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O COMPORTAMENTO DAS FAMÍLIAS NA MODERNIDADE LÍQUIDA E OS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DE BAUMAN,
GIDDES E SZYMANSKI
THE BEHAVIOR OF FAMILIES IN NET MODERNITY AND REFLECTIONS IN SCHOOL EDUCATION: CONTRIBUTIONS BY BAUMAN, GIDDES AND
SZYMANSKI
SOLANGE GOMES DE SOUZA 1JOSÉ REIS JUNIOR2 LIZANDRO POLETTO3 RICARDO DE ANDRADE KRATZ4MARIA DO ROSARIO RIBEIRO5 ROSANGELA APARECIDA CARDOSO6
RESUMO: O tema visa compreender as mudanças ocorridas na estrutura social desde o século XVIII ocasionadas pelas Revoluções Industriais, que alteraram o modo de vida. Diante das transformações a sociedade passa por uma redefinição que afeta o comportamento e os laços familiares, traçando uma nova configuração social baseada em conceitos capitalistas e consumistas, onde há uma quebra da rigidez entre indivíduo e sociedade resultando na liquidez dos relacionamentos atingindo a família que é à base da formação moral, sexual e educacional na vida do ser humano. Nesse contexto surge a necessidade de elucidar que as instituições como o Estado, a família e a escola, precisam retomar seus papeis de maneira clara na formação do sujeito, o qual necessita de um amparo em todos os sentidos para que se torne um adulto emancipado e apto em suas competências.
Palavras – chaves: Sociedade. Modernidade Líquida. Família. Educação Escolar. Comportamento.
ABSTRACT: The theme aims to understand the changes that have occurred in the social structure since the 18th century caused by the Industrial Revolutions, which changed the way of life. Faced with transformations, society undergoes a redefinition affecting the behavior and family ties, tracing a new social configuration based on capitalist and consumerist concepts, where there is a breakdown of rigidity between individual and society resulting in the liquidity of relationships reaching the family that is at Basis of moral, sexual and educational formation in the life of the human being. In this context, there is a need to elucidate that institutions such as the State, family and school need to resume their roles in a clear way in the formation of the subject, who needs an amparo in every way to become an emancipated and fit adult In their competencies.
Keywords: Society; Net Modernity; Family; Schooling; Behavior.
1Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia, Faculdade Alfredo Nasser.2Professor Me. José Reis Junior. [email protected] Me. Lizandro Poletto, orientador. [email protected] da Fac UNICAMPS e Mestre em Ciências da Computação5 Professora da Fac UNICAMPS e Mestre em Matemática6Professora da Fac UNICAMPS e Doutora em Linguística
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico aponta as mudanças no mundo moderno líquido e
os efeitos causados nas relações sociais e afetivas, principalmente das famílias, em
que acontece um rompimento de paradigmas e um afrouxamento dos conceitos
morais, éticos e culturais, o que contribui para uma crise nas relações e uma quebra
de rigidez na sociedade.
Para compreender as transformações sociais é necessário retomar alguns
fatos históricos que influenciaram a passagem de uma época considerada sólida, em
que a sociedade era baseada em conceitos bem definidos e bem estruturados para
os tempos atuais, intitulado por alguns autores como a “modernidade líquida”.
As mudanças que se iniciam na revolução industrial a partir do século XVIII,
na estrutura social, econômica, política e cultural, afetam os modos de vida na
sociedade e configura os novos laços familiares burgueses que se mantinham
duradouros e tinham seus papeis definidos. As comunidades tradicionais sofrem os
efeitos e mudam sua maneira de trabalho em relação a produção artesã e no
campo, os homens e as mulheres são direcionados para a cidade e a fábrica. Na
religião o catolicismo sofre a revolução protestante, o que se configura um momento
de grandes transições éticas e morais.
As lutas sociais tinham um objetivo bem definido pelas classes, a burguesia e
o proletariado. O Estado se configura como uma instituição reguladora, e funciona
de forma decisiva, com o olhar voltado para o sujeito. A família tinha um
entendimento bem claro dos seus papeis, homem e mulher, e as identidades não
eram tão heterogêneas. Os indivíduos tinham um objetivo de vida, faziam planos a
longo prazo, prezavam pela vida em comunidade e valorizavam os laços afetivos e
familiares.
