que marcam o ciclo vital

Kaxinawa, dentre estes são centrais o Katxanawa, o rito da fertilidade em que os nativos cantam e

dançam em roda invocando o espírito dos legumes, e o Nixpupima, o rito de passagem de meninos e

meninas que já trocaram os dentes de leite. Há também o rito para aprender as cantorias, que está

associado ao poder do japim, pássaro que imita o som de todos os pássaros, e de iniciação feminina

na tecelagem, em que as mulheres cantam pedindo aos yuxibu, seres não-humanos donos dos

desenhos, o seu aprendizado. É nesta mesma linha que, os desenhos, enquanto linguagem dos

yuxibu, remetem aos seus donos. De acordo com Lagrou (2007) os rituais Kaxinawa possibilitam a

mudança de perspectiva e atuam de forma a controlar a fluidez e fertilidade dos poderes “sobre-

humanos”. São momentos de acesso ao espaço cósmico, o que possibilita uma maior consciência de

todos os outros possíveis mundos e corpos a serem vividos.

No que tange a fluidez da forma perceptível, em que os conceitos de poder e de agência

estão imbrincados, faz-se importante mencionar que para os Kaxinawa a agencia da cobra jiboia

possui grande destaque. De acordo com a autora, à ela é atribuído o aumento da capacidade de

produzir visões e do conhecimento das mulheres de gerar desenhos que, por sua vez é a condição

para gerar qualquer tipo de forma. Foi também o yuxibu da jiboia que ensinou ao homem os

conhecimentos necessários ao preparado da bebida Nixi Pae7, a ayahuasca, bem como de seu uso

ritual.

Como no pensamento Kaxinawa a matéria é o veículo do yuxin, os animais que possuem

yuxin de poder podem ser mortos com a finalidade de possibilitar a comunicação com seu yuxin.

Como exemplo de portadores de yuxin poderoso, pode-se citar a jiboia, o japim, e substancias do

reino vegetal, tal como raízes e plantas capazes de alterar a percepção. Nestas estão a ayahuasca e o

tabaco, utilizado junto com cinzas de árvores para fazer o rapé, além de um imensa diversidade de

extratos de plantas usadas para espremer nos olhos, como a sananga, utilizada pelos caçadores e o

bawe, utilizado pelas mulheres para inspirar a criação de desenhos.

Os conhecedores das plantas medicinais lidam com o mundo dos yuxin e são chamados de

7 A ayahuasca é um chá produzido através do cozimento da folha Chacrona, considerada o aspecto feminino da

mistura, a “Rainha”, e o Jagube, um cipó amazônico que compõe o aspecto masculino. Os Kaxinawa, e outros

povos indígenas do Acre, utilizam o chá enquanto uma medicina espiritual, conhecida pelo nome de Nixi Pae.

59

dauya, que denota “aquele com o remédio” ou “aquele como o veneno”, seguindo a lógica do

pensamento dualista Kaxinawa, que deve ser compreendido a partir do ponto de vista do

perspectivismo ameríndio (LAGROU, 2007).

FIGURA 08: Medicinas da floresta: rapé e raíz utilizada como colírio FONTE: Arquivo pessoal, Castor (2011)

É interessante destacar que os Kaxinawa, assim como a maioria dos ameríndios, utilizam a

conquista sobre os inimigos como fonte de inspiração da arte, estes podem ser humanos ou

sobrenaturais, como a jibóia mítica. Cabe destacar que a jibóia, ou a “cobra grande”, no caso dos

povos do alto Rio Negro, aparece na arte ameríndia como a responsável pelos diferentes desenhos

usados na cestaria, tecelagem e pintura. Já o Inka, que também possui a duplicidade de ser tanto um

canibal avarento, quanto o cônjuge provedor, aquele que alimenta, é considerado não o dono dos

desenhos e, sim, da arte de desenhar com miçangas e o corpo (LAGROU, 2007).

No que tange às miçangas, a palavra utilizada para designá-las, mane, também designa bens

imperecíveis, tais como o metal, por exemplo, panelas, e as contas brilhantes possuídas pelo deus

Inka, presentes na mitologia Kaxinawa. Neste sentido, faz-se interessante notar que tais bens estão

associados ao desejo, expresso tanto em cantos quanto no mito, de estabelecer contato e troca com

estrangeiros. De acordo com Lagrou (2007), para os Kaxinawa, o próprio ser da arte e do agir no

mundo é, e sempre foi, movido pelo fascínio pelo outro.

É neste sentido que as identidades são construídas em um constante processo de mimese e

alteridade, em que implica um processo de predação, incorporação e desfazer e refazer o outro

dentro de si. Para a autora, o desenho Kaxinawa, por possuir grande fluidez de possibilidades e

formas, pode servir como uma metáfora chave para as reflexões voltadas à produção da identidade a

partir da alteridade, do pensamento Kaxinawa.

2.5 Brasil: processos de significação

Uma vez que parte da etnologia Kaxinawa foi explicitada, a dissertação voltará a refletir

sobre a relação deste povo com os não-indígenas. É neste sentido que se explorará, sob a

60

perspectiva psicossociológica, o contexto em que a produção de significados sobre os povos

indígenas tem sido historicamente, construída.

Considerando o que foi denominado de sociologia das ausências por Boaventura Santos

(2010), o hemisfério Sul do planeta foi constituído simbolicamente, sob a perspectiva eurocêntrica,

como o local do não civilizado, do selvagem e do natural. Pode-se perceber, assim, a significação

do Brasil no imaginário social dos países do hemisfério Norte como o lugar dos primitivos,

florestas, animais e pobreza.

Apesar destas contribuições, como visto anteriormente, as representações estão em constante

transformação e a percepção e representação do Brasil também. O Brasil tem sido protagonista nos

debates internacionais sobre a crise socioambiental e isto pode estar relacionado ao fato do país

abrigar em seu território a maior biodiversidade do mundo, possuir reservas de solos agriculturáveis

e a possibilidade de transformar em culturas os extensos pastos (SACHS, 2004).

De acordo com Monteiro de Castro (2007), o futuro do Brasil está ligado à Amazônia uma

vez que ela reúne condições de ser no século XXI uma das principais regiões produtoras de riquezas

do planeta. Sachs (2004) complementa este raciocínio ao afirmar que a fronteira agrícola do país

pode avançar e ao mesmo tempo manter as florestas intocadas, por meio do respeito às regras de

manejo ecologicamente sustentável dos recursos naturais.

Além da referida biodiversidade, o Brasil também é portador de grande diversidade étnica e

racial. Da Matta (1981) afirma que o plano de desenvolvimento do Brasil deve considerar o

reconhecimento do país enquanto um país mestiço e multiétnico. No que se refere à produção das

identidades brasileiras, o país abriga grupos brancos, negros, indígenas e orientais. O próprio slogan

do Governo Federal “Brasil, um País de todos” e as diferentes cores das letras que o compõem

(BRASIL, 2007), procuram refletir uma imagem de reconhecimento do país enquanto um “território

de diferenças” em que a diferença e a mistura se tornam uma característica da identidade do país.

Por outro lado, no que tange a Amazônia brasileira, Monteiro de Castro (2007) diz inexistir

qualquer política coerente de desenvolvimento formulada pelo governo brasileiro para a região,

apesar da difícil realidade vivida por sua população, imersa no processo de modernização. Para o

autor “definir um modelo de desenvolvimento capaz de oferecer um elevado padrão de vida às

populações e, ao mesmo tempo, manter as características do estilo amazônico é um desafio que

exige uma política criativa e uma coerente ação do Estado” (MONTEIRO DE CASTRO, 2007, P.

19).

Apesar do cenário de diversidade étnicas e raciais do país, que possui cerca de 192 milhões

de habitantes, destacando-se como a quinta nação mais populosa do país (IBGE, 2010),

determinados grupos sociais podem, como alerta Santos (2010), sofrer a produção de invisibilidade.

61

Ou mais ainda, serem representados através de imagens, propagadas também nos meios de

comunicação, que conduzem a uma interpretação equivocada de homogeneidade desses grupos, ao

ignorar as diferenças e especificidades que cada um destes possui.

2.6 As representações do senso comum sobre os povos indígenas

Apesar do crescente interesse global para as questões relativas à Amazônia e o

desenvolvimento socioambiental, o senso comum desconhece a enorme diversidade dos povos

indígenas que a habitam, assim como os processos históricos nela vividos e suas realidades atuais.

Para a Fundação Nacional do Índio – FUNAI (2010), as populações indígenas são vistas pela

sociedade brasileira ora de forma preconceituosa, ora de forma idealizada.

Se para população urbana prevalece uma visão ingênua, em que o imaginário social habita

um passado remoto que considera o povo indígena em vias de extinção – considerados como os

primeiros habitantes das terras brasileiras que sabem conviver com a natureza sem depredá-la –,

para as populações rurais, os índios são "ladrões", "traiçoeiros" e "preguiçosos” (FUNAI, 2010).

É comum a produção de todo tipo de desqualificação dos indígenas através da dominação

política, ideológica e econômica das elites municipais, interessadas em invadir e explorar os

recursos naturais do território indígena, tais como madeira e minérios (FUNAI, 2010). O imaginário

social acerca do índio, como uma categoria social primitiva e de inferioridade, foi construído

historicamente até mesmo com a ajuda do material didático disponível às escolas8.

Através destas contribuições, fica evidente que os indígenas brasileiros, em pleno século

XXI, parecem ainda ocupar um lugar de homogeneidade e de inferioridade no imaginário social. A

famosa expressão “programa de índio” evidencia o preconceito, uma vez que é utilizada para

denotar algo sem graça, chato ou entediante. Esta produção, como visto, faz parte de uma dinâmica

de poder, a qual Santos (2010) tem denominado de ótica social da invisibilidade. Esta lógica move-

se no campo das experiências sociais e pode ser superada através de uma sociologia das ausências,

que é baseada em:

Uma investigação que visa demonstrar que o que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não existente, isto é, como uma alternativa não-credível ao que existe (...)

O objetivo da sociologia das ausências é transformar objetos impossíveis em possíveis e

com base neles transformar as ausências em presenças (SANTOS, 2010, p. 102).

Seja como produto da falta de conhecimento das sociedades ou da ausência, ao longo da

8 Ao perceber a disseminação de tais idéias pelas próprias instituições de ensino, a FUNAI tem elaborado

diversos projetos, como "O índio na literatura infanto-juvenil no Brasil", em que oferecem oficinas, apresentações teatrais, exposições, rodas de leitura e outras atividades, direcionadas tanto aos professores quanto aos alunos, com o objetivo de despertar a sociedade para a riqueza da diversidade das diferentes tradições culturais indígenas (ISA, 2010).

62

história, de políticas públicas voltadas ao reconhecimento deste grupo social, a figura dos indígenas

se tornou ativamente produzida como homogênea ou não existente. Quando reconhecida parece,

ainda, ocupar o distante lugar de inferioridade, do primitivo e do “bom selvagem”, a que o Brasil foi

referido.

Para o idealizador do desenvolvimento endógeno, Pham Nhu Hô (1988), há a produção de

uma fantasia sobre a alteridade, em que o hemisfério Sul se tornou o local dos etnicamente puros,

culturalmente tradicionais e intocados pelas rupturas e deslocamentos da modernidade. Para o autor

trata-se de uma “´fantasia colonial` sobre a periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de

seus nativos apenas como ‘puros` e de seus lugares exóticos apenas como ‘intocados’ ” (HÔ, 1988,

p. 80).

A este respeito, Hall (2006) acrescenta que, a tendência à homogeneização global caminha

lado a lado à fascinação pela diferença e pela mercantilização da etnia e da alteridade. Ou seja, o

modelo de desenvolvimento regido pelas regras do mercado tem contribuído com o fortalecimento

da produção de invisibilidade as realidades sociais existentes.

As contribuições de Santos (2010) e Hô (1988) denunciam a produção de uma representação

baseada em uma história morta, congelada no século XVI e produzida sob o olhar do colonizador. A

história contada sob o ponto de vista dos povos indígenas brasileiros praticamente inexistiu no

século XX, permanecendo a “fantasia ocidental” e a lógica do pensamento colonizador como o fio

condutor das representações sobre estes povos.

Apesar deste olhar construído historicamente, o final do século XX e as primeiras décadas

do século XXI, evidenciam a crise socioambiental global e a necessidade de se avançar os planos de

desenvolvimento, através de diretrizes sustentáveis e localmente definidas. Neste sentido, tanto o

avanço tecnológico da época, como a fluidez das fronteiras e das identidades, apresentadas pelos

autores, possibilitam a produção de novas representações às realidades existentes.

Neste sentido, o aumento da visibilidade internacional da Amazônia e de seus povos, como

conseqüência do crescente debate sobre a crise socioambiental no século XXI, é, certamente, capaz

de produzir novas representações e identidades para estes grupos. No que tange a realidade de

determinados grupos indígenas brasileiros, as políticas públicas e a inserção das tecnologias

audiovisuais têm proporcionado avanços ao seu “aparecimento” 9.

É neste sentido que Carneiro da Cunha (1998) revela que na década de 1990 houve um

crescimento do xamanismo nas cidades através de grupos urbanos do tipo nova era, e que assim,

também cresceu um movimento inovador de valorização da cultura indígena que, começava a se

9 Pontos de Cultura Indígena. Ministério do Meio ambiente. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/12/06/pontos-de-cultura-indigena-2/ Acesso em: 10 de fevereiro de 2011.

63

propagar tanto dentro das cidades quanto nas aldeias indígenas. Neste movimento, os Pano, grupo

do qual os Kaxinawa fazem parte, tem se destacado. Há a partir do século XXI um movimento

crescente da promoção de festivais culturais anuais de diferentes etnias do Acre, como dos

Yawanawa, dos próprios Kaxinawa e Kuntanawa, e do etno turismo, que tem atraído grupos não

indígenas internacionais e nacionais que chegam à procura de obter cura física, emocional e

espiritual através das cantorias rituais e medicinas da floresta.

Assim, se o atual século é marcado pela transformação estrutural, pode-se compreender que

os Kaxinawa no Jordão inauguram um novo processo de constituição de identidades, uma vez que a

constituição desta se localiza no espaço-tempo simbólicos. Como visto, para a antropóloga Els

Lagrou (2007) que morou durante dezoito meses entre os Kaxinawa, a identidade, para estes, assim

como o corpo, não são questões classificatórias, e sim, relacionais. A pesquisadora chama atenção

para o fato de que a alteridade é central à constituição do eu entre os Kaxinawa e que neste

processo, a alteridade é produzida pela semelhança, assim como a semelhança pela alteridade.

Lagrou (2007) identificou que para este grupo a existência humana está relacionada ao

controle das fronteiras entre fenômenos e estados de ser, que por sua vez gera o equilíbrio entre

estabilidade e transformação. Neste sentido, a autora diz que tanto a alteridade quanto a identidade

são formadas a partir de um processo dinâmico e temporal, da relação entre forma fixa e não fixa.

Nesta perspectiva, os processos histórico-culturais vivenciados por este grupo, até mesmo

antes do contato com a civilização moderna no início do século XX, estão registrados na sua

tradição oral e traduzem um processo dinâmico e temporal de transformação. É interessante lembrar

que a história Kaxinawa é contata por seus representantes através de períodos distintos, ou divisões

do tempo, conhecidos como: “Tempo da Maloca”; “Tempo das Correrias”; “Tempo do Cativeiro” e

“Tempo dos Direitos” (AQUINO & PIEDRAFITA, 1994). Cada período destes representa a

produção de representações relativas à diferentes coordenadas de espaço-tempo – diferentes épocas

culturais.

Tendo em vista o exposto, é interessante compreender como as especificidades do século

XXI produzem um “tempo cultural” que possibilita a produção de novos sistemas de significação,

representação cultural e identidades possíveis. Considerando estes aspectos, a constituição das

identidades Kaxinawa está, certamente, atravessada pelas especificidades socioambientais e

histórico-culturais do século XXI.

É a partir do caráter dinâmico da globalização e dos processos de hibridação que esta

disponibiliza, bem como pelas novas coordenadas de tempo e espaço e pela expansão daquilo que

se designa como fronteira, que, os Kaxinawa do rio Jordão parecem viver, no século XXI, um novo

período histórico-cultural: Xinã Bane, o Novo Tempo ou Novo Pensamento/Conhecimento.

64

Se Xinã Bena designa um novo período histórico para este grupo (IKAMURU, 2011), capaz

de sugerir um momento de transformações, de geração de novas representações e de novas

configurações das identidades Kaxinawa, este período se torna, certamente, terreno fértil a um

estudo que vise ao mesmo tempo proporcionar a necessária visibilidade sugerida pela sociologia

das ausências (SANTOS, 2010) e, ao mesmo tempo ser uma investigação sobre as concepções e

expectativas de desenvolvimento existentes nesta especifica realidade, contida na Amazônia do

século XXI.

65

Capítulo III – Caminhos da Pesquisa

3.1 Fundamentos da Pesquisa

A presente pesquisa está fundamentada em uma abordagem interdisciplinar, de caráter

qualitativo. Uma vez que visa buscar respostas para questões muito particulares de uma realidade

social, que não podem ser quantificadas, ela pode ser classificada enquanto uma análise qualitativa

de caráter exploratório (MINAYO, 1994).

Nesta perspectiva, a pesquisa foi desenvolvida com base em um Estudo de Caso na aldeia

Centro de Memória São Joaquim, e da convivência com o povo Kaxinawa – das TIs do Baixo e

Alto rio Jordão e Seringal Independência, que formam um complexo desta etnia no município do

Jordão, Acre. Como o campo de pesquisa foi um ambiente social que “requer uma relação mais

íntima e mais prolongada do investigador na situação pesquisada”, estando associada a “fortes

componentes culturais, ideológicos e/ou subjetivos, em que um investigador muito externo à

situação não conseguirá captar as nuances do objeto de estudo”, ela se constitui enquanto uma

estratégia de pesquisa participante (VASCONCELOS, 2002, p.136).

Para Triviños (1990) o trabalho desenvolvido com base em um Estudo de Caso pode

fornecer uma maior aprofundamento do conhecimento de uma determinada realidade social e,

assim, pode contribuir na formulação de hipóteses à novas pesquisas.

É neste sentido que, a partir do Estudo de Caso das concepções e expectativas sobre o tema

desenvolvimento que a pesquisadora realizou, além de entrevistas, a observação de atividades

cotidianas da aldeia, contemplando a dinâmica da vida Kaxinawa. Desta forma, o estudo possui

características de um programa etnometodológico que, possui interesse nas conversações dos atores

sociais, atribuindo à organização alternada da fala o papel de constituição da conversa como uma

forma de consulta. Assim, o texto é o material empírico por excelência, base da descrição, da

reconstrução e da interpretação (FLICK, 2009).

Os instrumentos da pesquisa estiveram baseados na pesquisa bibliográfica e documental, na

observação simples e participativa e também na realização de entrevistas, informais e semi-

estruturadas. Estas foram realizadas com interlocutores locais e institucionais que atuam na região,

envolvendo inclusive as lideranças Kaxinawa de outros rios que convergem para participar de

atividades político-sócio-culturais no Centro de Memória São Joaquim e em outras aldeias do rio

Jordão. Além do uso do diário de campo, houve a gravação em audiovisual de interações sociais

Kaxinawa, de forma a facilitar o registro das observações de campo.

3.2 Etapas Metodológicas

66

3.2.1 Pesquisa bibliográfica e documental

A primeira etapa metodológica consistiu em um levantamento bibliográfico para a

compreensão de conceitos pertinentes à pesquisa tais como: cultura, desenvolvimento e identidades

encontrados nas teorias psicossociais do desenvolvimento e de sustentabilidade, bem como nos

Estudos Culturais e Pós Coloniais. A pesquisadora também se debruçou nos estudos antropológicos,

sobretudo os que contemplam reflexões sobre o paradigma da cultura, as políticas indigenistas e a

especificidade da etnologia ameríndia e Kaxinawa. Através destas leituras foi possível o

levantamento das principais discussões atuais a respeito desses temas.

Além desta, a pesquisa contou com um levantamento documental, com o objetivo de buscar

uma maior compreensão do contexto em que o sujeito da pesquisa está inserido. Para essa etapa a

pesquisadora fez contato com integrantes da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), Associação de

Seringueiros Indígenas do rio Jordão (ASKARJ) e buscou dados veiculados pelo governo do estado

do Acre, bem como através de filmes de autoria Kaxinawa.

Através desses contatos foi possível a leitura bibliográfica de estudos sobre os Kaxinawa,

sobretudo, aqueles situados no rio Jordão, bem como os levantamentos de dados atuais da região,

realizados pelo Estado do Acre, Comissão Pró-Indio do Acre, Instituto Socioambiental (ISA) e

FUNAI.

É importante enfatizar que esta etapa acompanhou todas as demais etapas da pesquisa, ou

seja, ocorreu durante todo o processo. E a partir dessas leituras foi possível descobrir novos

conceitos e relações a serem problematizados e investigados, quando pertinentes ao estudo do

objeto da pesquisa. Para Vasconcelos (2002) a utilização de fontes bibliográficas possibilita a

cobertura ampla de fenômenos semelhantes, permitindo uma comparação dos dados e resultados,

que ampliam as perspectivas de análise.

3.2.2 A Pesquisa da Campo

A realização da segunda etapa da pesquisa foi o trabalho de campo propriamente dito, assim

como o preparo e logística à realização desta atividade. Neste sentido, com base na pesquisa

exploratória realizada durante os dias 04 a 26 de janeiro de 2011, em que a pesquisadora esteve

durante 22 dias nas aldeias Kaxinawa do rio Jordão, percorrendo toda sua extensão, houve a

elaboração do instrumento da pesquisa, uma vez que foi possível identificar a melhor maneira de

conduzir a entrevista, o tempo médio de sua aplicação, bem como, a própria funcionalidade do

roteiro de perguntas.

Assim, foi possível elaborar o roteiro das entrevistas informais e semi-estruturadas, bem

como, realizar um contato prévio com a ASKARJ, para autorização de realização da pesquisa na

67

Terra Indígena do Baixo rio Jordão, e elaboração dos termos de consentimento informado e de

autorização de uso de imagem.

Para o levantamento de dados houve a realização das entrevistas e observação de campo

que, de acordo com Becker (1997), são os instrumentos de pesquisa mais utilizados em Estudos de

Casos. Assim, a entrevista informal favoreceu a obtenção de informações sobre o que “as pessoas e

grupos sabem, acreditam, esperam, sentem e desejam fazer, fazem ou fizeram, bem como suas

justificativas ou representações” a respeito do tema abordado (VASCONCELOS, 2002, p. 220).

Durante a Pesquisa de Campo houve tanto a coleta de dados através das entrevistas

gravadas, quanto filmagens e observação simples e participante. Na perspectiva, foram registrados

na interação pesquisador/pesquisado, aspectos das dinâmicas locais de interesse ao estudo, falas

soltas, diálogos entre os atores sociais, e outros aspectos do contato direto com o grupo social

estudado, na busca de dados para desenvolver a pesquisa.

O contato foi realizado através da permanência da pesquisadora em campo, possibilitando o

diálogo com um perfil diversificado de moradores das aldeias do rio Jordão, contemplando

lideranças, professores e jovens indígenas da região, tanto homens, quanto mulheres.

a) Entrevistas

Foi seguindo as diretrizes de Vasconcelos (2002) – que sugere que a elaboração do roteiro de

entrevista deve combinar perguntas abertas e fechadas, de modo a possibilitar a fala ampla dos

entrevistados –, que o roteiro da entrevista foi elaborado com questões que pudessem servir de

direção à compreensão do problema desta pesquisa (APENDICE A). Apesar da elaboração do

roteiro de perguntas, foi possível o surgimento de relatos mais livres, que pudessem indicar novas

questões que não estivessem no roteiro. Neste sentido, a entrevista informal permitiu maior

liberdade às explanações sobre as questões propostas pelo roteiro, bem como uma maior

aproximação entre o entrevistador e o entrevistado.

A sugestão do autor foi importante uma vez que, permitiu o aparecimento de novas questões,

relevantes para a investigação, assim como, o relato de questões que permitiram maior

detalhamento sobre a realidade Kaxinawa do Jordão e, assim, sobre o tema estudado. Neste sentido,

o recurso das entrevistas fez-se importante ao fornecimento de dados subjetivos que não poderiam

ser obtidos sem seu auxílio e, assim, permitiu abordar o tema da pesquisa segundo a ótica dos

próprios sujeitos, os Kaxinawa.

As entrevistas foram gravadas e em seguida foram transcritas, cuidadosamente, e revisadas,

pela própria pesquisadora, a fim de garantir a fidedignidade textual e de não haver troca ou não

entendimento de nomes e palavras. Uma vez que as entrevistas foram feitas em português, os

68

indígenas responderam em português mas utilizaram, muitas vezes, palavras e expressões em sua

língua, e também fizeram referências à locais, rituais, dentre outras coisas que mereceram ser

cuidadosamente compreendidas e transcritas.

Vale salientar que, além das entrevistas foram obtidos materiais tais como, filmagens com

depoimentos e registros das atividades culturais, de forma a captar conversações entre os atores

sociais, servindo como material empírico da descrição, da reconstrução e da interpretação, como

sugerido por Flick (2009).

b) Os sujeitos da Pesquisa

As entrevistas foram realizadas durante dois momentos distintos. O primeiro, em maio de

2011, durante a ida da pesquisadora ao “Xinã Bena -I Festival da Cultura Huni Kuin (Kaxinawa)”,

que aconteceu na aldeia Lago Lindo, no Seringal Independência, onde permaneceu por 15 dias. A

participação neste evento foi de grande importância porque possibilitou a observação participante

em um contexto de interação dos indígenas de várias aldeias Kaxinawa entre si, e com não índios; e

porque também permitiu a realização de entrevistas com lideranças Kaxinawa dos rios Humaitá e

Envira, além do Jordão e do Seringal Independência.

Em um segundo momento já em outubro de 2011, durante a estadia de mais 18 dias no rio

Jordão, foram realizadas mais entrevistas, entre estas com três mulheres da etnia e com professores

e lideranças do rio Jordão, como Sabino, Itsaka e Tene, e observação participante nas aldeias Centro

de Memória São Joaquim e Novo Segredo, aldeias que possuem um Ponto de Cultura Indígena e

que são respectivamente a primeira e a última aldeia do rio Jordão. Neste percurso, a pesquisadora

saiu se São Joaquim e subiu o rio Jordão, passando por 28 aldeias.

Neste percurso conheceu e desceu nas aldeias: Nova Extrema, Nova Cachoeira, Nova Mina,

Boa Vista, onde pernoitou, Xiko Curumim, Flor Floresta, Novo Natal, permaneceu dois dias na

aldeia Três Fazendas e mais dois em Belo Monte, além de realizar parada nas aldeias Coração da

Floresta e Pão Sagrado. Como a pesquisadora era a única pessoa não Kaxinawa que estava em

campo, foi possível a observação de aspectos do cotidiano deste povo, bem como de suas relações

sociais e a organização de atividades voltadas às “práticas culturais” nas aldeias.

Nesta etapa, os resultados obtidos através das entrevistas anteriores foram apresentados e

debatidos com a comunidade Kaxinawa na aldeia Novo Segredo e com moradores de São Joaquim,

a fim de realizar um processo de troca, ou seja, de feedback. Para Becker (1997), este procedimento

é um compromisso ético do pesquisador.

Durante o período das duas etapas da pesquisa de campo, que totalizaram 33 dias, foram

entrevistados 15 (quinze) indígenas do povo Kaxinawa. Dentre os entrevistados Kaxinawa dois não

69

são do rio Jordão e sim do rio Humaitá e rio Envira, porém fazem parte de organizações da etnia

tais como a Federação Huni Kuin.

Assim, dos entrevistados, 13 (treze) são indígenas Kaxinawa do rio Jordão, sendo 10 (dez)

homens e 3 (três) mulheres. Além destas três mulheres, outras três foram convidadas a participar da

pesquisa, mas, por não possuírem o domínio da língua portuguesa e ficarem rindo envergonhadas,

preferiram não fazer a entrevista. O que foi respeitado.

A seleção dos entrevistados seguiu a tendência da técnica de “bola de neve”, como sugerido

por Lincoln & Guba (1985), em que há primeiro a identificação de alguns sujeitos e estes indicam

outros e, assim, sucessivamente, até que o ciclo vá se completando e se atinja o ponto de

redundância. Dessa forma, os sujeitos entrevistados foram selecionados de maneira a contemplar os

protagonistas da história Kaxinawa do rio Jordão, apresentados pela bibliografia Kaxinawa, bem

como àqueles que, segundo estes protagonistas, poderiam contribuir com informações sobre a

temática da pesquisa.

Assim, através desse processo seletivo a pesquisa contou com a participação de lideranças

Kaxinawa, diretamente envolvidas nas questões e transformações atuais; entre estes: professores,

coordenadores, pajés e mestras artesãs. As entrevistas foram realizadas em diversos locais das

aldeias, como no parque de plantas medicinais, no Kupixawa, a grande casa para socialização, no

terreiro da aldeia e no Ponto de Cultura Indígena.

Durante a pesquisa exploratória a pesquisadora percebeu que realizar as entrevistas nas

próprias casas dos entrevistados possibilitava a interrupção da entrevista por conversas com os

parentes e a falta de silêncio, tendo em vista que as casas também são locais de encontro das

mulheres e crianças. No que tange a autorização para a realização das entrevistas, todos os

entrevistados deram seu consentimento livre e esclarecido, após uma explicação cuidadosa da

pesquisadora sobre os objetivos e métodos da pesquisa e também autorizaram que seus nomes

fossem identificados no relato das entrevistas.

As informações básicas sobre os entrevistados estão registradas na tabela abaixo, pode-se

perceber que os dois primeiros participantes da tabela são Kaxinawa do rio Humaitá e Envira:

Tabela 01 – Sujeitos Entrevistados

Nome idade atividade(s) desenvolvida(s) Local/moradia

1 Ninawa/

Francisco Mateus

Lima

34 Professor pajé, tesoureiro da

Federação Huni Kuin e presidente da

Associação de Cultura Indígena do

Humaitá (ACIH).

