Capítulo 20
Estratégias lúdicas para uso em terapia comportamental infantil
U F l.-P R
O brincar é um comportamento típico da infância. Através do brinquedo e da brincadeira a criança mostra como percebe seu ambiente e como interage com ele. O uso do brinquedo e do brincar na psicoterapia foi por muito tempo um campo inexplorado pelos terapeutas comportamentais. Os recursos lúdicos eram vistos como pouco importantes no processo da terapia infantil, dando-se maior ênfase à aplicação dos procedimentos de modificação do comportamento sem muitas vezes adequá-los ao contexto da criança.O presente trabalho tem como objetivo mostrar como os recursos lúdicos podem ser usados como instrumentos, tanto para avaliação do problema da criança quanto para a modificação dos problemas apresentados, sejam eles de natureza aberta e/ou encoberta. Serão apresentadas duas técnicas que podem ser usadas com crianças e com pais em processo terapêutico. Também serão expostos os fundamentos teóricos comportamentais da utilização de tais estratégias em intervenções com crianças, sua importância, como podem fornecer dados para análise funcional do problema apresentado e como tais dados podem ser utilizados para a intervenção junto a tais problemas.O trabalho com jogos e brincadeiras associado à habilidade do terapeuta em manejar situações lúdicas para o alcance dos objetivos propostos tem mostrado que a utiliza
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ção de tais estratégias pode resultar em um ambiente terapêutico altamente reforçador tanto para a criança, quanto para o terapeuta, e principalmente apresentar grande eficácia na resolução do problema clinico apresentado pela criança.1. Técnica 1: “ Livro de Sentimentos” : estratégia para o desenvolvimento da expressividade emocional de crianças em terapia
A dificuldade de expressividade emocional tem sido identificada como um problema que acompanha vários tipos de queixas clinicas, tanto de adultos quanto de crianças. Pessoas que obtêm beneficio da terapia geralmente relatam que se tornaram mais expressivas, menos inibidas e capazes de lutar por seus próprios direitos (Lazarus, 1977). Isso implica que, mesmo quando o objetivo central da terapia não tenha sido esse, o desenvolvimento da habilidade de expressão emocional parece estar presente em grande parte das estratégias e procedimentos terapêuticos.No trabalho clínico com crianças, as habilidades de expressividade emocional muitas vezes necessitam ser diretamente ensinadas e treinadas. Crianças que apresentam déficits (retraimento, timidez) ou excessos comportamentais (agressividade, impulsividade), assim como queixas somáticas, são normalmente inábeis em identificar seus sentimentos frente às situações e lidar adequadamente com eles, sendo que um treino clínico adequado nesta área poderia proporcionar-lhes maior adequação e adaptação social.Expressividade emocional implica a habilidade de proporcionar feedback honesto, isto é, mostrar os sentimentos verdadeiros de forma franca e honesta (Lazarus, 1977). O resultado de uma maior expressividade, ao contrário do que se pensa, não é maior vulnerabilidade, mas menor ansiedade, relacionamentos mais íntimos e significativos, auto- respeito e adaptação social. Todos esses resultados são altamente desejáveis no trabalho clinico com crianças.O treinamento em expressividade emocional tem sido muito confundido com treinamento assertivo. A expressividade emocional inclui a identificação e comunicação honesta dos sentimentos e suas nuances, como amor, afeição, empatia e compaixão, admiração e apreciação, curiosidade e interesse, raiva, dor, remorso, medo e tristeza. Já a assertividade envolve somente aquele aspecto da expressividade emocional que se relaciona a lutar pelos próprios direitos.Cada pessoa tem o direito de ser e de expressar a si mesma, e sentir-se bem (sem culpas) por fazer isso, desde que não fira seus semelhantes no processo. O comportamento assertivo e a parte do comportamento expressivo que torna a pessoa capaz de agir em defesa de seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade indevida, a expressar sentimentos sinceros sem constrangimento, e/ou a exercitar seus próprios direitos sem negar os alheios (Alberti & Emmons, 1978).Lazarus (1977) afirma que muitos terapeutas são extremamente hábeis em conscientizar as pessoas de seus estados afetivos, mas para ele isto é insuficiente, pois os pacientes além de reconhecerem suas emoções também necessitam aprender como expressar seus sentimentos de uma maneira madura e honesta. Dessa forma, as habilidades especificas a serem desenvolvidas através do treino em expressividade emocional
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são: a) aprender a discriminar as emoções e sentimentos; e b) aprender a expressá-los verbalmente de forma apropriada.Considerando o trabalho clinico com crianças tais aspectos também podem ser ressaltados assim como a inclusão do desenvolvimento destas duas habilidades de expressividade emocional. Tal trabalho em terapia baseia-se nos seguintes pressupostos:
1) o repertório de expressividade emocional parece estar implicado em vários outros comportamentos infantis como estabelecimento de vínculos afetivos significativos, auto- estima, autocontrole e adaptação social (Boren, Weir & Benegar, 1987);2 ) a maior parte das crianças clínicas, isto é, que apresentam problemas emocionais e/ ou comportamentais, também apresentam dificuldades de identificar e expressar o que sentem em relação às pessoas e/ou situações (Rosenbaum & Baker, 1984);3) assim, treinar a expressividade emocional das crianças em terapia pode ser um passo anterior para o desenvolvimento de vários outros repertórios como assertividade, relacionamento interpessoal e resolução de problemas, os quais podem ter um impacto direto sobre a superação dos problemas iniciais (Moura & Conte, 1997).
