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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO III JOSÉ SEBASTIÃO DE OLIVEIRA NILSON TADEU REIS CAMPOS SILVA

XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA · BRASIL SOB A PERSPECTIVA CARACTERÍSTICA NUMERUS CLAUSUS DOS DIREITOS REAIS: CONTROVÉRSIAS E CONSENSOS, texto que configura importante

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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA

DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO III

JOSÉ SEBASTIÃO DE OLIVEIRA

NILSON TADEU REIS CAMPOS SILVA

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Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte destes anais poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP

Conselho Fiscal:

Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE

Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)

Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP

Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF

Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC

Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMG

D598Direito civil contemporâneo III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UNICURITIBA; Coordenadores: José Sebastião de Oliveira, Nilson Tadeu Reis Campos Silva – Florianópolis: CONPEDI, 2016.

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Direito Civil Contemporâneo.

I. Congresso Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Curitiba, PR).

CDU: 34

_________________________________________________________________________________________________

Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br

Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBAComunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-305-4Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: o papel dos atores sociais no Estado Democrático de Direito.

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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA

DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO III

Apresentação

Os catorze trabalhos defendidos no GT DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO III

mostraram-se conectados por um fio condutor: a aproximação da clássica doxa com a práxis

imposta pelos tempos atuais, com o objetivo de transformação de institutos jurídicos

amoldados e sintonizados com as necessidades atuais de defesa de interesses das pessoas

inter-relacionadas, aderentes ao tema Cidadania e Desenvolvimento: O papel dos atores no

Estado Democrático de Direito, com ênfase à tutela do tráfego jurídico, das relações

interpessoais e da responsabilidade e capacidade. Cláudia Franco Corrêa e Juliana Barcellos

da Cunha e Menezes ofertam oportuna reflexão sobre o fenômeno da multipropriedade no

Brasil frente à anomia legislativa e à clássica característica de numerus clausus, a

apresentarem a necessidade de superação do hermetismo dos direitos reais para adequação à

contemporaneidade, sob o título A MULTIPROPRIEDADE (“TIME SHARING”) NO

BRASIL SOB A PERSPECTIVA CARACTERÍSTICA NUMERUS CLAUSUS DOS

DIREITOS REAIS: CONTROVÉRSIAS E CONSENSOS, texto que configura importante

contribuição para o desenvolvimento do ordenamento jurídico em consonância com as

demandas sociais, valor que também se vê no artigo CONTRATO DE LONGA DURAÇÃO:

PAUTAS INTERPRETATIVAS E LIMITES À RESOLUÇÃO em que Wilson Alexandre

Dés Essarts Barufaldi apresenta novas fórmulas para preservação da relação jurídica no

tempo e no espaço a fim de se atender as exigências social e econômica sem conferir caráter

absoluto aos argumentos puramente econômicos ou matemáticos. O trabalho de Daniella

Bernucci Paulino e Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, intitulado PANORAMA

JURISPRUDENCIAL DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: UMA REVISÃO

SISTEMÁTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

procede à rigorosa crítica à imprecisão daquela Corte ao aplicar princípios como boa-fé

objetiva, relatividade contratual e preservação do equilíbrio econômico como se suficientes à

análise econômica da função social do contrato, o que culmina por minar a estrutura do

mercado, concluído a exaustiva pesquisa com a verificação da intenção da jurisprudência de

se valer da função social como forma de realização da justiça distributiva. Raphael Abs Musa

de Lemos e Adriano Elias Oliveira analisam em seu USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: UM

EFETIVO NOVO INSTITUTO? as origens dessa que classificam como medida da política

pública de desjudiciarização, ancorada nos modelos peruano e lusitano, e mostram como

notários e registradores são agentes fundamentais para a atenuação da cultura de litigiosidade

ainda persistente no Brasil, e as dificuldades de se proteger o direito fundamental de

propriedade. Gustavo Aurélio Martins e Angelo Antonio Depieri examinam com

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percuciência em CONTRATOS ELETRÔNICOS E SUA RELAÇÃO COM A ATUAL

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA a demonstrar a necessidade de aplicação sistêmica do Código

de Defesa do Consumidor e do Código Civil, apresentando as várias espécies de pactos e

suas implicações, enquanto Leonardo Lindroth de Paiva trás à discussão oportuna reflexão

sobre A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO sob dois

enfoques: o da responsabilidade pelos pelo conteúdo que o próprio provedor, por meio de

seus prepostos, disponibiliza na rede, e por atos de terceiros, quando um utilizador do

provedor de conteúdo disponibiliza informações ou dados na rede, sem o conhecimento e

autorização prévia do provedor, desde a análise do tríduo de deveres específicos de

segurança, de informação e de lealdade. Aline Klayse Dos Santos Fonseca e Pastora Do

Socorro Teixeira Leal defendem a APLICAÇÃO DE SANÇÕES PREVENTIVAS NA

RESPONSABILIDADE CIVIL PARA A MÁXIMA TUTELA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS no qual apresentam a necessidade de

superação da imprescindibilidade do dano para a imputação de responsabilidade,

demonstrando que a formação do estado de danosidade é um fator de imputação e esta um

meio de prevenção de danos, para enfatizarem a prevenção e seu aspecto pedagógico como

função primordial na responsabilidade civil, o que torna as sanções mais eficazes e mais

efetiva a tutela dos direitos fundamentais. Horácio Monteschio e José Sebastião de Oliveira

demonstram a lesão que os direitos da personalidade sofrem no mundo virtual, em seu

MARCO CIVIL DA INTERNET: RESTRIÇÃO AO PLENO EXERCÍCIO DOS DIREITOS

DA PERSONALIDADE, defendendo a adoção, como meio alternativo à judicialização,

solução que entendem ser mais ágil, célere e eficiente para a tutela daqueles direitos: a

postulação direta ao provedor ou mediante a intervenção de Câmara arbitral. O artigo A