Aldeia Novo Futuro – rio

Humaitá, Tarauacá.

2 Ninawa Huni 31 Presidente da Federação Huni Kuin Aldeia Henê Nixia Namakia

70

Kuin - rio Envira, Feijó.

3 José Bane Sales 30 Filho do Cacique Geral Siã, tem

desenvolvido trabalhos com as

medicinas da floresta no Brasil e

realiza atividades etno turísticas no

rio Jordão.

Atualmente mora em Rio

Branco. Nasceu na aldeia

Belo Monte, rio Jordão.

4 Siã/ José Osair

Sales

48 Cacique Geral do rio Jordão,

presidente da ASKARJ cineasta

indígena.

Possui residência no

município do Jordão,

Cruzeiro do Sul e no

Seringal Independência.

5 Txana Txanu/

Joel Pereira

21 Presidente da Comissão

Organizadora de Jovens Kaxinawa do

rio Jordão

Aldeia Independência,

Seringal Independência.

6 Ixã, Virgulino

Rodrigues Sales

37 Secretário dos Povos Indígenas do

município do Jordão e pajé Huni

Kuin.

Município do Jordão e

aldeia Altamira, Seringal

Independência.

7 Tadeu Siã

Manduca Mateus

36 Professor indígena, aluno da UFAC,

cineasta indígena, agente

agroflorestal e liderança comunitária.

Aldeia Centro de Memória

São Joaquim, Jordão.

8 José Itsairu

Manduca Mateus

43 Presidente da Organização dos

professores indígenas do Acre

(OPIAC) e aluno da UFAC.

Aldeia Centro de Luz da

Floresta, Centro de Memória

São Joaquim, Jordão.

9 Itsaka/ Osvaldo

Manduca Mateus

30 Professor do Centro de Memória e

aluno/coordenador das práticas

medicinais do centro, cineasta

indígena.

Aldeia Centro de Memória

São Joaquim, Jordão.

10 Ikamuru/ Augusto

Manduca Mateu

66 Pajé, lutou pela demarcação da terra,

foi o idealizador do Centro de

Memória.

Aldeia Centro de Memória

São Joaquim, Jordão.

11 Ayani/ Maria

Dalva Manduca

Mateus

29 Vice coordenadora do Movimento

das Mulheres indígenas do Acre, Sul

do Amazonas e noroeste de Rondônia

e cineasta indígena.

Atualmente mora em Rio

Branco, morou a vida toda

na aldeia Centro de

Memória São Joaquim,

Jordão.

12 Ozélia Sales 56 Coordenadora artesã das e TIs (Alto e

Baixo rio Jordão e Seringal

Independência)

Aldeia Novo Natal, rio

Jordão.

13 Jandira Sales 34 Coordenação das artesãs do grupo 5 e

professora artesã da sua aldeia.

Aldeia Astro Luminoso, rio

Jordão.

14 Tene/ Nivaldo

Sereno

23 Agente de saúde, coordenação do

Ponto de Cultura e cineasta indígena.

Aldeia Novo Segredo e

Centro de Memória São

Joaquim, Jordão.

15 Sabino Sereno 58 Liderança da aldeia Novo Segredo. Aldeia Novo Segredo,

Jordão.

71

b) Observação de campo

De acordo com Minayo (2009), a realização da observação de campo é muito importante na

pesquisa social uma vez que contribui com a contextualização e a complementação das informações

presentes nas entrevistas. A presente pesquisa contou com duas técnicas de observação, a

observação simples e a observação participante. Para Vasconcelos (2002), a etapa da observação

simples é um momento em que o pesquisador assume “uma atitude e identidade mais externa à

situação observada, observando de maneira espontânea e informal o objeto em foco”, já a

observação participante possibilita “o acesso a dados de domínio mais privado e a captação de

sutilezas e aspectos subjetivos dos indivíduos e grupos” (VASCONCELOS, 2002, p. 218).

Assim, pelo tempo de convívio nas aldeias, e o partilhar de atividades cotidianas como a

caminhada na floresta, o momento das refeições ou de banho, no rio, a pesquisa contou com,

sobretudo, a técnica da observação participante que possibilitou a participação da pesquisadora nas

interações com os atores sociais. Esta participação foi crucial para a coleta de dados e para a

tentativa de compreensão da complexa realidade socioambiental, política, econômica e cultural que

envolve a vida dos Kaxinawa do Jordão, assim como seus processos de significação e relação com

as mudanças do Novo Tempo.

Para registrar as observações e reflexões desta etapa metodológica, utilizou-se um diário de

campo e recursos audiovisuais, tais como máquina fotográfica e filmadora, que foram utilizados

como forma de enriquecer a análise do objeto estudado. As imagens fotográficas e em audiovisual

registraram momentos da vida social Kaxinawá tal como rituais de cura, danças tradicionais,

confecção de artefatos, refeições e o feitio do Nixi Pae. O diário de campo da observação

participante serviu como um instrumento para reflexões e apontamentos sobre a realidade

investigada.

3.2.3 Análise dos dados

Nessa etapa, os dados textuais fornecidos através da transcrição das entrevistas foram

analisados através da técnica de Análise de Conteúdo, uma vez que esta se constitui uma alternativa

ao processo de busca e reconhecimento do conteúdo das mensagens contidas nas entrevistas

(BARDIN, 1994). E, ainda, é utilizada para produzir inferências de um texto focal para o seu

contexto social de maneira objetiva (BAUER, 2002).

É interessante notar que a análise de conteúdo deve ser avaliada no que se refere à sua

fundamentação nos materiais pesquisados e, à congruência com a interpretação do pesquisador no

que tange o objetivo da pesquisa, uma vez que os analistas de conteúdo devem inferir a expressão

dos contextos, bem como o apelo através destes. Neste sentido, a intensidade de co-ocorrência de

72

palavras em uma mesma frase pode se tornar um indicador de associações semânticas (BAUER,

2002).

O autor expõe três tipos de ordenação para analisar o conteúdo: unidades físicas, unidades

proposicionais e unidades temáticas ou semânticas. Foi através desta última, a ordenação por

unidades temáticas ou semânticas que a analise e a interpretação dos dados foram realizadas.

Minayo (2004) indica que os trechos selecionados das entrevistas sejam agrupados, de maneira que

ofereça uma leitura ampla e coesa dos principais temas levantados pelos entrevistados.

Faz-se importante destacar que nesta pesquisa, o material empírico para a Análise de

Conteúdo foram as 13 entrevistas realizadas com representantes Kaxinawa do rio Jordão. As

entrevistas com dois Kaxinawa de outros rios foram utilizadas como informações que

contextualizam as questões pertinentes ao estudo proposto com os Kaxinawa do rio Jordão. Além

destes, os dados do diário de campo, obtidos através das observações simples e participante e as

informações adicionais encontradas durante a pesquisa de campo, bem como, os documentos de

instituições indigenistas e as reflexões levantadas pela pesquisa bibliográfica, contextualizaram a

análise e a interpretação dos dados.

Neste caso, Minayo (2009) sugere que a realização da Análise de Conteúdo deva passar por

diferentes etapas, são estas: a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados

obtidos e a interpretação. Seguindo as diretrizes sugeridas pela autora, na presente pesquisa,

primeiramente foi realizada uma leitura minuciosa do material textual transcrito, o que possibilitou

uma leitura ampla, uma espécie de panorama geral; para a autora, na pré-análise, o pesquisador

deve, a partir dos objetivos da pesquisa, escolher os documentos a serem analisados.

Na segunda etapa, de exploração do material, a leitura textual foi refeita, mas desta vez a

pesquisadora iniciou o processo de sistematização, em que destacou os trechos e frases relevantes

ao objetivo da pesquisa, ordenando-os de forma temática. Já na terceira etapa, desenvolveu-se a

categorização dos dados, a partir das diretrizes explicitadas, por Minayo (2009), de que se deve

agrupar ideias e expressões que tenham elementos em comum. Para a autora, a exposição gráfica

das categorias pode ser realizada através de resumo, palavra ou frase.

Seguindo esse processo, em primeiro lugar trechos e frases das entrevistas foram ordenados,

assim como os elementos de sua contextualização. E a fim de manter a intenção e o significado

atribuído pelo comunicador, foram destacadas as palavras-chaves e iniciados os apontamentos para

a reflexão. Após o processo de sistematização dos dados e categorização, foi realizada uma nova

leitura do material transcrito a fim de verificar a necessidade de reformulação ou complementação

das categorias.

Através do procedimento até aqui explicitado, foram encontradas três categorias, que

73

explicam as concepções e expectativas de desenvolvimento dos Kaxinawa do rio Jordão:

1. A organização da vida na floresta: Esta categoria está voltada às explicações dos

informantes voltadas a maneira como se organizam socialmente. A partir de suas reflexões

sobre o trabalho desenvolvido nas aldeias, os Kaxinawa explicitam o que consideram como

desenvolvimento e indicam os caminhos que estão trilhando para melhorar a qualidade de

vida em suas terras.

2. A Cultura Viva: Esta categoria descreve o movimento de fomento das práticas culturais nas

aldeias Kaxinawa, em que há a uma mobilização voltada ao fortalecimento da identidade

étnica, iniciado pelas lideranças e propagado pelas comunidades. A categoria também

descreve o olhar indígena sobre o contexto histórico vivido pelos Kaxinawa, em que este

movimento emerge.

3. O Centro de Memória: Esta categoria se refere à criação do Centro de Memória, um espaço

voltado à articulação e manifestação dos ideais de desenvolvimento presentes entre os

Kaxinawa do rio Jordão, uma vez que é um dos primeiros passos rumo à consolidação dos

sonhos deste povo.

Por fim, foi realizada a etapa de tratamento dos resultados encontrados, nas categorias e

subcategorias, que consistiu na elaboração de uma redação cuidadosa capaz de sintetizar, sem,

entretanto, desenriquecer o conteúdo, de cada categoria. A partir desta síntese, pode-se realizar

como sugerido por Minayo (2009), uma articulação dos conteúdos com os conceitos teóricos

norteadores.

Através deste procedimento, foi possível tecer a análise e discussão dos dados de forma que

os trechos, frases manifestando crenças e visões dos sujeitos entrevistados, junto com os elementos

captados através da observação participante, pudessem ser analisados tendo como pano de fundo os

contextos formados pelo estudo bibliográfico e conceitos teóricos envolvidos nessa temática.

Neste sentido, o capítulo evidenciou os caminhos que a pesquisa traçou para analisar as

concepções e expectativas de desenvolvimento dos Kaxinawa do rio Jordão, bem como suas

reflexões sobre o papel da cultura neste processo.

74

Capítulo IV – Análise dos Dados

A presente análise terá como base as entrevistas e os apontamentos da fase de observação

participante. A partir da Análise de Conteúdo das entrevistas foram encontradas três categorias que

fundamentarão as reflexões propostas pela presente pesquisa de dissertação de mestrado:

1. A organização da sobrevivência na floresta; 2. A cultura viva e; 3. O Centro de Memória.

Nesta parte da dissertação, o trabalho está voltado à análise das entrevistas, de forma a

tornar possível ao leitor compreender o conteúdo da fala dos entrevistados Kaxinawa. No entanto,

faz-se importante notar que em diversas falas os Kaxinawa se autodenominam Huni Kuin. Durante

a pesquisa de campo, percebeu-se que a grande maioria dos membros da etnia se refere à Huni

Kuin, para designar o nome de seu povo. De acordo com Ayani, e o que pode ser ouvido de

diferentes pessoas da TI do rio Jordão, do rio Humaitá e Breu, o nome Kaxinawa foi dado pelos

brancos, no momento em que os Kaxinawa não sabiam falar português, na época do primeiro

contato.

Weber (2006) problematizou esta questão, porém optou por trabalhar ainda mantendo o

nome Kaxinawa, e assim seguiu esta pesquisa, uma vez que toda a bibliografia deste grupo o

denomina assim, o território em que habitam também é chamado oficialmente de TI Kaxinawa,

assim como as certidões de nascimento carregam este nome. A mudança na maneira de se referir a

este grupo deve ser problematizada e deve ser uma decisão da própria etnia. Esta reivindicação

parece surgir também através das novas pesquisas realizadas pelos próprios indígenas nas aldeias, e

faz parte das dinâmicas deste novo tempo.

Contudo, a presente dissertação manterá nos trechos transcritos das entrevistas o nome Huni

Kuin, quando usado pelos entrevistados, assim como o próprio nome Kaxinawa. Desta forma, o

leitor também poderá perceber a freqüência dos termos utilizados em sua autodenominação. Iniciar-

se-á agora a análise das categorias encontradas nas entrevistas.

4.1. A organização da sobrevivência da vida na floresta.

Na dimensão das “concepções e expectativas sobre o desenvolvimento Kaxinawa” a

primeira categoria identificada foi a “organização da sobrevivência da vida na floresta”. O que ficou

mais enfatizado nesta categoria foi a busca pelo trabalho, mencionada por todos os colaboradores.

Para estes, o tempo atual, o “Novo Tempo”, é um tempo que tem especificidades que só são

possíveis através do trabalho realizado pelas gerações anteriores. Assim, o hoje é, principalmente,

uma herança do tempo de luta pela demarcação da terra, em que muitos parentes que participaram

já morreram ou estão no momento de se aposentar, descansar.

75

Assim, com a terra conquistada, pode-se começar a pensar em novas lutas, como a luta pelo

trabalho, a luta pelas capacitações e formações para que seja possível a realização dos planos de

desenvolvimento da sociedade Kaxinawa do rio Jordão, como fica ilustrado na seguinte fala:

(…) eu estou encarando a batalha, na luta do cotidiano, no dia a dia. Para mim é importante

a formação, hoje em dia você vê que meu pai, não só o meu pai mas as lideranças antigas

tiveram que lutar para a gente chegar hoje onde estamos chegando. Que é a demarcação da

nossa terra, onde vai viver nossos filhos e nossos netos mais tranqüilos, porque a batalha foi

muito, muito tempo (Bane).

Eu acho que Deus deu pra mim essa força, para nós conquistar essa nossa terra de volta. Foi

muito bom pegar de volta. Até hoje a gente tá aí, lutando com ela. Lutando para organizar a

nossa sobrevivência na floresta. (...) Então a gente começou com quase 168 pessoas e hoje

estamos aí, com 2.425 habitantes, quase 2.500, né? Está crescendo muito a população.

Tentamos buscar educação (Siã).

O meu cunhado batalhava na nossa terra, acho que o Txai Terri chegou foi em 1975. A gente

tinha só um lugar, ali no seringal Nova Fortaleza que meu avô o velho Sueiro que era nosso

chefe. Depois nós achamos o nosso direito, nosso trabalho, nosso movimento, nossa terra.

Até que nós tiramos e demarcamos, aqui está tudo demarcado (Sabino).

É preciso notar que a demarcação da terra simboliza uma conquista e, ao mesmo tempo,

aponta para um novo cenário de lutas. De acordo com Siã, o pai do Bane e Cacique Geral do rio

Jordão, o novo cenário é o de “organizar a sobrevivência na floresta”. Este intuito também é

evidenciado quando Ixã afirma “Eu tô aí, vivendo da terra e isso é importante para mim. É a nossa

floresta, onde nós estamos querendo cuidar mais”.

Ainda dentro dessa categoria aparece o crescimento populacional evidente. Ao mesmo

tempo em que esse dado é visto com alegria e orgulho, também é motivo de preocupação, uma vez

que o território está demarcado, ou seja, limitado e já está praticamente todo ocupado. E nesse

sentido já há uma ação voltada ao aumento do território Kaxinawa, como conta Tadeu:

A FUNAI deve ajudar a comprar mais emenda das terras indígenas, demarcação das terras indígenas, pode ajudar esse documento também para nós por que a população Huni Kuin

estamos aumentando, mas o nosso terreno é pequeno, nós estamos aumentando mais

(Tadeu).

Antes do tempo do contato, as lideranças contam que as aldeias não eram permanentes,

havia um movimento nômade no território. Assim, a partir da demarcação e do crescimento

populacional em processo, as aldeias tiveram que se estabelecer em um local. Neste sentido, uma

das marcas da atualidade é a fixidez das aldeias o que, como será visto mais a frente, produz um

novo sentido às construções.

Durante a observação de campo foi notado que há um grande fluxo de pessoas entre as 32

aldeias, principalmente entre as 28 que existe no rio Jordão e que estão situadas na margem do rio.

Como o principal meio de transporte é a canoa, há um grande fluxo de chegada de parentes nas

76

diferentes aldeias que, normalmente, estão indo para o município comprar mercadorias. Kensinger

(1995) notou que, entre os Kaxinawa do rio Purus, a fabricação do parentesco ocorre, também,

através da troca de mulheres, em que cada aldeia é composta por duas patrilinhagens, conectadas

pela perpetuação da troca de irmãs. No rio Jordão pode-se notar a troca de irmãs da qual se refere o

autor, em que se dá através do casamento entre os segmentos dos homens, chamados de inubake e

duabake que devem se casar, respectivamente, com os segmentos femininos chamados de inanibake

e banubake, como explicado no item “2.3”.

Sabino, um duabake, conta que em um momento da sua vida, depois que sua aldeia foi

inundada por uma espécie de tromba d´água, perdeu tudo: rádio, roupa, espingarda, rede, tarrafa, e

até um neto. Ele quis deixar sua aldeia, a última do rio, e ir morar com seu cunhado, um inubake,

pois sentia-se muito longe, isolado. Mas seu filho, que trabalha como agente agroflorestal na aldeia,

o aconselhou à não deixar, pois a população estava crescendo e não teriam para onde ir:

Eu estava achando muito distante, pensei em mudar, mas os meus meninos me pediram

“papai não faça isso não, essa terra aqui é nossa. Para onde nós vamos? Está tudo cheio, nós

vamos crescer!”. “Como vamos cuidar das nossas aldeias, ali o Jordão já está pertinho do

município, já está acabando as caças, essas coisas... aqui não, aqui nós temos que manejar”

(Sabino).

A fala dos filhos de Sabino aponta para outras questões pertinentes à categoria em estudo,

como a falta de animais de caça nas aldeias próximas ao município e a necessidade de fazer o

manejo dos recursos naturais e animais, para garantir a subsistência dos moradores das aldeias, que

estão crescendo, a partir destes recursos. Ayani, moradora na primeira aldeia, o Centro de Memória

São Joaquim, fala da dificuldade em obter caça:

Nós moramos perto do município, nós compramos gado também, não tem caça, não tem

nada, a gente tem que comprar para poder alimentar. (…) Não tinha mais caça perto do

município, não tinha peixe também... os brancos pegaram..., assim, não tinha caça, não

tinha peixe, muita dificuldade.(…) Eu queria melhorar a nossa criação, açudes, peixes... eu

vi lá em Rio Branco, no sítio da CPI-AC, os agroflorestais foram lá, trabalharam, está muito organizado, eu vi muito peixe, nós precisamos criar... Nós queremos melhorar, estamos

todos discutindo para fazer açude para poder criar peixe. A gente quer tudo, para não

precisar comprar. Tem macaxeira, banana, mas a gente quer melhorar, fazer um açude, né?

Tem muita gente, estamos crescendo muito (Ayani).

Nesta passagem pode-se observar a centralidade da caça para a escolha do local em que se

vai morar. Como explicado por Kensinger (1995), a carne é muito valorizada pela sociedade

Kaxinawa, pois possui função social, é parte integrante da identidade masculina, além de ser uma

atividade econômica, exclusivamente masculina, capaz de empoderá-los.

É interessante notar que a atividade de manejo, citada como necessária pelo filho de Sabino

e Ayani, está diretamente ligada à necessidade de produzir alimento para a população crescente,

assim como a recuperação da fauna e da flora do entorno. Este trabalho faz parte da ação dos

agentes agroflorestais indígenas, que são formados desde o início do século XXI através do apoio

77

da ONG CPI-AC10

. Os agentes agroflorestais e os professores indígenas são importantes atores

sociais Kaxinawa nas aldeias do rio Jordão, ambos participaram de cursos de formação em Rio

Branco através da ONG CPI-AC, que desde a década de 1980 apóia a organização e o

fortalecimento dos Kaxinawa. Isso é mencionado por Itsairu e Tene:

Os agentes agroflorestais estão trabalhando junto a sua terra, cuidando sobre a questão

territorial, ensinando as comunidades, essa formação é muito bonita. (…) Através da

articulação entre a AMMAIAC e a OPIAC, organizações nossas, através dessas

organizações a gente só leva o conhecimento através da experiência, trabalhamos juntos na

sensibilização das comunidades, a OPIAC é através disso (Itsairu).

As comunidades são desenvolvidas, esses agentes agroflorestais, esses professores estão se

formando na CPI. Os movimentos, cada aldeia está tendo esta organização, tem vários

porque muitos velhos já morreram, hoje são todos novos (Tene).

No que diz respeito à organização entre as aldeias, Itsaka explica o fluxo do encontro entre

as aldeias, para realizar o planejamento dos trabalhos:

Sempre vem vizinho e vem da outra aldeia para visitar né?, e também na comunidade tem,

funciona também assim, tem planejamento também para funcionar e tradição e encontrar os

povos reúne também e planeja os trabalhos da aldeia. Porque na aldeia tem muitos trabalhos

para trabalhar e tem que fazer roçado e plantar a alimentação, milho, mandioca, mamão,

inhame que é para tratar mesmo essa alimentação dos índios. E tem que caçar também para entrar na floresta... (Itsaka).

Assim, é a partir da finalidade de “organizar a sobrevivência na floresta” que as falas sobre o

desenvolvimento ganham forma. Como a fala de Bane mencionou no início do capítulo, e as falas

posteriores complementam, as formações e as capacitações técnicas ganham um importante

destaque no processo de organização da vida Kaxinawa na floresta, uma vez que estes parecem

oferecer os instrumentos facilitadores ao alcance do desenvolvimento desejado. Mas que

desenvolvimento é esse?

Ixã, pajé, liderança responsável pela secretária de assuntos indígenas do município do

Jordão, explica:

Eu queria desenvolvimento do tradicional, cultural, estamos precisando de um laboratório

indígena para nós trabalharmos. Quase todo mundo fala que tem os pajés que existem,

quase toda aldeia foi nomeado uma pessoa dizendo que é o pajé. Então este pajé tem o

conhecimento da medicina tradicional, de cura, com o ritual, muita coisa. Então, neste caso,

nós estamos precisando desta construção aonde pode trabalhar todos os pajés e aonde a

criançada pode batizar. O pajé batiza e aonde vai ter uma festa mesmo dos pajés, com a

nossa bebida sagrada, o ritual. Isso é o importante. Mas tem que ter construção para

desenvolver mais, para nós termos mais conhecimento. E precisa sim intercâmbio, conhecer

um ao outro, lugares diferentes. Se for nós mesmos aqui, continuamos do mesmo jeito (Ixã).

Esta passagem contem quatro importantes elementos que também aparecem nas entrevistas

dos demais informantes. Há uma vontade Kaxinawa, presente em todas as entrevistas, de

“desenvolver o tradicional, o cultural”; de obter novas construções e infraestruturas; ter

10 A CPI-AC possui um Programa de Gestão Territorial e Ambiental, do qual os Kaxinawa do rio Jordão participam,

para a formação de agentes agroflorestais indígenas no estado do Acre, a fim de proporcionar experiências de uso,

manejo e conservação dos recursos naturais, garantindo a integridade das Terras Indígenas e seu entorno.

78

capacitações e obter novos conhecimentos; de realizar um intercâmbio cultural, tanto intra-etnico

(com aldeias Kaxinawa de outros rios) quanto com outros povos indígenas e não indígenas.

É importante esclarecer que a vontade de desenvolver a tradição e as práticas culturais,

destacada por Ixã, não significa uma invenção, no sentido de criação a partir do nada. Há o

reconhecimento da existência de pajés, dos conhecimentos da medicina tradicional, local, dos

rituais e festas tradicionais, como o batismo, o Nixpupima.

FIGURA 09: Pajé Ikamuru em ritual com a Jibóia

FONTE: Bane Sales

O que é destacado como necessários são os meios que permitam o aperfeiçoamento e avanço

destas práticas, tal como as construções, motor para canoas, canoas, gasolina e outros elementos

advindos do desenvolvimento tecnológico não indígena. Nessas concepções, ao mesmo tempo em

que manifestam o desejo de preservar as tradições, também expressam o desejo de consumir as

tecnologias não índias como forma de acessar o desenvolvimento.

O cacique geral também explica aspectos do desenvolvimento que deseja para seu povo:

Como é que nós vamos organizar todas essas aldeias? A gente começou a pensar a estrutura para nós reunirmos uma vez por ano, ou mesmo para formar os nossos alunos. A gente

pensou que um dos espaços importantes é criar o centro de memória como a nossa

universidade, que representa toda a nossa história. Então, está dando certo um pouquinho.

Ainda falta muita coisa pra gente ir estruturando (Siã).

Siã, que com 21 anos deixou a aldeia para estudar cinema na Califórnia, também faz uma

espécie de cronologia da agenda da luta dos Kaxinawa pelo avanço de seu desenvolvimento. Esta

inicia com a luta pela terra e em seguida pela educação, uma vez que após o contato com os

brancos, na época do patrão seringalista, os Kaxinawa tiveram que se preocupar em aprender o

português para poder sobreviver e não ser sempre enganado:

Escrever, para não ser enganado pelo patrão. Era essa a nossa educação. Mas depois, fomos

mais que isso. Umas oito pessoas de nós estão na faculdade, fazendo docente e discente

indígena, no campus da floresta, em Cruzeiro do Sul. E buscamos saúde também, né?

Através da Funasa, temos 32 agentes de saúde, recebendo bolsa. Precisa melhorar mais, mas hoje não tem treinamento pra formar. Só recebe bolsa e atende quando precisa. E

79

também, depois, a gente foi buscar o meio ambiente, que é aonde o agente agroflorestal

pode cuidar da floresta, não destruir, como os patrões fizeram. Destruição para criar boi,

para tirar madeira... A nossa história é recuperar o que foi estragado. Eu considero que nós

estamos recuperando 60% da nossa terra, tanto caça, como madeira. Só o peixe, que o rio é

muito seco quando o verão vai começar, o peixe vai embora todinho. Então tem essa

dificuldade, que é criar mais peixe. Aí tem nove grupos aqui, que a gente se organiza.

Dentro desses grupos tem liderança, agente agroflorestal, segurança, pajé, artesã, parteira..

Até o mirim. Não é só pra gente ficar sustentando, eles também cuidam do lixo (Siã).

Desta forma, Ixã e Siã apresentam uma cadeia de idéias em que o desenvolvimento passa

pela busca de tecnologias não índias, tanto relacionadas à infraestrutura quanto ao conhecimento

por meio de capacitações, formações e intercâmbios. Há a busca pelo engajamento da comunidade,

como um todo, nas ações que a mantém, como mostra até a participação das crianças, o mirim, no

cuidado com o lixo.

É interessante notar que a relação com a cultura não indígena é iniciada com os conflitos e

exploração dos Kaxinawa pelos não índios; em seguida tem-se a busca dos direitos étnicos e da

demarcação da terra; depois há a busca de conhecimento da população Kaxinawa, através da

educação, que começa com o aprendizado do português e depois vai alcançando novos domínios,

até que há a formação de professores nas universidades, que passam a ser protagonistas do

movimento de “desenvolvimento da tradição e cultura”, citados por Ixã, o movimento da

universidade da floresta.

Itsairu, presidente da OPIAC, diz que o atual movimento da educação indígena é integrar a

educação com a vida na floresta, ou seja, fortalecer o movimento de “organização da vida na

floresta”:

Queremos tanto os nossos povos preparados, quanto estudar na nossa escola, que como diz

o ditado, a floresta é minha escola. Então, a floresta é a nossa escola, onde nós vivemos,

onde nós nascemos. Nós estamos aprendendo dentro da floresta, ciências, a convivência, a valorização, então é importante a natureza estar junto com a gente. O que nós estamos

tratando e trabalhando é educação ambiental, tanto nossa vida, nossas caminhadas, nossas

matérias, nossos alimentos, também o olhar do nosso movimento, onde nós vivemos, qual é

o nosso papel, o que nós podemos fazer (Itsairu).

Nessa concepção já aparecem elementos da valorização da floresta enquanto parte das suas

origens e como fonte de conhecimento. Isto também foi notado na observação de campo, em que os

jovens das primeiras aldeias do rio Jordão, como a aldeia São Joaquim e Nova Cachoeira,

atribuíram à última aldeia, que fica em local de floresta mais densa, o Novo Segredo, qualidades

tais como “é nativo mesmo”, “é das origens”, “tem mais fartura”, “só floresta, nativa”.

Nos trechos transcritos também aparecem elementos que são, hoje, discutidos nos meios

acadêmicos voltados para a preservação ambiental. É interessante notar também que ao mesmo

tempo em que há o uso das medicinas da floresta, há a preocupação com a saúde nos padrões não

índios, como destacado na fala de Siã onde manifesta a preocupação com o fato de que a FUNASA

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passou a apoiar agentes de saúde indígenas com bolsas e remédios, mas que por não haver

capacitações, os remédios ficam estocados, sem serem usados.

A utilização dos dois tipos de medicina também pode ser observada em campo. Durante a

madrugada, o pajé recebeu a notícia de que sua neta estava passando mal, com diarreia e vomito,

assim, foi imediatamente para a casa de seu filho providenciar os cuidados para ela. Na manhã do

dia seguinte, sua neta ainda não havia melhorado, assim, o pajé continuou a cuidar dela enquanto

toda a comunidade da aldeia foi mobilizada pelas lideranças e professores a “levantar o astral”.

Estava um clima estranho mesmo, todo mundo se sentindo cansado, indisposto. Assim todos se

reunirão no terreiro da aldeia e dentro do Kupixawa (uma espécie de casa redonda, sem paredes,

com telhado de palha), começaram a se pintar com urucum, enquanto os jovens começaram a tocar

instrumentos musicais, como tambor, flauta e maracá. Todos estavam adornados, com cocares,

pulseiras e colares de sementes e miçangas. Os mais velhos trouxeram as medicinas da floresta e

todos reunidos, jovens, crianças e adultos começaram a utilizar as medicinas como o rapé, raízes

“colírio” e defumação com plantas da floresta. Uma rede todo tecida com os kenes estava

pendurada, esperando o pajé chegar com sua neta.

