Transcript
  1. 1. P o t ic o s
  2. 2. C o m en trio B blico Expositivo Antigo Testamento Volume III Poticos W arren W . W iersbe T r a d u z i d o p o r S u s a n a E. K la s s e n IaEdio 5aImpresso Geogmfa Santo Andr, SP - Brasil 2010
  3. 3. Comentrio Bblico Expositivo Categoria: Teologia / Referncia Copyright 2001 por Warren W. Wiersbe Publicado originalmente pela Cook Communications Ministries, Colorado, e u a . Ttulo Original em Ingls: The Bible Exposition Commentary - Old Testament: Wisdom and Poetry Preparao: Liege Maria de S. Marucci Reviso: Thefilo Vieira Capa: Douglas Lucas Diagramao: Viviane R. Fernandes Costa Impresso e Acabamento: Geogrfica Editora Os textos das referncias bblicas foram extrados da verso Almeida Revista e Atualizada, 2 a edio (Sociedade Bblica do Brasil), salvo indi cao especfica. A I a edio brasileira foi publicada em maio de 2006. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Wiersbe, Warren W. Comentrio Bblico Expositivo : Antigo Testamento : volume III, Poticos / Warren W. Wiersbe ; traduzido por Susana E. Klassen. - Santo Andr, SP : Geogrfica editora, 2006. Ttulo original: The Bible Exposition Commentary - Old Testament: Wisdom and Poetry ISBN 85-89956-51-2 1. Bblia A.T. - Comentrios I. Ttulo. 06-3700 CDD-221.7 ndice para catlogo sistemtico: 1. Antigo Testamento : Bblia : Comentrios 221.7 2. Comentrios : Antigo Testamento : Bblia 221.7 Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela: Geo-Grfica e editora ltda. Av. Presidente Costa e Silva, 2151 - Pq. Capuava - Santo Andr - SP - Brasil Site: www.geograficaeditora.com.br
  4. 4. S u m r io J .................................................................................................................... 7 Sa l m o s ........................................................................................................ 85 P ro v r bio s............................................................................................... 362 Eclesiastes.................................................................................................4 49 C n t ic o d o s C n t ic o s de Sa l o m o ...................................................512
  5. 5. J S em dvida, muitos j ouviram falar de J e de suas provaes, mas poucos sabem o que elas significam e o que Deus estava procurando realizar por meio delas. Tambm so poucos os que entendem que J sofreu desse modo para que o povo de Deus, nos dias de hoje, aprenda com suas experincias a ser paciente em meio ao sofrimento e a perseverar at o fim. Quando resolvi escrever sobre J, co mentei com minha esposa: "Fico imaginan do quanto sofrimento teremos de suportar para que eu possa escrever este livro". (No desejo escrever nem pregar de maneira im pessoal ou acadmica. Se a Palavra no se tornar real para mim, no serei capaz de torn-la real para outros.) Mal sabamos as tribulaes que Deus permitiria que passs semos! No entanto, testemunhamos que Deus fiel, responde a oraes e sempre tem em mente um propsito maravilhoso (Jr 29:11). Talvez voc tambm tenha de passar pela fornalha a fim de estudar o Livro de J e de compreender, de fato, sua mensagem. Se esse for o caso, no tema! Pela f, diga como J: "Mas ele sabe o meu caminho; se ele me provasse, sairia eu como o ouro" (J 23:10). O ouro no teme o fogo. Tudo o que quei mado e fica para trs na fornalha no vale coisa alguma. Ao estudarmos juntos o Livro de J, es pero que duas coisas se realizem em sua vida: que voc aprenda a ser paciente em meio a suas provaes e que aprenda a aju dar a outros em meio s dificuldades deles. Estamos cercados de pessoas necessitando de encorajamento, e Deus pode estar prepa rando voc exatamente para esse ministrio. De qualquer modo, espero que este livro venha a ajud-lo. Lord Byron acertou em cheio quando escreveu: "A verdade sempre estranha; mais estranha do que a fico". O Livro de J no uma fico religiosa. J no foi um personagem imaginrio, mas sim uma pessoa real; tanto Ezequiel (14:14, 20) quanto Tiago (5:11) do testemunho desse fato. Uma vez que foi um homem real, com experincias reais, J capaz de nos contar aquilo que precisamos saber sobre a vida e os problemas no mundo real.
  6. 6. C o m e a o D ram a J i - 3 1 Tendes ouvido da pacincia de J (Tg5:11) O s trs primeiros captulos apresentam o homem chamado J e revelam qua tro fatos importantes sobre ele. 1. A PROSPERIDADE DE J (J 1:1-5) E bem provvel que a terra de Uz ficasse prxima a Edom (Lm 4:21). Elifaz, um dos amigos de J, veio de Tem, um lugar associa do aos edomitas (J 2:11; Cn 36:11). Seu carter (1:1). J era "ntegro e reto" (J 1:1). No era um indivduo sem pecados, pois essa uma caracterstica que ningum pode requerer para si. Porm, seu carter era maduro e pleno, e sua conduta, "reta". O termo "integridade" outra palavra impor tante em J (2:3, 9; 27:5; 31:6). Pessoas nte gras so indivduos completos, sem qualquer hipocrisia ou duplicidade. J manteve sua integridade diante das acusaes de seus amigos e do silncio de Deus, e, por fim, o Senhor o justificou. J era um homem "temente a Deus e que se desviava do mal"; esse era o alicerce de seu carter. "Eis que o temor do Senhor a sabedoria, e o apartar-se do mal o enten dimento" (28:28). Temer ao Senhor significa respeit-lo por seu carter, seus atos e suas palavras. Esse temor no o medo que faz o escravo encolher-se diante de seu senhor, mas sim a reverncia amorosa de um filho diante do pai, um respeito que conduz obedincia. Nas palavras de Oswald Cham- bers: "O mais extraordinrio a respeito do temor a Deus que, quando tememos a Deus, no temos medo de nada. Ao passo que, se no temermos a Deus, teremos medo de tudo". Sua famlia (1:2). J possua uma famlia prspera. Os acontecimentos do livro desen rolam-se na poca dos patriarcas, quando uma famlia grande era considerada uma bno de Deus (Cn 12:2; 13:16; 30:1). Os filhos de J deviam gostar de passar tempo juntos, ten do em vista que se reuniam com freqncia para comemorar seus aniversrios, indicando que J e sua esposa educaram bem seus fi lhos. O fato de o patriarca oferecer sacrifcios especiais depois de cada aniversrio no indi ca que fossem comemoraes mpias. Mos tra, apenas, que J era um homem piedoso e desejava se certificar de que tudo em sua fa mlia estava em ordem diante de Deus. Seus bens materiais (1:3). Naquele tem po, a riqueza era medida principalmente em termos de terras, animais e servos; e J pos sua os trs em abundncia. Porm, sua rique za no o afastou de Deus. Ele reconheceu que o Senhor havia lhe dado todos os seus recursos (J 1:21) e usou sua riqueza com generosidade para beneficiar a outros (4:1- 4; 29:12-17; 31:16-32). J no teria proble ma algum em obedecer quilo que Paulo escreveu em 1 Timteo 6:6-19. Seus amigos (2:11). Apesar de ser verda de que os trs amigos de J o magoaram profundamente, ainda assim, eram seus ami gos. Quando ficaram sabendo das tragdias ocorridas na famlia de J, vieram de lugares distantes para visit-lo e sentaram a seu lado em silncio, demonstrando compaixo por ele. Seu erro foi achar que precisavam en contrar uma justificativa para a situao de J e lhe dizer como mud-la. Henry Ford disse: "Meu melhor amigo aquele que faz aflorar o que h de melhor em mim"; mas os amigos de J fizeram aflorar o que havia de pior nele. No fim das contas, porm, J e seus amigos se reconciliaram (42:7- 10), e quero crer que seu relacionamento tor nou-se ainda mais profundo. Sem dvida, os amigos verdadeiros so um grande tesouro. 2. A ADVERSIDADE DE J (J 1:6-19) Em um nico dia, J foi privado de suas rique zas. Um aps o outro, quatro mensageiros
  7. 7. J 1 - 3 9 assustados relataram que 500 juntas de bois, 500 jumentos e 3 mil camelos foram rouba dos em ataques inimigos; 7 mil ovelhas fo ram atingidas por raios e mortas e todos os seus 10 filhos foram mortos por um venda- val. O rei Salomo estava certo: "Pois o ho mem no sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traioeira e como os passarinhos que se prendem com o lao, assim se enredam tambm os filhos dos homens no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles" (Ec 9:12). J sabia o que havia acontecido, mas no sabia por que isso havia ocorrido; esse era o "x" da questo. Uma vez que o autor nos permite visitar a sala do trono no cu e ouvir Deus e Satans conversando, sabemos quem causou a destruio e por que ele teve per misso de faz-lo. Mas, se no tivssemos esse insight, bem provvel que usaramos a mesma abordagem dos trs amigos culpan do J pela tragdia. Essa cena revela vrias verdades relevan tes, sendo uma das principais que Deus soberano sobre todas as coisas. Ele est as sentado em seu trono no cu, os anjos fazem sua vontade e lhe prestam contas; nem mes mo Satans pode fazer coisa alguma contra o povo de Deus sem a permisso divina. O "Todo-Poderoso" um dos nomes mais im portantes de Deus em J e usado trinta e uma vezes nesse livro. Desde o princpio, o autor nos faz lembrar que no importa o que venha a acontecer neste mundo e em nossa vida, Deus est assentado em seu trono e tem todas as coisas sob controle. Outra verdade - talvez at surpreenden te - que Satans tem acesso ao trono de Deus no cu. Graas ao Paraso Perdido de John Milton, muita gente tem a idia equivo cada de que Satans reina sobre este mundo a partir do inferno ("Melhor reinar no infer no/ do que servir no cu"). Mas Satans s ser lanado no lago de fogo depois do juzo final (Ap 20:1 Oss). Hoje, ele tem liberdade de rodear a terra (J 1:7; 1 Pe 5:8) e at mesmo de ir presena de Deus no cu. A terceira verdade a mais importante de todas: ao contrrio de Satans, Deus no en controu qualquer culpa em J. A declarao de Deus em J 1:8 repete a descrio de J no versculo 1, mas Satans a questionou. A palavra "Satans" significa "adversrio, aque le que se ope lei". Trata-se de uma cena num tribunal, em que Deus e Satans do veredictos diferentes sobre J. Ao estudar este livro, devemos ter sempre em mente que Deus declarou J "inocente" (1:8; 2:3; 42:7). No foi algo na vida de J que levou Deus a faz-lo sofrer. Porm, Satans o declarou "cul pado", pois ele o acusador do povo de Deus e no encontra nada de bom naqueles que temem ao Senhor (Zc 3; Ap 12:10). A acusao de Satans contra J foi, na verdade, um ataque a Deus. Assim podemos fazer a seguinte parfrase: "Tu ests pagando J para te temer. Os dois tm um contrato: enquanto ele te obedece e te adora, tu o proteges e o fazes prosperar. Tu no s um Deus digno de adorao! Afinal, precisas pagar para que as pessoas te honrem". Os trs amigos de J afirmaram que ele estava sofrendo porque havia pecado - o que no era verdade. Eli disse que Deus estava disciplinando J a fim de aperfeio- lo - o que, em parte, era verdade. Porm, o motivo fundamental do sofrimento de j foi silenciar as acusaes blasfemas de Satans e provar que, mesmo tendo perdido tudo, um homem honraria a Deus. Foi uma luta "nas regies celestes" (Ef 6:12), mas J no sabia disso. A vida de J foi um campo de batalha em que as foras de Deus e de Satans tra varam uma guerra espiritual para decidir a seguinte questo: "O Deus Jeov digno da adorao do homem?" Agora, podemos compreender melhor por que J se mostrou to inflexvel ao resistir aos conselhos de seus amigos. Eles deseja vam que J se arrependesse de seus pecados para que Deus removesse o sofrimento e o fizesse prosperar outra vez. J se recusava a "inventar" um pecado em sua vida s para se arrepender e "merecer" a bno de Deus. Se tomasse tal atitude, estaria fazendo exa tamente o que o Acusador queria! Em vez disso, J apegou-se firmemente a sua integri dade e bendisse a Deus, mesmo sem enten der o que o Senhor estava fazendo. Uma derrota e tanto para o prncipe das trevas!