EXTRAPATRIMONIALIDADE DO CORPO E SEUS EFEITOS, de Alexandra Clara

Ferreira Faria, analisa as questões relativas ao direito ao corpo como exercício do direito de

propriedade advindo da autonomia privada, propondo a conceituação de negócio jurídico

existencial e a releitura do instituto da doação, para vislumbrar a doação neutra como

instituto apropriado para o patrimônio genético. Em DA BIPARTIÇÃO DOS DANOS À

SUPERAÇÃO DE LIMITES: A RELEVÂNCIA JURÍDICA DA CONFORMAÇÃO

ESTÉTICA INDIVIDUAL À LUZ DA RESPONSABILIDADE CIVIL Gabriela Stefania

Batista Ferreira e Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral refletem sobre a distinção

entre dano moral e estético com a superação da dicotomia dano patrimonial-dano moral,

enquanto Rodrigo Diniz De Paula Barcelos e Caio Eduardo De Menezes Faria em

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS E A PROVA NAS AÇÕES

INDENIZATÓRIAS diferenciam a natureza jurídica da responsabilidade civil entre os atos

praticados pelos agentes dos estabelecimentos hospitalares, como abordagem indispensável

dos encargos probatórios nos processos ajuizados por pacientes. Lygia Maria Copi apresenta

o exame dos efeitos causados pelas alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com

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Deficiência, relacionando-as com a categoria da capacidade para consentir, em seu A

AUTONOMIA DOS DEFICIENTES MENTAIS EM MATÉRIA DE SAÚDE E A

CAPACIDADE PARA CONSENTIR: UMA ANÁLISE À LUZ DO ESTATUTO DA

PESSOA COM DEFICIÊNCIA. Sob outro viés, o artigo A CAPACIDADE CIVIL DE

EXERCÍCIO DE DIREITOS E A TOMADA DE DECISÃO APOIADA, de Iara Pereira

Ribeiro, analisa com profundidade o instituto da tomada de decisão apoiada criado pelo

Estatuto da Pessoa com Deficiência para servir como instrumento eficaz para a capacidade de

agir, propiciando o direito e a autonomia da vontade das pessoas com deficiência. Nilson

Tadeu Reis Campos Silva e Hamilton Belloto Henriques, em seu O LÁTEGO E O FREIO

DO REGIME DA INCAPACIDADE CIVIL NO BRASIL, utilizam-se da metáfora da Divina

Comédia para criticarem o Estatuto da Pessoa com deficiência que extinguiu o regime de

incapacidade civil no Brasil, demonstrando suas repercussões nas esferas civil e penal e a

possível ineficiência do sistema penal na proteção de vulneráveis, e analisam o projeto de lei

que pretende fazer revigorar aquele regime.

O alto nível científico dos artigos e sua temática permitiram importantes debates, que muito

contribuíram para a compreensão do papel dos atores no Estado Democrático de Direito e da

cidadania, razão pela qual recomendamos fortemente sua leitura.

Prof. Dr. José Sebastião de Oliveira - UNICESUMAR

Prof. Dr. Nilson Tadeu Reis Campos Silva - UEM e UENP

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1 Mestre e Doutorando em Direito Privado, pela UFRGS.1

CONTRATO DE LONGA DURAÇÃO: PAUTAS INTERPRETATIVAS E LIMITES À RESOLUÇÃO

LONG-TERM CONTRACTS: INTERPRETATIVE GUIDELINES AND LIMITS ON RESOLUTION

Wilson Alexandre Dés Essarts Barufaldi 1

Resumo

Este artigo versa sobre o contrato de longa duração, a fim de sustentar que os elementos que

o identificam apresentam relevância jurídica distinta quando trata-se de contrato de consumo

ou empresarial. Identificar estas distinções possibilita propor pautas de interpretação para

essa categoria de contrato, em harmonia com sua natureza, e com os princípios

conformadores de cada tipo contratual. São tais pautas que poderão contribuir para que o

intérprete localize no sistema jurídico normas legais capazes de impor limites ao exercício do

direito de resolver ou de resilir o contrato de longa duração, e assim promover a continuidade

da relação jurídica.

Palavras-chave: Contrato de duração, Interpretação, Resolução

Abstract/Resumen/Résumé

This article is about long-term contracts in order to sustain that the elements which identify it

present separate legal relevance when it comes to consumer or business contracts. Identifying

these distinctions is what enables to propose the guideline interpretation for this category of

contract, in accordance with its nature, and with the fundamental principles of each contract

type. These are the guidelines that could contribute to the interpreter to find in the legal

system the legal rules that impose limits on exercising the right to settle or rescind the long-

term contract, and thus promote the continuity of the legal relationship.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Term contract, Interpretation, Resolution

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Introdução

A efemeridade das circunstâncias influenciadoras dos negócios jurídicos

proporciona àqueles capazes de a elas se adaptarem preservar os seus interesses nas

relações contratuais duradouras e profícuas, contribuindo para tráfego negocial,1

contribuindo com isso para toda a sociedade brasileira, regida pelo capitalismo social.2

Assim como é verdade que os contratos não visam a eternidade,3 também é

verdade que há uma categoria de contrato que se renova com o adimplemento das

obrigações, desafiando as partes a adaptarem-se às vicissitudes que impactam a relação

jurídica, permitindo que ela perdure e cumpra sua função econômica.4 Para essa

categoria de contrato o tempo deixa de ser um acessório para tornar-se um componente

estrutural e condicional para a celebração e execução do contrato.

