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PODER JUDICIÁRIO Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE 1ª VARA FEDERAL Sentença tipo “D” Penal Processo nº XXX Classe 31 - Ação Penal Pública. Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF Réus : 1° RÉU, 2° RÉU, 3° RÉU, 4° RÉU e 5° RÉU S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com esteio no Inquérito n.º 174/2007 em apenso, ofereceu denúncia (f. 02/06) em desfavor de 1° RÉU, 2° RÉU, RÉU, 4° RÉU e 5° RÉU, já qualificados nos autos, dando o 1º e 2º acusados como incurso nos art. 157, § 2º, I e II do CP c/c art. 336 do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 (concurso material), e os 3º, 4º e 5º acusado como incursos nos art. 180, § 6º do CP c/c art. 336 do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 do CP concurso material). No curso das investigações, a Juíza Substituta a época acolheu representação da autoridade policial para: 1) deferir a medida busca e apreensão em 02.07.2007 (f. 08/10 do 2007.85.00.002854-9); 2) decretar a prisão preventiva de todos os acusados em 06.07.2007 (f. 20/22 do 2007.85.00.002907-4). Em 13.07.2007, concedeu a liberdade provisória ao acusado 3° RÉU (cópia da decisão na f. 138/139 do IPL 174/2007). ). Por ocasião do oferecimento da denúncia, os réus estavam presos por força de preventiva, já que os pedidos de liberdade dos acusados 1° RÉU e 2° RÉU (cópia da decisão na f. 140/142 do IPL 174/2007), 4° RÉU (cópia da decisão na f. 143/146 do IPL 174/2007) e 5° RÉU (cópia da decisão na f. 157/160 do IPL 174/2007) foram indeferidos. Depreende-se da exordial que, no dia 28.06.2007, por volta das 17h30min, RÉU (1º denunciado) e 2° RÉU (2º denunciado), mediante concurso e uso de arma de fogo, subtraíram a bolsa da Delegada da Polícia Federal, na qual continha sua carteira funcional, dois aparelhos celulares, dois cartões de crédito, talões de cheque do Banco do Brasil, cerca de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) e U$$ 200,00 (duzentos dólares), e uma pistola marca GLOCK, calibre 9 mm, nº HZR 770, acautelada a vítima e integrante do patrimônio da União (Superintendência da Polícia Federal em Sergipe), além de outros documentos e objetos. Após o assalto, dirigiram-se para Itabaiana, onde repartiram o produto do produto (em partes iguais, o dinheiro e aparelhos celulares). O 1º denunciado ficou com o espelho da carteira funcional com assinatura e foto e ao segundo a posse

XXX MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF 1° RÉU 2° RÉU … · confissão da venda da arma de fogo, somente procede a denúncia em relação ao art. 16 da Lei 10.826/03 e, em caso

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PODER JUDICIÁRIO

Justiça Federal de Primeira Instância SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE

1ª VARA FEDERAL Sentença tipo “D” − Penal

Processo nº XXX

Classe 31 - Ação Penal Pública. Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF

Réus : 1° RÉU, 2° RÉU, 3° RÉU, 4° RÉU e 5° RÉU

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com esteio no Inquérito n.º 174/2007 em apenso, ofereceu denúncia (f. 02/06) em desfavor de 1° RÉU, 2° RÉU, 3° RÉU, 4° RÉU e 5° RÉU, já qualificados nos autos, dando o 1º e 2º acusados como incurso nos art. 157, § 2º, I e II do CP c/c art. 336 do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 (concurso material), e os 3º, 4º e 5º acusado como incursos nos art. 180, § 6º do CP c/c art. 336 do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 do CP concurso material).

No curso das investigações, a Juíza Substituta a época acolheu representação da autoridade policial para: 1) deferir a medida busca e apreensão em 02.07.2007 (f. 08/10 do 2007.85.00.002854-9); 2) decretar a prisão preventiva de todos os acusados em 06.07.2007 (f. 20/22 do 2007.85.00.002907-4).

Em 13.07.2007, concedeu a liberdade provisória ao acusado 3° RÉU (cópia da decisão na f. 138/139 do IPL 174/2007). ). Por ocasião do oferecimento da denúncia, os réus estavam presos por força de preventiva, já que os pedidos de liberdade dos acusados 1° RÉU e 2° RÉU (cópia da decisão na f. 140/142 do IPL 174/2007), 4° RÉU (cópia da decisão na f. 143/146 do IPL 174/2007) e 5° RÉU (cópia da decisão na f. 157/160 do IPL 174/2007) foram indeferidos.

Depreende-se da exordial que, no dia 28.06.2007, por volta das 17h30min, 1° RÉU (1º denunciado) e 2° RÉU (2º denunciado), mediante concurso e uso de arma de fogo, subtraíram a bolsa da Delegada da Polícia Federal, na qual continha sua carteira funcional, dois aparelhos celulares, dois cartões de crédito, talões de cheque do Banco do Brasil, cerca de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) e U$$ 200,00 (duzentos dólares), e uma pistola marca GLOCK, calibre 9 mm, nº HZR 770, acautelada a vítima e integrante do patrimônio da União (Superintendência da Polícia Federal em Sergipe), além de outros documentos e objetos. Após o assalto, dirigiram-se para Itabaiana, onde repartiram o produto do produto (em partes iguais, o dinheiro e aparelhos celulares). O 1º denunciado ficou com o espelho da carteira funcional com assinatura e foto e ao segundo a posse

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Processo nº XXX

II

enquanto o 2º denunciado ficou com a pistola para revendê-la a fim de dividir o montante com 1° RÉU (1º denunciado).

Após exibir o produto do roubo, 3° RÉU (3º denunciado) pediu ao seu primo 2° RÉU para ficar com a carteira funcional da DPF. Por sua vez, 3° RÉU foi até o local onde 2° RÉU havia jogado fora a bolsa, pegou-a e presenteou a uma moça de nome Clara.

2° RÉU Lima vendeu a 4° RÉU a pistola GLOCK 9 mm, pertencente ao patrimônio da União e o celular da DPF por R$ 1.130,00 (mil cento e trinta reais) que, por sua vez, repassou a 4° RÉU somente a pistola GLOCK 9 mm.

Denúncia recebida em 27.08.2007, consoante despacho de f. 08.

Citados 5° RÉU (f. 26/27), 1° RÉU (f. 35/36), 4° RÉU (f. 41/42), 2° RÉU (f. 44/45) e 3° RÉU (f. 75/76), os réus foram interrogados na f. 82/85 (1° RÉU), 86/86 (2° RÉU), 90/93 (3° RÉU), 94/96 (4° RÉU) e 97/99 (5° RÉU) e suas respectivas defesas intimadas para apresentarem as defesas prévias no tríduo legal (f. 80).

Durante o interrogatório (termo de f. 78/80), as defesa dos réus 1° RÉU e 2° RÉU requereram a revogação das suas prisões preventivas e a restituição da moto CBX 200. Já a defesa de 4° RÉU requestou a concessão de liberdade provisória, sem fiança. O MPF solicitou prazo de 48 (quarenta e oito) horas para se manifestar sobre os requerimentos de liberdade provisória e de liberação do veículo apreendido. A juíza se reservou para apreciar o pleito após as razões do MPF.

O MPF apresentou petição (f. 110/111), acompanhado de documentos (f. 122/200), pugnando pela manutenção da prisão de 2° RÉU, Jorge dos Santos e 5° RÉU e pela concessão de liberdade provisória em relação a Ely Johnoson Terriaga Faria.

Os réus apresentaram defesas prévias na f. 206/207 (2° RÉU), 209/210 (1° RÉU), 212/213 (4° RÉU), 215/216 (3° RÉU). O primeiro arrolou 03 (três) testemunhas, o segundo, 03 (três) testemunhas, o terceiro, 05 (cinco) testemunhas e o quarto 02 (duas) testemunhas.

A decisão de f. 218/221 deferiu somente a liberdade provisória em favor de 1° RÉU e a restituição da motocicleta CBX 250.

Alvará de soltura (f. 251/252) e Termo de compromisso de liberdade provisório sem fiança do réu 1° RÉU (f. 233).

Na audiência de instrução (f. 296/328), foram ouvidas a vítima (f. 302/304), as testemunhas arroladas pela acusação (f. 298/299, 300/301, 302/304 e 305/306) e pela defesa de 2° RÉU (f. 317/318, 325/326), 1° RÉU (f. 309/310, 311/312 e 315/316), 4° RÉU (f. 313/314, 319/320, 321/322 e 323/324 1), 3° RÉU (f. 307/308 e 327/328). A defesa de 2° RÉU e 4° RÉU requereram, cada um, a desistência de 01 testemunha (...). Considerando a ausência da testemunha arrolada pelo MPF (...), a acusação e a defesa dos réus concordaram que fosse ouvida como testemunha do juízo. 1 Na defesa prévia (f. 212/213), consta o nome de Silvânia da Cunha, mas o nome correto é Gilvânia da Cunha

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Processo nº XXX

III

Na audiência de f. 296/328, a defesa de 4° RÉU reiterou, oralmente e por escrito (f. 340/360), o requerimento de liberdade provisória. A defesa de 4° RÉU renovou o seu pleito na f. 368/370, acompanhada de documentos (f. 371/378).

Na f. 380/382, a defesa de 5° RÉU requereu a revogação da prisão preventiva, acostando documentos (f. 383/403).

Na f. 405/412, a defesa de 2° RÉU requereu a revogação da prisão preventiva, acostando documentos (f. 413/431).

A Juíza Substituta à época concedeu a liberdade provisória a 4° RÉU, 5° RÉU e 2° RÉU em razão do excesso prazal, uma vez que a conclusão da instrução pendia da oitiva de uma testemunha. Inconformado, o MPF interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi improvido (SER 1084/SE – f. 555/566)

Alvará de soltura (4° RÉU – f. 480/481, 2° RÉU – f. 483/484, 5° RÉU – f. 486/487 e 251/252) e Termo de compromisso de liberdade provisório sem fiança (4° RÉU – f. 460, 2° RÉU – f. 463, 5° RÉU – f. 462).

Após uma série de atos processuais visando localizar e ouvir a testemunha XXX (505/509, 513, 514, 518, 520/522, 548/549, 573/587, 591/593), o MPF requereu a desistência do seu depoimento e o prosseguimento do processo (f. 598).

No despacho de f. 599, ratifiquei os atos praticados anteriormente a Lei n.º 11.719/08 e determinei a intimação das partes para o requerimento de diligências complementares, pelo prazo de 05 (cinco) dias.

Na fase de diligências complementares, o MPF nada requereu (f. 602) ao passo que as defesas dos réus deixaram escoar o prazo sem manifestação (certidão de f. 621), apesar de devidamente intimados (f. f. 605/607, 608/609, 614/615, 617/618 e 619/620)

Em sede de memoriais (f. 625/632), o MPF, por entender comprovada a autoria e a materialidade, requereu a condenação do réu: 1) 1° RÉU nas penas do art. 157, § 2º, I e II do CP; 2) 2° RÉU nas penas do art. 157, § 2º, I e II do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 (concurso material); 3) 3° RÉU nas penas do art. 180, caput do CP; 4) 4° RÉU nas penas do art. art. 180, § 6º do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 do CP (concurso material); 4) 5° RÉU nas penas do art. 180, § 6º do CP c/c art. 336 do CP c/c art. 16 da Lei 10.826/03 c/c o art. 69 do CP (concurso material).

A defesa de 3° RÉU ofertou alegações finais (f. 635/640), alegando a ausência de dolo no tocante a coisa ser produto de crime e, subsidiariamente, a desclassificação da modalidade dolosa para culposa do delito de receptação. Em caso de desclassificação, a aplicação do perdão judicial, na forma do art. 180, § 5º do CP e, ultrapassada esta questão, a observância das circunstâncias judiciais na fixação da pena.