FIGURA 10: Ritual de cura

FONTE: Arquivo Castor (2011)

Depois de pelo menos 30 minutos de preparo, momento em que todos já estavam com o

“espírito recuperado”, o pajé chegou, deitou sua neta na rede e assim todos formaram uma fila, em

que cada participante segurava um galho com folhas em cada mão, que acompanhava o balanço dos

braços enquanto a fila caminhava em volta da rede. O pajé segurava um ramo com três urucuns

enquanto cantava pedindo a cura da sua neta para os seres da floresta e sugava com o poder do

sopro as energias que a estavam deixando doente. Após 15 minutos do término da grande

“pajelança” o pajé veio e me perguntou se eu tinha algum “remédio de branco” para dor de barriga.

Ele estava preocupado com sua neta e explicou que existem doenças dos brancos e doenças dos

Kaxinawa, algumas doenças dos brancos precisam ser curadas com remédio dos brancos. De acordo

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com os mais velhos, com quem aprendeu, antes do contato com os colonizadores as doenças eram

sempre curadas com a floresta.

Assim, apesar do uso das medicinas da floresta, atualmente os lideres Kaxinawa se

preocupam em obter conhecimento e acesso às tecnologias de saúde não indígenas, como ilustra o

relato da observação de campo e as seguintes falas de Tene e Sabino:

A gente sempre tenta curar aqui na aldeia, se tiver oportunidade nós levamos para o

município também, do município envia para o estado. A aldeia recebia remédio, hoje

mesmo está mais difícil porque os agentes de saúde não estão recebendo capacitação para

saber usar esse remédio (Tene)

Tem agente de saúde, tem professor... cade o nosso laboratório? Não temos! Tem só o nome

de agente de saúde, nós não temos nem o medicamento. Nosso medicamento está ai, mas

nós estamos pedindo alguns laboratórios, nosso medicamento é forte!

Apesar de querem ter acesso a tecnologia de saúde branca, Sabino deseja um laboratório

capaz de potencializar o medicamento que já existe na floresta, que de acordo com ele, é forte. Este

também é um desejo apontado pelo pajé Ikamuru Augustinho que está realizando a documentação

das espécies medicinais que conhece, e que já totalizam 351. Ele está criando um parque medicinal

dos pajés, o “Mibã Ikanai Bei” onde deseja plantar todas estas espécies documentadas no “livro

vivo”, que está realizando junto à UFMG.

É interessante notar que há uma vontade de integração dos conhecimentos Kaxinawa com o

conhecimento da cultura branca, e de outros povos indígenas. A necessidade de realizar

intercâmbios, de viajar e conhecer outras realidades, destacada por Ixã, reflete a busca por novos

conhecimentos capazes de fazer avançar a conquista do que é tido como importante, se não, “ficaria

do mesmo jeito”. Itaisru compartilha a importância das viagens dos professores e agentes

agroflorestais, como uma maneira de realizar intercâmbios com os povos vizinhos:

Cada professor e agente agroflorestal nós temos a viagem de intercâmbio, buscando mais

conhecimento também, trazer para cá e levar também o que nós já fazemos para outro povo

conhecido. Então eu vi tudo isso, hoje o movimento, a corrente está envolvida com todos

esses povos. Dezoito povos diferentes daqui do Acre estão envolvidos para aprender um

com o outro, fazer a troca de conhecimento tradicional, tanto de artesanato, quanto das

cantorias, tanto das histórias, publicações em livro, comparando com os do Kaxinawa

(Itsairu).

No que pode ser visto nas passagens anteriores, há uma busca por transformações, por

melhorias. O movimento de “organização da vida na floresta” aponta também para o desejo de

mudanças, de trabalho, de aquisição de bens, como fica evidente na afirmação da mestra-artesã

Ozélia:

Nós vamos organizar cada vez mais daqui para frente (…) meu povo deseja trabalhar,

alcançar mais prioridade de recurso. Nós estamos lutando para alcançar recurso. Essa minha

comunidade de três terras indígenas, nós estamos pedindo recurso. Para fazer trabalho nós temos que receber recurso, não dá para trabalhar sem recurso. Nós temos que melhorar

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nossa vida (Ozélia).

A busca por recursos também é um tema que aparece na fala do pajé Ikamuru Augustinho:

Também preciso de algumas ajudas para continuar o meu trabalho como o Itsairu falou, a

coisa pode ser organizada. Você poderia vir sem nenhum centavo lá da sua região para

aqui? Isso não é uma dificuldade para você? Mesma forma nós temos essa situação que

você está vendo, que faltam muitos materiais, precisamos de uma ajuda para poder

organizar melhor e fazer um trabalho mais unido. (...) Porque precisa de alimentação,

macaxeira, milho e etc. tem, mas falta carne. O índio nunca deixou e nunca vai deixar de

comer carne, gostamos de comer muita carne, como você viu, mataram um garrote, mas não

deu de chegar, acabou antes dos povos chegarem, e fizeram a reunião sem alimentação, só

com caiçuma (Ikamuru).

Neste sentido, da posição de explorados pelos brancos no passado, nos novos tempos os

Kaxinawa fortalecem sua organização e, cientes dos seus direitos, passam a reivindicar do poder

publico acesso à saúde, infraestrutura, alimentação, educação e recursos que fortaleçam sua

organização e sua identidade cultural.

Ikamuru fala da necessidade de recursos para poder organizar mais os seus projetos, as

atividades, aulas e encontros que deseja realizar com todos os pajés sobre as medicinas da floresta,

uma vez que é reconhecido como o coordenador geral dos pajés do rio Jordão. O pajé também fala

da falta de carne para poder receber os parentes das aldeias vizinhas, já que sua aldeia fica próxima

do município e assim, possui pouca caça, ou seja, precisa de dinheiro para comprar alimentação

para os participantes. A falta de caça nas aldeias da TI baixo Jordão sempre aparece como motivo de

queixa, uma vez que, como visto, a caça é uma atividade que fundamenta a vida social da etnia.

FIGURA 11: Mulheres da aldeia Novo Segredo assam a caça

FONTE: Arquivo Castor (2011)

Ozélia diz repetidamente que deseja recurso e associa este também ao trabalho, seja

trabalhar para receber dinheiro, quanto receber recurso para poder trabalhar. Estas duas tendências

ficaram evidenciadas na observação de campo, uma vez que os Kaxinawa vivem da atividade

produtiva de roçados, da caça e da pesca para o abastecimento das aldeias, o recurso necessário para

desenvolver atividades entre as aldeias é para a compra de carne, nas aldeias que não possuem caça,

83

e de materiais que possibilitam o trabalho, as atividades, como no caso das mulheres a miçanga ou

instrumentos que facilitam a perfuração de sementes para a criação de ornamentos.

Neste sentido, o recurso necessitado não quer dizer, sempre, dinheiro, até porque o

município do Jordão carece de vários itens desejados e necessários, como as miçangas, e ainda tudo

é mais caro, devido ao isolamento do município e os gastos dispendidos para fazer com que os

produtos cheguem à cidade. Os Kaxinawa gostam de receber materiais de trabalho, as mulheres

gostam muito de receber miçangas. Além disto, quando as mulheres possuem “um dinheirinho”

gastam comprando produtos alimentícios, agulhas, combustíveis e tecidos como descrito por

Ozélia:

A gente tem muita dificuldade com esse negócio de recurso. Nós aqui estamos lutando...

antigamente a gente tinha que cortar seringa, aparar seringa, não tinha condições para

comprar sal, sabão... por isso que nós estamos lutando, para melhorar de agora para frente.

Por isso nós estamos pedindo recurso. (…) Aqui, no município uma barra de sabão é

R$5,50, caixa de sabão em pó, 1litro de óleo diesel é R$4,50, não dá para comprar tudo!

Nós temos que usar sal, sabão, óleo diesel, temos que comprar agulha, muitas coisas, não

dá para comprar tudo (Ozélia).

Pode-se notar que a palavra recurso designa valor monetário para acessar bens de consumo

da população não índia, o que aparece repetidamente na fala das mulheres e em tom de queixa

frente à dificuldade de acessar os bens desejados. Siã conta que o apoio de R$800.000,00 que

receberam do Governo do Acre, foi investido em 2011 na aquisição de instrumentos de trabalho

para o aprimoramento da agricultura nas aldeias:

É para a produção de agricultura mesmo. Tem motor de farinhada, bola de farinhada que é

o catipú que a gente chama, forno de ferro para torrar a massa, terçado, enxada, motosserra

para o aproveitamento da madeira estragada, material para fazer cadeira, que é o

formolzinho, aproveitar também para fazer a cadeira e o material que está meio congelado.

Tudo isso que você está vendo, o motor bomba, o roçadeiro, para limpar a roça da gente.

Barco, motores, rabetas, transporte. É para a gente e para gerar economia porque estamos recebendo muito material, se nós cumprir mesmo, vamos abastecer o mercado daqui (Siã).

Tadeu fala sobre o recebimento dos benefícios do projeto nas aldeias:

Esse projeto tá chegando apoio através de cada centro das sete centrais. Fazer produção de

economia como forno para produzir farinha, fazer mel, rapadura, amendoim, que o povo

Huni Kuin já tem esse produto, esse equipamento que tá chegando e as lideranças tão

ficando felizes, chegando esse equipamento para ajudar o povo Huni Kuin através do

sustentável. É isso que o centro de memória e a associação e as lideranças tão discutindo,

planejando o trabalho desse ano de 2011 e também um plano de planejamento de projeto

para enviar ao governo do estado, para que o governo do estado ajude através do que é necessário (Tadeu).

Apesar da vontade citada de abastecer o mercado do município, não há até os dias atuais um

mercado Kaxinawa no município, há sim uma venda com algumas frutas do Getúlio Sales, irmão

mais velho do Siã, que participou ativamente da conquista da terra. Entretanto, não há um mercado

Kaxinawa, e estes vão ao município pelo menos uma vez por mês, para retirar algum dinheiro e

poder comprar mercadorias tais como munição, gasolina, equipamentos para a canoa, sabão, roupas,

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tecidos, sal, açúcar, panelas de alumínio e etc. Quando se perguntou a Jandira para que ela gostaria

de recurso, ela respondeu:

Comprar algumas coisas, assim, cultura... Cultura para ajudar o aluno, ensinar, para fazer

uma grande feira, tem que pagar, se não pagar logo leva crítica. Tem que pagar as pessoas

que trabalham também, tem pessoas que tem filho, que não tem, tem que pagar para comer a alimentação, comprar a comida dos filhos, coisas pessoais tipo de artesanato. No mercado

a gente tem que comprar óleo, carne, na minha aldeia está difícil de caça, tem que comprar

boi e galinha. Só a partir da aldeia Boa Vista que tem caça, as aldeias mais perto da cidade

não tem caça não, é difícil também conseguir peixe porque tem muitas pessoas, fica difícil

também (Jandira).

Jandira foi solicitada que explicasse o que ela estava querendo dizer com cultura, no que

explicou:

A nossa luta é o trabalho! Eu sinto que trabalho, cultura são muito importantes. Cultura é

muito importante tem que caprichar de novo. Tem aldeia que tem membro de cultura, o

pajé, professor para trabalhar artesanato para ensinar o aluno. Isso tudo é cultura.

Artesanato, cultura, nossa comida, nosso legume é nossa cultura. O artesanato, nosso

legume tudo é cultura (Jandira).

É interessante notar que Jandira responde que gostaria de gastar dinheiro comprando cultura,

ou seja, os meios pelos quais ela pode realizar o trabalho voltado ao desenvolvimento das práticas

da cultura Kaxinawa, como as miçangas. A informante ainda destaca um elemento presente na

grande maioria das entrevistas, a escassez de carne nas aldeias próximas ao município. E, ainda,

fala de uma tendência crescente no rio Jordão, o acesso ao dinheiro.

Jandira contou que a partir de 2011 assumiu dois trabalhos na aldeia, fora as atividades

comuns à todas as mulheres como cuidar do roçado, cuidar da casa, das crianças, cozinhar e cuidar

dos maridos. Agora ela é professora mestre-artesã da sua comunidade, bem como a coordenadora

das mulheres artesãs do grupo 5 (um coletivo de cinco aldeias vizinhas), entretanto, encontra muita

dificuldade em realizar as atividades das quais ela é responsável, pois não possui os meios para

desenvolvê-las, o que a angustia muito, como pode ser visto:

Eu quero projeto para realizar a cultura, para realizar... o movimento também, né? (…) Essa

cultura para atividade de trabalhar miçanga, artesanato, os paninhos de tecelagem com

algodão... A mulher cozinha macaxeira, cozinha banana, cozinha amendoim... eu limpo a casa, tenho que carregar macaxeira, tenho que carregar banana... e aí? E nossa cultura? Tem

que trabalhar com artesanato também! Para viver de artesanato eu não tenho dinheiro para

comprar o material. Hoje em dia eu e meu pessoal queremos continhas, assim, miçanga...

trabalhar com a miçanga. Tenho vontade de trabalhar com isso tudinho lá na minha aldeia.

(…) Eu preciso de motor, eu preciso de barco, a primeira coisa. O segundo, eu preciso de

projeto, fazer projeto para ajudar o pessoal. (…) Na aldeia tem muito trabalho! Eu faço

muito trabalho, fazer comida para meu marido, meu filho, filha, meu povo. Meu marido na

minha aldeia Astro Luminoso é a liderança, como prefeito da aldeia, administração... Eu

também, na administração das mulheres, para coordenar a comunidade para trabalhar

(Jandira).

Faz-se relevante destacar que todas as três mulheres entrevistadas falaram do desejo em

obter miçangas e queixam-se da sobrecarga de trabalho. Já os homens falaram do desejo por

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construções permanentes. É interessante notar que os desejos são o desejo pelo imperecível e dizem

respeito à possibilitar a realização das atividades, do trabalho, uma vez que faz parte do papel social

da mulher a confecção de ornamentos e artefatos com miçanga e do homem, atividade de

construção de casas.

A apreciação Kaxinawa pelo imperecível pode ser entendida como o desejo de estabelecer

contato e troca com estrangeiros, uma vez que o próprio ser da arte e do agir no mundo Kaxinawa é,

e sempre foi, movido pelo fascínio pelo outro. Tal apreciação pode ser encontrada no mito do deus

Inka, que possui a duplicidade de ser tanto um canibal, um predador, quanto provedor, aquele que

alimenta (LAGROU, 2007). É interessante perceber que o não índio também assume esta

duplicidade, em que no passado foi aquele que massacrou e no presente é aquele que pode ajudar no

desenvolvimento, através de sua tecnologia imperecível.

Foi neste sentido que Ixã respondeu, quando perguntado sobre como gostaria que seu povo

estivesse daqui há cinco ou dez anos: “Daqui há mais de dez anos eu quero essa estrutura de fora da

cultura Huni Kuin”. Em seguida, foi solicitado que ele contasse mais sobre esse desejo e, assim, Ixã

explicou:

Quero que aqui fique como um centro de treinamento aonde os professores podem fazer

uma capacitação, agente de saúde, agente agroflorestal, todo esse pessoal pode vir fazer

capacitação. Melhor do que nós irmos daqui para Rio Branco ou qualquer lugar, os técnicos

vem ensinar nós aqui na nossa terra. Por isso que eu estou querendo fazer uma melhor

estrutura (Ixã).

É interessante notar que a construção “de fora da cultura Huni Kuin” é desejada, como

forma de criar um espaço permanente de estudo, treinamento e capacitação, uma vez que já existem

estas formações, mas que ocorrem em outros locais, como Rio Branco, no sítio da CPI-AC ou

outros centros urbanos. A saída das aldeias de lideranças e representantes, para fazer capacitações, é

uma constante que, de acordo com os informantes, seria melhor se fosse evitada. Durante o período

em campo pode ser notado que a comunidade prefere que as capacitações ocorram nas aldeias, não

só para evitar a saída das lideranças, mas também para facilitar o acesso das informações a mais

pessoas, como jovens ouvintes.

É neste sentido que o professor Tadeu Mateus fala sobre os planos para sua aldeia:

Aqui também é o local que nós podemos ensinar os aluno de 5 a 8 né, do povo Huni Kuin, que nós não queremos que nossos alunos vão pro município do Jordão, nós queremos

formar indígenas mesmo, que ensinam os alunos aqui dentro do Centro de Memória, porque

aqui é a nossa escola viva né, que já ta tendo, onde nós fazemos feitio junto com a escola,

junto com o pajé, que tem mais conhecimento (Tadeu).

Não tinha essa estrutura para funcionar, principalmente ensinamento de 5 á 8, ai na verdade

a escola já vinha funcionando, principalmente dentro da nossa maloca aqui mesmo, junto

com os pajés, há muito tempo vem funcionando, mas só que nós não tínhamos uma

estrutura pra gente trabalhar no local certo, como escola, espaço pra trabalhar. Nós não

temos ainda maloca grande neste centro de memória, esse que é nosso sonho que é colocar

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uma maloca grande mesmo que é tradição do povo Huni Kuin, esse mesmo que é nosso

sonho de Ponto de Cultura. Ponto de Cultura não vem de longe, já tá com nós, o que nós

temos, nossa identidade, o que nós fazemos, o que nós vivemos, tudo o que nós fazemos

dentro desse centro de memória do povo Huni Kuin, de dentro daqui da floresta, no meu

ponto de vista eu vejo assim o ponto de cultura (Tadeu).

Observa-se aqui que o desejo por estruturas físicas mais resistentes do que as da arquitetura

tradicional (que são feitas de madeira e palha de paxubão), o que está relacionado ao

aperfeiçoamento do espaço físico voltado às atividades de educação, que por sua vez está voltado ao

estudo dos conhecimentos culturais da tradição Kaxinawa, bem como às atividades de capacitação e

formação como o caso da formação de agentes agroflorestais, que tem atuado em cada aldeia, a

partir da sensibilização das comunidades às questões ambientais e também tem realizado junto a

estas o trabalho de manejo das espécies vegetais e animais. Mais uma vez registra-se aqui o desejo

de incorporar nas aldeias as tecnologias de construção não índias como forma de acessar o

desenvolvimento.

FIGURA 12: Casas Kaxinawa

FONTE: Bane Sales

Um dos resultados deste trabalho foi integrar a atividade agroflorestal à escola Huni Kuin,

pode-se observar em campo a criação pelos agentes de uma área de cultivo de espécies alimentícias

nativas e exóticas, a fim de abastecer a merenda das escolas, que são estaduais e municipais, e que

antes eram enviadas. O professor Itsairu mostrou orgulhoso as mais de 32 espécies que foram

plantadas no entorno da escola, tais como açaí, abacate, goiaba, etc. Além das construções

permanentes e miçangas, o desejo por equipamentos tecnológicos que possam facilitar os trabalhos

culturais como documentações e a criação de material didático possuem grande relevância aos

ideais de desenvolvimento Kaxinawa, no rio Jordão.

Os desejos apresentados por Ixã e Tadeu foram também notados durante a permanência em

campo, na fase da pesquisa exploratória, em janeiro de 2011, em que a pesquisadora acompanhou a

“Assembléia Geral” das 32 aldeias, das três terras indígenas, Alto rio Jordão, Baixo rio Jordão e

Seringal Independência – que formam um complexo de aldeias que possuem um calendário de

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atividades coletivas, festivas, rituais e casamentos entre si.

O encontro ocorreu durante três dias na aldeia Centro de Memória São Joaquim, lá estavam

presentes lideranças de todas as aldeias, para a discussão do plano de desenvolvimento para 2011.

Tadeu justifica a escolha do local da assembléia por razões relacionadas à estrutura:

Cacique Siã, queria fazer uma assembléia geral para as três terras indígenas porque... outro

lugar não tem estrutura como essa né, que tem próprio assim, para fazer reunião e algumas

coisas assim daqui mesmo. Estão envolvidos nas três terras indígenas pra vir participar

desta assembléia geral que acontece, por exemplo, agente de saúde, agente agroflorestal,

professor, liderança, artesã, mirim, isso que... não é só isso. Professores estão formando

também na universidade, agente agroflorestal, esse ano também está formando, ensino

médio, tudo isso também nós mesmo podemos, através de projetos, nós podemos fazer

oficina aqui mesmo, plantar mesmo, reflorestar, plantar todas frutas que tem perto do centro

de memória, então é isso que a gente está pensando (Tadeu).

Apesar de a estrutura ser importante, Tadeu também atribuiu valor a presença de professores

que estão fazendo formações na Universidade Federal do Acre, UFAC, na aldeia anfitriã, bem como

a presença de alimento capaz de fornecer a alimentação aos visitantes de outras aldeias. Além disto,

deve-se considerar o fato da aldeia São Joaquim ser a primeira aldeia do rio Jordão, ou seja é mais

acessível por ser mais perto do município (de canoa leva de duas a três horas, enquanto o acesso a

última aldeia, o Novo Segredo, leva dois ou três dias), o que facilita a participação de convidados

não indígenas, tais como deputados, representantes do governo e parceiros em potencial, como

explicado pelos informantes em campo.

Vale destacar que a assembléia começou com a exibição, em DVD e data-show (ganhados

pela ONG Vídeo nas Aldeias11

), de um documentário produzido pelo cacique geral, sobre o Centro

de Memória. O filme falava sobre o tempo atual, as novas conquistas como a aquisição de

computadores, maquinas fotografias e painéis solares, ao mesmo tempo em que destacava o valor

da cultura Kaxinawa, com imagens das danças tradicionais, como o mariri, da floresta e das

medicinas utilizadas pelo povo. Um detalhe chamou a atenção: a trilha sonora do filme era um jazz

e durante a narração, em português, além de fotos sobre a cultura local apareciam imagens de

natureza que não faziam parte da realidade local, como grandes cachoeiras e desenhos de indígenas

do tipo “norte-americano”.

Essa abordagem passou a impressão de que este filme havia sido feito para dar visibilidade à

cultura Kaxinawa, estando direcionado à outros, e não a comunidade. Apesar disto, todos assistiram

muito atentos, observando as imagens nas quais apareciam. Quando alguém era reconhecido, davam

risadas e falavam alto o nome da pessoa que aparecia, pareciam satisfeitos em se ver projetados no

lençol amarrado que servia de telão.

11 A Vídeo nas Aldeias trabalha há 25 anos com a formação de cineastas indígenas, que são incentivados a utilizar os

equipamentos tecnológicos para documentar o cotidiano das aldeias, e as questões que lhes são importantes, através

de seu próprio ponto de vista, sua linguagem audiovisual.

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Após este momento, todos sentaram no chão em um grande circulo, havia uma divisão, não

rígida, mas clara, entre homens e mulheres. Os homens participavam da reunião com mais falas,

cada pessoa que quisesse falar ia ao centro da roda e se colocava para o grupo, todos falavam na

língua, o hãtxa kuin. Enquanto os homens estavam sentados de forma a quase completar o desenho

da roda, as mulheres se acumulavam com as crianças no pedaço restante, criando um grande

corredor, anexo à roda.

Durante a primeira hora de reunião duas mulheres se levantaram para falar, enquanto oito

homens haviam se manifestado colocando sua opinião na assembléia. A reunião acontecia em forma

de diálogo, ninguém interrompia a pessoa que estava falando no centro, mesmo se a fala fosse

longa, ou não parecesse muito interessante. Ao mesmo tempo, não havia um “grande silêncio”

instaurado. As mulheres ouviam atentas, mas continuavam a cuidar das crianças enquanto os

homens chegavam ouviam e saiam, utilizavam o rapé. Havia sempre movimento.

Foi durante esse encontro geral das três terras indígenas que a pesquisadora conheceu a

divisão das três terras indígenas em sete grupos (Grupo 1, Grupo 2, e assim sucessivamente). Cada

grupo possui uma aldeia, conhecida como a “central”, como explica Tadeu:

O Centro de Memoria foi planejado desde a origem das conquistas das escolas através das

palavras dos nossos pajés e das nossas lideranças, como deve funcionar as escolas nas

comunidades. As lideranças vêm trabalhando e nós Kaxinawa temos o máximo de 2.200

pessoas, 2.400 pessoas, temos 32 aldeias, e nessas 32 aldeias precisamos de algumas

estruturas para melhoria de qualidade do povo aqui sustentável. As lideranças analisaram cada uma, temos 3 terras indígenas aqui no Rio do Jordão, incluindo o Seringal

Independência e então formamos um grupo de 1 até o 7 (Tadeu).

A aldeia central é o local que recebe os representantes de cada aldeia do grupo para realizar

discussões e planejamento das atividades e organizações desejadas. Se uma aldeia vai ser a anfitriã

de determinado ritual, festival ou encontro de capacitação, as demais se organizam para fazer o

abastecimento da alimentação, por exemplo. As aldeias “centrais” são: Centro de Memória São

Joaquim, Boa Vista, Astro Luminoso, Novo Natal, Três Fazendas, Novo Segredo e Altamira.

Pode-se visualizar a distribuição das aldeias através da visualização do mapa, a Terra

Indígena Alto rio Jordão encontra-se em laranja, a Baixo rio Jordão em verde e em azul, o Seringal

Independência, terra comprada pela ASKARJ, que forma o complexo Kaxinawa do município do

rio Jordão:

89

FIGURA 13: As três Terras Indígenas Kaxinawa no município do Jordão

FONTE: CPI-AC

Além desta divisão, a pesquisadora conheceu a divisão social em “categorias sociais”, como

denominadas pelos próprios Kaxinawa e já mencionadas por Ixã e Tadeu nas entrevistas. Estas

categorias estavam descritas em um quadro negro, ao lado de um grande desenho em que havia a

cabeça de uma mulher, que possuía cabelos longos feitos de folhas, que cresciam formando quase

uma árvore, o corpo da mulher era o corpo de uma jibóia. Quando perguntei ao professor que

desenhou o que significava aquele desenho, ele respondeu: “é a Rainha da Floresta, para nos dá

alegria, muita cura, muita paz e muita luz”.

No quadro estava escrito, na seguinte ordem:

1. Liderança

2. Professor

3. Agente de Saúde

4. Agente Agroflorestal

5. Merendeira

6. Segurança

7. Pajé

8. Mirim

9. Parteira

10. Agente de Cultura

11. Mestra-artesã

À pesquisadora foi explicado que estas são as “categorias sociais da aldeia”, as profissões

criadas para a organização das atividades nas aldeias. Em cada uma das 32 aldeias das três terras

indígenas tem pelo menos uma pessoa responsável por desempenhar a função atribuída para cada

categoria.

Durante os dias que se seguiram cada membro de cada aldeia, responsável por cada

categoria, formaram subgrupos para fazer o levantamento das necessidades do trabalho. Ao final,

90

cada subgrupo indicou um representante que expôs as decisões da categoria ao grande grupo e

entregou ao cacique geral uma folha com estas reivindicações, para ser entregue ao Governo do

Estado. À pesquisadora, foi solicitado ajuda na digitação dos documentos, uma vez que as poucas

pessoas que sabem usar os computadores existentes na aldeia ainda possuem dificuldade em digitar

com agilidade.

Esta passagem identifica alguns aspectos da dinâmica de governança das três terras

indígenas do município do Jordão e aponta para o interesse nas capacitações voltadas ao domínio de

instrumentos tecnológicos, tais como cursos de informática, fotografia e vídeo, que são

instrumentos para a organização e o desenvolvimento das atividades desejadas. No que tange os

processos de governança Tadeu e Tene explicam:

O objetivo de todas as lideranças das 3 terras indígenas, é encontrar e discutir sobre o

projeto da vida do povo Huni Kuin. Buscando a nossa união e nossa saúde de qualidade de

todo mundo, trabalhar através de nossa associação para todos viverem. Discutimos também a política partidária para todo mundo se unir, porque se não os políticos partidários devem

dividir os povos. Por isso que as lideranças estão discutindo com as comunidades para

entender, trabalhar e respeitar nosso movimento e trabalhar junto (Tadeu).

Por enquanto são as lideranças que organizam, para as comunidades indígenas participar,

né? Então a gente acompanha, e as mulheres também tem que participar porque são

responsabilidades nas aldeias também, sobre artesanato. Os homens são responsabilidade

também da organização novo que está chegando. Então tem... a economia da comunidade.

As comunidades.... não dá para ir, participar, assim, todos, então vão as lideranças para

passar para toda a comunidade. Então a liderança organiza, convida as comunidades e nós

acompanha, o que nós precisamos realizar agora, junto com as lideranças e esses encontros de experiencia, para poder aprender também. Ver e conhecer, né? (Tene).

No que tange o interesse pelos instrumentos tecnológicos e capacitações, bem como a

necessidade de se adquirir esses, em todas as entrevistas houve a menção da necessidade de tais

bens, assim como de capacitação para o seu manuseio, como aspectos de grande relevância ao

desenvolvimento desejado pela comunidade Kaxinawa. Dentre estes, além dos equipamentos para

registro das práticas culturais, para formarem uma “memória material”, existem equipamentos para

o uso das atividades de subsistência no cotidiano, tais como motor de barco, bomba de água e moto

serra, e também instrumentos de comunicação como o celular, rádio e internet. Tais necessidades

podem ser conhecidas através da leitura dos trechos das entrevistas, abaixo:

Fiz duas viagens para uma formação nova, os conhecimentos dos jovens para se formar

para trabalhar com tecnologia, fazer documentação, divulgação, para os povo Huni Kuin.

Eu fiz duas oficinas de informática e de edição, eu vi que é muito importante a tecnologia

para os povos indígenas se organizarem e saber viver também, cuidar das nossas naturezas e proteger o nosso povo também. Então foi isso que eu senti e estou sentindo agora também,

feliz (Tene).

Então, nesse novo tempo estão chegando os equipamentos que nós não conhecíamos, a

gente conhecia assim, no papel, mas agora a gente está vendo os equipamentos de

tecnologia mais diferente. No novo tempo, os jovens estão querendo interessar na

tecnologia. Então este momento do novo tempo nós estamos querendo o contato desses dois

mundos, para trabalhar projeto, né? Então este novo tempo, nós estamos realizando, né?

