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XXIII Domingo Comum (08.09.2013). Sb 9,13-18 (gr. 13-18b); Sl 89; Fm 9b-10.12-17; Lc 14,25-33. Caríssimos irmãos e irmãs, no Evangelho hodierno, contemplamos Jesus a caminho de Jerusalém e grandes multidões O acompanhavamtalvez admiradas por sua fama ou por qualquer curiosidade. Porém, Jesus Se volta e lhes diz: “Se alguém vem a mim e não me prefere ( : odiar) a seu pai, à mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, até a própria vida, não pode ser meu discípulo. E quem não carrega a sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo” (14,25-27). É de um realismo que nos choca a sinceridade de Nosso Senhor! Ele chama a todos, pois “o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Porém, é também certo que nem todos estão dispostos a escutar verdadeiramente o convite do Senhor e com sinceridade aceitar suas exigências. Nosso Senhor é mui claro, sincero, honesto: Ele só aceita como discípulo somente pode ser seu discípulo quem se dispõe a caminhar atrás Dele, seguindo seus passos no caminho! “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo(14,27). É Ele quem nos ensina, quem mostra o caminho Ele mesmo é o Caminho (Jo 14,6b) quem certifica o que é certo e o que não é verdadeiro! Que palavra tão difícil para cada um de nós e para o mundo hodierno pós-moderno que se julga maduro, sábio, dono do próprio destino, e que se acha capaz de julgar os caminhos de Deus! Ora, quem age assim, permanecendo fechado em si mesmo narcisisticamente não é capaz de “ser discípulo” de Cristo! Mas o que é ser discípulo? É colocar-se no caminho de Cristo, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho de Jesus, colocando os seus pés nos seus passos; ser discípulo é renunciar-se para ser em Jesus, pensar como Ele, viver como Ele, agir como Ele. Ser discípulo é fazer de Jesus o fundamento da própria existência. A exigência do Divino Mestre é radical e convida-nos a um “realismo responsável”, pois Ele nos chama à reflexão madura: os dois protagonistas das parábolas o construtor (, 14,28) e o rei em guerra (14,31a) sentampara refletir. Seria irresponsabilidade viver hoje como discípulo de Jesus quem não sabe o que quer, nem aonde pretende chegar, nem com que meios irá trabalhar. Não devemos esquecer a linguagem realista e humilde de Jesus, que convida seus discípulos a ser “fermento” no meio do povo ou punhado de “salque novo sabor à vida das pessoas (Mt 5,13a.14a). O Senhor quer nos libertar da ilusão de que somos super-homens, autossuficientes e sábios, de que somos deuses!Como têm razão, as palavras do Livro da Sabedoria: Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Quem, portanto, investigará o que há nos céus?(9,13.16c). De fato, sozinhos, somos incapazes de compreendermos o mistério da vida, que somente é conhecido pelo coração de Deus! Fechados em nós mesmos, jamais poderemos saber com profundidade o mistério de nossa existência e o sentido profundo da realidade. É um grave erro pretendermos ser discípulos de Jesus sem parar para refletir sobre as exigências concretas implicadas no seguir seus passos, sobre as forças que necessitamos contar para isso. Ele quer seguidores lúcidos e responsáveis. O Evangelho proposto por Jesus é uma maneira de “construir a vida”. Um projeto destemido, capaz de transformar nossa existência. Por isso não é possível viver de maneira evangélica sem parar para refletir sobre as decisões que é preciso tomar a cada momento. Não é possível empenhar-se a favor do Reino de Deus de qualquer maneira. É fundamental lucidez, responsabilidade e decisão. Do contrário, o projeto cristão pode ficar inacabado! Ser discípulo comporta também desafios, exigências, tarefas e mudanças de mentalidade. É o que recorda S. Paulo a Filêmon: o que era escravo doravante deve ser tratado como irmão no Senhor!Ele é como se fosse meu próprio coração” (literalmente entranhas , v. 12). Não é possível ser cristão, discípulo de Jesus e viver apegados à lógica e às coisas do homem velho! Onésimo aquele que é útil” – nos faz perguntar qual a verdadeira utilidadeda vida, das pessoas no Senhor! A verdadeira utilidade” dele que era escravo nasce do amor e da erradicação das diferenças sociais. Seguir o Cristo de Deus é colocá-lo como o eixo, o prumo de nossa vida. O convite de Jesus não comporta que o ser humano seja escravo de ídolos”. Seu convite é provocativo, porque nos mostra o caminho para crescer em liberdade, e só o conhecem aqueles que se atrevem a seguir Jesus incondicionalmente, colaborando com Ele no projeto do Pai: construir um mundo justo e digno para todos. Por isso, seguir Cristo comporta também a cruz. Ela é o critério decisivo para verificar o que merece trazer o nome de cristão, senão a nossa fé, nossa religião se aburguesa, se dilui e se esvazia da

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XXIII Domingo Comum – (08.09.2013). Sb 9,13-18 (gr. 13-18b); Sl 89; Fm 9b-10.12-17; Lc 14,25-33.