A defesa de 5° RÉU apresentou alegações finais (f. 642/645) pugnou pela sua absolvição por ausência de provas.

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Processo nº XXX

IV

Intimado, o defensor de 2° RÉU e 1° RÉU e de 4° RÉU não ofereceram alegações finais (f. 646), apesar de intimados (f. 633).

O defensor de 2° RÉU informa o óbito de seu cliente (f. 650)

A defesa de 1° RÉU apresentou alegações finais (f. 652/665), aduzindo que: 1) o réu praticou o delito de furto ao invés de roubo, uma vez que não ficou provada a violência contra a pessoa; 2) não ficou provado que o réu utilizou arma de fogo, visto que a arma não foi apreendida, a vítima Delegada da Polícia Federal foi contraditória no seu depoimento; 3) depois da revogação da sua prisão, o réu não se envolveu até o momento em qualquer delito e, atualmente, convive com sua companheira e trabalha na Prefeitura de Itabaiana como assistente administrativo.

Despacho de f. 679 revogou a multa imposta ao defensor de 1° RÉU e de 2° RÉU, mantendo-se em relação ao defensor de 4° RÉU.

Na f. 697/698, o defensor de 4° RÉU requereu a reconsideração da multa, aduzindo que: 1) não abandonou o processo porque o empregado do escritório de advocacia foi impedido de fazer carga dos autos; 2) a multa é nula porque foi imposta sem observar a ampla defesa e o contraditório.

Na f. 709, reservei para apreciar a multa após o oferecimento das alegações finais.

A defesa de 4° RÉU apresentou alegações finais (f. 714/717), argumentando: 1) não existe prova de que o réu tenha adulterado a arma; 2) inexistência de concurso material entre o delito do art. 336 do CP e o art. 16, I da Lei 10.826/03; 3) considerando a confissão da venda da arma de fogo, somente procede a denúncia em relação ao art. 16 da Lei 10.826/03 e, em caso de condenação, a aplicação das atenuantes da confissão, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Certidão de óbito do réu 2° RÉU (f. 751).

O MPF requereu a declaração de extinção de punibilidade do réu 2° RÉU em razão do seu falecimento.

É o relatório. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Ainda que não argüido pelas partes, impõe-se examinar algumas matérias de ordem pública, a não deixar dúvida quanto à regularidade deste processo.

2.1. Competência da Justiça Federal

A vítima é servidora pública federal, mas, no momento do roubo, não estava no exercício de suas funções nem a conduta foi praticada por causa de suas funções.

Ocorre que, dentre os valores subtraídos, estava uma arma − a pistola GOCK, calibre 9 mm, nº de série HRB 770 − que estava acautelada a vítima (f. 71 do IPL

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Processo nº XXX

V

174/2007) e pertence à União Federal (Superintendência Regional da Polícia Federal em Sergipe − f. 72 do IPL 174/2007). Tal circunstância atrai a competência desta Justiça porque houve lesão a bem da União. Para fins de definição de competência, leva-se em consideração a titularidade do bem, sendo irrelevante que os sujeitos ativos do crime saibam de quem era o bem. A questão do dolo integra o próprio tipo penal, não servindo de critério para definição da competência. Por conseqüência, a subtração de um bem federal atrai os demais crimes correlatos em razão da conexão probatória entre os mesmos.

2.2. Inversão da ordem de testemunha.

As testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa foram ouvidas em audiência realizada no dia 22.10.2007, com exceção de Jovânio da Conceição Almeida Bispo arrolada pela acusação. Consta do temo a seguinte passagem:

“MM. Juíza procedeu à oitiva da testemunha das testemunhas de acusação. Tendo em vista a ausência da testemunha de acusação Jovânio da Conceição Almeida Batista por não ter sido localizado, mas tendo em vista que não houve objeção por todos os advogados presentes, procedeu, logo em seguida, a Magistrada à oitiva das testemunhas de defesa, deixando para ouvir a testemunha Jovânio da Conceição Almeida Batista como testemunha do juízo”. (f. 296)

Após sucessivos atos processuais tentando a sua oitiva, o MPF requereu a sua desistência (f. 598).

Não há nulidade alguma a ser acolhida. Primeiramente, a testemunha não chegou a ser efetivamente ouvida, de maneira que não se pode falar em inversão tumultuária do processo. As partes concordaram que a referida pessoa seria ouvida como testemunha do juízo, o que somente ocorre ao final, ou seja, após a oitiva das testemunhas arroladas pelas ambas. Por fim, não se declara a nulidade de um ato se a defesa contribui para a sua ocorrência. (art. 565 do CPP).

2.3. Revogação da multa imposta ao defensor de 4° RÉU.

Na f. 697/698, o defensor de 4° RÉU requereu a reconsideração da multa, aduzindo que: 1) não abandonou o processo porque o empregado do escritório de advocacia foi impedido de fazer carga dos autos; 2) a multa é nula porque foi imposta sem observar a ampla defesa e o contraditório.

Quanto ao primeiro item, improcede porque somente quem possui capacidade postulatória é o advogado ou estagiário inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, não se enquadrando o empregado do escritório. Em relação ao segundo fundamento, procede porque antes da imposição da multa deveria ter sido intimado para justificar a sua omissão e, somente aí, seria possível a imposição de multa.

Revogo a pena de multa imposta na f. 679.

2.4 Regularidade procedimental.

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Processo nº XXX

VI

É mister analisar os impactos da Lei 11.719/08 no presente processo considerando que foram praticados atos sob o pálio da lei anterior e a Lei 11.719/08 produziu mudanças substanciais no rito do procedimento comum ordinário.

Não obstante o silêncio do legislador, entendo que o Capítulo III – Do processo e do julgamento dos crimes da competência do Juiz Singular – do Título I – do Processo Comum – do Livro II – dos Processos em Espécie – que abrange os arts. 498 a 502 do CPP foram derrogados pelos art. 394 a 405 do CPP, com a redação determinada pela Lei 11.719/08, uma vez que o legislador dispôs por completo sobre o procedimento comum nos art. 394 a 405 do CPP. A título de exemplo, o art. 499 do CPP foi incorporado ao art. 402 do CPP a ser realizado em audiência.

Por sua vez, o Art. 2º da Lei 11.719/08 preceitua que “Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação”, que ocorreu no dia 23.06.2008. Assim, aplicando-se o art. 8º da LC 95/98, as modificações introduzidas pela Lei 11.719/08 entraram em vigor no dia 22.08.2008.

Por ocasião de sua entrada em vigor, estava pendente a oitiva de uma testemunha XXX. Com o pedido de desistência da mencionada testemunha, houve o encerramento da instrução criminal. Adaptando-se a fase em curso ao novo procedimento, abriu-se prazo para diligências complementares e, em seguida, para alegações finais.

Como os réus já foram interrogados sob o pálio da lei anterior – antes da entrada em vigor da Lei 141.719/08 –, entendo que o presente processo cumpriu todas as formalidades legais antes e depois da entrada em vigor da Lei n.º 11.719/08.

Não havendo outras questões, examino o mérito da causa.

2.5. Mérito.

2.5.1. Extinção da punibilidade

Comprovado o falecimento do réu 2° RÉU, mediante Certidão de Óbito (f. 751), impõe-se reconhecer a extinção da punibilidade, com esteio no art. 107, I do CP. Não obstante a sua morte, analisarei a sua conduta por estar umbilicalmente ligada com os demais réus.

2.5.2. Autoria, materialidade e enquadramento.

No campo processual, a busca da verdade – com a conseqüente certeza judicial – dá-se por meio de um processo de reconstrução histórica e crítica dos fatos, como se fosse um historiador, complementando as lacunas da narrativa mediante a aplicação das regras normais (id quod plerunque accidt) e técnicas de experiência e, excepcionalmente, as regras sobre os ônus da prova. A prova nunca dará ao juiz a certeza, mas somente uma aproximação, maior ou menor da certeza dos fatos 2.

2 Cf. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pp. 29/31

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Processo nº XXX

VII

A materialidade dos fatos foi sobejamente comprovada por intermédio das provas contidas no IPL n.º 0140/2009 em apenso, tais como: 1) autos de apreensão dos celulares (f. 21 e 23), de pertences da vítima (itens 2 e 4 da f. 55 e f.73), da pistola (f. 98); 2) documentos referentes a pistola GOCK, calibre 9 mm, nº de série HRB 770, acautelada da DPF YYY(f. 71) e de propriedade da Superintendência Regional da Polícia Federal em Sergipe (f. 72); 3) auto de restituição dos celulares (f. 105 do IPL)chips; 4) Laudo de exame de fogo (f. 116/118) atestando que “a referida arma sofreu um processo de alteração das suas características, uma vez que houve a raspagem das inscrições ‘DPF’ e do brasão”

Embora a adulteração da arma de fogo esteja mais do que provada, não há elementos quanto a quem efetivamente efetuou a adulteração, uma vez que ninguém assumiu a autoria do fato e a arma passou pelas mãos de 03 pessoas diferentes (2° RÉU, 4° RÉU e 5° RÉU). Com exceção da chamada de co-réu, não há qualquer outro elemento de prova que permita imputar o fato a um dos 03 (três) réus. Assim, impõe-se a aplicação do princípio in dúbio pro réu quando não se tem certeza da autoria.

Como os 04 (quatro) réus estão sendo acusados de condutas diferentes, analiso a situação de cada um em separado.

1° RÉU

Quanto à autoria do roubo ocorrido no dia 28.06.2007, a vítima, DPF Mariana Paranhos Calderon, a vítima narrou os fatos com riquezas de detalhes, bem assim reconheceu 1° RÉU e 2° RÉU como as pessoas que a assaltaram no mês de junho, os quais ambos acabaram confessando os fatos narrados na denúncia por ocasião do interrogatório em juízo.

1° RÉU [Interrogatório − f. 82/85] “ (...) Tem uma moto, ganhou de seu pai presente de aniversário de seus 18 anos. Não costuma usar a moto para cometer delitos. “Foi o primeiro e último delito”. Conhece 2° RÉU desde pequeno, na Igreja. Nunca teve aproximação anterior com ele, a não ser a partir deste ano. (...) O motivo da escolha da vítima foi o tipo de telefone que ela usava no momento, porque era bonito. (...) Não acertaram o roubo. Foram em direção ao Shopping, onde assistiram a um filme. Quando saíram, em direção a Itabaiana, ocorreu “esse momento de fraqueza”. Os valores foram divididos em partes iguais, no caso da pistola (550 reais) e o dinheiro, não se recorda o valor exato. Não sabe o destino da pistola, nem da bolsa nem carteira de identificação da Delegada da Polícia Federal. Ficou com o porte da carteira funcional. Não sabia o que fazer com ele e o deixou guardado. (....) A bolsa ficou com 2° RÉU. (...) No momento do roubo usava apenas o capacete. Os dois estavam desarmados no momento do delito. O depoente estava pilotando a moto. 2° RÉU “foi em cima da vítima” e puxou o celular, ela disse “a bolsa não” e foi correr, mas a alça da bolsa “torou”. Após a partilha do roubo, deixou 2° RÉU na casa dele e foi para a casa com a sua moto. 2° RÉU ficou com a arma, não sabendo explicar como foi a comercialização da mesma. 2° RÉU passou o dinheiro para o depoente (550 reais). YYY[vítima − f. 302/304] Que não tem dúvida de que os acusados 1° RÉU e 2° RÉU foram as pessoas que lhe assaltaram no final de junho deste ano, na Rua Percílio da Costa Andrade, no último quarteirão. Que recorda que ambos estavam em uma moto, de cor amarela, quando andava na rua munida de um celular ao qual esta falando e percebeu que os

