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XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF
DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS
JOSÉ RENATO GAZIERO CELLA
CINTHIA O. A. FREITAS
Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte destes anais poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregadossem prévia autorização dos editores.
Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP
Conselho Fiscal:
Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE
Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)
Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP
Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF
Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC
Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
D598
Direito, governança e novas tecnologias [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI /UnB/UCB/IDP/ UDF;
Coordenadores: Cinthia O. A. Freitas, José Renato Gaziero Cella – Florianópolis: CONPEDI, 2016.
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-177-7
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO E DESIGUALDADES: Diagnósticos e Perspectivas para um Brasil Justo.
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Governança. 3. Novas Tecnologias.
I. Encontro Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Brasília, DF).
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF
DIREITO, GOVERNANÇA E NOVAS TECNOLOGIAS
Apresentação
No XXV Encontro Nacional do CONPEDI, realizado de 06 a 09 de julho de 2016, que teve
lugar na Universidade de Brasília - UnB, e que foi organizado pelo Curso de Pós-Graduação
em Direito - Mestrado e Doutorado, da UnB - Universidade de Brasília; pela Universidade
Católica de Brasília - UCB; pelo Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; e pelo
Instituto Brasiliense do Direito Público - IDP, o Grupo de Trabalho - GT “Direito,
Governança e Novas Tecnologias” se destacou no evento não apenas pela qualidade dos
trabalhos apresentados, mas pelo numeroso público, composto por pesquisadores-expositores
e interessados, que deixou a sala AT085 (onde o grupo se reuniu) repleta até o término das
atividades. Foram apresentados 14 artigos objeto de um intenso debate presidido pelos
coordenadores e acompanhado pela participação instigante do público presente.
Esse fato demonstra a inquietude que os temas tratados no GT despertam na seara jurídica.
Cientes desse fato, os programas de pós-graduação em Direito empreendem um diálogo que
suscita a interdisciplinaridade na pesquisa e se propõem a enfrentar os desafios que as novas
tecnologias impõem ao Direito. Para apresentar e discutir os trabalhos produzidos sob essa
perspectiva, os coordenadores do grupo de trabalho dividiram os artigos em blocos, que se
congregam nesta coletânea.
A proteção à privacidade foi o pano de fundo do primeiro bloco de trabalhos apresentados. O
direito à privacidade e a proteção de dados pessoais encontraram destaque no enfrentamento
de temas como “zonas de convergência e conflito no que se refere aos direitos à privacidade
e proteção de dados”, “relações trabalhistas e o direito fundamental à autodeterminação
informativa”, a “proteção jurídica dos dados pessoais na Internet”, “captação e proteção de
dados pessoais no Brasil”, e “privacidade do consumidor e captura de dados pessoais pelo
fornecedor nos contratos eletrônicos”.
Os aspectos gerais da sociedade da informação foram objeto do segundo bloco de trabalhos
que versaram sobre a “crise da soberania estatal e a Internet como instrumento ora de
dominação ora de emancipação social no contexto da globalização do século XXI”,
“banalização do exibicionismo e cultura do ódio na sociedade digital em função da agilidade
de troca de informações”, “direito de acesso ao mundo virtual na sociedade informacional”,
“regulamentação da Internet e a sua relação com o Estado nas sociedades contemporâneas”,
“o acesso à Internet como bem essencial e o projeto do Facebook Internet.Org” e, finalmente,
discutiu-se sobre “crise na informação, questionando se os dados e informações digitais
constituem-se em verdadeiro patrimônio economicamente aferível e proveitoso ao seu
originador”.
As discussões acerca da democracia eletrônica congregaram temas como “efemeridade e
liquidez das informações num contexto de redes sociais e computação em nuvem”,
“tecnologias de informação como ferramentas de luta por direitos fundamentais”, “a
tecnologia e o direito à informação como contribuintes para o exercício da democracia e o
meio ambiente” e “movimentos sociais, crimes e cidadania no contexto da sociedade em
rede”, descortinando o terceiro bloco de artigos apresentados no grupo de trabalho.
Os artigos que ora são apresentados ao público têm a finalidade de fomentar a pesquisa e
fortalecer o diálogo interdisciplinar em torno do tema “direito, governança e novas
tecnologias”. Trazem consigo, ainda, a expectativa de contribuir para os avanços do estudo
desse tema no âmbito da pós-graduação em Direito brasileira, apresentando respostas para
uma realidade que se mostra em constante transformação.
Os Coordenadores
Prof. Dr. José Renato Gaziero Cella
Profa. Dra. Cinthia Obladen de Almendra Freitas
1 Mestrando em Direito Privado pela PUC Minas; Advogado.
2 Doutoranda em Direito Privado pela PUC Minas com bolsa da FAPEMIG; Mestre em Direito Privado pela PUC Minas; Professora de Direito Civil na FACHI/FUNCESI e na Nova Faculdade.
1
2
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO INTERNET.ORG COMO UMA PRÁTICA DE DIFUSÃO DE ACESSO À REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES
A CRITICAL ANALYSIS OF INTERNET.ORG AS AN PRACTICE OF SPREAD THE WORLD WIDE WEB
Daniel Evangelista Vasconcelos Almeida 1Juliana Evangelista de Almeida 2
Resumo
A Internet é cada vez mais acessada pelos usuários, podendo ser considerado como um bem
essencial. Entretanto, o acesso não é disponível a todos, sendo necessário que se difunda tal
bem ante a possibilidade de se considerar um direito fundamental. O Facebook mantém um
projeto intitulado de Internet.Org que pretende a difusão do acesso à Internet a todos cantos
do mundo e a todas as camadas sociais. A presente pesquisa visa investigar se o acesso à
Internet pode ser considerado um direito fundamental e se o projeto feito pelo Facebook pode
ser considerado uma prática de difusão desse direito.
