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XVI Mostra de Poesia - João Cabral de Melo Neto 2012

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A poesia é uma dos mais ricos recursos que podem e devem ser utilizados pedagogicamente, com o objetivo de alcançar um maior domínio da linguagem oral e escrita.

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XVI

MOSTRA

DE

POESIA

MANAUS - 2012

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DIREÇÃO GERAL: MANOEL SERQUEIRA

DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª VERALÚCIA SERQUEIRA (SEDE)

DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª LORENA SERQUEIRA (UNIDADE I)

PROJETO MOSTRA DE POESIA 2012

COORDENAÇÃO DO PROJETO: PROFª MARIA OLIVEIRA DE ABREU

ARTE GRÁFICA: FELIPE THIAGO

JANEIRO 2012

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Projeto MOSTRA DE POESIA - 2012

joão cabral de melo neto:

poesia com gosto de realidade

‘‘ A poesia de João Cabral de Melo Neto é aquela joia, é o máximo que se consegue

de beleza com o mínimo de material. Não há um palavra vadia, ou que não tenha

sido convidada”

(Otto Lara Resende)

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Poesia na Sala de Aula

A leitura é fundamental para o desenvolvimento intelectual e para a construção do conhecimento, pois ela modifica, transforma, amplia a visão de mundo, proporciona a descoberta da realidade, das idéias, das palavras, levando o leitor até a sua plenitude humana. Levar a leitura ao encontro do aluno e vice-versa é um compromisso de todos os envolvidos e comprometidos com a educação. Sendo assim, a escola e o professor e a professora exercem papel fundamental na mediação para a construção desse conhecimento. E a Poesia é extremamente significativa para a reflexão e para a descoberta do interior de cada um, possibilitando, assim, a aprendizagem e o prazer pela leitura e pela literatura. Acredito que através do texto poético é possível ensinar e aprender, abrindo portas nos corações e deixando fluir toda a sensibilidade existente na essência de cada ser. E, quem sabe, assim, seja viável a construção de um mundo diferente, mais humano. E o mediador do encontro do aluno com a Poesia é você, educador e educadora! Refletindo sobre nossa realidade escolar, retomo um dos mestres da literatura brasileira, Carlos Drummond de Andrade* que diz: "Sei que se consome poesia na sala de aula, que se decoram versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isto cultivar o núcleo poético da pessoa?" e cito, também, Gloria Kirinus*, que ao referir-se ao trabalho com textos poéticos na escola, afirma que "a poesia na escola moderna sofre o descaso de parte de pais e professores. São contadas as escolas que reservam um horário especial para poesia na sala de aula. E que contam com professores motivados e preparados para esta re-iniciação. Da mesma forma, os textos escolares, quando apresentam poemas, o fazem com o propósito de verificar a compreensão do aluno, quando não para inculcar valores morais ou patrióticos. A ideia de sentir, com Freinet, a poesia como sendo um canal "para continuar na escuta misteriosa da vida" não faz sentido para a escola que subestima o lado intuitivo do aluno. Concluo, citando outra vez Drummond e fazendo minhas estas suas palavras: "Amar a poesia é forma de praticá-la, recriando-a. O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética."

Jussara C Godinho

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A metalinguagem THAÍS NICOLETI DE CAMARGO