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Processo nº XXX

VIII

dois vinham em sua direção. Suspeitando que se tratava de assalto, adiantou o passo, quando foi abordada pelo acusado mais alto e mais branco que se encontrava munido de uma arma, na frente da calça. Que ele pediu o celular e a bolsa, sem sacar a arma, apenas mostrando. Que chegou a dar o celular, pois estava atônita, mas na hora de dar a bolsa, saiu correndo. Que o assaltante correu atrás da depoente e puxou a sua bolsa. Que tem certeza que se tratava de revolver. Que ambos estavam de capacete, mas mesmo assim a depoente conseguiu identificar a fisionomia principalmente do que lhe fez a abordagem. Que acredita que o segundo foi identificado Que 2° RÉU conduzia a moto enquanto 1° RÉU fez a abordagem. (....) Que chegou a atender o pai de um dos acusados que é proprietária de farmácia em Itabaiana. Que quando acabou o assalto correu para um orelhão, acionou o plantão da Superintendência e os agentes que trabalham na sua delegacia. (...) Que mostrada a fotografia de f. 73, informa que os acusados não estavam usando nenhum dos artefatos de f. 73, podendo identificar seus dois celulares, carteira profissional, espelho e chaveiro da PF, não sabendo dizer de quem era a chave de chaveiro vinho. (...) Que na bolsa continha pistola da DPF, Carteira Funcional, carteira com documentos pessoais, identidade, CPF, U$ 250,00 e R$ 150,00, talão de cheque, 2 ou 3 cartões de crédito, a chave do veículo, da casa e da DPF. Que foi recuperada parte da funcional, capa de couro e aparte que consta a assinatura. O espelho da carteira não foi recuperado, levando a crer pela possibilidade de fraudar o documento, bastando mudar a foto. Também foi recuperada a pistola. Mostrou em audiência a pistola recuperada, com uma adulteração do brasão da Polícia Federal pelo processo de abrasão. Quando a pistola foi recuperada o brasão da PF, além de raspado, estava pintado de preto. Que parece que a pistola foi entregue na casa de uma senhora. Que houve telefonema para a polícia informando onde estaria a pistola, informação que foi confirmada pelo Dr. Ronilson que estava presente na Delegacia, tendo este, juntamente com o agente Flávio Lisa, sido enviado pelo Dr. Sidney Átis, para recuperar a arma. Que uma pistola glock 9 mm, como a que foi mostrada em audiência, custa em torno de R$ 3500,00 e é arma de uso restrito da polícia. (....) Às perguntas do defensor de 3° RÉU respondeu: Que se confundiu no depoimento prestado na Polícia Federal quanto à cor da moto, pois esta era que era amarela e não a bermuda, como havia dito no depoimento. Que o capacete do motorista cobria quase a totalidade do rosto, mas o capacete do carona deixava o rosto praticamente todo à mostra. (...) Que, tirando estas particularidades, porque estava nervosa no momento do depoimento, confirma integralmente o depoimento prestado na Polícia Federal. Que a arma do carona não estava em punho e não foi sacada, mas apenas mostrada para a vítima. Que ficou nervosa e por isso não tem detalhes e, pelo fato de estar em posição de inferioridade diante da situação, a princípio teve a impressão de que ambos eram altos, além do fato de o motorista não ter descido da moto, o que fez acreditar que ele era alto. Que não se recorda de ter informado para o plantão que um dos meliantes estava armado, até porque estava nervosa. Que o motorista trajava vestimenta volumosa, similar a uma capa de chuva, o que impedia de ter certeza se ele estaria armado.

A divergência das versões da vítima e dos réus reside em dois pontos: 1) quem teria feito a abordagem; 2) se os réus estavam armados ou não. A DPF disse que foi 2° RÉU quem dirigia a moto e 1° RÉU quem exibiu o revolver que estava na frente da calça sem chegar a sacá-lo. Já 1° RÉU afirmou que foi 2° RÉU quem fez a abordagem e negou que qualquer dos dois estivesse armado.

A questão de quem fez a abordagem não prejudica o cometimento do crime porque ambos agiam com unidade de desígnios.

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Processo nº XXX

IX

Quanto à utilização da arma, a jurisprudência entende que não é necessário a sua apreensão e a realização de perícia quando o magistrado ficar convencido por outros meios prova da sua efetiva utilização. Neste, colhe-se o seguinte julgado:

EMENTA: ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA. I - Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. V - Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. V - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. VI - Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo. VII - Precedente do STF. VIII - Ordem indeferida. 3

Agora, a certeza deve ser acima de qualquer dúvida porque a utilização de arma de fogo agrava a situação dos réus, uma vez que constitui uma causa de aumento do delito de roubo.

Analisando as versões, entendo que persiste uma situação de dúvida objetiva quanto a sua efetiva utilização. No caso em exame, a vítima declarou que um dos assaltantes mostrou a arma na frente da calça, sem sacá-la. A situação de ter uma arma apontada para si é bem diferente do que o marginal exibir a arma na frente da calça, sem sacá-la. Mesmo em dúvida, a pessoa aceita ter os seus pertences despojados porque não quer arriscar para ver. Ressalte-se que, mesmo possuindo conhecimento necessário para identificar uma arma de fogo, a vítima DPF não logrou identificar o tipo de arma, embora tenha certeza de sua utilização. Além disso, todo assalto gera tensão natural na prejudicando a sua avaliação nos detalhes.

Diante do princípio in dubio pro reo [tão-somente quanto à utilização ou não de uma arma de fogo], é razoável entender que, em verdade, os dois simularam a utilização da arma e que a vítima, embora estivesse armada, não reagiu porque estava em dúvida quanto à situação. Se um dos réus estivesse armado, poderia ter atirado na vítima quando a mesma resolveu sair correndo ao invés de simplesmente arrancá-la de seu corpo.

Analisando todo o conjunto probatório, verifico que após saírem do Shopping Jardins, 2° RÉU (já falecido) dirigia uma moto e 1° RÉU estava no carona quando

3 STF, HC 96099, Tribunal Pleno, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 19/02/2009, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-03 PP-00498 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 410-427

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avistaram a DPF YYY falando no telefone. Ao se aproximar da DPF, 2° RÉU simulou que estivesse portando um revolver na frente da calça e exigiu que a DPF entregasse o celular. Após entregar o celular, 2° RÉU pediu a bolsa. Ato contínuo a DPF saiu correndo, 2° RÉU puxou a bolsa que acabou “tourando”.

Na bolsa continha pistola da DPF, Carteira Funcional, carteira com documentos pessoais, identidade, CPF, U$ 250,00 e R$ 150,00, talão de cheque, 2 ou 3 cartões de crédito, a chave do veículo, da casa e da DPF.

Após o assalto, foram para a Itabaiana onde dividiram o produto do roubo em partes iguais dinheiro, os dois celulares, sendo que 1° RÉU ficou ainda com a bolsa e o espelho da carteira funcional com assinatura e foto enquanto 2° RÉU ficou com a carteira funcional e pistola Glock para revendê-la depois. 2° RÉU vendeu a pistola a 4° RÉU por R$ 1.130,00 (mil cento e trinta reais) e posteriormente entregou R$ 550 a Ely.

Em sede de alegações finais (f. 652/665), a defesa de 1° RÉU requereu a desclassificação de roubo para furto porque não utilizou qualquer arma. A ausência de arma não descaracteriza o crime de roubo porque o tipo penal admite que o crime possa ser cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, nos termos do dispositivo abaixo:

CP, Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Ao simular que possuíam uma arma, os réus praticaram o fato sob o pálio da grave ameaça porque utilizaram de tal expediente para vencer a resistência da vítima e subtrair-lhe os seus bens. Se não simulassem a existência de uma arma, dificilmente a DPF entregaria os seus bens porque a mesma estava armada, o que conferiria uma situação de vantagem em relação aos dois. Ressalte-se que foi utilizada força física contra a vítima para retirar a bolsa que segurava próximo ao seu corpo a ponto de “tourá-la”.

A propósito, já decidiu o eg. STJ PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. APELAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA. I - Hipótese em que não se questiona a dinâmica dos fatos, restando definido no v. acórdão guerreado, de maneira clara e ausente de dúvidas, que o recorrido, no momento da subtração do veículo, ameaçou atirar na vítima caso não ficasse quieta. II - Para a configuração do crime de roubo é necessário haver o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. Entretanto, a violência não precisa ser de tal gravidade a ponto de ensejar lesões corporais, como nas vias de fato. Ademais, a grave ameaça pode ser empregada de forma velada, configurando-se, isso sim, pelo temor causado à vítima, o que leva a permitir que o agente promova a subtração sem que nada possa a pessoa lesada fazer para impedi-lo. (Precedentes). III - Dito em outras palavras, a grave ameaça é a violência moral, a promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a, atemorizando-a, viciando sua vontade de modo a evitar um eventual reação (Luiz Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro - Vol. 2", Ed. RT, 5ª edição, 2006, pág. 418). É necessário que a ameaça seja bastante para criar no espírito da vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral (Nelson Hungria in "Comentários ao Código Penal - Vol. VII", Ed. Forense, 4ª

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edição, 1980, pág. 54). Não se exige, contudo, o propósito, por parte do agente, de cumprir verdadeiramente a ameaça, nem que ela possa ser cumprida, basta que, no caso concreto, ela seja idônea para constranger e intimidar o ofendido (Heleno Cláudio Fragoso in "Lições de Direito Penal - Parte Especial - Vol. 1", Ed. Forense, 11ª edição, 1995, pág. 20). Ainda, fatores ligados à vitima (v.g.: sexo, idade, condição social e de saúde, etc) devem, no caso concreto, serem sopesados para que se possa aquilatar o grau de temebilidade proporcionado pela conduta do agente. Recurso especial provido. 4

A conduta do acusado 1° RÉU se subsume à moldura do roubo consumado com causa de aumento (concurso de duas ou mais pessoas) previsto no art. 157, § 2º, II do Código Penal:

Roubo Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

Além de típica, a conduta é antijurídica e culpável por estarem ausentes quaisquer causas de justificação ou exculpação do delito.

3° RÉU

O acusado pediu para 2° RÉU para ficar com a carteira funcional da Delegada da Polícia Federal, sem o espelho, e depois pegou a bolsa jogada por 2° RÉU pra presentear uma mulher de nome CLARA.

Na fase policial, admitiu que sabia da origem espúria do bem, conforme interrogatório abaixo:

“QUE em Itabaiana encontrou-se com o primo 2° RÉU, cujo nome correto não sabe declinar, no dia 28/06, entre 21:30 h e 22: 00 h estando ele de posse de duas bolsas, sendo uma de cor prata ou dourada e outra de cor rosa, e e dentro da bolsa prata ou dourada havia uma carteira de Polícia Federal e um chaveiro com o nome BIOFORMA com algumas chaves, tendo indagado se era produto de roubo e 2° RÉU lhe dito ‘fique na sua’; QUE naquele momento o depoente pediu a 2° RÉU para ficar com a carteira da Polícia Federal, o que efetivamente aconteceu, e depois foi até o local onde 2° RÉU jogou a bolsa, pegou-a e presenteou a uma moça de nome CLARA, que reside nesta Capital próximo ao Clube do BANESE” (f. 41/42 do IPL)

Já, em juízo, confessou o fato, mas alegou que não conhecia a origem criminosa dos bens.