  8. 8. 10 J 1 - 3 Vemos, ainda, outra verdade: Satans s pode tocar o povo de Deus com a permis so divina e Deus usa essas situaes para o bem de seu povo e para sua glria. Nas pala vras de Phillips Brooks: "O propsito da vida a construo do carter mediante a verda de". Deus est trabalhando em nossa vida a fim de nos tornar mais semelhantes a Jesus Cristo (Rm 8:29) e pode usar at mesmo os ataques do inimigo para nos aperfeioar. Quando trilhamos o caminho da obedincia e nos vemos dentro de uma grande prova o, devemos nos lembrar de que nada po de tocar nossa vida se no for da vontade de Deus. Alguns dos acontecimentos que chama mos de tragdias na vida do povo de Deus foram, na verdade, armas do Senhor para "[fazer] emudecer o inimigo e o vingador" (SI 8:2). Os anjos observam a Igreja e apren dem pelo modo como Deus se relaciona com seu povo (1 Co 4:9; Ef 3:10). Talvez, s quando chegarmos ao cu saberemos por que Deus permitiu que certas coisas aconte- cessem. Enquanto isso, andamos pela f e, assim como J, dizemos: "Bendito seja o nome do S e n h o r !" 3. A FIDELIDADE DE J (J 1:20-22) As hostes do cu e do inferno ficaram obser vando a reao de J ao perder suas rique zas e seus filhos. Ele expressou sua tristeza do modo costumeiro da poca, pois Deus espera que sejamos humanos (1 Ts 4:13). Afinal, at mesmo Jesus chorou (Jo 11:35). Mas, em seguida, J adorou a Deus e reali zou uma profunda declarao de f (J 1:21). Em primeiro lugar, olhou para o passa do, para o dia de seu nascimento: "Nu sa do ventre de minha me". J havia recebido tudo o que possua das mos de Deus, e o mesmo Deus que lhe concedeu essas coisas tinha o direito de tom-las de volta. J sim plesmente reconheceu ser um mordomo. Em seguida, J olhou para o futuro, para o dia de sua morte: "e nu voltarei". No vol taria ao ventre de sua me, pois isso seria impossvel. Voltaria para a "terra me", seria sepultado e tornaria ao p. (A ligao entre o "nascimento" e a "terra me" tambm pode ser encontrada em SI 139:13-15.) Nada do que ele havia adquirido entre seu nascimen to e sua morte o acompanharia ao outro mundo. Paulo escreve: "Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele" (1 Tm 6:7). Por fim, J olhou para o alto e proferiu uma declarao magnfica de f: "o S e n h o r o deu e o S en h o r o tomou; bendito seja o nome do S e n h o r !" (J 1:21). Ao invs de amaldi oar a Deus, como Satans disse que J fa ria, J abenoou o Senhor! Qualquer um pode dizer: "o S e n h o r o deu" ou "o S e n h o r o tomou"; mas preciso f verdadeira para dizer, no meio da tristeza e do sofrimento: "Bendito seja o nome do S e n h o r ". "Em tudo isto J no pecou, nem atri buiu a Deus falta alguma" (v. 22). 4. A misria de J (J 2:1 - 3:26) Nesta seo, ouvimos quatro vozes dife rentes. A voz do acusador (2:1-8). Satans no desistiu to facilmente, pois voltou ao trono de Deus para fazer uma nova acusao con tra J. Em seu primeiro encontro (1:8), foi Deus quem trouxe baila o assunto de seu servo J, e Satans aceitou o desafio. Temos a impresso de que Deus est certo de que seu servo no ser reprovado nesse teste. "Todo homem tem seu preo", disse Sa tans. "J pode criar outra famlia e comear outro negcio, pois ainda tem sade e for as. Permita-me tocar o corpo dele e tirar-lhe a sade e, sem demora, ele o amaldioar abertamente." Com a permisso de Deus (1 Co 10:1 3), Satans afligiu J com uma doena que no temos como identificar. Qualquer que fosse a natureza dessa enfermidade, os sintomas eram terrveis: coceira forte (J 2:8), insnia (3:13), feridas e crostas supurantes (2:7), pesadelos (J 7:13, 14), mau hlito (19:17), perda de peso (v. 20), calafrios e febre (21:6), diarria (30:27) e pele enegrecida (v. 30). Quando os trs amigos viram J, nem se quer o reconheceram! (2:12). Nem todas as aflies fsicas procedem do Maligno, apesar de os demnios de Sata ns serem capazes de causar (dentre outras
  9. 9. J 1 - 3 n coisas) cegueira (Mt 12:22), mudez (9:32, 33), deformidades fsicas (Lc 13:11-17), dor incessante (2 Co 12:7) e insanidade (Mt 8:28- 34). Por vezes, as aflies fsicas so resulta do natural de descuidos de nossa parte, e no podemos culpar ningum mais alm de ns mesmos. Porm, mesmo nessas oca sies, Satans sabe se beneficiar de nossa insensatez. A aparncia de J era to repugnante que ele abandonou o convvio social (J 19:13- 20) e foi para fora da cidade, sentar-se sobre um monte de cinzas. Esse era o local onde se jogava e queimava o lixo da cidade e onde os prias viviam, pedindo esmolas de quem passava por l. Nesse monturo, os ces bri gavam por algum alimento e o estrume da cidade era queimado. O cidado mais proe minente daquela comunidade passou a vi ver na mais abjeta pobreza e vergonha. A voz da desistente (2:9, 10). Se houve um homem temente a Deus nos dias do An tigo Testamento, algum que participou do sofrimento de Cristo, esse homem foi J. Humanamente falando, tudo o que lhe resta va era sua esposa e seus trs amigos - e at estes se voltaram contra ele. No de se admirar que J sentisse que Deus o havia abandonado! "Amaldioa a Deus e morre!" era exata mente o que Satans queria que J fizesse, e a esposa de J colocou essa tentao dian te do marido. Satans pode trabalhar por intermdio de pessoas que nos so queri das (Mt 16:22, 23; At 21:10-14), uma ten tao ainda mais forte por amamos tanto essas pessoas. Ado deu ouvidos a Eva (Gn 3:6, 12) e Abvao deu ouvidos a Sara (Gn 16); mas J recusou-se a ouvir o conselho da esposa. Claro que ela estava errada, mas seja mos justos e consideremos sua situao. Havia perdido dez filhos em um dia, o que seria suficiente para deixar qualquer me arrasada. A riqueza da famlia havia desapa recido, e ela no era mais a "primeira-dama" de sua terra. Seu marido, outrora o homem mais importante do Oriente (J 1:3), estava assentado no monturo da cidade sofrendo de uma doena terrvel. O que lhe restava? Em lugar de ver o marido definhar em dor e vergonha, preferia que Deus o matasse e aca basse de vez com seu sofrimento. Talvez isso acontecesse caso J amaldioasse a Deus. Em tempos de grandes provaes, nossa primeira pergunta no deve ser: "Como pos so sair dessa situao?" mas sim: "O que posso aprender com essa situao?" A espo sa de J pensou ter encontrado uma soluo para o problema; porm, se J tivesse segui do o conselho dela, teria piorado a situao. Crer viver sem tramar, obedecer a Deus apesar dos sentimentos, circunstncias ou conseqncias, sabendo que ele est rea lizando seu plano perfeito a seu modo e a seu tempo. As duas coisas das quais J se recusava a abrir mo eram sua f em Deus e sua integri dade, justamente o que sua esposa desejava que ele abandonasse. Mesmo que Deus per mitisse que o mal lhe sobreviesse, J no se rebelaria contra o Senhor procurando resol ver os problemas por sua prpria conta. J no havia lido The Letters of Sam Rutherford, mas estava seguindo o conselho desse pas tor escocs que passou por grande sofrimen to: "E obra da f reivindicar e se apropriar da bondade nos golpes mais severos de Deus". J estava decidido a confiar em Deus - e at mesmo a discutir com Deus! - e a no desperdiar seu sofrimento nem sua oportunidade de receber o que o Senhor ti nha para ele. Quando a vida se complica, fcil desis tir; mas essa a pior coisa que podemos fazer. Como disse um professor de histria: "Ningum poderia culpar Colombo se ele tivesse voltado - mas tambm ningum se lembraria dele". Quem deseja ser memor vel s vezes precisa sentir-se miservel. No final, a esposa de J reconciliou-se com o seu marido e com o Senhor, e Deus lhe deu outra famlia (42:13). No sabemos quanto ela aprendeu com seu sofrimento, mas podemos supor que foram experincias que promoveram seu crescimento. A voz dos pranteadores (2:11-13). A expresso "consoladores de J" aplica-se a pessoas cujo auxlio s faz os outros se sen tirem piores. No entanto, apesar de sua
  10. 10. 12 J 1 - 3 perseguio a J, esses trs homens possuam algumas qualidades admirveis. Em primeiro lugar, importaram-se o sufi ciente com J a ponto de percorrer uma longa distncia para visit-lo. Quando se lamen taram com ele, no o fizeram numa casa confortvel nem em um quarto de hospital: assentaram-se com ele no monturo, cerca dos de lixo. Sua tristeza era tanta que no conseguiram falar durante sete dias. (Fica claro que, posteriormente, tiraram o atraso desse silncio.) Na verdade, sua expresso de tristeza foi como o luto pela morte de uma pessoa eminente (Gn 50:10). A melhor maneira de ajudar as pessoas que sofrem simplesmente ficar com elas, dizendo pouca coisa ou permanecendo em silncio, demonstrando que nos preocupa mos com elas. No devemos tentar explicar coisa alguma, pois as explicaes no curam o corao ferido. Se os amigos de j tives sem dado ouvidos a ele, aceitando seus senti mentos e no argumentado com ele, teriam sido de grande ajuda. Porm, escolheram ser advogados de acusao em vez de testemu nhas. No final, o Senhor os repreendeu, e ti veram de pedir perdo a J (j 42:7-10). A voz do sofredor (3:1-26). Depois de sete dias de sofrimento silencioso, J no abriu a boca para amaldioar a Deus, mas sim para maldizer o dia do seu prprio nas cimento. "Por que eu fui nascer?". Essa uma pergunta que, nos momentos de dor, j foi feita aos prantos por muitos filhos de Deus, inclusive o profeta Jeremias (Jr 20:14-18). No se trata exatamente da mesma coisa que dizer: "Queria estar morto", apesar de J ter expressado esse desejo em mais de uma ocasio (J 6:9; 7:15, 16; 14:13). Em mo mento algum, J fala de dar cabo da prpria vida. A "lamentao pelo nascimento" profe rida por J no uma apologia ao suicdio nem eutansia. E a declarao de um ho mem cujo sofrimento era to intenso que ele desejou jamais ter nascido. Quando sofremos, podemos dizer e fa zer uma poro de coisas das quais nos arre penderemos mais tarde. O sofrimento de J era to grande que ele se esqueceu das bn os que ele e sua famlia haviam desfrutado durante tantos anos. Se jamais tivesse nasci do, no teria sido o homem mais importante do Oriente! Mas a dor nos faz esquecer as alegrias do passado e olhar somente para um futuro sem esperana. Os amigos de J ouviram o que ele disse, mas no sentiram a angstia de seu corao e usaram a aborda gem errada para ajud-lo a lidar com suas provaes. Argumentaram sobre suas pala vras em vez de ministrar a seus sentimentos. J amaldioou dois momentos: a noite de sua concepo e o dia do seu nascimento (3:1-13). A concepo uma bno de Deus (Gn 30:1, 2; SI 139:13-16), de modo que, quando amaldioamos uma bno, estamos questionando a bondade de Deus. (Observe como J diz que uma criana foi concebida e no "uma massa de proto plasma" ou "uma coisa". Ele era uma pessoa desde a concepo.) A palavra-chave dessa passagem tre vas. Quando um beb nasce, sai das trevas para a luz, mas J queria permanecer nas trevas. Na verdade, teria sido melhor se ti vesse nascido morto! Ento, teria ido para o reino dos mortos (sheol) e no precisaria pas sar por todo esse sofrimento. J encerra sua maldio repetindo qua tro vezes "por qu?", fazendo perguntas que somente Deus capaz de responder. fcil perguntar por qu, mas difcil obter a res posta certa. No h nada de errado em per guntar, desde que no pensemos que Deus nos deve uma resposta. At mesmo Jesus perguntou: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mt 27:46). Mas se o Senhor nos explicasse o motivo de as coisas acontecerem, ser que isso aliviaria nossa dor ou sararia nosso corao partido? Ver a radiografia faz passar a dor de uma perna quebrada? Vivemos de promessas e no de explicaes, de modo que no devemos gastar muito tempo perguntando a Deus "por qu". A ltima metade do lamento uma des crio do mundo dos mortos, o lugar que os judeus chamavam de Sheol (J 3:1 3-26). Era l que J desejava estar! O Antigo Testamen to no apresenta uma revelao completa e definitiva da vida depois da morte. Essa
  11. 11. revelao s foi dada com a vinda do Salva dor (2 Tm 1:10). J imaginava o Sheol como um lugar de sombras, onde os grandes e os pequenos descansavam juntos, longe dos far dos e sofrimentos da vida na terra, j prefe ria estar morto e ter descanso a estar vivo e suportar toda a misria que lhe havia sobre vindo. Afinal, no que se referia a seu futuro (J 3:23), j se encontrava no escuro, de modo que podia muito bem ir para as trevas do Sheol. No final de seu lamento, J conta um se gredo (vv. 25, 26): antes de todos os seus problemas terem incio, havia sentido - e te mido - que algo terrvel aconteceria. Esse sen timento fora uma intuio vinda do Senhor? Por vezes, o povo de Deus recebe essas in- tuies que o faz buscar ao Senhor e orar pedindo sua ajuda. Foi isso o que J fez? No sabemos, mas temos certeza de que estava arrasado, pois seus piores medos se realizaram. Infelizmente, os trs amigos de J con- centraram-se em seu lamento, no em sua declarao de f (1:21- 2:10). Depois de ouvirem J amaldioar o dia de seu nasci mento, pensaram ser necessrio repreend- lo e defender Deus. Aqui comea a argumentao, que se transforma numa discusso e, depois, numa contenda, levando o Senhor a intervir para encerrar a questo de uma vez por todas.