Palavras-chave: Internet.org, Acesso à internet como direito fundamental, Internet como um bem essencial
Abstract/Resumen/Résumé
The Internet is increasingly accessed by users and can be considered as an essential good.
However, the access is not available to everyone and it is necessary spread this good in view
of the possibility to consider the access as a fundamental right. The Facebook keeps a project
titled Internet.Org which wants to spread the Internet access to all corners of the world and
all stratum. This research aims to investigate if the access to the Internet can be considered a
fundamental right and if the project done by Facebook can be considered a practice of
dissemination of this right.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Internet.org, Internet access as a fundamental right, Internet as an essential good
1
2
192
1 INTRODUÇÃO
A Internet está cada vez mais presente no mundo moderno. Os smartphones cada vez
mais acessíveis e inteligentes. A velocidade de acesso aumenta de forma exponencial. Um
usuário, atualmente, posta fotos no Instagram, comenta posts no Facebook, expõe sua opinião
no Twitter, troca mensagens no WhatsApp, Telegram, Viber e Skype, utiliza plataformas para o
entretenimento, como o SnapChat, se vale do Google Maps ou Waze para transitar nas cidades.
É possível inclusive realizar transações bancárias por meio de aplicativos. É inegável que o
acesso à rede se mostra necessário.
Neste sentido, a Internet é muito mais que um facilitador para as interações sociais,
podendo inclusive ser considerado um bem essencial. Para isso, faça uma projeção de sua vida
sem as ferramentas disponíveis online e veja o quão depende delas está. Mais além, a Internet
pode ser uma ferramenta para a difusão de cultura e conhecimento, tendo em vista a vasta
quantidade de informação nela inseridas, não só obras em domínio público, mas também obras
previamente licenciadas para o uso.
Conquanto a disponibilidade pareça ser universal, uma pesquisa feita pela ONU mostrou
que nos 48 países mais pobres do mundo 90% da população não possui acesso à Internet
(REUTERS, 2016). Visando ampliar o acesso à rede, o Facebook desenvolve um projeto
intitulado de Internet.Org, o qual tem a missão de levar a Internet para todos.
Referido projeto possibilita o acesso gratuito à uma plataforma do Facebook, no qual o
usuário terá acesso à rede social e também ao conteúdo dos parceiros que apoiarem
financeiramente o projeto. Por mais que essa prática possa ferir a neutralidade da rede esse não
será o foco deste artigo.
O presente artigo visa explicar o direito de acesso à Internet como um direito
fundamental e analisar se o projeto Internet.Org pode ser considerado uma prática de
universalização do acesso à Internet, o qual é uma das 10 diretrizes da ONU para a Internet.
Assim, o cerne não será a neutralidade da rede, mas sim o direito de acesso.
Para tal, no capítulo 2 será evidenciado como a Internet contribui para a disseminação
de cultura e conhecimento. Será mostrado o <www.dominiopublico.gov.br> que é uma
plataforma mantida pelo governo brasileiro para a disponibilização de obras que estão em
domínio público, bem como o creative commons, que se trata de uma licença prévia de direitos
autorais.
No capítulo 3 será trabalhado a ideia da Internet como um bem fundamental e o direito
de acesso como um direito fundamental. Nesse sentido, será conceituado o que se entende por
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direitos fundamentais, tecendo explicações sobre tal instituto. Ademais, será apresentada as
diretrizes da ONU para a Internet, focando no princípio do acesso.
Por fim, no capítulo 4 será apresentado o Internet.Org, tendo em vista que ele pode ser
considerado uma prática de difusão de acesso à rede. Será feita uma análise do projeto à luz do
ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o Marco Civil da Internet.
2 A DISSEMINAÇÃO DE CULTURA PELA INTERNET
Pierre Levy (1999) inicia sua obra Cibercultura dizendo que:
Pensar a cibercultura: esta é a proposta deste livro. Em geral me consideram um otimista. Estão certos. Meu otimismo, contudo não promete que a Internet resolverá, em um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta. Consiste apenas em reconhecer dois fatos. Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espeço nos planos econômico, político, cultural e humano. (LEVY, 1999, p. 11)
Pierre Levy é um filósofo que em sua obra fez um estudo das revoluções que o mundo
digital trouxe para a sociedade, analisando os futuros desafios a serem enfrentados. Da
compreensão de sua obra percebe-se que o mundo não é mais o mesmo e que conquanto existam
desafios e paradigmas as serem quebrados, as tecnologias tem o condão de estabelecer
mudanças positivas nos planos econômicos, político e principalmente cultural.
Com a informatização das produções humanas é possível se universalizar o saber,
deixando com que esse não seja mais concentrado. Isso porque "Quanto mais o digital se afirma
como um suporte privilegiado de comunicação e colaboração, mais essa tendência à
universalização marca a história da informática." (LEVY, 1999, p. 112).
Esse é o papel fundamental que a rede mundial de computadores deve realizar, qual seja,
universalizar o acesso ao conhecimento. Esse que como fruto da criação do homem é protegido
pelo instituto da propriedade intelectual. Sabe-se que a Propriedade Intelectual é gênero, da
qual se tem as espécies Propriedade Industrial e Direitos Autorais.