Sim, à exceção da bolsa, que foi jogada e o interrogado foi pegá-la. Pegou a carteira, pediu. R. Não pagou nada pela carteira ou pela bolsa. Encontrou 2° RÉU na rua da casa de um colega, por volta das 9 horas e ele lhe pediu uma carona para ir até a casa da esposa dele. Não sabe dizer bem, mas ele estava na casa da mãe e ia para a casa da

4 STJ, REsp 951.841/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 27/09/2007, DJ 12/11/2007, p. 292

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esposa. Deixou-o lá. Quando estavam chegando 2° RÉU jogou fora a bolsa e o depoente retornou para a carteira. Não perguntou a 2° RÉU onde ele conseguiu a bolsa ou a carteira. Não perguntou porque não queria advinhar que ele tinha roubado alguém da Polícia Federal Não tinha a intenção de fazer nada com a carteira. Assim que soube que ela era roubada jogou-a fora no telhado de sua casa. Pediu a carteira porque achou-a bonita. Não perguntou porque 2° RÉU tinha jogado a bolsa fora. Perguntou no dia seguinte e soube o motivo pelo qual 2° RÉU estava jogando a bolsa fora. Pegou a bolsa e deu a uma menina. Depois soube que era fruto de roubo, mas nunca mais viu a menina. Que era na época das festas de São Pedro. Dentro da bolsa havia apenas uma bíblia. Deu a bolsa, inclusive com a bíblia dentro. Conhece 1° RÉU de vista, de Itabaiana. Não conhece 4° RÉU ou YYY. Nunca viu 5° RÉU. Não viu a pistola. Não sabe dizer se 2° RÉU já esteve envolvido em outros delitos. Em relação ao depoimento prestado ao Departamento de Polícia Federal, constante às fls. 41-42 do IP 174/2007 em apenso, confirmando-o, mas informa que a festa que compareceu foi na casa de um “cara chamado Alan”, não tendo usado carteira para entrar. Que levou 2° RÉU para a casa da esposa e não para a boca de fumo. Não sabe se perto da casa da esposa tem alguma boca de fumo. Soube por boatos que 2° RÉU teria praticado um crime 2 dias antes. Sabia também por boatos que 2° RÉU já praticou assaltos. Que a afirmação de que 2° RÉU “disse que ia vender a arma e os celulares ficariam um para cada um dos assaltantes” soube no dia seguinte em que ficou com a carteira e a bolsa. Não chegou a ver o celular e a bolsa. A bolsa era a prata e salmão. A bolsa e a carteira já estavam separadas. Pegou a carteira e depois a bolsa.

Em sede de alegações finais, a defesa sustentou a ausência de dolo do crime de receptação (art. 180, caput do CP) e, subsidiariamente, a desclassificação para a modalidade culposa (art. 180, § 3º do CP). Argumentou que a situação do réu é a mesma da Sra. Elaine Lima que adquiriu um celular de 1° RÉU, mas não foi denunciada.

Quanto à existência de dolo, Zaffaroni e Pierangeli conceitua como “a vontade realizadora do tipo objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto” 5. Extrai-se que o elemento subjetivo geral do tipo (dolo) compõe-se de dois aspectos: a) o aspecto de conhecimento ou aspecto cognoscitivo do dolo; e b) o aspecto do querer ou aspecto volitivo do dolo.

No caso de receptação, o réu precisa saber que a coisa é produto de crime, mas não precisa conhecer os detalhes do crime antecedente (quem, como, onde, quando). A prova da origem delituosa do objeto, no crime de receptação, pode se extrair da conduta do agente e das circunstâncias exteriores. Do contrário, bastaria negar a existência do elemento anímico do crime durante o seu interrogatório para afastar a ocorrência do dolo.

A retratação do réu em juízo não pode ser aceita porque constitui uma tentativa de escamotear o seu conhecimento sobre a origem ilícita dos bens. Além disso, as circunstâncias de como os bens foram obtidos permitiam ao réu ter plena ciência de sua origem criminosa.

O acusado pediu para 2° RÉU para ficar com a carteira funcional sem espelho da Delegada da Polícia Federal e depois pegou a bolsa jogada por 2° RÉU pra presentear uma mulher de nome ANA. A bolsa pertencia a uma pessoa do sexo feminino. 5 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal: Parte Geral – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

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Processo nº XXX

XIII

Tanto é que o réu presenteou a uma pessoa do sexo feminino. O réu 2° RÉU nunca foi delegado da polícia federal. É irrelevante que o réu Igor Raoni não soubesse os detalhes do crime, porque, nas circunstâncias que obteve os bens, não podia ignorar que não havia qualquer justificativa para que 2° RÉU detivesse a posse destes bens (bolsa feminina e carteira funcional). Ademais, ao ver o co-réu 2° RÉU jogando fora uma bolsa de mulher, réu Igor Raoni tinha ciência de sua posse ilícita, já que o comportamento da 2° RÉU é típico de uma pessoa que pretende se livrar de um objeto criminoso que não lhe interessa mais.

Por seu turno, o réu não está na mesma situação da testemunha Aline que adquiriu um celular roubado porque a compra de um aparelho celular constitui um ato equívoco, vale dizer, o aparelho pode pertencer a um homem ou a uma mulher.

Sobre o tema, já decidiu o TRF da 5ª Região, verbis: PENAL. RECEPTAÇÃO. DOLO. PRESENÇA. PENA. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. OCORRÊNCIA. 1. As peculiaridades do caso demonstram que o condenado sabia da procedência ilegal dos objetos a ele oferecidos: exercia a função de Agente de Segurança na Justiça Federal, tem a formação acadêmica em Bacharel em Direito e os objetos receptados eram do tipo de outros que se encontravam no Depósito Judicial, cuja guarda era uma das atribuições funcionais do condenado. 2. Para ser beneficiado com causa de diminuição de pena do arrependimento posterior é necessária a reparação integral do dano, o que não ocorreu. 3. No que diz respeito à atenuante genérica da minoração das conseqüências do crime, a devolução de apenas alguns dos objetos adquiridos não é suficiente para demonstrar o esforço para tanto. 4. Tendo o réu, in casu, admitido, tanto na fase de inquérito, quanto na judicial, ter ficado com os objetos a ele oferecidos, bem como vendido as armas a ele repassadas, deve ser favorecido pela atenuante da confissão espontânea. 5. Apelação parcialmente provida. 6

É impossível a desclassificação da modalidade dolosa para culposa porque o dolo é mais do que evidente.

Quanto ao enquadramento, dispõe o art. 180 do CP. CP, Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

O delito de receptação constitui um crime de ação múltipla, uma vez que prevê várias modalidades de cometimento do mesmo crime. Ainda que praticada mais de uma conduta descrita no tipo, responderá pelo mesmo crime.

Entendo que adquirir é obter o bem que sabe ser produto de crime por qualquer meio, seja a título oneroso, seja a título gratuito ou independentemente de uma relação jurídica anterior. A propósito, é o escólio abaixo: 6 TRF 5 Reg., ACR 3498/CE (200181000211448), 4ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, DJ - Data::18/10/2004 - Página::827 - Nº::200

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Processo nº XXX

XIV

“A modalidade em primeiro lugar tem como núcleo o verbo adquirir, que compreende a compra, a permuta, a dação em pagamento, a herança. Verifica-se o crime mesmo que o título não seja injusto (o credor recebe em pagamento objeto que sabe furtado), ou quando inexistente a relação obrigacional entre o agente do crime-base e o receptador (apreensão de coisa que o ladrão joga fora, durante a fuga)” 7. ‘Adquirir tem o significado legal, como bem salientado por Luis Regis Prado, de ‘obter a propriedade da coisa, de forma onerosa, como na compra, ou gratuita, na hipótese de doação. Inclui-se aqui a conduta de obter o produto do autor do crime anterior como compensação de dívida deste para com o agente. Pode, também, a aquisição originar-se de sucessão causa mortis , desde que o herdeiro saiba que a coisa fora obtida por meio criminoso pelo de cujus. Pode ainda ocorrer a receptação pela modalidade adquirir, ainda que não haja vínculo negocial entre o autor do crime anterior e o agente, como na hipótese de o indivíduo que se apodera da coisa atirada fora pelo ladrão que está empreendendo fuga, com pleno conhecimento de sua origem criminosa” 8

Além de típica, a conduta é antijurídica e culpável por estarem ausentes quaisquer causas de justificação ou exculpação do delito.

4° RÉU e 5° RÉU

Na fase inquisitorial e em juízo, o réu 4° RÉU (...) confessou que comprou do réu 2° RÉU Lima, pela quantia de R$ 1.130,00 (mil cento e trinta reais), um celular e uma pistola GLOCK 9 mm, pertencente ao patrimônio da União, sendo que repassou ao co-réu 4° RÉU somente a pistola GLOCK 9 mm.

4° RÉU [Interrogatório em juízo − f. 94/96] 1. Se é verdadeira a imputação que lhe é feita? R.. Sim. 2. Sendo verdadeira a imputação, quais os motivos e circunstâncias do fato? Outras pessoas concorreram para a infração? R. 2° RÉU chegou na lanchonete oferecendo a arma aos meninos da lanchonete, e o interrogando achou bonita e a comprou. Não sabia se era fruto de roubo. Comprou a arma e o celular por 1130. Não perguntou onde 2° RÉU tinha adquirido a arma ou o celular. “Foi convidado para ir num sítio e vendeu a arma para um meio-irmão, 5° RÉU, conhecido por (...). O celular vendeu a uma cliente que deu para um marido dela. Em relação ao depoimento prestado ao Departamento de Polícia Federal, constante às fls. 48-49 do IP 174/2007, em apenso, confirma-o integralmente. Conheceu 5° RÉU no dia da festa. Ele é irmão por parte de pai do depoente. Conheceu-o numa feijoada de uma tia. Não conhecia 1° RÉU, 2° RÉU ou 3° RÉU. (....) Não entregou a arma a Campos no dia do almoço, mas sim, em Itabaiana. Vendeu a arma na segunda e receberia o dinheiro na sexta-feira, mas não chegou a receber o dinheiro. Quando vendeu a arma o brasão estava normal, intacto. Campos não perguntou ao interrogado sobre o brasão, origem da arma de quem era. A esposa foi visitar o interrogando no presídio e lhe disse que tinham jogado a arma na saleta de casa. Ela chamou o Advogado e eles entregaram-na à Polícia Federal. XXX é um meio-irmão de 5° RÉU, que estava lá

7 COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 4. ed. reform. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 609.. 8 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Volume III. 4. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2007. p. 341

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Processo nº XXX

XV

na feijoada. Quando o interrogado estava preso (...) procurou a esposa do interrogado na frente do presídio. (...) falou para a esposa do interrogado que iria se entregar e entregar a arma. Não conhecia 2° RÉU. Comprou a arma porque ele chegou oferecendo lá na lanchonete. Não conhecia nem de vista”.

Já o co-réu 5° RÉU negou na fase policial (f. 151/152 do IPL n.º 174/2007) e em juízo (f. 97/99) que tivesse comprado a arma das mãos de 4° RÉU. O único fato que admitiu foi ter conhecido o seu meio-irmão no dia da feijoada.

“R..Não faz idéia de quem comprou a arma. Não chegou a ver arma. Não conhece 1° RÉU, 2° RÉU ou 3° RÉU. Conheceu 4° RÉU há pouco tempo, numa reunião de família, onde ele foi apresentado como irmão do depoente. Jorge não ofereceu nenhuma arma naquela oportunidade. Em relação ao depoimento prestado ao Departamento de Polícia Federal, constante às fls. 151-152 do IP 174/2007 em apenso, confirma-o integralmente. Foi apresentado a 4° RÉU, seu meio-irmão, no dia da feijoada. Jorge não comentou sobre a arma, nem o interrogado comentou depois. Que estava preocupado com o filho, que estava montando um cavalo no momento. Que Jorge e XXX conversavam sobre munição, mas não sabe muito a respeito. Não faz idéia de quem teria comprado a arma”.

A versão do réu (negativa de autoria) não pode ser aceita porque está em desacordo com o conjunto probatório.

