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A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA ÁREA CONURBADA DE FLORIANÓPOLIS Marcio Marchi Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC [email protected] INTRODUÇÃO As cidades brasileiras têm se caracterizado pela ação de agentes e processos que contribuem para uma crescente fragmentação e dispersão do tecido urbano pelo território. Mais do que a alteração das formas e da organização espacial das cidades, esses elementos expressam um sentido ligado às disputas pelo monopólio de localização, à extração de renda no processo de transformação da terra urbanizada e à segmentação dos grupos sociais no espaço. A produção do espaço urbano no Brasil ocorre, dessa maneira, através de uma crescente complexificação dos processos, da estrutura e da dinâmica socioespacial. A despeito da política urbana consolidada com o Estatuto da Cidade, o uso e a ocupação do solo urbano permanece de forma desregulada em favor de interesses de determinados agentes privados. Na cidade fragmentada e dispersa impera a lógica automobilística de circulação entre os locais de moradia, trabalho, consumo e cotidianidade. As camadas sociais populares são as que mais sofrem com as longas jornadas, o transporte coletivo precário e as deficiências habitacionais, de infraestruturas e serviços básicos. A questão habitacional se insere nesse contexto através de políticas públicas de construção ou acesso a habitações populares. Recentemente, o Governo Federal lançou um amplo programa de promoção habitacional denominado “Minha Casa Minha Vida”, destinado às classes de baixa e média renda. Esse programa, ao mesmo tempo em que busca combater o déficit habitacional, serve de incentivo à indústria da construção civil como medida anticíclica. Mesmo prevendo a possibilidade de diferentes formas de

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A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO

URBANO: REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA

NA ÁREA CONURBADA DE FLORIANÓPOLIS

Marcio Marchi

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

[email protected]

INTRODUÇÃO

As cidades brasileiras têm se caracterizado pela ação de agentes e processos que

contribuem para uma crescente fragmentação e dispersão do tecido urbano pelo

território. Mais do que a alteração das formas e da organização espacial das cidades,

esses elementos expressam um sentido ligado às disputas pelo monopólio de

localização, à extração de renda no processo de transformação da terra urbanizada e à

segmentação dos grupos sociais no espaço.

A produção do espaço urbano no Brasil ocorre, dessa maneira, através de uma

crescente complexificação dos processos, da estrutura e da dinâmica socioespacial. A

despeito da política urbana consolidada com o Estatuto da Cidade, o uso e a ocupação

do solo urbano permanece de forma desregulada em favor de interesses de determinados

agentes privados.

Na cidade fragmentada e dispersa impera a lógica automobilística de circulação

entre os locais de moradia, trabalho, consumo e cotidianidade. As camadas sociais

populares são as que mais sofrem com as longas jornadas, o transporte coletivo precário

e as deficiências habitacionais, de infraestruturas e serviços básicos.

A questão habitacional se insere nesse contexto através de políticas públicas de

construção ou acesso a habitações populares. Recentemente, o Governo Federal lançou

um amplo programa de promoção habitacional denominado “Minha Casa Minha Vida”,

destinado às classes de baixa e média renda. Esse programa, ao mesmo tempo em que

busca combater o déficit habitacional, serve de incentivo à indústria da construção civil

como medida anticíclica. Mesmo prevendo a possibilidade de diferentes formas de

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empreendimentos, o modelo de condomínio fechado de apartamentos ou de casas têm

sido prevalente nos contratos firmados com as empresas construtoras. Desde o início

das atividades do programa, milhões de unidades habitacionais foram construídas sob

essa tipologia no Brasil. Entretanto, permanece a problemática da inserção desses

condomínios habitacionais ao tecido urbano constituído, sobretudo, com relação à sua

localização e ao acesso aos locais com melhores infraestruturas e serviços, dentro de

uma concepção de Direito à Cidade.

Este artigo reflete sobre alguns resultados de uma pesquisa de mestrado

acadêmico (MARCHI, 2015), cujo objetivo principal foi caracterizar e analisar a

inserção do programa Minha Casa Minha Vida ao tecido urbano da área conurbada de

Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina.