91

Esta geração de 2011, nós estamos chegando (Tene).

A tecnologia é um mundo que não fala mas está dentro de toda tecnologia. Com a

tecnologia pode aprender e pode buscar coisa importante, pode comunicar com o mundo, isso é importante para nós. Registrar nossa identidade e registrar coisas que não podem

entender, porque a tecnologia pode ajudar a registrar e fazer projeto, nós mesmos

conversarmos com o mundo, é assim que a tecnologia deve ajudar a nós, facilitar o nosso

trabalho (Tadeu).

Eu preciso de motor, eu preciso de barco, a primeira coisa. O segundo, eu preciso de

projeto, fazer projeto para ajudar o pessoal (…) Eu desejo que melhore toda a nossa vida, é

isso que eu desejo. Fazer projeto para poder levar as coisas para minha aldeia, internet... eu

já tenho gerador grande, mas não tenho internet. Tenho o gerador, DVD, televisão, caixa de

som, antena parabólica, DVD ainda não chegou. (…) Preciso do contato para vender

artesanato, tenho que comprar celular também para poder vender (Jandira).

Então, eu tô aqui jovem me responsabilizando pelos jovens e trabalhando e organizando

como produção e criação de artesanato, para poder trabalhar e negociando com outros

povos, né? (…) Eu tô desejando para o meu povo o melhoramento de vida para os povos

Huni Kuin, que vocês estão vendo aí, né? Nós estamos na floresta, somos nativos mesmo.

(…) Necessitamos aprofundar mais o nosso conhecimento, praticando mais a tecnologia. E

também nós estamos procurando fazer a sede do artesanato, para a gente colocar os

produtos (Txana Txanu).

Meu desejo é oficina de miçanga, computador, que está faltando internet. Eu quero

capacitação. Aqui faltam muitas coisas também no ponto de cultura, a gente quer apoio para

estruturas, para manutenção... Nós podemos fazer da nossa cultura mesmo mas precisa de motosserra, roçadeira, para quando a gente querer limpar as plantas, essas coisas, só terçado

é mais difícil. Aqui também está faltando uma caixa de som, impressora, ventilador, uma

casa com uma estrutura melhor (Sabino).

Pode-se observar nas falas que o desejo pela tecnologia, assim como de construções

permanentes, ambos aparecem como um instrumento facilitador às atividades desenvolvidas pelas

categorias sociais, que desenvolvem importantes papéis e ações sociais para a “organização da vida

na floresta”. Neste sentido, a entrada de elementos da cultura branca não é considerada como uma

“ameaça” e sim como “proteção”, como destaca a fala de Tene. Esta percepção pode ser encontrada

também na fala do presidente da OPIAC, Itsairu e do cacique Siã:

Discutindo, fortalecendo, recebemos a tecnologia. A tecnologia está chegando. Não é para

destruir a nossa identidade, ela vem para construir junto. Acho que vem para ajudar. Somos

nós que funcionamos através da nossa realidade. E também conhecendo outro mundo, tem

uma sociedade importante para nossa vida e para nossa cultura através do sustentável,

dentro do nosso território (Itsairu).

Para nós nos adaptar com o branco, com a tecnologia, usar a mesma roupa ou comer uma

comida, ou mesmo misturar essa parte toda... fomos indo. Estamos destrinchando, graças a Deus. Não estamos perdendo, estamos conquistando (Siã).

É interessante perceber o entendimento de que através destes recursos é possível aprimorar

as práticas de “memória” das tradições culturais Kaxinawa que tiveram quer ser esquecidas durante

o “tempo das correrias” e o “tempo dos cativeiros”, como afirmado por Tadeu. Há ainda uma

tendência a associar as tecnologias aos projetos, tanto como meio de alcançá-los, quanto alcançar as

tecnologias através da aprovação de projetos. Outro elemento presente é a facilitação da

92

comunicação com o mundo, através de aparelhos tecnológicos, que podem facilitar o acesso a

novos, e conhecidos, parceiros e no processo de divulgação e comercialização da cultura Kaxinawá,

no caso especificamente, o artefato.

Apesar da tecnologia ser vista como um meio facilitador de contatos, ela também é

considerada um meio facilitador da vida cotidiana, como os motores das canoas, a exibição de

filmes nas escolas indígenas, o tratamento do roçado, realizar o corte da madeira de alguma árvore

que caiu dentro do rio e dificulta a passagem das canoas e etc. São vistos como meios para facilitar

a vida cotidiana.

A necessidade de contatos e comunicação também é um elemento comum às entrevistas com

os Kaxinawa. A internet aparece como um elemento de destaque, pois possibilita o contato e

também dá visibilidade da cultura e a comunicação entre os próprios membros das aldeias, uma vez

que muitos viajam. Há entendimento de que os contatos facilitam a formação de parcerias e a

entrada de investimentos para o desenvolvimento das atividades desejadas. Já existe a participação

de vários Kaxinawa nas rede sociais da internet, como o facebook, skype e e-mails, que são

acessados ou no município do Jordão ou em outras cidades do Brasil e do mundo.

FIGURA 14: Diário de trabalho Kaxinawa

FONTE: Castor (2011)

Há, neste sentido, o interesse pela conexão virtual diretamente das aldeias, o que pode

facilitar a não necessidade de deslocamento para o município para utilizar estes meios, ou o

deslocamento através do rio, para se chegar a uma aldeia que necessite dar algum recado,

estabelecer comunicação. Nas aldeias uma buzina feita com bambu e rabo de tatu ou de jacaré é

chamada de “o celular da floresta”. É através de um código de tipos de buzina que os Kaxinawa

comunicam a chegada de visitantes, o inicio de alguma atividade, o momento em que as refeições

estão prontas e etc. Abaixo, pode-se observar o conteúdo de algumas falas dos entrevistados, sobre

o tema:

Outra coisa também é que está chegando a internet, a internet é uma mensagem que está

93

chegando para o Huni Kuin. Está chegando com outro humano, é um mundo que está

chegando dentro da comunidade. Nós podemos nos comunicar com o mundo e trazer a

coisa importante do mundo aqui para a aldeia, na terra indígena, para fortalecer aqui o que

nós precisamos, a prioridade do povo Huni Kuin, para melhorar e viver com qualidade de

vida dentro da nossa cultura e dentro do nosso territorial. Porque hoje esta tecnologia está

em vários lugares em terras indígenas de vários povos, cada povo tem seu plano de como

trabalhar com essa ferramentas (Itsairu).

Eu estou sentindo muita dificuldade de comunicação, computador, internet, comunicação! Aqui nós temos muita dificuldade! Se aqui tem internet, mas o cara não tem capacitação, do

que que serve? Aqui nós estamos precisando de comunicação! O combustível também está

difícil! Aqui nós temos que arrumar uma água boa também, a gente já trouxe o motor

bomba, está faltando alguém para instalar, nós estamos precisando de técnicos. Algum

barco bom, motorizado... (Sabino).

A frente de proteção tem que ter, proteção, isolado, a aldeia fica como isolado, não tem

transporte direto, como você viu né, longa viagem, então temos que entrar com esse contato

com a Funai para melhorar mais a comunicação. A funai é quem é federal, é público tem

que cuidar dos índios, é a nossa proteção, é a nossa vida, trazer esse cuidado da gente com a

nossa terra (Tene).

Os Kaxinawa das três terras indígenas se organizam profissionalmente, como até aqui

observado. Há também um movimento de luta pela profissionalização das “categorias sociais”,

como forma de garantir a ação dos trabalhos e atividades que são julgados como necessários àquilo

que Siã chamou de “organização da sobrevivência na floresta”. O reconhecimento da categoria

profissional implica na remuneração do trabalhador, seja um salário, ou uma bolsa. A seguir,

podem-se observar na tabela quais são as categorias que são remuneradas.

Tabela 02 – Categorias Sociais

Categoria

Social

Salário Pago por Quantidade por

aldeia

Gênero

Liderança - - De 01 a 02 masculino

Professor R$ 900,00

(concursado)

R$ 500,00(não

concursado)

Governo do Acre

Prefeitura do Jordão

De 01 a 02 31 masculino

1 feminino

Agente de

Saúde

R$ 540,00 FUNASA 1 masculino

Agente

Agroflorestal

R$ 350,00 Governo do Acre 1 masculino

Merendeira R$ 540,00 Prefeitura do Jordão 01 a 02 feminino

Segurança R$ 540,00 Prefeitura do Jordão 1 por aldeia, mas

apenas o que fica na

entrada da TI, no

município, é

assalariado.

masculino

94

Pajé - - 01 ou mais masculino

Mirim - - Todas as crianças ambos

Parteira - - 01 ou mais feminino

Agente de

Cultura

- - 1 ambos

Mestras-

Artesãs

Tentam vender

artefatos

Produção

independente

1 ou mais por aldeia feminino

Além destes salários, os Kaxinawa possuem como fonte de renda as pensões dos idosos,

aposentados pelo Funrural, a Bolsa Família e o Salário Maternidade, programas assistencialistas do

Governo Federal. Como pode ser observada na tabela, a maioria das atividades que possibilitam o

retorno financeiro são desempenhadas pelos homens e são advindos de programas do governo. A

produção de artefatos é uma atividade independente de programas assistencialista. E é exatamente

entre as responsáveis por essa atividade onde há maior queixa quanto ao retorno financeiro e

reivindicação para que essa atividade seja remunerada pelo poder público, conforme apareceu na

fala das três mulheres entrevistadas:

Nós decidimos agora que daqui para frente nós queremos fazer contratos, contratos das

mestras. Nós precisamos, faz muito tempo que nós fazemos artesanato e não ganhamos

nada. Os professores ganham, agente de saúde ganha, mas nós artesãs não ganhamos nada.

Todas as mestras me falaram assim: “nós temos que ganhar nosso salário também, a gente

gasta muito tempo trabalhando com artesanato e não ganha nada”. Então, agora, nós queremos ganhar salário também, cada mesta precisa ganhar um salário. Das mulheres só a

merendeira ganha e nós temos uma professora Huni Kuin aqui no Jordão. Nós queremos

mais professoras também, nós queremos ganhar (risos) (Ayani).

Cada aldeia tem mestra, por isso nós estamos pedindo para o governo estadual, para o

governo federal, para todos nós estamos pedindo apoio. Tem que contratar cada professora,

mestra artesã de todas as centrais! (Ozélia).

A participação social das mulheres também acompanha as transformações do tempo, como

afirma o cacique geral:

Essa proposta, junto ao projeto com a sociedade, a gente pode dizer o que a gente pensa.

Estamos convivendo com isso. A gente pode observar que não está parado no lugar, a gente

começou não tinha nada, e agora tem muita gente. Temos quase 500 alunos na escola

diferenciada, temos mais agente, este grupo que estamos criando aqui, até as mulheres estão fortalecendo cada vez mais, que no passado a gente não tinha costume de trabalhar com a

mulher. A mulher cuidava lá da cozinha e dos filhos. Cuidava do marido. E hoje, agora, a

gente botou também, para lutar junto, para fazer parte. Acho que é uma coisa que estamos

avançando (Siã).

É interessante notar que a entrada das mulheres para o “movimento” é algo recente e que

acompanha a busca pelas ações de valorização da cultura local, que também acompanha o

crescimento das escolas diferenciadas, escolas estaduais e municipais que estão baseadas na cultura

local. A mulher, que possuía a visibilidade de suas ações voltadas ao cuidado da família, passa a ser

95

também um elemento de poder, uma vez que possui o poder do conhecimento das técnicas de

desenhar, seja em tecidos ou com contas, miçangas e sementes. Ayani fala sobre esta descoberta:

Tem mudança, agora eu estou feliz. De 2005 até 2010 nós tivemos dificuldade, agora nós

estamos melhorando, de 2011 para 2012. Agora entendemos o nosso movimento, das

mulheres, nós temos poder também, as mulheres. Agora eu estou pensando... com 20 anos, 25 anos, não tinha poder. Agora, com 29 anos estou percebendo o poder que nós temos,

vale ouro o nosso artesanato (Ayani).

A partir da assembléia geral de 2011 as duas últimas categorias sociais, o agente de cultura e

as mestras-artesas foram criadas, enquanto categorias. Assim, cada aldeia escolheu uma mulher para

ser a representante, ou seja, a mestra, apesar desta função social das mulheres ter sempre existido.

Jandira conta na entrevista que é a coordenadora das atividades de sua aldeia e do seu grupo,

que totaliza cinco aldeias, ou seja, ela tem dois trabalhos, mas se queixa da falta de recurso para

poder executar as atividades, assim como de tempo, uma vez que surgiram novas responsabilidades

e as anteriores ainda permanecem:

Eu sou novata também, é meu primeiro trabalho, meu segundo irmão começou trabalho

também... sobre coordenação de cultura. (…) A mulher cozinha macaxeira, cozinha banana,

cozinha amendoim... eu limpo a casa, tenho que carregar macaxeira, tenho que carregar

banana... e aí?! E nossa cultura?! Tem que trabalhar com artesanato também! Para viver de

artesanato eu não tenho dinheiro para comprar o material. Eu sinto muita falta de recurso, eu não tenho quem pague para a gente trabalhar. Assim, de graça ninguém trabalha para a

gente não, o pessoal quer algumas coisas (Jandira).

Eu senti muita falta, senti muita falta para poder coordenar esse grupo, para corrigir o

grupo. Eu senti... eu não tenho barco para andar pelo grupo, assim, para coordenar nas

aldeias, tem que ter barco (…) Tem que trabalhar para poder comprar vestido, roupa...

algumas coisas, para poder comprar tem que trabalhar. É muita dificuldade morar na aldeia,

muito trabalho. Sempre tem horário, aí não tem tempo para fazer artesanato. Se meu marido

trabalha muito tempo com a comunidade para todos poderem se juntar... Nosso trabalho de

cozinheira a gente trabalha todos os dias para sustentar o pessoal (Jandira).

O trabalho das mulheres em organizar a alimentação e a família também é contado por Ayani

e Ozélia: Na aldeia, eu trabalho como coordenadora. Na aldeia as mulheres também fazem reunião,

junto com os homens e as lideranças, junto com os professores nós organizamos nosso

artesanato para produzir. Tem o calendário também... Tem muito trabalho na aldeia, nós

temos que organizar nosso povo, a comunidade, se juntando, junto para fazer o trabalho, se

organizando fazendo artesanato, comida... A primeira coisa, tem que cuidar da cozinha,

fazer caiçuma, cuidar das crianças, cuidar dos maridos, fazer comida, limpar nossa casa, tem

que ir no roçado... (Ayani).

As mulheres trabalham com miçanga, artesanato, algodão que dá mais trabalho. Tem que

plantar, colher, catar a palha depois tirar o caroço, dá muito trabalho! Fiar, bater o algodão,

fiar, tirar bolo, depois que tira bolo tem que armar para fazer rede e a roupa, para fazer todas

as coisas (Ozélia).

Neste sentido, pode-se observar o desejo das mulheres por melhorias no desenvolvimento

das suas atividades na aldeia, no que diz respeito aos recursos disponíveis à realização do trabalho,

bem como à aquisição de bens, como complementado por Ayani:

Trabalhar com artesanato de algodão, nós precisamos de miçangas, nós queremos miçangas

96

para poder produzir, vender, comercializar, para melhorar. Daqui há cinco anos nós

queremos melhorar.(...) Fazer um projeto, criar a nossa associação das mulheres Huni Kuin

do Jordão também, mas eu estou aprendendo. Informática também, eu estou estudando

agora. Matemática, português, história, ciências, eu queria estudar para poder trabalhar.

Para poder trabalhar com nosso povo (Ayani).

Aqui, aparece outro elemento de destaque, a possibilidade de obter renda a partir da venda

do artesanato e outros produtos. Nestes encontram-se desde os artefatos produzidos pelas mulheres,

com algodão, miçangas, sementes e penas, tais como redes, bolsas, saias, blusas, colares, pulseiras,

anéis, brincos e etc.; os artefatos produzidos pelos homens como lanças, flautas, maracás, cocar

com penas e bancos de madeira pintados com os poderes de agência da floresta; até gêneros

alimentícios, que podem abastecer o mercado municipal, uma vez que no município do Jordão

quase não há a venda de produtos “naturais” como frutas, legumes, hortaliças e etc. Sabino destaca

esta necessidade do município:

Olha, no Jordão estão precisando de suco... muitas coisas! Mas aqui na nossa terra é muita

riqueza! Tá chegando semente, tá chegando também o projeto do Pró-Acre, tá chegando

Ponto de Cultura, miçanga, nós temos que capacitar, não dá para fazer só uma atividade.

Coisa difícil mesmo é a comunicação. Aqui, bem dizer, é o fim do mundo. É a fronteira

entre o Peru e o Brasil (Sabino).

Além de Sabino, as mulheres falam da importância de realizar a venda, de seu artesanato:

Eu quero fazer contato para ajudar as vendas de artesanato, mandar material, eu quero continuar o trabalho no grupo 5 para fazer artesanato. Preciso de recurso, a gente quer

trabalhar, temos que vender e comprar algumas mercadorias, comprar comida, alimentação,

miçanga... Tenho que investir. Tem a casinha de venda no Jordão, eu preciso também, eu já

conversei com a Ayani ela falou que pode ir. Eu estou preocupada, quero vender meu

artesanato, lá no Jordão o pessoal compra também, eles gostam da gente, do povo Huni

Kuin. Por isso eu quero fazer mais contato para trazer miçanga, eu quero fazer artesanato

(Jandira).

Trabalhar com artesanato de algodão, nós precisamos de miçangas, nós queremos pelo

menos 100kg de miçangas para poder produzir, vender, comercializar, para melhorar. Daqui

a cinco anos nós queremos melhorar (Ayani).

Os homens se mostram interessados na venda dos produtos das mulheres:

Hoje em dia a gente tá querendo se formar, nós jovens, para acompanhar artesanato.

Queremos saber dirigir este contato, vender o artesanato mesmo e fazer aquele trabalho que estamos tendo, com penas, sementes nativas, algodão, miçanga, elas gostam muito de

miçanga. Tem riqueza aqui nessa floresta, o que falta é equipamento para produzir mais

(Tene).

Estou desejando que meu povo trabalhasse no artesanato. Estou torcendo mesmo para fazer

a comercialização, conseguir um mercado fora para elas, manter esse contato lá, de venda e

valorizar a nossa medicina tradicional, principalmente a cultura tradicional, toda esta

cultura tradicional que nós temos ainda vive e nós fazemos (Ixã).

Já Ozélia, pensa que o trabalho pode ser realizado internamente, sem ter que,

necessariamente, vender:

Daqui há 5 ou 10 anos acho que vai melhorar nossa situação, cada vez mais daqui para

frente. Vai ficar mais maneiro, a gente quase trabalhando só em casa com artesanato e os

97

homens agricultores só para abastecer as aldeias, sem ter que vender (Ozélia).

A fala da Ozélia expressa uma visão de futuro na qual a aldeia seria auto sustentável sem

necessidade de recurso externo proveniente das vendas.

FIGURA 15: Venda de artefatos

FONTE: Bane Sales

Além da novidade da categoria social das mestras-arteãs, em cada aldeia também foi

escolhido um agente de cultura, uma pessoa responsável pela manutenção e organização das

praticas culturais. Na aldeia Novo Segredo, por exemplo, Basíani, uma mulher, é a agente de

cultura. Todo domingo ela organiza o momento de pinturas corporais com jenipapo e urucum no

Kupixawa, a grande casa de socialização, que fica no terreiro da aldeia. Lá todos também guardam

instrumentos musicais, cocares, roupas, lanças e adereços. Durante o momento da pintura nos

corpos, que perdurará no corpo durante toda a semana, são elaborados desenhos das agencias

animais e vegetais da floresta, tais como a malha da jibóia, o rabo de jacaré e do macaco e flores.

É importante ficar claro que a pintura corporal acontece diariamente nas aldeias, mas no

domingo todos se reúnem para se pintar, propiciando um momento de união e de alegria, muito

importante para os Kaxinawa, como conta Tene:

Sou gestor daqui do Ponto de Cultura Duabuiussiã. Nós trabalhamos aqui no dia a dia, na

organização da comunidade, que trabalha no dia a dia. Tem prática, teórico... a prática é o roçado, organizando legumes, junto com a comunidade, os homens. As mulheres fazem

trabalho de artesanato, também tem calendário, quem responsabiliza são as artesãs, tem

grupo também de artesã mulheres e fazem também comida, para servir a gente que está

trabalhando. E tem também trabalho de alegria, tem o horário de alegria, encontro das

famílias, festejamento, tem encontros tanto de dia, como na noite, tem cerimonia também

que a gente faz, os rituais com Nixi Pae. E com a comunidade tem junto também as

crianças, a comunidade assim, unido mesmo trabalhando (Tene).

O momento de festividades e de alegria da comunidade aparece como um fator de grande

importância para a realização das atividades diárias, como observado entre os ameríndios no geral,

por Overing (1991). Para a autora, o que diferencia uma comunidade pobre de uma próspera não é

a questão do acúmulo da produção e sim de ânimo, uma vez que este é capaz de criar um moral alto

98

e, assim, as atividades coletivas, inclusive o trabalho, podem ser realizadas. Nas relações de

cooperação no trabalho, o ânimo é vital à manutenção do senso de coletividade. No Jordão, pode-se

observar a manutenção do senso de coletividade através das danças, cantorias, pinturas e rituais

com a medicina da floresta.

Neste âmbito, pode-se que os legumes são também reconhecidos como parte da cultura,

como falado por Jandira em uma passagem anterior. Além do trabalho coletivo de plantar, cultivar e

coletar os alimentos, no Festival Xinã Bena, em maio de 2011, Ixã falou da importância da

celebração do Katxanawa, a festa dos legumes, um momento de alegria importante ao

desenvolvimento:

Nós temos que fazer o desenvolvimento desta tradição, dançar Mariri com toda a população

que existe, principalmente Huni Kuin e não Huni Kuin também, participando. Todos os

anos estamos querendo fazer um festival de Mariri, chamando o espírito na língua para ter

muito legume, a celebração do legume, como nós estamos fazendo aqui, aonde juntamos

todas as três terras indígenas junto aqui, a maioria estão todos aqui, confirmando que é o

centro de treinamento, de formação Huni Kuin, tradicional. Isso é importante mesmo, que

eu estou vendo e estou me sentindo feliz que nós estamos resgatando esse pessoal que veio

festejar aqui (Ixã).

Além da alegria, Ixã destaca um elemento importante que apareceu em grande parte do

conteúdo das falas dos entrevistados: a presença de não indígenas, cada vez mais crescente,

interessados na cultura Kaxinawa. Esta mudança na realidade Kaxinawa também abre um espaço

para se pensar o desenvolvimento, como fala Itsairu:

Nós estamos respeitando e também nós queremos que deem mais força para nós, para a

gente fortalecer a nossa economia, a nossa tradição, a nossa união, a nossa convivência, tanto aqui na base quanto internacional e no mundo, com toda a humanidade, querendo

viver na paz com união e com ajuda juntar a nossa força tradicional e união do povo Huni

Kuin, através dos projetos que estão chegando na comunidade (Itsairu).

Há, na fala de Itsairu o desejo de divulgar a cultura Kaxinawa para o mundo como forma de

fortalecer a tradição do seu povo. E isso parece ser o efeito do atual crescimento do contato

internacional e com pessoas das grandes capitais do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo

Horizonte e Florianópolis. No Brasil, há um movimento nas universidades federais de apoio aos

projetos Kaxinawa desenvolvidos no rio Jordão, como é o caso da UFMG e da UFAC. E a própria

UFRJ ao apoiar o desenvolvimento desta pesquisa e de outras da área da antropologia com esta

etnia.

99

FIGURA 16: Cacique Siã e Carlos Minc

FONTE: Bane Sales

Através do contato com pessoas e organizações da cultura não indígena, o cacique geral e

seus três filhos são agentes que tem colaborado com a expansão da chegada desses às terras

indígenas do Jordão, bem como a ida de grupos estrangeiros em busca do etnoturismo e do turismo

voltado à experiência das práticas da cultura da floresta, em que as medicinas de cura são o grande

destaque, como explica Siã:

Se a gente é alguma coisa, os filhos da gente acabam pegando a atividade que a gente vem

fazendo. Como a gente já fez esse contato, né? Eu, Bane, Zezinho e o Leo, e o Fabinho que

viveram comigo, se espalharam aí, né? Essas viagens que a gente fazia sempre ia um e

estão aí, né? O Leo está em SP fazendo este contato importante, onde é o centro do Brasil

também, O Fabinho está lá no RJ, o Zé está em Rio Branco e o Zezinho está aqui também, quando a gente precisar saber de alguma coisa. E estão fazendo este contato também, já

foram na França, nos EUA, na Europa. Já recebemos duas vezes essa visita turística e como

nós estamos fazendo este centro e essas outras coisas, porque a gente não está só com o

centro, né? Nós temos vários pontos culturais aí dentro do nosso rio Jordão, e o povo quer

saber, vir, olhar também. A gente está recebendo duas vezes por ano, abrindo, com cuidado

também, a gente não quer abrir e liberar. Abrir duas vezes por ano, acho que a gente

aguenta receber quem vem de fora. A gente pode fazer programa do nosso artesanato,

nossas medicinas, nossa cura tradicional (Siã).

A abertura, da qual fala o cacique, deve ser entendida sob a luz do desenvolvimento, uma

vez que a presença de estrangeiros, e não indígenas no geral, possui impacto, o que fica evidente

através das preocupações do cacique em “abrir com cuidado”, de forma controlada, tendo em vista

a grande procura de pessoas interessadas no “mergulho na cultura da floresta”. Como relata Bane, o

filho mais velho de Siã, o reconhecimento do trabalho de cura Kaxinawa tem conseguido cada vez

mais “abrir as portas”:

Foi muita emoção, muita emoção, para chegar aonde eu estou chegando, eu agradeço em

primeiro lugar o Yuxibu, eu acredito muito nas minhas pajelanças de sopro, de canto, de

firmeza, dos encantos. A luta que eu conquistei, para mim é emocional mesmo, abriu todas

as portas, as confianças, é um momento em que primeiro você encara as coisas e depois sai

100

o resultado positivo, documentário né? É isso que eu achei o mais importante, com os

amigos, ver também Brasília, São Paulo, Rio, eu acho que eu tenho uns amigos muito

importantes, de força na Holanda, na Inglaterra, em todos os lugares eu encontrei as portas

abertas. Eu tenho esse compromisso cada vez maior, a partir de hoje, agora, levar isso não

só eu, mas trabalhar com uma equipe de assessores, que te ajude a encaminhar, ajude a

pensar e ajude a fazer com a colaboração de todo mundo. (…) Eu ganhei a experiencia e a

confiança. Eu vi que tenho a oportunidade de conseguir. A gente conseguiu um prêmio

internacional de festival folclórico, eu e Fabiano conquistamos na França! (...) Nós temos

cinco anos de trabalho, envolvimento, que sempre, graças a Deus, depois de Alto Paraíso que levou toda a minha jornada. Eu tive varias participações de evento, de festival de

espiritualidade, com o pessoal da França também, o pessoal de Alto Paraíso e meu amigo I.

que daí que surgiu encontro, convite, França, e eu hoje estou muito feliz pelos bons

resultados, cinco anos com todos os meus amigos, juntos, acompanhando, isso me leva a

alegria, humildemente também, simples (Bane).

.

A presença de não indígenas nas terras indígenas do Jordão também produz efeitos nos

jovens Kaxinawa, que permanecem sempre nas aldeias, ao contrário dos filhos do cacique que

vivem nas cidades grandes, viajando para divulgar a cultura. Esses olham de forma positiva a

chegada de visitantes e estão interessados em potencializar mais encontros, como ilustram os

seguintes trechos:

O meu primo, Bane Kaxinawá, Bane Huni Kuin, e Txana Bane, Fabiano, e o Bane

Leopardo são os meus amigos que conhecem primeiro o mundo. Eles que conheceram

primeiro, eles que estão conhecendo são os primeiros conhecedores do povo Huni Kuin

aqui do Rio Jordão, foram eles. É por isso que eu, tenho prazer para poder ajudar eles

também, foi ele que organizou o Festival, foi ele que ficou em contato com os visitantes. Eu

tô aqui jovem me responsabilizando pelos jovens e trabalhando e organizando com a

produção e criação de artesanato, para poder trabalhar e negociar com outros povos, né?

Com os parentes, e com os parentes que vieram de outros estados, outros municípios, outros países. (…) Represento na terra indígena, no município e no estado, e no

internacional. Eu tenho um interesse para isso, para seguir. Quero ficar socializado,

socialização junto com meu povo, junto com não índio, somando e organizando (Txana

Txanu).

A gente acha que este é um momento de conhecimento que a gente está tendo. A primeira

foi uma abertura disso mesmo as lideranças representam o povo todo né, como Siã, os filhos dele Fabiano, Bane e Leopardo que são os povos guerreiros que conseguiram a

conquista da terra pelo Vô. Então eles se responsabilizaram da parte de cultura assim, de

divulgação ao mundo, estão assim na cura da cidade. Aqui a gente só funciona, a gente não

tem ajuda de nada, lá eles fazem, ganham ajuda e usam lá mesmo. Aqui a gente fica aqui

dando nossa confiança para ele, alguém de confiança dá ajuda para a gente e a gente

agradece, estamos fortalecendo e organizando mais, aprofundar mesmo, mostrar como é

mesmo, a gente está tentando mostrar para o mundo que nós temos valor, pela própria

riqueza da nossa cultura (Tene).

.