O aperfeiçoamento da compreensão do contrato de longa duração é um

pressuposto para que objetivos que demandam relações jurídicas estáveis, cooperativas

e longas possam ser alcançados com maior eficiência econômico-financeira,

previsibilidade para as partes e harmonia com os valores sociais. E ele parece encontrar

apoio nas transformações ocorridas no Estado, na sociedade e no sistema jurídico.5

O conceito clássico de contrato, no qual a vontade representa a gênesis, a

legitimação do contrato e a sua obrigatoriedade para as partes –, ignora a situação

econômica e social dos contratantes, pois pressupõe a existência de igualdade e de

liberdade na celebração do pacto. Essa concepção individualista e liberal foi superada

1 Cf. Azevedo, as circunstâncias negociais “constituem o verdadeiro elemento definidor” do negócio

jurídico. (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4 ed.

São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1). 2 A Constituição Federal estabelece em seu artigo 170 que a ordem econômica se funda na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, e tem como finalidade assegurar a todos existência digna,

pautando-se, dentre outros, pelo princípio da defesa do consumidor. Por isso, pode-se dizer que o Brasil

adotou o capitalismo social. 3 STJ. 4ª Turma. REsp nº 966.163/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04/11/2010.

4 Cf. aduzido por OPPO, como conceito científico o contrato de duração teria atualmente 103 anos, tendo

sido formulado por OSTI e outros na Itália e por GIERKE na Alemanha. Embora a doutrina pouco a

ele tenha se dedicado, cabe classifica-lo como fundamental, pois além de todos os problemas atinentes

aos contratos em geral, acrescenta-se a ele a duração. (OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista

di Diritto Commerciale, 1943, p. 143-144). 5 Cf. Enzo Roppo, o contrato é um conceito jurídico que, para seu conhecimento, reclama que se tome

“em atenta consideração a realidade económica-social que lhe subjaz e da qual ele representa a

tradução científico-jurídica”. ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 7-8.

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no Brasil pela Constituição Federal de 1988, em especial ao estabelecer um capitalismo

de caráter social, pelo Código de Defesa do Consumidor de 1990 e, em 2002, pelo

Código Civil.6

Neste contexto, ao contrato é atribuída uma concepção social, na qual, como

ensina Cláudia Lima Marques, “não só o momento da manifestação da vontade

(consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na

sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas

nele envolvidas ganha importância”. 7

Destarte, na primeira parte deste trabalho é às características e ao conceito de

contrato de longa duração que se dará atenção. Em seguida o direciona-se para a

interpretação dos contratos de consumo e empresariais de longa duração. E, por fim,

examinar-se-á os limites jurídicos impostos pelo sistema jurídico à pretensão do

fornecedor, no caso de relação de consumo, ou do empresário, no caso de contratos

empresariais, de resolver o contrato.

1. Do contrato de consumo e empresarial de longa duração

De plano, sublinha-se que não obstante este trabalho direcionar-se para os

contratos de consumo e empresariais de longa duração, a relação obrigacional de

duração não é exclusiva do direito das obrigações, se encontra também nas relações de

família e nas relações reais.8

Ao contrato de longa duração, não expressamente positivado no ordenamento

brasileiro como tal, deve-se dar trato particular, porquanto possui, como referido,

elementos que o diferem dos contratos em que houve o parcelamento do preço. Nestes

6 Assim, o diálogo das fontes – cf. proposto por Erik Jayme, explicitado por Cláudia Lima Marques e

acolhido pelo STJ – parece deixar de ser uma opção e passa a ser uma condição para a concepção e

interpretação que contemple a totalidade da relação contratual no contexto social e econômico do

século XXI. Quanto ao tema, ver: MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo

das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o código civil

de 2002. In: JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE, Paolo

(Coord.). Princípios do novo Código Civil Brasileiro e outros temas: homenagem a Tullio Ascarelli. 2.

ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 129-168. 7 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 62. 8 OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 143-250, 146.

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casos ocorre a extinção parcial do débito mediante o adimplemento da prestação,9 o que

não ocorre nos contratos de longa duração, nos quais a obrigação permanece ao longo

de toda a relação contratual. Atenta-se para a lição de Clóvis do Couto e Silva: “Esse

tipo de inserção do tempo na essência do vínculo não se manifesta nas obrigações com

prestação divisível”. 10

O contrato de longa duração se apresenta como um constante tráfego de

transações econômicas entre as mesmas partes por um longo período de tempo, ao

conjunto destas transações, que se computam conforme o convencionado, se dá a partir

e na relação jurídica contratual de longa duração, que é una.11

A relação jurídica se caracteriza por manter constante as obrigações que as

partes pactuaram ao longo de toda a sua existência. Por isso, Clóvis do Couto e Silva

sublinha que a inserção do tempo na essência da obrigação significa “dizer que o débito

é o mesmo em novo momento temporal”.12

Ou como constata Giorgio Oppo, o contrato

é constituído por várias prestações que se consideradas isoladamente podem constituir o

objeto de vários contratos, o que os unifica é a duração da relação jurídica unitária. 13

Em sua gênese, o contrato de duração não difere daquele instantâneo, porém se

diferencia pela execução que continuamente se atualizar e se prolongada. Nos contratos

de longa duração não é ato jurídico em si que se prolonga, mas sim a relação que se

renova com o contínuo adimplemento.14

A sua função em satisfazer o interesse dos contratantes não está no fato

constitutivo, mas sim na relação, ou, de outra forma, a duração do ato de adimplemento

é reflexo da duração da relação.15

A duração, como função do contrato, corresponde a

satisfação continuada de um interesse durável. Assim, deve durar a relação e o seu

9 COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 212.

Exemplifica o jurista: quem “contrata empréstimo, para solvê-lo, em partes, no período de 10, 20, 30

ou mesmo 50 anos, não contraiu obrigação duradoura, no sentido técnico do termo.” Idem, p. 212. 10

COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 212-

213. 11

Cf. Clóvis do Couto e Silva: “A obrigação duradoura supõe sempre um contrato unitário, do qual ela

promana.” (COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky,

1976, p. 213). Em sentido idêntico, OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto

Commerciale, 1943, p. 143-250, 146. 12

COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 212. 13

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 175. 14

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. Rivista di Diritto Commerciale, 1943, p. 148. 15

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. Rivista di Diritto Commerciale, 1943, p. 152.

