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Sumário • --

1. ORIGEM E CONCEITO

segundo Karl Loewenstein1, ao povo hebreu, de onde partiram as primeiras manifestações deste movimento constitucional em busca de uma organização política da comunidade fundada na limitação do poder absoluto. De fato, explica Loewenstein que o regime teo-crático dos hebreus se caracterizou fundamentalmente a partir da ideia de que o detentor do poder, longe de ostentar um poder absoluto e arbitrário, estava limitado pela lei do Senhor, que submetia igualmente os governantes e governados, radicando aí o modelo de Constituição material daquele povo.O conceito de constitucionalismo, portanto, está vinculado à noção e importância da Constituição, na medida em que é através da Constituição que aquele movimento pretende realizar o ideal de liberdade humana com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e de lugar.Não pregava o constitucionalismo, advirta-se, a elaboração de Constituições, até porque, onde havia uma sociedade politicamente organizada já existia uma Constituição qualquer lugar do mundo, havendo Estado, sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade. inspirado por ideias libertárias que reivindicou, desde seus primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito dos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes.É claro que, para o sucesso do constitucionalismo, agigantou-se a necessidade de que aquelas ideias libertárias fossem absorvidas pelas Constituições, que passaram a se distanciar da feição de cartas políticas a serviço do detentor absoluto do poder, para se transformarem em verdadeiras manifestações jurídicas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime constitucional de liberdades públicas.Num primeiro momento, as propostas do constitucionalismo não estavam condi-cionadas à existência de Constituições escritas, mesmo porque, como alertou Loewenstein2, sua fase embrionária associada aos povos da antiguidade, com se noticiou acima.

Teoria de la Constitución

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30 Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Júnior É preciso insistir, contudo, que mesmo antes do advento do chamado Estado de Direito, já existia um Estado, chamado Absoluto, fundado numa Constituição que prescrevia obe-diência irrestrita ao soberano. Sendo assim, o constitucionalis mo, como movimento, não se destinou a conferir ‘Constituições’ aos Estados, que já as possuíam, pelo menos no sentido material, mas, sim, a fazer com que as Constituições (os Estados) abrigassem preceitos asseguradores da separação das funções estatais e dos direitos fundamentais3. Nesse -camento do eixo do poder, cuja titularidade ou exercício era exclusivamente do ‘soberano’”.42. DESENVOLVIMENTOComo visto acima, o constitucionalismo representou um importante movimento po-

movimentos constitucionais5contemporâneo.2.1. Constitucionalismo antigoO constitucionalismo desenvolveu-se por toda a antiguidade clássica, tendo presença a.C.), um regime político-constitucional de democracia direta com absoluta igualdade entre governantes e governados, cujo poder político foi isonomicamente distribuído entre todos os cidadãos ativos.Em Atenas, por mais de dois séculos (de 501 a 338 a.C.), o poder político dos gover-nantes foi rigorosamente limitado, não apenas pela soberania das leis, mas também pela instituição de um conjunto de mecanismos de cidadania ativa, em virtude dos quais o povo, -niense consistiu, basicamente, na atribuição popular do poder de eleger os governantes e de tomar diretamente em Assembleia (a Ekklésia) as principais decisões políticas, como, v. g., a adoção de novas leis, a declaração de guerra e a conclusão de tratados de paz ou de aliança. Ademais disso, a soberania popular ativa abrangia um sistema de responsabi-lidades, pelo qual era permitido a qualquer cidadão mover uma ação criminal (apagoguê) contra os dirigentes políticos, devendo estes, ainda, ao deixarem os seus cargos, prestar contas de sua gestão perante o povo. Os cidadãos também tinham o direito de se opor, na reunião da Assembleia, a uma proposta de lei violadora da constituição (politéia) da responsabilizar criminalmente o seu autor6.das ideias constitucionalistas, sobretudo em razão de haver instituído um sistema de freios do governo republicano, o poder político passou a sofrer limitações, não propriamente