  12. 12. Interld io U ma vez que passaremos um bocado de tempo com os trs amigos de j, con vm conhec-los um pouco melhor. Os trs homens eram idosos (J 32:6) e mais velhos que J (15:10), mas supomos que o mais velho de todos era Elifaz. Seu nome aparece primeiro (2:11), foi ele quem falou primeiro, e, ao que parece, o Senhor o considerava o membro mais velho do trio (42:7). E associado a Tem, um lugar conhe cido por sua sabedoria (Jr 49:7). Elifaz baseou seus discursos em duas coisas: nas prprias observaes acerca da vida ("Segundo eu tenho visto", "Bem vi eu", "Eis que isto j o havemos inquerido"; J 4:8; 5:3, 27, respec tivamente) e numa experincia assustadora que teve certa noite (4:12-21). Elifaz confia va muito na tradio (15:18, 19), e o Deus que ele adorava era um Legislador rgido. "Acaso, j pereceu algum inocente?" (4:7), perguntou ele, e incontveis mrtires pode riam responder: "Ns!" (Que dizer do Senhor Jesus Cristo?) Elifaz possua uma teologia inflexvel que no deixava muito espao para a graa de Deus. E bem possvel que Bildade fosse o se gundo mais velho, uma vez que seu nome aparece em segundo lugar e ele fala depois de Elifaz. Pode-se descrever Bildade com uma s palavra: legalista. Seu lema era: "Eis que Deus no rejeita ao ntegro, nem toma pela mo os malfeitores" (8:20). Era capaz de ci tar provrbios antigos e, assim como Elifaz, tinha profundo respeito pela tradio. Bildade estava certo de que os filhos de J haviam morrido porque tambm eram peca dores (v. 4). No demonstra sensibilidade alguma pelo amigo sofredor. Zofar era o mais jovem dos trs e, sem dvida, o mais dogmtico. Fala como um diretor de escola dirigindo-se a uma turma de calouros ignorantes. Sua abordagem in sensvel : "Sabe, portanto!" (11:6; 20:4). No se mostra, de modo algum, um homem misericordioso e diz a J que, tendo em vis ta seus pecados, Deus o estava fazendo so frer muito menos do que merecia! (11:6). Seu lema era: "Porventura, no sabes tu que desde todos os tempos [...] o jbilo dos perversos breve, e a alegria dos mpios, momentnea?" (J 20:4, 5). interessante observar que Zofar s se dirige a J em duas ocasies. Ou ele decidiu que no era capaz de refutar a argumentao de J, ou con siderou uma perda de tempo tentar ajudar o amigo. Algumas das palavras desses trs homens so boas e verdadeiras, enquanto outras so insensatas. De qualquer modo, por terem uma viso muito restrita, no puderam aju dar o amigo. Sua teologia no era vital nem vibrante, mas sim morta e rgida, e o Deus que tentaram defender era pequeno o sufi ciente para ser compreendido e explicado. Esses homens so uma ilustrao perfeita da declarao de Dorothy Sayers: "Nada im possvel de ser provado caso seu ponto de vista seja suficientemente limitado". Por que algum falaria a um amigo do modo como esses trs homens falaram a J? Por que estavam to zangados? Encontra mos uma pista nas palavras de J: "Assim tambm vs outros sois nada para mim; ve des os meus males e vos espantais" (6:21). Esses trs homens estavam com medo de que as mesmas calamidades acontecessem com eles! Portanto, precisavam defender sua pre missa de que Deus recompensa os justos e castiga os perversos. Enquanto fossem "jus tos", nada de mal lhes aconteceria nesta vida. O medo e a raiva muitas vezes andam juntos. Ao afirmar sua integridade e se re cusar a dizer que havia pecado, J abalou a teologia de seus amigos e tirou deles sua paz e confiana, o que, por sua vez, os deixou zangados. Deus usou J para destruir a teo logia superficial desses homens e desafi-los a aprofundar-se no corao e na mente do
  13. 13. INTERLDIO 15 Senhor. Infelizmente, preferiram o superficial e seguro ao invs do profundo e misterioso. Elifaz, Bildade e Zofar tm vrios disc pulos hoje. Sempre que encontramos uma pessoa que se sente obrigada a explicar tudo, que tem uma resposta pronta para todas as perguntas e uma frmula fixa para resolver todos os problemas, voltamos ao monturo com J e seus trs amigos. Quando isso acon tecer, devemos nos lembrar das palavras do psiclogo suo, Paul Tournier: Ansiamos quase sempre por uma religio fcil, simples de compreender e simples de seguir; uma religio sem mistrios, sem problemas insolveis, sem dificulda des inesperadas; uma religio que nos permita escapar de nossa condio hu mana miservel; uma religio na qual o contato com Deus nos poupe de todo conflito, toda incerteza, todo sofrimento e toda dvida; em resumo, uma religio sem a cruz.1 Imagino como os trs amigos de J explica riam a cruz para os dois discpulos de Emas! (Lc 24:1 3ss). Vamos ouvir, agora, a primeira rodada de discursos. 1. T o u r n ie r , Paul. Reflections. Nova York, Harper & Row, 1976, p. 142.
  14. 14. C o m e a a A rg u m en t a o J 4 - 7 Mas, o que Satans no pde fazercom a ajuda dos sabeus, dos caldeus, de todos osventos do deserto, no tardou em con seguir com a abordagem argumentativa e as controvrsias ofensivas de Elifaz, Zofar, Bildade e Eli. Oh, a maldio da controvrsia, nohquemapossamitigar! (Alexander Whyte) O s trs amigos passaram sete dias em silncio (J 2:13), e, posteriormente, J desejou que tivessem permanecido assim (13:5). "Ento, respondeu Elifaz, o temanita." Mas a que respondeu? A dor no corao de J? No. Respondeu apenas s palavras dos lbios de J, e esse foi seu erro. O conselheiro e consolador sbio deve ouvir com o corao e responder tanto aos sentimentos quanto s palavras. No se cura um corao partido com lgica, mas sim com amor. Sem dvida, preciso dizer a verdade, mas esta deve ser dita em amor (Ef 4:15). 1. A REPREENSO DE EFAZ (J 4 - 5 ) Sua abordagem (4:1-4). A abordagem de Elifaz parece comear de modo positivo e at amvel; mas apenas um pouco de mel preparando J para a amargura que segue. "Se intentar'algum falar-te, enfadar-te-s?" (v. 2). Na verdade, estava dizendo: "No se zan gue, J! Em outros tempos, suas palavras foram de grande ajuda para muita gente, e nosso desejo que estas palavras possam ajud-lo agora". Jamais subestime o poder das palavras para animar as pessoas em meio s bata lhas da vida. James Moffatt sugere a seguinte 2 traduo para J 4:4: "As suas palavras man tiveram homens em p". As palavras certas, ditas no momento certo e com a motivao certa podem fazer uma tremenda diferena na vida dos outros. Nossas palavras podem sustentar os fracos e encorajar os abatidos. Mas tambm podem ferir os quebrantados e ser mais um fardo sobre eles, de modo que devemos ter cuidado com o que falamos e como falamos. Sua acusao (4:5-11). Em seguida, Elifaz parte para a acusao. J era capaz de "dar" conselhos, mas no sabia "receb- los"! Podia dizer aos outros como lidar com suas provaes; mas quando as dificulda des lhe sobrevieram, no colocou em prti ca seu prprio discurso. "Porventura, no o teu temor de Deus aquilo em que con fias"?, perguntou Elifaz. "E a tua esperana, a retido dos teus caminhos?" (v. 6). De acor do com Elifaz, se J est vivendo no temor do Senhor, ento no precisaria temer, pois Deus sempre abenoa os justos e julga os perversos. Esta a premissa bsica dos trs amigos: faa o que certo e tudo dar certo; faa o que errado e Deus enviar seu julgamento. possvel que, por vezes, esse julgamento seja gradual, como o cultivo de uma planta o para a colheita (v. 8). Tambm pode vir de repente, como a chegada de uma tem pestade ou o ataque de um leo (vv. 9-11). Mas no h dvida de que o julgamento vir, pois Deus um Juiz justo. A maioria das pessoas cr que, em lti ma anlise, Deus abenoa os justos - seu povo - e julga os perversos; mas no isso o que est em questo em J. Ele e seus ami gos no esto tratando do que acontece no fim das contas, mas sim das implicaes ime diatas, um assunto sobre o qual Davi (SI 37), Asafe (SI 73) e at o profeta Jeremias (Jr 12:1- 6) falaram. Seus argumentos (4:12 - 5:7). Elifaz ba seou sua argumentao em dois pontos: a experincia (4:12-21) e a observao (5:1- 7). O primeiro argumento refere-se a uma experincia sinistra pela qual ele passou cer ta noite, quando teve uma "viso" e ouviu uma voz. Cabe aqui levantar duas perguntas:
  15. 15. J 4 - 7 17 Qual foi o contedo da mensagem? Essa men sagem foi uma revelao direta de Deus? Uma vez que os manuscritos hebraicos do Antigo Testamento no apresentam pon tuaes, nem sempre sabemos, ao certo, onde comeam e terminam certas citaes. A maioria das tradues em nossa lngua determina o trecho de 4:1 7-21 como a decla rao completa do "esprito". Porm, alguns estudiosos acreditam que essa declarao limita-se ao versculo 17 e que o restante um comentrio de Elifaz. De qualquer modo, a mensagem a mesma: a vida do ser huma no breve e frgil, e, por sua prpria conta, ele nunca capaz de ser suficientemente jus to para agradar a Deus. Mas ser que essa declarao foi uma revelao direta de Deus? bem provvel que no, uma vez que essa experincia como um todo no parece encaixar na maneira habitual de Deus revelar a verdade. Em pri meiro lugar, no tem a autoridade de uma declarao como: "Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo" ou "Assim diz o Senhor". Alm do mais, Deus no costuma aparecer de modo furtivo e assustar as pessoas. No sabemos ao certo, mas possvel que Elifaz tenha sonhado com essa experincia, medi tado sobre ela e, aos poucos, a transforma do numa viso. Uma coisa certa: Elifaz no estava di zendo tudo sobre a relao entre Deus e o ser humano. Sem dvida, o ser humano vive numa casa de barro que, a seu tempo, se transforma em p, e a vida humana pode ser exterminada como se esmaga uma traa ou como se desmonta uma tenda. No entanto, o ser humano tambm feito imagem de Deus, e seu Criador um Deus de graa e de misericrdia bem como um Deus de justia. O segundo