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contínuo adimplemento. 16

A duração do adimplemento é a causa do contrato, que

somente cumpre a sua função econômica e é útil para as partes se se prolongar no

tempo.17

Isso permite se imaginar que, no plano teórico, a relação de duração teria

potencial para se estender por um prazo indefinido, sem limite temporal, enquanto

cumprir a sua função econômica e ser útil para as partes. Também por isso, a sua função

mais importante é a de duração, que ocorre na contínua relação,18

como sublinhado por

Clóvis do Couto e Silva: “Nesse ponto, precisamente, manifesta-se o discrime

fundamental, pois nas obrigações duradouras, enquanto não vencido o prazo, ou resilido

por denúncia, o dever de prestação permanece sem modificação em seu conteúdo.” 19

O conteúdo e a eficácia das obrigações convencionadas permanecem ao longo de

toda a relação jurídica: o adimplemento extingue o efeito da obrigação, a qual gerará o

mesmo efeito até o término da relação jurídica. É com a extinção da relação jurídica de

longa duração que as obrigações, consequente e naturalmente, extinguir-se-ão, e não

com o adimplemento como usualmente ocorre. O contrato conserva-se em sua

integralidade até o seu último instante.20

Ou seja, nesta categoria de contrato as

prestações se configuram em face da duração, e não esta em face das prestações, a sua

medida quantitativa depende da relação. A determinação da prestação em função do

tempo é exclusiva dos contratos de duração.21

O tempo não é um acessório, mas sim uma nota individualizante da prestação, de

modo que a obrigação não se extingue pelo adimplemento mas apenas pelo transcurso

do tempo, como elucida Giorgio Oppo.22

Clóvis do Couto e Silva também enfatiza a

importância do elemento tempo nas obrigações duradouras assim: “Essas obrigações

são mais ricas numa dimensão, no tempo, no elemento duradouro, o qual se relaciona

com a essência do dever de prestação”. 23

16

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 156, 157 e 159. 17

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 174. 18

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 152. 19

COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 212. 20

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 237. 21

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 169-170. 22

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 148. 23

COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 211.

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Giorgio Oppo compara o contrato de fornecimento de energia elétrica e o de

fornecimento de combustível firmado com uma empresa, para demonstrar que pode ser

de duração tanto o contrato com execução continuada, quanto o de execução periódica.

Em ambos os casos o valor da prestação é determinado pela duração ou em face da

duração.24

Com enfoque específico nos contratos de consumo de longa duração, atenta-se

para o ensinamento de Cláudia Lima Marques, que reconhece que mesmos os contratos

de duração tiveram de se submeter às novas técnicas contratuais, notadas como

“indispensáveis ao atual sistema de produção e distribuição em massa, não havendo

como retroceder o processo e eliminá-las da realidade social”,25

porém acrescenta, e isso

é especialmente importante para a interpretação dos contratos de longa duração, que

“ninguém duvida de seus perigos para os contratantes vulneráveis ou consumidores”.26

A doutrina costuma citar esses contratos como de consumo de longa duração:

contrato de seguro-saúde, contrato de assistência médica, contrato de previdência

privada, contratos de serviços de aproximação de interessados e os contratos de

fornecimento de água, luz e telefone.27

E de contratos de empresariais de longa duração:

contrato de agência, contrato de representação comercial, contrato de concessão,

contrato de distribuição, contrato de comissão, contrato de mediação e contrato de

franquia.28

Enfim, itera-se: (i) precisamente, não é o contrato que é de duração, mas sim a

relação contratual;29

e (ii) o ato gerador da relação duradoura não se distingue daquele

24

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 180. 25

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 77. 26

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 77. 27

Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das

relações contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 98. 28

Para Oppo, o contrato de mútuo não é de duração, porque a função de duração não integra o conteúdo

principal do contrato, ela é acessória. Tampouco o seguro, porque inexiste a execução continuada, o

adimplemento está localizado em um ponto específico do tempo, sendo a obrigação do segurado

instantânea ou apenas prorrogada no tempo. OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto

Commerciale, 1943, p. 163. 29

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 145.

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que gera uma relação instantânea, por isso a duração não tem o contrato como fonte,

mas sim o efeito do contrato, ou seja, a sua execução.30

2. Pautas para a sua interpretação

A interpretação do contrato de longa duração visa a ele conferir “uma actuação

concreta e assim realizar, efetivamente, a operação económica que lhe corresponde.” 31

Construir e reconstruir o sentido e o alcance do objeto é interpretar, encontrando-se na

fundamentação dos argumentos a sua dignidade.32

A interpretação de um contrato exige a identificação do conteúdo, do seu

significado e alcance, formador da intenção comum consubstanciada na declaração,

segundo a norma do artigo 112 do Código Civil.

E a equação que ocupa o centro de toda a relação contratual empresarial é

composta por lucro (em sentido amplo) e riscos.33

A interpretação que ignorar a equação

econômico-financeira acordada pelas partes nos contratos empresariais, inclusive nos

contratos de longa duração, acabará por contrariar a intenção comum das partes.

A expectativa legítima das partes nos contratos empresariais, mesmo quando a

relação é bastante duradoura, é inseparável da equação econômico-financeira que

contempla a análise, de um lado, da possibilidade de o negócio gerar lucro, e, de outro,

prejuízo pela ocorrência do que se tinha como riscos. A interferência do intérprete nesta

equação altera a intenção comum das partes. Reitera-se que o contrato ainda é um

instrumento de liberdade contratual e de eficiência econômica, mesmo que de liberdade

qualificada, que se inspira “na lealdade e na confiança, que devem existir entre as

30

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 148. 31

ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 169. 32

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.

