TEMA 7. RESISTÊNCIA AOS HERBICIDAS CAUSADA POR MECANISMOS
RELACIONADOS AO LOCAL DE AÇÃO DE HERBICIDAS
Introdução
Alterações no sítio de ação
Superexpressão enzimática
Considerações Finais
Introdução
Nos sistemas agrícolas, a presença de plantas daninhas é um dos fatores mais
limitantes à produtividade das culturas. Devido à ação rápida e seletiva, somada aos
custos e praticidade, a aplicação de herbicidas se tornou o método de controle de plantas
daninhas mais utilizado no mundo. O uso indiscriminado desses, porém, proporcionou a
seleção de diferentes espécies de plantas daninhas resistentes. A resistência de plantas
daninhas é definida como a capacidade adquirida e herdável de uma população em
sobreviver e se reproduzir após a exposição à determinada dose de um herbicida que é
letal para uma população suscetível. Essa definição é antrópica e trata-se de um
processo evolucionário onde uma população deixa de ser suscetível para se tornar
resistente.
Atualmente existem 480 casos únicos de resistência no mundo, sendo 46 deles
no Brasil. Com relação aos mecanismos de ação de herbicidas, dos 26, já existem
plantas resistentes à 23 mecanismos. Essa situação é preocupante ao passo que novos
mecanismos de ação de herbicidas não são sendo lançados a mais de vinte anos e vem-
se cada vez mais perdendo ferramentas no controle dessas plantas. Conhecer os
mecanismos de resistência presentes em uma espécie, fornece subsídios para que a
melhor estratégia de manejo seja tomada.
Os mecanismos de resistência presentes em plantas daninhas podem ser
divididos entre aqueles que se relacionam ao local de ação do herbicida (mecanismos
RELA) e aqueles não relacionados com esse local de ação (N-RELA). Mecanismos
associados ao local de ação, podem ser divididos entre alterações da enzima alvo,
causada por mutações ou depleções de aminoácidos ou pela superexpressão da enzima,
causada pela amplificação do gene ou de promotores. Esses mecanismos estão
comumente presentes em plantas conferindo resistência à herbicidas inibidores da
ACCase, inibidores da ALS, inibidores do Fotossistema II, inibidores da síntese de
Tubulina, inibidores da PPO e inibidores da EPSPS. Ao contrário do que se imaginava
antigamente, não são todos os casos que apresentam uma simples dominância de alelos
para explicar os mecanismos RELA.
Ressalta-se que uma espécie, pode apresentar resistência, devido ao acúmulo de
mecanismos de resistência, sejam eles RELA ou N-RELA. Quando uma população
apresenta resistência à mais de um herbicida com o mesmo mecanismo de ação, temos a
resistência cruzada. Quando resistente a mais de um mecanismo de ação, essa
resistência é denominada de resistência múltipla.
Alterações no sítio de ação
A resistência causada por alterações no sítio de ação dos herbicidas é na maioria
das vezes ocasionada por mudanças na estrutura 3D da proteína alvo do herbicida,
alterando a estabilidade de ligação do herbicida. Essas alterações em geral são
ocasionadas por substituições de aminoácidos em posições específicas e pontuais na
sequência gênica da enzima. Hoje, existem casos da presença de duplas mutações e de
deleções de aminoácidos. Como regra, diversas mudanças podem conferir resistência
aos herbicidas que uma vez não ligado a enzima, deixa de apresentar seu efeito de
controle da planta. A magnitude de redução da afinidade do herbicida com seu sítio de
ligação depende da mudança estrutural na proteína alvo e da molécula do herbicida. O
nível da resistência irá depender especificadamente de cada alteração, de cada espécie,
do número de alelos e das doses dos herbicidas utilizados (Moss, 2017).
Resistência aos herbicidas inibidores do FSII
Herbicidas inibidores do FSII competem com a plastoquinona (PQ) pelo sítio de
ligação na proteína D1, do fotossistema II, na etapa fotoquímica da fotossíntese. A
interrupção do FSII leva a não produção de NADPH e ATP pela quebra do transporte de
elétrons, reduzindo o ciclo de redução do carbono, levando a planta a deficiência de
carboidratos e ao estresse oxidativo.