A metodologia adotada para este estudo partiu de uma pesquisa in loco dos

empreendimentos Minha Casa Minha Vida, realizados na área conurbada de

Florianópolis, composta além desta cidade, pelas vizinhas São José, Palhoça e Biguaçu.

Foram observados e coletados dados sobre os conjuntos habitacionais, suas áreas de

entorno imediato e sua relação com as principais centralidades desse espaço urbano. Os

dados levantados em campo formaram a base empírica para a análise teórica que

caracterizou a inserção urbana do programa Minha Casa Minha Vida ao recorte espacial

de estudo.

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO

A urbanização, em tempos atuais, ocorre de forma dispersa pelo território. A

estrutura das cidades, historicamente, foi caracterizada por um centro urbano, onde se

localizavam os principais equipamentos e serviços públicos e privados, circundado por

bairros residenciais periféricos. No entanto, as grandes e médias cidades da atualidade

se espalham por extensas áreas intercaladas por vazios urbanos, apresentando limites

difusos entre o campo e a cidade. Isso não significou o fim da aglomeração urbana, mas

um novo significado para o processo de urbanização.

Ao mesmo tempo em que o meio urbano assume a característica de dispersão, o

processo de metropolização – concentração de população e atividades em grandes

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centros de decisões econômicas e políticas, gerenciamento empresarial e irradiação

cultural – torna-se um dos principais símbolos e produtos da globalização. “Assim, a

metrópole espraiada, com limites difíceis de precisar, é a expressão máxima da

indefinição das fronteiras e da desagregação da cidade compacta típica do início do

século XX” (LENCIONI, 2008, p. 10). A cidade passa a ser, paradoxalmente,

concentrada e dispersa.

Esses processos observados na atualidade, entretanto, não ficam restritos às

grandes metrópoles, mas, em menor escala, atingem as médias e até as pequenas

cidades, as quais vão assumindo novos papeis e conteúdos diante da constante

reestruturação das redes urbanas.

A expansão ou espraiamento dos limites da cidade transforma também as

relações internas do espaço urbano – ao qual Villaça (2009, p. 18-22) aponta como

sinônimo de espaço intra-urbano e que diferem dos processos que extrapolam os limites

da cidade e atingem o espaço regional –, fazendo com que a cidade contemporânea

assuma um padrão progressivamente mais fragmentado.

A fragmentação, por sua vez, é uma característica inerente às cidades, sendo

resultado de incontáveis formas de uso e ocupação do solo justapostas. O espaço urbano

é, simultaneamente, “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um

conjunto de símbolos e campo de lutas” (CORRÊA, 1989, p. 9), construído pelos seus

agentes produtores e engendrado através de processos e de formas resultantes.

A tendência à fragmentação urbana, no entanto, tem se acentuado no Brasil, com

o surgimento e proliferação de inúmeras tipologias, como os “enclaves fortificados”

(CALDEIRA, 2000), espaços que correspondem aos condomínios residenciais

fechados, shopping centers, condomínios empresariais e demais espaços privativos,

estreitamente ligados à logica automobilística de circulação urbana.

No contexto brasileiro, as diferenças e características socioeconômicas da

população imprimem padrões marcantemente fragmentários ao espaço urbano, que

espacialmente se distribui em áreas de concentração de populações ricas –

frequentemente, cercadas e monitoradas – e áreas de populações pobres, caracterizadas

por deficiências de acesso a equipamentos e serviços básicos. A fragmentação urbana,

contudo, não se resume às descontinuidades territoriais ou aos sistemas de separação

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físicos que as cidades apresentam. Sposito (2013, p. 83) assinala que para entendê-la é

necessário observar as articulações entre escalas e a perspectiva do tempo e, que

“podem resultar em redefinições das ações econômicas e sociais, das práticas espaciais,

bem como dos valores que sobre o urbano são reformulados”.

O arranjo espacial do meio urbano apresenta enorme complexidade de atributos

produzidos socialmente, que se refletem na presença e disposição de equipamentos e em

diferenças socioeconômicas entre as áreas sociais. “O arranjo espacial das áreas sociais

é complexo e influenciado por características como tamanho da cidade, características

econômicas, taxa de crescimento, sítio, plano urbano e políticas públicas” (CORRÊA,

2007, p. 66). Para este autor, o arranjo espacial é derivado de “lógicas locacionais, puras

ou combinadas, associadas à apropriação de áreas cujo valor deriva da distância ao

centro, às amenidades, aos subcentros comerciais, aos eixos de tráfego ou deriva da

localização em função de setores de amenidades”.