A partir do século XIX a sociedade é dividida em detentores do meio de
produção e força de trabalho, o que causa mudanças significativas em toda a
estrutura social. Em decorrência do processo de globalização e capitalização as
pessoas mudam seu estilo de vida, e passam por um processo de alienação
profunda voltadas para o sistema.
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No final do século XIX ao XXI a sociedade contemporânea começa a sofrer as
transformações nas suas características sólidas, se redefine, e assume uma nova
personificação. Um período de fluidez, liquidez e efemeridade se instala, e causa um
choque entre sociedade e indivíduo, um momento de crise que se estende para as
relações.
Dessa forma as mudanças na contemporaneidade têm influenciado o
comportamento das famílias, entre elas, a responsabilidade da criação dos filhos, o
que se reflete assim na educação escolar. A liquidez das relações entre pais e filhos
gera a ausência e indiferença no acompanhamento e desenvolvimento da formação
de suas crianças e adolescentes.
O abandono e descaso por parte das famílias afetam drasticamente a
educação escolar, que por sua vez se vê obrigada a modificar os objetivos a as
prioridades da escola.
Com inversão de papeis das instituições os resultados são catastróficos,
principalmente nas escolas públicas onde são atendidas crianças de todas as
classes sociais, e na sua maioria de lares desestruturados. Com o mundo capitalista
há a necessidade das mães buscarem o mercado de trabalho, e as vezes com
jornadas extensas, o qual ficam mais de oito horas ausentes, o que resulta em
crianças a mercê de outros.
Quando é um lar em que os pais são separados a situação se agrava, pois,
em muitos casos há a ausência tanto do pai como da mãe, o que possibilita crianças
e adolescentes problemáticos, com deficiências emocionas e intelectuais.
Enfim de quem é a responsabilidade de se enfrentar tantos insucessos na
educação? É necessário que cada instituição cumpra seu papel dentro da
sociedade, e sem um interferir no que compete ao outro fazer. O Estado precisa
oferecer a estrutura necessária às escolas, salários e qualificação aos professores e
condições dignas de aprendizagem as crianças, permitir que os pais assumam seus
filhos, o que possibilita um desenvolvimento saudável a elas.
O estudo a ser realizado tem caráter qualitativo e para alçar seus objetivos
será necessário desenvolver as seguintes etapas: Etapa I – Revisão bibliográfica
que contemple a temática envolvida, os principais autores abordados: BAUMAN
(2001, 2013), GIDDES (1991), MARX (1984), e SZYMANSKI (2011), Etapa II – Será
utilizada a análise documental adotada com base nas seguintes leis: Constituição
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Federal (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (1996).
2 AS MUDANÇAS NA SOCIEDADE PÓS-REVOLUÇÃO INDUSTRIAIS
Ao longo da história o homem esteve em constante mudança, em busca de
novas descobertas, liberdade, a emancipação de suas escolhas. Contudo ao
construir sua própria história, as mudanças na vida coletiva, cultural e social se
modificaram e com isso vieram os resultados tanto positivos como negativos.
A partir do século XVIII com as Revoluções Industriais, aconteceram diversos
fatos históricos que contribuíram para transformações e mudanças na estrutura
social, nas relações familiares, econômica, política e cultural. Acontecimentos estes
que interferiram no modo de vida das pessoas que de alguma forma perderam suas
identidades e passaram a ser levadas por um sistema egoísta e alienado que
sobrepõe sobre o mais fraco sua ideologia, e os sujeitava a seus próprios interesses
e redefinia os comportamentos sociais.
Segundo Marx (1984) as revoluções industriais geraram transformações
significativas causadas pela capitalização, o que afetou os modos de vida na
sociedade e configurou os novos laços familiares burgueses que até então se
mantinham duradouros e tinham seus papeis definidos. As comunidades tradicionais
sofrem os efeitos e mudam sua maneira de trabalho em relação à produção artesã e
no campo, e os homens e as mulheres são direcionados para a cidade e a fábrica.
Na religião o catolicismo sofre a revolução protestante, que configura-se como um
momento de grandes transições éticas e morais.
Nesse contexto a forma de pensar dos indivíduos, suas relações com a
família e com o trabalho mudam, o trabalhador não é responsável pela produção de
um objeto no todo, mas passa a se especializar em determinada parte do mesmo.