Elementos de Direito ConstitucionalLimites da Revisão Constitucional

Direito Constitucional e Teoria da ConstituiçãoA afirmação histórica dos direitos humanos

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Capítulo I Constitucionalismo 31 - pela soberania popular ativa nos moldes da democracia ateniense, mas em razão da ela--líticos. “Assim é que o processo legislativo ordinário (...) era de iniciativa dos cônsules, que redigiam o projeto. O projeto passava em seguida ao exame do Senado, que o aprovava com 72.2. Constitucionalismo medievalMas foi na idade média, em especial com a Magna Carta inglesa de 1215, que o consti-através do reconhecimento naquele texto escrito, que representou um pacto constitucional nobres ingleses, é considerada como marco de referência para algumas liberdades clássicas, como o devido processo legal, a liberdade de locomoção e a garantia da propriedade.O importante é destacar que a Magna Carta inaugurou a pedra fundamental para a construção da democracia moderna, pois, a partir dela, o poder do governante passou a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados. A Magna Carta deixa implícito pela

8.2.3. Constitucionalismo moderno

ganhando novos contornos. A partir daí são elaborados importantes documentos constitu-cionais escritos (Petition of Rights, de 1628; Habeas Corpus Act, de 1679; Bill of Rights, de 1689, etc.), todos com vistas a realizar o discurso do movimento constitucionalista da época. (1632-1704), Monstesquieu (1689-1755), Rousseau (1712-1778) e Kant (1724-1804), que se opunham aos governos absolutistas (luzes contra trevas), e que serviram de combustível para as revoluções liberais americana (1776) e francesa (1789-1799).Essas diversas fases de desenvolvimento do constitucionalismo têm gerado a dis-tinção, frequentemente lembrada, entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno“fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, so--co, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fun--dica, preten de opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos

A afirmação histórica dos direitos humanos

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32 Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Júnior estamentais peran te o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Es-9Designa, assim, de constitucionalismo antigo todo o esquema de organização polí-tico-jurídica que precedeu o constitucionalismo moderno, como o constitucionalismo hebreu, o constitucionalismo grego, o constitucionalismo romano e o constitucio-nalismo inglês.No constitucionalismo antigo, a noção de Constituição é extremamente restrita, uma

o reconhecimento de certos direitos fundamentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante, uma vez que inexistia sanção contra o príncipe que não se vinculava às disposições constitucionais, não havendo possibilidade de controle -tuição pelas vias ordinárias.O constitucionalismo moderno, contudo, surge vinculado à ideia de Constituição escrita, chegando a seu ápice político com as Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791, revestindo-se de duas características marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais --festando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior disso, institui um sistema de responsabilização jurídico-política do poder que a desres-

consti-tuição moderna, entendida como “a ordenação sistemática e racional da comunidade po-lítica através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e 10 Desdobrando esse conceito de Constituição, consi-derado por Canotilho como um conceito ideal, tem-se que ela deve ser entendida como: (1) uma norma jurídica fundamental plasmada num documento escrito; (2) uma declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de ga-rantiasegundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado.O constitucionalismo moderno, portanto, deve ser visto como uma aspiração a uma por acaso que as primeiras Constituições do mundo (exceto a norte-americana) trataram de oferecer resposta ao esquema do poder absoluto do monarca, submetendo-o ao controle do parlamento.

Direito Constitucional e Teoria da Constituição

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Capítulo I Constitucionalismo 33 - -notilho, apresenta-se como uma teoria formada por um conjunto de ideias, que exalta o princípio do governo limitado como indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o consti-tucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos11e das garantias individuais, sendo temas centrais do constitucionalismo, portanto, a fundação e legitimação do poder político e a constitucionalização das liberdades12. Cuida-se de um movimento político e jurídico que visa a estabelecer em toda parte regimes cons-titucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes, submetidos a Constituições escritas13.No plano político, confunde-se com o liberalismo e, com este, sua marcha no século tronos, ou pela outorga dos monarcas, todos os Estados europeus, um a um, exceto a Rússia, adotaram Constituição14. A ideia e necessidade de Constituição ganhou força no