Metalinguagem é a propriedade que tem a língua de voltar-se para si mesma, é a forma de expressão dos dicionários e das gramáticas. O significado do termo, entretanto, ampliou-se e hoje o encontramos associado aos vários tipos de linguagem. Uma música cujo tema seja o próprio fazer musical terá empregado esse recurso. Quem não se lembra do conhecido "Samba de uma Nota Só", de Newton Mendonça, imortalizado na voz de João Gilberto? Diz ele: "Eis aqui este sambinha/ feito numa nota só/ outras notas vão entrar/ mas a base é uma só", trecho entoado em uma nota só. No cinema moderno, a prática também é razoavelmente comum. Quem assistiu à produção de Woody Allen "A Rosa Púrpura do Cairo" tem aí um bom exemplo de uso de metalinguagem. O título reproduz o título do filme visto repetidas vezes pela personagem, uma jovem que, encantada com a trama do arqueólogo que busca a rosa púrpura do Cairo, vai ao cinema diariamente para assistir ao mesmo filme. Até que o personagem da tela a vê e a convida para entrar em seu mundo de fantasia. Os dois mundos - o da ficção e o da realidade - mesclam-se, interpenetram-se, e o saldo dessa "confusão" é, paradoxalmente, o distanciamento, que evita que o espectador os confunda. A arte moderna procura despertar a consciência de que ela é obra antes da inteligência que da inspiração das musas. Machado de Assis faz uso constantemente desse recurso, interpelando o leitor (ou a leitora) e tornando descontínua a leitura. Essa descontinuidade nos impede de misturar realidade com ficção. No caso machadiano, as digressões também produzem esse efeito. Se o leitor do romantismo vivenciava o drama das personagens a ponto de terminar a leitura dos romances aos prantos, verdade é que o de Machado é levado a distanciar-se da narrativa e a compreender, assim, seu sentido simbólico. Machado, também no uso arrojado dos recursos de expressão, foi um predecessor do modernismo. O discurso metalinguístico tem sido largamente usado nos quadrinhos e na publicidade em busca ora de uma organização lúdica do pensamento ora de um trocadilho bem-humorado, capaz de capturar a atenção de um eventual consumidor. De emprego constante na literatura, é difícil encontrar entre os escritores modernos (Rubem Braga, Carlos Drummond, João Cabral, Manuel Bandeira) quem não tenha feito suas incursões no amplo terreno da metalinguagem. Até porque a linguagem converteu-se em tema de debate no modernismo e depois dele.

Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura

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A metapoesia em joão cabral de melo neto Eu penso o poema da face sonhada, metade de flor metade apagada. O poema inquieta o papel e a sala. Ante a face sonhada o vazio se cala.

A intimidade ou a convivência do poeta com sua poesia é sempre artesanal, de construção obsessiva com as palavras e as idéias, palavras de uma concretude absoluta. Parece pintar

em vez de escrever.

O POETA No telefone do poeta desceram vozes sem cabeça desceu um susto desceu o medo da morte de neve.

O telefone com asas e o poeta pensando que fosse o avião que levaria de sua noite furiosa aquelas máquinas em fuga. Ora, na sala do poeta o relógio marcava horas que ninguém vivera. O telefone nem mulher nem sobrado, ao telefone o pássaro-trovão. Nuvens porém brancas de pássaros acenderam a noite do poeta e nos olhos, vistos de fora, do poeta vão nascer duas flores secas.

Saio de meu poema como quem lava as mãos.

Algumas conchas tornaram-se, que o sol da atenção

cristalizou; alguma palavra que desabrochei, como a um pássaro.

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Biografia

João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de

Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata brasileiro.

Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a

poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com

poemas avessos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou

uma nova forma de fazer poesia no Brasil.

Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia

Brasileira de Letras, foi agraciado com vários prêmios literários.

Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte

candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.

Na poesia de Cabral percebe-se que causa algum estranhamento a quem espera uma poesia

emotiva, posto que seu trabalho é basicamente cerebral, buscando uma poesia construtivista ,

comunicativa e objetiva.

Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso,

esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral,

deserto, asséptico, vazio, fome. Coisas sólidas e sensações táteis: uma poesia do concreto.

João Cabral de Melo Neto, foi homenageado, em 2007, pelo escritor e poeta baiano Goulart

Gomes, com a a belíssima música "Cabralina", vencedora no Festival de Músicas do SESI - Bahia

Estranhamente, João Cabral escreveu um poema sobre a Aspirina, que tomava regularmente, chamando-a de "Sol", de "Luz"… De fato, desde sua juventude João Cabral tomava de três a dez aspirinas por dia.

Na verdade sofria de uma terrível enxaqueca!

Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis,

o sol de um comprimido de aspirina:

de emprego fácil, portátil e barato,

compacto de sol na lápide sucinta.

Principalmente porque, sol artificial,

que nada limita a funcionar de dia,

que a noite não expulsa, cada noite,

sol imune às leis de meteorologia,

a toda a hora em que se necessita dele

levanta e vem (sempre num claro dia):

acende, para secar a aniagem da alma,

quará-la, em linhos de um meio-dia...

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João Cabral de Melo Neto não compareceu a nenhuma reunião da Academia Pernambucana de Letras como acadêmico, nem mesmo na sua posse.

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto de 1968, e somente

empossado em 6 de maio de 1969.

Obra

Pedra do Sono (1942) Os Três Mal-Amados (1943) O Engenheiro (1945) Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947) O Cão sem Plumas (1950) O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife

(1954) Dois Parlamentos (1960) Quaderna (1960) A Educação pela Pedra (1966) Morte e Vida Severina (1966) Museu de Tudo (1975) A Escola das Facas (1980) Auto do Frade (1984) Agrestes (1985) Crime na Calle Relator (1987) Primeiros Poemas (1990) Sevilha Andando (1990)

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Apresentação de poemas de joão cabral de melo neto

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LUTO NO SERTÃO

Pelo sertão não se tem como não se viver sempre enlutado; lá o luto não é de vestir, é de nascer com luto nato. Sobe de dentro, tinge a pele de um fosco fulo: é quase raça; luto levado toda a vida e que a vida empoeira e desgasta. E mesmo o urubu que ali exerce, negro tão puro noutras praças, quando no sertão usa a batina negra-fouveiro, pardavasca.

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Um galo tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

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Produção de texto

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A MULHER E A CASA

Tua sedução é menos de mulher do que de casa;

pois vem de como é por dentro ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui tua plácida elegância, esse teu reboco claro,

riso franco de varandas,

uma casa não é nunca só para ser contemplada;

melhor: somente por dentro é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro, ou será, quando se abra; pelo que pode ser dentro

de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram com seus vazios, com o nada;

pelos espaços de dentro, não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro: seus recintos, suas áreas,

organizando-se dentro em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem estâncias aconchegadas, paredes bem revestidas

ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem efeito igual ao que causas:

a vontade de corrê-la por dentro, de visitá-la.

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Produção de texto

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QUESTÃO DE PONTUAÇÃO

Todo mundo aceita que ao homem

cabe pontuar a própria vida:

que viva em ponto de exclamação

(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação

(foi filosofia, ora é poesia);

viva equilibrando-se entre vírgulas

e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem

que use a só pontuação fatal:

que use, na frase que ele vive

o inevitável ponto final.

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Produção de texto

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Janelas

Há um homem sonhando

numa praia; um outro

que nunca sabe as datas;

há um homem fugindo

de uma árvore; outro que perdeu

seu barco ou seu chapéu;

há um homem que é soldado;

outro que faz de avião;

outro que vai esquecendo

sua hora seu mistério

seu medo da palavra véu;

e em forma de navio

há ainda um que adormeceu.

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Produção de texto

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A MULHER SENTADA

Mulher. Mulher e pombos.

Mulher entre sonhos.

Nuvens nos seus olhos?

Nuvens sobre seus cabelos.

(A visita espera na sala;

a notícia, no telefone;

a morte cresce na hora;

a primavera, além da janela).

Mulher sentada. Tranqüila

na sala, como se voasse.

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Produção de texto

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PEQUENA ODE MINERAL

Desordem na alma que se atropela sob esta carne

que transparece.

Desordem na alma que de ti foge, vaga fumaça

que se dispersa,

informe nuvem que de ti cresce

e cuja face nem reconheces.

Tua alma foge como cabelos,

cunhas, humores, palavras ditas

que não se sabe onde se perdem

e impregnam a terra com sua morte.

Tua alma escapa como este corpo solto no tempo

que nada impede.