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de estratégia terapêutica a ser usada na terapia com crianças: a construção do “livro dos sentimentos". A seguir será apresentada a descrição da técnica, seu uso e possibilidades, como a técnica pode ser manejada de acordo com o caso clínico, que resultados podem ser obtidos a partir de seu uso e qual sua importância no processo terapêutico da criança.1.1. Descrição da técnica - Passos para execução1) Inicie conversando com a criança sobre sentimentos: o que são, para que servem, quando surgem, quais situações evocam sentimentos agradáveis e desagradáveis, deixe que ela dê exemplos, se necessário, forneça exemplos de situações evocadoras de diferentes sentimentos nas pessoas;2) Liste com a criança quais sentimentos ela conhece. Caso a criança não mencione os principais (amor, alegria, medo, raiva, tristeza), inclua-os. Deixe que ela acrescente quaisquer outros que deseje, mesmo que pareçam sem sentido (para posterior exploração);3) Proponha a confecção do livro: instrui-se a criança a pegar várias folhas sulfite e dobrá- las ao meio formando um caderno brochura. Em seguida, instrui-se a criança a escrever o nome de cada sentimento em uma página, e desenhar ou escrever sobre ele ou situação que o evoca (pode inclusive usar cores que "combinam" com os sentimentos em questão);4) Durante a execução procure explorar o sentimento e a situação que está sendo descrita pela criança, como forma de coleta de dados e/ou de intervenção terapêutica, com o objetivo de aumentar a consciência da criança sobre os sentimentos em questão;5) Termine valorizando o “sentir" como um importante comportamento de contato consigo mesmo e com o ambiente, na tentativa de fortalecer a identificação e a expressão por parte da criança dos sentimentos ligados a sua situação em particular. O terapeuta pode fazer isto incluindo algumas páginas finais em que também escreve e desenha algo sobre a importância dos sentimentos na vida das pessoas. Por exemplo:
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1.2. Considerações sobre o uso da técnica1) A técnica proposta não ó isoladamente responsável pelo aumento do repertório de expressividade emocional, mas pode ser uma estratégia útil para introduzir este tópico na terapia e iniciar um trabalho mais diretivo de expressividade e assertividade;2) Em alguns casos, é importante fazer um trabalho anterior com identificação de sensações corporais (cheiros, gostos, texturas, formas) usando recursos mais concretos e menos verbais, como um passo anterior a modelagem deste repertório;3) Deixe que a criança expresse seus sentimentos livremente e depois explore os mais "estranhos” ou aparentemente sem sentido. Alguns exemplos de sentimentos que as crianças relatam: sonho, fé, carinho, gosto, querer, vergonha, valentia, esperar, etc. Quaisquer que sejam, vale a pena serem melhor explorados;4) Uma variação da técnica é confeccionar livrinhos sobre sentimentos específicos, que tenham relação direta com o problema da criança, como “livro da coisa chata, livro dos medos, livro de coisas que eu gosto, livro da raiva, da vergonha etc.”5) A partir desta técnica, o tema "sentimentos" pode ser mais explorado, de forma direta ou indireta na terapia, para que a criança avance nas etapas de aquisição deste repertório. Lembre-se que antes de avançar a criança precisa fortalecer o ganho anterior. Dessa forma, proporcione mais oportunidades de identificação antes de iniciar o treino de expressão verbal. E ao iniciá-lo programe estratégias que partam sempre das respostas simples para as mais complexas de forma que a criança possa corresponder às solicitações e mantenha um bom nível de motivação e cooperação para com o trabalho clinico.1.3. Conclusão
O trabalho com a técnica "Livro de Sentimentos" tem mostrado que a habilidade de identificar e expressar verbalmente sentimentos e emoções pode e deve ser modelada no repertório da criança como um requisito a superação e enfrentamento de seus problemas. Essa técnica pode proporcionar a identificação por parte da criança de relações sentimen- to-comportamento, ou seja o que sente quando age de determinada forma ou vivência uma determinada situação, para que então seja capaz de propor alternativas de mudança, seja em seu próprio comportamento, seja no ambiente em que está inserida.Como o comportamento expressivo parece diminuir as respostas de ansiedade, se ao mesmo tempo ele for seguido por conseqüências positivas para a criança (por exemplo, adquirir controle em alguma situação em que ela estava em desvantagem), aumenta a probabilidade com que esta habilidade passe a fazer parte do repertório integral da criança. Portanto, desenvolver o repertório de expressividade emocional pode trazer muitos ganhos para a criança, principalmente por proporcionar a aprendizagem de uma nova forma de lidar com as emoções em relação a si mesma, aos outros, e às situações, o que parece ter um impacto direto sobre seu crescimento e desenvolvimento saudáveis.