A última frase da fala de Tene é uma categoria por si só, que será vista em seguida. Antes de

encerrar as questões pertinentes à categoria “concepções e expectativas de desenvolvimento” deve-

se destacar a grande presença nas falas dos entrevistados de elementos da floresta, como já pode ser

percebido através dos trechos das entrevistas destacados. Estes indicam que os Kaxinawa estão

felizes em viver na floresta, apesar de ser trabalhoso, mas a experiência dos que já moraram algum

tempo na cidade é de que a cidade também é trabalhosa, de outra maneira, mas é. É neste sentido

que Ixã afirma:

101

A vida na floresta traz muita sorte para mim, viver em paz, tranquilo. Gosto de me

alimentar com comida de caça, peixe. Por exemplo, eu sempre ando viajando, nesses

lugares, a comida só tem industrializado. Aqui é natural mesmo, como eles vieram. Aqui é

nativo, tradicional. Então, a diferença que nós estamos querendo desenvolver na floresta é

uma água natural (…) Em outros lugares já tem muitos problemas e aqui na floresta eu me

sinto feliz. É aonde tem uma terra boa de plantar, onde meu povo vive, criando seus filhos,

netos. Já temos um aterra demarcada. Agora estamos cuidando da nossa floresta para ter

mais vida, para ter mais riqueza para nosso filhos, nossos netos. Nós já estamos vendo. Para

ficar para nossos filhos eu to querendo cada vez mais valorizar a biodiversidade para meus netos, minhas famílias todas, os parentes todos, entre as três terras indígenas (Ixã).

Ayani, que em 2011 se mudou para Rio Branco, a fim de integrar o movimento das artesãs

do estado do Acre, do noroeste de Rondônia e sul do Amazonas, como vice coordenadora, também

fala de sua experiência:

Na cidade vive de maneira muito diferente do que na aldeia. O que eu vi de diferente da

aldeia, os dois lados eu acho bom mas, na aldeia eu pego muito peso mesmo, tenho que

carregar macaxeira, água, trabalho da aldeia. Na cidade é o mesmo também, eu estou

assumindo vice coordenadoria das mulheres, vai fazer agora duas semanas e eu estou

trabalhando com muita correria, reunião sobre projetos. Na cidade, muita correria, muita

correria... aqui na aldeia não precisa comprar nada, tem macaxeira, amendoim, banana, na cidade tem que comprar, tem que pagar luz, pagar água, tem que comprar tudo. Tudo, tudo

paga! Olha, eu já nasci na floresta, já criei na floresta, agora estou em Rio Branco mas eu

queria estudar, fazer um projeto... (...) Cada região, cada povos tem que se reunir, fazer

projeto, trabalhar... eu estou vendo muito barulho também, muita dor de cabeça, muitas

coisas, muito barulho. Eu estou vendo diferença da cidade para a aldeia. Na aldeia é muito

peso mas eu gosto, assim, é mais calmo... floresta, tranquilo...(Ayani).

É interessante notar que o interesse pelas construções nas aldeias diz respeito a vontade de

se criar uma estrutura para uma Universidade da Floresta, uma escola com toda a infraestrutura que

possibilite trabalhos de alta qualidade, focados na cultura local, que está diretamente associada à

convivência com a floresta. Tanto no que diz respeito à produção de documentação, livros, quanto

através dos recursos audiovisuais, como filmes, documentários e fotografia, quanto na parte prática,

como por exemplo, caminhada na floresta com o pajé, o conhecimento de diferentes plantas

medicinais, fazer as diferentes cantorias Kaxinawa, conhecer o poder de agencia das plantas e dos

animais. Atividades estas que fazem parte do dia a dia Kaxinawa.

É neste sentido que Tene conta com entusiasmo a sua satisfação em viver na floresta:

A gente nasceu, criou, estamos trabalhado, a gente está na nossa vida aqui na floresta. Junto

com minhas família, alegria, meu trabalho também na floresta, trabalhar sobre a tecnologia.

O estudo para mim é uma alegria, ver conhecimento profundo mesmo, onde fica a

realidade. Viver na floresta eu estou feliz, junto com a floresta, o universo, os pássaros.

Então a gente fica feliz trabalhando aqui nesta terra (Tene).

Estou me sentindo feliz fazendo o orçamento dos projetos com toda a comunidade, estamos

trabalhando aqui. É muita satisfação, muita força, muita luz, mais cura para todo o povo das

floresta e o povo Huni Kuin para trabalhar com força mesma para realizar o que a gente

quer (Tene).

É neste sentido que a relação com a floresta, com a natureza, os seres vivos e os yuxin,

102

compõem o cenário das falas até aqui expostas, que caminham para conduzir ao esclarecimento da

organização social que os Kaxinawa vêem tecendo no rio Jordão. O trabalho é desenvolver o povo

Kaxinawa através também da floresta, como diz o professor e agente agroflorestal Tadeu:

Nós queremos ver a floresta em pé também, trabalhando vendo a nossa floresta em pé e a

nossa natureza com saúde. Todos sadios, na paz que estamos vendo. E preparando isso

porque nós estamos pensando nos nossos filhos e netos que estão chegando, não destruir a

nossa natureza. Nós principalmente, o povo Huni Kuin, nós estamos com a natureza,

estamos cuidando dela e ela também cuida de nós (Tadeu).

As práticas do cotidiano da vida Kaxinawa nas aldeias, o movimento é de “organizar a

sobrevivência da vida na floresta”, qualificar os instrumentos para que todos possam ficar felizes e

satisfeitos, vivendo com a cultura viva, como muitas vezes é dito na floresta. “A floresta está viva, a

cultura também está viva”. No caso das mulheres, aprender a desenhar os kene, pintar, tecer,

confeccionar pulseiras, colares, acompanhar as atividades do roçado e etc. No caso dos homens,

pescar, caçar, confeccionar cocar com penas, com várias especificidades, de acordo com a

festividade, flautas, lanças, rapé, típi e etc. Tudo isso faz parte das ações, além dos rituais e

festivais.

Para concretizar o plano de desenvolvimento, as lideranças estão trabalhando através de

diversas frentes, como pode ser observado através das categorias sociais Kaxinawa. O grande

projeto é cuidar da memória Kaxinawa, realizar pesquisas, filmes e livros. A educação está voltada

para o aprimoramento e o aperfeiçoamento das práticas cotidianas voltas à cultura local, através das

“escolas da floresta” e da “Universidade da Floresta”. Isto fica evidenciado quando o cacique geral

conta sobre sua inspiração através de viagens que fez por vários países, conhecendo as

universidades locais:

A universidade abre. Eu, que participei na Califórnia, em Montreal, na Bolívia, Equador,

Santa Cruz de la Sierra, essas coisas todas, então eu gostei muito dessas universidades. A

gente acaba querendo copiar um pouco. Uma coisa muito boa, que você encontra uma

estrutura bacana para trabalhar. Eu acredito que se tiver condições, eu quero trazer essa

estrutura para nós, pro nosso Centro, pra nossa pesquisa ficar mais com vontade. Eu fiquei

satisfeito, melhor do que trabalhar só com uma caneta. Isso é interessante, porque lá tem

tudo. Como é a universidade da Califórnia, ou mesmo desses outros países avançados? É coisa que estuda lá, descobre lá. Nós temos o nosso Muka, nosso Yube, a nossa jibóia, temos

nossa espiritualidade, temos outros, outros e outros que nós confiamos nele, nas florestas. E

pode transformar isso”.

Siã fala da vontade de “copiar um pouco” as universidades que visitou, enfatizando as

condições que proporcionam ao desenvolvimento das pesquisas e das aulas. Neste sentido, o

cacique diz que quer adaptar o que viu nas universidades para o conhecimento de seu povo, que tem

sua especificidade, sua riqueza e sua identidade, como dito em outras falas. É também neste sentido

que o presidente da OPIAC, Itsairu, afirma:

Nós da aldeia sabemos que somos Huni Kuin. Huni Kuin tem que viver debaixo da

floresta. Queremos a nossa fruta dentro dos nossos espíritos, do povo e das nossas crianças

103

(Itsairu).

Ao pedir que falasse mais sobre a passagem acima, Itsairu complementou:

Huni Kuin na verdade, nós falamos na nossa língua, e até hoje ainda nós preservamos, aqui

é tudo natural, tanto os jovens quanto as crianças. E nós Huni Kuin não queremos deixar o nosso artesanato que a gente tá fortalecendo e trabalhando a nossa economia. Huni Kuin,

nós hoje queremos a nossa terra protegida. Sabemos há muito tempo que nós já vinhamos

protegendo nossa natureza. É Huni Kuin assim de união, Huni Kuin é... temos nossa

educação e temos nossa saúde dentro dessa floresta, dentro dessa riqueza, e o Huni Kuin na

verdade é Huni Kuin povo verdadeiro que conhece o conhecimento da floresta,

preservamos a nossa tradição, a nossa identidade, e esse conhecimento dentro dos velhos, e

nós jovens, que hoje em dia somos realizadores, estamos documentando e registrando

nossa cultura diferenciada, é assim que nós tamos vendo. A ajuda do outro conhecimento é

muito importante também, valorizando a nossa cultura e buscando esse conhecimento do

outro, buscando apoio para nós trabalharmos com melhor condição para nossas vidas no

futuro (Itsairu).

Através desta fala de Itsairu, pode-se resumir o que até aqui já foi trazido, através das

entrevistas dos demais Kaxinawa que colaboraram com a presente pesquisa. Em que

desenvolvimento é compreendido como práticas que levam a organização da vida na floresta. O

percurso atual, do caminho para melhores condições de vida, é considerado uma herança da luta

das gerações anteriores, que principalmente conquistaram a liberdade dos seringais e a demarcação

da terra. Apesar dos avanços reconhecidos por todos, há uma preocupação com o crescimento

populacional, uma vez que o território é limitado, havendo a necessidade de se realizar com mais

atenção o manejo dos recursos, bem como de lutar pela ampliação do território.

Há o grande interesse na incorporação de elementos da cultura branca, tais como

construções permanentes, instrumentos que facilitam o trabalho, a produção de alimentos, a

comunicação, à saúde, sobretudo, equipamentos tecnológicos. O uso de tais equipamentos não é

visto como um fator de ameaça à cultura local e sim como um instrumento potencializador das

atividades que se deseja desenvolver nas três terras indígenas. Além destes equipamentos,

destacaram-se a necessidade de formações e capacitações para o manuseio destes.

Outro elemento de destaque nas entrevistas é a vontade de contatos com pessoas de fora,

com a alteridade, uma vez que cada vez mais aparecem pessoas interessadas em conhecer a vida e

cultura Kaxinawa. Esta aproximação é vista como um fator potencializador, assim como, a ida de

membros do povo Kaxinawa para outros lugares, para conhecer novas culturas. É também fonte de

inspiração para a criação de novos projetos, sobretudo, àqueles que trabalham no sentido de

potencializar a cultura local, como a criação de centros de pesquisa e capacitação, a escola da

floresta e a Universidade da Floresta. O desejo de se criar centros de pesquisa para a documentação

da cultura Kaxinawa também foram destacados pelos representantes Kaxinawa do rio Envira e rio

Humaitá.

104

Entretanto, este contato também é visto de forma cautelosa nas falas que mencionam o

controle da abertura a entrada de pessoas não índias na aldeia. Entre os dois momentos da

observação de campo houve um problema de biopirataria na TI do rio Jordão, em que um

pesquisador brasileiro, vinculado à embaixada da Holanda, foi acusado anonimamente. O

pesquisador estava acompanhando a criação do Livro Vivo do pajé mas não tinha contatado a

FUNAI nem a ASKARJ, para desenvolver a atividade. A partir de então, há no município do Jordão

um Kaxinawa que fiscaliza oficialmente a entrada na TI.

Tendo em vista o exposto, Tadeu define o que é desenvolvimento para o povo Kaxinawa

num discurso que incorpora elementos índios e não índios:

Desenvolvimento é cuidar da natureza e cultura que nós temos, para não perder e não

acabar, deixar sempre continuando a nossa identidade e a mãe natureza, é isso que é

desenvolvimento. É cuidar do nosso desenvolvimento, dentro da nossa gestão territorial,

nós temos que cuidar nossa terra, não poluir com lixo, não fazer desmatamento, é... tem

que saber fazer mata ciliar, plano de uso da fauna e da caça e da pesca, é tudo isso que é

desenvolvimento, é valorizar o que é nosso (Tadeu).

4.2 A Cultura Viva

Esta categoria pretende ilustrar os discursos encontrados nas entrevistas que expressam a

compreensão Kaxinawa sobre o papel da cultura para o desenvolvimento, uma vez que a cultura foi

um elemento de grande destaque, em que apareceu em todas as entrevistas.

Faz-se interessante notar que a atualidade Kaxinawa no rio Jordão é um momento que

inaugura novas dinâmicas da vida social, no que tange o crescente contato com não indígenas. O

aumento da participação de representantes desta etnia em eventos nacionais e internacionais gera,

certamente, também transformações na vida nas aldeias e no seu cotidiano. A novidade do tempo,

pode ser entendida através do próprio nome dado ao momento atual: Xinã Bena, que na tradução

significa Novo Tempo, Novo Pensamento ou Novo Conhecimento.

O entrevistado Ninawa, Kaxinawa do rio Humaitá fala da importância do movimento “pró-

cultura” dos Kaxinawa do rio Jordão, para sua TI:

Minha aldeia é bem distante e isolada do município e certamente hoje nós estamos nesta

prática do fortalecimento cultural, não estamos 100% , é bem diferente daqui do Jordão,

aqui no Jordão eles são 100% na cultura, diferente de nós. Lá nos somos 50% na cultura,

assim como a região de Tarauacá. As terras indígenas lá da região de Tarauacá sofrem

muito problema da cultura, como o caucho, o 27, e até o karapanã também é um terra que

tem um pouco de cultura (…) Como eu falei não estamos 100% mas estamos chegando aos poucos. Através do intercâmbio também com o Jordão e outras terras para fortalecer

essas atividades que para nós são muito importantes, hoje valorizar.

Para alcançar este 100%, do qual se refere Ninawa o cacique Siã diz que não foi fácil. Ao

contar sobre a história de seu povo, em que descreveu as especificidades do “tempo das correrias”,

105

“do tempo do cativeiro” e do “tempo dos direitos”, o Cacique Siã explica o contexto em que as

novas transformações estão transcorrendo:

Então eu acho que no passado era muito triste. A gente não mandava nada, tinha que

trabalhar para ele. O presente é importante que a gente sente que a gente está na coisa da

gente. De lá pra cá, a gente também enfrentou, para buscar essas coisas não foi fácil. Vocês tem o olhar indígena, ou de branco, sempre foi difícil. Índio é coisa da mata, igual bicho,

não entende nada. Mas isso diminuiu muito. Então nós estamos buscando em cima disso.

Como é que nós busca? É a cultura diferenciada (Siã).

De acordo com Siã, o presente é o “tempo da coisa da gente” é um tempo em que um novo

horizonte parece existir, já que também os pré conceitos e a discriminação dos indígenas parece

começar a se transformar, a “diminuir muito”. O cacique também aponta o caminho para alcançar

as conquistas desejadas: a cultura diferenciada. Para seu filho, José Bane:

Hoje é a cultura do povo Huni Kuin mesmo, na realidade estamos chegando. Hoje o mais

vivo mesmo para nós são as cantorias e os desenhos, os kene, que é cultura viva, que hoje

em dia existe em qualquer lugar do mundo, né? Então a gente pode disputar, disputar não, a gente pode mostrar e demonstrar o nosso valor. O que encanta a nossa beleza é a cultura,

a tradição de kene (Bane).

Neste trecho, Bane fala que o hoje (a entrevista foi realizada em maio de 2011) é o tempo da

cultura, e em seguida diz que “na realidade estamos chegando”. Chegando onde? De acordo com o

contexto da entrevista, a fala de Bane parece se referir mais a uma visibilidade e respeito crescente

de sua cultura, do que às atividades internas, nas aldeias. E isso parece ser resultante de um

processo de resgate de auto confiança e de auto valorização resultante dos contatos que teve

oportunidade de estabelecer fora da aldeia nas suas incursões pelo mundo. Bane reconhece também

a existência da “cultura viva”, existente em vários lugares do mundo. “Cultura viva” parece, assim,

se referir às dinâmicas da vida de diferentes grupos sociais, que mantém as manifestações culturais

locais, no cotidiano.

No que diz respeito à estas questões na vida Kaxinawa, Bane enfatiza a relevância das

práticas do desenho, dos kenes e dos cantos Kaxinawa, no cotidiano das aldeias e, ainda, atribui à

cultura e, especificamente, aos kenes o poder de agencia de encanto e beleza. Ninawa do rio Envira

também destaca o kene como o grande patrimônio de seu povo, uma vez que se pode criar

vestimentas através da tecelagem e viver na sua “tradição verdadeira”. Há, de acordo com Lagrou

(2007) e Overing (1991), uma “estética social” em que o saber produtivo, a beleza e criatividade

são valorizados e permitem a construção e manutenção do senso de comunidade. O kene possui

poder de agência, os ornamentos aumentam a eficácia da sedução da alteridade.

106

FIGURA 17: Kene

FONTE: Castor (2011)

É neste sentido que o filho do cacique destaca o papel da cultura enquanto elemento capaz

de tornar o seu povo visível para o mundo. Neste sentido, Bane enfatiza a vontade Kaxinawa de ter

seu valor reconhecido pelo mundo, sem que haja disputas e sim o reconhecimento. Um sentimento

que expressa o desejo de ser visto, de ser reconhecido num contexto atual onde o mundo procura

caminhos para a valorização da diversidade cultural e para preservar a natureza, o ambiente.

No momento atual, onde os interesses de outras culturas se voltam para a Amazônia e para

as tradições dos povos que a habitam (MONTEIRO de CASTRO, 2007), a fala do Bane parece

exprimir o desejo de que a cultura Kaxinawa suas tradições e forma de interação com a floresta

sejam entendidas, reconhecidas e respeitadas.

Como visto, a cultura é para os Kaxinawa um elemento de poder que no tempo atual, já que

possuem a terra demarcada e estão organizando a sobrevivência na floresta, pode-se fortalecer. Por

isso o “tempo do que é nosso” é o tempo da autonomia. É o tempo em que as especificidades do

pensamento e da cultura Kaxinawa podem se manifestar, e ganhar o mundo como pode-se observar

através de mais uma passagem da fala de Siã:

Aqui foi uma experiência muito grande em que no tempo de contato, nós tivemos aí o

desentendimento na correria, depois disso, depois da correria com os patrões, aí a gente

buscou o direito. Nessa correria nós perdemos umas forças total para representar entre a

nossa etnia, porque tomaram nossos pensamentos, nossos poderes culturais, ficou assim

sobre o comando deles, muito tempo trabalhando como mão de obra barata (Siã).

Assim como Bane, o cacique também relaciona a importância dos poderes culturais

Kaxinawa à visibilidade de seu povo, à atribuição de valor à realidade Kaxinawa, como uma

ferramenta capaz de descortinar a realidade interna das aldeias para o mundo, transformando as

representações não indígenas sobre as realidades indígenas brasileiras, que foram historicamente

107

construídas através da lente da inferioridade. Os trechos abaixo ilustram esta reflexão:

O que nós vamos fazer sobre esse nosso valor? Como associar o nosso valor cultural,

nossos valores espirituais, nosso valor de medicina, nossas coisas mesmo, aqui da gente.

Para não ficar “o que é índio? Só terra?”. Não, a gente quer também adaptar esse

conhecimento legal (Siã).

Tem que respeitar igualdade aqui. Nós não podemos diminuir ninguém, nem branco nenhum. Somos daí mesmo e estamos pelejando. Isso não é fácil, é um tempo de direito. A

gente ainda está meio lutando. Não temos apoio forte aqui (Siã).

É interessante perceber que Siã afirma desejar adaptar o conhecimento do seu povo, de

maneira que se torne visível sua existência e seu valor. Há, neste sentido, um esforço para adaptar e

tornar visíveis elementos da cultura Kaxinawa, tais como a especificidade da relação com os seres

espirituais, yuxin, e suas práticas de cura através da medicina local, a medicina da floresta.

Apesar da importância atribuída à agregação de novos valores sobre o índio e a visibilidade

Kaxinawa, Tadeu lembra que o objetivo destes esforços não é apenas mostrar, dar visibilidades, vai

muito além. O professor enfatiza como objetivo das ações voltadas à valorização da cultura, as

questões que dizem respeito à vida Kaxinawa nas aldeias: propagar a cultura viva para as novas

gerações Kaxinawa: “Não é só mostrar é para valorizar e continuar tendo, para mostrar para nosso

filho e nosso neto, isso que é importante para nós” (Tadeu).

Deve-se lembrar que há o desejo Kaxinawa de não propagar a saída de jovens das aldeias,

que vão em busca de educação, capacitação e trabalho nas cidades. O fortalecimento e a valorização

do poder cultural possibilitam a construção de escolas indígenas, que atuem através do olhar da

“cultura diferenciada” dentro da escola, ou melhor, leva as escolas municipais e estaduais para

dentro da vida na floresta. E por que não as universidades federais e as capacitações? Neste sentido,

o objetivo da “valorização da cultura” vai além do interesse de mostrar, tornar visível para fora, e

sim de tornar visível para dentro, ou seja, propagar a cultura para as novas gerações. Como afirmam

os professores que estão fazendo a formação de docente e discente indígena na UFAC, Tadeu e o

presidente da OPIAC, Itsairu:

Aqui também é o local que nós podemos ensinar os aluno de 5a a 8a, do povo Huni Kuin,

que nós não queremos que nossos alunos vão pro município do Jordão, nós queremos formar indígenas mesmo que ensinem os alunos aqui dentro do Centro de Memória, porque

aqui é o nossa escola viva, que já tá tendo, onde nós fazemos feitio junto com a escola,

junto com o pajé, que tem mais conhecimento (Tadeu).

O trabalho que a gente vinha fazendo há muito tempo nas escolas diferenciadas e nas

escolas brancas, a gente já está aqui discutindo sobre o fortalecimento da cultura indígena,

nossa cultura tradicional. A identidade do nosso povo, nosso espírito, nossa vida. Porque

nós professores nos preocupamos muito com isso, e os velhos também, os pajés, para que a

gente não perca a nossa cultura. E isso é importante para nós, é a nossa realidade (Itsairu).

Esta é uma preocupação comum às TI do rio Humaitá e Envira, conforme informado por

108

seus representantes entrevistados. Que tem criado também um movimento interno de praticar os

conhecimentos Kaxinawa com os mais velhos, como se pode observar na fala do presidente da

Federação Huni Kuin: “Hoje nós temos como maiores lideranças do nosso povo os velhos, os

anciões que estão em nossas comunidades passando seus conhecimentos para os novos, com o

exemplo das pajelanças. Essas são as maiores lideranças que estão segurando” (Ninawa).

No que tange a visibilidades externa, ela é importante, pois é capaz de “encantar”, de seduzir

a alteridade, e assim conseguir apoiadores e financiamento de projetos desejados. Dentre estes,

pode-se destacar a importância, para os Kaxinawa dos três rios, a criação de parques das ervas

medicinas catalogadas. No rio Jordão há o “Mibã Ikanai Bei”, o encontro de pajés, apoiado

financeiramente em dezembro de 2011, que já fazia parte dos sonhos do pajé Ikamuru Augustinho

há anos. Ele conseguiu, através de amigos não indígenas, apoio do MinC e do Jardim Botânico do

RJ que disponibilizaram os recursos necessários à realização da atividade, como a gasolina para o

transporte dos 32 pajés, bem como novas construções de “chapéus de palha” e a realização de filme,

livro e fotografias.

É neste sentido que o tempo atual ganha novas formas, a partir das possibilidades alcançadas

através do contato com os não indígenas, o que Ayani reconhece como ilustra a seguinte afirmação:

Antigamente não tínhamos contato, agora no Xinã Bena nós temos contato com os brancos,

junto com vocês, ajudando... Nós precisamos de... antigamente não tinha miçangas, não tinha nada... agora nós alcançamos. Hoje em dia nós temos miçangas, roupas, coisas dos

brancos.(...) Neste ano eu já conversei com a secretaria da mulheres e o governo que

liberou, nós queremos fazer um encontro com 300 mulheres da nossa região do Jordão, já

liberou o projeto. Também quero fazer contato fora, com ONGs... (Ayani).

Em Xinã Bena, o Novo Tempo, há a possibilidade de se conseguir apoios de visitantes, de

ONGS e do governo para a concretização daquilo que pode fortalecer a organização da vida na

floresta, através da visibilidade da cultura Kaxinawa.

FIGURA 18: Participação Kaxinawa em evento de diversidade cultural do MinC no RJ.

FONTE: Arquivo pessoal Castor (2011)

109

O fortalecimento está diretamente ligado a “adaptação do conhecimento” da qual falou Siã,

e da utilização da tecnologia da cultura branca para a formação de espaços físicos e meios de

comunicação, como instrumentos para o fortalecimento e divulgação da “cultura viva” local. Ixã

também fala sobre o assunto:

Este novo tempo, eu estou sentindo feliz, aonde o meu povo estamos juntando, recebendo

os outros povos, visitantes. Primeiro não existia isso. Pra mim, isso é o novo tempo, que

está acontecendo. No tempo do meu pai, ou o tempo das malocas, o tempo dos cativeiros, o

tempo dos seringalistas... agora estamos no tempo do governo, Xina Benã, que é o novo

tempo. Neste novo tempo, espero que vai ter muita construção, muito apoio para as

comunidades indígenas do Jordão, pois ficamos muito tempo sem apoio, sem ter ajuda, e

agora os visitantes estão vendo que nós estamos fazendo, estamos querendo mesmo,

estamos desejando. Não são eles que estão mandando, somos nós mesmos que estamos

precisando e pedindo aquelas coisas que o povo precisa. No novo tempo, espero que tenha muita construção, muita fartura, muita paz e muita luz. E muita saúde para nós (Ixã).

Faz-se relevante destacar, o que Ixã deixa claro, que as transformações e adaptações são

desejadas, ou seja, fazem parte da autonomia Kaxinawa. Para o professor Itsairu, a incorporação de

elementos da cultura branca é importante ao processo de fortalecimento da identidade Kaxinawa,

ela não a descaracteriza, ao contrário, ela os empodera, como pode ser visto na passagem abaixo:

Não é só pra mim né, é principalmente do povo Huni Kuin, nós somos e estamos felizes

recebendo a tecnologia que é o sonho de hoje para fortalecer a nossa realidade com esse

equipamento, e registrar e deixar forte a nossa cultura, continuar trabalhando com a

tecnologia. Eu acho que a tecnologia também ajuda muito a gente. Para fortalecer a nossa

identidade através da nossa realidade (Itsairu).

A importância da tecnologia para a proteção da “cultura viva” nas aldeias também é

defendida pelo professor e agente agroflorestal Tadeu:

Hoje em dia nós estamos felizes com a chegada desse equipamento que vai valer, que vai

dar ajuda dentro do nosso conhecimento, da nossa identidade, é isso que é muito

importante para o nosso povo Huni Kuin, e também as lideranças andam pensando que os

professores hoje em dia estão na universidade para proteger também os alunos da ida para a cidade para não percam essa nossa cultura (Tadeu).

Assim, o fortalecimento da identidade, através das práticas da “cultura viva” é considerado

fundamental pelo professor, como um meio de evitar a saída de alunos, interessados em estudar,

que se deslocam da terra indígena para as cidades. Nessa perspectiva, Tadeu explica seu interesse, e

de outros professores, em estudar nas universidades, como forma de posteriormente trazer o ensino

superior para as aldeias.

Os alunos que já se formaram na escola indígena com os professores Tadeu e Itsairu contam

de seu interesse em estudar a cultura local, como pode ser visto na fala de Tene:

Hoje estamos nos organizando para fortalecer a nossa cultura dos ancestrais, da origem

que é a nossa cultura, né? Que nós estamos tentando fortalecer, sobre o ponto de cultura

com registros... e a divulgação. Então nós estamos incentivando junto com os alunos, né?

Aprendendo os cantos, as estórias, junto com os velhos e as velhas, estamos precisando!

110

Como hoje, nós queremos fazer a nossa pesquisa realizar (Tene).

Apesar da importância da ida dos professores à universidade, onde permanecem três meses

estudando em tempo integral e três meses nas aldeias, o pajé Ikamuru Augustinho conta de sua

preocupação em manter a “escola viva”, pois os mais velhos precisam estudar fora da aldeia:

Depois que chegou este documento eu ainda tenho outra preocupação porque estes dois

aqui (aponta para Tadeu e Itsairu) assumem a responsabilidade grande, mas eles tem

pouco tempo. Eles estão mais na cidade. Eu aqui, estou aqui preocupado para documentar

isso, e os meninos estão estudando, fazendo formação. Só no papel eu já trabalhei muito,

mas já estragou muito (Ikamuru).

Ikamuru fala da sua preocupação diária em documentar os estudos que tem realizado na

aldeia, com os moradores jovens. E lamenta que seus filhos tenham que sair da terra indígena para

fazer formação, uma vez que na aldeia, os professores podem contribuir muito com o

desenvolvimento da documentação desejada. Na atualidade, os Kaxinawa têm a oportunidade de

estudar e pesquisar na UFAC, depois de terem passado pelo ensino fundamental e ensino médio.

Desde a década de 1990, a educação indígena no Acre tem recebido muito apoio da ONG

CPI-AC12

, que ofereceu diversas formações como de computação, de agentes agroflorestais e

educação indígena diferenciada. Os Kaxinawa reconhecem muito esta parceria, como ilustra a fala

de Tadeu:

A CPI é a nossa mãe do povo Huni Kuin porque é na CPI onde os professores e agentes agroflorestais se formaram no ensino médio e hoje em dia estão de parabéns nas

universidades, os professores estão na universidade através da força de apoio da CPI -AC.

Hoje a CPI é a responsável pelo ponto de cultura, para nós é uma estrela aonde me formei

também, então eu agradeço muito por ter, porque é o nosso coração. A CPI é assim para

todos os povos do estado do Acre e para os povos Huni Kuin também (Tadeu).

Diante da realidade atual, em que é possível estudar na escola, o pajé lembra que foi criado

sem pais e nunca teve professor, mas que obteve muitos conhecimentos através da floresta. Agora,

com a possibilidade de documentar os conhecimentos que possui, ele se sente muito feliz:

Hoje eu me sinto feliz, porque os meus filhos estão se formando agora, os dois filhos mais

velhos, o Itsairu e o Tadeu, e ainda estou vivo. Estou tentando também resgatar não só na

gravação e no vídeo, mas também escrito no papel, deixar umas documentações para meus

filhos e netos, e também filhos dos meus netos, para não acabar mais a minha história, nem

minha vida. Na minha vida eu aprendi um pouco com essa grande dificuldade que eu tive,

sem pai, sem mãe, estudando sem professor e professora, até hoje meu professor é a

natureza (risos) (Ikamuru).