Com as modificações no sistema de produção, um objeto é construído por vários
trabalhadores, a sociedade sofre um impacto também devido essas fragmentações,
que reflete em suas relações. Como nos afirma Marx (1992, p. 15) “devido à divisão
de trabalho no interior dos diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de
diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados.”
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As lutas sociais tinham um objetivo bem definido pelas classes, a burguesia e
o proletariado. O Estado é uma instituição reguladora, e funcionava de forma
determinante, com o olhar voltado para o sujeito. A família tinha um entendimento
bem claro dos seus papeis, homem e mulher, e as identidades não eram tão
heterogêneas.
Com a globalização, e a expansão do capitalismo houve uma desestruturação
no modo de vida coletivo, o que causou o individualismo, o egocentrismo, e as
relações cada vez mais superficiais, que giravam em torno dos interesses, o que
contribuiu para a perda das tradições e suas culturas. A globalização trouxe também
o estabelecimento de novas relações em que há um processo dialético de
incorporações de valores, ideias, bens, hábitos, costumes etc. Assim o capitalismo
configura um sistema estruturado, o qual apresenta uma cultura consumista, que
aliena as pessoas e as leva a uma falsa ideologia de uma ocidentalização
disfarçada.
Acerca dessas transformações comportamentais e culturais o autor afirma,
Já que a única garantia dos vínculos humanos (entre eles, também os vínculos comunitários) é a decisão do indivíduo de que eles têm de permanecer, então essa decisão deve ser continuamente renovada e demonstrada mediante um fervor e um comprometimento indiminutos. Os laços escolhidos não vão durar se a vontade de mantê-los vivos não for protegida da ameaça de sedução por algo mais sólido que a mera satisfação, transitória pela própria natureza. (BAUMAN, 2013, p. 77)
Nesse contexto a educação sofre mudanças, onde o principal objetivo é
atender o sistema, que por sua vez começa a investir em um indivíduo preparando-
o para a vida social e o mercado de trabalho. Constitui-se uma cultura consumista,
na qual a primazia é o que o indivíduo consegue conquistar, o que compromete suas
relações interpessoais e afetivas que se tornam cada vez mais líquidas.
Neste cenário Giddens (1991) enfatiza que os modos da vida moderna se
desvinculam de todo tipo de tradição, e produz um impacto na cultura histórica social
e causa a descontinuidade que separa as instituições sociais modernas das ordens
sociais tradicionais.
O termo Modernidade Líquida, a qual Bauman (2001) se refere, substitui o
conceito de Pós-Modernidade, que teve início ao final do século XX ao século XXI, e
que dava continuidade em outra fase, a moderna sólida que decorreu da Revolução
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Industrial no século XVIII em que a sociedade passou por uma nova configuração, e
resultou no advento da divisão das classes em detentores do meio de produção e da
força de trabalho, ou seja, o proletariado.
Com as transformações dos paradigmas modernos, houve uma grande
fragmentação dos conceitos sociais, e ocorre o enfraquecimento das instituições,
das propostas utópicas de longo prazo, o que ocasiona um horizonte incerto. A
relação espaço e tempo são modificados e resignificados, devido à velocidade das
comunicações, transportes e das relações sociais, os espaços são comprimidos,
atualmente o mundo está conectado, o que traz uma série de conseqüências para a
sociabilidade.
As sociedades foram individualizadas, e produze-se uma corrente superficial
de valores humanos, em que nada é feito para durar, e implanta-se um meio de vida
egoísta e egocêntrico. O indivíduo não se preocupa em ter uma vida em comunidade
e no bem-estar coletivo, tende a redefinir o significado da vida centrado somente em
seus desejos, propósitos e felicidade baseada no ter para ser, ou seja, as pessoas
buscam sua identidade não naquilo que são, mas naquilo que possuem.
De acordo com Durkheim (2010), a divisão do trabalho é a estrutura para toda
sociedade, ou seja, a vida dos indivíduos gira em torno da indústria e comércio, em
que a conseqüência é uma existência fora das ações morais. Nessa perspectiva o
autor procura enfatizar a importância de se criar vínculos e harmonia no ambiente de
trabalho, prega a solidariedade como conceito fundamental para a formação da
consciência coletiva, já que o sistema e o mercado capitalista funcionam como novo
espaço modelador social, e contribui com individualização.
Para Bauman (2001, p. 91) “A vida organizada em torno do consumo, por
outro lado deve se bastar sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos
sempre crescentes e quereres voláteis”.
