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Zé Vagão da Roda Fina - ediouro.com.br · 7 me deixa ficar dormindo, não me amola, não me bole! Puf! Puf! Pof! Pof! (Senta no chão.) ESTAÇÃO Dona Leopoldina, a senhora já

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Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina

Ilustrações de Andrés Sandoval

5ª edição

© by herdeiros de Sylvia Orthof© das ilustrações by Andrés Sandoval, 2013

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Petra Editorial Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite.

Petra Editorial Ltda.Estrada Rosário, nº 135, Lote 31; Quadra 5Jardim Primavera — Duque de Caxias — RJ CEP: 25215-365

Nota de Luiz Raul Machado:Fui editor de Sylvia Orthof e ela sempre me pedia para consertar vírgulas e gramatiquices. Tomei a liberdade de, nesta nova edição, mexer numas reticências e maiúsculas. Ela deixaria.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Orthof, Sylvia, 1932-1997. Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina / Sylvia Orthof ; [ilustrações Andrés Sandoval]. - 5. ed. - Duque de Caxias : Petra, 2018. 56 p. : il.

ISBN 9788582781265

1. Ficção infantojuvenil brasileira. I. Sandoval, Andrés, 1973-. II. Título.

CDD: 028.5 CDU: 087.5

O87z5.ed.

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Personagens

ESTAÇÃO DE TREM (conselheira).LEOPOLDINA (a locomotiva mãe de ferro).ZÉ VAGÃO DA RODA FINA (detesta andar nos trilhos, filho da locomotiva LEOPOLDINA). BRUXA JUBILOSA (defende a alegria de viver).

Cenário

— TUDO NEGRO, MALAS, SETAS, DETALHES DE VIAGEM.

(Os detalhes são coloridos)

Som

— MUITOS RUÍDOS DE ENGRENAGENS, APITOS, CANTIGAS, MÚSICA AO VIVO.

(Se houver mais atores disponíveis, poderão ajudar com tambores, coreo-grafia, música etc.)

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(Barulho de trem, apitos. Aparece a dona Estação.)

ESTAÇÃO

Bom dia, minha gente,vamos todos viajar?Quem quiser viver contentevenha logo embarcar!

LOCOMOTIVA

Minha vida é viajar!Sobe e desce, desce e sobe,pelo caminho de trem!Meu nome é Leopoldina,locomotiva faceira,sou a senhora primeira,primeira-dama do trem!Pííííííííííííííííííííí!Mas minha vida é sofrida,triste sorte, triste sina,vou puxando pelo mundoeste meu filho meninoque não quer saber de nada,vive de roda enguiçada:Zé Vagão da Roda Fina!

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ZÉ VAGÃO

(fala mole)Mãe... minha roda tá doendo,a rosca está apertada,minha junta está cansada,eu não gosto da estrada...Puf... puf... pof... pof!

LOCOMOTIVA

Ai... que garoto mais bofe!Puf, puf, pof, pof!Este garoto não temvontade de ser alguém!Não quer saber de estrada,não quer subir a ladeira,me dá muita trabalheira!Eu vou ficando danadade puxar este meninopelo trilho da estradaPuf, puf, pof, pof,ai... que garoto mais bofe!Estou ficando nervosa,minha voz parece um grito,vou soltando meu apitocom vontade de brigar!Píííííííííí!

ZÉ VAGÃO

Mãe, eu estou com dor de rosca,dor de prego, junta mole,

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me deixa ficar dormindo,

não me amola, não me bole! Puf! Puf! Pof! Pof!

(Senta no chão.)

ESTAÇÃO

Dona Leopoldina, a senhora já levou este menino-vagão para um especialista

de ferrugem corrosiva?

LOCOMOTIVA

Já... ele receitou exercício, muita ginástica, mas ele é um vagão-problema, não

quer saber de mexer as rodas...

ESTAÇÃO

Quem sabe não é um problema psicológico? Coisa de cuca, hein? Já levou o

menino-vagão a um especialista analista de sistema ferroviário?