Sabino, cunhado de Ikamuru, também conta que não teve oportunidade de aprender a

“cultura” durante sua juventude, os dois trabalharam nos seringais durante quase duas décadas e

participaram da transição do “tempo do cativeiro” para o “tempo dos direitos”, com a demarcação

12 A CPI-AC atua através do Programa de Educação e Pesquisa Indígena afim de promover a emergência e

qualificação de autores e pesquisadores indígenas, através da sistematização e registro de praticas e conhecimento

indígenas e da edição e difusão destes materiais.

111

da terra, momentos em que a cultura Kaxinawa era vista com desdém e era proibida, como ilustra a

passagem:

Primeiro, o cara tem que saber ler, ninguém há de aprender a nossa cultura, mas com

esforço aprende. Hoje, eu criei fora de escola também, nós começamos a luta pela nossa

terra, hoje nós vemos valor em muitas coisas que são nossas. Nosso artesanato, nossa própria cultura! Nós estamos recordando de como usar a nossa cultura mesmo. Hoje, o

gravador, a máquina digital, câmera, é nossa realidade que a gente prova, mostra... os

nossos meninos estão trabalhando! (Sabino).

Na época da seringa não havia escola e era proibido realizar as atividades da cultura

Kaxinawa. É somente após a demarcação da terra que os Kaxinawa podem se dedicar às práticas da

“própria cultura”. De acordo com Sabino, o tempo atual é o tempo de valorizar a cultura local e

neste esforço os instrumentos tecnológicos ajudam na documentação da memória. Por sua vez, a

documentação possibilita “provar” e “mostrar” o valor da cultura Kaxinawa. Mais uma vez pode-se

perceber o aparecimento de elementos voltados à importância de fortalecer a cultura local e, assim

poder mostrar o seu valor para a alteridade.

FIGURA 19: Documentação da memória Kaxinawa

FONTE: Castor (2011)

Sabino ainda conta que o grande protagonista deste movimento “pró-cultura” foi o pajé

Ikamuru Augustinho, que começou um processo de dedicação para “estudar a cultura” a partir de

1988, depois que visitou a Terra Indígena Kaxinawa e Ashaninka do rio Breu, como o próprio

Ikamuru lembra:

“Em 1988 quando eu tomei o cipó com os Ashaninka lá na terra indígena do Breu, eu

passei o dia vendo na beira do rio, no bananal, a satisfação dos Ashaninka ai quando foi de

noite tomei o cipó e tive uma miração, que falou assim para mim: “olha, tudo o que os Ashaninka aguentaram...(pausa) fica tranquilo, agora só tem uma coisa você tem que

estudar mais, você lutou 15 anos pela conquista da sua terra, andou por vários lugares ai

mas não apresentou nada da sua cultura. Só a terra não vale, tendo a terra tem que estudar

a cultura, porque esse que é o documento do Huni Kuin” (Ikamuru).

Augustinho morava com sua família e a família de seu cunhado na ultima aldeia do rio

Jordão, a aldeia Novo Segredo. Foi a partir da experiência relatada no rio Breu que Augustinho

mudou os planos de sua vida, como Sabino relembra:

112

Olha nós chegamos aqui em 1980 eu já trabalhei 31 anos aqui na minha aldeia Novo

Segredo, eu trabalhei junto com meu cunhado Augustinho, ele trabalhou 17 anos, mas ele

se aposentou, criou seus filhos e foi lá para São Joaquim. Ele que começou, o meu

cunhado ele é metido a … ele tem experiência, espírito forte, energia. Eles começaram...

eu não queria estudar, só queria saber de trabalho, “eu e meu irmão estamos estudando”, só

sei que trabalharam 17 anos. (…) Aí o meu cunhado desceu, começaram com os meus

meninos que estão estudando (...) Então, hoje, os meus meninos que tem experiência

disseram “papai, vamos fazer um kupixaua aqui, fazer a nossa escola para agente

desenvolver nossa turma, nossos netos, sobrinha... nossa cultura viva!” Chacrona, Rainha, essas coisas, participando na igreja, essas coisas... “É, você que sabe, se dá de fazer a gente

inicia, se a gente dá de fazer, dá de entender”. Ai começaram, aí o Augustinho chegou aqui

e preparamos um Nixi Pae “Sabino vambora tomar um cipozinho!” “Não, quero não” “Por

que?” “Porque não quero” “Não rapaz, nós vamos aprender, eu viajei no mundo, aqui nós

temos que aprender a cantar a nossa cultura, fazer nossa cultura” “Ah... precisa não, eu

estou velho como é que eu posso aprender?” “Não, rapaz. Papagaio velho aprende!”. Ai eu

comecei a tomar, faz 14 anos. O primeiro Nixi Pae a gente tomou junto com o pai do

Miguel, Macário, vindo lá do Purus, o Maná (Sabino).

Aqui se encontra uma passagem muito importante para entender o movimento “pró-cultura”

Kaxinawa no rio Jordão, em que o pajé Ikamuru é grande protagonista. Pode-se perceber que neste

tempo de transformações a bebida ayahuasca, o Nixi Pae, aparece como destaque. Esta bebida

aparece na história Kaxinawa como um elemento de despertar o interesse no estudo da cultura. Foi

através dela que Ikamuru recebeu as instruções do que deveria fazer, no ritual com os Ashaninka.

Quando Sabino decide estudar a cultura Kaxinawa começa tomando a bebida. Nos tempos atuais,

os jovens das aldeias fazem a colheita da folha e do cipó e preparam o chá. Durante a noite é

realizado um grande ritual com os mais velhos, em que toda a comunidade participa cantando na

língua Hatxã Kuin, os cantos do cipó, chamados de Huni Meka.

No rio Humaitá, Ninawa relata que foi através do Nixi Pae que conseguiu afastar os

parentes do alcoolismo e assim, despertá-los para o engajamento nas atividades culturais, como

pode-se observar na passagem:

Com esse trabalho da pajelança eu busquei unificar o povo, tirei, naquele tempo era muito

forte o alcoolismo lá, e outras coisas também do branco, não existia quase cultura. E a

gente voltamos novamente, quer dizer, não tinha parado de tomar o Nixi Pae e de usar o

rapé, não tinha parado, mas existia muito variado. Com essa organização nós viemos

organizando esse trabalho da cultura, começamos com uma aldeia e depois passamos para outras aldeias e hoje está as 5 aldeias envolvidas, no fortalecimento cultural.

É neste sentido que as práticas de estudo da cultura Kaxinawa desenvolvidas no Jordão

valorizam muito o Nixi Pae, uma vez que através desta bebida podem-se estudar os cantos, ao

mesmo tempo receber a cura dos seres espirituais da floresta, entrando em contato com o mundo

dos ancestrais e com as agências de poder da floresta, como Yube, a jibóia que é considerada como

a aquela que cura e ensina os conhecimentos sobre a medicina da floresta. De acordo com Lagrou

(2007) à agencia da cobra jibóia é atribuído o aumento da capacidade de produzir visões e do

conhecimento das mulheres de gerar desenhos. O yuxibu da jibóia é o responsável pelo ensino dos

113

homes aos conhecimentos necessários ao uso ritual e preparado do Nixi Pae.

Tadeu fala da importância da língua e da medicina tradicional Kaxinawa, para o fortalecimento da

“cultura viva”:

A língua é a nossa identidade muito forte, nós não queremos perder, porque a língua traz

música, traz historia, traz as medicinas tradicionais. Através de língua nós dialogamos, é

conversando que você aprende, esta é a nossa língua que nós queremos fortalecer mais

isso, nossas festa, nossa cantoria... medicina tradicional. Principalmente, nosso sonho nós

queremos registrar primeiro e fortalecer nossa medicina tradicional, que nós curamos com

ela, medicina tanto do Duabussã, Duankaru, que nos chamamos de cipó né, ayahuasca, através disso que nos fazemos cura e também a medicina tradicional, ervas que a gente

utiliza, cura de varias doenças. Por isso que nós queremos implantar e registrar, pesquisar,

fazer filme e fazer laboratório e continuar a ensinar nossos filhos, nossos meninos que tão

nascendo ai que nós queremos deixar nosso conhecimento. Nós queremos fortalecer, fazer

alguns projetos, que a gente possa registrar e fazer algum trabalho e mostrar ao mundo

nossa identidade (Tadeu).

É interessante notar, como mencionado por Sabino, que este movimento da cultura

Kaxinawa está sendo “abraçado” pela juventude da geração atual, que está engajada no “resgate da

cultura”, realizando a documentação dos conhecimentos dos mais velhos, como ilustra a fala de

Tene:

Os pesquisadores estão fazendo livro, são inteligentes também para fazer isso. Então em

cada comunidade tem sua inteligência para aprofundar isso, os registros, todo o povo gosta. Pode convidar eles para registro, que o povo todo se une, eles chegam para participar, para

ouvir (Tene)

Itsaka, jovem professor do Centro de Memória São Joaquim fala sobre a importância do

Nixi Pae, neste movimento da “cultura viva”:

O Nixi Pae é um que nós consideramos como uma vida. É um vida de espiritualidade que

traz a energia positiva da floresta, da rainha, e vem também quem nós chamamos de

Yuxibu, que .... quem toma Nixi Pae é um pessoa que recebe clareza, o espírito vai clareado

e vem luz. Pode também entender a vida, viver, toda a existência de nossa vida. Quando o

medicina vai é para, principalmente a nossa humanidade, só creio neste poder que vai na

frente da medicina, isso que nós consideramos desse Nixi Pae, que é nosso protetor nesta

vida. Essa homenagem é das forças vindas da floresta do nosso Yuxibu, nossa medicina do

mundo inteiro, esta medicina é para toda a humanidade para paz, alegria, união, para deixar

nosso espírito em paz (Itsaka).

Ao falar sobre o que deseja para seu povo, Txana Txanu, presidente da organização dos

jovens Kaxinawa do rio Jordão, também discorre sobre a importância das medicinas da floresta e

dos rituais Kaxinawa, para seu povo, como se pode observar abaixo:

Nós estamos querendo desenvolver a nossa cultura, tem que organizar para o parque das

plantas. O parque do povo Huni Kuin, nós estamos querendo fazer uma organização das medicinas. A gente quer fazer uma oficina de arte, arte da miçanga, arte da construção de

pena, cocar. Então a gente gostaria de desenvolver a cultura sobre a cantoria das estórias do

povo Huni Kuin, a própria cantoria do batismo, Nixpupima, do Nixi Pãe e do Mariri. A

gente está organizando pra isso, para poder acompanhar e ver (…) tenho me interessado

em enfrentar e mostrar e conseguir sobre os trabalhos da pajelança (Txana Txanu).

Sabino também destaca a importância das plantas medicinais para seu povo, assim como o

114

uso dos ornamentos feitos com miçangas e penas e se diz novato, com 58 anos:

Essa é nossa cultura! Eu acho muito importante a medicina natural. Outra coisa, é nossa

cultura, nosso chapéu de pena, a nossa miçanga é uma coisa muito importante a gente

aprender a nossa cultura, já estamos perdendo! Muitos velhos já morreram, a gente perdeu

muita cultura, hoje nós somos novatos mas temos que saber. Os professores também estão

pedindo capacitação para poder ensinar o povo, os meninos, os alunos.

A cultura local, que é considerada viva, foi um tema central, que apareceu nas entrevistas. E

junto com ela, quase todos manifestaram preocupação em mantê-la viva, e em evitar que se perca

com a morte dos mais velhos. Ao falar sobre esta, Ayani destaca não só os artefatos e a ayahuasca,

como também a língua kaxinawa, e a relação com a floresta como elementos da cultura viva que

fazem parte do cotidiano das aldeias, como ilustra o trecho abaixo:

Também temos nossa cultura... nossa cultura viva. Quem mora na aldeia quase não fala

português, fala na nossa língua, tem a nossa cultura, nossa cantoria, nós temos a

ayahuasca. Cultura viva, assim... nós também temos o nosso artesanato, a floresta! Nós

moramos na floresta! Não tem barulho, não tem nada, só a floresta (Ayani).

Ayani, assim como Tadeu, mencionam a importância da língua, como um elemento capaz de

qualificar a cultura enquanto “viva”. Siã conta que no passado, no tempo dos seringais o desafio era

aprender a língua portuguesa, que possibilitava resolver as questões que envolviam a relação com

os não índios, como saldar as dívidas com os patrões da seringa. Neste contexto, muitos povos do

Acre, inclusive os Kaxinawa do rio Humaitá, passaram a dar muito valor ao português, e foram

abandonando a língua materna, muitas vezes por vergonha já que sofriam humilhações e

discriminação por serem considerados inferiores.

Neste sentido, Siã fala sobre a importância da língua kaxinawa, do movimento de

“recuperação” da memória de seu povo e do interesse dos jovens, a nova geração, neste processo:

O pessoal achava que falar o português era a melhor coisa, mas ao contrário, o que a gente vê aqui é que a gente quer falar português para resolver o nosso problema mas a gente

continua falando a nossa língua, dando valor ao tradicional. É importante... nossa cultura,

eu acho que 70% da nossa linguagem, estamos recuperando. Aqui dentro mesmo, a gente

fala entre nós Hatxa Kuin, língua ancestral, do passado e do presente. E as nossas pinturas

e dança tradicionais, como as nossas histórias, nossa caça e nossa pesca, e outras estórias

que a gente tem. Costume antigo sobre a medicina que nós temos, coisas espirituais,

tradicionais. Essa parte que eu falo que é 70%. A gente conseguiu recuperar, eu tiro o

chapéu pros jovens, que com toda a dificuldade, eles estão recuperando nossa cultura,

nossas coisas (Siã).

O domínio da “língua ancestral”, como qualifica Siã, é um fator considerado de grande

importância, uma vez que possibilita o acesso aos conhecimentos culturais, tais como cantos,

mitos, desenhos e etc. Durante a permanência em campo, pude perceber o domínio da língua Hatxa

Kuin por todos os Kaxinawa do rio Jordão, como falado por Siã. A dificuldade está no domínio do

português, principalmente no caso das mulheres que ficaram rindo, envergonhadas, em algumas

situações em que tentavam expressar seu pensamento, mas não conseguiam dominar a língua.

115

Apesar disso foi possível estabelecer comunicação com as mulheres durante toda a permanência em

campo.

É interessante notar que a língua nativa está diretamente relacionada a qualificação de “ser

nativo mesmo”, “das origens”, “ancestral”. O contato histórico Kaxinawa com os não índios

produziu a perda da língua em determinados grupos familiares Kaxinawa, dependendo do rio em

que estavam localizados. O que hoje produz uma percepção de diferença no que diz respeito ao

domínio da cultura Kaxinawa nas diferentes terras indígenas desta etnia, como pode ser observado

pelas entrevistas com Tene e Ixã:

As diferenças, principalmente do Humaitá, são as línguas. A língua já ficou, assim, meio

perdida, mas agora estão pesquisando, voltando de novo. A diferença do Breu é assim, está

sendo misturado entre Peru, Kaxinawá e Ashaninka, assim, Kaxinawá casa com Peru, com

Ashaninka, então lá tem diferença na língua, estão trabalhando lá assim. Tem outras aldeias

que são desenvolvidas com o próprio Kaxinawá mesmo. Não tem diferentes coisas, estão

organizando também. No Purus tem vários, é mais forte na língua, sabem mais como os

ancestrais da língua, são os próprios. E na cultura trabalham também. A gente tá querendo

fazer pedido de intercambio, para estudar mesmo a cultura a gente tem que viajar, visitar os parentes. (…) hoje, tem muitas leis novas chegando, são propostas de muitas pessoas,

deputado, governo, então nós queremos solicitar assim esse intercambio para a gente

realizar (Tene).

Aqui no Acre, principalmente a cultura indígena, com os Huni Kuin mesmo, aqui do

Jordão, Tarauacá, Feijó e Purus, principalmente no Jordão nós já estamos misturando a fala

com o português. Do Purus já fala a própria língua mesmo. Então eles são cultura mesmo,

nós já estamos 60% misturado com o português. Em Tarauacá eles falam português.

Alguns diz que aprenderam a língua deles, aprenderam muito a falar em português, e aqui

não. Aqui, as crianças e os adultos falam todos em nossa língua (Ixã).

Apesar da importância do domínio da língua nativa, das cantorias, mitos e rituais, os jovens

também possuem a preocupação em dominar os elementos da cultura não indígena, tal como as

tecnologias, o português e as matérias da escola, a fim de possibilitar um avanço na relação com os

não indígenas, assim como a obtenção de mais financiamento e trabalho para as aldeias, como se

pode destacar nas falas de Txana Txanu e Ayani:

O desenvolvimento é o que eu tô precisando para organizar junto com o meu povo aquilo que nós não entendemos bem sobre a língua portuguesa. Aí, por isso que a gente queria

desenvolver mais esse nosso lado, essa nossa medicina, essa nossa criação e produção...

Nós queremos desenvolver mais a organização, junto com o povo Huni Kuin (Txana

Txanu).

Quero fazer um projeto, criar a nossa associação das mulheres Huni Kuin do Jordão

também, mas eu estou aprendendo. Informática, eu estou estudando agora. Matemática,

português, história, ciências, eu queria estudar para poder trabalhar. Para poder trabalhar

com nosso povo (Ayani).

Durante a pesquisa de campo, um fato surpreendeu: durante a permanência de 10 dias na

aldeia Novo Segredo, percebi que os professores, agentes agroflorestais, artesãs e lideranças, que

participam de encontros e formações e são representantes do seu povo, não conhecem o mapa do

Brasil e o mapa múndi, e mais, quando lhes foi perguntado se já haviam ouvido falar na floresta

116

amazônica ou Amazônia, todos, incluindo jovens, adultos e mais velhos, professores, pajés e

agentes agroflorestais, nunca ouviram falar na Amazônia. Assim, parece não haver a compreensão

da sua localização no mapa mundi muito menos da dimensão geográfica e política da Amazônia à

nível mundial enquanto o maior reservatório de água potável e de biodiversidade do planeta, em

que estão inseridos. No entanto, esta conversa não foi realizada com os professores que estão

participando das formações na UFAC e com demais representantes que sempre viajam para fora do

estado do Acre e para fora do país.

Apesar das questões citadas acima, o professor Itsairu, assim como seu pai, o pajé

Augustinho, estão conscientes de que possuem uma imagem representada no mundo. Como ilustra

a fala do professor:

Também não é só da comunidade, dos visitantes que vêm de longe também, a gente já

recebe e nós mostramos fazendo a propaganda com nossas imagens tanto no Brasil quanto

no estado e no mundo. Então, como Augustinho citou, todos somos transformação da imagem. Estamos representando a nossa imagem, o que estamos vivendo, o que é a nossa

cultura, o que é o povo indígena, como é que eles vivem, é importante nós continuarmos

fazendo e ensinando quem está aprendendo. Porque nós pessoas temos inteligência e

capacidade de trabalhar e fazer mais coisas boas.

Neste sentido, parece que as atividades internas às aldeias Kaxinawa no rio Jordão estão

voltadas tanto à preocupação com questões externas, quanto à potencialização das questões sociais

voltadas à organização da sobrevivência na floresta e ao fortalecimento da identidade étnica. Neste

sentido, Tene falava sobre como estão se organizando internamente, no cotidiano das aldeias:

Para buscar mesmo os ancestrais da nossa história, a nossa origem, que já foi há muito

tempo, que professores e pesquisadores já fizeram livro, a gente está pesquisando, os

alunos estão estudando, para a gente aprender mais e aprofundar, organizar nossas aldeias (…) o trabalho é feito no dia a dia e no final de semana a gente festeja com as alegrias, o

mariri, ritual e pesca junto (Tene).

Ixã também fala da importância dos encontros entre as aldeias das três terras indígenas, do

festival de cultura e rituais:

O festival para mim vale relembrar o povo antigo, nós dançamos, festejamos o mariri,

dentro do Kupixawa grande, isso me faz lembrar a tradição antiga. (…) É importante

mesmo que isso faz lembrar a tradição antiga que nós estamos usando ainda hoje, a cultura

viva. A cultura do Huni Kuin tá viva ainda, está funcionando bem. A gente fala na nossa

língua e canta na nossa língua, faz festa da tradição mesmo, como estamos fazendo e

também nós usamos nossa medicina da floresta, a medicina tradicional de cura, ritual que

cura mesmo. Isso é um tratamento, é uma saúde vinda dos Huni Kuin (Ixã).

Isaka destaca mais uma vez a importância dos rituais de cura através do conhecimento

medicinal dos seus antepassados, que sempre viveram na floresta:

Nós consideramos muito essa medicina para curar, e qualquer doença que nós temos, do

povo Huni Kuin, nós temos sempre a cura com as ervas medicina. Antigamente nosso povo

usava também isso, até hoje nós temos ainda essas alianças com nossa medicina. Essa

medicina é.... não só pra nós e para todo nós a humanidade, que há de fazer cura com essa

medicina. As vezes dia 15, dia 1 a gente reúne todas as comunidades, todos que tomam

chegam para fazer um ritual grande da nossa tradição, pedindo as forças da natureza para

117

receber mais energia positiva e para trabalhar em paz com as família, por isso que nós

utilizamos esse Nixi Pae. Então, ainda nós temos para resgatar a nossa identidade que nós

chamamos essa nossa cultura que é da origem, da raiz. O povo Huni Kuin precisa disso,

nós já estamos tendo caminhada sobre fazer vídeo nas aldeias.

É interessante notar que a partir do “tempo dos direitos” há a retomada das práticas

cotidianas que envolvem os elementos da “cultura viva” citados pelos participantes da pesquisa.

Sabino conta que para ele isso é novo, é um conhecimento que começou a adquirir “depois de

velho” e que continua a estudar, mesmo com os mais novos, que foram adquirindo conhecimento

com seus parentes. Para ele, foi a necessidade que despertou o interesse pelo conhecimento da

medicina da floresta. Abaixo se pode ver uma passagem deste relato:

Então, hoje, os meus meninos que tem experiência e disseram “papai, vamos fazer um

kupixau! Olha, primeiramente eu não estudei a medicina, natural. O meu pai entendia um

pouco, eu tenho mais dificuldade. Aqui mesmo, nunca tinha. Hoje, sendo o cara com

saúde, ninguém precisa. Depois quando acontece com algum de nossos parentes, a gente

fica aperreado. A nossa cultura, eu queria aprender com o Manoel Vandique, o Virgulino

que é do nosso trabalho mesmo. Esse medicamento que nós fazemos, o meu neto, minha

filha que ganhou neném, tem que tirar folha para não acontecer nada, criar bem com saúde

(Sabino).

Sabino também relata que o interesse em resgatar os conhecimentos Kaxinawa também veio

a partir de outras etnias indígenas. Ele conta que Ailton Krenak, que participou ativamente da

Aliança dos Povos da Floresta, esteve no rio Jordão e incentivou as lideranças a se dedicarem a este

movimento de valorização da cultura, como pode ser observado na lembrança de Sabino, sobre o

resgate dos desenhos, os kenes, em que mais uma vez o Nixi Pae aparece como fonte de

aconselhamento e inspiração:

O Ailton chegou... conversou com o Siã. “Siã, eu trabalho como secretário do governo

também, vamos estudar! Eu vou ajudar vocês também, vamos começar com três kenes!

Mae musha, tau pei e kape hina, se der certo a gente coloca aqui na área de vocês a

internet com satélite, a gente ajuda, você acha que dá certo fazer isso?” eu Siã dissemos

“Dá”. “Então nós vamos preparar um Nixi Paezinho”. (Sabino)

É a partir deste movimento de resgate iniciado pelas lideranças que as escolas Kaxinawa

passam a integrar em suas atividades os elementos das “categorias sociais”, atuando com os alunos,

de forma a sensibilizar toda a comunidade a participar deste processo. Itsairu explica como se dá

esta dinâmica e fala da importância da tecnologia para a produção de material didático:

Nós trabalhamos com professor, agente de saúde, agente agroflorestal, lideranças da

comunidade, os professores estão acompanhando com a escola através desses equipamentos

e ferramentas, tanto para a ajuda a registrar, arquivar, para a gente não esquecer e quanto

avaliando o que estamos fazendo, o que pode melhorar, o que está ajudando. Então, este é

um projeto comunitário que está pretendendo realizar material, equipamento para a

comunidade. A comunidade tem que saber usar, como usar, onde usar e o quê que vai virar

sobre esse uso de produto. E o produto vai se transformando cada vez mais em coisa

presente, as culturas importantes para a comunidade pensar (Itsairu).

118

A cultura também está se manifestando cada vez mais, então as matérias da escola são tudo

isso. Nós professores começamos a registrar dando uma aula, fazendo visita com os alunos.

Cada curso, cada aula, que nós trabalhamos com aluno é também para elaborar um livro

para a escola, um documento de filme, audiovisual, CD, DVD, aí já traz para a escola, isso

aí já é uma mensagem de material didático para a escola. (…) nossos cantos e tem

surgimento das nossas festas... Em cima de todos esses conhecimentos, medicina e a

valorização. É isso aí que nós estamos hoje trabalhando (Itsairu).

Este movimento é a concretização de um sonho, que sobreviveu aos tempos anteriores à

Xinã Bena, quando a preocupação maior era com a demarcação da terra, e com as questões voltadas

ao massacre e aos direitos humanos. Nos tempos de hoje, a preocupação é com a documentação e

recuperação da cultura viva, que foi marginalizada, oprimida, mas que não deixou de existir.

FIGURA 20: Tene Nivaldo registra o trabalho das mulheres

FONTE: Castor (2011)

Através de retalhos da memória dos mais velhos, e da procura e interesse constante pelo

fortalecimento das práticas do conhecimento tradicional, nascido através da convivência com a

floresta, os sonhos das lideranças começam a encontrar terreno fértil à sua materialização e,

ironicamente, com apoio das tecnologias dos mesmos brancos que os massacraram no passado.

Assim, o pajé Ikamuru atribui às qualidades de Xinã Bena:

Acho que Yuxibu tem preocupação com meu sonho, com meu desejo, que estava sendo

para realizar e fazer a documentação do conhecimento da cultura, da nossa identidade do

povo Huni Kuin. Eu tinha muita preocupação, muita, muita, muita mesmo, dos velhos mais

sabidos, mais antigos, que tinham levado toda a documentação deles e não deixava nada.

Neste tempo não tinha nem internet, nem gravação, nem nada. Ele levava tudo, tudo, tudo.

Toda a documentação com sabedoria do que ele sabia. Então eu comecei a estudar um

pouco, muito preocupado. Agora, está com dez a doze anos que eu vim pensando fazer esta documentação antes de chegar... eu fiquei muito contente quando chegou pela primeira vez

a Vídeo nas Aldeias... O primeiro personagem que foi escolhido foi o Novo Tempo. O

Xinã Bena. Eu falei, este é o novo tempo, o novo trabalho que a gente está fazendo, que a

gente sonhava. Eu pedi muito a Yuxibu para chegar essas condições de fazer a

documentação da nossa cultura, dos nossos povos, dos povos do Jordão, o povo Huni Kuin

que ainda existe e as suas culturas (Ikamuru).

119

4.3 O Centro de Memória

Esta categoria se refere às menções dos entrevistados sobre o projeto de criação do Centro

de Memória Kaxinawa, uma espécie de Universidade da Floresta.

Como visto anteriormente, os Kaxinawa do Jordão estão engajados no movimento da

“cultura viva”, um movimento análogo ao que Ingrid Weber denominou “pró-cultura” em sua

pesquisa sobre os Kaxinawa do rio Humaitá. Através da luta das lideranças, e do apoio de toda a

comunidade, os Kaxinawa estão alcançando algumas conquistas que caminham na direção da

materialização dos seus sonhos. O Centro de Memória faz parte deste grande projeto. Em 2007 foi

criado o primeiro Centro de Memória do rio Jordão, na aldeia São Joaquim, sob a liderança do pajé

Augustinho e sua família.

De acordo com Bane, o pajé Ikamuru Augustinho é um patrimônio vivo, que como

apontado por Sabino, anteriormente, é o protagonista deste movimento no rio Jordão. Desta forma,

o Centro de Memória São Joaquim está diretamente relacionado à convivência com o pajé e com os

ensinos da escola Kaxinawa, em que seus filhos são os professores. Bane explica a importância

deste espaço:

O Centro de Memória é aonde a gente vai... já tem Ponto de Cultura, né? Temos

informações, temos o nosso pajé Muru que é o nosso patrimônio, o nosso histórico, um

velho antigo que tem conhecimento, tem sabedoria riquíssima que nós temos que

aproveitar enquanto nós estamos juntos. Um velho animador, puxa as alegrias do povo,

movimenta com as famílias. Então ali o Centro de Memória é para nós local de fazer encontro, fazer oficina, ver o povo, fazer encontros maiores, oficina, capacitação, enfim...

(Bane).

Nessa perspectiva, Bane expressa mais um aspecto do pensamento Kaxinawa que é a

valorização dos anciãos enquanto uma memória viva da cultura que precisa ser protegida e

documentada. Foi através do financiamento de 235 mil reais do PDPI (Projetos Demonstrativos dos

Povos Indígenas) que foi possível a construção de um espaço físico de concreto, onde hoje é a sede

de uma escola Kaxinawa e também dos computadores recebidos pela FUNAI e MinC no projeto de

Pontos de Cultura Indígena. Para Siã este apoio serviu para:

O governo deu um espaço de escola, PDPI também ajudou a gente com 235 mil reais para

nós estruturar mais um pouquinho e recebemos mais esses materiais do Ponto de Cultura para a gente começar a se organizar junto com os professores que estão formando o

segundo grau e entendendo o português ou a própria matemática para nós destrinchar (Siã).