De uma maneira geral, o microssistema da Propriedade Intelectual visa a proteção
daquele acervo imaterial, seja da pessoa natural ou não natural, haja vista que a pessoa jurídica
pode ser titular de Direitos sobre obras, ainda que de forma derivada (POLI, 2008). A grosso
modo, os Direitos Autorais são a proteção dada as obras criadas por pessoas naturais, enquanto
194
que a Propriedade Industrial é a proteção dada aos acervos empresariais. Neste aspecto, é
evidente que a cultura e o conhecimento em si são protegidos pelo Direito Autoral, tendo em
vista que músicas, fotos, vídeos, textos e outras obras serão protegidas por tal instituto.
Conforme Bittar (2003), o Direito Autoral é a espécie de Propriedade Intelectual que tutela a
proteção da criação e da utilização de obras intelectuais estéticas, seja na literatura, artes ou
ciência.
Assim, o que a Internet realiza é uma mudança na análise do instituto do Direito Autoral.
É evidente que houve uma mudança no suporte fático que a obra é exteriorizada. Observe que
um livro pode não ser impresso em papel, mas ser exteriorizado através de um e-book, uma
música pode ser compartilhada em serviços de streaming e assim em diante. Nesse aspecto, é
preciso que se questione a universalidade do acesso, o que é defendido inclusive por Lawrence
Lessig (2005) em seu livro Cultura Livre. O que o autor defende converge com o pensamento
de Pierre Levy (1999), ao passo que ele afirma que o conhecimento e a cultura são a finalidade
última da rede mundial de computadores, ou seja, o valor da universalidade deve ser a máxima
da cibercultura. Nas palavras de Pierre Levy:
Por outro lado, o significado último da rede ou o valor contido na cibercultura é precisamente a universalidade. Essa mídia tende à interconexão geral das informações, da máquina e dos homens. E portanto se, como afirmava McLuhan, 'a mídia é a mensagem', a mensagem dessa mídia é o universal, ou a sistematicidade transparente e ilimitada. Acrescentemos que esse traço corresponde efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários (LEVY, 1999, p. 113)
Nesse aspecto é necessário que se questione a atual forma de proteção dos Direitos
Autorais, tendo em vista que as novas tecnologias mudaram a forma de interpretação das
criações. É preciso se compatibilizar a Lei de Direitos Autorais com os anseios da sociedade
(VIEGAS; POLI, 2014).
Condição da pessoa humana é a criatividade. Externa-se ao mundo grande parte do
pensamento e este, dada a sua relevância, merece proteção jurídica. Assim, pode-se
compreender a Propriedade Intelectual como o conjunto de bens imateriais oriundos da
criatividade humana que foram externados de alguma forma. Perceba que a Propriedade
Intelectual não é a materialidade em si, mas o ato criativo, ou ainda, a criatividade por traz da
materialização. Ainda, a Propriedade Intelectual se trata de direito fundamental, inserto no
artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), incisos
XXVII, XXVIII e XXIX, gozando, pois, de proteção.
195
Essa proteção comporta em direitos de exigir obrigações positivas e negativas contra
terceiros, como por exemplo o direito de remuneração e o direito de ter seu nome vinculado à
obra. O Direito Autoral se divide em direitos morais do autor e direitos patrimoniais do Autor.
O Primeiro é um direito personalíssimo e como tal não se extingue com o decurso do tempo.
Por sua vez, o direito patrimonial não é eterno, ou seja, o direito à exclusividade da obra, por
assim dizer o direito de receber unicamente pela reprodução desta tem fim, conquanto o direito
moral de paternidade não. Tratando-se de Direito Autoral, o direito de explorar
economicamente uma obra expira em 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano
subsequente à morte do autor ou à publicação sendo este anônimo ou pseudônimo (BRASIL,
1998).
Daí é que se questiona a plausibilidade deste prazo de proteção, tendo em vista que hoje
as interações são cada vez mais velozes, poder-se-ia discutir se tal prazo não é demasiadamente
longo.
Em contraponto com os Direitos Autorais existem formas de licenciamento prévio de
uso, uma alternativa à difusão de cultura. Destaca-se o Creative Commons, que é uma forma de
licenciamento prévio, estabelecida, com diversas possiblidades de combinação para que se
possibilite o uso em determinadas circunstâncias já escolhidas pelo Autor. No mesmo sentido
é a adoção do software livre. Software livre, como o próprio nome indica, é aquele livre de
quaisquer amarras, sendo garantido ao menos a liberdade de usar o programa como se quiser.
Em verdade, o movimento do Software livre é antigo e não significa gratuidade. O que se quer
dizer é que um software pode ser livre e não gratuito, ou gratuito e não livre, pois são conceitos
distintos.
Perceba que o interesse em alternativas aos Direitos Autorais é a disseminação do
conhecimento e da cultura. Em verdade, após o prazo de proteção de qualquer obra ela entra
em domínio público, ou seja, pode ser utilizada sem a remuneração do autor da obra, em que
pese preservados os direitos morais deste. Neste sentido, o governo brasileiro mantém um portal
no qual são disponibilizadas obras em domínio público, qual seja, o
<www.dominiopublico.org.br>.
O "Portal Domínio Público", lançado em novembro de 2004 (com um acervo inicial de 500 obras), propõe o compartilhamento de conhecimentos de forma equânime, colocando à disposição de todos os usuários da rede mundial de computadores - Internet - uma biblioteca virtual que deverá se constituir em referência para professores, alunos, pesquisadores e para a população em geral. (DOMÍNIO, 2016)
196
Trata-se de uma clara tentativa de disseminação de cultura, informação e conhecimento.
No portal são disponibilizados diversos livros, músicas, vídeos que não são mais protegidos
patrimonialmente pela Lei de Direitos Autorais. Projetos como esse servem como um exemplo
de que a Internet é uma inegável fonte de conhecimento e um instrumento de disseminação de
cultura.