LOCOMOTIVA

É coisa que conserta vagão preguiçoso, é?

ZÉ VAGÃO

(sonolento)

Puf, puf, pof, pof! Pof, pof, puf, puf!

ESTAÇÃO

Ih, é um tratamento maravilhoso! Todo feito em sistema moderno: ele deita o

vagão num divã e começa a analisar... é ótimo! Tem dado muito bom resultado

até em pessoas — “gente”! E a senhora sabe que se vagão já dá trabalho... ima-

gina “gente”... Porque gente não tem rosca pra apertar... É tudo sem variedade

técnica... Quem sabe a senhora leva o vagão ao analista?

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ZÉ VAGÃO

Se for para deitar

deve ser bom tratamento!

em vez de ficar correndo,

deitar por longo momento

num bom, macio divã...

Deitar hoje bem cedinho,

sem levantar amanhã!

Puf, puf, pof, pof!

(Deita e ronca.)

LOCOMOTIVA

Cala a boca, menino! Quando uma estação de trem fala, um vagão cala! Onde

já se viu? Estou aqui pedindo conselho a uma estação de trem e você fica dando

palpite! No meu tempo, ai de mim, se eu desse palpite na conversa dos mais

velhos: meu pai vinha logo, me dava uma boa espanada e puxava meu freio!...

Ora, puf! Píííííííííí!

(Apita, nervosa.)

ZÉ VAGÃO

Pof, pof, puf, puf...

(Vira para o outro lado, fazendo pouco da mãe.)

ESTAÇÃO

Dona Leopoldina, não fique tão nervosa! No seu tempo era assim, hoje o tempo

está assado!... Tudo muda e está mudado!

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LOCOMOTIVA

(espevitada)E a senhora acha que eu não mudo, é? Eu também mudei, ora! Mudei de lugar, viajei... mudei de chaminé... Eu sou uma locomotiva, não posso virar foguete de astronauta, não é? E este menino-vagão só me dá preocupação!

(ritmo de trem)Quando corro bem contente,ele diz que está doente!Quando vou pro outro lado,ele diz que está cansado!Puf, puf, pof, pof,padeço num paraísoPíííííííííí!

(Apita, histérica.)

ZÉ VAGÃO

Mamãe, o que é “padecer num paraíso”?

LOCOMOTIVA

Píííííííííí!

ESTAÇÃO

Zé Vagão, você precisa ter paciência com sua velha mãe locomotiva! Sabe, dizem que as mães “padecem num paraíso”... Isso quer dizer que ser mãe é muito bom, é um paraíso. Mas o paraíso faz sofrer... quer dizer, filho dá preocupação, entendeu?

ZÉ VAGÃO

(fazendo birra)Eu não gosto de andar no trilho, não gosto de ser puxado por mãe, puf!

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LOCOMOTIVA

(zangada)Ah, então você vai ver, vou viajar sozinha.Píííííííííí!

(Sai correndo e some do palco.)

ZÉ VAGÃO

(Olha, aflito, e começa a berrar.)Mamãe! Mãeeeeeeeeee! Puf, puf, pof, pof!Eu fiquei com medo de ser abandonado, porque um vagão meu amigo disse que era muito chato... A senhora podia achar que eu era chato... e me largar... puf, puf, pof, pof!

ESTAÇÃO

(conciliadora)Mas o que é isso? Vocês dois não precisam se preocupar! O filho é chato, isso é verdade. Mas a mãe também é chata! Tal mãe, tal filho... Os dois podem ficar tranquilos! E eu... pensando bem, também sou meio chatona, combinamos per-feitamente!

(Os dois se abraçam, felizes, e cantam.)Chato, chato, chato,sou chato, chato, chato, chato, chato, pof!Chato, chato, chato,pof, pof, pof, pof, pof, pof,pof, pof, pof!

ESTAÇÃO

(conclusiva)E como acontece sempre em briga de filho e mãe, eles fizeram as pazes!