Como o fato foi praticado às escondidas, não existem testemunhas que viram o réu 5° RÉU recebendo uma arma nas mãos de 4° RÉU, mas mesmo assim são abundantes os indícios a seguir apontados.

No caso em exame, os réus, meio-irmãos, se conheceram numa festa no domingo (1.07.2007), dois dias depois do assalto praticado por 2° RÉU Lima e 1° RÉUno dia 28.06.2007. Na segunda, 5° RÉU e Jorge Campos foram vistos conversando e saíram juntos para buscar a arma, ficando acertado que o pagamento seria feito na sexta (06.07.2007).

5° RÉU [Interrogatório judicial − f. 97/99]

“Foi apresentado a Jorge, seu meio-irmão, no dia da feijoada”.

4° RÉU [Interrogatório policial − f. 48/49 9] “QUE no domingo, dia primeiro de julho, foi a um sítio, no povoado Rita Cacete, município de São Cristovão,convidado que fora para comer uma feijoada, na casa de uma pessoa que lhe compra confecções, e lá ofereceu para a sua cliente o aparelho celular, pelo preço de cento e vinte reais, que seria pago em duas parcelas iguais de sessenta reais; QUE naquele dia também conheceu um ‘meio-irmão’, de nome 5° RÉU, ..., a quem disse que estava na posse de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais); QUE na segunda-feira, dia 02/07, 5° RÉU foi até Itabaiana e recebeu as armas das mãos do Interrogado, acertando que o pagamento seria feito nada de hoje, por volta das 14 h, na sua casa, em local que seria acertado por telefone, não tendo recebido a importância”

4° RÉU [Interrogatório em juízo − f. 94/96] “Conheceu 5° RÉU no dia da festa. Ele é irmão por parte de pai do depoente. Conheceu-o numa feijoada de uma tia. Não conhecia 1° RÉU, 2° RÉU ou 3° RÉU.

9 “Em relação ao depoimento prestado ao Departamento de Polícia Federal, constante às fls. 48-49 do IP 174/2007, em apenso, confirma-o integralmente”. (Interrogatório judicial de Jorge Santos − f. 94/96]

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Processo nº XXX

XVI

(...) Não entregou a arma a 5° RÉU no dia do almoço, mas sim, em Itabaiana. Vendeu a arma na segunda e receberia o dinheiro na sexta-feira, mas não chegou a receber o dinheiro.

XXX [Companheira de 4° RÉU − Depoimento policial − f. 96/97 do IPL n.º174/2007 10] “Que na segunda ou terça-feira da semana passada, esteve na frente da loja o Policial Militar Campos, meio-irmão do seu companheiro 4° RÉU, que saíram de moto e foram para um bar próximo onde ficaram conversando por cerca de 10 minutos não sabendo informar o que conversaram”;

XXX [Companheira de 4° RÉU − Depoimento em juízo − f. 305/306] “(....) Que é esposa do acusado 4° RÉU. Que, de todos os acusados, apenas conheceu 5° RÉU, na terça feira antes de ser preso, pois ele esteve na frente de sua loja que se trata de loja de roupa íntima. Que não sabe o que 5° RÉU foi fazer em sua loja, mas sabe que ele e Jorge conversaram por uns dez minutos e ambos saíram na moto da declarante.

XXX [Depoimento policial − f. 18/19 do IPL n.º174/2007] “QUE desejano último domingo, dia 1º de julho, recebeu na residência da sua sogra, a senhora Eliana, (...), a visita de ‘YYY’ que fora convidado pela sogra do depoente para lá passar o dia, objetivando agradar ‘YYY’, tendo em vista que tanto ela (a sogra) quanto a esposa do depoente sempre foram bem recebidos por ‘YYY’ em Itabaiana, ficando o depoente encarregado de fazer uma feijoada, o que efetivamente aconteceu; QUE por voltas das 11 horas do domingo, chegou ‘YYY’, acompanhado de uma irmã e cunhados, em uma blazer de cor azul marinho metálico, lá permanecendo até por volta das 16:00 hs “QUE deseja finalmente acrescentar que na parte da frente da casa da sua sogra, existe uma bodega e que no domingo, dia 1°, ouviu quando ‘YYY’ conversava com o Cabo PM CAMPOS, conhecido como ‘XXX’, que indagou se ‘YYY’ poderia conseguir uma pistola, tendo obtido como resposta que poderia, ao preço de R$ 2.400,00 a R$ 2.500,00, o que ‘XXX’ disse que por esse preço poderia traze de ‘balde, que ele comprava”11

5° RÉU não chegou a efetuar o pagamento porque no referido dia (06.07.2007) 4° RÉU foi interrogado na Polícia Federal e, no mesmo dia, a Juíza Substituta a época decretou a prisão preventiva de 1° RÉU, 2° RÉU, 4° RÉU, 3° RÉU e 5° RÉU (f. 20/22 dos autos n.º 2007.85.00.002907-4).

Em razão disso, 5° RÉU desistiu de ficar com a arma e resolveu deixá-la na casa do réu 4° RÉU (seu meio-irmão) para não se incriminar. Acrescente-se que, no dia 10.07.2007, quando a companheira do réu 4° RÉU foi visitá-lo na prisão, encontrou-se com outro meio-irmão de 5° RÉU, o qual afirmou que a arma seria devolvida na sua casa.

XXX [Companheira de 4° RÉU − Depoimento policial − f. 96/97 do IPL

n.º174/2007 12] “QUE é comerciante de roupas íntimas na cidade de Itabaiana juntamente com o seu companheiro e sua genitora e, na última sexta-feira, dia 06/07/2007, quando estava

10 Apesar de não ter sido expressamente ratificado em juízo, está em consonância com o depoimento de f. 305/306. 11 Faço a ressalva que o encontro no bar ocorreu na segunda e não no domingo e que existe uma irmão de Carlos Henrique Campos, apelidado de XXX, chamado de Francisco Chagas Campos (f. 298/299), contudo isto não apaga que o encontro no bar ocorreu. 12 Apesar de não ter sido expressamente ratificado em juízo, está em consonância com o depoimento de f. 305/306.

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Processo nº XXX

XVII

trabalhando na loja recebeu a visita de Policiais Federais que haviam efetuada a prisão do seu companheiro em razão de receptação de uma arma da Polícia Federal, fato até então desconhecido da depoente; QUE no dia de ontem, 10/07/2007, foi visitar o seu companheiro no presídio de São Cristovão e lá encontrou com um meio irmão de 4° RÉU, que conhece pelo epíteto de (...) , pessoa que já tinha visto uma vez lá na cidade de Itabaiana, (...); QUE(...) lhe falou que o irmão PM 5° RÉU, iria se entregar a Polícia com um Advogado e que também entregaria a arma nesta Polícia Federal; “QUE por volta das 21:30 h de ontem [10.07.2007] , ouviu o barulho de um carro estacionando na sua porta e ao abrir a cortina da porta do meio, verificou que na saleta havia uma sacola de cor laranja e imaginou trata-se da arma, tendo ficado apreensiva e, pegando o seu filho menor, saiu de casa e foi para a casa da cunhada e ligou para o Advogado pedindo orientação, tendo ele dito que retornasse para casa e lá permanecesse para que ninguém roubasse a arma, o que efetivamente foi feito; QUE voltou para casa e puxou a sacola mais para o interior da residência, longe do portão e permaneceu durante toda a noite imaginando que a qualquer momento chegaria a Polícia para arrecadar o material, o que não ocorreu; QUE na manhã de hoje, foi até a sua loja e ligou novamente para o advogado para saber como agir, tendo ele dito que aguardasse, e, por volta das 10:00 h chegaram a sua residência o Advogado e mais três policiais, tendo sido franqueada a entrada para que fosse arrecada a sacola; QUE foi convidada a acompanhar os policiais até esta Superintendência e quando já estava no carro os policiais abriram a sacola para certificarem-se de que efetivamente era a arma procuração;”

XXX[Companheira de 4° RÉU − Depoimento em juízo − f. 305/306] (...) Que nada sabe sobre uma arma da Polícia Federal, apenas tomando conhecimento do fato no dia e que seu esposo foi preso e nesse dia chegou um policial em seu estabelecimento comercial perguntando por YYY e a declarante disse que ele tinha saído, mas que retornava. Depois veio outro dizendo que queria comprar langerie, também perguntando por ele e ela respondeu que ele não estava, dizendo ser seu amigo de cachaça, fato que estranhou. Quando YYY vinha chegando, os dois lhe abordaram e perguntaram se ele era YYY e prenderam-no. Que isso ocorreu em uma sexta-feira. Que não viu nenhuma arma em sua casa. Que não sabe dizer se ele tinha comprado arma roubada. Que a arma foi posteriormente localizada em sua residência. Que depois que ele foi preso, que acha que numa terça feira, foi ao presídio para se encontrar com o advogado e acertar o preço e lá chegando encontrou com o meio irmão de YYY, conhecido por XXX, e ele lhe disse que o irmão Campos ia se entregar e entregar a arma. Que o delegado ficou esperando e, como a arma não chegou, a declarante foi para casa e, quando estava dormindo, no mesmo dia, ouviu barulho de um carro por volta de sua casa, imaginou que fosse a arma, chegando ao portão viu uma sacola laranja. Então foi para casa de sua cunhada e ligou para o advogado, porque não tem telefone em casa, e disse para o advogado que poderia ser a arma e o mesmo mandou que ela voltasse para casa, pois se fosse a arma e ela fugisse ia ser pior para a declarante. Que voltou para casa com o filho e sua cunhada e ficou a noite toda vigiando a arma. Ao amanhecer, foi para a loja e ligou para o advogado que foi para a delegacia para conversar com o delegado. Que depois ele ligou e disse que a declarante retornasse para casa que ele iria pegar a arma, o que aconteceu juntamente com 3 policiais. Que não sabe dizer quem deixou a arma em sua porta e nem qual foi o carro. Que YYY não comentou se alguém lhe ofereceu algum celular no dia da festa.

Do dia 10 para o dia 11.07.2007, a SR/DPF/SE recebeu uma série de ligações, ora informando que o réu 5° RÉU iria se entregar juntamente com a arma, acompanhado

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Processo nº XXX

XVIII

de seu advogado, ora o advogado de 4° RÉU discutia o modo de entregar a arma, conforme registro de ocorrência na f. 109 do IPL n.° 174/2007, verbis:

“OCORRÊNCIA N° 75 ‘POR VOLTA DE 11:45 HS O DPF SIDNEY ATIS RECEBEU UM TELEFONEMA DE UMA PESSOA DIZENDO CHAMAR XXX, ADVOGADO E QUE PRETENDIA NA TARDE DE HOJE TRAZER UMA ARMA, OBJETO DE APURAÇÃO NO IPL 174/2007, TENDO INFORMADO TAMBÉM QUE SE CLIENTE, 5° RÉU ERA SABEDOR DE UM MANDADO DE PRISÃO EM SEU DESFAVOR E QUE NÃO IRIA APARECER”. “OCORRÊNCIA N° 76 ‘POR VOLTA DAS 17:00 HS ESTEVE NESTA REGIONAL O ADVOGADO RONILSON QUE MANTEVE CONTATO COM O DPF SIFNEY ATIS SOBRE A POSSIBILIDADE DA ENTREGA DA ARMA E APRESENTAÇÃO DO POLICIAL MILITAR 5° RÉU’” “OCORRÊNCIA N° 77 ‘ÀS 17:50 HS O ADVOGADO RONSILSON LIGOU PARA O DPF SIDNEY ATIS INFORMANDO QUE O ADVOGADO VALSON APRESENTARIA O PM CAMPOS E ENTREGARIA A ARMA’”

O Bel. XXX é o mesmo que defende o réu 5° RÉU e esteve presente na audiência de interrogatório (f. 78 dos autos).