3 A INTERNET COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A sociedade experimenta cada vez mais um mundo digital. Diversas são as interações
que ocorrem na rede mundial de computadores. Entretanto, ainda se trata de um fenômeno
relativamente recente que carece de atenção. O acesso à Internet se mostra uma necessidade do
homem moderno. Nesse sentido, questiona-se a possibilidade de o acesso à Internet ser
considerado um direito fundamental.
De início, é preciso que se distinga os "direitos do homem", "direitos humanos" e os
"direitos fundamentais". Não é uma tarefa simples estabelecer um conceito bem definido para
estes termos, sendo que muitos autores trabalham com as expressões direitos fundamentais e
direitos humanos como sinônimas (FERNANDES, 2014).
Seguindo a doutrina de Bernardo Fernandes (2014), é possível definir os direitos do
homem no sentido de direitos naturais, ou seja, não positivados ou ainda não positivados;
direitos humanos positivados na esfera do direito internacional; e os direitos fundamentais
protegidos e positivados dentro de cada Estado.
Tais direitos surgem da necessidade de proteção do ser humano, tanto em face do Estado
como em face de outros, o que se denomina, respectivamente, de eficácia vertical e eficácia
horizontal dos direitos fundamentais. Perceba que se trata de uma construção voltada para a
proteção do ser humano. Nas palavras de Bernardo Fernandes:
[...] falar em direitos fundamentais é falar em condições para a construção e o exercício de todos os demais direitos previstos no Ordenamento Jurídico (interno), e não apenas em uma leitura reducionista, como direitos oponíveis contra o estado. (FERNANDES, 2014, p. 308)
Pode-se classificar os direitos fundamentais em gerações, isso de acordo com a evolução
temporal e histórica da humanidade. A doutrina é pacífica em classificar os direitos
fundamentais em três gerações, sendo que essa é inclusive a classificação feita pelo Supremo
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Tribunal Federal. Entretanto, há doutrinadores que dividem em quatro ou até mesmo em cinco
gerações.
A primeira geração dos direitos fundamentais pode ser entendida como a afirmação dos
direitos de liberdade. Surgiu no final do século XVIII e início do século XIX. O contexto era
das Revoluções Burguesas, a qual tinha como ideal a liberdade. O que se pregava era a
afirmação das liberdades individuais face ao Estado. Assim, na primeira geração de direitos
fundamentais estão os direitos civis e políticos, esculpidos sob a forma de liberdade.
Já no século XX, surge os direitos fundamentais de segunda geração. Conforme
Fernandes (2014), são eles os direitos sociais, culturais e econômicos. Tal geração é fruto da
revolução industrial, a qual ocasionou diversos problemas sociais. Na época, era necessário a
afirmação de uma série de Direitos, tendo em vista as péssimas condições de trabalho e a
necessidade de o Estado garantir a dignidade daqueles trabalhadores. Nesse momento histórico
se percebeu que os direitos fundamentais não são só uma proteção do indivíduo em face do
Estado, mas também como sendo uma garantia institucional de Igualdade.
Já no final do século XX, no contexto pós-guerra, veio a terceira geração de direitos
fundamentais. O fundamento seria o princípio da fraternidade, que diz respeito ao "direito ao
desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito de comunicação"
(FERNANDES, 2014, p. 312). Isso é reflexo do processo acelerado de globalização.
Referido processo, conforme leciona Bonavides (2016), ocasionou uma exigência de
universalização dos direitos fundamentais. Como as barreiras geográficas no mundo moderno
foram diminuindo, surgiu a necessidade de formação de uma sociedade aberta. Assim, o autor
reconhece os direitos fundamentais da quarta geração, como sendo o direito à democracia, à
informação e ao pluralismo. Fernandes (2014), leciona que há autores que defendem que o
direito contra manipulações genéticas, à mudança de sexo e os direitos relacionados à
biotecnologia também fazem parte da quarta geração, são eles José Alcebíades Oliveira Júnior
e Dirley da Cunha Junior.
Indo além dessa geração, há quem defenda a existência da quinta geração dos direitos
fundamentais. Bonavides (2016) vislumbra a paz como um direito de quinta geração, ao
argumento de que há a necessidade de universalização deste direito. No mesmo sentido,
Fernandes (2014) afirma que os direitos da quinta geração tem uma relação intrínseca com o
direito à vida "[...] sob os desafios das novas tecnologias, derivando então um direito à
identidade individual, ao patrimônio genético e à proteção contra o abuso de técnicas de
clonagem." (FERNANDES, 2014, p. 314).
198
3.1 Diretrizes da ONU sobre a Internet
O ordenamento jurídico não é composto meramente por leis. São fontes do Direito a lei,
os usos e costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito. A Internet é
um fenômeno transnacional. Não possui barreiras físicas. Entretanto, não é o fato de que não
há uma estrutura física que implica na ausência de normas; do mesmo modo que não há que se
falar que em virtude da universalidade da Internet não existem normas que regulem as
atividades e fatos que nela ocorrem.
Tendo como diretriz o ordenamento jurídico brasileiro, pode-se afirmar que a Internet
não é um local em que se pode cometer abusos, até porque o ato ilícito e o abuso de direito são
ilícitos civis, conforme artigos 186, 187 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002). Ademais, o
Brasil é considerado pioneiro ao promulgar uma legislação sobre a Internet, o Marco Civil – lei
12.965 de 2014 (BRASIL, 2014). Destarte, ante ao fato de nas relações digitais tudo se alterar
com muita velocidade, a atividade legislativa não consegue refletir a ordem social vigente, o
que acarreta em normas sem efetividade. Por isso afirma-se que prevalecem os princípios em
relação às regras.