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LOCOMOTIVA

(Tipo anúncio, receita mostrando o filho.)Veja, ilustre passageiro,o belo tipo faceiroque o senhor tem ao seu lado!E no entanto, acredite,quase morreu de chatice,salvou-o um conselho bem-dado!

(Estação sai.)

LOCOMOTIVA

(começando a viajar, vai puxando Zé Vagão)Vou pra longe, vou contente,meu filho não está doente,aceitou ser educado,vai contente ao meu lado.

ZÉ VAGÃO

Mas quero crescer depressa,mamãe sempre está com pressa.Quero ser bem grande e fortepelo sul, pelo norte...

(Os dois apitam.)Píííííííííí!

LOCOMOTIVA

(voltando a parar, supermãe extremada)Mas, meu filho, se você quiser ser forte... Ai, que preocupação!... Você precisa comer direitinho... senão você nunca será locomotivo!

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ZÉ VAGÃO

Ih, mamãe, vai começar de novo a implicar?

LOCOMOTIVA

(trágica)Meu filho, minha vida, esperança minha,você está de roda fina...precisa de vitamina!

(Tira da bolsa uma mamadeira verde.)

ZÉ VAGÃO

Não quero mamadeira de espinafre, não quero!Puf, puf, pof, pof!

LOCOMOTIVA

Meu filhinho, espinafre tem muito ferro. (música do Popeye) Foi o veterinário de engrenagens do hospital siderúrgico que receitou!

ZÉ VAGÃO

Não fala difícil, que eu sou criança!

LOCOMOTIVA

(ritmo de fala de tango)Mas, meu filho, minha vida, esperança minha, as palavras difíceis fazem parte dos remédios... A gente ouve, lê, já vai acreditando. Veja, eu sou uma mamãe locomotiva muito prevenida! Viajo sempre levando remedinhos para qual-quer necessidade. Veja!

(Abre uma bolsa que leva consigo e tira algumas bulas de remédios.)

ZÉ VAGÃO

Mas isso não é remédio... é só papelzinho que vem dentro das caixas de remé-dios...

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LOCOMOTIVA

(eufórica)

Pois é, são as partes mais sensacionais dos remédios! As únicas nas quais eu

acredito! Eu não acredito em remédios, mas acredito em bulas!

ZÉ VAGÃO

Em bulas? O que são bulas?

LOCOMOTIVA

São os papeizinhos que vêm junto com os remédios, explicando... São maravi-

lhosos!

ZÉ VAGÃO

Que é que está escrito?

LOCOMOTIVA

(Coloca óculos enormes, acende uma luz de pilha presa no chapéu e lê.)

Este remédio é indicado para prevenir e combater!

ZÉ VAGÃO

Prevenir e combater o quê?

LOCOMOTIVA

Não interessa, é ótimo!

(lendo em ritmo de tango)

Cloridrato de papaverina, beladona e cloridrato de benzidamina... Lindo, lindo,

lindo!

ZÉ VAGÃO

E agora?

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LOCOMOTIVA

(docemente sádica)Eu rasgo o papelzinho, assim, bem picadinho, e ponho dentro da sua mamadei-ra. Pronto! Agora engole!

ZÉ VAGÃO

(tomando a mamadeira) É horrível!

LOCOMOTIVA

É horrível, ou somente horroroso?

ZÉ VAGÃO

Tem gosto de papel picado com espinafre!Puf, pof! (Cospe.)

LOCOMOTIVA

Espera aí... Espera aí... Aqui tem um ótimo!... Vou misturar um pouquinho, para a sua vitamina ficar mais forte! (Lê.) Salicilato de metila... Sacudir bem... (Pica o papel e põe dentro da mamadeira.) Engole! Engole!

ZÉ VAGÃO

Puf, puf, pof, pof... Tem gosto de papel picado com espinafre!

LOCOMOTIVA

Pííííííííííííííííí!Esqueci! Píííííííííí!

ZÉ VAGÃO

Que foi que a senhora esqueceu, mamãe?

LOCOMOTIVA

Você não lembra que eu tinha lido que era para sacudir? Esqueci de sacudir! Agora não vai fazer efeito... Você está de roda tão fininha... Precisa fazer efeito e engordar suas rodinhas, filho meu!