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2. Técnica 2: Atividade lúdica como recurso para descrição e análise de papéis familiares com crianças e paisA análise de padrões comportamentais e a descrição de contingências são aspectos que terapeutas, analistas do comportamento, consideram relevante para a compreensão do caso clínico. Na terapia infantil, o profissional deve direcionar tal intervenção no sentido de descrever e analisar os papéis e a função de tais padrões no contexto familiar. A explicitação da dinâmica familiar é uma das condições que se faz necessário para analisar o comportamento da criança.Algumas estratégias lúdicas de intervenção podem ser utilizadas para facilitar a explicitação de tais condições no contexto terapêutico tanto para o terapeuta como para o cliente e sua família. Dessa forma, o presente trabalho pretende descrever uma atividade lúdica que tem a função de identificar e ao mesmo tempo analisar o padrão e a função do comportamento da criança e de seus pais dentro do contexto familiar.A técnica surgiu da necessidade que a criança (ou os pais) explicite(m) características de cada membro familiar e da dinâmica presente, para posterior análise do contexto da interação familiar. Tal estratégia pode ser uma alternativa de prática terapêutica com pais e criança, oferecendo uma perspectiva de intervenção também familiar, para o desenvolvimento de um repertório chamado autoconhecimento.Skinner (1991) fala do autoconhecimento como prática exclusivamente humana e salienta a importância do comportamento verbal na aquisição deste tipo especial de conhecimento. Em 1974, Skinner analisa que, com esta aquisição, as pessoas passaram a descrever seus comportamentos, o cenário em que ocorrem e suas conseqüências. Acrescenta ainda que "uma pessoa que se tornou consciente de si mesma por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento".Assim, demonstraremos os resultados advindos do uso de uma estratégia lúdica, no sentido de possibilitar uma efetiva identificação e compreensão de aspectos relacionados à dinâmica familiar do cliente, bem como facilitar ao terapeuta o manejo de tais contingências rumo à resolução de conflitos familiares e/ou do problema apresentado pela criança.
2.1. Descrição da técnica - Passos para execuçãoPara a realização da técnica, sugerimos os seguintes passos:
1) Recortar papel sulfite em pequenas tiras;2) Solicitar que a criança escreva (nas tiras de papel sulfite) características ou qualidades encontradas em pessoas;3) O terapeuta pode ajudar a criança a escrever, incluindo algumas características. Pode ser interessante que se incluam alguns padrões comportamentais já observados ou relatados por pessoas da família;4 ) O terapeuta solicita que a criança escreva o nome das pessoas da família em uma outra folha de papel sulfite, de forma a organizar as características respectivas a cada membro;
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5) A criança deve colar os papéis com as características, nos lugares organizados no papel para cada um dos membros da família;6 ) Após a colagem de todos os papéis, o terapeuta solicita que a criança leia o nome das pessoas e que características atribuiu a cada uma;7) O terapeuta deve discutir com a criança sobre a descrição feita por ela e podem ser levantadas sugestões para o repertório de cada um dos membros da família (o que, na opinião da criança, cada um poderia melhorar).