Petrópolis: Vozes, 2008, p. 361. Cf. Guido Alpa: “‘interpretazione’ significa il complesso dei

procedimenti usati, dei metodi seguiti, dele manipolazioni compiute, dei risultati prodotti, di un técnico –

per l’appunto il giurista – rispetto ad un testo (se opera sul diritto scritto) o ad un comportamento (se

opera sul diritto consuetudinario).” (ALPA, Guido. Manuale di diritto privato. 4 ed. Padova: CEDAM,

2005, p. 113). 33

Para ver a relevância da equação econômica para a interpretação dos contratos empresariais, ver: STJ.

REsp nº 532.570-RS, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13/12/2004. STJ, REsp nº 127.918-8-

SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18/06/2015. STJ. REsp nº 1.412.658-SP, 4ª T., Rel. Min.

Luis Felipe Salomão, DJe 01/02/2016. TJRS. AC nº 700.242.719.26, 5ª CC., Des. Rel. Leo Lima, j.

13/05/2009.

48

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partes; e a eficiência consiste na adaptação das cláusulas contratuais às necessidades do

mercado”.34

A exigência de se identificar a intenção comum consubstanciada nos contratos

de longa duração ganha uma perspectiva particular. Nesses, a intenção comum

provavelmente não mais se encontrará – certamente não por inteira – no texto inscrito

no instrumento contratual quando no início da relação contratual. Isso porque os

conflitos entre os contratantes, se o contrato foi exitoso, ocorrerão muitos anos após a

sua redação. Muitas situações fático-jurídicas relevantes para a relação contratual

ocorreram ao longo dos anos e foram solucionadas pelas partes por acordos não

necessariamente formalizados por escrito.

Daí se afirmar que o texto do instrumento é, definitivamente, apenas o ponto de

partida para a interpretação de cláusula inscrita em contrato de longa duração, sobretudo

com os contratos empresarias. A sua interpretação deverá considerar a totalidade da

relação jurídica e as suas especificidades, os ajustes não escritos, a soluções adotadas ao

longo da duração que somente por meio do comportamento satisfativo das partes

manifestaram a sua comum intenção.35

O comportamento praticado pelas partes na execução do contrato empresarial de

longa duração é que evidencia a atual interpretação elas conferem ao interesse comum

contratado.36

Nessa senda, a posição de Paula Forgioni: “ Uma das mais aplicadas e

difundidas pautas de interpretação dos contratos empresariais é o comportamento das

partes posterior ao ato da celebração do negócio como melhor indício da intenção

34

WALD, Arnoldo. O interesse social no direito privado. O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias

contemporâneas – estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. TEPEDINO, Gustavo;

FACHIN, Luiz Edson (coordenadores). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 84. 35

Cf. Judith Martins-Costa: “É de ajuste à vida, e não de rígidos tipos que trata a atividade hermenêutica.

[...] Para lidar com tão fundo paradoxo o Código Civil oferece o postulado fático-normativo das

circunstâncias do caso. Que os intérpretes logrem, pois, atendê-lo, entreouvindo, pelas linhas do sistema,

o eco do mundo real, pano de fundo de uma partitura a ser laboriosamente composta entre Direito e

realidade.” MARTINS-COSTA, Judith. O método da concreção e a interpretação dos contratos: primeiras

notas de uma leitura suscitada pelo Código Civil. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo

(coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas. v. 4. São Paulo: Método, 2005, p. 154-155. 36

Quanto à aplicação da Teoria dos Atos Próprios e da aplicação das figuras da supressio, da surrectio,

do venire contra factum proprium e do tu quoque ver: STJ. 3ª T., REsp nº 1.085.903/RS, Rel. Min. Nancy

Andrighi, j. 20/8/2009. STJ: STJ, 3ª T., REsp 1.162.985/RS, Rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 18/6/2013.

STJ. 4ª T., REsp 1040606/ES, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24/04/2012, DJe 16/05/2012. TJSP. AI

nº 0174717-74.2012.8.26.0000, 31ª CC, Rel. Des. Antonio Rigolin, j. 04/09/2012.

49

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comum que tiveram ao contratar.” 37

No mesmo sentido, Díez-Picazo: “De gran

relevancia interpretativa es la conducta o comportamiento de las partes en la

preparación de las prestaciones contractuales y en la espontánea ejecución de las

mismas”.38

O comportamento das partes manifesta no plano dos fatos a intenção comum das

partes – é a intepretação sob medida realizada pelos próprios contratantes – e exerce

uma função integradora do conteúdo do contrato. Por isso que caso uma das partes

identifique um comportamento da outra parte diferente daquele exigido pela intenção

comum pactuada, é seu dever, no menor espaço de tempo possível e da forma mais

benéfica possível para a relação, comunica-la.

Caso a comunicação não ocorra, e ao comportamento inicialmente em desacordo

com a norma contratual é dado sequência no programa contratual, com a sua reiterada

aceitação, o próprio conteúdo ou alcance da norma terá sido alterado pelo

comportamento das partes, que, como dito, atualizam a intenção comum

consubstanciada na relação contratual que se prolonga no tempo.

No que tange aos contratos de consumo de longa duração, esses são, via de

regra, formalizados mediante contrato de adesão, cujas determinações foram redigidas

pelo fornecedor, cuidadosamente revisadas por advogados, e, então, adotadas pelo

fornecedor como padrão, inalterável por diversas razões, exceto quanto às

especificações do produto ou serviço contratado.

A praticidade e a eficiência do modo de contratar em massa é inquestionável. No

entanto, a interpretação não pode desconsiderar o fato de que nestes casos as partes

nunca sentaram para efetuar tratativas que as certificassem de que o texto escrito refletia

a intenção comum. Por isso que, em caso de conflito, o texto deve ser lido com cautela e

sua carga argumentativa bem relativizada. O contrato não possui paridade quanto à

vontade e liberdade das partes, daí a prevalência da interpretação mais favorável ao

aderente em caso de dúvida (art. 47 do CDC). A dependência presente nos contratos de

37

FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2015, p. 250. 38

DÍEZ-PICAZO. Fundamentos del derecho civil patrimonial: introducción teoría del contrato, v. 1. 6

ed., Cizur Menor (Navarra): ARANZADI, 2007, p. 503.