Tudo é volátil, nada dura, mesmo as relações afetivas, onde há uma liquidez
constante, as pessoas não assumem compromissos umas com as outras. A vida em
conjunto e familiar perde as consistências devido à fluidez permanente. A
subjetividade do sujeito, sua realidade psíquica, emocional e cognitiva concentra em
ser aceito pelo outro, que pode assim representar vários papeis, circular entre vários
grupos, simplesmente por vínculos, sem ter objetivos definidos.
Como conseqüência dessa liquidez as pessoas não pensam a longo prazo,
não conseguem traduzir seus objetivos em um projeto permanente de longa duração
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e que possa beneficiar a humanidade. A busca do prazer individual leva somente à
satisfação própria e gera um estado de incertezas e inseguranças que levam o
sujeito que não tem mais referencial nenhum para projetar uma vida, a não ser ele
mesmo.
Para o autor,
A apresentação dos membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna. Essa apresentação, porém, não foi uma peça de um ato: é uma atividade reencenada diariamente. A sociedade moderna existe em sua atividade incessante de “individualização”. Assim como as atividades dos indivíduos consistem em reformulação e renegociação diárias da rede de entrelaçamentos chamada “sociedade” (BAUMAN, 2001, p. 40)
Todo esse processo de mudança na sociedade quanto a seus hábitos e
valores atinge também o menor bloco social que é a família e o desempenho dos
seus papeis. As relações superficiais no seio familiar interferem no desenvolvimento
cognitivo, emocional e moral das crianças e adolescentes, principalmente no
contexto escolar. Assim a educação em sentido mais amplo não é assumida nem
pela sociedade, e nem pelo Estado, e em nome da qualidade, faz-se uma gestão
focada nos números e acesso a rede escolar.
3 A LEGISLAÇÃO E AS ATRIBUIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES (SOCIEDADE, ESTADO E FAMÍLIA)
Ao considerar a evolução humana e social, é preciso entender a sociedade na
sua essência, como se configura e se manifesta diante do mundo. A sociedade não
é simplesmente um amontoado de pessoas que se organiza para um determinado
fim, antes ela se constitui no sistema que representa determinadas realidades com
características e acontecimentos próprios.
Segundo Durkheim (2011) tudo que os indivíduos pensam combinado torna-
se uma consciência coletiva, ou seja, a sociedade funciona de forma harmônica e
organizada, o qual se submete a regras e fatos que independe das próprias
vontades.
Com a quebra de paradigmas sociais houve uma fragmentação do indivíduo
quanto às questões morais, emocionais e afetivas, e traça um novo modelo de
sociedade que afeta o menor bloco social, a família.
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Diante das transformações sociais faz-se necessário elucidar as
consequências causadas devido às mudanças comportamentais das famílias
contemporâneas dentro da sociedade globalizada - capitalista que em suas ações,
relações, e no cumprimento de suas responsabilidades tem se tornado voláteis e
indiferentes, ou seja, não assumem suas atribuições e identidades diante dos
indivíduos incapazes, o qual são dependentes de terceiros para sua formação,
especificamente as crianças e adolescentes, que dependem de seus familiares em
sua formação moral, física, cognitiva e educacional.
Segundo Bauman (2001) a sociedade liquida é o oposto do que aconteceu no
século XIX, o qual houve a passagem da sociedade de produção para a sociedade
consumista regida pelo sistema capitalista. As consequências dessas mudanças
resultaram em uma modernidade líquida, que por sua vez gerou uma fragmentação
da vida humana.
Nessa perspectiva, é preciso entender as instituições nas suas atribuições,
deveres e obrigações na formação do cidadão. Porém tem havido conflitos mediante
seus papeis e cumprimentos de suas responsabilidades diante do sujeito de direito.
Com todo esse dilema o bloco menor da sociedade que é a família perde sua
identidade diante do Estado, o qual assume uma ação paternalista e formadora do
aspecto moral e social na educação da criança e do adolescente.
É importante fazer uma reflexão quanto às consequências das mudanças no
comportamento da sociedade, o qual a família tem sido usurpada nas suas
atribuições no que diz respeito ao cuidado, formação e desenvolvimento dos seus
filhos. Fica o desenvolvimento das crianças comprometido desde que seus pais
terceirizam sua função educativa ao Estado-Escola.