Diversas espécies estão relatadas como resistentes a esses herbicidas por
mecanismos RELA devido principalmente a extensa utilização desses. A resistência a
esses herbicidas está presente em mais de 30 espécies. Em todos esses casos, com
algumas exceções, a resistência às triazinas está presente devido uma única mutação
pontual no gene psbA, que traduz a proteína D1, causando uma troca de uma serina, na
posição 264 do gene, por uma glicina (Ser-264-Gli). Essa mutação, permite a ligação da
plastoquinona, porém impede a ligação do herbicida na proteína D1, devido a uma
remoção de uma ponte de hidrogênio, fundamental para ligação do herbicida. Por outro
lado, essa mutação também compromete a ligação da plastoquinona, alterando a
fotossíntese das plantas resistentes
Essa mutação altera a afinidade com a atrazina, porém mantem normal a
atividade de outros herbicidas atuantes no FSII. Outras mutações são responsáveis por
causarem resistência a outros grupos de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação,
como a Serina-264-Treonina, que confere resistência a triazina e a uréias (linuron) ou
Leu-218-Val que confere resistência às triazinonas (metribuzin). Sendo assim, conhecer
especificamente as mutações presentes em cada espécie, é essencial para a
recomendação do herbicida a ser utilizado (Powles; Yu, 2010).
Resistência aos herbicidas inibidores da ALS
A acetolactato sintase (ALS) é a primeira enzima na via bioquímica da produção
dos aminoácidos valina, leucina e isoleucina. A ALS é a enzima alvo de vários grupos
de herbicidas, entre os quais as sulfoniluréias e imidazolinonas. Esses herbicidas atuam
inibindo a ALS e interrompendo a produção dos aminoácidos. O uso desses compostos,
elevou-se de maneira significativa devido a fatores como; eficácia de baixas doses,
baixa toxicidade a mamíferos e seletividade a culturas. Esse uso, porém, permitiu a
seleção de plantas daninhas resistentes e hoje a maioria dos casos de resistência em
plantas daninhas, ocorre para esse grupo de herbicidas, sendo registrados 159 espécies
resistentes aos inibidores da ALS.
Desde 1994, diversas mutações na enzima ALS foram relatadas por conferir
resistência nessas plantas aos herbicidas. Hoje são relatadas 25 mutações em 8 possíveis
posições do gene ALS que podem promover essa resistência. As mutações mais
observadas, presentes em mais de 20 espécies, estão relacionadas com mutações na
posição 197 e 574 do gene ALS, onde ocorre uma substituição de um prolina por uma
serina (Pro-197-Ser), e um triptofano por uma leucina (Tri-574-Leu), respectivamente.
Ainda, uma mesma espécie, pode apresentar diferentes mutações na ALS. Plantas de
Amaranthus palmeri que podem apresentar mutações na posição 574 ou 653 e plantas
de Kochia scoparia mutações nas posições 197, 376 ou 574
Assim como na resistência aos inibidores do FSII, mutações específicas
conferem resistências específicas. Por exemplo modificações Pro-197-Ser confere
resistência ao grupo das sulfoniluréias e a modificação Tri-574-Leu, resistência as
sulfoniluréias e as imidazolinonas. Modificações do tipo Ala-122-Ter conferem
resistência ao grupo das imidazolinonas, enquanto Asp-376-Glu confere resistência a
todos os grupos químicos inibidores da ALS. Ainda, existem variações entre os grupos
químicos, como plantas de Cyperus variando de resistência dentro dos herbicidas das
sulfoniluréias.
Em geral, essas mutações não causam efeitos deletérios no desenvolvimento das
plantas resistentes. Ainda a herança da resistência aos inibidores da ALS é semi-
dominante, prevalecendo resistentes biótipos heterozigóticos. Esses fatores, somados
aos elevados pontos passíveis de alterações da enzima, explicam as elevadas frequências
de plantas resistentes em uma população suscetível antes da seleção promovida pela
aplicação dos herbicidas. Novamente, conhecer qual o mecanismo, e mais
especificamente qual a mutação presente, é essencial para recomendar ou deixar de
recomendar herbicidas.
Resistência aos inibidores da ACCase
A Acetil-CoA carboxilase (ACCase), é uma enzima chave na biossíntese de
lipídeos que catalisa a formação de malonil-CoA pela carboxilação da acetil-CoA.