Os agentes produtores do espaço, sobretudo, os ligados ao setor econômico

imobiliário fazem uso de estratégias locacionais, em uma incessante busca por novas

áreas de investimento. Com isso, o sentido e a magnitude de expansão das cidades

brasileiras estão estreitamente ligados ao processo de acumulação de capital da indústria

da construção civil. Oliveira (1982, p. 14-15) assinala que a terra não é mera

especulação, mesmo considerando que essa dimensão existe, mas se insere no processo

produtivo das cidades.

A localização da moradia e dos equipamentos e serviços urbanos e sua

distribuição no espaço urbano é capaz de gerar efeitos distributivos sobre a renda dos

diferentes grupos sociais. Dentre os fatores de distribuição da renda real estão as

externalidades, os diferenciais de acessibilidade e a capacidade das famílias em

adaptarem-se a mudanças na estrutura do uso do solo urbano.

Em linhas gerais, a produção habitacional das classes de baixa renda é

predominantemente realizada em locais desprovidos de infraestruturas ou distantes das

áreas de centralidades urbanas. Com isso, os padrões de apropriação da renda da terra

urbana influenciam diretamente nos processos socioespaciais,

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A QUESTÃO HABITACIONAL E O PROGRAMA MINHA CASA MINHA

VIDA

A questão habitacional no Brasil se constituiu em alvo de diversas intervenções

governamentais ao longo da história. Essas intervenções se concentraram,

principalmente, na forma de estímulos à produção de novas habitações por meio de

financiamentos estatais e da instituição de mecanismos de captação de recursos públicos

e privados direcionados para o investimento habitacional.

A descontinuidade e a alta seletividade dos programas de financiamentos e

subsídios habitacionais contribuíram para a exacerbação de um quadro urbano marcado

pela precarização das condições de moradia da população urbana, sobretudo, aquela que

compõe as classes de menor renda e que, portanto, não faz parte da demanda solvável

para o setor econômico da construção civil.

Apenas a partir do primeiro Governo Vargas (1930-1945) o Estado passou a

atuar mais intensamente na questão habitacional, passando a intervir no processo de

produção e no mercado de aluguel de imóveis urbanos. A estratégia de desenvolvimento

econômico do país adotada se concentrou no estímulo à produção industrial, ao mesmo

tempo em que se firmavam as bases para a formação de uma sociedade urbano-

industrial no Brasil (BONDUKI, 1994).

A urbanização em ritmo acelerado ao longo da segunda metade do Século XX

intensificou a crise habitacional nas maiores cidades brasileiras, agravada pela

insuficiência de infraestruturas para receber e atender tamanho contingente

populacional. Muitas vezes, o que se convencionou chamar de “déficit habitacional” foi

encarado por sucessivos governos como um dos principais problemas nacionais a serem

resolvidos. Com esse discurso, o Regime Militar, instalado em 1964, criou, logo nos

seus primeiros meses, o Banco Nacional de Habitação (BNH) para gerir a produção

habitacional no Brasil e a construção de determinadas infraestruturas urbanas, como as

de saneamento.

Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento impulsionado pelo chamado

“milagre econômico” dos anos 1960 e 1970, financiado por empréstimos internacionais

e viabilizado por amplos investimentos governamentais, o Brasil entrou em um período

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de endividamento externo, recessão econômica e inflação elevada, elevando as taxas de

desemprego, diminuindo o poder de compra do salário e, dessa forma, agravando o

contexto socioespacial das cidades.

A redução dos investimentos em infraestruturas urbanas e em produção

habitacional piorou ainda mais o quadro de intensas desigualdades sociais nas cidades

brasileiras, ao mesmo tempo em que o processo de urbanização seguia seu ritmo. As

camadas mais pobres da população tinham nas favelas e nos loteamentos irregulares e

precários os únicos lugares possíveis à reprodução de sua sobrevivência.