argumento de Elifaz baseia- se em suas observaes pessoais sobre a vida (5:1-7). Ele viu pecadores prosperarem e cria rem razes, mas que acabaram destrudos e perdendo tudo. Trata-se de uma descrio nada sutil da situao de J. Deve t-lo ma goado profundamente ouvir que seus pe cados haviam provocado a morte de seus filhos. Porm, no Salmo 73, Asafe apresenta uma perspectiva totalmente diferente. Ele conclui que Deus permite que os mpios pros perem nesta vida, pois este o nico "cu" que tero. Deus acertar as contas na vida depois desta e providenciar para que seu povo seja recompensado e os perversos se jam castigados. O problema de argumentar com base naquilo que observamos que nossas obser vaes so extremamente limitadas. Alm disso, ao contrrio de Deus, no somos ca pazes de enxergar o que h no corao hu mano e determinar quem reto aos olhos do Senhor. Alguns pecadores sofrem julgamen to quase imediato, enquanto outros tm vida prspera e morrem em paz (Ec 8:10-14). Os problemas no brotam do solo como ervas daninhas, mas fazem parte do ser hu mano desde seu nascimento, pois todo ser humano nasce pecador (J 5:6, 7). Elifaz con clui que, se J est passando por dificul dades, ele prprio culpado, pois pecou contra Deus. Assim, J deve se arrepender de seus pecados e pedir que Deus o perdoe. Seu apelo (5:8-17). Essa concluso leva Elifaz a fazer um apelo para que J busque ao Senhor e se entregue a ele. O Deus que faz maravilhas e cuida de sua criao certa mente socorrer J, se ele se humilhar e con fessar seus pecados. J deve considerar suas tribulaes como uma disciplina de Deus para torn-lo um homem melhor (vv. 17, 18), tema que ser retomado mais adiante por Eli. Ao que parece, J estava levando uma vida deplorvel, pois Deus lhe tomou suas riquezas, sua famlia e sua sade a fim de coloc-lo na linha! Afinal, a disciplina no um instrumento do amor de Deus? (Pv 3:11, 12; Hb 12:1-11.) Sua convico (5:17-27). Elifaz encerra seu discurso com palavras de convico. O mesmo Deus que fere tambm cura (Dt 32:39; Os 6:1, 2). Ele livrar das dificulda des, salvar dos inimigos e dar uma vida longa e uma morte tranqila. "Eis que isto j o havemos inquirido, e assim ; ouve-o e medita nisso para teu bem" (J 5:27). Mas essas palavras no passam de uma reformulao da filosofia de Satans! "Porventura, J debalde teme a Deus? [...] Pele por pele, e tudo quanto o homem tem
  16. 16. 18 J 4 - 7 dar pela sua vida" (1:9; 2:4). Elifaz estava pedindo que J negociasse com Deus: con fesse seus pecados, e Deus lhe dar de volta tudo o que perdeu. Se houvesse escolhido agir assim, J teria envergonhado Jeov e provado que Satans estava certo, algo que se recusou a fazer. 2. A RESPOSTA DE J (J 6-7) J respondeu com dois apelos veementes. Primeiro, suplicou aos trs amigos que mos trassem mais compreenso e compaixo (J 6). Em seguida, suplicou a Deus para que considerasse sua situao miservel e alivias se seu sofrimento antes que morresse (J 7). A splica de J a seus amigos (cap. 6). At ento, somente Elifaz havia falado, mas J percebeu que Bildade e Zofar concorda vam com ele. Nenhum dos amigos identifi cou-se com aquilo que J estava passando fsica e emocionalmente. Uma coisa era as sentar a seu lado, outra bem diferente era sentir o que ele estava sentindo (Ez 3:15). Uma criana definiu "compaixo" como "sen tir sua dor em meu corao", mostrando sa ber mais sobre como oferecer consolo do que esses trs homens. Para comear, no sentiram o peso de seu sofrimento (J 6:1-3). No de se admi rar que J tenha falado de modo to enrgi co! Seus amigos teriam feito a mesma coisa se estivessem carregando um fardo como o dele. Ao contrrio dos cristos de hoje, J no possua a revelao plena do cu, de modo que seu futuro era um enigma. Ns, por outro lado, podemos ler 2 Corntios 4:16-18 e receber novo nimo. Seus amigos tambm no entenderam a amargura de seu sofrimento (J 6:4-7). J se sentia como um alvo contra o qual Deus ati rava flechas envenenadas, e esse veneno amargurava seu esprito. Deus havia enfilei- rado seus soldados que, agora, atiravam contra um nico homem fraco, e os amigos de J apenas destilavam mais veneno. J pre cisava de palavras de estmulo para nutrir seu esprito e fortalec-lo, mas seus amigos o alimentavam apenas com palavras inteis e inspidas. Se suas queixas soavam como um jumento zurrando ou um boi mugindo, era porque, assim como um animal morrendo de fome, ansiava por amor e compreenso. J tentou faz-los sentir o desespero de sua situao (vv. 8-13). O sofrimento inten so e prolongado pode levar a pessoa a se sentir impotente para lidar com a vida, o que, por sua vez, pode conduzir ao deses pero. Como planejar para o futuro se no somos capazes de controlar alguns dos ele mentos que constituem a vida? Assim, J perguntou: "Por que esperar, se j no te nho foras? Por que prolongar a vida, se o meu fim certo?" (v. 11). Em outras pala vras: "O que estou esperando? A vida s est ficando pior!" O desespero pode gerar um sentimento de inutilidade, e, quando nos sentimos in teis, perdemos a vontade de viver. Isso expli ca por que J desejava que Deus lhe tirasse a vida (3:20-23; 6:8, 9; 7:15, 16; 10:18, 19; 14:1 3). J no atentou contra a prpria vida, pois sabia que o suicdio era errado; porm, pediu a Deus que o libertasse de sua condi o miservel. Os amigos de J possuam sade e conforto e no entendiam como era acordar cada manh sabendo que outro dia de sofrimento os esperava. J havia perdido todas as suas foras e se sentia imprestvel (6:12, 13). Numa atitude corajosa, J lhes mostrou a ineficcia de seu ministrio a ele (vv. 14- 30). No tinham piedade dele nem tentavam suprir suas necessidades. Eram como um crrego seco no meio do deserto, que serve apenas para decepcionar os viajantes seden tos. Nos tempos de prosperidade, foram seus "amigos", mas em tempos de dificuldade, se voltaram contra ele. J fez dois pedidos aos amigos: "Ensinai- me" (v. 24) e "Olhai para mim" (v. 28). No precisava de acusaes, e sim de esclare cimento! Mas eles nem sequer o fitavam e atentavam para sua situao miservel. Fi sicamente, os homens estavam assentados com J no monturo, mas emocionalmente eram como o sacerdote e o levita que passa ram "de largo" (Lc 10:30-37). Em meu ministrio pastoral, lembro-me de visitar pacientes de hospital para os quais era difcil olhar por causa de sua enfermidade,
  17. 17. J 4 - 7 19 acidente ou cirurgia e, por vezes, tambm era difcil escut-los, pois haviam se tornado amargurados. Pela forma como eu os olhava e pelas minhas reaes a suas palavras, essas pessoas eram capazes de perceber se me preocupava mesmo com elas ou no. No adiantaria muita coisa ler a Bblia e orar a menos que, antes, tivssemos construdo uma ponte entre nossos coraes. S ento seria possvel ministrar um ao outro. J encerrou seu discurso a seus amigos com uma splica veemente para que recon siderassem sua situao e o tratassem com mais amor. "Tornai a julgar, vos peo, e no haja iniqidade; tornai a julgar, e a justia da minha causa triunfar" (J 6:29). Esses trs homens estavam to preocupados em de fender a si mesmos que haviam se esqueci do de consolar seu amigo! A splica de J ao Senhor (cap. 7). J usou vrias imagens vividas para descrever a futilidade da vida. Sentia-se como um ho mem que havia sido alistado fora num exrcito, sendo obrigado a levar uma vida "penosa" (v. 1a); como um escravo que anseia pela sombra e um trabalhador que espera pelo fim do dia e por seu pagamento (v. 2). Pelo menos, esses homens tinham algo pelo que esperar, enquanto o futuro de J era de- sesperador. Suas noites eram insones e seus dias, inteis (Dt 28:67), e o Senhor parecia no se importar. Em seguida, concentrou-se na brevidade da vida. O tempo estava passando veloz mente, de modo que, se Deus pretendia fa zer alguma coisa, era melhor se apressar! A vida de J era como a lanadeira do tecelo (J 7:6), movendo-se com rapidez e ficando quase sem fio. (O termo "soltar", em 6:9, re fere-se a cortar o tecido do tear. Ver Is 38:12.) A vida como uma tecelagem, e somente Deus conhece o desenho todo e sabe quan do est completo. J tambm viu sua vida como um sopro ou uma nuvem, que existe por um breve momento e depois desaparece para sempre (J 7:7-10; Tg 4:14). Deus o estava tratando como um monstro perigoso que precisava ser vigiado incessantemente (J 7:11, 12). No de se admirar que J estivesse amar gurado contra Deus por guard-lo a todo tempo. O fato de, no original, J se referir a Yam ("o mar") e a Tammin ("um monstro ma rinho"), duas figuras mitolgicas, no signifi ca que aprovava os ensinamentos dos mitos orientais. Estava apenas usando personagens conhecidos para ilustrar sua argumentao. Era impossvel J escapar de Deus, o "Espreitador dos homens" (v. 20). Se J ador mecia, Deus o aterrorizava em seus sonhos. Se estava acordado, sabia que Deus o estava observando (10:14; 13:27; 31:4). No podia sequer engolir sua saliva sem que Deus sou besse! Por que toda essa ateno de Deus sobre um s homem? (7:17, 18; SI 8:4.) J encerrou seu apelo com um pedido de perdo (J 7:20, 21). "Se pequei, ento me perdoa. Por que devo ser um fardo para ti e para mim mesmo? O tempo est passan do rapidamente, ento vamos resolver tudo sem demora!" No era uma confisso de pecados, pois J continuava afirmando sua integridade; antes, era a oportunidade de Deus tratar de reas da vida de J que lhe eram desconhecidas (SI 19:12-14). Ento, J se calou. Havia expressado sua dor e frustrao e suplicado a seus amigos por nimo e compreenso. Ser que seu pe dido seria atendido? Observemos, a seguir, as palavras de Bildade, o suta, que faz uma breve preleo teolgica acerca da justia de Deus.