Existem dois tipos de ACCase em plantas, uma forma heteromérica e uma forma
homomérica. Em gramíneas, a ACCase localizada em plastídios é homemérica e é alvo
de três importantes classes de herbicidas onde o herbicida compete com o substrato
acetil-CoA pela ligação na enzima, sendo eles os grupos dos ariloxifenoxipropionatos
(fops), ciclohexanodionas (dim) e fenilpirazolinas (den). Os herbicidas inibidores da
ACCase bloqueiam a síntese de ácidos graxos, impossibilitando a formação de lipídeos
e metabólitos secundários nas plantas. Na maioria das folhas largas, a enzima ACCase
nos plastídios está presente na sua forma heteromérica, tornando essas plantas tolerantes
a esses herbicidas.
A utilização frequente então desses herbicidas em culturas dicotiledôneas
baseada a seletividade ao longo dos anos, selecionou diversas espécies gramíneas
resistentes. A primeira identificação de mutações na ACCase relatou uma alteração de
uma leucina na posição 1781 do gene por uma isoleucina (Leu-1781-Iso), que é a mais
encontrada até hoje. Outras posições também se alteradas, geram plantas resistentes,
como por exemplo as modificações nas posições 2027, 2041, etc.
Com estudos recentes, demonstrou-se que o nível de resistência, bem como aos
herbicidas em que a planta é resistente, dependem dessas mutações e do número de
alelos presentes na planta (homozigose ou heterozigose). Dessa forma, uma mesma
mutação pode resultar em biótipos contrastantes quanto a sensibilidade à herbicidas em
espécies diferentes, como a mutação Isoleucina-2041-Asparagina, que confere
resistência a cicloxydim em Phalaris paradoxa mas não em Alopecurus myosuroides.
Resistência aos inibidores da EPSPS
A 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS) é uma enzima presente na
via do ácido chiquímico, responsável pela reação de fosfoenolpiruvato (PEP) e
chiquimato-3-fosfato em 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato, que será utilizado na
produção dos aminoácidos aromáticos triptofano, tirosina e fenilalanina. O sítio ativo da
enzima EPSPS é altamente conservado. O efeito do herbicida glyphosate nessa enzima,
se dá pela ligação do herbicida no sítio de ligação do PEP. O herbicida glyphosate, de
longe é o herbicida mais utilizado no mundo. Sua utilização tornou-se extensiva após a
aprovação de culturas transgênicas tolerantes, somado ao fato de que é um herbicida de
amplo espetro de controle, controla espécies perenes, é barato e tem baixo impacto
ambiental.
A resistência ao glyphosate causada por mecanismos RELA, foi primeiramente
identificada em biótipos de Eleusine indica, em uma substituição pontual na posição
106 do gene, substituindo um prolina por uma serina. Posteriormente também foram
encontradas substituições dessa prolina por treonina, leucina e alanina. Porém em todos
esses casos, sozinhas, essas mutações não conferem elevados níveis de resistência às
plantas que as possuem. Existem casos, onde a aplicação do herbicida glyphosate em
plantas com a presença de mutação na Prolina 106, geram sintomas de fitotoxicidade e
podem inclusive levar as plantas à morte.
Porém, recentemente, detectou-se uma presença de dupla mutação na enzima
EPSPS em plantas de Eleusine indica. Esse é uma situação atípica, onde na posição 102
do gene, ocorre uma mudança do aminoácido treonina pra isoleucina, e na posição 106,
de uma prolina para uma serina. A planta com essa dupla mutação (TIPS), apresenta
uma elevada resistência ao herbicida glyphosate, onde em laboratório essa resistência
chegou a ser 2.647 vezes maior do que para planta suscetível e 600 vezes mais resistente
que as plantas com apenas uma mutação. Por outro lado, a presença dessa dupla
mutação penaliza o crescimento das plantas, reduzindo seu desenvolvimento frente as
plantas selvagens e com mutações pontuais na P106. Segundo autores, a presença dessa
segunda mutação é originada de plantas com a presença de uma mutação na P106. A
origem direta, de uma mutação na posição 102, resultaria em um impacto elevado no
desenvolvimento de plantas, impedindo a sobrevivência dessas (Yu et al., 2015). Hoje,
essa dupla mutação vem tentando ser inserida junto à superexpressão da EPSPS em
novos cultivos transgênicos, porém em fase inicial de desenvolvimento.
Resistência aos inibidores da síntese de Tubulina.