Ao nascer a criança já está inserida na família que por sua vez tem como
dever a missão socializadora, onde já encontra um mundo organizado segundo os
padrões da sociedade. É nessa instituição que acontece o primeiro contato social.
Quando a família se ausenta de suas obrigações fica comprometido um
desenvolvimento saudável e pleno do indivíduo. Cabe aos pais a formação moral,
sexual, religiosa como também inculcar os princípios necessários para que se torne
um cidadão de bem.
A respeito da educação adquirida no meio social, Salvador (1999, p. 146)
afirma que,
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De maneira bastante geral, o processo de desenvolvimento das crianças inicia-se na família, sendo os pais os primeiros cuidadores e educadores ao mesmo tempo; é o primeiro contexto de desenvolvimento, que em todas as culturas é visto, mais cedo ou mais tarde, progressivamente ampliando. As crianças participam, assim, de outros contextos e interagem com outras pessoas em uma diversidade de modalidade.
A família é uma das instituições responsáveis pelo processo de socialização
que acontece por meio das práticas habituais do cotidiano. Desenvolvem o papel de
transmissores das ações contínuas e trocas interpessoais. Apesar de não ser um
conhecimento sistematizado, é uma aprendizagem passada de geração em geração,
e assim ocorre o desenvolvimento cultural e social do sujeito
Uma vez que a família foge aos deveres e obrigações a ela impostas, isso
causa danos irreparáveis e nega um desenvolvimento saudável, que pode gerar um
sujeito incapaz de alcançar de forma plena as suas competências, ou seja, nega a
criança o direito de se tornar um adulto seguro de si.
De acordo com a Constituição Federal Brasileira (1988, cap. VII) é dever da
família, dos pais e do Estado,
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
A criança e os adolescente tem seus direitos garantidos no artigo 227 da
Constituição Federal, o qual devem ser assegurados pelo Estado e a família. De
acordo com o artigo 229 os genitores têm a obrigação de assistir, criar e educar os
filhos menores.
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante e assegura os direitos e
amparo diante da omissão da família no cumprimento de suas atribuições. Dispõe o
art. 249 do ECA: “Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao
poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da
autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:” (Expressão substituída pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência. ”
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Para compreender os direitos e deveres das instituições, é necessário
entender também o papel do Estado. Para Meszáros (2011) o Estado é uma
estrutura totalizadora do Capital político, responsável por formar e executar as
políticas educacionais, como também oferecer as estruturas necessárias para boa
parte do sistema educacional escolar, principalmente público.
Contudo não se pode esperar que somente o Estado cumpra com suas
obrigações, a sociedade e a família também são responsáveis pela formação,
educação e desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes.
4 FAMÍLIA E ESCOLA NA MODERNIDADE LÍQUIDA
Ao se fazer um breve histórico da origem da família, percebe-se que desde os
primórdios o homem busca viver em comunidade e estabelecer vínculos com outro.
Ao partir desse conceito, surge a unidade básica da sociedade, que são ligadas por
indivíduos com ancestrais em comum ou por laços afetivos.
No que concerne a família, Gonçalves (2007, p. 1) nos diz,
Traz família de uma forma abrangente como todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção. E também de uma forma mais específica como, parentes consangüíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau.
Na antiguidade, nas civilizações romanas e gregas, a família era uma
instituição com base política e religiosa. Porém sua essência não se dava por meio
do afeto, antes era estabelecida sobre o princípio da autoridade, mas sua
constituição era influenciada pela religião, o qual instituía a figura do pai para presidir
o lar.
A partir do século XV começa a surgir e desenvolver o sentimento e o valor da
família. Contudo era um conceito limitado que abrangia as classes abastadas da
aristrocacia ou da burguesia, aqueles que detinham o poder.
Segundo Ariès (2006) no século XVII, a vida era algo público, todos viviam
misturados sem privacidade, a sociedade exercia um certo domínio sobre a
intimidade das pessoas. Nesse cenário a família não tinha uma identidade definida,
sua existência não se dava através do sentimento ou valor.
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Contudo a família se configurou e assumiu novos conceitos. A partir do século
XVIII, uma época de grandes revoluções, ela se tornou um grupo fechado, no qual
seus membros gostam de permanecer.