Não obstante a negativa de autoria do réu 5° RÉU, a chamada do co-réu aliada a indícios sérios e concludentes acima apontados permitem concluir pela sua responsabilidade nos fatos em testilha. Além de terem sido vistos conversando várias vezes juntos durante a semana que antecedeu a prisão do réu 4° RÉU, a arma somente reapareceu na casa deste dias depois da sua prisão. Ora, é curioso o acusado confessar integralmente o fato na fase pré-processual e em juízo e não entregar imediatamente a arma para diminuir a sua culpa no evento. O réu 4° RÉU não devolveu imediatamente por uma questão muito simples, ou seja, porque não estava na posse da arma que já estava nas mãos do réu 5° RÉU.

Desta forma, a simples negativa de autoria do réu 5° RÉU não foi capaz de elidir a sua responsabilidade quando se dessume que a sua versão restou isolada no contexto probatório. Em outras palavras, não é necessário a confissão do acusado da prática do crime, desde que o magistrado forme a sua convicção a partir dos demais elementos de prova. Embora o acusado não esteja obrigado a provar a sua inocência, tenho que, constatado a suficiência do material probatório, não há que se falar de ausência de prova para a condenação ou aplicação do princípio in dubio pro reu porque ambos as questões pressupõem uma situação de dúvida objetiva do material probatório.

Não há qualquer óbice em condenar com base em indícios, desde que os mesmos sejam sérios e veementes. Isto porque por força do princípio da persuasão racional, o magistrado forma a sua convicção do conjunto probatório como um todo, não havendo hierarquia entre as provas diretas e indiretas.

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINARES DE NULIDADE IMPROCEDENTES. PROVA INDICIÁRIA. ART. 239 DO CPP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENA DE RECLUSÃO, VALOR DO DIA-MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA REDUZIDOS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

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Processo nº XXX

XIX

- Os indícios são reconhecidos como elementos de convicção, principalmente nos crimes praticados às escondidas. A prova circunstancial, quando múltipla, sucessiva, convergente e consistente, leva à condenação do réu na hipótese de inexistência de contra-indícios ou prova direta a ele favorável. Uma circunstância judicial negativa acarreta a diminuição da pena-base para próximo do mínimo legal (1 ano e 3 meses de reclusão). Valores do dia-multa e da prestação pecuniária substitutiva reduzidos. 13 EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. TIPICIDADE OBJETIVA. DOLO. CONSCIÊNCIA (TIPICIDADE SUBJETIVA). FLAGRANTE DELITO. PRESUNÇÃO RELATIVA. PROVA INDICIÁRIA. TESTEMUNHA POLICIAL. PENA DE MULTA REDUZIDA. I. Tendo o Brasil aderido à Teoria a Vontade, o dolo exige do agente os seguintes requisitos: a representação do fato (consciência do fato) e a vontade de causar o resultado. II. Com o flagrante delito surge uma presunção relativa quanto à materialidade e autoria, cabendo ao acusado fazer prova em contrário. Aplicação da disposição contida no artigo 156 do Código de Processo Penal, segundo a qual "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer". No caso em concreto, não trouxe o réu qualquer prova capaz de reverter a decisão monocrática adotada. III. Vigora no processo penal brasileiro o sistema da convicção condicionada ou da persuasão racional, segundo o qual o magistrado, desde que fundamentadamente, pode decidir pela condenação, ainda que calcada em indícios veementes de prática delituosa. IV. Não há irregularidade no fato de o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha. Ademais, o só fato de a testemunha ser policial não revela suspeição ou impedimento. Precedentes do STF. V. Redução da pena de multa aplicada. VI. Apelação parcialmente provida. 14 PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL SENTENÇA. FRAGILIDADE DAS PROVAS. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. SUFICIÊNCIA. CONDENAÇÃO. DOLO GENÉRICO CONCRETIZA O PECULATO APROPRIAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Se a sentença, bem articulando os fatos postos no processo e atendendo os requisitos do art. 381, do CPP, conclui pela condenação do réu, não há falar em falta de fundamentação e, muito menos, violação ao art. 93, IX, da CF/88. 2. Vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, segundo o qual o magistrado, desde que, fundamentadamente, pode decidir pela condenação, ainda que calcada em indícios veementes de prática delituosa. 3. O dolo exigido na conduta do peculato-apropriação é o dolo genérico, verificando-se com a apropriação de bem que tem a posse em função do cargo em proveito próprio ou alheio. Precedente. 4. Apelação a que se nega provimento. 15

Quanto à existência de dolo, Zaffaroni e Pierangeli conceitua como “a vontade realizadora do tipo objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto” 16. Extrai-se que o elemento subjetivo geral do tipo (dolo) compõe-se de dois aspectos: a) o aspecto de conhecimento ou aspecto cognoscitivo do dolo; e b) o aspecto do querer ou aspecto volitivo do dolo.

13 TRF 4ª Reg., ACR 2000.72.06.001143-4/SC, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ 10/08/2005 14 TRF 4ª Reg., ACR 2002.70.02.005401-3/PR, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ 17/03/2004 15 TRF 5ª Reg., ACR 4806/RN (200384000083644), 4ª Turma, Rel. Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, DJ - Data::29/03/2007 - Página::780 - Nº::61 16 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal: Parte Geral – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

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Processo nº XXX

XX

No caso de receptação, o réu precisa saber que a coisa é produto de crime, mas não precisa conhecer os detalhes do crime antecedente (quem, como, onde, quando). A prova da origem delituosa do objeto, no crime de receptação, pode se extrair da conduta do agente e das circunstâncias exteriores. Do contrário, bastaria negar a existência do elemento anímico do crime durante o seu interrogatório para afastar a ocorrência do dolo.

Independente de quem adulterou os sinais identificadores da arma 17 e em que momento isto ocorreu, de uma maneira ou de outra, os réus não podiam ignorar que a pistola era produto do crime de uma maneira ou de outra. Com efeito, antes da adulteração a arma possuía inscrição ‘DPF’ e brasão da República Federativa do Brasil (conforme foto de f. 118 do IPL 174/2007) e com a colocação de uma substância de cor preta sobre o local fica mais do que evidente que a arma sofreu uma adulteração (vide foto de fl. 117 do IPL 174/2007). A partir da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), exigiu-se um recadastramento de todas as armas no território (art. 3º, 5º), a comprovação de sua propriedade lícita e a avaliação periódica para manter uma em casa, de maneira que todas as pessoas que mantivessem arma em casa fora destas condições estariam cometendo crime (art. 14 e 16 da Lei 10.826/03). Ressalte-se que houve ampla divulgação na mídia e do Governo Federal, de maneira que os réus não poderiam ignorar esta situação. Por fim, o réu 5° RÉU, na qualidade de policial militar não teria como desconhecer ser a arma objeto de ilícito por ser de uso restrito das Polícias.

LEI Nº 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.

Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente. Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei. Art. 5o O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004) § 1o O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia Federal e será precedido de autorização do Sinarm. § 2o Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo. § 3o Os registros de propriedade, expedidos pelos órgãos estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei, deverão ser renovados mediante o pertinente registro federal no prazo máximo de 3 (três) anos. § 3o Os registros de propriedade expedidos pelos órgãos estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei, deverão ser renovados mediante o pertinente registro federal até o dia 31 de dezembro de 2007. (Redação dada pela Medida Provisória nº 379, de 2007). § 3o O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-lo

17 “a referida arma sofreu um processo de alteração das suas características, uma vez que houve a raspagem das inscrições ‘DPF’ e do brasão” (f. 118 do IPL 174/2007)

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Processo nº XXX

XXI

mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo) Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos. (Vide Lei nº 10.884, de 2004) (Vide Lei nº 11.118, de 2005) (Vide Lei nº 11.191, de 2005) Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo de fabricação nacional, de uso permitido e não registradas, deverão solicitar o seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, apresentando nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário. (Redação dada pela Medida Provisória nº 417, de 2008) Parágrafo único. Os possuidores e proprietários de armas de fogo de procedência estrangeira, de uso permitido, fabricadas anteriormente ao ano de 1997, poderão solicitar o seu registro no prazo e condições estabelecidos no caput. (Incluído pela Medida Provisória nº 417, de 2008) Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo) Parágrafo único. Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei. Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei. (Vide Lei nº 10.884, de 2004) (Vide Lei nº 11.118, de 2005) (Vide Lei nº 11.191, de 2005) Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo e no art. 31, as armas recebidas constarão de cadastro específico e, após a elaboração de laudo pericial, serão encaminhadas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, ao Comando do Exército para destruição, sendo vedada sua utilização ou reaproveitamento para qualquer fim. Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo poderão entregá-las, espontaneamente, mediante recibo e, presumindo-se de boa fé, poderão ser indenizados. (Redação dada pela Medida Provisória nº 417, de 2008) Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

Os tipos previstos nos art. 180 do CP e no art. 16 da Lei n.º 10.826/03 constituem um crime de ação múltipla, uma vez que prevê várias modalidades de

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Processo nº XXX

XXII

cometimento do mesmo crime. Assim, ainda que praticada mais de uma conduta descrita no tipo, o sujeito ativo responderá pelo mesmo crime.

Ambos prevêem a modalidade adquirir como núcleo do tipo, conforme dispositivos a seguir transcritos:

CP, Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Por adquirir, deve-se entender a obtenção do por qualquer meio, seja a título oneroso, seja a título gratuito ou independentemente de uma relação jurídica anterior.

Por sua, não há que se falar em bis in idem em razão de sua incidência cumulativa. Não existe uma situação de especialidade ou de subsidiariedade entre os tipos penais. Quanto a possibilidade de consunção, não se verifica qualquer relação de meio e fim entre os tipos, constituindo modalidades autônomas porque protegem bens jurídicos diferentes (patrimônio na receptação e incolumidade física das pessoas em geral), não se justificando a absorção de um pelo outro.

Basta pensar que uma coisa é a receptação de um computador e de uma arma. Abstraindo o delito de receptação, a posse do computador em si não é crime. Já no caso de receptação de uma arma de fogo a situação é completamente diversa porque, além de estar praticando o delito de receptação, a pessoa possui um artefato (arma de fogo), cuja posse, aquisição é ilícita em sim. Acrescente que a finalidade do Estatuto do Desarmamento é de retirar/dificultar a possibilidade das pessoas possuírem armas, de maneira que somente pessoas autorizadas pelo Estado podem possuí-la.

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Processo nº XXX

XXIII

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA. RECEPTAÇÃO. CRIMES AUTÔNOMOS. CONCURSO MATERIAL. 1. Pacífico o entendimento desta Corte de que os crimes de porte ilegal de arma de fogo e receptação são autônomos, aplicando-se as regras do concurso material se comprovado que o agente tinha consciência de que a arma que portava ilegalmente era produto de crime. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. 18

Quanto ao enquadramento típico, entendo que a conduta se subsume ao art. 180, caput e § 6º do CP (roubo de arma integrante do patrimônio da União Federal) e art. 16 da Lei 10.826/03 (Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), em concurso material (art. 69 do CP).

Além de típica, a conduta é antijurídica e culpável por estarem ausentes quaisquer causas de justificação ou exculpação do delito.

2.2.3. Arrependimento posterior.

Considerando que a arma foi devolvida pela companheira e pelo advogado do réu 4° RÉU em 11.07.2007 antes do recebimento da denúncia (27.08.2007), impõe-se examinar se estão presentes os requisitos para o arrependimento posterior.