laissez-faire, que enseja a expansão do capitalismo. No plano político, o liberalismo encarece os direitos naturais do homem, tolera o Estado como um mal ne-cessário e exige, para prevenir eventuais abusos, a separação de poderes que Montesquieu teorizou no seu Espírito das leis.15 A dizer, a concepção liberal do Estado nasceu de uma Revolução Francesa, que considera como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, -16.Nas Américas, a independência em face às imposições coloniais impôs a adoção de ---plicava, sobremodo, no rompimento dos costumes, como anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho17. Ainda segundo o ilustre autor,“a ideia de Constituição escrita, instrumento de institucionalização política, não foi inventada por algum doutrinador imaginoso; é uma criação coletiva apoiada em ou cartas de franquias e contratos de colonização; de outro, nas doutrinas contra-tualistas medievais e na das leis fundamentais do Reino, formulada pelos legistas. 18

11. Direito Constitucional e Teoria da Constituição12. Direito Constitucional e Teoria da Constituição

La vie publique et le vie économique,17.

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34 Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Júnior Assim, no constitucionalismo moderno, a Constituição deixa de ser concebida como simples aspiração política da liberdade para ser compreendida como um texto escrito e fundamental, elaborado para exercer dupla função: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais.assinala uma profunda mudança em seu caráter. Assim, ao mesmo tempo em que gerava novos Estados, que adotaram, todos, Constituições escritas, o após Primeira Grande Guerra desassocia esse movimento do liberalismo. Os partidos socialistas e cristãos impõem às novas Constituições uma preocupação com o econômico e com o social, fazendo com que 19e passivo, agora social e intervencionista, conferindo-lhe tarefas, diretivas, programas e portanto, testemunha a passagem do Estado liberal ao Estado social e, consequentemente, a metamorfose da Constituição, de Constituição Garantia, Defensiva ou Liberal para Cons-que as Constituições passaram a estabelecer os seus fundamentos básicos, delimitando os seus contornos, o que teve início com a revolucionária Constituição mexicana de 1917. No foi a primeira a delinear os contornos da atuação desse Estado intervencionista, do tipo social, dualista, na consecução do seu objetivo de promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. E desde a Carta de 1934 até a atual, o regime constitucional bra-sileiro tem se pautado por uma conjugação de democracia liberal e de democracia social. Na Constituição atual, de 1988, esta assertiva está descortinada nos arts. 170 e 193, res-pectivamente.para conformar a ordem socioeconômica. É o arbítrio conformador, a que se refere Forsthoff20, pelo qual o Estado, dentro de certos limites estabe lecidos pela ordem jurídica, uma parte considerável da ordem social.3. NEOCONSTITUCIONALISMO

século XX, ocasião em que se originou, na Europa, um novo pensamento constitucional dotado de força normativa e expansiva, passou a condicionar a validade e a compreensão Esse pensamento, que recebeu a sugestiva denominação de neoconstitucionalismo,

Estado Constitucional de Direito.19.

Tratado de derecho administrativo

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âmbito do qual o mundo, pasmado, testemunhou uma das maiores barbáries de todos os tempos, com o genocídio cometido pelo governo nacional socialista alemão provocando o holocausto que exterminou milhões de judeus, pelos nazistas, entre 1939 e 1945, nos países ocupados pelas tropas do Reich hitlerista.do Estado Legislativo de Direitofontes de legitimação do Direito, na medida em que uma norma jurídica era válida não por ser justa, mas sim, exclusivamente, por haver sido posta por uma autoridade dotada de competência normativa.21O neoconstitucionalismo representa o constitucionalismo atual, contemporâneo, que emergiu como uma reação às atrocidades cometidas na segunda guerra mundial, novo direito constitucional, fundado na dignidade da pessoa humana. O neoconstitu-cionalismo destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurídica22mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito periferia para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da força normativa da Cons-tituiçãoe intensa carga valorativa.Assim, com a implantação do Estado Constitucional de Direito opera-se a subor-também da compatibilidade de seus conteúdos com os princípios e regras constitu-Direito estava dissociada da justiça, se dissocia agora da validez, sendo possível que uma lei formalmente válida seja substancialmente inválida pelo contraste de seu sig-italiano, no paradigma do Estado Constitucional de Direito, a Constituição não apenas disciplina a forma de produção legislativa como também impõe proibições e obrigações de conteúdo, correlativas umas aos direitos de liberdade e outras aos direitos sociais, cuja violação gera antinomias ou lacunas que a ciência jurídica tem o dever de constatar para que sejam eliminadas ou corrigidas23.dos textos constitucionais contemporâneos. Com efeito, se no passado as Constituições se -