Por volta do século XIX e início do século XX as famílias adotam o conceito
de família nuclear burguesa, formados pelo pai, mãe e filhos. Assume um modelo
patriarcal em que se organiza em torno da figura do pai. Fechados em sua
intimidade criam um padrão de educação para os filhos. As mudanças ocorrem
também em outras áreas da vida, tais que passam a deixar o campo e buscam
trabalho nas indústrias. Introduz-se no seio familiar uma hierarquia do mais velho em
relação ao mais novo e do homem em relação a mulher.
Com as mudanças no decorrer da história, a família brasileira sofre os
reflexos, o que ocasiona a individualização e a realização pessoal de seus membros
em que a família tradicional dá lugar para as relações familiares.
À medida que as transformações sociais ocorrem, o conceito de família
também se modifica. Influenciada pela modernidade Européia a figura da mulher
vem conquista espaço no campo de trabalho fora do lar, época esta em que ela
passa a ser sujeito de sua própria história.
A ruptura de paradigmas traçou uma nova identidade da mulher que deixa de
exercer o papel do lar em que era responsável pela administração da casa e
educação dos filhos, e passa a buscar a independência econômica e profissional, o
homem por sua vez deixa de ser o centro da família, e assim tem-se uma relação
compartilhada em todos os aspectos familiares. Um marco para história que foi um
divisor de águas para sociedade, família e a escola.
A família representa o primeiro mundo da criança, onde acontece o contato
inicial com o outro, e se estabelece os primeiros vínculos sociais e afetivos. Por meio
desse processo aprende os modos humanos e de sua existência, começa a
construir-se como sujeito.
Como instituição social, a família sempre mediou relação com outras
instituições em especial a escola. A partir do século XVIII a escola assumiu a
educação formal, e surge a necessidade do acompanhamento dos pais junto aos
seus filhos. Porém esse diálogo entre família e a escola sofre interferências a partir
do século XX, quando ocorre a releitura no modo de vida, principalmente das
famílias.
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O mundo muda e as relações também, há velocidade em tudo que nos cerca,
e a liquidez das relações, traz a questão da individualidade, o afastamento entre os
indivíduos que gera o afrouxamento dos laços afetivos, o que culmina na quebra dos
valores e dos laços afetivos.
Com a liquidez nas relações afetivas, as famílias têm deixado de suprir as
necessidades de seus filhos, que são essenciais para seu desenvolvimento. Outro
fator que compromete a vida da criança e do adolescente, é a estrutura familiar, pois
se não houver solidez nas relações, elas sofrerão os danos que refletirão no âmbito
escolar.
Segundo Szymanski (2011), a família e a escola são duas instituições
diferentes, mas que são essenciais para formar o caráter, o ser social e o cidadão
apto em suas competências.A família precisa oferecer a seus filhos, um lar
estruturado no sentido de acolhimento, um ambiente estável, prover condições de
formação moral e psicológica. Por sua vez a escola assume o papel de ensinar os
conteúdos específicos de áreas do saber.
Conforme a autora,
O que ambas as instituições têm em comum é o fato de prepararem os membros jovens para sua inserção futura na sociedade e para o desempenho de funções que possibilitam a continuidade da vida social. Ambas desempenham um papel importante na formação do indivíduo e do futuro cidadão. (SZYMANSKI, 2011, p. 98)
Contudo o que é presenciado na relação família e escola no desenvolvimento
das crianças e adolescentes como cidadãos é a inversão de papeis quanto a suas
atribuições e responsabilidades, e assim a confusão se instala em meio à educação
delas. As instituições têm perdido o rumo quanto a exercer seu papel específico.
Na contemporaneidade as transformações na sociedade têm refletido tanto
nas famílias quanto nas escolas. A modernização e o capitalismo têm alterado os
comportamentos sociais e familiares, e comprometem o desenvolvimento das
crianças e adolescentes. As relações afetivas têm sido as mais afetadas, pois
mesmo dentro das famílias, a superficialidade, o comprometimento com o outro e o
cuidado se perdem. O individualismo no contexto familiar e a liquidez na afetividade
promovem um abandono principalmente das crianças e adolescentes, e compromete
seu desenvolvimento de forma plena.
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Com um mundo em constantes modificações em que as relações não se
estabelecem, a família tem terceirizado suas responsabilidades e o seu papel de
formar, cuidar, e acompanhar suas crianças e adolescentes a outros, com parentes,
escola e o Estado. Uma realidade que tem trazido resultados cada vez mais
negativos, principalmente na educação escolar.