Procura a ordem que vês na pedra:

nada se gasta mas permanece.

Essa presença

que reconheces não se devora

tudo em que cresce.

Nem mesmo cresce pois permanece fora do tempo

que não a mede,

pesado sólido que ao fluido vence, que sempre ao fundo

das coisas desce.

Procura a ordem desse silêncio

que imóvel fala: silêncio puro.

De pura espécie, voz de silêncio,

mais do que a ausência que as vozes ferem.

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Produção de texto

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FORMAS DO NU (I)

A aranha passa a vida tecendo cortinados com o fio que fia do seu cuspe privado. Jamais para velar-se: e por isso são ralos. Para enredar os outros é que usa enredados. Ela sabe evitar que a enrede seu trabalho, mesmo se, dela mesma, o trama autobiográfico.

E em muito menos tempo que tomou em tramá-lo, o véu que não a velou aí deixa, abandonado.

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Produção de texto

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O AMOR COMEU

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato

O amor comeu meus cartões de visita

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas,

minha dieta

O amor comeu todos os meu livros de poesia

O amor comeu meu Estado, minha cidade

O amor comeu minha paz, minha guerra, meu dia e minha

noite

Meu inverno, meu verão

Comeu meu silencio, minha dor de cabeça

O meu medo da morte

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Produção de texto

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Cartão de Natal

Pois que reinaugurando essa criança

pensam os homens

reinaugurar a sua vida

e começar novo caderno,

fresco como o pão do dia;

pois que nestes dias a aventura

parece em ponto de voo, e parece

que vão enfim poder

explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno

sua atração núbil para o dente;

que o entusiasmo conserve vivas

suas molas,

e possa enfim o ferro

comer a ferrugem

o sim comer o não.

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Produção de texto

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O OVO DE GALINHA

O ovo revela o acabamento

A toda mão que o acaricia,

Daquelas coisas torneadas

Num trabalho de toda a vida

E que se encontra também noutras

Que entretanto mão não fabrica:

Nos corais, nos seixos rolados

E em tantas coisas esculpidas

Cujas formas simples são obras

De mil inacabáveis lixas

Usadas por mãos escultoras

Escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo e apesar

Da pura forma concluída,

Não se situa no final:

Está no ponto de partida.

ESTUDO DO TEXTO

1) O poeta escolheu como motivo de seu poema um elemento do mundo físico. Que aspecto

desse elemento mais impressiona o eu lírico?

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2) Com que o poeta compara o ovo?

3) A palavra ACABAMENTO remete à ideia de objeto concluído. Copie do poema as metáforas

que o poeta criou para designar:

a) As forças responsáveis por esse acabamento

b) O agente dessas forças:

c) A contradição que o poeta identifica nesse acabamento:

d) Explique a contradição apontada pelo poeta:

4) IDENTIFIQUE O QUE FOR VERDADEIRO EM RELAÇÃO AO POEMA:

a. ( ) O poema é predominantemente dissertativo.

b. ( ) O poema apela sobretudo para o racionalismo do leitor, contrariamente aos poemas

românticos e simbolistas, que apelavam sobretudo para o sentimento.

c. ( ) O tom do poema é sentimental.

d. ( ) O poema concentra-se no essencial, sem se prender a detalhes.

e. ( ) Ao descrever o objeto, o poeta privilegia as sensações visuais e tácteis, o que revela

objetividade.

f. ( ) O mundo físico é um desafio que o poeta procura decifrar.

g. ( ) No poema predominam imagens abstratas.

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PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO

VI Não a forma encontrada Como uma concha, perdida Nos frouxos areais Como cabelos; Não a forma obtida Em lance santo ou raro, Tiro nas lebres de vidro Do invisível; Mas a forma atingida Como a ponta do novelo Que a atenção, lenta, Desenrola, Aranha; como o mais extremo Desse fio frágil, que se rompe Ao peso,sempre, das mãos Enormes.

1) Neste texto o eu lírico faz uma reflexão sobre a composição de um poema. Nas duas

primeiras estrofes, que tipo de composição ele recusa?