50

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consumo de longa duração exige que a interpretação promova o caráter protetivo das

normas do CDC.

Dessa forma, para a interpretação dos contratos de consumo de longa duração o

comportamento das partes não tem a mesma carga argumentativa que possui quando se

trata de relação contratual empresarial. Porém, havendo algum peculiar comportamento

com valor jurídico, esse deverá sempre ser interpretado em favor do consumidor, em

atenção à primazia da cláusula pactuada individualmente quando favorável ao

consumidor (art. 47 do CDC). Importante o intérprete respeitar essa regra.

No contrato de consumo de longa duração a primeira equação que o intérprete

não poderá ignorar é composta pelo nível de vulnerabilidade do consumidor e pelo grau

de essencialidade que o bem objeto da obrigação possui. A operação econômica inserida

neste contrato nem sempre ocupa o espaço central e determinante para a construção da

norma. A equação econômica, presente em qualquer contrato, deverá ser relativizada

quando o nível de vulnerabilidade do consumidor e a essencialidade do bem forem

elevados, o que fará com que a interpretação seja mais favorável ao consumidor

vulnerável quando o bem contratado é essencial para a sua existência digna.39

Nesse

sentido, a proposta de Teresa Negreiros: “A classificação dos bens em essenciais, úteis e

supérfluos e sua utilização como fator de diferenciação dos contratos que tenham por

objeto a sua aquisição ou utilização são propostas interpretativas [...].” 40

A eficácia do princípio da autonomia privada é mais ampla – há mais

possibilidade para as partes exercerem a liberdade contratual – quanto aos contratos

empresariais de longa duração do que ocorre com os contratos de consumo de longa

duração, que possuem por conta da vulnerabilidade do consumidor e da essencialidade

do bem normas legais de caráter protetivo cogente quanto à validade e eficácia do

conteúdo. O princípio da autonomia privada encontra na vontade das partes a principal

fonte das determinações do regulamento contratual,41

e nas normas legais de caráter

imperativo o seu limite.42

39 Quanto à aplicação do paradigma da essencialidade pelo STJ, ver os precedentes: STJ, REsp nº

1.479.420/SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 11/9/2015. STJ. REsp nº 1.537.301-RJ, 3ª

T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 23/10/2015. 40

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 449. 41

ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 142. 42

DÍEZ-PICAZO. Fundamentos del derecho civil patrimonial: introducción teoría del contrato, v. 1. 6

ed., Cizur Menor (Navarra): ARANZADI, 2007, p. 155.

51

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O artigo 113 determina que os negócios jurídicos devem ser interpretados

conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração. A boa-fé conforma a interpretação.

Caso a norma contratual – resultado da interpretação – não possa ter a sua determinação

subsumida ao conteúdo da boa-fé, então essa interpretação não é a melhor para o

contrato de longa duração, e para nenhum outro contrato.

De todas as condutas que promovem a boa-fé cumpre neste trabalho destacar

quanto ao contrato de longa duração o dever de proteção da confiança, acerca da qual

cita-se crucial lição de Judith Martins-Costa: “A confiança é a matriz do princípio

hermenêutico da boa-fé que importa em interpretar e integrar os contratos segundo os

valores da legítima crença e da conduta proba, correta e leal”. 43

Ocorre que o conteúdo fático hipotético que preenche a boa-fé é ainda mais

imperativo e inescusável quanto à conduta do fornecedor na relação de consumo. Como

explicitado por Cláudia Lima Marques, “a melhor linha de interpretação de um contrato

ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, que permite uma visão

total e real” do contrato de longa duração”.44

A boa-fé se traduz como condutas transparentes, cooperativas, contributivas,

respeitosas, comunicativas, precisas, previsíveis, leais, íntegras e éticas. Condutas que

se exigem em qualquer relação, e com ainda mais contundência, regularidade e firmeza

nas relações contratuais de longa duração, sempre de ambas as partes, conforme a sua

capacidade de executá-las. Com ainda maior contundência deve ser a proteção conferida

pelo sistema jurídico ao consumidor vulnerável quando de bem essencial para a sua

dignidade trata-se o bem contratado.

Quanto aos usos do lugar da celebração, difícil imaginar que tal fator pudesse ter

preponderância para fundamentar, como razão de decidir, a interpretação de um

contrato de consumo de longa duração, instrumentalizado por contrato de adesão

43

MARTINS-COSTA, Judith. O método da concreção e a interpretação dos contratos: primeiras notas de

uma leitura suscitada pelo Código Civil. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coord.).

Novo Código Civil: questões controvertidas. v. 4. São Paulo: Método, 2005, p. 140. 44

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 218.

52

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padronizado para inúmeras regiões do país. Caso isso ocorra, é certo que a interpretação

deverá ser favorável ao consumidor.

Situação diversa ocorrerá com os contratos empresariais de longa duração. Aqui

os usos do lugar da celebração, se passível de a eles o comportamento das partes ser

subsumido como demonstração da intenção comum, ele conformará a interpretação em

harmonia com a boa-fé.

Na intepretação dos contratos de longa duração que requererem, por sua

natureza, que uma das partes efetue investimentos consideráveis para a sua execução, a

denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a

natureza e o vulto dos investimentos. A regra posta no parágrafo único do artigo 473 do

Código Civil tem muita relevância em se tratando de contrato que tem na sua duração o

seu elemento central.

Registra-se que ao intérprete compete, ademais, verificar se ao contrato de longa

duração outros estão vinculados, e, em caso positivo, considerar se a interpretação deve

abranger toda a rede contratual a qual o contrato de longa duração está conectado.