No Direito Digital prevalecem os princípios em relação às regras, pois o ritmo de evolução tecnológica será sempre mais veloz que o da atividade legislativa. Por isso, a disciplina jurídica tende à autorregulamentação, pela qual o conjunto de regras é criado pelos próprios participantes diretos do assunto em questão com soluções práticas que atendem ao dinamismo que as relações de Direito Digital exigem. (PINHEIRO, 2010, Pg. 72)
Assim sendo, em uma visão holística do fenômeno da Internet, existe a necessidade de
se estabelecer princípios para o melhor convívio entre os usuários. Com esta premissa, a ONU
(Organização das Nações Unidas), em 30 de Marco de 2011, lançou uma instrução que define
os princípios e direitos que formam o alicerce da governança dentro da internet (DIREITOS,
2016).
Há que se ressaltar a legitimidade que a ONU possui para definir regras de conduta.
Sabe-se que a ONU é uma governança, pois tem o poder de influência em todos os países que
ratificaram seu tratado, se submetendo a esta. Conforme Rosenau e Czempiel:
“[...] governança é um fenômeno mais amplo que governo; abrange as instituições governamentais, mas implica também mecanismos informais, de caráter não-governamental, que fazem com que as pessoas e as organizações dentro da sua área de atuação tenham uma conduta determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas”. (ROSENAU; CZEMPIEL, 2000, pg. 15/16)
199
Em verdade, a instrução supracitada definiu dez princípios, quais sejam, 1 –
Universalidade e Igualdade, 2 – Direitos e Justiça Social, 3 – Acessibilidade, 4 – Expressão e
Associação, 5 – Privacidade e Proteção de Dados, 6 – A Vida, Liberdade e Segurança, 7 –
Diversidade, 8 – Rede de Igualdades, 9 – Normas e Regulamentos, 10 – Governança.
Os princípios tratam-se de um reflexo da Declaração Universal dos Direitos dos Homens
de 1948. Assim, todos os indivíduos têm o direito a proteção na Internet, devendo ser tratados
de maneira igualitária, devendo ser protegidos em âmbito digital o que consubstancia o
princípio da Universalidade e Igualdade.
O princípio do Direito e Justiça Social define que a Internet é um espaço em que se deve
respeitar os direitos humanos. Até mesmo porque essa é a maior preocupação da ONU, o de
respeito ao homem. Infelizmente são comuns as práticas racistas e xenofóbicas na Internet,
assim o que quer a ONU é proteger todos os usuários da internet.
Quanto aos princípios da Expressão e Associação, Privacidade e Proteção de Dados e a
Vida, Liberdade e Segurança, há que se fazer uma análise conjunta. Em suma o primeiro garante
a liberdade de informação, o segundo a privacidade dos indivíduos e o terceiro a segurança na
Internet.
O princípio da Diversidade trata-se de uma garantia as diversas manifestações que
podem ocorrer na Internet. Já o princípio das Normas e Regulamentos prevê que a Internet
operará em uma linguagem de sistemas única, permitindo que todos os usuários tenham a
possibilidade de acesso a qualquer conteúdo.
Um princípio que veementemente não é cumprido é o da Acessibilidade, juntamente
com o princípio da Rede de Igualdades, segundo os quais todos os indivíduos tem direito ao
acesso à Internet aberta. Conquanto a maioria dos países desenvolvidos possui um amplo e
consistente acesso à rede mundial de computadores, países subdesenvolvidos não contam com
o mesmo privilégio. Afirma-se que mais da metade da população mundial não tem acesso à
Internet (REUTERS, 2016).
O que se depreende da análise dos princípios supracitados é que estes são um reflexo da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Ainda, ressalta-se que o que se intenta
com tais princípios é se regular as relações digitais, bem como se buscar a efetividade da
dignidade da pessoa humana. Entretanto, o acesso à Internet pode ser visto como um direito
fundamental, garantindo aos indivíduos uma inclusão na sociedade, tendo em vista que cada
vez mais as relações sociais têm se tornado digitais.
Conquanto não esteja positivado expressamente na Constituição, é possível que se
interprete o Direito de Acesso como sendo um direito fundamental. Isso porque o artigo 5ª não
200
traz um rol taxativo. Ademais, os tratados de direitos humanos constituem verdadeiros direitos
fundamentais conforme o §2º do Artigo 5º da Constituição1 (BRASIL, 1988). É inegável que o
direito ao acesso é garantido pelo Marco Civil (BRASIL, 2014). Entretanto, para ser
considerado um direito fundamental será necessária uma melhor interpretação, tendo em vista
que ele não é expresso. Nesse sentido, afirma-se que o Direito de Acesso é um direito
fundamental por uma interpretação teleológica da Constituição e em conjunto com as diretrizes
da ONU, nas quais é expresso que “este documento define dez direitos fundamentais e
princípios base de governança da Internet” (DIREITOS, 2016).
3.2 O princípio da Acessibilidade e sua influência na sociedade
Como visto, o princípio da acessibilidade diz respeito ao direito de acesso à internet.
Isso decorre do fato de que hoje o mundo "está" digital. Ora, transações bancárias, reuniões,
investimentos em valores mobiliários dentre outras práticas profissionais podem ser feitas por
meio da Internet. Ainda, no âmbito pessoal, é inegável a quebra de paradigma que a rede trouxe,
tendo em vista que se pode manter um contato ativo com uma pessoa que não se convive
fisicamente, isso através das redes sociais.