valores (especialmente associados à promoção da dignidade da pessoa humana e dos direitos 21. Neoconstitucionalismo (s)

22.

Neoconstitucio-nalismo (s)

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36 Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Júnior fundamentais) e opções políticas gerais (como a redução das desigualdades sociais) e es-(como a obrigação de o Estado prestar serviços na área da educação e saúde).24O neoconstitucionalismo, portanto, – a partir (1) da compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia, (2) da incorpora ção nos textos constitucionais contemporâneos de valores e opções políticas fundamentais, notadamente associados à promoção da dignidade da pessoa huma na, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, assim como de diversos temas do direito infraconstitucional e (3) da condicionando a inter pre tação e aplicação do direito infraconstitucional à realização e concretização dos programas constitucionais necessários a garantir as condições de exis-tência míni ma e digna das pessoas – deu início, na Europa com a Constituição da Alemanha constitucionalização

do Direito a exigir uma leitura constitucional de todos os ramos da ciência jurídica.Com a constitucionalização do Direito evidencia-se a posição de proeminência dos textos constitucionais, que passam a transitar por todos os setores da vida política e social em Estado. Na formulação conceitual de Guastini, a constitucionalização do Direito é um em questão resulta totalmente impregnada pelas normas constitucionais, que passam a condicionar tanto a legislação como a jurisprudência, a doutrina, as ações dos atores po-líticos e as relações sociais.25O referido autor chega a apresentar uma lista de sete condições para a caracterização do fenômeno da constitucionalização do Direito, a saber: 1) a existência de uma Consti-tuição rígida; 2) a garantia judicial da Constituição; 3) a força normativa da Constituição; 4) a sobreinterpretação da Constituição; 5) a aplicação direta das normas constitucionais; as relações políticas.Ademais, foi especialmente decisivo para o delineamento desse novo Direito Constitu-cional, o reconhecimento da força normativa dos princípios, situação que tem propiciado a --damentais e da dignidade da pessoa humana.A emergência do neoconstitucionalismo logrou propiciar o reconhecimento da dupla dimensão normativo-axiológico das Constituições contemporâneas, ensejando a conso-lidação de uma teoria jurídica material ou substancial assentada na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais. Nesse contexto, o discurso jurídico, antes associado a uma concepção formal e procedimentalista, evolui para alcançar uma vertente substan-cialista preocupada com a realização dos valores constitucionais. -nalismo para o Direito Constitucional contemporâneo:

Neoconstitucionalismo (s)

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Capítulo I Constitucionalismo 37 - “o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desen-no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como mar-co histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se -sitivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucio-nalização do Direito.”26Essa evolução de paradigma, com o reconhecimento da centralidade das Constituições nos sistemas jurídicos e da posição central dos direitos fundamentais nos sistemas consti-defesa da efetividade dos direitos fundamentais sociais e do controle judicial das políticas públicas27.