Em radical síntese, conclui-se: a) A interpretação do contrato de consumo de

longa duração violará o sistema jurídico quando não ser conformada pela boa-fé à luz

do paradigma da essencialidade; b) a interpretação do contrato empresarial de longa

duração violará o sistema jurídico quando não ser conformada pela boa-fé à luz da

operação econômica presente na intenção comum dos contratantes.

3. Limites a sua resolução

De plano, deve-se informar que até aqui a palavra resolução foi utilizada como

gênero, o qual contempla duas espécies, como explicitado por Araken de Assis com

base no entendimento da doutrina francesa: a resolução propriamente dita, cujos efeitos

são ex tunc; e a resilição, cujos efeitos são ex nunc.45

Desse modo, quando adiante não

houver referência expressa à resolução enquanto gênero é porque de resolução em

45

ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991, p. 69.

53

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sentido estrito se trata, com o significado que lhe atribui Araken de Assis: extinção do

contrato em face de razão superveniente a sua celebração.46

A resilição do contrato de longa duração por prazo indeterminado é possível,47

desde que nos termos determinados pelas normas de caráter protetivo quando,

evidentemente, incidirem na relação contratual específica do caso. Aliás, quanto à

irretroatividade dos efeitos quando ocorre a extinção do vínculo contratual, Giorgio

Oppo refere-se como a evidência de que a aplicação prática correta do contrato de

duração.48

Desse modo, far-se-á uso do significo atribuído à expressão resilição por

Clóvis do Couto e Silva: “Este direito é específico das obrigações duradouras e não se

confunde com o de resolução ou de impugnação. Opera-se, com seu exercício, a

resilição e extingue-se ex nunc a dívida”. 49

Ao se enfatizar os limites à resolução enquanto gênero, almeja-se reforçar o

dever das partes de atuarem para adaptar o conteúdo do contrato às contingências

inerentes ao transcurso dos anos, preservando-se a relação jurídica, não obstante a

ocorrência de algum fator superveniente que pudesse justificar a extinção do vínculo.

Portanto, o esforço é enorme, porque, em última análise, trabalha-se para

encontrar argumentos jurídicos capazes de fundamentar a não aplicação de um direito

expressamente positivado: o direito de a parte requerer a resolução ou a resilição do

contrato.50

Antes de se avançar, merece registro que há uma série de limites legais

específicos estabelecidos por normas de caráter protetivo para certos tipos de contratos

que se classificam como de longa duração. Por exemplo, cita-se a Lei nº 4.886, de

9/12/1965, que regula as atividades dos representantes comerciais, e a Lei nº 6.729, de

46

ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991, p. 66. 47

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 240. 48

OPPO, Giorgio. I contratti di durata. In Revista di Diritto Commerciale, 1943, p. 244. 49

COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Buschatsky, 1976, p. 214-

215. 50

Quanto à resolução propriamente dita, dispõe o artigo 475 do Código Civil: “A parte lesada pelo

inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo,

em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” E quanto à resilição, o artigo 473 do Código

Civil prevê: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera

mediante denúncia notificada à outra parte.”

54

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28/11/1979, que rege a concessão comercial entre produtores e distribuidores de

veículos automotores. O mesmo ocorre, de forma mais aguda e intensa, com os

contratos de consumo de longa duração, que não raro se subordinam às regulações

administrativas e às leis voltadas especificamente para o fornecimento de determinados

produtos e serviços.51

A tais limites e à dogmática das cláusulas abusivas relacionados

aos contratos de longa duração outro trabalho deverá ser dedicado.

Avança-se. A pesquisa evidencia que possuem resistência, consistência e

profundida para evitar a aplicação das normas que conferem o direito do contratante de

requerer a extinção do contrato, os seguintes fundamentos jurídicos: (i) princípio da

boa-fé, (ii) princípio da conservação dos contratos, (iii) princípio do equilíbrio

econômico dos contratos e o (iv) instituto do abuso de direito. Cumpre examiná-los de

forma objetiva e exclusivamente com o enfoque proposto por este trabalho.

(i) Princípio da boa-fé

A concretização do princípio da boa-fé pelas partes desde a celebração e ao

longo de toda fase de materialização do contrato de longa duração por meio de

comportamentos transparentes, íntegros, cooperativos e oportunos, talvez seja o mais

abrangente e denso limite jurídico que se possa opor ao direito de resolução ou de

resilição de um contrato de longa duração.

Isso não apenas porque a sua eficácia exercerá um papel preventivo para evitar

o surgimento de conflitos entre as partes, mas também porque a concretização plena do

princípio da boa-fé – objetiva e subjetiva – provocará o diálogo constante, claro e

preciso entre as partes ao longo da execução do contrato, e esse é o melhor meio de se

evitar que qualquer contratante queira exigir a resolução ou mesmo a resilição de um

contrato de longa duração por razões que poderiam ser superadas se as partes

cooperassem uma com a outra.

(ii) Princípio da conservação do contrato

51

Ver: MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das

relações contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 108-109.

55

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O contrato contém em si conexões normativas que foram previstas para sustentar

a relação jurídica por um longo período nos contratos de duração. Os custos de

transação para celebrá-lo já foram suportados pelas partes. Esses dois aspectos já

revelam que há argumentos passíveis de fazer com que o princípio da conservação do

negócio encontre argumentos fático-jurídicos para prevalecer sobre o direito à resolução

ou à resilição do contrato.