  18. 18. A A rg u m en ta o C o n t in u a J 8 - 1 0 possvel ser to ortodoxo quanto o dia bo - e tambm to perverso quanto ele. (John Wesley) v A medida que a discusso prossegue, Bil dade apresenta trs argumentos lgicos, a fim de provar que J culpado, e J o con testa com trs perguntas difceis, a fim de ajudar seus amigos a compreender como ele est perplexo e atormentado. 1. Trs argum entos l g ico s (J 8:1-22) "At quando as palavras da tua boca sero qual vento impetuoso?" (J 8:2). possvel imaginar um conselheiro fazendo uma per gunta assim a algum que est sofrendo e deseja morrer? Foi o que Bildade perguntou a J e, em seu discurso seguinte (18:2), usou a mesma abordagem. J havia derramado diante deles toda a sua tristeza e esperava ouvir uma palavra de consolo, mas seu ami go disse que o discurso de J no passava de conversa fiada. Essa abordagem de Bildade justificada: estava to preocupado em defender a justi a de Deus que se esqueceu das necessida des de seu amigo. "Perverteria Deus o direito ou perverteria o Todo-Poderoso a justia?" (8:3). Bildade pregou um sermo sobre a justia de Deus, usando como tema a "vi so" de Elifaz: "Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus?" (4:1 7). Em sua defesa da justia de Deus, Bildade apresentou trs argumentos lgicos. O carter de Deus (w. 1-7). Bildade es tava irado com o fato de J ter considerado que Deus faria alguma coisa errada. Acaso J havia se esquecido do que Deus havia 3 feito aos pecadores no dilvio ou em Sodo- ma e Gomorra? Jeov no , afinal, o Deus santo, cuja prpria natureza exige que ele faa o que certo? J estava blasfemando ao questionar Deus e acus-lo de proceder equivocadamente. Apesar de a teologia de Bildade estar correta - Deus , de fato, justo -, sua aplica o dessa teologia estava errada. Bildade concentrava-se em apenas um aspecto da natureza de Deus - sua santidade e justia deixando de lado seu amor, sua misericr dia e sua bondade. Sem dvida, "Deus luz" (1 Jo 1:5); mas no devemos nos esquecer de que "Deus amor" (4:8, 16). Seu amor santo, e sua santidade exercida em amor, mesmo quando ele julga o pecado. Como possvel conciliar esses dois atri butos de Deus? Isso acontece na cruz. Quan do Jesus morreu pelos pecados do mundo, a retido de Deus foi justificada, pois o pe cado foi julgado; porm, o amor de Deus tambm foi demonstrado, pois ofereceu ao mundo um Salvador. No Calvrio, Deus "justo e o justificador" (Rm 3:24-26). De acor do com a lei de Deus, "a alma que pecar, essa morrer" (Ez 18:4, 20); e Deus obede ceu sua prpria lei ao sacrificar seu Filho. Na ressurreio de Cristo, a graa de Deus triunfou sobre o pecado e a morte, e todos os que se arrependem e crem em Jesus Cris to so salvos. Nos tempos do Antigo Testamento, aque les que criam olhavam adiante para a cruz e eram salvos pela f no Salvador que estava por vir (Jo 8:56; Rm 3:25; Hb 11). J era um homem temente a Deus, e, portanto, Deus havia perdoado seus pecados. Mesmo se J tivesse pecado contra Deus de algum modo mais grave, Deus teria tratado seu filho com base em sua graa e misericrdia e no de acordo com a sua justia. Quando confessa mos nossos pecados, Deus nos perdoa, pois fiel sua promessa e justo para com seu Filho que morreu por esses pecados (1 Jo 1:9). J deve ter sentido uma dor profunda quando Bildade lhe disse que seus filhos ha viam morrido porque haviam pecado (J 8:4). E provvel que Bildade acreditasse estar
  19. 19. J 8 - 10 21 animando J: "Talvez no tenham sido mor tos por causa de suas transgresses, J, mas sim, porque eles prprios viviam em pecado. No h nada que eles possam fazer agora, mas voc ainda pode tomar uma providn cia; portanto, se apresse!" O apelo de Bildade nos versculos 5 a 7 outro reflexo da filosofia de Satans. "Voc diz que no pecou. Ento, rogue a Deus que restaure sua prosperidade. Se sua vida esti ver em ordem diante de Deus, ele far gran des coisas por voc. Acaso a prosperidade no melhor que o sofrimento?" O que Bil dade no sabia era que, posteriormente, suas palavras se cumpririam e J seria ainda mais prspero do que no comeo. Porm, no fi nal, a orao de J seria por Bildade e pelos outros, pois a vida deles no estava em or dem diante de Deus (42:7-13). A sabedoria do passado (w. 8-10). Elifaz baseou seu raciocnio na observao e na experincia, mas como um bom tradiciona lista, Bildade foi procurar sua sabedoria no passado. Sua pergunta-chave : "O que os antigos tm a dizer sobre isso?" Por certo, podemos aprender com o passado. Nas pa lavras de George Santayana: "Aqueles que no se lembram do passado esto condena dos a repeti-lo". Porm, o passado deve ser um leme que nos conduz e no uma ncora que nos prende. "Pela maneira que o passa do perece que se constri o futuro", disse o filsofo Alfred North Whitehead. O fato de que algo foi dito ou escrito h muitos anos no garante, de modo algum, que seja certo. Gosto de literatura clssica e fico impressionado como seus textos con tm tanta sabedoria e tanta insensatez e como, com freqncia, caem em contradi o. Dr. Robert Hutchins, editor da colet nea The Creat Books of the Western World [Os Grandes Livros do Mundo Ocidental], es creveu em seu prefcio: "Num dilogo que se estende por mais de 25 sculos, apare cem todos os tipos de dogmas e de pontos de vista. A esto os grandes erros bem como as grandes verdades". "Tradio" e "tradicionalismo" so duas coisas bem diferentes. O historiador Jeroslav Pelikan expressa essa distino de modo bastante preciso: "Tradio a f viva da queles que j morreram; tradicionalismo a f morta daqueles que ainda esto vivos". Para Bildade, o passado era um estaciona mento; mas Deus quer que o passado seja uma plataforma de lanamento. Permane cemos com os antigos para que possamos caminhar com eles e nos mover em direo aos objetivos que buscavam'. Isso inclui nos so conhecimento de Deus bem como nosso conhecimento do ser humano e do mundo. Como disse John Robinson aos pioneiros, quando partiram para o Novo Mundo: "O Senhor ainda tem muitas verdades para re velar de sua Santa Palavra". Bildade no citou os antigos; sabia que J conhecia o passado to bem quanto ele. Porm, deixou claro que respeitava a sa bedoria dos antigos mais do que os ensina mentos dos contemporneos. A sabedoria acumulada ao longo das eras certamente era mais valiosa do que as palavras de pessoas que "nasceram ontem". A vida curta demais para aprendermos tudo o que elas podem nos ensinar. Somos sombras passageiras, de modo que o melhor a fazer aprender a sa bedoria enquanto temos oportunidade. As evidncias da natureza (w. 11-22). possvel que, em seu "poema sobre a sabe doria", Bildade tenha resumido alguns dos dizeres dos antigos, argumentando em favor de uma lei de "causa e efeito". Se essa lei se aplica natureza, por que no vale tambm para a vida humana? Considere, por exemplo, o papiro, uma planta que murcha se no tiver gua (vv. 11- 13). J estava murchando, de modo que devia haver uma causa: era um hipcrita, e sua esperana estava se esmorecendo. Em seguida, Bildade passa das plantas para as aranhas (vv. 14, 15). possvel apoiar- se na teia de uma aranha e ser sustentado por seus fios? Claro que no! Por mais certo que algum esteja de que isso possvel, a teia se romper. A convico de J tambm era assim: a seu tempo, ela se romperia, e ele cairia. O terceiro exemplo tirado do jardim: se arrancarmos uma planta, por mais viosa que esteja, cedo ou tarde acabar morrendo
  20. 20. 22 J 8 - 10 (vv. 16-22). Algo havia acontecido s "raizes" de J, e ele estava desfalecendo; assim, o pecado seria a causa de tudo. Ningum ar ranca uma planta boa e a destri, de modo que devia haver algo de errado com J, pois Deus o havia desarraigado de seu jardim. Deus no cultiva ervas daninhas nem lana fora as plantas boas! Bildade reafirmou sua promessa anterior de que Deus restauraria a sorte de J, se ele reconhecesse que havia pecado e colocasse sua vida em ordem dian te do Senhor. Mais um convite de Satans! 2. Trs perguntas difceis (J 9:1 - 10:22) Daqui em diante, a nfase da discusso recai sobre a justia de Deus, e a imagem proe minente nos pensamentos de J a de um processo legal. Ele deseja levar Deus a um tribunal e ter a oportunidade de provar sua integridade. Essa inteno fica clara pelo vo cabulrio que emprega: contender (J 9:3; 10:2) = processar legalmente responder (9:3, 16) = testemunhar no tribunal juiz (v. 15) =um oponente em demanda, acusador citar(v. 19) =convocar para seapresentar no tribunal rbitro (v. 33) =mediador, moderador defender-se (13:3) =justificar-se encaminhar a minha causa (v. 18) =pre parar o caso ouvir (31:35) =conceder uma audincia adversrio (v. 35) =acusador no tribunal Em J 9 e 10, J faz trs perguntas: [1] "Como posso ser reto diante de Deus?" (9:1-13); [2] "Como posso me encontrar com Deus no tri bunal?" (vv. 14-35); [3] "Por que nasci?" (10:1- 22; ver v. 18). Podemos ver como essas perguntas encontram-se interligadas. J um homem reto, mas precisa provar esse fato. Como possvel um mortal provar que reto diante de Deus? Pode processar Deus num tribunal? Mas se Deus no se apresentar e tes temunhar em favor de J, que propsito h em tanto sofrimento? Afinal, por que J nasceu? " Como posso ser reto diante de Deus?" (9:1-13). No se trata de uma pergunta so bre a salvao ("Como posso ser justifica do?"), mas sim sobre a justificao ("Como posso ser declarado inocente?"). Se um ho mem tentasse processar Deus num tribunal, de modo algum seria capaz de responder s perguntas de Deus, nem uma em mil! No entanto, J no conhece outra forma de "lim par seu nome" perante os amigos. A maior parte dessa seo uma declara o que se concentra nos atributos de Deus, especialmente em sua sabedoria invencvel e em seu poder, que controla a Terra e os cus. Algum ousaria processar um oponen te que tem o poder de abalar a Terra, criar as estrelas e andar sobre as ondas? (ver Is 44:24 e Am 4:13). Porm, Deus no apenas invencvel, mas tambm invisvel. J no podia v-lo, nem det-lo para intim-lo a comparecer ao tri bunal. Deus pode fazer o que bem lhe aprouver, e ningum capaz de question- lo! At mesmo os "auxiliadores do Egito", a grande potncia da poca, devem se curvar diante do poder de Deus (J 9:13). "Como posso me encontrar com Deus no tribunal?" (9:14-35). A fim de provar que era um homem reto, J precisava levar Deus a um tribunal. Mas e se Deus aceitasse a intimao, o que J diria ou faria? Ele discute essa questo imaginando vrias situaes. (1) "Se Deus comparecesse, o que eu di ria?" (vv. 14-19). De que maneira J poderia responder ao interrogatrio de Deus? Como possvel arrazoar com Deus ou se defen der diante dele? Se Deus respondesse, J no acreditaria que era sua voz, e se j disse algo errado, Deus o afligiria ainda mais. Quan do, por fim, J se encontrou com Deus (J 38 - 41), o Senhor lhe fez 77 perguntas! E J no conseguiu responder a nem uma! Sua nica resposta foi admitir sua ignorncia e se calar. (2) "O que eu faria se pudesse declarar minha inocnciaV (vv. 20-24). De modo al gum isso garantiria que Deus libertaria J. Tanto Elifaz quanto Bildade declararam que Deus recompensa o justo e julga o mpio, mas J afirmou que, por vezes, Deus destri