Os herbicidas que atuam na síntese de Tubulina, possuem seu efeito decorrente
da ligação desses com dímeros de Tubulina, impedindo o crescimento de microtúbulos,
polímeros que estão envolvidos em processos essenciais como mitose, transporte
vesicular e outros. Nos casos envolvendo mecanismos RELA, foram encontradas
mutações genéticas na sequência do gene alfa-tubulina, na posição 239, substituindo
uma treonina por uma isoleucina. Nesse caso, o herbicida não consegue se ligar à
Tubulina. Além dessas, outras mutações pontuais podem conferir resistência de plantas
à esses herbicidas. O interessante nesses casos é que a herança dessa resistência é
recessiva e contralada por um simples gene nuclear, assim, apenas indivíduos
homozigóticos sobrevivem na dose normal do herbicida. Essa característica da
resistência, diminui a importância e o número de casos relatados até hoje.
Resistência aos inibidores da PROTOX
A enzima protoporfirogenio oxidase (PROTOX) é uma enzima chave na
biossíntese do grupo heme e da clorofila. Ela catalisa a reação de oxidação do
protoporfirogenio-IX em protoporfirina-IX. Nas plantas existem duas isoformas da
PPO, uma no cloroplasto e uma na mitocôndria. Na presença dos herbicidas, como por
exemplo, carfentrazone-ethyl, sulfentrazone, fomesafen, lactofen e saflufenacil, tem-se
a inibição competitiva da PROTOX que irá acumular protoporfirina no cloroplasto,
gerando espécies reativas de oxigênio e morte da planta na presença de luz.
A resistência de plantas daninhas a esses herbicidas ocorre raramente, para
poucas espécies (11), porém as razões dessa resistência, são completamente diferentes
das citadas acima. Nesse caso, a resistência causada por mecanismos RELA, ocorre por
deleções de aminoácidos, perdendo o gene PPX2L (responsável pela síntese de
PROTOX), três pares de base (1 códon), deletando o aminoácido glicina na posição 210
do gene. Essa deleção já foi relatada para Amaranthus palmeri e Amaranthus
tuberculatus. Recentemente, outras mutações na posição 98 do gene PP2X2L foram
encontradas, como previamente também descrita para Ambrosia artmisiifolia. Segundo
autores, as modificações presentes, aumentam o volume do sítio ativo da PPO,
readaptando estruturalmente o domínio de ligação do substrato. Essas, conferem
elevados níveis de resistência as plantas, porém, nenhum efeito na ligação da enzima
com seu substrato. Ressalta-se que essa depleção é muito mais rara do que uma
substituição simples de aminoácidos (~10-18 x ~10-9), demonstrando que existe forte
pressão de seleção em alguns casos para esses herbicidas (Giacomini et al., 2017).
Superexpressão enzimática
Um outro mecanismo RELA de resistência de plantas daninhas é a
superexpressão enzimática. Nesse caso, existem relatos de resistência apenas para
herbicidas inibidores da EPSPS. Nessas plantas, o herbicida atinge seu sítio de ação, e
se acopla à enzima EPSPS. Porém o nível de enzimas é muito maior do que o nível de
herbicida presente na célula, sendo que sobram enzimas não inibidas, que continuam o
normal desenvolvimento da planta.
Essa superexpressão foi primeiro relatada para plantas de Amaranthus palmeri
que apresentaram até 160 vezes mais copias do gene EPSPS nas plantas resistentes do
que nas suscetíveis. Também foram encontradas superexpressões do gene EPSPS em
plantas de Kochia scoparia, sendo que apenas um dos alelos mostrou-se sobrexpresso
além da superexpressão também em plantas de Amaranthus tuberculatus, Amaranthus
spinosus, foram também encontradas superexpressões em gramíneas como em plantas
de Lolium multiflorum e Chloris truncata.
Ainda, o motivo pela superexpressão dessa enzima não está esclarecido. Em
alguns casos, o aumento no número de cópias não eleva os níveis de resistência, como
para A. palmeri, e em outros, sim, como em K. scoparia. Nesse segundo caso,
aplicações de altas doses de glyphosate, irão selecionar plantas mais tolerantes, sendo
esse aumento não recomendado.
A causa dessa superexpressão pode ser mediada por transposons (MITEs,
miniature inverted-repeat transposable elements) ou por recombinação entre diferentes
regiões genômicas resultando na replicação dos genes. Interessantemente, plantas que
apresentam essa superexpressão, não demonstraram até o momento, penalidades em seu
desenvolvimento, resultante desse maior gasto energético na produção de cópias
gênicas.