Ivan Hartmann (apud GOULART, 2016) sustenta a ideia de que há um direito
fundamental de acesso à internet. O argumento é de que a Constituição, no que se refere aos
direitos fundamentais, não é uma norma fechada, mas que contempla aspectos não elencados
em seu rol, tal qual o direito ao acesso à internet.
A grande questão é que a Internet pode e deve ser vista como um instrumento de inserção
em sociedade. Não estar em meio digital hoje pode significar uma exclusão de diversas
interações sociais. Isso reflete na desenvoltura econômica da sociedade.
Enquanto nos países desenvolvidos o acesso à Internet está próximo de ser saturado, nos
48 países mais pobres do mundo 90% da população não possui acesso à Internet (REUTERS,
2016). Estar fora desta rede é não se inteirar da evolução da sociedade como um todo.
Observe que a gama de informação a que os usuários são expostos é uma amostra de
que o viver digital é importante, podendo até mesmo ser considerado essencial. (CORTE
ALEMÃ, 2015)
1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
201
Ademais, a Internet é fonte inegável de conhecimento. Além do já explicitado
"www.domíniopublico.org", que é um site brasileiro para a divulgação de obras não mais
protegidas patrimonialmente pela Lei de Direitos Autorais brasileira, diversas são as fontes de
informação na rede.
É necessário destacar que muitas das vezes o empecilho para a difusão da Internet não
é nem econômico nem político, muitas das vezes pode se dar em razão do idioma utilizado.
Conforme pesquisa da ONU, apenas cerca de 5% das 7.100 línguas do mundo estão
representadas na Internet (REUTERS, 2016).
Nesse sentido, a estrutura da Internet, por utilizar o alfabeto latino, acaba por excluir
usuários que não entendem tal linguagem. É evidente que o uso do alfabeto latino se restringe
aos nomes de domínio, podendo outros idiomas serem utilizados nas páginas. Há aqueles
usuários que desconhecem totalmente as letras utilizadas, por não terem contato com o alfabeto
latino. Não se quer afirmar que exista a necessidade de adequação do sistema de nomes de
domínio para que comporte também as línguas que não utilizam o alfabeto latino, mas há que
se questionar a colaboração que esse fato dá para a extinção de diversos idiomas, os quais são
pouco utilizados.
A atual geração da sociedade enfrentará o desafio de conviver cada vez mais conectada.
É um caminho sem volta. O próximo passo será a Internet das Coisas2. Imagine um mundo onde
tudo é conectado? Neste mundo aquele indivíduo que não tiver acesso à Internet será, de certo,
excluído do convívio social. Esses desafios serão cada vez mais frequentes. Perceba que se
caminha cada vez mais para um mundo digital. Cada vez mais a tecnologia se desenvolve e se
inserem mais práticas em meio digital, o que gera a necessidade de se garantir a inserção de
todos os indivíduos nas relações digitais.
É evidente que o acesso à Internet deve ser visto como um direito fundamental de todo
cidadão. Fazer parte dela não é uma questão de hobby ou de autoafirmação em redes sociais,
mas sim uma questão precipuamente social. Ora, estando fora da rede, um indivíduo pode ser
privado de diversas interações sociais. Como compatibilizar a necessidade de um mundo global
com um a ausência de disseminação de informação.
O indivíduo necessita da Internet, entretanto há que se questionar como esse acesso é
oportunizado. É preciso que se tenha um acesso livre e desimpedido de qualquer censura, o que
não é feito em alguns países de governo totalitário. Isso é mais uma evidência de que o acesso
2 Internet das Coisas é um avanço da tecnologia. Nela tudo estará conectado. Carros, casas, geladeiras, e outros bens serão conectados à rede, facilitando a vida dos usuários, tendo em vista a automatização de tarefas cotidianas.
202
à Internet é necessário, tendo em vista que os governos totalitários impedem o acesso à internet,
pois ela é fonte inegável de informação.
Com o atual estágio da globalização, é evidente o papel que a informação tem.
Informação essa que pode ter diferentes faces. Até mesmo um perfil em rede social tem valor
econômico (QUANTO, 2016). Não é possível mais imaginar um mundo em que não exista a
internet. Mais do que facilidades ao cotidiano, está pode proporcionar conhecimento, bem-estar,
entretenimento, interações entre pessoas dentre outros benefícios.
4 O INTERNET.ORG COMO UMA PRÁTICA DE DIFUSÃO DE ACESSO
O Internet.org é uma iniciativa do Facebook que pretende dar acesso à Internet a toda
população mundial de forma gratuita. Segundo Mark Zuckerberg - CEO do Facebook –
“Conectividade não pode ser um privilégio só dos mais ricos e poderosos. Ela deve se algo que
todos possam compartilhar e ser uma oportunidade para qualquer um”3 (Tradução nossa) (ALL
YOU NEED, 2016). A ideia é a possibilidade de dar acesso a informações básicas, sobre
notícias, saúde, emprego, educação, clima, informações locais sem qualquer a necessidade de
contratação onerosa de um pacote de dados de um provedor – o que é denominado de “free
basic by Facebook”. O objetivo, segundo o Facebook é difundir o acesso à internet, considerado
um bem essencial, a todos, principalmente àqueles que não possuem condições financeiras para
contratar um pacote de dados 4.
Segundo informações do site Internet.org aproximadamente 85% do território mundial
tem cobertura de dados fornecidos por provedores de telefonia móvel, assim o Facebook
realizou parceira com algumas dessas operadoras de modo a fornecer, gratuitamente à
população, o “free basic’. Atualmente o serviço já está disponível em 37 países, espalhados
pela África, Ásia e América Latina, dessa já fazem parte a Bolívia, Colômbia, Guatemala,
México, Panamá e Peru.