Neste sentido, o Centro de Memória São Joaquim funciona como um espaço de trabalho e

de encontro, como a “Assembléia Geral” presenciada na fase da pesquisa exploratória. Lá é

considerado um espaço privilegiado da “cultura viva”, um local voltado ao resgate da memória

Kaxinawa, como explica Txana Txanu:

O centro de memória é o lugar, espaço onde o povo trabalha. Centro de Memória é um

120

estágio muito grande das pajelança, onde existe o Pajé Muru, quem coordena é o Pajé

Agostinho. Conjunto com os filhos, filhas, genro, neto, neta. Então, o Centro de Memória

tem mais memória que na floresta, como você já viu, né? Os trabalhos do Pajé

Agostinho...”

Como destacado pelo presidente da organização jovem da região, o Centro de Memória é

um lugar privilegiado para o estudo das ervas medicinais, tão importantes à cultura Kaxinawa.

Durante a pesquisa de campo, observou-se o cotidiano da aldeia em que o pajé sai diariamente com

os jovens para a floresta e as crianças os acompanham. Enquanto caminha, Ikamuru vai colhendo

algumas folhas ao mesmo tempo em que explica seu uso medicinal, como pode ser utilizada para a

cura e os alunos vão anotando as informações no caderno.

Ao final da caminhada, os alunos sentam em torno da Samaúma, a maior árvore da floresta,

conhecida também como a “Rainha da Floresta”. Lá, o pajé começa a fazer diferentes cantorias de

cura, enquanto os alunos acompanham cantando e com instrumentos musicais como flautas e

maracás, ornamentados com penas, e desenhos com o kene, ou com pinturas que representam a

mulher jiboia, uma jiboia que tem rosto de mulher. Neste momento, os alunos também fazem uso

das medicinas da floresta como o Nixi Pae e o rapé. De acordo com Txana Txanu, que vive no

Seringal Independência, esta vivência com o pajé Ikamuru é um grande estágio da “escola viva”.

FIGURA 21: Alunos da “escola viva” na Samaúma

FONTE: Bane Sales

É interessante notar que o Centro de Memória é considerado um espaço que possui um

parque com um grande patrimônio das ervas medicinais da floresta, uma escola indígena Kaxinawa

e o Ponto de Cultura. Durante as observações pode-se perceber que a maioria dos alunos que

acompanham o pajé são homens. Apesar disso, Ayani, a filha de Ikamuru, e outras meninas mais

jovens fazem parte desta escola. As mulheres que já possuem filho ficam cuidando das crianças,

das casas e da alimentação. Sobre o Centro de Memória Ayani comenta:

O Centro de Memória, assim, meu pai é pajé, né? Tem nosso parque, o Fundo Segredo, já

tem um Ponto de Cultura também, tem computador... Eu tenho dois irmãos que agora estão

na faculdade, para aprender, organizar, para os nossos parentes estudar, tem uma escola no

Centro de Memória para estudar nossa cultura, nossas músicas, nossa história.

Antigamente, assim, e a história mesmo que nós aprendemos na escola. Estou estudando também, eu sou aluna também do Centro de Memória (Ayani).

121

Como mencionado por Ayani, o Centro de Memória é um espaço criado para resguardar a

história Kaxinawa. Além disto, Siã enfatiza outras funções desse espaço, que possui papel central

para as aldeias no rio Jordão:

Como é que nós vamos organizar todas essas aldeias? A gente começou a pensar a estrutura

para nós reunir uma vez por ano, ou mesmo para formar os nossos alunos. A gente pensou

que um dos espaços importantes é criar o centro de memória como a nossa universidade,

que representa toda a nossa história. Então, está dando certo um pouquinho. Ainda falta muita coisa pra gente ir estruturando (Siã).

Pode-se perceber na fala do cacique que o Centro de Memória foi criado para se transformar

em uma universidade na floresta, um espaço para realizar pesquisas, estudos e documentar a cultura

Kaxinawa. Através das viagens que fez em outras universidades do mundo, Siã já possui alguns

planos em mente, como se pode ilustrar através da passagem abaixo:

A gente quer guardar essa mensagem, nossas histórias, a gente quer produzir, processar

tudo que nós temos ali, mais tarde. Se tiver uma estrutura melhor, a gente pode fazer um

escritório, ou mesmo um auditóriozinho bacana, que aguente pelo menos 100, 200 anos,

para nós guardar o nosso imaterial, né? (Siã).

Apesar de ser um espaço de atuação predominante de um grupo familiar, Tene, morador de

outra aldeia, afirma a importância da localidade, como um espaço que está sendo iniciado para o

fomento da educação e cultura local, e ainda diz que é para o usufruto de todas as pessoas das três

terras indígenas:

O Centro de Memória é uma história que está nascendo, é o centro do povo Huni Kuin, de

encontro. Um lugar que precisa de mais estrutura, mas equipamento para a gente estudar e

se formar. Por que hoje em dia os professores tem uma universidade, a UFAC, que estão

pesquisando, estudando a medicina, a língua. Eles estão dando aula de 5 a 8. Então vai ser

um centro de formação, a gente que vai formar, trabalha ali, já se formou, tem que ensinar,

para segurar mesmo. Então este Centro de Memória é para todos os povos das três terras indígenas (Tene).

Apesar ser para o usufruto de todos, Ozélia lembra da distância que separa o centro das

outras aldeias e, assim, fala da importância de se construir outros espaços, com o mesmo tipo de

ação, nas outras seis aldeias centrais. Ozélia também conta que no rio Jordão apenas o Centro de

Memória São Joaquim possui o ensino médio:

Centro de Memória é para aprender, funcionar a escola e criar associação de nossos

produtos. Lá no Centro de Memória também está trabalhando com Ponto de Cultura,

ensinando também o ensino médio, tem que acabar de treinar.”Ensino médio é só lá mas

estamos precisando nas outras centrais. Estamos precisando, agora tem que construir em

cada central, a mesma coisa que no Centro de Memória (Ozélia).

Durante a pesquisa de campo, Ozélia, coordenadora das mestras artesãs do rio Jordão, disse

diversas vezes que desejava ter equipamentos tecnológicos em sua aldeia, Novo Natal, uma vez que

122

lá funciona uma das sete centrais do complexo das terras indígenas e também, deve funcionar um

espaço que possibilite a potencialização do trabalho das mestras artesãs. O fato da aldeia São

Joaquim atrair parceiros não indígenas e investimentos para sua infraestrutura, desperta nas outras

aldeias o desejo de possuir também estes espaços, o que também pode ser visto, em certos casos,

como uma espécie de rixa e ciúmes. Apesar desta situação, Tene lembra da união que rege as

atividades das três terras indígenas e afirma:

Somos um povo só, agente está tentando assim, trabalhar junto assim com o Tadeu... são

nossos professores também, que nos formaram e juntos fortalecemos a organização. Onde

estamos tentando unir com alguns encontros grandes, como aconteceu agora. Então a gente vai lá, resolver aqueles problemas, ver alguns projetos e o que está sendo discutido (Tene).

Tadeu, professor do centro, conta que o espaço deve conter a arquitetura tanto tradicional

quanto da cultura não indígena, ou seja, com concreto, banheiro e etc. Criado em 2007, o Centro de

Memória, mesmo que ainda sem estrutura “adequada”, já recebeu visitantes não indígenas de

diversos locais do Brasil e do mundo. Estes encontros também motivam os moradores locais a

quererem desenvolver mais a infraestrutura do local, como ilustra a fala do professor:

Daqui uns anos eu queria ver o nosso centro de memória ter uma grande maloca aqui no

centro para receber assim umas 5 mil pessoas, tanto internacional como nacional e para

receber todo o nosso povo, é esse sonho que temos. Tem vindo muita gente. Já passou

muita gente aqui, já recebemos mais de 50 ou 80 pessoas, por exemplo, vem pessoas de

muito longe dormir aqui. No chão, qualquer coisa, aqui na floresta tem que ter muito

cuidado, nós temos que cuidar do nosso irmão que tá chegando. Nós precisamos de água

boa aqui para o centro, quando receber o nosso povo em uma grande assembléia, a gente

precisa de água boa. Precisamos de nossa saúde (Tadeu).

O idealizador do Centro de Memória, o pajé Ikamuru, complementa a explicação de seu

filho:

Aqui é uma escola que pode-se dizer que é pra nós todos, para a humanidade, para o

brasileiro, que gosta de viver nesse planeta e no mundo, tanto dos povos Huni Kuin e de

outros povos. É o ponto referencial de onde pode acontecer muita coisa importante, da

cultura, encontro, formação, que nós podemos receber e também algum apoio porque aqui

é o centro do povo Huni Kuin, que é a nossa formação a Escola da Floresta (Ikamuru).

Siã explica que o Centro de Memória, ou a Universidade Kaxinawa, deve ser entendido não

como um espaço físico em si, ou como uma aldeia, especificamente, pois é um projeto que vai

muito além. O desejo das lideranças Kaxinawa é de criar vários centros na floresta, a aldeia Centro

de Memória São Joaquim é apenas um começo. A dimensão do Centro de Memória deve ser

entendida a partir da própria dimensão de vidas que existem na floresta, a história Huni Kuin e as

práticas existentes na vida cotidiana.

123

FIGURA 22: Mariri no Centro de Memória

FONTE: Ion David

O cacique também explica que este projeto já existe desde o tempo da Aliança dos Povos da

Floresta, e que sua concretização faz parte de uma grande luta:

A universidade, que é o Centro de Memória, a gente fez isso. Pelo menos a gente já se juntou várias vezes, várias pessoas, e essa coisa não é fácil. A gente está aí sofrendo com

isso para poder acertar. A universidade não é só o Centro, são as terras, toda a nossa

história, desde Capistrano de Abreu e outros que escreveram, e agora estamos juntando.

Acho que já temos 10 volumes de livros, que não é nada, mas já tem história Huni Kuin, do

passado, do presente, das correrias, das outras coisas que a gente pensa melhor. E também

com vocês, né? (…) A gente abriu um espaço aí para escrever, formar, achar que a gente

pode achar alguma coisa importante e registrar para o mundo, para ser usado, temos muita

coisa boa, não vamos dizer que não temos nada não. Temos muita coisa boa, é só a gente

saber usar. (…) Tudo isso vem de muito tempo, nossa aliança foi e tá concretizando esse

centro de memória, onde é a nossa cabeça normal, nosso centro de cabeça, centro de

memória, para formar a história do povo Huni Kuin daqui do Jordão. Nós temos cinco municípios, então pelo menos ter alguma coisa, né? (Siã).

No que tange os objetivos e práticas existentes, Itsaka, o mais novo professor do centro,

explica as atividades que acontecem no cotidiano da aldeia:

Aqui nosso Centro de Memória foi fundado para trabalhar e registrar as nossas tradições, as

nossas identidades. Nossos antigos, o que na origem nosso povo usava. Por isso eu estudo

sempre junto com meu pai, nós estudamos também sobre a medicina, cantoria, as nossas

culturas. As lideranças pensaram este Centro de Memória para receber também as pessoa

que vem de longe para ver, estudar e vem para curar também, né? Aí foi nisso que eles

pensaram de fundar esse centro de memória, hoje e agora nós estamos pensando em

fortalecer este centro, nós temo muito para registrar ainda, para nosso futuro, nossos netos,

nossos filho e arquivar para eles verem no futuro, para não esquecerem também a nossa

tradição (Itsaka).

É neste mesmo sentido que Itsairu fala sobre os objetivos do Centro de Memória São

Joaquim, como um espaço de fácil acesso, por ser a primeira aldeia do rio Jordão, assim, é capaz de

proporcionar o encontro das aldeias para festividades, planejamentos e avaliações, bem como o

acolhimento de parceiros, servindo também como escola e local de registro da cultura:

Este Centro de Memória nós vamos fazer o centro das três terras indígenas para representar

124

isso, esse é o objetivo do centro de memória para registrar, receber pessoas, planejar o local

de espaço e de trabalho do encontro de lideranças, receber as pessoas de nossa parceria.

Ampliar mais a nossa estrutura e o nosso conhecimento. Então hoje está tudo iniciado a

obra, espaço já tem, o material está chegando, e nós professores temos que trabalhar para

ver o que esta faltando, qual é a necessidade que nós estamos querendo para melhorar

(Itsairu).

Ixã enfatiza a potencialidade do local enquanto um espaço de vigilância, fiscalização da

entrada de pessoas na terra indígena, já que está localizado no início do rio:

O Centro de Memória é aonde fica a primeira aldeia, em que entra e sai. No meu

entendimento é como se fosse um centro de vigilância. Se alguém entrar lá tem que

corrigir, levar documento (Ixã) .

O fácil acesso até a aldeia São Joaquim também facilita a ida de representantes políticos e

do governo até a terra indígena, o que é importante para atrair financiamentos, como explica Tadeu:

Foi planejado esse centro para as três terras indígenas, perto do município, que pode

facilitar a vinda da liderança internacional como o governo, o deputado, para facilitar conhecer o povo Huni Kuin, as nossas lideranças, a nossa associação, que é o movimento

aqui do centro de memória, é por isso que a gente está nesse espaço, é para isso (Tadeu).

O Centro de Memória da aldeia São Joaquim foi criado como um centro anexo, uma outra

colocação no território de São Joaquim, onde foram construídas as casas do pajé e seus dois filhos

Tadeu e Bussã. Assim, foi necessário realizar atividades necessárias à construção de um novo local,

como abrir o terreno, fazer casas, cacimbas de água, roçado e etc. Sabino lembra que participou

desta abertura, no momento em que ainda não havia apoio, financiamento para realizar a atividade,

mas mesmo assim, a pedidos do cacique geral, vários membros da sociedade Kaxinawa do rio

Jorão se mobilizaram, como conta a passagem:

O Siã chegou e me perguntou se eu queria ajudar o Tadeu, o Augustinho... eu perguntei

“para que?” e ele disse “Para criar um Centro de Memória, na primeira aldeia. Lá em Rio

Branco tem o sítio da CPI-AC, aqui nós também temos cultura, vamos fazer o nosso

centro!?” “Siã, como posso fazer?” “Então, vocês convidam as lideranças, professores,

agentes de saúde, das 32 aldeias, broca, derruba... vai começando”. Aí eu passei dois meses

para criar aquele centro memorial, depois o Siã fez um projeto com o governo de R$

60.000,00, construiu aquela casa, refeitório, as coisas...(Sabino).

Após iniciar as primeiras construções do espaço físico, realizadas em 2007, com ajuda do

financiamento pelo PDPI, as atividades que já aconteciam no cotidiano das aldeias, passaram a ser

potencializadas e organizadas pelas lideranças. Tadeu, liderança e professor da aldeia, explica os

propósitos do Centro de Memória:

Esse centro aqui é um centro onde nós podemos fortalecer e deixar alguns frutos nascer,

cuidar da terra, é isso. E... onde nós discutimos nossa gestão territorial, que nós sempre

125

queremos continuar a cuidar da nossa floresta, nossa terra, é sempre assim, pra nós

vivermos na paz, sem poluição, tudo natural mesmo, nós confiamos na nossa floresta, na

nossa mãe terra e toda a força da natureza (Tadeu).

O que queremos chegar é essa força aí, para melhor e organizar cada vez mais aqui no

centro para receber as pessoas, para que a gente possa fortalecer mais, ficar, assim, forte,

para poder trabalhar e deixar esta fruta para a nova geração. Eu acho que aqui é o ponto

onde nós podemos nos formar e podemos valorizar nosso conhecimento e trabalhar com

amor e harmonia com todo o povo Huni Kuin. É para isso que nós estamos trabalhando aqui no Centro de Memória, não é só isso, também estamos recebendo as pessoas de fora

(Tadeu).

Na fala de Tadeu pode-se observar a importância de receber as pessoas não indígenas

também e como ele mesmo colocou, em citação anterior, há a preocupação de se criar um espaço

seguro e confortável para estes visitantes.

Além disto, a fala ilustra mais uma vez a preocupação com as gerações futuras e com a

valorização da sabedoria e memória Kaxinawa. Ainda, pode-se perceber a importância para a

liderança Kaxinawa de o trabalho ser realizado com alegria e a harmonia na comunidade pela

comunidade, como apontado na “estética social” de Overing (1995).

Por ser uma das sete centrais do Jordão, a aldeia São Joaquim também funciona como local

de reunião para as aldeias que pertencem a este mesmo grupo. A liderança conta que há uma reunião

no local, mensal ou de 15 em 15 dias, em que as aldeias do grupo realizam trabalhos coletivos,

reuniões, planejamento das festas anuais, plano de trabalho para o roçado e etc. De acordo com

Tadeu, as aldeias estão unidas, assim como as demais centrais.

FIGURA 23: Placa no Centro de Memória

FONTE: Castor (2011)

Na entrevista, Sabino compartilha o desejo de estudar com o pajé Ikamuru no Centro de

Memória São Joaquim e, ainda, fala do espaço como um local também de estudo para seus filhos.

Ele deseja poder criar um centro também em sua aldeia, como uma universidade, no Novo Segredo.

A passagem abaixo ilustra a fala de Sabino sobre o tema:

Lá é o meu cunhado, vocês estão vendo, Augustinho o pajé que fala bem nossas coisas,

nosso mito, nossa história antiga. Agora está organizando o pessoal que está aí já fizeram

chapéu de palha bom, bonito, fizeram Kupixauzinho para ele, está começando a iniciar, está

iniciando agora! Eu achei muito importante tudo isso. Lá é o local onde o pajé cuida das

126

pessoas, cura, usa medicina, lá nós chamamos como uma Universidade. O Augustinho é

meio pajé nosso professor, algumas pessoas tem que ir para lá para aprender, meus netos...

até eu queria ir lá estudar com ele porque o Augustinho é mais inteligente, o filho dele a

mesma coisa, José Mateus, Tadeu, estão estudando na universidade. Eu considero que o

primeiro local que nós iniciamos o Centro Memorial foi lá, em São Joaquim. Agora,

depois, aqui, eu quero uma estrutura, tem que ajudar aqui as nossas coisas, aqui eu também

quero criar plantas, sementes, Nixi Pae, Caua, Cipó, essas coisas...”

Apesar de ser um espaço, de certa maneira, privilegiado no rio Jordão, o Centro de Memória

ainda precisa de mais apoio para criar estrutura de trabalho, para que possa funcionar como uma

universidade na floresta, como é desejado. O pajé Ikamuru compartilha tal necessidade na

entrevista, como se pode ver abaixo:

Mas ainda vai faltar alguma coisa. Têm que apoiar mais para a gente poder continuar nosso

trabalho e organizar nosso material, a nossa documentação. Quando chegar a internet e os

meninos estando formados e eu aqui, vivo ainda, a gente vai fazer muita coisa ainda, se

deus ajudar e o Yuxibu ajudar. E ter uma alma de bom coração para poder financiar, para a

gente poder organizar nosso trabalho (Ikamuru).

Para Siã, as conquistas atuais, como a construção da universidade da floresta, ou, Centro de

Memória é uma conquista de muitos anos da luta do povo Kaxinawa, como se pode observar na

passagem abaixo:

E o tempo de 2010 é hoje, o tempo de 2011. Em 1970, quando a gente começou, quase 45

anos de luta, estamos conquistando muita coisa. A gente saiu da mata agora, estamos aqui

representando, em São Paulo, no Rio de Janeiro, Rio Branco, nesses outros municípios,

aqui no Jordão, nas aldeias. Nosso povo é espalhado por questão também dessas correrias.

Os caçadores de índio queriam acabar, então a gente fugiu para as cabeceiras dos rios.

Ficamos entregue a mão de obra barata e hoje nós estamos dentro dessa civilização,

enquanto outros de nossos parentes ainda tem uns amigos bravos na mata (Siã).

Siã diz que agora os Kaxinawa “estão dentro da civilização” e para isso tiveram que sair das

aldeias, para as cidades grandes “representar” seu povo, e assim, alcançar conquistas importantes.

Esse movimento também representa a busca das lideranças pelo reconhecimento da etnia enquanto

cidadãos brasileiros, bem como, de seus direitos previstos na Constituição Brasileira. Ninawa do

rio Envira comenta que além da constituição, os direitos indígenas estão presentes na declaração

das Nações Unidas, na Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção 169. E assim

faz um apelo para que sejam respeitados os direitos dos povos indígenas do Brasil, uma vez que

várias etnias continuam a ser perseguidas “porque querem um pedaço de terra para sobreviver com

o seu povo”, a isto ele acrescenta: “(...) é isso que nós precisamos, o respeito aos povo indígenas da

maneira como eles são, sua tradição e sua cultura, que vem da floresta”.

O Centro de Memória faz parte do grande sonho Kaxinawa. No rio Jordão, a realização

deste sonho começou através do esforço de lideranças locais, lideranças políticas, do apoio da

comunidade e do trabalho de todas as categorias sociais. De acordo com Itsairu, os Kaxinawa estão

127

realizando, aprendendo e realizando, estão concretizando o sonho de outrora, como se pode

observar no seguinte trecho da entrevista:

Eu acho que é importante que as pessoas que tem mais esse conhecimento dar essa força

para nós sermos mais experientes para segurar nossa identidade e trabalhar com o Ponto de

Cultura, valorizando o que é nosso e mandando a nossa força para o lugar do mundo, porque nos somos Huni Kuin e a gente ta trabalhando, cuidando da nossa cultura e o

fortalecimento da nossa identidade, cuidando do nosso território. O importante é nós

começar conhecendo e fazendo. Aprendendo e fazendo. O resultado vem depois que está

feito. As vezes no papel, tem experiência de muita coisa, faz coisa bonita, mas o

importante é colocar na prática, igualmente este centro em que estamos mostrando hoje

(Itsairu).

128

Capítulo 5 – Discussão dos Dados

Na visão dos Kaxinawa, eles vivem atualmente um novo tempo de sua história, batizado de

Xinã Bane, o Novo Tempo ou Novo Pensamento/Conhecimento, que faz parte de um contexto

socioambiental do século XXI e da visibilidade internacional gerada sobre a Amazônia e os povos

que nela habitam, como evidenciado por Monteiro de Castro (2007). Nesta perspectiva, uma

parcela Kaxinawá, sobretudo, constituída pelas lideranças, está redefinindo a relação de seu povo

com seus direitos e com o mundo, um processo que já ocorre há várias gerações, podendo-se

destacar o protagonismo das famílias que lutaram pela demarcação da TI Kaxinawa do rio Jordão,

como a de Sueiro Sales, pai de Siã, e de Augustinho Manduca Mateus.

Através das entrevistas e observação de campo pode-se notar que os Kaxinawa mencionam

Xinã Bena, a partir de uma retrospectiva histórica desde o “tempo da maloca”, usado para designar

o primeiro período de sua história em que viviam juntos, antes do contato com os brancos. Através

de relatos das memórias dos mais velhos contam sobre o “tempo das correrias” e sobre o “tempo do

cativeiro”, do qual muitos participaram. Vale destacar que a partir do “tempo dos direitos”,

inaugurado pela criação da Constituinte de 1988, o discurso Kaxinawa aponta para o surgimento de

um movimento voltado à organização da vida na floresta, que começa com a luta pela demarcação

da terra. Iglésias & Aquino (2005) destacam estas transformações na vida Kaxinawa no Jordão a

partir do surgimento do movimento político indígena e de suas organizações.

Nesta perspectiva, é interessante chamar atenção aos dados da pesquisa que apontam à

atribuição de grande responsabilidade às lideranças atuais, uma vez que devem honrar a “batalha”

herdada, que não foi fácil, e assim alcançar novas conquistas no tempo atual, consolidando os

sonhos de outrora. A pesquisa identifica o anseio por consolidar uma vida voltada aos próprios

ideais de desenvolvimento, baseados na integração dos hábitos e cultura da cosmovisão Kaxinawa,

criados a partir de anos de convívio com a floresta, ao cotidiano das aldeias. Esse movimento

aparece na fala de algumas lideranças como o desejo de “recuperar” a cultura, já que a partir do

contato com os não índios, no início só século XX, foram massacrados, obrigados a incorporar a

mão de obra dos seringais e proibidos de realizar suas festas, usar os seus adornos, falar na língua

materna, dentre outras atividades importantes à vida social Kaxinawa.

No que diz respeito às transformações ocorridas na história, torna-se relevante destacar que

a crise socioambiental do século XX e XXI, enfatizada por Moscovici (2007), invoca a produção de

uma nova compreensão da relação entre homem-natureza, o que fomenta o movimento de crescente

aproximação e valorização das realidades locais. E nesse contexto de crise os olhares do mundo

buscam entender como vivem os povos da maior floresta do planeta, a Amazônia. Se para

129

Moscovici (2007) a destruição da natureza, o ecocídio, está intimamente relacionada a destruição

de cultura, o etnocídio, para os Kaxinawa a proliferação de sua “cultura viva” ocorre

concomitantemente à proteção da natureza em que habitam e da qual possuem uma relação de

interdependência.

No que tange à realidade dos Kaxinawá do rio Jordão, pode-se perceber que sua história

evoluiu junto ao crescente interesse de preservação e conservação da Amazônia, evocado pelos

movimentos socioambientais e pela constituição de 1988, como destacado por Barroso-Hoffman &

Souza e Lima (2002). Esse interesse crescente abriu uma nova perspectiva de visibilidade para os

povos indígenas da Amazônia traduzida em iniciativas de cooperação nacional e internacional,

configurando uma nova fase para o seu desenvolvimento.

De acordo com as lideranças Kaxinawa, há o crescente interesse de grupos nacionais e

internacionais de realizar visitas em sua TI, a fim de experimentar os modos de vida Kaxinawa,

bem como as medicinas de cura da floresta. Desde 2005 os Kaxinawa recebem visitas anuais de

grupos de aproximadamente vinte franceses que permanecem no Jordão por duas semanas na

convivência com seus costumes e modo de vida, que vão em busca de conhecer e experimentar o

uso ritual das medicinas Kaxinawa, principalmente o Nixi Pae.

No que tange o objetivo da pesquisa, a análise dos dados revela que em suas

concepções e expectativas de desenvolvimento, as lideranças do Jordão manifestam a centralidade

da organização da vida na floresta, como forma de promover a qualidade de vida da população

indígena e fortalecer sua cultura, através da prática, pesquisa e documentação da memória dos mais

velhos e, sobretudo de reivindicar seus direitos enquanto cidadãos reconhecidos na Constituição

Brasileira. Para tanto, reivindicam acesso a tecnologias ocidentais que vão desde os instrumentos

para registro da sua cultura tais como filmadoras, máquinas fotográficas, gravadores até recursos

relacionados à estrutura física e financiamentos os os quais consideram essências para o

fortalecimento de sua organização social.

Como elemento de destaque, os informantes mencionam o desejo de criar Centros de

Memória nas aldeias centrais do rio Jordão e para tanto desejam utilizar não só as construções de

sua tradição, como a casa de socialização, o Kupixawa, como também criar laboratório para o

estudo das plantas medicinais, biblioteca e auditório, inspirados nas construções das universidades

brasileiras e estrangeiras, com concreto, de forma a permanecer durante anos. A partir de 2007, com

ajuda do financiamento do PDPI o primeiro, e único, Centro de Memória do rio Jordão está sendo

criado na aldeia São Joaquim, liderada pelo pajé Ikamuru Augustinho, e tem recebido apoio da

UFMG, UFAC, Jardim Botânico do RJ, Vídeo nas Aldeias, Rede Povos da Floresta, Instituto

Guardões da Floresta etc. Apesar de ser o único local a conseguir apoio para criar a estrutura

130

desejada, o Cacique Siã deixou claro que o centro de memória está em toda a TI, uma vez que sua

extensão é análoga ao conhecimento Kaxinawa, adquirido durante as décadas de relação com a

floresta amazônica.

É interessante notar que o desejo de se criar centros de memória, pode ser encontrado

também nas entrevistas dos representantes Kaxinawa dos rios Humaitá e Envira. Além disso,

Pimenta (2010) conta que no mesmo ano de criação do Centro de Memória da aldeia São Joaquim,

os Ashaninka, povo indígena do Acre, criaram a Yorenka Ãtame, a escola dos Saber da Floresta, que

materializa a luta do povo indígena contra a exploração ilegal do território e seu direcionamento

rumo ao desenvolvimento sustentável. Neste sentido, percebe-se que os centros de memória

Kaxinawa fazem parte de um contexto comum da luta do movimento indígena do Acre.

O movimento de manter a “cultura viva” através do fomento das escolas ou universidades

da floresta, assim como das práticas no cotidiano, foi um elemento central às falas das lideranças

do Jordão bem como das observações de campo. De acordo com Pimenta (2010) estas iniciativas

oferecem a oportunidade para refletir sobre o lugar dos povos indígenas na cena amazônica

contemporânea do desenvolvimento sustentável, uma vez que representam a luta pela

sustentabilidade de seu território, recebem apoio de diversas parcerias e ganham visibilidade

nacional e internacional.

Através dos dados da pesquisa, a utilização de ornamentos de miçanga, algodão e penas,

com os kenes, bem como a realização de rituais como o de batismo, o Nixpupima, de celebração

dos legumes, o Katxanawa e de cura, o Nixi Pae, apareceram como elementos essenciais à vida e

organização Kaxinawa no Jordão. De acordo com os informantes estes são momentos importantes

para a celebração da cultura e de fomentar a união do povo, trazendo cura e alegria. Neste sentido,

pode-se notar que o moral alto e o poder do ânimo são elementos centrais à visão social e ao senso

de comunidade Kaxinawa. Esta observação vai de encontro às contribuições de Overing (1991) de

que, para os ameríndios o que diferencia uma comunidade pobre de uma próspera não é a questão

do acúmulo da produção e sim de ânimo. Para eles é apenas a partir de um moral alto que as

atividades coletivas, como o trabalho, podem ser realizadas.

Diante da análise dos dados, a centralidade da organização social Kaxinawa apareceu como

elemento de destaque para o desenvolvimento da comunidade. As aldeias parecem viver uma

organização social participativa, não hierárquica, apesar de ser formada por “categorias sociais”. A

aparente funcionalidade das categorias sociais utilizadas na estrutura organizacional Kaxinawa no

Jordão, voltada à “organização da vida na floresta”, como mencionado pelo cacique Siã, remete a

noção de mukun yuda trazida por Lagrou (2007). Esta se refere a noção da mais inclusiva

autodefinição Kaxinawa, que significa uma pessoa que pertence ao “nosso mesmo corpo”, um

131

corpo que é produzido coletivamente por pessoas que vivem na mesma aldeia e que compartilham a

mesma comida. Também, é interessante mencionar que o senso de coletividade Kaxinawa parece

funcionar através de uma relação de trabalho baseada na autonomia pessoal, como notado por

Goldman (1963) entre a maioria dos ameríndios, e observado durante o campo.