Considerações Finais
Fica claro que conhecer os mecanismos de resistência, e mais precisamente, a
mutação responsável pela resistência quando existente, é fundamental para se preservar
as ferramentas de controle de plantas daninhas existentes. Diferentes mutações
conferem resistência diferencial à grupos e dentro de grupos químicos de herbicidas,
principalmente para herbicidas inibidores da ACCase e da ALS. Além disso, uma
mesma mutação pode conferir resistência à diferentes herbicidas, dependendo da
espécie que a contenha. Além disso, a dupla mutação na EPSPS e sua superexpressão,
recentes mecanismos de resistência descobertos, podem implicar situações específicas
de manejo, como a não utilização de maiores doses de glyphosate e sim a troca de
mecanismos de ação utilizados.
TEMA 8 – RESISTÊNCIA AOS HERBICIDAS CAUSADA POR MECANISMOS
NÃO RELACIONADOS AO LOCAL DE AÇÃO DE HERBICIDAS – N-RELA
Introdução
Diminuição da Absorção
Variação da Translocação
Aumento da Metabolização (AMe)
Respostas ao Estresse Oxidativo
Considerações Finais
Introdução
Nos sistemas agrícolas, a presença de plantas daninhas é um dos fatores mais
limitantes à produtividade das culturas. Devido à ação rápida e seletiva, somada aos
custos e praticidade, a aplicação de herbicidas se tornou o método de controle de plantas
daninhas mais utilizado no mundo. O uso indiscriminado desses, porém, proporcionou a
seleção de diferentes espécies de plantas daninhas resistentes. A resistência de plantas
daninhas é definida como a capacidade adquirida e herdável de uma população em
sobreviver e se reproduzir após a exposição à determinada dose de um herbicida que é
letal para uma população suscetível. Essa definição é antrópica e trata-se de um
processo evolucionário onde uma população deixa de ser suscetível para se tornar
resistente.
Atualmente existem 480 casos únicos de resistência no mundo, sendo 46 deles
no Brasil. Com relação aos mecanismos de ação de herbicidas, dos 26, já existem
plantas resistentes à 23 mecanismos. Essa situação é preocupante ao passo que novos
mecanismos de ação de herbicidas não são sendo lançados a mais de vinte anos e vem-
se cada vez mais perdendo ferramentas no controle dessas plantas. Conhecer os
mecanismos de resistência presentes em uma espécie, fornece subsídios para que a
melhor estratégia de manejo seja tomada. A partir desse conhecimento, podem ser
gerados novos eventos de culturas tolerantes aos herbicidas, bem como novos
herbicidas, inibidores de enzimas associadas à resistência.
Os mecanismos de resistência presentes em plantas daninhas podem ser
divididos entre aqueles que se relacionam ao local de ação do herbicida (mecanismos
RELA) e aqueles não relacionados com esse local de ação (N-RELA). Mecanismos de
resistência não relacionados com o local de ação, envolvem processos fisiológicos que
neutralizam e/ou direcionam a molécula do herbicida para fora do seu sítio de ação. São
um tipo de resposta das plantas à estresses abióticos, que podem ser constitutivos ou
induzidos. A regulação e os caminhos bioquímicos desses mecanismos ainda estão
pouco elucidados. Com o avanço das técnicas “ômicas”, genes e enzimas relacionados à
essa resistência vem sendo descobertos.
A resistência causada por mecanismos N-RELA, apresenta diversas
complicações no controle de plantas daninhas se comparada a mecanismos RELA. O
aspecto mais negativo de mecanismos de resistência N-RELA é que podem ocorrer
casos de resistência cruzada de maneira imprevisível nas plantas daninhas, já que em
geral esses mecanismos estão relacionados a mais de um gene. Ainda, esses
mecanismos podem não ser específicos para determinado modo de ação, permitindo que
mecanismos selecionados para um herbicida, possa oferecer resistência para outros
herbicidas, com outros modos de ação, incluindo herbicidas ainda nem descobertos.
Hoje a resistência causada por mecanismos N-RELA apresentam elevada significância
na resistência de plantas a herbicidas inibidores da ACCase, EPSPS, ALS e inibidores
do FSII (Petit et al., 2010).
Ressalta-se que uma espécie, pode apresentar resistência, devido ao acúmulo de
mecanismos de resistência, sejam eles RELA ou N-RELA. Quando uma população
apresenta resistência à mais de um herbicida com o mesmo mecanismo de ação, temos a
resistência cruzada. Quando resistente a mais de um mecanismo de ação, essa
resistência é denominada de resistência múltipla.