Em seu site – Internet.org – o Facebook explica que caso uma operadora de telefone
queira ser parceira nesse projeto ela terá vantagens. Informa ser um programa que torna a
empresa sustentável, cumpridora de sua função social. Informa ainda que, durante algum tempo
o Facebook irá auxiliá-los no custo desses novos usuários. A proposta é que, ao se manter uma
campanha sobre a necessidade e facilidade que a Internet pode trazer à vida das pessoas, faz
3 Connectivity can't just be a privilege for some of the rich and powerful. It needs to be something that everyone shares and an opportunity for everyone. 4 Informações retiradas do site https://info.internet.org/en/
203
com que esses novos usuários se interessem mais sobre o acesso à Internet e que, através de
pesquisas5, sabe-se que após 30 dias de uso do “free basic”, parte dos usuários estão dispostos
a adquirirem um pacote de dados pagos.
A outra frente de acesso à Internet proposta pelo facebook se dá através da “connectivity
lab”. Nesse caso a proposta é levar Internet aos cantos mais remotos do mundo, onde não são
providos por acesso à Internet móvel, através de uso de satélites, aviões, laser, entre outras
tecnologias.
Outra forma de acesso se dá pelo “express wi-fi”, neste caso o projeto visa realizar
parcerias com empreendedores locais e provedores de acesso. Esse projeto já está sendo
efetivado na Índia. O Facebook, neste caso, oferece software aos empreendedores locais que
disponibilizarem o “express wi-fi” de modo a estabelecer uma melhor interconectividade entre
os moradores locais, permitindo a exploração de informações.
Cabe ressaltar que o acesso à Internet disponibilizado pelo Internet.org não é ilimitado,
assim, os usuários só terão acesso às páginas e aplicações dos parceiros do Facebook que se
cadastraram para o uso do “free basic”. Desta feita, o que o “free basic” faz é dar acesso à
plataforma do Facebook e, através dela, os usuários terão acesso aos aplicativos e informações
dos parceiros cadastrados.
O grande risco do “free basic” que vem sendo discutido mundo a fora diz respeito a uma
possível violação do princípio da neutralidade da rede, hoje positivado no ordenamento jurídico
brasileiro através do inciso IV, do artigo 3º da lei 12.965 de 2014 (marco civil da internet). Esse
princípio determina que o tráfego de dados deve se dar de forma igualitária, não podendo haver
interferência na velocidade de transmissão de dados, nem restrição de acesso a esses dados.
Segundo Silvia Melchior a neutralidade pode ser definida como:
[...] tratamento isonômico dado aos pacotes de dados que transitam na rede mundial de Internet (doravante Internet) e na infraestrutura de suporte, de forma que referidos dados sejam tratados de forma isonômica, independentemente do seu conteúdo, da sua origem ou destino, da aplicação ou serviço acessado, tecnologia e padrões técnicos envolvidos. (MELCHIOR, 2014, p. 101)
O marco civil da internet trata o princípio da neutralidade da rede de forma específica
no artigo 9º (BRASIL, 2014). Define que os provedores responsáveis pela transmissão,
roteamento ou comutação de dados devem tratar os pacotes de dados de forma isonômica, de
modo a não existir distinção em razão de conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou
5 Informação retirada do próprio sítio do Internet.org - https://info.internet.org/en/
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aplicação. Pode-se perceber por essa definição que o objetivo primeiro desse princípio é
assegurar a liberdade no âmbito da Internet de modo que o usuário não tenha limitações na
busca de informações, seja em razão de filtros postos por provedores ou de uma maior
disponibilidade de informações daqueles que pagaram ao provedor de transmissão de dados de
modo que suas informações sejam acessíveis de forma mais rápida. Desta feita, será o usuário
quem irá definir quais provedores de aplicações são de seu interesse e não o provedor de
transmissão de dados. Essas premissas são capazes também de proteger a concorrência e
inovação no mercado de aplicações na Internet, de modo que, não só os provedores de conteúdo
mais ricos terão a possibilidade de tornar disponível suas aplicações, mas qualquer um, uma
vez que será o usuário que irá escolher qual aplicação deseja usar.
O Facebook vem tentando uma parceria com o governo federal para a implementação
do Internet.org no Brasil e isso vem gerando polêmica e discussão entre os acadêmicos da área.
O Ministério Público Federal (2015), recentemente, emitiu uma nota técnica sobre a temática
se posicionando de modo contrário a implementação do projeto. Segundo o Mistério Público
Federal a iniciativa do Facebook não dá efetivamente acesso à internet, mas apenas a uma
plataforma de parceiros do Facebook de modo gratuito por certo tempo. Informa ainda o
Ministério Público Federal que a iniciativa não é sem fins lucrativos como faz crer o domínio
de primeiro nível “.org”. O acesso às aplicações parceiras pode ser até gratuito, mas o objetivo
do Facebook (e essa é umas das contrapartidas oferecidas por ele) é educar esses novos usuários
sobre a natureza fundamental do acesso à Internet e incentivá-los a adquirirem um pacote de
dados. Assim é que essa proposta parece uma “amostra grátis” de Internet com o objetivo de
em um futuro próximo fazer com que esse consumidor adquira um pacote de dados do parceiro
do Facebook.
Segundo o Mistério Público Federal as limitações de acesso não se restringem às
parcerias firmadas com o Facebook. Também ocorrem restrição no tráfego de dados, não sendo
carregados imagens maiores que 1Megabyte, vídeos e aplicações em java. Isso, por si só, seria
uma violação ao princípio da neutralidade da rede por fazer uso de discriminação de tráfego de
dados. Assim é que as camadas mais pobres da população que farão uso do “free basic” não
terão acesso àquilo que o Facebook julgar como tráfego excessivo.