Regras estabelecidas para realização da atividade:a) Todos os papéis devem ser colados;b) cada papel só pode ser colocado para um dos membros;c) se mais de um membro apresentar a mesma característica, a criança deve decidir em qual deles essa qualidade está mais presente (pode ser observada com maior freqüência);d) se houver alguma característica a qual a criança considere que não pertence a ninguém, ela deve considerar o membro mais provável de apresentar tal padrão.2.2. Considerações sobre o uso da técnica1) É importante que o terapeuta vá colocando as regras na medida em que as dificuldades vão aparecendo, para que a criança não se desmotive pelo excesso de limites ou de impedimentos. A técnica também deve possibilitar que o cliente questione suas normas e até as modifique;2) A atividade pode ser usada tanto para a criança como para os pais, ou mesmo com toda a família. O terapeuta deve decidirem que contexto ela pode estar mais apropriada e adaptá-la a cada condição;3) Salientamos que mais importante que a técnica em si, está a observação da atitude do cliente (e/ou família) ao resolvê-la. Vale ressaltar algumas sugestões para que o profissional possa ficar atento:• Como o indivíduo se comporta? Está motivado para fazer a atividade?• Desiste ao perceber as primeiras dificuldades? Como resolve seus impasses?• O que faz quando considera que uma das características podem estar presentes em mais de um membro da família?• Como age diante de uma característica que não consegue atribuir a ninguém?• Quais características atribui a si próprio e aos outros?• Como reage após a leitura da atividade? Quer manter o que fez? Tenta modificar?• O que verbaliza diante da atividade?• Como expressa seus sentimentos? Do que se lembra?• Como descreve as situações em que teve oportunidade de observar tais padrões comportamentais (antecedentes e conseqüentes)?• Justifica determinados padrões comportamentais?4) Com os pais, ou mesmo com a família, pode*se instruir que desenvolvam a atividade todos juntos. A dinâmica, ao resolvê-la, deve ser um importante fator para ser observado. Os membros podem assumir papéis diversificados dentro do grupo familiar (mais ativo, passivo, mais dominador, colaborador, questionadoretc.);162 C yntliia Borjjcs de M o u ru c M d rid R i Ij ZoéRd Soares de A /cvcdo
5) Na prática, pudemos constatar alguns padrões comportamentais bastante significativos para posterior verificação e análise de tais papéis no grupo familiar. Podemos citar algumas situações em que:• um dos membros praticamente montou o painel sozinho:• mãe que demonstrou descontentamento quando o pai atribuiu algumas características à filha (bonita, interessada, inteligente):• irmãos que perceberam que características mais negativas foram atribuídas ao mesmo membro:• necessidade de a mãe colocar alguma característica positiva para um dos filhos porque só tinha atribuído características negativas;• criança que se surpreendeu por não ter colocado nada de positivo para si própria.6 ) Outra sugestão para utilização da técnica é a de que cada um faça a sua atividade separadamente, e depois a coloca para o grupo, discutindo suas percepções entre si. Pontos em que o grupo concorda ou discorda podem ser importantes para serem discutidos;7) Percebemos a importância de a atividade possibilitar uma condição para que se faça uma análise funcional do comportamento do cliente, de padrões familiares e expectativas envolvidas. Antecedentes e conseqüentes de alguns padrões comportamentais podem ser levantados e explicitados.2.3. Conclusão
Observamos que, tanto crianças como pais, se surpreendem com a condição de que ninguém ê nada, no sentido estático e “paralisante" de uma condição. Mas, que nos comportamos diante de algumas situações de acordo com nossa história de aprendizagem, de adaptação, de como fomos reforçados e reforçamos outros a manterem determinados padrões.Com a técnica, pode ficar claro, para o cliente e sua família, quanto dentro do contexto familiar acabamos desempenhando determinados papéis que nos são atribuídos e como também nos comportamos de acordo com a expectativa que os outros têm.Assim, a descrição da presente técnica teve como objetivo a demonstração de que existem possibilidades de trabalho com crianças e seus pais (esta é apenas uma delas!), em que o terapeuta comportamental pode atuar identificando padrões comportamentais, levantando alternativas e possibilitando condições para mudanças na qualidade de relações estabelecidas entre eles. Tal repertório pode ser desenvolvido pela atuação do terapeuta dentro das sessões psicoterápicas, a partir do contexto e da relação estabelecida entre terapeuta e cliente, como ressaltaram Kohlemberg e Tsai (1991) e Kohlemberg, Tsai & Dougher(1993).Bibliografia
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