Após o fim do sistema BNH, houve descontinuidades nos programas

habitacionais, com sucessivas mudanças dos órgãos governamentais responsáveis pela

política habitacional. Foram aplicadas regras mais rígidas para o acesso ao crédito e a

alta seletividade das linhas de financiamento agravou o quadro de produção formal de

habitações, principalmente entre as classes de renda média e baixa (CARDOSO e

ARAGÃO, 2013).

A redução da presença e da atuação do Estado se deu no meio urbano por meio

da adoção do Estado mínimo dentro da lógica neoliberal, fomentando a competição

entre as cidades que, por sua vez, incorporaram programas de gestão empresarial em

suas administrações, transformando-as mais do que nunca, em produto comercializado

em um mercado extremamente competitivo (VAINER, 2002).

O início do Século XXI, entretanto, representou um período de significativas

transformações na política urbana brasileira. A aprovação do Estatuto da Cidade

(BRASIL, 2001), determinou as diretrizes e os mecanismos para o cumprimento da

função social da cidade e da propriedade, regularizou a participação social no

planejamento e gestão urbana e criou uma série de instrumentos urbanísticos para a

política urbana. O Plano Diretor Participativo foi adotado como instrumento básico de

aplicação do Estatuto da Cidade nos municípios.

Mesmo com uma mudança de visão sobre as questões urbanas e habitacionais,

com uma maior articulação entre os entes federativos e com a incorporação de uma

agenda democrática, previstos na legislação consolidada, a expectativa de ampliação do

acesso à moradia não se concretizou plenamente.

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Nos últimos anos, novos elementos passaram a influenciar a questão urbana

brasileira. Em 2009, o programa Minha Casa Minha Vida foi criado como parte de uma

política nacional de estímulo à construção de habitações populares em larga escala. Esse

programa significou uma nova fase de intervenções governamentais no meio urbano,

com a ampliação de subsídios públicos à compra de imóveis para determinadas classes

de renda e à transferência de expressivos recursos públicos ao setor privado de produção

e promoção imobiliária. O programa se destinou a atuar sob duas intenções manifestas:

reduzir o déficit habitacional brasileiro e impulsionar o desenvolvimento das indústrias

da construção civil, mantendo o setor econômico imobiliário aquecido, como uma

medida anticíclica diante de um período de crise econômica internacional.

Em um primeiro momento, o Minha Casa Minha Vida foi saudado como uma

possível solução ao déficit habitacional brasileiro, principalmente para aquelas famílias

com renda de até três salários mínimos que perfazem o maior montante desse déficit.

Porém, com o passar do tempo, evidenciaram-se alguns descompassos entre esse

objetivo e a política habitacional e urbana brasileira (CARDOSO e ARAGÃO, 2013).

Em relação à questão urbana, o programa Minha Casa Minha Vida tem sido alvo

de inúmeras críticas, sobretudo, quanto à morfologia urbanística, à tipologia

arquitetônica e à tendência à periferização dos empreendimentos realizados, causada

pela valorização fundiária. Reproduzem-se, assim, problemas similares às experiências

de programas habitacionais pregressos.

O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA ÁREA CONURBADA DE

FLORIANÓPOLIS

A configuração da área conurbada de Florianópolis foi influenciada por

sucessivas ações de planejamento público de diversas matrizes, mas que, de maneira

geral, estiveram voltadas para a dinamização econômica ou para o ordenamento espacial

através do planejamento urbano, este último também ligado a questões econômicas. As

últimas décadas do Século XX presenciaram o surgimento de um grande crescimento

urbano-metropolitano para a capital catarinense e sua região de entorno, refletindo-se

em padrões de verticalização, com uma grande quantidade de edifícios,

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majoritariamente concentrados na parte insular de Florianópolis, mas também em vários

locais do continente.

Os grandes investimentos privados se estabelecem preferencialmente onde

existem maiores possibilidades de lucratividade, ou seja, em locais onde o espaço

produzido confere atributos de alto valor de troca, seja por sua proximidade às

principais centralidades de comércios e serviços da região, ou nas adjacências de

infraestruturas privilegiadas, ou em bairros tradicionais de elites ou, ainda, em lugares

onde a beleza cênica da paisagem pode ser uma qualidade explorada pela indústria da

construção civil.