  21. 21. J 8 - 10 23 tanto o justo quanto o mpio. Os juizes in quos condenam os justos e ajudam os per versos, e, ao que parece, Deus permanece indiferente. J est acusando Deus de ser in justo no apenas para com ele e sua famlia, mas tambm para com as pessoas inocentes de sua terra. (3) "De que adiantar tentarser feliz?" (w. 25-31). O tempo de J estava se esgotando, passando rapidamente como os mensagei ros do rei que se apressam para chegar a seu destino, como os barcos de junco do Egito que deslizam velozmente sobre as guas do rio e a guia que mergulha do cu. Talvez J devesse assumir uma atitude mais positiva com relao a sua aflio, esquecer sua dor e sorrir (v. 27). Mas ser que isso mudaria alguma coisa? No! Ainda seria culpado diante de Deus, rejeitado pelos amigos e continua ria assentado no depsito de lixo da cidade, com sua enfermidade e agonia. Mesmo que tomasse um banho e trocasse de roupas num ato de contrio e de purificao pblica, ainda temeria o que Deus lhe poderia fazer. J estava convicto de que Deus estava con tra ele e de que qualquer passo que desse na terra seria anulado pelo cu. O ru pode sorrir e aparentar coragem quando est no tribunal, mas isso no impede o jri de declar-lo "culpado". (4) "Se ao menos eu tivesse um media dor!" (vv. 32-35). Se Deus fosse um ser hu mano, J poderia abord-lo e defender sua causa. Ou se houvesse um "rbitro" (media dor) entre Deus e J, poderia remover sua vara de julgamento e reunir J e Deus. Mas Deus no homem e no h mediador algum! Eaqui que jesus entra em cena! Jesus Deus e se fez homem para revelar o Pai (Jo 14:7-11) e conduzir os pecadores a Deus (1 Tm 2:5, 6; 1 Pe 3:1 8). Ele o "rbi tro" pelo qual J suplicou sculos antes (J 16:21). "Porque eu nasci?"(10:1-22). Nessa pas sagem, J argumenta que Deus o criou e lhe deu vida (vv. 3, 8-12, 18, 19), mas Deus no o est tratando como parte de sua criao. Depois de dedicar tempo e esforo para criar J, Deus o est destruindo! Alm disso, Deus julga J sem sequer lhe dizer quais so as acusaes contra ele (v. 2)! No de se admirar que J esteja exausto, amargurado e confuso (vv. 1, 15). Observe que, nesse captulo, J se dirige diretamente a Deus e no a seus amigos. Deus no um homem para precisar es quadrinhar as coisas e correr contra o tempo (vv. 4-6). Deus eterno e pode demorar o tempo que quiser; Deus tambm oniscien te e no precisa realizar investigaes como um detetive particular. J, a princpio, quis um rbitro (9:33), mas agora busca um li bertador que o livre do julgamento (10:7). Deus um Guarda sempre presente, vigian do todos os movimentos de J (v. 14). Es preita J como um leo (v. 16) e o ataca com seu exrcito (v. 17). J est cercado e no tem como escapar. Diante disso, parece-lhe justo perguntar: "Por que, pois, me tiraste da madre?" (v. 18). A vida de J na terra parecia to sem prop sito que ele suplicou a Deus por alguns mo mentos de paz e de felicidade antes do fim. Podia ver sua vida passando rapidamente (7:6, 7; 9:25, 26), e no havia um momento sequer a perder. "Deixe-me em paz", pede em orao, "para que possa ter um pouco de conforto antes de ir para o mundo das trevas". J no conseguia entender o que Deus estava fazendo, e era importante que no entendesse. Se J soubesse que Deus o estava usando para derrotar Satans, teria simples mente se recostado e esperado, confiante mente, at a batalha terminar. Porm, ao olhar para si mesmo e para sua situao, fez a mesma pergunta feita pelos discpulos de Jesus, quando Maria o ungiu: "Para que este desperdcio?" (Mc 14:4). Antes de criticar mos J com muita severidade, devemos lem brar quantas vezes ns mesmos fizemos essa pergunta ao saber de um beb que morreu ou de um jovem com um futuro promissor morto num acidente. Nada do que entregue a Cristo pela f e com amor desperdiado. A fragrncia do blsamo de Maria desapareceu h muitos sculos, mas o significado de sua adorao tem abenoado cristos de todas as eras. J estava falido e enfermo, e tudo o que podia
  22. 22. 24 J 8 - 10 oferecer ao Senhor pela f era seu sofrimento. Mas era justamente isso o que o Senhor dese java a fim de calar o diabo. Quando William Whiting Borden morreu no Egito, em 191 3, a caminho do campo mis sionrio, possvel que algum tenha per guntado: "Por que esse desperdcio?" Mas Deus continua usando a histria dessa vida to curta para desafiar as pessoas a entregar tudo a Cristo. Quando John e Betty Stam foram marti- rizados na China, em 1934, houve quem per guntasse: "Por que esse desperdcio?" Mas a obra O Triunfo de john e Betty Stam, escrita pela esposa de Hudson Taylor, tem transfor mado vidas desde que foi publicada em 1935. Em meu aniversrio de 21 anos, rece bi esse livro de presente de minha namorada (agora minha esposa) e at hoje sua mensa gem fala a meu corao. Quando cinco missionrios foram marti- rizados no Equador pelos ndios Auca, al guns chamaram esse acontecimento de "um desperdcio trgico de obreiros". Mas no foi o que Deus pensou, e a histria desses cinco heris da f tem ministrado Igreja desde ento. J perguntou: "Por que eu nasci?" Diante de suas perdas e de seu sofrimento pessoal, tudo parecia um desperdcio to grande! Mas Deus sabia o que estava fazendo naquele tempo e sabe o que est fazendo hoje. "Tendes ouvido da pacincia de J e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o Senhor cheio de terna misericrdia e compassivo" (Tg 5:11). Se algum dissesse tais palavras a J, talvez ele no tivesse acreditado, mas isso no muda a verdade. E uma verdade que se aplicava a ele em seu tempo e que vale para ns hoje. Pode crer!
  23. 23. Interld io O termo hebraico traduzido por "rbi tro" em J 9:33 refere-se pessoa que tem autoridade para marcar um dia em que duas partes contendedoras se encontraro para chegar a um acordo. No Oriente, o "r bitro" colocava a mo sobre a cabea de ambas as partes para lembr-las de que ele possua a autoridade para resolver a ques to. J desejava que algum fizesse isso com ele e Deus. Ainda que no tivesse algum para represent-lo, J estava falando srio sobre encontrar-se com Deus em um tribunal. "Mas falarei ao Todo-Poderoso e quero defender- me perante Deus" (13:3). "Contudo, defen derei o meu procedimento" (v. 15). "Tenho j bem encaminhada minha causa e estou certo de que serei justificado" (v. 18). A seu ver, Deus no o estava tratando com justia. "Grito: socorro! Porm no h justia" (19:7). Deus havia tirado seu "direito" (27:2), e J exigiu uma oportunidade de ser ouvido dian te do trono de Deus. Porm, quando rece beu essa chance, J calou-se.
  24. 24. U m " R a pa z" Irad o J 11 -14 4 No desejo saber por que sofro, mas sim se sofro por ti. (Levi YitzhakBerditcher) O s trs amigos de J eram homens de idade, mas Zofar devia ser o mais jo vem, uma fez que falou por ltimo. Seu pri meiro discurso no longo, mas o que lhe falta em extenso sobra em animosidade, pois revela que Zofar estava irado. Existe um lugar e um momento certo para demonstrar uma ira justificada (Ef 4:26), mas o monte de cinzas onde J se encontrava no era o lugar certo nem aquele era o momento apropria do. "Porque a ira do homem no produz a justia de Deus" (Tg 1:20). J no precisava de um tapa no rosto, mas sim da mo bon dosa de um amigo. Zofar faz trs acusaes contra J: ele pecou (J 11:1-4); no tem conhecimento de Deus (vv. 5-12) e obstinando em sua recusa de se arrepender (vv. 13-20). J res ponde s trs acusaes: afirma a grandeza de Deus (J 12) e sua prpria inocncia (J 13), mas uma vez que no tem esperana alguma, por que se arrepender? (J 14) 1. AS TRS ACUSAES DE ZOFAR (J 11:1-20) Depois de ouvir Elifaz e Bildade acusarem J, Zofar deveria ter mostrado bom senso e compaixo suficientes para usar outra abor dagem. No importava o que Deus ou seus amigos dissessem, J continuaria a afirmar sua integridade, ento por que persistir nessa discusso? Como triste quando as pessoas que deveriam compartilhar de um mesmo ministrio acabam sendo motivo de tristeza. "Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram" (Rm 12:15) um bom conselho a ser seguido. "j culpado!" (w. 1-4). Assim como Bildade (8:2), Zofar iniciou seu discurso cha mando J de "tagarela". lamentvel que esses trs amigos se concentrassem nas pa lavras de J e no nos sentimentos por trs das palavras. De acordo com um provrbio chins: "Pode haver mil quilmetros de dis tncia entre os coraes de duas pessoas conversando face a face". Exatamente o que estava se passando naquele monte de cin zas! Afinal, informao no o mesmo que comunicao. Sidney J. Harris lembra que "informar simplesmente anunciar; comuni car alcanar um objetivo". O discurso de J no apenas era tagareli ce como tambm no passava de conversa fiada ("parolas") e de zombaria (11:3). As palavras de J a respeito de Deus no seriam verdadeiras e s poderiam ser comparadas ao parlatrio daqueles que falam sem pen sar. Alm disso, as afirmaes de j a respei to de si mesmo eram falaciosas, pois ele no era puro diante de Deus. Ao asseverar sua integridade, J deu a impresso de ser incul- pvel, o que, sem dvida, no era verdade (ver 6:30; 9:20, 21; 10:7). j no tem conhecimento de Deus (w. 5-12). O pedido de Zofar no versculo 5 foi respondido quando Deus apareceu (38:1); mas Zofar e seus dois amigos - e no J - que foram repreendidos posteriormente por Deus! J foi elogiado pelo Senhor por dizer a verdade. No pea a Deus que diga aos ou tros aquilo que precisam saber a menos que esteja disposto a ouvir dele o que voc pre cisa saber. Zofar desejava que J compreendesse a altura, a profundidade e a extenso da sa bedoria de Deus (11:8, 9). Com isso, Zofar estava insinuando que ele prprio conhecia a grandeza da sabedoria de Deus e poderia ensin-la a J se ele lhe desse ouvidos. Infe lizmente, Zofar no conhecia a grandeza do amor de Deus (Ef 3:17-19) e no comparti lhou um pouco desse amor com J. O que Zofar queria dizer ao afirmar que a sabedoria de Deus "multiforme" (J 11:6)?