3.1. Patriotismo ConstitucionalEssa paradigmática mudança de entender e aplicar o Direito, causada pelo neoconsti-tucionalismo, favoreceu o surgimento de um sentimento constitucional universal, baseado Estados, cujos governos arbitrários foram responsáveis pelas maiores violações aos di--foi o primeiro a usar o termo patriotismo constitucional (Verfassungspatriotismus), como forma de oposição à noção tradicional de nacionalismo, visando a apresentar uma identi-

pa-triotismo constitucional foi amplamente difundido no meio acadêmico e político. Segundo Habermas, o patriotismo constitucional -lítica coletiva conciliada com uma perspectiva universalista comprometida com os prin-como uma maneira de conformação de uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios constitucionais democráticos e liberais capazes de garantir a integração e

-In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil

27.In

Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais -In

Leituras complementares de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais

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étnico, que por muito tempo opôs culturas e povos28.Nesse contexto, a Constituição passa a desempenhar relevante papel na vida do cidadão e da sociedade, na medida em que os defensores do patriotismo constitucional apontam a Constituição, em face de seu poder aglutinante, como um elo que aproxima os cidadãos com base nos pressupostos de um Estado Democrático de Direito fundado nos Direitos humanos e na solidariedade social, por mais que pertencentes a grupos étnicos e culturais diversos.Abandona-se, pois, a ideia de nacionalismo, que tradicionalmente esteve vinculado a questões étnicas e culturais, para se adotar um patriotismo constitucional, associado aos fundamentos do republicanismo29, que se reveste de um potencial inclusivo, cujo conceito propugna uma união entre os cidadãos, por mais que diferentes étnica e culturalmente, através do respeito aos valores plurais do Estado Democrático de Direito.É claro que os aspectos étnicos e culturais continuam importantes para identificar uma comunidade; porém, não podem mais ser levados em consideração para identificar uma forma de união e conciliação entre os cidadãos, notadamente nas sociedades plurais, nas quais a divergência e a diferença são marcas predominantes. Assim, a identidade coletiva não pode mais se dá com fundamento na homogeneidade cultural, mas na convivência sob os mesmos valores do Estado Democrático de Direito, situação que permite uma coexistência das múltiplas formas de cultura, o que caracteriza o multiculturalismo.O patriotismo constitucional, portanto, busca o reconhecimento de um constitucio-nalismo intercultural, que deve reconhecer a diversidade de culturas e promover a conci-liação entre todas as práticas culturais.3.2. TransconstitucionalismoEmpolgado pelo neoconstitucionalismo, o novo Direito Constitucional, cujas bases solucionadas pelo Direito Constitucional clássico ou moderno.Com efeito, como se sabe, os problemas centrais do constitucionalismo moderno sempre foram o reconhecimento e a proteção dos direitos humanos, de um lado; e o controle e a limitação do poder, de outro.Sucede, porém, que na contemporaneidade, em razão da maior integração da so-ciedade mundial, estes problemas deixam de ser tratados apenas no âmbito dos res-pectivos Estados e passam a ser discutidos e objeto da preocupação entre diversas ordens jurídicas, inclusive não estatais, que muitas vezes são chamadas a oferecer respostas para a sua solução.

Identidades nacionales y postnacionales -Contribuições do conceito de patriotismo constitucional para a esfera

político-jurídica brasileira Patriotismo constitu-cional, cultura e história . Pa-triotismo constitucional y republicanismo. Claves de razón practica

A ideia de patriotismo constitucional e sua integração à cultura político-jurídica brasileira : Habermas em dis-cussão. Anais do Colóquio Habermas

29. republicanismo-

. Patriotismo constitucional y republicanismo. Claves de razón practica

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Capítulo I Constitucionalismo 39 -