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ZÉ VAGÃO

E agora? Tomei tudo isso à toa?Puf, puf, pof, pof?

LOCOMOTIVA

Não, você precisa aproveitar tudo direitinho! Sabendo usar, não vai faltar!... Em vez de sacudir o vidro da mamadeira, você aproveita e dá uns pulinhos! Assim você faz exercício e mistura as vitaminas na sua barriguinha, filho meu!

Um, dois, três e quatro,pula depressa e vira um sapo,cinco, seis, sete e oito,este remédio parece biscoito.

ZÉ VAGÃO

(Pula e se sacode, acaba sentado no chão, exausto.)Este remédio é ótimo... estou forte, forte, forte! (Desmaia.)

LOCOMOTIVA

(Começa a abanar o filho.)Pííííííííííííííííí!Meu filho, meu amor... Ai, ui, puf, pof, será que dei remédio de mais? Será que dei remédio de menos? Será que as bulas dos remédios mentem? (Corre, aluci-nada, de um lado para outro.)Oh, oh, pííííííííííííííííí!Socorro! Socorro! Pííííííííííííííííí!

(Aparece Jubilosa. É uma quase bruxa, mas deve ser irônica; nada tem a ver com maldade, com bruxa antiga de histórias de fada.)

JUBILOSA

Precisa de alguma coisa? Posso atrapalhar um pouquinho? Adoro atrapalhar! Hi, hi, hi!

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LOCOMOTIVA

Meu filho desmaiou! Acho que dei remédio de mais ou de menos, ou então fui enganada pela bula! Bula mentirosa, sem-vergonha, cretina!

JUBILOSA

Ele desmaiou, é? Hi, hi, hi!

LOCOMOTIVA

Enguiçou, coitadinho. No meio desta estrada da vida... Sem amigos, sem pa-rentes, sem esperança! Sem rádio, sem televisão, sem telégrafo, sem ambulância, sem esperança. Pííííííííííííííííí!

(Fala em compasso de tango. As duas dançam frenéticas.)

JUBILOSA

Calma, calma! Em momentos de aflição a gente não deve perder a calma! É o que dizem... Será que a gente só deve perder a calma em momentos calmos? Nunca entendi direito essas coisas... Mas conforme dizem os médicos, a gente não deve perder a calma! A senhora perdeu a calma?

LOCOMOTIVA

(preocupada)Perdi. E agora? Píííííííííí!

JUBILOSA

Vamos procurar. Depois que acharmos, aí passaremos ao segundo ponto. Será que a senhora não deixou sua calma cair aí embaixo da sua roda?

LOCOMOTIVA

Não... Ela estava aqui comigo neste instantinho e, de repente, perdi a minha calma. Pííííííííííííííí! Não sei onde foi parar... Vai ver eu engoli... Pííííííííííííííí!

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JUBILOSA

Tudo o que a gente engole, a gente desengole. É só esperar um pouquinho que a sua calma vai aparecer... Se demorar, toma um purgantinho... e pronto.

LOCOMOTIVA

E o meu filho?

JUBILOSA

(rindo)Ele fica deitadinho esperando, enguiçadinho, enguiçadinho... Hi, hi, hi!

LOCOMOTIVA

Meu filho desmaiou e a senhora fica aí rindo! A senhora está rindo da minha desgraça, é?

JUBILOSA

Eu me divirto com a desgraça dos outros... Sou sincera, ora! Os outros se diver-tem, mas fingem que não se divertem. Eu me divirto! Hi, hi, hi!

LOCOMOTIVA

Engraçado... Estou achando a senhora com um certo jeito de coisa que não existe... A senhora monta em vassoura?

JUBILOSA

Aos sábados. Só monto na minha vassoura aos sábados!

LOCOMOTIVA

Por quê, hein?

JUBILOSA

(bailando)Porque os sábados são lindos... No dia seguinte é domingo. Domingo é um dia maravilhoso: não tem trabalho, nem escola, nem chateação... A gente é dono da vida!