  25. 25. J 11 -14 27 Talvez isso significasse que a sabedoria de Deus total e plena ou que Deus muitas vezes mais sbio do que J imaginava. Uma vez que Deus onisciente, sabia tudo sobre J e poderia t-lo castigado ainda mais. A expresso "poderia ser pior!" certa mente no consolo algum para um homem que perdeu a famlia, a riqueza, a sade e que, por pouco no perdeu tambm a vida. No aferimos o sofrimento de maneira quan titativa, como se pesam frutas e legumes no supermercado. A leviandade com que os amigos de J falavam de sua situao de monstra sua falta de entendimento. De acor do com um ditado do Talmucle: "Quanto mais profunda a tristeza, menor a lngua". As duas perguntas do versculo 7 espe ram uma resposta negativa. Ningum pode desvendar "os arcanos de Deus" nem pene trar "at perfeio do Todo-Poderoso". E evidente que, em momento algum, J afir mou saber tudo sobre Deus, mas aquilo que ele conhecia do Senhor lhe deu nimo para se apegar firmemente sua integridade e no desistir. Deus no precisa prestar contas para ns. Pode capturar e aprisionar quem ele quiser, reunir o tribunal e declarar a senten a sem que haja quem tenha autoridade para protestar (v. 10; ver 9:12). Deus sabe quem sbio e quem insensato, que puro e quem est em pecado. Uma vez que Deus julgou J, ento J devia ser culpado. Zofar encerrou essa acusao citando um provrbio (11:12). No fcil determi nar seu significado. E possvel que esteja di zendo que por mais estulto que um homem seja quando nasce, mesmo que seja to tolo quanto um asno selvagem, ainda h espe rana de ele se tornar inteligente. Ou talvez queira dizer exatamente o oposto, como aparece na a r a : "Mas o homem estpido se tornar sbio, quando a cria de um asno mon- ts nascer homem". Tendo em vista a ira de Zofar e sua linguagem insultuosa, bem pro vvel que se trate desta ltima possibilidade. J obstinado e deve se arrepender (w. 73-20). " Haver esperana" - disse Zofar a fim de animar J (v. 18) e descreveu o que J poderia experimentar. Deus o abenoaria abundantemente e seus problemas chega riam ao fim. Poderia erguer a cabea outra vez, e seus medos passariam (v. 15; 10:15). Esqueceria sua desgraa como guas passa das (11:16). Deus lhe daria uma vida longa e seria o incio de um novo dia para ele (v. 17). No habitaria nas trevas do Sheol, mas sim na luz (10:20-22), e a proteo de Deus daria cabo de todos os seus temores (11:19, 20). Porm, se J desejava essas bnos, deveria obt-las de acordo com os termos de Zofar. Sem dvida, havia esperana, mas era condicional: J precisava arrepender-se e confessar seus pecados (vv. 13, 14). Zofar est tentando J a negociar com Deus a fim de se ver livre das suas dificuldades. Era exata mente isso o que Satans desejava que J fizesse! "Porventura, J debalde teme a Deus?", perguntou Satans (1:9). Satans acusou J de ter uma "f interesseira", com base nas promessas de prosperidade em tro ca de sua obedincia. Se J tivesse seguido o conselho de Zofar, teria feito exatamente o que o inimigo queria. J no possua uma "f interesseira" que negociava com Deus. Antes, era uma f con fiante que dizia: "Ainda que Deus d cabo de mim, confiarei nele" (ver 13:15, n v i ). Essas no parecem ser as palavras de um homem em busca de uma soluo fcil para seus problemas. Como disse C. H. Spurgeon: "J no entendia os motivos de Deus, mas ainda assim continuou a confiar em sua bondade". Essa a verdadeira f! 2. As TRS DECLARAES DE J (J 12-14) O discurso de Zofar foi curto, mas J apre sentou respostas demoradas para cada uma das acusaes de Zofar. Comeou com a segunda acusao, de acordo com a qual J no tinha conhecimento de Deus (J 11:5- 12). J afirmou que possua conhecimento e discernimento como eles (J 12). Em segui da, respondeu primeira acusao de Zofar, de acordo com a qual J estaria vivendo em pecado (11:1-4). Mais uma vez, J afirmou sua integridade (J 13). Em seguida, encer rou seu discurso objetando ao terceiro pon to de Zofar, de que ainda havia esperana
  26. 26. 28 J 11 -1 4 (11:13-20). Em J 14, J admite que perdeu quase toda a esperana. A grandeza de Deus (cap. 12). Em primei ro lugar, J contraps a declarao de seus amigos de que possuam mais sabedoria do que ele. Por certo, eram mais velhos que J, mas a idade no garantia alguma de sabe doria. Existem tolos de todas as idades. Em seguida, J os repreendeu por sua falta de sensibilidade para com ele e por transform-lo em motivo de riso. Acreditava ser um homem justo e reto, e foi assim que Deus o descreveu (1:1, 8; 2:3). "No pensa mento de quem est seguro, h desprezo para o infortnio, um empurro para aquele cujos ps j vacilam. As tendas dos tiranos gozam paz, e os que provocam a Deus es to seguros; tm o punho por seu deus" (12:5, 6). Zofar afirmou que a sabedoria no est ao alcance dos homens (11:7-9), porm J disse que as criaturas de Deus podiam lhes ensinar aquilo que precisavam saber (12:7-11; ver Cn 1:26-28). At mesmo as criaturas "insensatas" sabem que foi a mo de Deus que fez e que mantm todas as coi sas. At mesmo o flego usado para acusar J era uma ddiva de Deus a esses homens, e o Senhor poderia remov-lo sem a permis so deles. O Senhor deu aos seres humanos a capacidade de provar e de avaliar os af- mentos. No lhes daria, portanto, a capaci dade ainda mais importante de avaliar as palavras e de analisar a verdade? (J 12:11). Nos versculos 12 a 25, J descreve a sabedoria e o poder de Deus. bem prov vel que o versculo 12 seja uma referncia a Deus, o "idoso" e "Longevo". Essas designa es divinas so uma repreenso aos ami gos idosos de J, que acreditavam que seus anos de experincia lhes haviam ensinado tanta coisa! J ressaltou que Deus inteiramente so berano naquilo que faz com a natureza (vv. 14, 15) e com as pessoas (vv. 16-25). No podemos reconstruir aquilo que ele destri, nem libertar aquilo que ele prende (Ap 3:6- 8). Deus pode enviar secas ou inundaes e no h quem seja capaz de det-lo (J 12:1 5). Ele sabe o que fazer e tem o poder para rea lizar o que preciso (vv. 13, 16). Em sua soberania sobre as pessoas, qual quer que seja seu status, Deus est no con trole. De acordo com a argumentao de J, todo tipo de gente passa por dificuldades na vida, pois Deus pode fazer o que bem lhe aprouver. Ele no faz acepo de pessoas e no se impressiona com sua posio, rique za ou condio social. Por exemplo: se for da vontade de Deus, os conselheiros do rei perdem sua autorida de e riqueza e os juizes se tornam confusos e insensatos. Na verdade, os prprios reis so transtornados e os sacerdotes so despoja dos de seus cargos e levados cativos (v. 19). Homens sbios, como os conselheiros e ancios, sero calados (v. 20), e os prncipes (nobres) e os fortes (poderosos) (v. 21) per dero seu respeito e fora. Deus, porm, soberano tanto sobre as naes quanto sobre os indivduos (vv. 23- 25; Dn 2:20-22; At 17:24-28). Pode fazer uma nao crescer ou destru-la; pode dar-lhe a liberdade ou o cativeiro - basta tirar a sabe doria de seus lderes e sua destruio certa. Os orgulhosos no gostam de ouvir essa men sagem. Desde de a cidade de Enoque (Gn 4:16-18) e a torre de Babel (11:1-9), a huma nidade vem tentando construir e administrar as coisas sem Deus, e suas tentativas termi nam sempre em fracasso e em julgamento. A integridade deJ (cap. 13). Nessa parte de sua defesa, J expressou, primeiramente, sua decepo com os trs amigos (vv. 1-12), depois, sua declarao de f no Senhor (vv. 13-1 7) e, por fim, seu desejo de que Deus v ao encontro dele e acerte a questo de uma vez por todas (vv. 18-28). (1) Decepo (w. 1-12). Os amigos de J no haviam levantado seu nimo. Antes, ha viam assumido uma atitude de superioridade como juizes, partindo do pressuposto de que conheciam Deus melhor do que J. No se identificaram com ele em sua tristeza e dor. J os acusou de "[besuntar] a verdade com mentiras", de ser "mdicos que novalem nada" e de "[falar] perversidades em favor de Deus". O termo "besuntar" (v. 4) tambm signifi ca "caiar". Eles besuntaram a discusso com a cal de suas mentiras de modo a evitar o pro blema difcil e, ao mesmo tempo, a manter
  27. 27. J 11 -14 29 suas idias tradicionais (SI 119:69). Perma neceram num nvel superficial sem jamais se aprofundar nas verdades de Deus ou nos sentimentos de J. Os conselhos que se atm superfcie no valem muita coisa. A fim de ajudarmos as pessoas, precisamos ir muito mais fundo, um processo que requer amor, coragem e pacincia. Como mdicos, haviam feito um diagns tico incorreto, de modo que seus medica mentos foram inteis (Jr 6:14; 8:11). E como "defensores de Deus", teriam feito melhor permanecendo calados, pois no sabiam do que estavam falando. Sua viso de Deus era to rgida e limitada e sua viso de J era to preconceituosa que todo o seu "caso" no passava de uma inveno construda a partir de uma srie de mentiras. O que fariam quan do Deus virasse a mesa e os examinasse? (ver Rm 14:1-13). "As vossas mximas so como provrbios de cinza, os vossos baluar tes, baluartes de barro" (J 13:12). Aquilo que os trs amigos consideravam declara es profundas da verdade no passava de cinzas requentadas de fogos antigos e de su portes de barro que no tardariam a se de sintegrar. Um bom conselheiro precisa de muito mais do que uma excelente memria. Precisa de sabedoria para aplicar a verdade s necessidades das pessoas nos dias de hoje. (2) Declarao (vv. 13-17). Trata-se de uma das mais extraordinrias declaraes de f registradas nas Escrituras, mas importante que seja compreendida dentro de seu con texto. J est dizendo: "Pleitearei meu caso diretamente junto a Deus e provarei minha integridade. Sei que estou arriscando a vida ao abordar o Senhor, pois ele capaz de me aniquilar. Porm, se ele no o fizer, provar que no sou o hipcrita que vocs me consi deram". Posteriormente, J faz um juramento e desafia Deus a julg-lo (J 27). Aproximar- se pessoalmente de Deus era um grande ato de f (x 33:20; Jz 13:22, 23), mas J estava to certo de sua integridade que se mostrou disposto a correr esse risco. Afinal, se ficasse de braos cruzados, morreria, e se fosse rejei tado por Deus, tambm. No entanto, havia sempre a possibilidade de ser justificado pelo Senhor. (3) Desejo (vv. 18-28). Essas palavras so dirigidas a Deus. J havia "encaminhado" sua causa (v. 18) e estava certo de que venceria. Tinha dois desejos: que Deus removesse sua mo disciplinadora e lhe concedesse alvio e que fosse ao encontro dele de maneira a no aterroriz-lo. J estava pedindo que Deus se encontrasse com ele no tribunal para que pudessem discutir o "pleito" de Deus contra J e vice-versa. No versculo 22, J d a Deus a opo de falar primeiro! Por que J deseja encontrar-se com Deus no tribunal? Para que Deus apresente, de uma vez por todas, seu "pleito" contra J e revele os pecados na vida dele que lhe cau saram tanto sofrimento. "Por que Deus de veria me dar tanta ateno?", pergunta J. "Ele me trata como um inimigo, mas sou apenas uma folha frgil ao vento, uma palha seca que no vale coisa alguma. Sou um pedao de madeira podre e uma roupa comi da pelas traas, e, no entanto, Deus me trata como um prisioneiro de guerra e me vigia o tempo todo". J sentia que havia chegado a hora de acertar essa questo, mesmo que perdesse a vida ao longo do processo. A falta de esperana deJ (cap. 14). Zofar havia garantido a J que ainda haveria espe rana, caso ele reconhecesse seus pecados e se arrependesse (J 11:13-20). Mas Zofar no se encontrava na situao de J! Do ponto de vista de J, seu futuro era desanimador. Nos versculos 1 a 12, J empregou vrias imagens para ilustrar a situao desesperadora do ser humano neste mundo. como uma flor que logo seria cortada, uma sombra que desapa rece lentamente, um jornaleiro que trabalha e depois dispensado. Deus conhece os limi tes de nossos dias (7:1; 14:5; SI 139:16). Em sua insensatez, um suicida pode apressar o dia de sua morte, mas ningum vai alm dos limites estabelecidos por Deus para sua vida. Uma vez que o ser humano apenas uma flor, uma sombra e um servo, por que Deus lhe daria alguma ateno? Tendo em vista que a vida to curta, por que Deus encheria os dias do homem de tristeza e dor? "Desvia dele [do homem] os olhares, para que tenha repouso [...] [para que] tenha prazer no seu dia" (J 14:6). Em outras palavras, o que J
  28. 28. 30 J 11 -1 4 est pedindo : "Deixe-me ter um pouco de paz antes que minha vida to breve chegue ao fim!" A imagem mais forte que J apresenta de uma rvore (vv. 7-12). Ainda que seja cortada, seu toco permanece, e h sempre a possibilidade de voltar a brotar. A rvore tem esperana, mas o ser humano no. Quando morre, no deixa sequer um toco para trs. O ser humano mais parecido com a gua que evapora ou penetra o solo irreversivel- mente (v. 11; 2 Sm 14:14). Pode se deitar noite e despertar pela manh, mas quando se deita para sua prpria morte, no h cer teza alguma de que voltar a despertar. As primeiras pessoas que, como J, eram tementes a Deus, no possuam uma reve lao da vida futura como temos hoje em Cristo (2 Tm 1:10). As passagens do Antigo Testamento indicam vagamente uma ressur reio futura (SI 16:9-11; 17:15; Is 26:19; Dn 12:2), mas J no tinha nenhum desses livros para ler e meditar. "Morrendo o ho mem, porventura tornar a viver?" (J 14:14). J apresenta essa pergunta crtica, mas no lhe responde. Posteriormente, J faz uma declarao maravilhosa sobre a ressurreio futura (19:25, 26); mas, nesse momento, ain da vacila entre o desespero e a esperana. Em 14:13, J pediu a Deus que se lem brasse de traz-lo de volta do Sheol, o reino dos mortos. E bem provvel que no tivesse em mente a ressurreio, mas sim uma bre ve estadia na terra para que Deus o justifi casse diante de seus acusadores. Claro que, hoje, o cristo selado com o Esprito Santo para o dia da redeno (Ef 1:13, 14) e Deus no se esquecer de nenhum de seus filhos na ressurreio (1 Co 15:50-58). J lembrou ao Senhor que era feitura das mos de Deus (J 14:15), argumento j usa do anteriormente (10:3). Para J, parecia que, em vez de cuidar de sua criatura, Deus no fazia outra coisa seno manter um re gistro de seus pecados. Que esperana J poderia ter enquanto Deus o estivesse inves tigando e elaborando seu pleito contra ele? Em vez de purificar os pecados de J, Deus os estava ocultando sem sequer dizer a J quais eram suas transgresses! J se queixou dizendo: "Assim destris a esperana do homem" (14:19), e usou duas ilustraes para provar como isso era ver dade. O ser humano parece uma montanha inabalvel, mas, aos poucos, a gua vai erodindo a rocha e, um dia, a faz desmoro nar. Ou, ainda, um terremoto pode abalar as rochas, deslocando-as para outro lugar e mudando o aspecto da montanha. A morte pode vir de modo gradual ou sbito, mas certamente vir, e o ser humano partir para um mundo no qual no saber coisa alguma sobre o que acontece com sua famlia. J ansiava por esse alvio da tristeza e da dor. Em meio a um sofrimento intenso, fcil as pessoas pensarem que o futuro desani- mador e que Deus as abandonou. O famoso psiquiatra norte-americano Karl Menninger chamava a esperana de "principal arma con tra o mpeto suicida". Aqueles que no tm esperana acreditam que no vale a pena viver, pois no vem coisa alguma no futuro alm de dor e fracasso. Concluem que melhor morrer do que continuar vivendo e ser um fardo para si mesmos e para outros. O filsofo alemo Friedrich Nietzsche chamava a esperana de "o pior de todos os males, pois prolonga o tormento do homem". Porm, aquele que cr em Jesus Cristo parti cipa de uma "esperana viva" que se torna mais maravilhosa a cada dia (1 Pe 1:3ss). As esperanas mortas desaparecem, pois no tm razes, mas nossa "esperana viva" se torna cada vez melhor, pois est arraiga da no Cristo vivo e em sua Palavra Viva. A certeza da ressurreio e da vida na glria uma forte motivao para prosseguirmos, mesmo quando as coisas ficam difceis (1 Co 15:58). Charles L. Allen escreveu: "Quando dize mos que no h esperana para uma pessoa ou situao, na verdade estamos batendo a porta no rosto de Deus", j ainda no havia batido a porta, mas estava perto de faz-lo, e seus amigos no estavam ajudando em nada. "E o Deus da esperana vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de esperana no poder do Espri to Santo" (Rm 15:1 3).