O arrependimento posterior constitui causa geral e obrigatória de diminuição de pena, exigindo, cumulativamente, que: 1) o crime cometido sem violência ou grave ameaça; 2) o ato voluntário do agente e 3) a reparação integral do dano se deu antes do recebimento da denúncia. Sobre a noção de voluntarie, ensina Rogério Greco:

“Contentou-se o art. 16 do Código Penal em permitir a aplicação da causa de diminuição de pena por ele prevista quando o arrependimento posterior for voluntário, não se exiguindo, aqui, o requisito da espontaneidade. Não há necessidade, portanto, que o próprio agente tenha tido a idéia de restituir ou de reparar o dano para se beneficiar com a redução da pena. Pode acontecer que tenha sido convencido por terceira pessoa a restituir a coisa ou reparar o dano, sendo o seu arrependimento considerado para efeitos de redução. Também ser beneficiado com o arrependimento posterior aquele, que, já tendo sido descoberto pela autoridade policial como o autor do delito, devolve a res furtiva tão-somente com a finalidade de beneficiar-se com este instituto, (...) Contudo, se, v.g, a coisa subtraída pelo agente não é por ele voluntariamente entregue à autoridade policial, mas sim é descoberta e apreendica no curso das investigações, não se falará na aplicação de redução, porque não se vislumbra, in casu, a voluntariedade do agente” 19

Modernamente a jurisprudência admite a aplicação do arrependimento posterior quando a restituição da coisa ou a reparação do dano é feita por terceiro, em nome do autor do delito, ou seja, quando o terceiro (pai, mãe, filho, irmão, procurador e etc) age em nome do réu.

Por se tratar de circunstância objetiva (art. 31 do CP), comunica-se ao co-réu, independente de manifestação de vontade deste.

18 STJ, AgRg no REsp 740.038/RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, julgado em 21/02/2008, DJe 10/03/2008. 19 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: 2. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2003. p. 304/305.

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Processo nº XXX

XXIV

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ESTELIONATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. DEPOIMENTO CONTIDO NOS AUTOS PELA PRÓPRIA VÍTIMA QUE ATESTA QUE O DANO FOI REPARADO VOLUNTARIAMENTE PELO PACIENTE. INCIDÊNCIA OBRIGATÓRIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. 1. O arrependimento posterior é causa de diminuição de pena objetiva, bastando para a sua configuração seja voluntário e realizado antes do recebimento da denúncia, mediante a devolução ou reparação integral do bem jurídico lesado. 2. Na hipótese, observa-se, mormente da leitura do termo de declarações prestado pela própria vítima, que o recorrente, voluntariamente e logo após os fatos narrados na denúncia, restituiu, relativamente ao crime de estelionato, os bens havidos de forma indevida e fraudulenta 3. Recurso provido para, mantida a condenação do recorrente, determinar ao juízo sentenciante que realize nova dosimetria da pena, relativamente ao crime de estelionato a ele imputado, na qual deverá incidir a causa de diminuição da pena do arrependimento posterior prevista no art. 16, do Código Penal. (RHC 20.051/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 264) PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO A CO-RÉUS. Apesar de a lei se referir à ato voluntário do agente, a reparação do dano, prevista no art. 16 do Código Penal, é circunstância objetiva, devendo comunicar-se aos demais réus. Recurso conhecido e provido. (REsp 264283/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/02/2001, DJ 19/03/2001, p. 132)

De plano, afasto em relação ao réu 1° RÉU porque cometeu o crime mediante grave ameaça (roubo) e não houve reparação integral do dano.

Também, afasto em relação ao acusado 5° RÉU. A uma porque cada um (4° RÉU e 5° RÉU) praticou um delito autônomo, ou seja, receptação de receptação e não receptação em concurso. A duas porque ao invés de devolver o bem pessoalmente a policial, preferiu largá-lo na casa de 4° RÉU para fugir de qualquer responsabilidade.

“Existe receptação de receptação? Sim, e respondem pelo crime todos aqueles que, nas sucessivas negociações envolvendo o objeto, tenham ciência da origem espúria do bem”. 20

Em relação ao 3° RÉU Filho, entendo que não houve reparação integral do dano porque o mesmo não devolveu a bolsa à DPF, conforme trecho do interrogatório abaixo:

“Pegou a bolsa e deu a uma menina. Depois soube que era fruto de roubo, mas nunca mais viu a menina” (f. 91).

Por fim, cumpre verificar em relação ao réu 4° RÉU. 20 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Dos crimes contra o patrimônio, vol. 9. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 102

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Processo nº XXX

XXV

A grave ameaça do delito de roubo não se estende para o delito de receptação porque se tratam de crimes autônomos.

O réu confessou os fatos em tela, na fase policial e em juízo, e não devolveu imediatamente a pistola porque não estava na posse do bem. Tão logo a pistola foi deixada na sua residência por 5° RÉU, a companheira e o defensor de 4° RÉU trataram de informar a Polícia Federal que efetuou a apreensão na residência do réu. A ida dos policiais ao local não descaracteriza a voluntariedade da conduta porque a companheira estava com medo de ser envolvida e de ser presa na rua, caso saísse com a arma de fogo. A devolução realizada pela companheira fez no interesse de 4° RÉU, logo está presente o requisito da voluntariedade.

Não obstante passar por processo de adulteração no seu sinal identificador (brasão e inscrição ‘DPF’), a arma não sofreu alteração funcional que prejudicasse a sua utilização. Depois de removida a camada de tinta sobre o sinal identificador, é possível continuar vendo o brasão e inscrição ‘DPF’, conforme foto de f. 118 do IPL 174/2007. Assim, o dano insignificante não justifica o afastamento do instituto.

Por fim, verifica-se que o réu 4° RÉU responde por delito diverso (receptação) do que cometeu o réu 1° RÉU em concurso com 2° RÉU (roubo). No âmbito do crime que cometeu, pode-se considerar que houve restituição integral do bem. Seria contrário aos princípios do direito penal, especialmente o da pessoalidade da pena, que respondesse pelos danos de terceiro e estivesse obrigado a repará-los também.

Salvo melhor juízo, entendo que estão presentes os requisitos em relação ao acusado 4° RÉU.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto julgo procedente o pedido formulado na denúncia para CONDENAR os réus: 1) 1° RÉU, nas penas do art. 157, § 2º, II do Código Penal; 2) 3° RÉU, nas penas do art. 180, caput do CP; 3) 4° RÉU nas penas do art. 180, caput e § 6º do CP e art. 16 da Lei 10.826/03 c/c art. 69 do CP (concurso material); 4) 5° RÉU nas penas do art. 180, caput e § 6º do CP e art. 16 da Lei 10.826/03 c/c art. 69 do CP (concurso material).

Passo a dosar-lhe a pena de cada um consoante o critério trifásico.

– Em relação ao acusado 1° RÉU:

Analisando as circunstâncias judiciais, observo: 1) culpabilidade é normal à espécie; 2) é possuidor de bons antecedentes; 3) aparentemente, não possui uma personalidade voltada para o crime porque se tratou de um fato isolado em razão de má influência exercida pelo falecido 2° RÉU 21. Depois do crime, especialmente após ser solto (f. 218/221, em 03.10.2007), não se tem notícia de envolvimento em outro fato

21 Endosso a análise de minha antecessora por ocasião da concessão da liberdade provisória: “A análise dos anteriores depoimentos prestados por Ely Johnosn e 2° RÉU Lima de Souza, evidenciam ter sido este último que instigou à realização tanto do roubo à delegada de Polícia Federal, como tomou a iniciativa quanto à comercialização da pistola Glock e estimulou os percentuais de divisão do produto criominoso auferido (f. 27-28 e 34-35, do apenso inquérito policial)

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XXVI

aparentemente delituoso, bem assim passou a ocupar profissão lícita (f. 672/678 – Assistente administrativo na Prefeitura de Itabaiana/SE); 4) não existem dados coletados sobre a sua conduta social; 4) o motivo do delito é o desejo de lucro fácil; 5) as circunstâncias do crime encontram-se relatadas nos autos, nada tendo a se valorar; 6) as conseqüências do crime foram normais a espécie; 7) a vítima não colaborou para a prática do delito.

Assim, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Reconheço as circunstâncias atenuantes previstas no art. 65, I (na data do fato ser menor de 21 anos 22) e III, ‘d” (confissão), ambos do CP, mas deixo de aplicá-la com fundamento na Súmula n.º 231 do STJ: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (DJU DE 15/10/1999).

Em face da causa de aumento prevista no 157, § 2º II do CP c/c a Súmula 443 do STJ 23, majoro a pena em 1/3 (um terço), tornando-a definitiva em 05(cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa

Considerando que recebe um 1 (um) salário-mínimo, fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Considerando que a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a 4 (quatro) anos de reclusão e o crime foi praticado mediante grave ameaça, não há direito a substituição da pena aplicada por pena restritiva de direitos por não restarem atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Considerando as circunstâncias favoráveis acima relatadas, o réu deverá cumprir pena inicialmente no regime semi-aberto (art. 33, § 2º, “b”, § 3º c/c 36, ambos do CP).

Ausentes os requisitos da prisão cautelar, poderá recorrer em liberdade.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais devidas.

Com fulcro no art. 387, IV c/c o art. 63, PU, ambos do CPP, fixo, uma indenização mínima correspondente ao valor subtraído, no montante de R$ 150,00 mais U$$ 200,00 (conversível por ocasião do trânsito em julgado), corrigido desde a data do fato (28.06.2007 – Súmula 54 do STJ), sem prejuízo de apuração dos valores cabíveis em razão dos objetos subtraídos listados na f. 03 do IPL 174/2007.

Este magistrado vinha aplicando, cumulativamente, juros e correção monetária, afastando a aplicação da SELIC, com esteio no Enunciado n.º 20 das 1ª Jornadas de Direito Civil promovido pelo CJF. Contudo, a Corte Especial do Superior 22 Na data do fato (28.06.2007), possuía 18 (dezoito) anos, nascido em 27.03.1989 (f. 31 do IPL 174/2007) 23 Súmula 443 do STJ – O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.Faço uma ressalvo de que não concordo com esta súmula porque quem ficou sob a mira de uma arma sabe os minutos que passou e convive com este fato por toda a vítima.

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Processo nº XXX

XXVII

Tribunal de Justiça perfilhou entendimento oposto (aplicação da SELIC). Em razão da função constitucional do Superior Tribunal de Justiça de guardião e uniformizador da legislação infraconstitucional federal, curvo-me ao entendimento defendido pela corte.

CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento. 24

A taxa SELIC não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real.

– Em relação ao acusado 3° RÉU:

Analisando as circunstâncias judiciais, observo: 1) culpabilidade é normal à espécie; 2) é possuidor de bons antecedentes; 3) aparentemente, não possui personalidade voltada para o crime. Cometeu o crime por está próximo de má companhia (réu 2° RÉU Lima). Como estudante de medicina, deveria ter maior discernimento em evitar pessoas que rondam no universo do crime. Deve-se dar uma nova oportunidade para que aprenda melhor a escolher as suas amizades; 4) em relação a conduta social, o acusado estuda medicina na UFS e trabalhava na loja, ou seja, existe a possibilidade de se formar e de exercer uma profissão digna; 5) o motivo do delito é o de querer se aparecer, ou seja, ostentar uma condição (Delegado da Polícia Federal) que não possui; 5) as circunstâncias do crime encontram-se relatadas nos autos, nada tendo a se valorar; 6) as conseqüências do crime foram não foram graves, considerando que a carteira fora recuperada; 7) a vítima não colaborou para a prática do delito.

Assim, fixo à pena-base no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Reconheço as circunstâncias atenuantes previstas no art. 65, I (na data do fato ser menor de 21 anos 25) e III, ‘d” (confissão), ambos do CP, mas deixo de aplicá-la com fundamento na Súmula n.º 231 do STJ: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (DJU DE 15/10/1999).