Caríssimos irmãos e irmãs, no Evangelho hodierno, contemplamos Jesus a caminho de Jerusalém e “grandes multidões O acompanhavam” – talvez admiradas por sua fama ou por qualquer curiosidade. Porém, Jesus Se volta e lhes diz: “Se alguém vem a mim e não me prefere (: odiar) a seu pai, à mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, até a própria vida, não pode ser meu discípulo. E quem não carrega a sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo” (14,25-27). É de um realismo que nos choca a sinceridade de Nosso Senhor! Ele chama a todos, pois “o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Porém, é também certo que nem todos estão dispostos a escutar verdadeiramente o convite do Senhor e com sinceridade aceitar suas exigências. Nosso Senhor é mui claro, sincero, honesto: Ele só aceita como discípulo – somente pode ser seu discípulo – quem se dispõe a caminhar atrás Dele, seguindo seus passos no caminho! “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (14,27). É Ele quem nos ensina, quem mostra o caminho – Ele mesmo é o Caminho (Jo 14,6b) – quem certifica o que é certo e o que não é verdadeiro! Que palavra tão difícil para cada um de nós e para o mundo hodierno – pós-moderno – que se julga maduro, sábio, dono do próprio destino, e que se acha capaz de julgar os caminhos de Deus! Ora, quem age assim, permanecendo fechado em si mesmo narcisisticamente não é capaz de “ser discípulo” de Cristo! Mas o que é ser discípulo? É colocar-se no caminho de Cristo, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho de Jesus, colocando os seus pés nos seus passos; ser discípulo é renunciar-se para ser em Jesus, pensar como Ele, viver como Ele, agir como Ele. Ser discípulo é fazer de Jesus o fundamento da própria existência. A exigência do Divino Mestre é radical e convida-nos a um “realismo responsável”, pois Ele nos chama à reflexão madura: os dois protagonistas das parábolas – o construtor (, 14,28) e o rei em guerra (14,31a) – “sentam” para refletir. Seria irresponsabilidade viver hoje como discípulo de Jesus quem não sabe o que quer, nem aonde pretende chegar, nem com que meios irá trabalhar. Não devemos esquecer a linguagem realista e humilde de Jesus, que convida seus discípulos a ser “fermento” no meio do povo ou punhado de “sal” que dá novo sabor à vida das pessoas (Mt 5,13a.14a). O Senhor quer nos libertar da ilusão de que somos super-homens, autossuficientes e “sábios”, de que “somos deuses!” Como têm razão, as palavras do Livro da Sabedoria: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Quem, portanto, investigará o que há nos céus?” (9,13.16c). De fato, sozinhos, somos incapazes de compreendermos o mistério da vida, que somente é conhecido pelo coração de Deus! Fechados em nós mesmos, jamais poderemos saber com profundidade o mistério de nossa existência e o sentido profundo da realidade. É um grave erro pretendermos ser discípulos de Jesus sem parar para refletir sobre as exigências concretas implicadas no seguir seus passos, sobre as forças que necessitamos contar para isso. Ele quer seguidores lúcidos e responsáveis. O Evangelho proposto por Jesus é uma maneira de “construir a vida”. Um projeto destemido, capaz de transformar nossa existência. Por isso não é possível viver de maneira evangélica sem parar para refletir sobre as decisões que é preciso tomar a cada momento. Não é possível empenhar-se a favor do Reino de Deus de qualquer maneira. É fundamental lucidez, responsabilidade e decisão. Do contrário, o projeto cristão pode ficar inacabado! Ser discípulo comporta também desafios, exigências, tarefas e mudanças de mentalidade. É o que recorda S. Paulo a Filêmon: o que era escravo doravante deve ser tratado “como irmão no Senhor!” – “Ele é como se fosse meu próprio coração” (literalmente entranhas – , v. 12). Não é possível ser cristão, discípulo de Jesus e viver apegados à lógica e às coisas do homem velho! Onésimo – aquele que é “útil” – nos faz perguntar qual a verdadeira “utilidade” da vida, das pessoas no Senhor! A verdadeira “utilidade” dele que era escravo nasce do amor e da erradicação das diferenças sociais. Seguir o Cristo de Deus é colocá-lo como o eixo, o prumo de nossa vida. O convite de Jesus não comporta que o ser humano seja “escravo de ídolos”. Seu convite é provocativo, porque nos mostra o caminho para crescer em liberdade, e só o conhecem aqueles que se atrevem a seguir Jesus incondicionalmente, colaborando com Ele no projeto do Pai: construir um mundo justo e digno para todos. Por isso, seguir Cristo comporta também a cruz. Ela é o critério decisivo para verificar o que merece trazer o nome de cristão, senão a nossa fé, nossa religião se aburguesa, se dilui e se esvazia da