30, uma relação transversal permanente entre as distintas ordens jurídicas em torno de problemas consti-tucionais comuns.O Direito Constitucional, portanto, afasta-se de sua base originária, que sempre foi o Estado, para se dedicar às questões transconstitucionais, que são aquelas, segundo Neves, que perpassam os diversos tipos de ordens jurídicas e que podem envolver tribunais es-tatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (arbitrais) na busca de sua solução. Nesse sentido, o Direito Constitucional ultrapassa as fronteiras dos Estados respectivos e torna-se diretamente relevante para outras ordens jurídicas estatais e até não estatais. Desse modo, é inevitável o fenômeno da globalização do Direito Constitucional, que não propugna uma Constituição global ou internacional, mas propõe uma globalização do Direito Constitucional doméstico.Marcelo Neves explica que o conceito de transconstitucionalismo não tem nada a ver com o conceito de constitucionalismo internacional, transnacional, supranacional, estatal ou local. O conceito está relacionado à existência de problemas jurídico-constitucionais que perpassam às distintas ordens jurídicas, sendo comuns a todas elas, como, por exemplo, os problemas associados aos direitos humanos.Neste caso, impõe-se um diálogoos problemas que lhes são comuns tenham um tratamento harmonioso e reciprocamente adequado.Essa interlocução pode ocorrer das mais variadas formas. É possível que ela decorra da vinculação das ordens jurídicas estatais às decisões das ordens jurídicas internacionais, Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH); é possível, outrossim, que essa con-versação se desenvolva a partir do respeito e consideração espontânea e mútua entre as diversas ordens jurídicas (estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais), como -cional, e vice versa.Não há dúvida a respeito da importância do transconstitucionalismo para a sociedade

questões transconsti-tucionais, como os direitos humanos, por exemplo, sejam tratadas de forma convergente e permanente diálogo sobre questões constitucionais comuns que afetam ao mesmo tempo distintas ordens jurídicas31.

TransconstitucionalismoTransconstitucionalismo

-

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4. QUADRO RESUMO

Constitucionalismo1. Origem e conceito. A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, mais especi-deste movimento em busca de uma organização política da comunidade fundada na limitação do partir da ideia de que o detentor do poder, longe de ostentar um poder absoluto e arbitrário, estava limitado pela lei do Senhor, que submetia igualmente os governantes e governados. O conceito de constitucionalismo, portanto, está vinculado ao ideal de liberdade humana, com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e de lugar. O constitucionalismo se despontou no

ideias libertárias que reivindicou, desde seus primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito dos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes. Mas é digno esclarecer que o constitucio-nalismo não pregava a elaboração de Constituições, até porque onde havia uma sociedade politi-sua organização. Como movimento de limitação do poder absoluto e com garantísticos, o consti-tucionalismo defendia que as Constituições existentes adotassem regimes e modelos de organização política do Estado baseados no respeito dos direitos da pessoa e na limitação do poder. É natural que, para o sucesso do constitucionalismo, emergia a necessidade de que aquelas ideias libertárias fossem absorvidas pelas Constituições, que passaram a se distanciar da feição de cartas políticas a serviço do detentor absoluto do poder, para se transformarem em verdadeiras manifestações nor--titucional de liberdades públicas.2. Desenvolvimento -antigo, medieval, moderno e contemporâneo.2.1. Constitucionalismo antigo. O constitucionalismo desenvolveu-se por toda a antiguidade clássica, destacando-se na Grécia, com um regime de democracia direta no qual imperava uma ab-soluta igualdade entre governantes e governados (soberania popular); e em Roma, com a fundação da República romana e a instituição de um sistema de freios e contrapesos para dividir e limitar o poder político.2.2. Constitucionalismo medieval. Mas foi na idade média, em especial com a Magna Carta inglesa -soluto do Rei, através do reconhecimento naquele texto escrito, que representou um pacto constitu-2.3. Constitucionalismo moderno -1778) e Kant (1724-1804), que se opunham aos governos absolutistas (luzes contra trevas), e que serviram de combustível para as revoluções liberais americana (1776) e francesa (1789-1799). O constitucionalismo moderno, contudo, surge vinculado à ideia de Constituição escrita, chegando a seu ápice político com as Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791, revestindo-se de duas características marcantes: organização do Estado e li-mitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais.3. Neoconstitucionalismo. O Neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo do positivismo jurídico, dando ensejo à consolidação de um Estado Constitucional, fundado na cen--

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