2) Nas duas últimas estrofes, ele expressa sua concepção de composição poética. Qual é

essa concepção?

3) Explique a imagem que ele usa para expressar sua ideia.

4) Que função da linguagem predomina nesse texto? Justifique.

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PAISAGEM DO CAPIBARIBE

Entre a paisagem

O rio fluía

Como uma espada de líquido espesso.

Como um cão

Humilde e espesso.

Entre a paisagem

(fluía)

De homens plantados na lama;

De casas de lama

Plantadas em ilhas

Coaguladas na lama;

Paisagem de anfíbios

De lama e lama.

Como o rio

Aqueles homens

São como cães sem plumas

(um cão sem plumas

É mais que um cão saqueado;

É mais que um cão assassinado.

Um cão sem plumas

É quando uma árvore sem voz.

É quando de um pássaro

Suas raízes no ar.

É quando a alguma coisa

Roem tão fundo

Até o que não tem).

O rio sabia

Daqueles homens sem plumas.

Sabia

De suas barbas expostas,

de seu doloroso cabelo

de camarão e estopa.

Ele sabia também

Dos grandes galpões da beira dos cais

(onde tudo

É uma imensa porta

Sem portas)

Escancarados

Aos horizontes que cheiram a gasolina.

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E sabia

Da magra cidade de rolha,

Onde homens ossudos,

Onde pontes, sobrados ossudos

(vão todos

Vestidos de brim)

Secam

Até sua mais funda caliça.

(caliça: pó ou fragmentos de argamassa ressequida, que sobram de uma construção ou resultam

da demolição de obra de alvenaria).

1) Apesar de o poema “Paisagens do Capibaribe” apresentar versos brancos e livres, o que

sugere o seu ritmo?

2) A figura predominante no texto é a comparação. A que o rio é comparado?

3) A que os homens são comparados?

4) O rio, no texto, apresenta consciência. Como se chama essa figura de linguagem?

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O LUTO NO SERTÃO

Pelo Sertão não se tem como

Não se viver sempre enlutado;

Lá o luto não é de vestir,

Sobe de dentro, tinge a pele

De um fosco fulo: é quase raça;

Luto levado toda a vida

E que a vida empoeira e desgasta.

E mesmo o urubu que ali exerce,

Negro tão puro noutras praças,

Quando no Sertão, usa a batina

Negra-fouveiro, pardavasca.

1) As rimas toantes são aquelas em que só as vogais rimam. Existem rimas toantes no texto?

Justifique

2) Por que se vive sempre enlutado no Sertão?

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O POEMA

A tinta e a lápis

Escrevem-se todos

Os versos do mundo.

Que monstros existem

Nadando no poço

Negro e fecundo?

Que outros deslizam

Largando o carvão

De seus ossos?

Como o ser vivo

Que é um verso,

Um organismo.

Com sangue e sopro,

Pode brotar

De germes mortos?

O papel nem sempre como

É branco como

A primeira manhã.

É muitas vezes

O pardo e pobre

Papel de embrulho;

É de outras vezes

De carta aérea,

Leve de nuvem.

Mas é no papel,

No branco asséptico,

Que o verso rebenta.

Como um ser vivo

Pode brotar

De um chão mineral?

1) Procure responder o que o eu lírico se pergunta na segunda estrofe.

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MORTE E VIDA SEVERIA

MORTE E VIDA SEVERINA é um auto de Natal, escrito em 1956, que apresenta a mesma temática da seca

e dos retirantes encontradas em obras de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge Amado, por

exemplo. Morte e vida Severina revela influências do teatro medieval (autos de Gil Vicente), da poesia

narrativa dos antigos romances ibéricos e do folclore pernambucano. Auto é um texto de caráter religioso,

escrito para ser encenado (gênero dramático). Leia abaixo um fragmento do texto:

MORTE E VIDA SEVERINA

(...) O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

- O meu nome é Severino,

Não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

Que é santo de romaria,

Deram então de me chamar

.Severino de Maria;