Diminuição da Absorção
A diminuição de absorção em herbicidas já foi relatada para diferentes classes de
herbicidas e pode ocorrer por diferenças nas propriedades físicas ou químicas dos
componentes foliares, retendo o herbicida na folha, como para o glyphosate em plantas
de Lolium multiflorum e Sorghum halepense. Em plantas de L. multiflorum, o contato da
gota pulverizada com a folha de plantas resistentes apresentou-se diferente do que o
ângulo de contato da gota com folhas de plantas suscetíveis, causando reduzida
interceptação e absorção foliar do herbicida.
Esse mecanismo costuma causar baixos níveis de resistência em plantas
daninhas e em geral são considerados de menor importância. A isso se deve ao fato de
que condições ambientais, como temperatura, disponibilidade hídrica e umidade relativa
do ambiente, interferem nas características foliares de plantas. Com isso, dentro de um
mesmo ciclo da vida da planta, essa pode apresentar diferentes absorções de herbicidas,
dependendo do ambiente. Assim, a absorção de herbicidas é mais uma característica
física e sua relação com características biológicas de resistência menor considerada.
Além disso, mesmo com menores absorções de herbicidas, como por exemplo, 30% do
aplicado, esse herbicida em geral é suficiente para atingir seu sítio de ação e causar a
morte de planta.
Variação da Translocação
Para herbicidas sistêmicos, a translocação do herbicida do ponto aplicado até seu
sítio de ação é essencial para sua eficácia. Para herbicidas de contato, como o paraquat,
que possuem restrita translocação essa movimentação, mesmo que pequena, se torna
ainda mais importante.
Para ambos herbicidas, uma das causas na variação da translocação de herbicidas
é o sequestro desses no vacúolo. A resistência ao paraquat está atribuída ao sequestro
vacuolar para espécies do gênero Conyza, Hordeum e Lolium. Estudos relatam possíveis
transportadores de paraquat como transportadores de aminoácidos catiônicos (CAT),
transportadores de cassetes de ligação ATP (ABC) e transportadores de poliaminas.
Para o glyphosate plantas daninhas do gênero Conyza, Lolium e Sorghum
frequentemente apresentam translocação reduzida em plantas resistentes. Para o
glyphosate, o sequestro do herbicida é governado por um processo de transporte ativo,
independente de luz, porém dependente de oxigênio. Nessas plantas o transporte é
saturável e a aplicação de altas doses, pode ocasionar injúrias mesmos nas plantas
resistentes e regulado por transportadores do tipo ABC e transportadores de fosfato
modificados.
A resistência aos herbicidas causadas por processos de sequestro vacuolar são
temperatura-dependentes. Para o paraquat, temperaturas elevadas podem quebrar a
função do transporte vacuolar nas plantas resistentes, ao passo que, para o glyphosate,
baixas temperaturas tornam as plantas resistentes, mais suscetíveis ao herbicida. A esse
fato, atribui-se que baixas temperaturas podem reduzir a atividade catalítica dos
transportadores de glyphosate (Ghanizadeh; Harrington, 2017). Conhecer esse
mecanismo é de importância no manejo dessas plantas resistentes. Do ponto de vista
prático, essas diferenças podem explicar variabilidades de eficiência de controle em
diferentes lavouras ou em uma mesma lavoura com situações diferentes de aplicações.
Ainda, aplicações em baixas temperaturas, podem permitir um melhor controle dessas
populações (Merroto Jr., 2017).
Além do sequestro vacuolar, outros processos que ocorrem na planta podem
modificar a translocação de herbicidas. Um desses casos é a ineficiência da translocação
de herbicidas no floema de plantas, como relatado para plantas de Raphanus
raphanistrum resistentes ao 2,4-D. Sugere-se que alterações na atividade de
transportadores do tipo ABCD da membrana plasmática ou diminuições da afinidade
desses com os herbicidas, podem ser os responsáveis. Esses transportadores são uma
subclasse de transportadores cassete de ligação ATP, relacionados ao transporte de
auxinas nas plantas. Conhecer esses processos melhor é fundamental devido ao aumento
futuro na pressão de seleção de plantas daninhas resistentes ao 2,4-D.
Por fim, as plantas podem apresentar resistência à herbicidas quanto a
translocação por exsudação radicular. Recentemente, relatou-se a resistência de plantas
de Raphanus raphanistrum ao herbicida MCPA causada por esse mecanismo de ação.
Esse mecanismo não está bem elucidado, porém sabe-se que a exsudação pode ser
influenciada por estresses bióticos ou abiótico (Ghanizadeh; Harrington, 2017).