Não havendo causas de aumento ou de diminuição da parte geral ou especial do Código Penal, torno a pena definitiva em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

24 STJ, EREsp 727842/SP, Corte Especial, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 08/09/2008, DJe 20/11/2008 25 Na data do fato (28.06.2007), possuía 19 (dezenove) anos, nascido em 18.03.1988 (f. 45 do IPL 174/2007)

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Processo nº XXX

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Considerando que recebe um 1 (um) salário-mínimo, fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Não possuo dados concretos para fixar uma indenização com esteio no art. 387, IV c/c o art. 63, PU, ambos do CPP.

– Em relação ao acusado 4° RÉU:

Art. 180, caput e § 6º do Código Penal

Analisando as circunstâncias judiciais, observo: 1) culpabilidade é normal à espécie; 2) é possuidor de maus antecedentes, uma vez que foi condenado por sentença transitada em julgado pelo delito de receptação culposa (f. 377) em 27.06.1995 após o prazo de 5 (cinco) anos, prevista no art. 64, I do CP 26; 3) não foram coletados dados acerca de sua personalidade e conduta social; 5) o motivo do delito é o desejo de lucro fácil, ou seja, comprou a arma para revender; 6) as circunstâncias do crime encontram-se relatadas nos autos, nada tendo a se valorar; 7) as conseqüências do crime foram não foram graves, considerando que a carteira fora recuperada; 8) a vítima não colaborou para a prática do delito.

Pelos motivos acima, fixo a pena-base para acima do mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 68 (sessenta e oito) dias-multa.

Reconheço a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, ‘d” do CP (confissão), razão pela qual reduzo a pena em 03 (três) meses, fixando a pena provisória em 01 (um) ano e 03 (seis) meses de reclusão e 57 (cinqüenta e sete) dias-multa.

Presente o arrependimento posterior e considerando-se que o réu somente se arrependeu após ser preso e a arma foi devolvida com uma pequena adulteração, diminuo a pena em 1/3 (um terço), ficando 10 (dez) meses e 38 (trinta e oito) dias-multa. Em razão da qualificadora do § 6º do art. 180 do CP (arma de propriedade da União), dobro a pena, tornando-a definitiva em 01 (um) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 76 (setenta e seis) dias-multa.

Considerando que é comerciante de moda íntima (f. 94 do IPL), fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

26 EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. IRREGULARIDADE. IMPROCEDÊNCIA. REINCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CONSIDERAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES. CÓDIGO PENAL, ART. 64, I. I. - Por conter questões novas, não apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça, o habeas corpus não pode ser conhecido, sob pena de supressão de instância. II. - O juiz observou, na fixação da pena, os critérios estabelecidos nos arts. 59 e 68 do Código Penal, certo que a grande quantidade de droga apreendida constitui motivação idônea para fixação da pena-base acima do mínimo legal. III. - A condenação atingida pelo prazo previsto no art. 64, I, do Código Penal, pode ser levada em consideração no processo de dosimetria da pena para caracterização dos maus antecedentes. IV. - HC conhecido em parte e, na parte conhecida, indeferido. (HC 86415, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 04/10/2005, DJ 18-11-2005 PP-00024 EMENT VOL-02214-02 PP-00244)

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Processo nº XXX

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Art. 16 da Lei 10.826/03

Adotando as circunstâncias judiciais utilizadas no delito do art. 180, caput e § 6º do CP e considerando que a pena mínima já é significativa , fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Reconheço a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, “d” do CP (confissão), mas deixo de aplicá-la com fundamento na Súmula n.º 231 do STJ: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal” (DJU DE 15/10/1999).

Presente o arrependimento posterior e considerando que o réu somente se arrependeu após ser preso e a arma foi devolvida com uma pequena adulteração, diminuo a pena em 1/3 (um terços), ficando em 02 (dois) anos e 07 (sete) dias-multa. Em razão da qualificadora do § 6º do art. 180 do CP (arma de propriedade da União), dobro a pena, tornando-a definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão e 14 (catorze) dias-multa.

Considerando que é comerciante de moda íntima (f. 94 do IPL), fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Concurso material

Na esteira do art. 69 do CP (concurso material), somo as penas aplicadas em cada um dos crimes, para condenar, em definitivo, o acusado 4° RÉU à pena de 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de reclusão (01 (um) anos e 08 (oito) meses de reclusão pela receptação + 04 (quatro) anos de reclusão pelo art. 16 da Lei 10.826/03) e 90 (noventa) dias-multa (76 de receptação + 14 do 16 da Lei 10.826/03), à base de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Considerando que a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a 4 (quatro) anos de reclusão, não há direito a substituição da pena aplicada por pena restritiva de direitos por não restarem atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Considerando as circunstâncias desfavoráveis acima relatadas, o réu deverá cumprir pena inicialmente no regime semi-aberto (art. 33, § 2º, “b”, § 3º c/c 36, ambos do CP).

Não havendo os requisitos da prisão cautelar, poderá recorrer em liberdade.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais devidas.

– Em relação ao acusado 5° RÉU:

Art. 180, caput e § 6º do Código Penal

Analisando as circunstâncias judiciais, observo: 1) culpabilidade é normal à espécie; 2) é possuidor de bons antecedentes, malgrado responda ação penal por peculato (vide f. 67/70 do IPL), situações que deixo de valorar negativamente por força do

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princípio da não-culpabilidade (Súmula 444 do STJ – É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base); 3) o réu é policial militar do Estado de Sergipe. A sua conduta social 27 é incompatível com o serviço militar. A semelhança de um magistrado, membro do Ministério Público, o policial, o policial integra a segurança pública e possui o dever de manter uma conduta ilibada porque a sua função é de reprimir a conduta de terceiro. Deve dar o bom exemplo para que possa exigir da população; 4) o motivo do delito não foi apurado; 5) as circunstâncias do crime se encontram relatadas nos autos, nada tendo a se valorar; 6) as conseqüências do crime foram superiores a espécie porque o comportamento do réu mancha a instituição da Polícia Militar, que é composta por milhares de pessoas de bem; 7) a vítima, por sua própria qualidade, colaborou para a prática do delito.

Pelos motivos acima, fixo a pena-base para acima do mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 68 (sessenta e oito) dias-multa.. Não há causas atenuantes ou agravantes. Em razão da qualificadora do § 6º do art. 180 do CP (arma de propriedade da União), dobro a pena, tornando-a definitiva em 03 (três) anos de reclusão e 136 (cento e trinta e seis) dias-multa.

Considerando que é servidor público, fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Art. 16 da Lei 10.826/03

Adotando as circunstâncias judiciais utilizadas no delito do art. 180, caput e § 6º do CP e considerando que a pena mínima já é significativa, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

27 HABEAS CORPUS. ROUBO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. APLICAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGALMENTE PREVISTO. MANUTENÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. MILITAR DA AERONÁUTICA. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. AÇÃO PENAL NÃO ENCERRADA E CONDENAÇÃO CUJA PUNIBILIDADE DO AGENTE FOI EXTINTA. CONSIDERAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES E CONDUTA SOCIAL DESREGRADA. DESCABIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. DESFAVORABILIDADE DE ALGUMAS. FIXAÇÃO DA SANÇÃO NO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Estando a aplicação da pena-base acima do mínimo legalmente previsto devidamente justificada pela consideração não somente da culpabilidade acentuada do paciente, dada a sua condição de soldado de uma das Forças Armadas nacionais - Aeronáutica -, mas também em razão da presença de outra circunstância judicial tida por desfavorável, tornam-se descabidas maiores digressões ou aprofundamentos quanto aos motivos utilizados para tanto, tendo em vista a impropriedade do meio eleito. 2. Não podem ser considerados, para caracterização de maus antecedentes e de má conduta social, ação penal que ainda esteja em andamento nem condenação em que a punibilidade do agente foi extinta por força do parágrafo único do art. 84 da Lei n. 9.099⁄95. 3. Presente outras circunstâncias judiciais desfavoráveis, inviável fixar a sanção-básica no mínimo legalmente previsto para o tipo penal infringido. EXECUÇÃO. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. MODO FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS E QUANTUM DA SANÇÃO DEFINITIVA. CONCESSÃO DE REGIME PRISIONAL MAIS BENÉFICO. INVIABILIDADE. COAÇÃO ILEGAL NÃO VERIFICADA. 1. Diante da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis e levando-se em conta o total da pena definitivamente irrogada, não há o que se falar em concessão de regime prisional mais benéfico, sendo devida a manutenção do modo fechado para o início do resgate da sanção. 2. Ordem parcialmente concedida tão-somente para excluir da condenação o aumento de pena efetuado em razão da consideração dos maus antecedentes e da má conduta social, restando a reprimenda definitiva em 7 anos e 6 meses de reclusão e pagamento de 30 dias-multa, mantidas as demais cominações da sentença condenatória. (STJ, HC 114802/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 25.05.2009)

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Processo nº XXX

XXXI

Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes. Em razão da causa de aumento prevista no art. 20 c/c o art. 6º, II, ambos da Lei n.º 10.826/03, elevo a pena em 1/2 (metade), tornando-a definitiva em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Considerando que é comerciante de moda íntima (f. 94 do IPL), fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Concurso material

Na esteira do art. 69 do CP (concurso material), somo as penas aplicadas em cada um dos crimes, para condenar, em definitivo, o acusado 5° RÉU à pena de 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão (03 anos de reclusão pela receptação + 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo art. 16 da Lei 10.826/03) e 151 (cento e cinqüenta e um) dias-multa (136 pela receptação + 15 pelo art. 16 da Lei 10.826/03), à base de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente.

Considerando as circunstâncias desfavoráveis acima relatadas, o réu deverá cumprir pena inicialmente no regime fechado (art. 33, § 2º, “b”, § 3º c/c 36, ambos do CP).

Tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi superior a 4 (quatro) anos, cumpre examinar a aplicação da pena do cargo, enquanto efeito da condenação. Conforme circunstâncias judiciais, um policial militar que adquire uma arma fora dos trâmites legais ingressa num campo incompatível com a sua função. Uma arma sem registro permite que o réu atue na clandestinidade, podendo usá-la para o bem ou para mal sem que ninguém saiba. A semelhança de um magistrado, membro do Ministério Público, o policial, o policial integra a segurança pública e possui o dever de manter uma conduta ilibada porque a sua função é de reprimir a conduta de terceiro. Mantê-lo na Polícia Militar é um desserviço a instituição, considerando que o fato, embora não constitua crime militar, está diretamente relacionado com as funções exercidas. Por tais motivos decreto a pena de perda do cargo que exerce, com esteio no art. 92, I, "b", do Código Penal.

Não havendo os requisitos da prisão cautelar, poderá recorrer em liberdade.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais devidas.

Transitando em julgado:

a) lançar o nome do réu, ora condenado, no rol dos culpados (inciso LVII do art. 5º da Constituição federal, c/c o inciso II do art. 393 do Código de Processo Penal);

b) ficam suspensos os direitos políticos enquanto durarem os efeitos da pena (art. 15, III, da Carta Magna);

c) comunicar ao DPF, ao IITB, ao TRE e à PM/SE o inteiro teor desta sentença para adoção das providências legais no seu âmbito de competência;

Page 32: XXX MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF 1° RÉU 2° RÉU … · confissão da venda da arma de fogo, somente procede a denúncia em relação ao art. 16 da Lei 10.826/03 e, em caso

Processo nº XXX

XXXII

d) intimar o condenado para recolher a pena de multa retro aplicada, em conformidade com o disposto nos arts. 50 e 51 do CP (com redação dada pela Lei 9.268/96), e as custas judiciais que deverão ser pagas até 10 (dez) dias após a intimação, sob pena de ser inscrita na dívida ativa para fins de cobrança;

d) encaminhar cópia desta sentença para a vítima para, querendo, cobrar o valor fixado a título de indenização.

Publicar. Registrar. Intimar.

Aracaju, 08 de novembro de 2010

Fábio Cordeiro de Lima Juiz Federal Substituto da 1ª Vara/SE