A escola tem um caráter impessoal e público do aprendizado e da disciplina,
ela traz na figura do professor a mediação entre a criança e o mundo. Porém tem
sofrido uma sobrecarga devido a transferência de obrigações que os pais teriam que
cumprir na vida das suas crianças e adolescentes.
Segundo Durkheim (2011) a escola tem um papel fundamental na vida do
indivíduo por ter a natureza socializadora, pois promove a inserção no espaço
público. Ela vai trabalhar a internalização das regras e as condutas, um lugar onde
serão apresentadas as orientações que a sociedade espera para a formação de
cidadãos.
Contudo a escola tem perdido a capacidade de sustentar o trabalho
pedagógico na sua plenitude, comprometendo a gestão do conhecimento. A
estrutura escolar está sendo massacrada, porque tem que discutir os valores éticos
e morais, além do currículo.
De acordo com Fontana (1997), na escola se adquire conhecimentos
sistematizados que faz o sujeito perceber e explicar o mundo, constituídos de acordo
com uma lógica que ele deverá apreender. Em concordância com o autor.
Bock (2002, p. 263) nos diz que
A escola precisa exercer funções especializadas. A escola cumpre, portanto, o papel de preparar as crianças para viverem no mundo adulto. Elas aprendem a trabalhar, a assimilar as regras sociais, os conhecimentos básicos, os valores morais, coletivos, os modelos de comportamentos considerados adequados pela sociedade
Dessa forma a escola tem a função social e essencial para formação dos
novos cidadãos, portadora dos saberes selecionados por uma sociedade e de seus
valores
Nesse contexto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
9394/96, o artigo 10 aponta que “a educação abrange os processos formativos que
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas instituições
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de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações, sociedade civil e nas
manifestações culturais” (BRASIL, 1996).
É sabido que o sujeito está em constante transformação, e para isso é
necessário um investimento não só de tempo, mas de aplicabilidade de
conhecimento, interação com o outro e o meio que está inserido. Portanto a
aprendizagem ocorre durante toda a vida, que possibilitará fazer parte e construir
história.
O Estado busca sanar a situação com ações paternalistas, de modo que
tenta suprir e substituir o papel dos pais através das escolas, e assim atribui a
responsabilidade que seria familiar para as instituições. E assim fica um “jogo de
empurra”, pois os pais que precisam trabalhar, e “empurram” as crianças para a
escola e, toda a sua responsabilidade de cuidar, educar e ensinar os valores morais.
As escolas que por sua vez tem o papel de formar cidadãos aptos em suas
competências se tornam reféns dessa situação ocasionadas pelos pais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ser humano é um ser inacabado e por isso está em constante
desenvolvimento, o conhecimento acontece paulatinamente, e assim busca maior
demanda de tempo e investimento de maneira ampla do Estado, família e
sociedade.
O presente artigo leva à uma profunda reflexão sobre as atuais mudanças na
sociedade e as consequências causadas na educação e formação das crianças em
indivíduos saudáveis e aptos em suas competências. Faz uma crítica às instituições
que se ausentam de suas responsabilidades diante da formação do sujeito, e assim
faz um alerta, e mostra, que para buscar soluções é necessário:
Identificar os motivos pelos quais as famílias têm se ausentado do
cumprimento dos seus papéis na vida de suas crianças, o que causa danos
irreparáveis no seu desenvolvimento escolar.
Compreender as consequências causadas no contexto escolar devido a
mudanças comportamentais na família.
Levantar discussões sobre possíveis medidas para sanar o descomprometi
mento dos responsáveis por uma educação com qualidade.
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Contribuir para a sociedade e a educação de maneira a instruir e esclarecer
que cada instituição tem seu lugar específico na formação do sujeito, tornando-o
conhecedor de seus direitos e apto em exercer deveres e obrigações sem causar
dano ao próximo ou ao Estado.
A formação de um ser humano só é possível quando há uma compreensão
por parte da família, escola e Estado que necessitam unir forças e cada um cooperar
dentro daquilo que lhe foi instituído, o qual, um não pode usurpar o lugar do outro.
Assumir a responsabilidade para si no que compete fazer para que haja resultados
positivos e satisfatórios no desenvolvimento pleno em todas as etapas da vida.
REFERÊNCIAS
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