Por outro lado, no âmbito das “categorias sociais” Kaxinawa, identifica-se a presença de

elementos da organização não indígena, relacionadas às políticas públicas, tais como a categoria de

agente de saúde, agente agroflorestal e professores. E ainda, o interesse pela apropriação das

tecnologias não índias como a construção de estruturas permanentes, com concreto, o encanamento

de água, motores, computadores, celulares e a internet. Estes elementos fazem parte da concepção e

expectativa de desenvolvimento das lideranças Kaxinawa e remetem à um processo de hibridação

sociocultural apresentado por Canclini (2008), em que estruturas que viviam de forma separada se

combinam para gerar novas estruturas objetos, práticas e saberes.

Vale registrar que dentre essas “categorias sociais” algumas são reconhecidas pelo Estado, e

outras não, fato que as diferencia enquanto ser ou não remunerada, além das diferenças dos valores

da remuneração. Apesar dessa situação, não foi mencionado durante as entrevistas, nem observado

durante o campo, ênfase na diferença de valor nas remuneração entre as categorias. O que existe é

uma demanda pelo reconhecimento profissional das categorias ainda não reconhecidas e, assim, a

remuneração. Dentre as categorias que lutam pelo reconhecimento profissional estão os pajés,

mestras-artesãs e agentes de cultura.

É interessante destacar que, como afirmado por Ixã, Itsairu e Tadeu a escolha do uso de

tecnologias ocidentais é uma escolha Kaxinawa, faz parte de sua autonomia. Neste sentido,

Canclini (2008) chama a atenção à necessidade de se considerar os limites daquilo que não se

deixa, ou não se quer, ou não pode ser hibridado. Friedman (1990) afirma que a fragmentação

étnica e cultural, e o processo de hibridação, são tendências que constituem a realidade global e não

devem ser consideradas visões opostas sobre o que está acontecendo no mundo.

Sob a perspectiva de gênero, pode-se observar que nesse contexto organizativo as mulheres

entrevistadas manifestam de forma frequente queixas relacionadas à sobrecarga de trabalho na

aldeia. Além dos trabalhos relativos ao cuidado da casa, da cozinha, das crianças e dos maridos, as

mulheres são também solicitadas a fortalecer a cultura dos kenes e a produzi-los em tecelagem de

algodão e miçangas, uma vez que são as detentoras desta habilidade, reconhecida como capaz de

empoderar e encantar os Kaxinawa, como relatado por Bane e Lagrou (2007).

A falta de remuneração da categoria de mestras-artesãs, marca a fala das mulheres na

entrevista, assim como as notas do diário de campo. As mulheres ainda se dizem interessadas em

aprender a manusear as tecnologias audiovisuais (já existem mulheres cineastas nas aldeias apesar

132

do predomínio masculino), e de assumir a função de professoras nas escolas, uma vez que dentre os

32 professores das três TIs do Jordão, só há uma mulher. Pode-se notar que em Xinã Bena há uma

redefinição dos papéis femininos, o que o cacique Siã diz ser um avanço.

Apesar da aparente dominação masculina sobre a mulher, como ressaltada por Kensinger

(1995) nos estudos com os Kaxinawa do Purus, a distinção entre “homem” e “mulher” na estrutura

da vida social Kaxinawa não define, necessariamente, uma estrutura de poder, como observado por

McCallum (2001). De acordo com a autora, o homem, e a própria mulherer Kaxinawa, não

consideram a existência de uma relação de dominação entre si, uma vez que os papéis sociais dos

homens são explicados através de suas qualidades tal como falar melhor em público.

No que tange as questões da organização social Kaxinawa, faz-se interessante lembrar a

afirmação de Overing (1991) de que a noção indígena de comunidade é dificilmente compreendida

aos olhos das categorias sociais e políticas ocidentais, pois, muitas vezes, expressa a falta de

estruturas de hierarquia e de instituições de coerção. Através dos dados da pesquisa, os Kaxinawa

do Jordão parecem viver em uma sociedade não hierarquizada, porém liderada a partir de uma

“fluidez estrutural”, como mencionado por Clastres.

Neste sentido, podem-se perceber indícios de que as aldeias São Joaquim e Novo Segredo

funcionam a partir de relações sociais voltadas à cooperação no trabalho, em que o ânimo é vital à

manutenção do senso de coletividade. O que pode ser percebido através da satisfação de Ixã ao ver

seu povo reunido no Festival Xinã Bena, dançando o mariri, realizando o Katxanawa, bem como

no momento em que quando uma criança da aldeia adoeceu todos se sentiram “adoecidos” e se

reuniram para reanimar seus espíritos através de pintura com urucum, cantos, danças, rapé,

defumação e o uso de outras ervas medicinas. Percebe-se também que as lideranças se caracterizam

pela habilidade da persuasão e capacidade de conduzir gentilmente seus parentes rumo ao

consenso, como também notado por Kensinger (1995).

Na fala das lideranças sobre o desenvolvimento, é recorrente a preocupação com a captação

de recursos para a execução de projetos voltados ao fortalecimento da sua organização social e da

sua cultura. O que parece ser resultante do fato de que a partir de 1990 as funções das organizações

indígenas foram direcionadas à capacitação técnica, para a operação de projetos e de planos de

transformação e desenvolvimento, conforme afirmação de Gonçalves (2004). Diante deste

histórico, foi necessário que os Kaxinawa fizessem avaliações próprias, definições de estratégias,

projetos e escolhas, como destacado pelo presidente da OPIAC, Itsairu.

No âmbito das teorias de desenvolvimento, Sachs (2008) afirma que o desenvolvimento

deve habilitar o ser humano a manifestar potencialidades, talentos e imaginação, na procura da

felicidade, “mediante empreendimentos individuais e coletivos, numa combinação de trabalho

133

autônomo e heterônomo e de tempo dedicado a atividades não produtivas” (SACHS, 2008, p.35).

Esta definição de desenvolvimento parece, de acordo com os informantes, fundamentar a

concepção e expectativa de desenvolvimento Kaxinawa uma vez que há centralidade na

importância dos momentos de celebração coletiva e ainda há a procura de apoio para a realização

de novas construções e diferentes capacitações e formações, que possibilitem a concretização dos

ideais de fortalecimento das práticas culturais presentes na etnologia Kaxinawa.

É interessante perceber que através do resgate de sua autonomia e cientes dos seus direitos

enquanto cidadãos brasileiros, as lideranças Kaxinawa passam a reivindicar do poder publico

acesso a saúde, a infraestrutura, alimentação, educação e recursos para fortalecer sua organização

social e identidade cultural. E a Constituição de 1988 propiciou que esse movimento reivindicatório

se fortalecesse entre os povos indígenas, o que por sua vez parece acelerar o processo de hibridação

da cultura índia e não índia principalmente nesse momento de grande abertura e interesse do mundo

pelo modus vivendis dos povos da Amazônia.

Apesar de fazerem parte da realidade geopolítica da Amazônia, a observação de campo

aponta para a não problematização destas questões na comunidade Kaxinawa, sobretudo, no que

diz respeito aos membros que permanecem nas aldeias sem ir para as grandes cidades. Apesar

disso, representantes Kaxinawa que já viajaram pelo Brasil e que são formados como agentes

agroflorestais também disseram nunca ter ouvido falar na Amazônia. Entretanto, não se pode

generalizar esta questão, mas é curioso que Bane e Siã, entrevistados que viajam com frequência

para fora do Brasil, não tenham mencionado a Amazônia em suas entrevistas, o que não significa

necessariamente o seu desconhecimento. A presença de discussões voltas à Amazônia entre os

Kaxinawa merece ser melhor investigada em pesquisas futuras

No que tange a sustentabilidade do desenvolvimento, o economista Ignacy Sachs (2004)

destaca cinco pilares: social; ambiental; territorial; econômico e; político, em que o

desenvolvimento deve obedecer ao imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e

futuras. Os pilares destacados pelo autor foram encontrados na concepção e expectativa de

desenvolvimento Kaxinawa do Jordão, uma vez que procuram melhorias a partir das ações das

categorias sociais voltadas a educação, manejo ambiental, obtenção de saúde tanto a partir do

trabalho dos pajés quanto dos agentes de saúde e do trabalho das mestras-artesãs. Estas passam não

só a contribuir com a perpetuação dos conhecimentos da produção de artefatos e desenhos, kenes,

como também se tornam importantes ao desenvolvimento da economia local, assim como o

aprimoramento da agricultura.

Além dessas ações também se destacam as relacionadas aos agentes culturais, que são

responsáveis em incentivar a documentação das memórias e a assegurar a prática dos ritos

134

Kaxinawa, os seguranças territoriais que promovem a fiscalização da TI, como pode ser observado

através retirada de um pesquisador por suspeita de biopirataria, além da preocupação com o

crescimento populacional e suas repercussões territoriais, uma vez que vivem em território

delimitado. Outra preocupação constante na fala das lideranças relaciona-se a necessidade de

potencializar os meios de fomento das práticas e de proteção da memória e cultura Kaxinawa, para

que possam ser vivenciadas pelas gerações atuais e futuras.

Os ideais do Desenvolvimento Endógeno, que enfatizam o valor da cultura local enquanto

fundamento e finalidade essencial ao desenvolvimento, também são perceptíveis nos dados

levantados pela pesquisa. Para Pham Nhu Hô (1988) estes ideais partem de uma perspectiva

centrada no homem e na valorização da cultura, com foco no local, em que considera o local não

como objeto isolado, e sim como espaço-tempo em constante relação com o global.

Neste sentido, é perceptível o sentimento Kaxinawa de pertencimento à floresta, em que sua

relação com esta, nos níveis visíveis e invisíveis é uma extensão de sua cultura. A ideia de cultura

enquanto algo original, que deverá permanecer intocado, ou seja, fechado, parece não atender às

demandas contemporâneas, em que cada vez mais os Kaxinawa procuram contatar 'o mundo

civilizado', como mencionado diversas vezes no discurso do cacique Siã. E esse contato tem sido

uma constante, seja para garantir seus direitos, conseguir apoio para o desenvolvimento

socioambiental das comunidades, como o alcançado pelo projeto PDPI, para visitar amigos, para

participar de eventos e possibilitar a entrada de visitantes em suas terras.

Se no século XX, historiadores e antropólogos acreditavam que o contato entre índios e não

índios era um poderoso instrumento de aculturação e assimilação plena (Sahlins, 1997), o

antropólogo Darcy Ribeiro já havia percebido que “o impacto da civilização sobre as populações

tribais dá lugar a transfigurações étnicas e não a assimilação plena” (Ribeiro, 1977, p.8).

De acordo com Hô (1988), a identidade cultural assume a função de permitir que a dinâmica

de contato entre o local e o global aconteça, sem que as transformações ocorridas sejam sinônimas

de alienação e/ou perda da configuração local. Na pesquisa, pode-se observar que a busca de

contato com a alteridade parece propiciar um processo de hibridação das culturas do mundo

ocidental e do mundo ameríndio. Isto fica claro através das expectativas de obtenção da internet,

celulares, meios de comunicação, máquinas filmadoras e bens imperecíveis como as miçangas. De

acordo com Lagrou (2007) a própria cosmologia Kaxinawa apresenta a presença do fascínio pela

alteridade e por bens imperecíveis, em que o mundo Kaxinawa é caracterizado pela possibilidade

de transformação dos seres em outros seres. A alteridade possui, neste sentido, importante

centralidade na constituição do eu Kaxinawa.

É interessante perceber que, como Carneiro da Cunha (1998) revela, na década de 1990

135

houve um crescimento do xamanismo nas cidades, através de grupos urbanos do tipo “nova era”, e

assim, este movimento começou também a se propagar para dentro da realidade de grupos

indígenas. Entre os Kaxinawa, concomitantemente às viagens e contatos com outros grupos

indígenas e com não índios, em que, durante o século XXI, é comum encontrar nas grandes cidades

brasileiras, como o Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, representantes de diferentes etnias do Acre

que promovem rituais de 'cura da floresta', esta passou despertar o crescente interesse dos não

indígenas.

O interesse crescente por esta cura tem proporcionado, em sua grande maioria, o primeiro

contato entre uma nova geração indígena com as cidades e estilos de vida não indígenas. Neste

movimento, a “medicina da floresta”, sobretudo, o uso ritual da ayahuasca tem possibilitado cada

vez mais a ida dos Kaxinawa às grandes capitais mundiais tais como Paris e Londres. Os

desdobramentos desta nova valorização adquirem repercussões internas, principalmente às novas

gerações das aldeias indígenas, e externas, a partir da produção de novos significados que embasam

uma possível reconfiguração da representação social desses, e que aparecem nos dados da pesquisa.

Neste sentido, o contato Kaxinawa com a cultura ocidental, não deve ser entendido como

um processo de perda da identidade, ou de constituição de uma nova identidade. Entretanto,

conforme Hall (2006) enfatiza, a formação de identidades pressupõe uma transformação contínua

de acordo com os percursos históricos e também é formada a partir do significado e representação

atribuída pelos sistemas culturais do entorno daquele que se identifica. No que tange ao atual

período histórico, o autor destaca a presença de uma mudança estrutural capaz de produzir

processos de deslocamento das identidades a partir da permeabilidade das fronteiras, resultante da

realidade global e da fragmentação das paisagens culturais que antes forneciam uma localização

precisa dos indivíduos sociais, tais como a noção de etnia e nacionalidade.

Como afirmado por Gonçalves (2010) a partir de 1990 a ideia de preservação cultural foi

iniciada de forma que “tradição” e “cultura” se tornaram objeto de reflexão para uma nova

possibilidade de relação com os brancos, o que possibilitou uma nova perspectiva do significado de

ser índio, assim como da própria relação e contato com os brancos, capaz de gerar novas ambições.

Tendo em vista o exposto, realizado sob a ótica da psicossociologia, o presente estudo

propiciou a identificação de concepções e expectativas de desenvolvimento das lideranças do povo

Kaxinawá e trouxe algumas reflexões que nos apontam o quão central é a “cultura”, tendo em vista

as especificidades cosmológicas, na vida e organização social Kaxinawa e, assim, na concepção de

desenvolvimento de suas lideranças. Também propiciou identificar como os processos de hibridação

de culturas e tecnologias índias, tradicionais, e não índias têm propiciado iniciativas de recuperação

e preservação da cultura Kaxinawá como forma de garantir a sua perpetuação através das gerações

136

futuras.

137

Considerações Finais

A presente pesquisa de dissertação de mestrado teve como objetivo analisar as concepções e

expectativas de desenvolvimento do povo indígena Kaxinawa, a partir das lideranças da TI situada

no rio Jordão. No entanto, os resultados da pesquisa não podem ser generalizados para toda a etnia,

uma vez que o tempo de primeiro contato com os não índios criou a dispersão territorial da etnia, e

assim, criou caminhos diferentes entre esta. Apesar de formarem uma única etnia, os Kaxinawa

sofreram a invasão de seu território no início do século XX e assim, alguns grupos familiares

conseguiram fugir do massacre instaurado e outros permaneceram em seu território de origem e

tiveram que servir de mão de obra ao mercado da seringa. As especificidades geradas pela história

dos Kaxinawa que incorporaram a mão de obra nos seringais, e daqueles que fugiram para o Peru,

deve ser considerada no entendimento de suas relações atuais com os não índios. O que certamente

também influencia a maneira com estão organizados, suas reivindicações sociais e suas concepções

e expectativas de desenvolvimento.

Neste sentido, o primeiro capítulo da dissertação fez um apanhado sócio-histórico do

contexto nacional que levou à invasão das terras Kaxinawa, bem como dos ideias nacionais de

desenvolvimento da época e as repercussões à vida social Kaxinawa. Para tanto, foi necessário o

próprio olhar étnico que divide sua história em diferentes tempos, que marcam suas relações com os

não índios: “tempo da maloca”, “tempo das correrias”, “tempo do cativeiro”, “tempo dos direitos” e

“Xinã Bena, o Novo Tempo”. Assim, é através da contextualização das relações socio-político-

ambientais que se pode compreender os processos em que a relação com o “mundo ocidental” foi

construída, bem como as hibridações que possibilitaram as transformações ocorridas e os novos

rumos da história Kaxinawa.

Neste sentido, o tempo atual, Xinã Bena, foi compreendido como resultante destes

processos, principalmente os relacionados ao “tempo dos direitos”, que inaugurou o marco legal do

reconhecimento dos direitos indígenas bem como a valorização da diversidade étnica. É importante

perceber que esta transformação à nível legal está acompanhada pelo fomento dos movimentos de

direitos humanos internacionais e pela redemocratização do Brasil, que viva sob a ditadura militar.

Além disto, ela acompanha as transformações mundiais em nível da problematização dos eixos de

desenvolvimento que serviam como diretrizes às ações nacionais e internacionais, bem como à crise

socioambiental que se tornou cada vez mais evidente e propagou os movimentos ambientalistas.

A fim de proporcionar um melhor aprofundamento nestas questões, a presente dissertação

realizou no capítulo 2 uma leitura da entrada do estudo do desenvolvimento no campo da

psicossociologia e apresentou os princípios das teorias de desenvolvimento críticas àquelas

baseadas exclusivamente no crescimento econômico. Assim, a leitura disponibilizada pelos eixos

138

centrais às teorias do Desenvolvimento Sustentável do economista Ignacy Sachs, pelo

Desenvolvimento Endógeno de Pahm Nhu Hô e sobre Desenvolvimento Humano Durável, por

Maria Inácia D´Ávila e Tania Maciel, marcam o início de um processo teórico que leva a

compreensão de que o desenvolvimento é um processo voltado, necessariamente, à qualidade da

vida humana e, neste sentido, destaca a importância da cultura local e da relação homem-natureza,

em que o ambiente é um dado cultural.

Como forma de contextualizar o surgimento das novas teorias, o capítulo apresentou

algumas reflexões de importantes teóricos que problematizaram o campo do saber do

desenvolvimento humano. Através das contribuições de Moscovici (2007) pode-se perceber a

centralidade da questão ambiental para a contemporaneidade e o processo de desencantamento do

mundo vivido pela humanidade, a partir da tecnificação e especialização da ciência em campos

fragmentados do saber, o que possibilitou a desqualificação do “saber fazer” humano e de seus

conhecimentos adquiridos através de anos na relação homem-natureza.

Àquilo que Boa Ventura Santos (2010) chamou de razão indolente ao afirmar que a

experiência em todo o mundo é muito mais ampla e variada do que a tradição cientifica ou

filosófica ocidental reconhece. Segundo as reflexões Pós-Colonialistas do autor, há uma riqueza

social sendo desperdiçada e é desse desperdício que se nutrem as ideias que proclamam a falta de

alternativas para os problemas que se impõem à sociedade. O autor propôs a realização de uma

sociologia das ausências que, move-se no campo das experiências sociais e visa demonstrar o que

não existe, sendo ativamente produzido como não existente. Não existir, nesse caso, não é só uma

questão objetiva. Há coisas que existem materialmente, mas são dadas como inexistentes, por serem

consideradas residuais, minoritárias ou apenas não contemporâneas, embora sejam simultâneas.

A partir das questões levantadas, foi necessário elaborar uma compreensão do contexto atual

de globalizações, processos de deslocamento e fragmentação das identidades, como proposto pelos

Estudos Culturais trazidos pelas contribuições de Hall (2006) e Canclini (2008). A relação

Kaxinawa com o mundo ocidental contemporâneo aparece, a partir dos dados da pesquisa, marcada

não mais pelo massacre de outrora, e sim pela possibilidade de escolher novas formas de contato, de

maneira à não mais enfraquecê-los e sim potencializá-los, o que, no entanto, não significa o

desaparecimento de forças e relações de poder.

No que tange a relação com a alteridade, foi interessante perceber que a cosmologia

Kaxinawa apresentada por Lagrou (2007), bem como as reflexões de Overing (1991) e Viveiros de

Castro (1996) sobre os ameríndios, apontam para o fascínio Kaxinawa pelo 'outro' e pela

capacidade de transformação. No pensamento Kaxinawa, a política de poder diz respeito ao poder

da transformação, capacidades atribuídas também às agencias espirituais, yuxin e yuxibu, que estão

139

sempre à procura de obter uma forma, transformando-se em algo diferente. O poder da

transformação configura uma relação de predação, em que há uma relação de possíveis mudanças

de perspectiva, em que uma agencia potencialmente predadora pode se transformar na presa.

A partir da compreensão dos elementos e especificidades da cosmologia Kaxinawa foi

possível compreender os processos de hibridação presentes em Xinã Bena a partir de uma teoria não

ingênua da hibridação, como alertado por Canclini (2008). Uma vez que existem especificidades

culturais e cosmológicas Kaxinawa que permanecem vivas, mesmo após as décadas de massacre,

como os dados da pesquisa de campo revelam a partir da própria ótica das lideranças, e que são

centrais as ações voltadas à concretização das concepções e expectativas de desenvolvimento do

grupo. Neste sentido, diante das complexidades geopolíticas e socioambientais da Amazônia, foi

relevante refletir sobre a existência de um processo de transformação das identidades Kaxinawa, o

que não significa uma perda e sim, a sinalização de sua participação ativa na história. Uma vez que

a constituição de identidades é dialética, ela é histórica (HALL, 2006).

Tendo em vista o exposto, pode-se perceber que em Xinã Bena existem dinâmicas

específicas voltadas à formação de concepções e expectativas Kaxinawa ao desenvolvimento de

suas comunidades, que devem ser entendidas a partir da possibilidade de transformações oferecidas

pelas novas relações com os não índios que são, agora, possíveis aos Kaxinawá estabelecerem. Pela

primeira vez em sua história, eles encontram a oportunidade de contar para o mundo um pouco do

que descobriram na sua relação com a floresta amazônica, como uma espécie de reencantamento do

mundo sugerido por Moscovici (2007). Em Xinã Bena há um interesse mundial crescente em

descortinar este conhecimento. Para os Kaxinawa o desafio é revelar sem, contudo, desproteger os

conhecimentos que ficaram na memória e que hoje podem voltar a serem manifestados no cotidiano

das aldeias, em suas festas, no seu território.

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ANEXOS

ANEXO A

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA EICOS

ROTEIRO ENTREVISTA

Eixo temático 1:

Identidade Cultural Perguntas

Objetivo:

Identificar os possíveis

aspectos culturais que

caracterizam a identidade

Kaxinawá.

Para você o que é ser um Kaxinawa?

Há distinção entre o povo Kaxinawá do rio Jordão, dos Kaxinawá de outros

rios outros?

E semelhanças?

E dos outros povos indígenas do Acre?

E dos não indígenas?

Vocês se consideram “guardiões da floresta”? Por que?

Eixo temático 2:

Desenvolvimento/

Qualidade de Vida

Perguntas

Objetivo:

Identificar a concepção

de desenvolvimento.

Identificar o

desenvolvimento

desejável local.

Identificar estratégias

para o alcance do

desenvolvimento.

Identificar quais os temas

que fazem parte do

Se Yuxibu aparecesse aqui, o que você pediria para o seu povo?

O que vocês desejam alcançar/atingir?

O que falta para conseguirem?

O que é desenvolvimento, para seu povo?

O que vocês estão fazendo para conseguir?

Como você espera que a aldeia esteja daqui a 10 anos?

Você tem vontade de morar em outro lugar?

O que a vida na floresta tem que na cidade não tem?

processo de

desenvolvimento da

comunidade (cultura,

participação social,

saúde, preservação do

meio ambiente e

agricultura).

O que a cidade tem que na floresta não tem?

Para você, o que a vida na floresta traz de bom? E de ruim?

E a vida nas cidades?

Tem alguma coisa que você gostaria que acontecesse na sua vida que ainda

não aconteceu?

Você está satisfeito com a vida na sua aldeia?

O que poderia acontecer para melhorar?

Eixo temático 3:

Centro de Memória Perguntas

Objetivo:

Conhecer a história de

idealização do Centro de

Memória.

Conhecer seu objetivo e

estudar a estrutura de

funcionamento.

Identificar as linhas de

ação do CM em nível

local.

O que é o CM?

Qual a importância do CM para o povo Kaxinawá?

O CM foi construído para ser usado por quem?

Há diferença entre o CM e a escola Kaxinawá?

Como ele vem funcionando? Quais são suas atividades?

Como você imagina que estará daqui há 5 anos?

O que precisa para conseguir tais avanços?

Como e quando surgiu a vontade/ideia de se criar um Centro de Memória?

Alguma organização ajudou ou está ajudando o povo Kaxinawá a

concretizar a criação do CM?

Quem é responsável por sua manutenção? Como é mantido?

Eixo temático 4

Governança Local Perguntas

Objetivo:

Entender a organização da

comunidade no processo

de tomada de decisão.

Conhecer a articulação

com outros povos, poder

público, ONGs e

organizações

internacionais.

Compreender como a

identidade cultural

Kaxinawá está sendo

Como são tomadas as decisões da comunidade? Quem participa?

Que assuntos são mais discutidos?

Quem representa o grupo aqui?

Você é um representante do seu povo? Qual?

O que você faz para ajudar seu povo?

Você já fez alguma viagem nacional/internacional?

O que você gostaria de contar?

Com que apoio vocês contam?

apropriada na articulação

com tais organizações.

Como a FUNAI e outros órgãos têm colaborado?

Eles pedem algo em troca?

Você acha que este interesse tem sido bom ou ruim para seu povo?

Porque?

Está achando cansativo?

Dados Entrevistado para compor perfil sócio-demográfico

Nome Entrevistado:

Rio onde Mora:

Aldeia:

Município:

Telefone para contato:

E-mail:

Local e data de nascimento:

Sexo:

Atividade na aldeia:

Atividade fora da aldeia:

Tempo de trabalho na instituição:

Grau de escolaridade:

Obtenção de informações complementares:

Fonte Onde encontro informação?

Observação participante.

Sites de organizações

indigenistas.

Livros indigenistas.

Depoimentos e entrevistas.

Casos que ilustrem concepções e expectativas de

desenvolvimento dos atores sociais Kaxinawá.

Casos ilustrando o processo sócio histórico no rio Jordão.

Casos ilustrando

Projetos de desenvolvimento e ações de cultura indígena

Kaxinawá.

Casos ilustrando o contato das lideranças Kaxinawá com o

poder público e atores nacionais e internacionais.

ANEXO B

Consentimento Informado

Meu nome é Deborah Castor, sou do Rio de Janeiro e estudo no programa de mestrado em

Estudos Interdisciplinares em Comunidades e Ecologia Social, do Instituto de Psicologia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Desta forma, sou pesquisadora e gostaria de realizar

um estudo sobre o Centro de Memória da Aldeia São Joaquim, e os projetos de desenvolvimento e

cultura indígena dos Kaxinawá do rio Jordão.

Para realizar a pesquisa, gostaria de fazer entrevistas, observações e registrar com fotos e

vídeo as conversas e atividades Kaxiawa, que puderem enriquecer o estudo. O material adquirido

será compartilhado com professores e os alunos universitários e, poderá estar sem o nome ou outra

identificação, se assim vocês preferirem. Gostaria de gravar a entrevista para que depois eu possa

escutar, transcrever e passar para o papel, assim não perderei o contexto, manterei fiel tudo aquilo

que vocês disserem.

Através de anotações não é possível registrar tudo que vocês falam, assim, preciso da sua

permissão para utilizar o gravador. Seguirei as preferencias do entrevistado, se for necessário posso

desligar o gravador, é só avisar.

As entrevistas serão na verdade uma conversa, não existe respostas certas nem erradas. O

que eu gostaria de saber é um pouco mais sobre o que vocês, lideranças Kaxinawa pensam sobre o

desenvolvimento, quais suas ideias, concepções e expectativas. Além disso, gostaria de entender a

estrutura de funcionamento do Centro de Memória e quais parcerias vocês tem se articulado.

Sei que talvez não dê para conhecer toda a complexidade das questões que envolvem o

desenvolvimento Kaxinawa no rio Jordão, bem como o funcionamento da aldeia Centro de

Memória São Joaquim, em pouco tempo. Assim, podemos começar com você me contando um

pouco da história de como surgiu a vontade de criação deste centro e depois ir falando um pouco

mais sobre o funcionamento, as mudanças ocorridas nos últimos anos, e as expectativas para o

futuro. No final, vou ver se tem alguma coisa que gostaria que falassem mais, vocês ficam a

vontade para só falar o que quiserem se não quiserem responder é só dizer que quer passar adiante.

Vocês também podem parar e terminar a conversa quando sentirem esta necessidade, a

vontade de vocês será sempre respeitada. Nossa conversa deve durar 45 minutos e pode ser feita no

próprio Centro de Memória, na ASKARJ ou qualquer outro local que for mais conveniente. Não há

riscos, uma vez que a vontade de vocês será sempre respeitada e posteriormente o material poderá

ser disponibilizado para a aldeia, se assim for o interesse.

Há o possível benefício gerado pela oportunidade de pensar e falar sobre sua realidade, pois

em geral conversar sobre nossa vida nos faz bem, nos ajuda refletir sobre algumas coisas que até

então não havíamos pensado. Este material também poderá colaborar com o registro da memória

Kaxinawá, podendo ser utilizado como consulta dos pesquisadores indígenas.

Desta forma, peço a autorização da ASKARJ, como representante dos moradores indígenas

do rio Jordão, para a realização desta pesquisa. Em caso de dúvida, ou qualquer esclarecimento

estou disponível no telefone 21. 7628-5153 e pelo e-mail: [email protected]

Jordão, ___de _________ de 2011.

Deborah Cristina Cavalcanti Castor

Autorizo a realização da atividade anteriormente descrita.

_______________________________

José Osair Sales Kaxinawá

Lista de Entrevistados:

Nomes e CPF