Aumento da metabolização (AMe)
O metabolismo de herbicidas (AMe) em plantas daninhas é um dos maiores
causadores da resistência por mecanismos N-RELA, que ocorre principalmente entre
gramíneas (Délye, 2013). Na metabolização, enzimas são responsáveis por neutralizar e
reduzir o impacto dos herbicidas. Antigamente, acreditava-se que muitos genes estavam
envolvidos no processo, hoje encontram-se alguns genes em comum. Nesse processo,
estão envolvidas fases de ativação e/ou conjugação causadas pela expressão de genes
ligados às enzimas citocromo P450 monoxigenase, Glutationa-S-Transferase, Dedos de
zinco e nitrato oxigenases.
Na ativação, ocorre a hidrólise ou oxidação dos herbicidas, resultando em
moléculas mais hidrofílicas e menos móveis nas plantas, o que restringe a sua
distribuição nas células e tecidos. Nessa fase, diversos estudos apontam a família P450
citocromo monoxigenases (CP450) como principal responsável. Na fase de conjugação,
pode-se incluir a desativação de moléculas de herbicidas derivadas da fase da ativação
pela conjugação dessas moléculas com compostos tais como a glutationa ou a glicose.
Os compostos resultantes são não-tóxicos ou menos tóxicos do que a molécula original.
Essa fase pode ocorrer ainda diretamente, sem a necessidade da fase de ativação. Nessa
fase estão envolvidas proteínas como a glutationa-S-transferase (GST) e
glicosiltransferases (GTs).
As CP450s são enzimas responsáveis por garantir a seletividade em alguns
casos, de culturas, à herbicidas, como a seletividade do trigo ao herbicida diclofop-
methyl e de gramíneas ao 2,4-D. Nas plantas daninhas, em geral, a enzima CP450
adiciona um átomo de oxigênio aos herbicidas, causando hidroxilação ou desalquilação
de moléculas, as tornando produtos em geral mais reativos ou mais solúveis, usando
elétrons derivados do NADPH. Nas plantas, a quantidade de genes relacionados a
CP450 ultrapassa em número os presentes em animais, e em plantas daninhas, diversos
autores, vem encontrando a maior transcrição dos genes, tais como, CYP81A12 e
CYP81A21 e nitrato monoxigenases em plantas resistentes a herbicidas (Ghanizadeh;
Harrington, 2017).
Plantas resistentes de Lolium rigidum apresentam metabolização de herbicidas
inibidores da ACCase e da ALS. Outras espécies foram relatadas por apresentar esse
mecanismo de resistência, como Alopecurus myosuroides e Echinochloa phyllopogon.
Em folhas largas essa metabolização é menor investigada, porém existem relatos da
resistência de Amaranthus tuberculatus ao herbicida mesotrione causada por
metabolização pela enzima CP450.
Conhecer esses casos de resistência é importante, pois a metabolização de
herbicidas em alguns casos pode ser diminuida/anulada pela aplicação de inibidores da
CP450, como por exemplo dos inseticidas organofosforados, promovendo o controle de
plantas daninhas resistentes. Tem-se por exemplo, a reversão da resistência de plantas
de L. rigidum aos herbicidas chlorsulfuron e trifluralina pela aplicação de forato, um
inseticida organofosforados ou da reversão da resistência do capim-arroz ao imazethayr
pela aplicação de malathion. Além disso, esses genes podem ser utilizados para gerar
culturas resistentes a herbicidas. Ainda, a aplicação de baixas doses de herbicida em
plantas que apresentem essa metabolização pode selecionar ao longo de gerações
plantas com maiores níveis de tolerância (Busi et al., 2017).
Na conjugação, uma das enzimas estudadas é a glutationa-S-transferase (GST),
que catalisa a conjugação da glutationa com herbicidas. Essa enzima está presente na
planta na sua forma reduzida (GSH) e atua como um radical eliminador do estresse
oxidativo e detoxificação de xenobióticos. Em culturas é responsável por detoxificar
herbicidas como a atrazina no milho pela conjugação do herbicida com a glutationa
(GSH), o que também ocorre para plantas daninhas, como para Amaranthus
tuberculatus, Amaranthus Palmeri e Lolium rigidum. Sua atividade pode ser induzida
pela presença de herbicidas ou causada por mutações em sequências gênicas, tornando a
ligação da enzima com o herbicida facilitada. A GST pode também estar envolvida em
processos onde ocorra a metabolização por CP450, como em plantas de Lolium sp,
nesses casos a enzima atua diretamente na via conjugando o herbicida ou de maneira
indireta, reduzindo o estrese oxidativo causado pelo herbicida.