Outra preocupação esboçada pelo Ministério Público Federal é com o uso de dados dos
usuários do “free basic” e seu consentimento informado para uso desses dados. O software
usado pelo “free basic” é inseguro e permite, sem que o usuário saiba, a coleta de dados
pessoais. Assim, como sabe-se que o Facebook é remunerado através de publicidade, isso
poderia ser um facilitador para os seus parceiros no Internet.org para a publicidade. Portanto,
205
após o tratamento de dados – que os usuários nem se quer sabem que estão sendo coletados – a
publicidade desses parceiros estaria direcionada de forma mais fácil aos grupos de interesse.
Informa ainda o Ministério Público Federal que a difusão de acesso à Internet no Brasil
deve ser de responsabilidade do Governo e não de uma empresa privada que tem o objetivo de
dominação de mercado. O marco civil deixa claro essa necessidade de difusão da Internet e já
existem diversas ações governamentais nesse sentido:
Conforme noticiado no sítio da Telebrás, a empresa de economia mista vinculado ao Ministério das Comunicações tem previsão de lançamento do satélite SGDC-1 (Sistema Geoestacionário de Defesa e de Comunicações estratégicas) em 2016 que tem como principal foco a transmissão de banda larga para todo o território brasileiro. Tal acesso atenderá populações remotas e será gerenciado pelo Plano Nacional de Banda Larga do Governo Brasileiro, sem explorar interesses comerciais. Além do projeto estratégico de lançamento desse satélite, a empresa Telebrás já prepara mais dois outros projetos voltados para a universalização da banda larga no Brasil: O cabo Submarino Brasil-Europa e a Expansão da Rede de Fibra Ótica de longa distância. Ademais, cabe ressaltar ações como o Projeto Amazônia Conectada, gerenciada pelo Mistério da Defesa, que prevê a instalação de cabos subfluviais nos rios amazônicos para atendimento às comunidades locais. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2015)
Assim é que, para se evitar um domínio de mercador e uma possível limitação da
liberdade dos usuários através do “free basic”, a implementação desse tipo de empreendimento
merece uma cautelosa avaliação. Em jogo podem estar uma série de restrições tais como:
violações às boas práticas concorrenciais, uma possível dominação de mercado, a possibilidade
de caracterização de venda casada, uma possível violação do princípio da neutralidade da rede,
uso abusivo de dados dos consumidores e o consequente uso desses para a realização de
publicidade agressiva, o acesso restritivo a informações e o possível controle das mesmas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se viu a Internet deve ser considerada um bem essencial e, portanto, o seu acesso
deve ser visto como um direito fundamental, mormente em se considerando que nela se difunde
o conhecimento e a cultura. Nesse viés deve ser oportunizado o seu acesso a todos e sua
promoção deve estar a cargo não só do Estado, mas em uma perspectiva de eficácia horizontal
dos direitos fundamentais, também pelos privados.
Assim é que a prática oportunizada pelo Facebook através do Internet.org parece
atender a essa premissa. Contudo, como se viu, há que se interpretar de maneira criteriosa esse
empreendimento de modo que atenda aos requisitos legais exigidos por lei.
206
Uma prática de acesso à Internet não pode se dar com o objetivo de dominação de
mercado. Aparentemente, quando o Facebook oportuniza um acesso restrito a Internet através
da sua plataforma e transparece ao consumidor que está fornecendo irrestrito acesso à rede
mundial de computadores comete prática abusiva – propaganda enganosa – e viola a norma de
proteção ao consumidor.
Outra ilegalidade que se vislumbra é a violação do princípio da neutralidade da rede,
uma vez que limita a transmissão de dados que julgar excessivos. Desta feita, mais uma vez o
consumidor é levado a crer que o acesso é irrestrito, mas será impedido de acessar as
informações julgadas como de tráfego excessivo.
Outros problemas são apresentados no que se refere ao direito da privacidade do usuário,
uma vez que a plataforma não garante a segurança dos dados pessoais dos usuários em uso na
mesma. Desta feita, oportuniza-se a utilização indevida de dados pessoais sem o necessário
consentimento informado dos usuários para uso desses dados, o que gera uma violação ao
direito de privacidade e oportuniza, mais uma vez, uma prática abusiva por parte do Facebook.
Explica-se, utilizando-se do tratamento não autorizado desses dados o Facebook pode oferecer
aos seus parceiros no “free basic” a oportunidade de publicidade agressiva, uma vez que será
possível determinar com uma maior precisão o público alvo desses produtos, inundando esses
consumidores como uma publicidade assertiva e quase irrecusável.
O que ainda pode-se ser vislumbrado é a possibilidade de domínio de opinião dos
usuários, na medida em que as informações podem ser manipuladas sem que os usuários saibam
disso. Em uma Internet livre, sem a imposição de filtros pelos provedores, a informação é
buscada de forma exclusiva pelo usuário. Sabe-se que essa ferramenta, o tratamento das
informações, é uma forma de controle e submissão em Estados totalitários. Em Estados de
Direito Democráticos, como o Brasil, esse tratamento pode ser visto como uma forma de
dominação de mercado. Na medida em que o Facebook só oportunizará informações de seus
parceiros, e esses, como se sabe são escolhidos por terem filosofia semelhante ao Facebook.
Assim é que nesse viés, ao invés de uma prática de difusão de acesso ao bem essencial, o que
se objetiva, aparentemente, é uma dominação de mercado e uma possível doutrinação dos
usuários para a filosofia Facebook.
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