O princípio da conservação do contrato tem condições, em tese, de ser invocado

para afastar a qualquer norma que sustente o pedido arbitrário de extinção da relação

contratual, todavia, necessitará de fatos que possam preenchê-lo a ponto de fundamentar

a sua prevalência sobre outra norma jurídica. Nesse sentido, valioso o ensinamento de

Cláudia Lima Marques quanto ao desenvolvimento de um modelo teórico que

fundamente a compreensão e a aplicação de deveres preventivos e contínuos que

estabilizem a justiça contratual.52

A preservação do contrato é uma exigência social e econômica para uma

existência digna na sociedade atual. Ignora a possibilidade de se conservar o contrato é

conferir caráter absoluto aos argumentos puramente econômicos ou matemáticos, com o

que não compactua o sistema jurídico brasileiro.53

A eficácia do princípio ganha em alcance e profundidade quando o objeto da

obrigação contratada pertence a uma classe de bens compreendidos pela sociedade

como essenciais para uma existência digna,54

e o consumidor sofreria restrição grave no

que tange ao uso de tais bens, evidenciando-se social e economicamente vulnerável.

Aplica-se o paradigma da essencialidade para promover normas capazes de restabelecer

a continuidade do consumidor na relação contratual, todavia, sem que isso se confunda

com solidariedade social.

(iii) Princípio do equilíbrio econômico do contrato

52 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 101. 53

MARTINS-COSTA, Judith. O método da concreção e a interpretação dos contratos: primeiras notas de

uma leitura suscitada pelo Código Civil. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coord.).

Novo Código Civil: questões controvertidas. v. 4. São Paulo: Método, 2005, p. 140. 54

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 201.

56

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A alteração de variáveis relevantes para a continuidade de um contrato requer

que as partes atuem para o restabelecimento da eficácia do princípio do equilíbrio

contratual, preservando-se a justiça contratual. Na seara do direito do consumidor,

poder-se-ia almejar que essa atuação das partes consistisse em um dever de

renegociação.

É nas relações duradouras de consumo que a eficácia do princípio do equilíbrio

econômico do contrato ganha sua plenitude, prescrevendo que o equilíbrio deverá ser

mantido estável independentemente da previsibilidade do fato superveniente. Aí a sua

eficácia exerce dupla função, de um lado (como eficácia negativa), como um importante

limite à resolução do contrato; e, de outro (como eficácia positiva), como determinação

para que o fornecedor tome as medidas para restabelecer e preservar a justiça

contratual.55

A interpretação do princípio do equilíbrio econômico com base no paradigma da

essencialidade tem como finalidade proporcionar para o consumidor efeitos menos

radicais para o consumidor do que aqueles que adviriam em caso de extinção do vínculo

contratual de longa duração. A possibilidade é defendida por Teresa Negreiros.56

Assim como ocorre com o princípio da conservação do contrato, a eficácia do

princípio do equilíbrio econômico atinge sua efetividade concreta nos contratos de

consumo que versam sobre bens essenciais para a dignidade da pessoa.57

Contudo, não

tem a ver com solidariedade social. Se tivesse, a aplicação do princípio seria pretexto

para fazer caridade sem consenso, o que violaria a natureza econômica do contrato e

acabaria por ignorar a intenção comum dos contratantes.

(v) Instituto do abuso do direito

55 Sobre o tema, ver: STJ. REsp nº 1.321.614-SP, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para o

acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 3/3/2015.

56 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 201.

57 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 201.

57

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O abuso do direito se manifesta no exercício de um direito “sem observância dos

princípios informadores do direito exercido em si, e do próprio sistema jurídico”, com o

que viola a norma que o fundamenta e o sistema.58

A fim de afastar a incidência da norma que confere o direito de resolução, é que

se invoca a abuso do direito, cuja previsão está no artigo 187 do Código Civil.59

É a

incidência da norma posta no artigo 187 que impedirá que a eficácia do direito à

resolução se concretize e acabe por extinguir a relação jurídica. Como cláusula geral,

seu grande desafio é, como toda cláusula geral, sua concreção.60

O exercício do direito de resolução ou resilição que contraria a confiança da

comunidade no sistema jurídico e no significado de seus valores, e não apenas a

confiança do consumidor na relação contratual, pode ser subsumido no conceito de

abuso do direito.61

Neste sentido, o limite ao exercício do direito subjetivo funda-se e se

manifesta na defesa do “interesse das partes e ao interesse social de efetividade do

Direito em sua finalidade de obtenção do justo, como decorrência da limitação do

interesse individual do titular do direito em favor de outros interesses juridicamente

relevantes”.62

Considerações finais

A natureza do contrato é de duração, sem a qual o contrato não concretizará a

sua finalidade econômica, e será pouco – ou quase nada – útil para as partes, uma vez

que a continuidade da relação jurídica é que que permite que a execução continuada do

58

MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas

no Direito Privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 121. 59

Art. 187, CC: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons

costumes.” 60

MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas

no Direito Privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 123. 61

MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas

no Direito Privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 170. 62

MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas

no Direito Privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 176.

58

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contrato ocorra mediante repetidos adimplementos, sem que se esvaia a obrigação, a que

se extinguirá apenas quanto encerrar a relação contratual.

Nos contratos empresarias de longa duração, o texto é o ponto de partida e será

de retorno, o qual apenas ocorrerá depois do intérprete identificar e apreender a intenção

comum das partes no inteiro contexto da relação jurídica e no comportamento

sistemático das partes até o momento em que divergiram quanto ao significado ou ao

alcance de uma ou de algumas das normas previamente acordadas.

À interpretação do contrato de consumo de longa duração deve-se dar atenção

redobrada, não só em face da proteção legal conferida ao consumidor – vulnerável ou

não –, mas também muito em decorrência da essencialidade do objeto da obrigação para

sua existência digna ao longo de um período expressivo de sua vida.

No contexto atual, há a necessidade de se investigar formas de ampliar a eficácia

do princípio da boa-fé, da conservação do contrato, do equilíbrio contratual e do

instituto do abuso do direito, para que se consiga avançar na construção de limites mais

densos, objetivos e precisos à resolução dos contratos de longa duração, sobretudo nos

de consumo. Para isso, confiança e cooperação são pressupostos.

Referências

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Contratos relacionais, existenciais e de lucro. Revista

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