Outras enzimas envolvidas na conjugação de herbicidas são as
glicosiltransferases (GTs) que são um grupo de proteínas envolvidas no metabolismo
secundário de plantas que formam conjugados solúveis, que são compartimentalizados
por proteínas de transporte localizadas nas membranas. Em culturas, alguns safeners
apresentam elevada atividade das enzimas GTs, providenciando controle seletivo de
plantas daninhas. Porém pouco se sabe sobre essas enzimas em plantas daninhas. O que
se tem é indícios da expressão induzida dessas enzimas com a aplicação de alguns
herbicidas, em plantas daninhas resistentes como em plantas de Lolium sp e Alopecurus
myosuroides. Com base nessas identificações, vem sendo desenvolvidos testes, do tipo
ELISA, para identificação desses genótipos resistentes nas lavouras (Edwards et al.,
2017).
Com o avanço das técnicas moleculares, hoje, acredita-se que os dedos de zinco
(domínios proteicos), sejam responsáveis por ativar a transcrição de genes relacionados
à metabolização de herbicidas em plantas de Lolium rigidum. Ainda, neste ano, nessa
mesma espécie, resistente à inibidores da ACCase e ALS, além da identificação de nove
genes diferencialmente expressos em plantas resistentes, encontrou-se uma mutação no
gene CP450 responsável pela resistência múltipla à herbicidas. Essa é uma
comprovação de que mutações são também sim responsáveis pelos mecanismos N-
RELA em plantas (Fernandez-nino et al., 2017).
Respostas ao Estresse Oxidativo
Recentemente descoberto, esse mecanismo está presente apenas em uma espécie
(Ambrosia trifida) e confere resistência à apenas um herbicida (glyphosate). Existem
dois tipos de resposta dessas plantas ao herbicida. Em fenótipos de resposta rápida, as
folhas mais velhas desenvolvem sintomas seis horas após a aplicação. As 24 horas,
todas as folhas apresentam-se secas e mortas, caindo da planta posterior a esse período.
Os tecidos jovens e apicais são menos afetados, permitindo plantas resistentes
sobreviver pelo crescimento contínuo de meristemas apicais e gemas auxiliares. As
plantas passam a apresentar crescimento semelhante ao das plantas não tratadas quatro
semanas após aplicadas.
Em fenótipos resistentes de resposta não rápida, o crescimento de plantas
diminui nas primeiras semanas após a aplicação. As plantas continuam a crescer, porém
de maneira menos intensa do que em comparação com plantas não tratadas e com as
plantas de resposta rápida. Não se sabe ao certo como essas plantas sobrevivem ao
herbicida glyphosate, porém, nenhum mecanismo RELA ou N-RELA já conhecido foi
encontrado nesses indivíduos, apenas a presença induzida de peróxido de hidrogênio
(H2O2) em plantas resistentes logo 15 minutos após a aplicação de glyphosate. Esse
acúmulo parece estar envolvido na sinalização de resposta nos fenótipos resistentes para
que esses percam suas folhas e eliminem a translocação do herbicida para seu sítio de
ação. Conhecer esse mecanismo em espécies é muito importante pois já que as plantas
isolam o herbicida pela queda das folhas, outros herbicidas, aplicados em mistura com o
glyphosate, podem também perder sua eficácia de controle (Moretti et al., 2017).
Considerações Finais
Mecanismos de resistência N-RELA em plantas daninhas envolvem vias
regulatórias e desvendar essas vias é importante para um melhor entendimento da
evolução dessa resistência. Os progressos recentes na ciência nos permitirão conhecer
melhor esses processos. Os casos de resistência são específicos e os conhecimentos de
uma espécie não devem ser transferidos para outras. Em um futuro próximo podemos
ter novos cultivos transgênicos baseados em mecanismos N-RELA. Ainda, existe a
necessidade de se pensar em classificações de herbicidas baseadas em mecanismos de
detoxificação ao invés da classificação por mecanismos de ação como é feita hoje.
REFERÊNCIAS
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Merroto JR. A. Mecanismos de resistência das plantas daninhas aos herbicidas. Boas Práticas Agrícolas, Dow AgroSciences Webinar, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Rr3S37n7baQ&feature=youtu.be&utm_campaign=agradecimento_webinar_aldo_merotto&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acesso em: 21 de julho de 2017.
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