Como há muitos Severinos

Com mães chamadas Maria,

Fiquei sendo o da Maria

Do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:

Há muitos na freguesia,

Por causa de um coronel

Que se chamou Zacarias

E que foi o mais antigo

Senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala

Ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino

Da Maria do Zacarias,

Lá da Serra da Costela, limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

Se ao menos mais cinco havia

Com nome de Severino

Filhos de tantas Marias,

Mulheres de outros tantos,

Já finados, Zacarias,

Vivendo na mesma serra

Magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muito Severinos

Iguais em tudo na vida:

Na mesma cabeça grande

Que a custo é que se equilibra,

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No mesmo ventre crescido

Sobre as mesmas pernas finas,

E iguais também porque o sangue

Que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

Iguais em tudo na vida,

Morremos de morte igual,

Mesma morte severina:

Que é a morte de que se morre

De velhice antes dos trinta,

De emboscada antes dos vinte,

De fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

É que a morte Severina

Ataca em qualquer idade,

E até gente não nascida).

Somos muito Severinos

Iguais em tudo e na sina:

A de abrandar estas pedras

Suando-se muito em cima,

A de tentar despertar

Terra sempre mais extinta,

A de querer arrancar

Algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam

Melhor Vossas Senhorias

E melhor possam seguir

A história de minha vida,

Passo a ser o Severino

Que em vossa presença emigra(...)

1) Qual é a temática do texto lido?

2) Que formas são usadas por Severino para se identificar?

3) No final, como Severino se apresenta ao leitor?

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( ITA/ 2000- adaptada) O ato de fazer poesia é, para João Cabral de melo Neto, um trabalho. O poema é resultado de um esforço mental, palavras e imagens são selecionadas com rigor. É um trabalho artesanal, que busca a concisão e precisão da linguagem. Leia o poema:

O ENGENHEIRO

A luz, o sol, o ar livre

Envolvem o sonho do engenheiro.

O engenheiro sonha coisas claras:

Superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro, o papel;

O desenho, o projeto, o número;

O engenheiro pensa o mundo justo,

Mundo que nenhum véu encobre.

(Em certas tardes nós subíamos

Ao edifício. A cidade diária,

Como um jornal que todos liam,

Ganhava um pulmão de cimento e vidro.)

A água, o vento, a claridade,

De um lado o rio, no alto as nuvens,

Situavam na natureza o edifício

Crescendo de suas forças simples.

Explique em seu caderno a alternativa que NÃO se refere ao poema:

a) Produz o sentido de objetividade e racionalidade

b) apresenta uma certa precisão geométrica

c) apresenta princípios prosaicos típicos da poesia do início do século XX

d) apresenta forma equilibrada com uso cuidadoso das palavras

e) não apresenta descrições intimistas.

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SUMÁRIO

JOÃO CABRAL DE MELO NETO: POESIA COM GOSTO DE REALIDADE ................................................................... 3

POESIA NA SALA DE AULA ................................................................................................................................................ 4

A METALINGUAGEM ........................................................................................................................................................... 5

A METAPOESIA EM JOÃO CABRAL DE MELO NETO .................................................................................................... 6

BIOGRAFIA ............................................................................................................................................................................. 7

APRESENTAÇÃO DE POEMAS ............................................................................................................................................ 9

REFERÊNCIAS

http://www.releituras.com/joaocabral_natal.asp

http://looking4good.wordpress.com/2005/10/09/o-luto-no-sertao-joao-cabral-de-melo-

neto/

http://3.bp.blogspot.com/_eMud7o6LULI/S9UKerhhumI/AAAAAAAAAAs/NbyBKFn

L3Kc/s1600/JoaoCabral001.jpg

http://www.substantivoplural.com.br/wp-content/uploads/2011/07/joao-cabral-de-melo-

neto.jpg

http://www.paralerepensar.com.br/jussara_aleituraefundamental.htm

http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/METAPOESIA.pdf

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