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LOCOMOTIVA

(ultraburguesona)Que horror! A senhora é contra o trabalho e contra a escola?

JUBILOSA

(dando piruetas)Vamos mudar a frase para: eu sou “a favor”. Sou a favor da liberdade de voar na minha vassoura, sou a favor de deixar os alunos e os professores passeando... Sou a favor da roda-gigante, dos banhos de mar... Agora, colégio e trabalho, desculpe a franqueza, mas conheço prazeres maiores... Sabe, vou confessar um segredinho: eu sou ligeiramente bruxenta... me divirto à moda antiga, sei lá... Não entendo direito o que estou querendo explicar... Sou um pouquinho má, sabe?

LOCOMOTIVA

A senhora é uma bruxa, dessas que não existem?

JUBILOSA

Sou. Com muita honra.

LOCOMOTIVA

Eu tenho medo de bruxa.

JUBILOSA

Eu também... Por isso não me olho no espelho.

ZÉ VAGÃO

(Acorda.)Mãe... Eu sonhei com uma bruxa muito simpática, que estava voando numa vassoura...

JUBILOSA

Sou eu. Engraçado... Você não tem medo de mim?

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ZÉ VAGÃO

(encantado com Jubilosa)Não!

JUBILOSA

Viu, dona Locomotiva Leopoldina? Viu? A senhora tem medo de mim porque, quando a senhora foi criança, teve traumas...

LOCOMOTIVA

Traumas? O que é isso?

JUBILOSA

Teve medos muito fortes e bobos. Eu sou uma bruxa simpática, hi, hi! Não é mesmo, Zé Vagão?

ZÉ VAGÃO

É, eu acho a senhora simpática... Bonita eu não acho, mas acho simpática.

JUBILOSA

Muito obrigadinha!(Canta.)

Sou simpática,sou simpática,na vassoura voadora...Todo sábadosou um pássaro,voo em círculo atmosférico!Sou feérica,sou simpáticana vassoura voadora...Todo sábado

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sou um pássaro,voo em círculo atmosférico!

ZÉ VAGÃO

Como é seu nome?

JUBILOSA

Meu nome é Jubilosa.(Canta.)

Jubilosa,toda prosa,sou simpática,muito simpática,muito prática,vou históricapela história,faço cócegasnos meus críticos!

ZÉ VAGÃO

Cócegas nos críticos? Não entendi...

JUBILOSA

Isso aqui não é uma peça de teatro para crianças?

LOCOMOTIVA

É. Pelo menos deve ser.

JUBILOSA

Sabe, as pessoas grandes ficam discutindo o que deve e o que não deve ser mos-trado para as crianças. Tenho sofrido muito com as críticas... (Chora.) Tenho derramado muitas lágrimas... (Chora, limpando os olhos na roupa das crianças.)

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LOCOMOTIVA

Mas o que é isso, dona Bruxa Jubilosa? Não chore!

JUBILOSA

Viu? Viu? Quando é que uma pessoa pode chorar em paz? Basta a gente ficar triste, aí dão conselho para não chorar... Agora, acontece que eu só sei chorar quando estou triste... (Finge que assoa o nariz na saia da Leopoldina.)

ZÉ VAGÃO

Mas o que põe a senhora tão triste, puf, puf, pof, pof?

LOCOMOTIVA

Já estou ficando nervosa... Pííííííííííííííííí! O que foi?

JUBILOSA

É que ultimamente existe um racismo contra as bruxas. Dizem que bruxa não existe, que bruxa mete medo em criança e que não pode aparecer em peça infan-til... Conclusão: estou desempregada!Todos estão contra mim!Ninguém me ama...ninguém me quer,ninguém me chamade meu amor...A vida passae eu sem ninguém,e quem me abraçanão me quer bem.Vim na vassoura voando, de fracasso em fracasso, e hoje descrente de tudo só resta o cansaço, cansaço da vida, cansaço de mim, velhice chegando e a bruxa chegando ao fim... (Chora.)