A análise sobre a localização e a concentração de grandes investimentos

privados revela uma lógica de concorrência corporativa pela cidade e de apropriação

social de seus benefícios. A produção habitacional se insere em um quadro de disputas

pelo monopólio locacional e de estratégias de acumulação de capital. As áreas ou

propriedades em lugares que assumem elevados valores de troca no mercado fundiário e

imobiliário são os locais onde a construção de prédios residenciais e comerciais,

propicia uma maior possibilidade de extração da renda da terra.

Formaram-se notáveis diferenças sociais na paisagem urbana da Grande

Florianópolis. Como resultado da forma e da lógica de produção urbana, incluindo a

corrida imobiliária empreendida na área conurbada de Florianópolis, nos últimos anos,

surge uma tendência geral à elevação nos preços de imóveis e terrenos, provocando ou

acentuando o processo de elitização de diversas áreas antes ocupadas por camadas

sociais populares, expulsando-as para cada vez mais longe das centralidades urbanas.

As políticas e os programas habitacionais, contudo, passam também a sofrer

repercussões em decorrência da dificuldade dos poderes públicos em fazer frente à

tendência de valorização de terrenos urbanos e de escassez de áreas disponíveis e

possíveis para a produção pública de habitações populares. Esse é o caso do Programa

Minha Casa Minha Vida.

O mapeamento da distribuição dos condomínios construído pelo programa na

área conurbada de Florianópolis indicou uma tendência à periferização em relação aos

principais centros urbanos das cidades pesquisadas, mesmo se considerando a existência

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de algumas exceções importantes, correspondentes a condomínios localizados em áreas

mais próximas às centralidades (figura 1).

Figura 1 – Conjuntos Minha Casa Minha Vida na área conurbada de Florianópolis

Fonte: mapeamento realizado pelo autor.

A questão do preço da terra urbana é um dos principais fatores na determinação

da localização dos novos empreendimentos, cuja decisão sobre a maior parte das etapas

do processo construtivo tem sido delegada a agentes privados. Dessa forma, o programa

Minha Casa Minha Vida tem contribuído para o estabelecimento de padrões de

dispersão urbana, causando impactos sobre a dinâmica socioespacial e sobre o acesso de

seus habitantes aos benefícios que as cidades podem proporcionar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encontrou-se uma realidade plural nos empreendimentos construídos ou

financiados no âmbito do Minha Casa Minha Vida na área conurbada de Florianópolis,

ainda que esse programa produza direta ou indiretamente uma tipologia

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predominantemente estruturada sobre os condomínios fechados exclusivamente

residenciais, como foi verificado nos levantamentos de campo. As críticas em relação ao

potencial fragmentário e segregador dessa tipologia urbanística são bastante debatidas

no meio acadêmico e, certamente, são cabíveis à realidade dessa pesquisa.

As características urbanísticas sobre os empreendimentos encontradas na

pesquisa revelam determinadas deficiências de infraestruturas, de equipamentos e

serviços em seus entornos, relacionadas à sua localização. Destacam-se a dificuldade de

acesso a vários serviços básicos e a falta de infraestrutura para pedestres e ciclistas,

principalmente, ao tipo de transporte privilegiado nas vias públicas onde os

condomínios se localizam.

A análise da distribuição dos empreendimentos na área conurbada de

Florianópolis, por sua vez, aponta para uma espacialização do programa Minha Casa

Minha Vida em direção aos limites do tecido urbano, nas áreas mais distantes das

centralidades, devido a uma conjunção de fatores, entre eles a questão do preço da terra

merece destaque. Com algumas exceções, os empreendimentos são construídos onde o

baixo preço da terra é o principal fator que possibilita a máxima extração de lucros dos

empreendedores.

O modelo de política habitacional capaz de combater essa tendência não seria o

de construção de moradias em larga escala. Pensar a cidade como um todo exigiria o

enfoque articulado de variadas questões relacionadas a ações nos transportes, na

mobilidade, na regularização fundiária, na participação social nas decisões sobre as

cidades. Além disso, as questões urbanas estão também ligadas aos baixos salários das

camadas populares, ou seja, à estrutura social e econômica do País, que acaba

contribuindo para um padrão de cidade excludente.

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