  29. 29. 5 A A rg u m en ta o T ra n sfo rm a -se em D isc u ss o J 15 - 17 Como raro pesarmos o prximo na mesma balana em que pesamos a ns mesmos! (Thomasa Kempis) D urante a segunda rodada de discursos, a argumentao ganha intensidade, en quanto os trs amigos no se esforam para ajudar J, mas sim para provar que ele est errado. Afinal, o que se encontra em jogo a prpria paz de esprito dos trs e, portan to, no esto prestes a se entregar. Se J no era um pecador sendo castigado pelo Senhor, ento a viso que os trs amigos possuam de Deus era completamente equi vocada. Isso significava que no poderiam contar com proteo alguma contra o sofri mento! Se a obedincia no garantia de sade e de riqueza, aquilo que havia acon tecido a J poderia acontecer com eles! Deus os livre! Um espirituoso annimo descreveu um telogo como "um homem cego que se encontra num quarto escuro procura de um gato preto que no est l - e que o encontra!". Mas um verdadeiro telogo caminha na luz da revelao de Deus em sua Palavra, na histria e na criao e acei ta a verdade humildemente e a qualquer custo. Os trs amigos de j no eram telogos de verdade, pois enxergavam somente um lado da situao - o lado que desejavam enxergar. O estivador e filsofo Eric Hoffer escreveu: "Estamos menos abertos para o conhecimento preciso das coisas sobre as quais somos mais entusisticos". E tambm das coisas que mais tememos! 1. Elifaz: D uas advertncias (J 15) Em seu primeiro discurso (J 4 - 5), Elifaz havia demonstrado certa bondade para com J, mas sua segunda fala desprovida de qualquer pacincia ou bondade. Tambm no apresenta idias novas: Elifaz simplesmente repete sua tese anterior de que o ser huma no pecador e de que Deus deve castigar os pecadores (5:17-19). Alm disso, faz duas advertncias a J. J no tem sabedoria (w. 1-16). Como Elifaz sabia disso? Em primeiro lugar, havia escutado as palavras de j (vv. 1-6) e desco berto que eram vazias. As idias de J eram "cincia de vento" e "palavras que de nada servem" (vv. 2, 3). Suas palavras vinham de um ventre cheio do vento quente do deserto (Jn 4:8) e no de um corao repleto de ver dadeira sabedoria. Elifaz estava usando uma das tticas mais antigas da polmica: se no possvel atacar os argumentos de seu opo nente, ento ataque suas palavras e as faa parecer vazias. Samuel Johnson foi o "czar literrio" do sculo dezoito na Inglaterra, um homem que adorava passar tempo com os amigos e dis cutir todo e qualquer assunto. No entanto, quer estivesse certo quer no, Johnson sem pre tinha de vencer esses debates. O poeta e dramaturgo Oliver Goldsmith disse: "E im possvel discutir com Johnson, pois se a arma dele nega fogo, ele acerta o oponente com a coronha!" Elifaz tambm era assim. Eficaz no apenas ouviu as palavras de J, mas viu para onde elas levavam (J 15:4). "Tornas vo o temor de Deus e diminuis a devoo a ele devida" (v. 4). Se todo mun do cresse, como J, que Deus nem sempre castiga os perversos e recompensa os jus tos, ento que motivo haveria para obede cer a Deus? A religio no valeria a pena! Mas essa a teologia do diabo, justamente aquilo que Deus estava refutando por meio de j ! Se as pessoas servem a Deus pensan do apenas no que iro ganhar com isso, na verdade no esto servindo a Deus coisa nenhuma; esto apenas servindo a si mes mas e colocando Deus a seu servio. Em vez de glorificar a Deus, sua "religio" no
  30. 30. 32 J 15 - 17 passa de um sistema com ares de piedade para promover o egosmo. Quando Deus chamou a nao de Israel e fez sua aliana com ela, o povo foi motivado a obedecer por medo do castigo. Se obede cessem lei, Deus os abenoaria; se desobe decessem, ele os castigaria. Porm, isso se deu na infncia de Israel como nao, quan do Deus ainda tratava com eles como se fossem crianas. As crianas entendem mui to melhor um sistema de recompensas e de castigos do que princpios de tica e mora lidade. Mas quando uma nova gerao esta va prestes a entrar em Cana, Moiss deu ao povo uma motivao muito maior para obe decer: seu amor por Deus (Dt 6:4, 5; 7:7; 10:12-16; 11:1,13, 22; 19:9). No eram mais crianas, e Deus no precisava assust-los (nem "suborn-los") para que obedecessem. O amor o cumprimento da lei (Rm 13:8- 10) e o mais elevado de todos os motivos para obedecer (Jo 14:15). Para Elifaz, as palavras de J indicavam que ele possua um corao perverso (J 15:5, 6). "A tua iniqidade ensina tua boca!" (v. 5; ver Mt 12:34-37). J estava de clarando sua inocncia, mas Elifaz interpre tou essas palavras como prova de sua culpa! Que esperana haveria para J quando seus amigos nem sequer acreditavam no que ele estava dizendo? J no tinha sabedoria, pois lhe faltava experincia (J 15:7-10). A essa altura, Elifaz usou de sarcasmo, outra prova de que havia esgotado seus argumentos inteligentes. Tratava-se de outro artifcio do polemista: quando no possvel refutar o discurso, ridicularize o orador. Em momento algum J afirmou ser o primeiro homem criado por Deus, o confidente de Deus ou aquele que recebeu do Senhor direitos absolutos so bre a sabedoria. J sabia que seus amigos eram mais velhos do que ele, mas a idade no garantia alguma de sabedoria (32:9; SI 119:97-104). De acordo com Elifaz, a atitude de J estava errada, pois ele recusou a ajuda de Deus (J 15:11-16). Elifaz considerava a si mesmo e a seus amigos como mensageiros de Deus, enviados para dar a J o consolo de que ele necessitava. Tinha "palavras suaves" (v. 11), mas as palavras de J eram cheias de ira. Os trs amigos serviam a Deus, mas J resistia a ele. Em seguida, Elifaz repetiu a mensagem que havia transmitido em seu primeiro discur so (vv. 14-16; 4:1 7-19). J havia se recusado a aceitar essa mensagem da primeira vez, mas talvez agora, depois de haver sofrido mais, estivesse aberto a ouvi-la. Se o cu no puro diante de Deus, nem os anjos que habitam no cu, como poderia um simples homem declarar-se inocente? O ser humano nasce com uma natureza pecaminosa que anseia pelo pecado, e J no era exceo. Essas palavras preparam o caminho para a segunda advertncia de Elifaz. Deusjulga o perverso (w. 17-35). Em seu primeiro discurso, Elifaz havia descrito as bnos do homem justo (5:17-26); aqui, descreve os sofrimentos do homem mpio. Elifaz teve o cuidado de lembrar J de que essas no eram apenas suas prprias idias, mas todos os antigos tambm concordavam com ele. Se J rejeitasse as palavras de Elifaz, estaria dando as costas para a sabedoria de seus antepassados. Elifaz era um homem que encontrava grande fora na tradio e se es quecia de que "a tradio um guia e no um carcereiro" (W. Somerset Maugham). Ao ler essa descrio de um homem per verso, vemos que Elifaz est falando de seu amigo. J estava vivendo em meio dor, s trevas, s tribulaes, angstia e ao medo. Estava provocando Deus e desafiando-o a ir ao encontro dele e provar que ele era culpa do. O fogo havia destrudo as ovelhas de J (1:16; 15:30, 34); invasores haviam rouba do seus camelos (1:17; 15:21); perdera sua riqueza (v. 29); a casa de seu filho mais velho havia sido destruda e, com ela, todos os filhos de J (1:19; 15:28). Uma vez que Elifaz no foi nada sutil em sua abordagem, todos sabiam que estava falando de J. Porm, em suas palavras de concluso (vv. 34, 35), Elifaz desferiu o golpe mais ter rvel de todos: chamou J de hipcrita e mpio e culpou-o pelas tragdias que haviam sobrevindo a ele e sua famlia. J havia se cretamente "concebido" o pecado, e, agora,
  31. 31. J 15 - 17 33 seu pecado havia dado luz sofrimento e morte (Tg 1:14, 15; Is 59:4; SI 7:14). "Conce bem a malcia e do luz a iniqidade", diz J 15:35; a expresso traduzida por "o seu corao s prepara enganos", da verso Re vista e Atualizada (a r a ), foi traduzida por "seu ventre gera engano" da Nova Verso Inter nacional. Elifaz diz que essa malcia conce bida no ventre, ou seja, o mesmo lugar que, de acordo com ele, est cheio do "vento oriental" (J 15:2). Assim, para Elifaz, se algum fizesse uma radiografia de J, no encontraria outra coisa seno vento quente e pecado! A acusao de "hipocrisia" um elemento-chave no discurso dos trs amigos de J. Bildade insinuou que J era um hip crita (8:13), e tanto Zofar quanto Eli reto maram esse tema (20:5; 34:30; 36:13). evidente que J negou tais acusaes (13:16; 17:8; 27:8) e argumentou que nem Deus e nem seus amigos poderiam provar que fos se verdadeira. O problema com a declarao de Elifaz acerca do julgamento dos mpios que, na prtica, nem sempre isso acontece. Muitos perversos levam uma vida aparentemente bem-sucedida e feliz, enquanto muitos jus tos passam por sofrimentos e fracassos. E verdade que, em ltima anlise, os perver sos sofrem e os justos so abenoados, mas, enquanto isso no ocorre, muitas vezes se tem a impresso de que just

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