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verdade. É fundamental perguntar qual é o significado mais original do apelo de Jesus: “Quem não carregar sua cruz atrás de mim não pode ser meu discípulo” (14,27). O que é carregar a cruz? O que fazemos diante do sofrimento? Quantas vezes tentamos esvaziar a cruz de seu verdadeiro conteúdo; “colocamos flores na cruz” de Cristo (Goethe). - Há cristãos que pensam que seguir o Crucificado é buscar pequenas mortificações, privando-se de satisfações e renunciando a prazeres legítimos para chegar – através do sofrimento – a uma comunhão mais profunda com o Senhor. Sem dúvida, é grande o valor de uma ascese cristã, e mais ainda numa sociedade como a nossa, mas Jesus não é um asceta que vive buscando mortificações; quando Ele fala da cruz, não está convidando a uma “vida mortificada”. - Há outros para quem “carregar a cruz” é aceitar as contrariedades da vida, as desgraças ou adversidades. Curiosamente os evangelhos nunca falam destes sofrimentos “naturais” de Jesus. Sua crucificação foi consequência de sua atuação de obediência ao Pai e de amor aos últimos. - Sem dúvida necessitamos valorizar o conteúdo cristão desta aceitação, do “lado escuro e doloroso” da vida, a partir de uma atitude de fé; mas, se queremos descobrir o sentido original do chamado de Jesus, precisamos recordar com toda simplicidade o que era “carregar a cruz”. Carregar a cruz fazia parte do ritual da execução: o réu era obrigado a atravessar a cidade carregando a cruz e levando o titulus, um cartaz onde aparecia seu delito. Assim era mostrado como culpado perante a sociedade, excluído do povo, indigno de continuar vivendo entre os seus. Foi desta maneira a verdadeira cruz de Jesus. Ver-se rejeitado pelos dirigentes do povo e aparecer como culpado diante de todos, precisamente por sua fidelidade ao pai e seu amor libertador aos seres humanos. - O que fazer diante do sofrimento? Mais cedo ou mais tarde, todos nós experimentamos o sofrimento. Uma doença grave, um acidente inesperado, a morte de um familiar querido, desgraças e dilacerações de todo tipo nos obrigam um dia a tomar posição diante do sofrimento. O que fazer?

- Alguns limitam-se à revolta. É uma atitude explicável: protestar, revoltar-nos diante do mal. Quase sempre esta reação intensifica ainda mais o sofrimento. A pessoa se crispa e se exaspera e facilmente termina no esgotamento e no desespero. - Outros se fecham no isolamento. Vivem dobrados sobre sua dor, relacionando-se apenas com suas tristezas e sofrimentos. Não se deixam consolar por ninguém. Não aceitam alívio algum. Por esse caminho, a pessoa pode se autodestruir. - Há aqueles que adotam a postura de vítimas e vivem compadecendo-se de si mesmos. Precisam mostrar seus sofrimentos a todo mundo: “vejam como sou infeliz!”, “vejam como a vida me maltrata!” Esta maneira de manipular o sofrimento nunca ajuda a pessoa a amadurecer.

- A atitude do crente é diferente. O cristão não ama nem busca o sofrimento, não o quer nem para os outros nem para si mesmo. Seguindo os passos de Jesus, empenha-se com todas as suas forças para arrancá-lo do coração da existência. Mas, quando é inevitável, sabe “carregar sua cruz” em comunhão com o Crucificado. Esta “aceitação” do sofrimento não consiste em dobrar-nos diante da dor porque ela é mais forte do que nós: isso seria estoicismo ou fatalismo, mas não atitude cristã! O crente tampouco procura “explicações” artificiosas, considerando o sofrimento um castigo, uma prova ou uma purificação que Deus nos envia. O Pai de Cristo e nosso não é nenhum “sádico” que encontra prazer em ver-nos sofrer. Tampouco tem motivo para exigi-lo para que fique satisfeita sua honra ou sua glória. - O cristão vê no sofrimento uma experiência na qual, unido a Jesus, ele pode viver sua verdade mais autêntica. O sofrimento continua sendo mau, mas precisamente por isso, se transforma na experiência mais realista e profunda para viver a confiança radical em Deus e a comunhão com os que sofrem. Vivida assim, a cruz é o que há de mais oposto ao pecado. Por quê? Porque pecar é buscar egoisticamente a própria felicidade, rompendo com Deus e com os outros. “Carregar a cruz” em comunhão com o Crucificado é exatamente o contrário: abrir-se confiantemente ao Pai e solidarizar-se com os irmãos precisamente na ausência de felicidade.

Cuidemos bem caríssimos, para que “enraizados e edificados em Jesus Cristo, firmes na fé” (Cl 2,7) sigamos com amor e fidelidade Aquele que nos chama a partilhar a sua Vida, sua cruz, sua esperança, pois “só assim se tornarão retos os caminhos dos que estão na terra e os homens aprenderão o que agrada (ao Senhor), e pela Sabedoria sejam salvos”. Que nos salve o Cristo, Sabedoria de Deus. Assim seja!