27 de novembro a 3 de dezembro de 1972 Ano II — Número 58 — Cr$ 2,00
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peripecia
de um
poeta
Tristao de Athayde
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Tristao
de Athayde
Tristao de Athayde
10 anos depoisMeu velho mestre Jacques Maritain é
agora apenas o "
frère Jacques" dos"irmãozinhos de Charles de Foucauld",
como na canção medieval francesa, patri-
mônio popular de todos os povos. Patri-
mônio universal também é hoje esse"frère
Jacques" de Toulouse, em carne e
osso (aliás muito mais osso e espírito do
que carne ...), que entra galhardamente
na última década anterior ao centenário!
Li, com a maior alegria, a entrevista por
ele concedida a Antônio Carlos Vilaça,
que atravessou expressamente o Atlânti-
co, como enviado especial do Jornal do
Brasil para ouvir pessoalmente o glorioso
nonagenário.
A alegria que tive não foi a de saber
que o velhíssimo mestre não se esquecera
de seus velhos discípulos. Mas de verifi-
car que, a dez anos do nosso último
contato pessoal, continua ele tão jovem e
lúcido como em 1962, quando fui vê-lo,
já recolhido ao acampamento dos "petits
frères" em Toulouse, junto ao moderno
convento dos Dominicanos, construído
segundo planos de Le Corbusier. Acaba-
ra, então, Maritain de completar oitenta
anos e eu vinha de Roma, da abertura do
Concilio. O primeiro objeto que vi nas
mãos do venerando "guru"
foi a fotogra-
fia de João XXIII, com a mais afetuosa
das dedicatórias.
A mensagem de otimismo e de trans-
tendência, que o filósofo da Esperança e
da Primazia do Espiritual envia ao Brasil
e ao mundo, em 1972, nesta sua memo-
rável entrevista, continuaa ser a mesma
que me confiou há dez anos. Acabava ele
de perder, dois anos antes, a sua amada
Raissa. "Nunca
mais irei a Paris",
disse-me'então, pois lá, num sobrado da
rue du Bac, é que partira a companheira
de toda a vida para sua descoberta do
Céu. Quando, agora, Maritain fala de sua
curiosidade em conhecer o céu, está con-
firmando as últimas palavras de Léon
Bloy, a quem tanto deveu sua conversão,
embora com temperamentos absoluta-
mente opostos. Ele, o "homo
cordial is",
por natureza; Bloy, por natureza o agres-
sivo "peregrino
do absoluto". Real men-
te, pouco antes de morrer, respondera
Bloy concisamente a um amigo que lhe
perguntara o que sentia nessa hora de
agonia: "une
grande curiosité".
Dizia, aliás, Aristóteles que a curiosi-
dade é a mãe da filosofia. Essa sede de
verdade dominou também toda a vida de
Maritain. Mas a descoberta da verdade
integral, longe de o encher da arrogância
habitual aos que se proclamam "donos
da verdade", comunicou ao velho mestre
de tantas gerações, embora falando a um
mundo tão indiferente à Verdade, um
espírito de humildade, de fraternidade e
de simplicidade, que me confiou aos
oitenta anos como acaba de o confirmar
a seu jovem entrevistador, uma década
depois. Como me alegro de ver essa con-
firmação da alegria espiritual profunda
que continua a fluir, cheia de otimismo,
do mestre.
"Liberdade, Justiça e Paz", palavras
do Sábio, presentes em toda asua obra,
como hoje na conversa com o jovem
brasileiro, que melhor lema para uma
humanidade que se debate diariamente
contra a opressão, a desigualdade e a
guerra? E na hora em que um Cardeal,
tão ilustre como Daniélou, da Compa-
nhia de Jesus, fala em "decadência"
da
Igreja, o testemunho de um leigo, mas"maestro
di coloro chi sono", nos asse-
gura luminosamente que a vida da Igreja,
como presença do Cristo na História,
ontem como hoje e como será amanhã, é
uma crise perene, mas de perene cresci-
mento embora descontínuo, em que os
aparentes sinais de decadência ou de cri-
se, de que os pessimistas e integristas
fazem um cavalo de batalha, são apenas
os caminhos secretos do fermento na
sombra da massa
Na aludida canção medieval, o inter-
locutor interpelava o "irmão
Tiago",
dizendo-lhe:
"Frère Jacques! frère Jacques!
Dormez-vous? dormez-vous?
Sonnez les matinês! sonnez les mati-
nes! (Conta André Malraux no seu livro"La
confition humaine", em que narra
suas aventuras no Camboja, no início da
revolução chinesa, nos idos de 1930, que
o hino cantado pelos jovens revoluciona-
rios era baseado na música medieval de"Frère
Jacques", (sic.) o que mostra que
o imprevisto e a universalidade represen-
tam mesmo a essência da condição hu-
mana!).
Quanto ao nosso irmão Tiago de
Toulouse, com os seus 90 anos bem vivi-
dos, esse não dorme. Mas continua a
tocar o sino das Mati nas para todos os
que dormem .. .Assim o encontrei aos
80! Assim continua aos 90! Assim che-
gue aos 100! D*~u$ seja louvado.
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André Malraux
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POLITIKA
Sebastião
Nery
"A
nossa Igreja é do povo
de
Deus no sertão. É uma Igreja
pobre, oprimida,
perseguida.
Mas também uma Igreja livre,
repleta de esperança e amor' |
denuncia
J
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Dom Pedro Maria Casaldaliga Pia
A
IGREJA
QEDEUS
Há um ano, no dia 23
de outubro, aconteceu na
margem direita do Rio
Araguaia a sagração po-
pular de um bispo. Não
houve pompas. Não hou-
ve autoridades convida-
das, como sempre aconte-
ce. Dom Pedro Maria Ca-
saldaliga Pia, 44 anos, um
homem pequeno, magro,
carregando sobre o nariz
adunco pesados óculos de
aro de tartaruga, rosto se-
co como todo seu corpo,
caminhou por entre a
gente simples da terra.
Apertou mãos, recebeu
abraços e presentes.
0 único luxo na ceri-
mônia simples: uma tími-
ca branca, de algodão,
que vestia. Presente de
velha sertaneja da região,
que plantara, fiara, tecera
durante meses. Em lugar
da mitra, um chapéu de
palha. Não houve discur-
sos, nem mesmo quando
cacique dos Tapirapés
lhe deu o báculo tosco,
de pau-brasil.
Dom Pedro MariaXa-
saldaliga Pia é homem
simples, decidido:
"Tanto eu como meus
companheiros de prela-
zia, religiosos e leigos, te-
mos sofrido todo tipo de
pressões. Pessoalmente,
fui ameaçado de morte. E
pelo menos duas vezes.
Ameaças gerais têm parti-
do de fazendeiros e repre-
sentantes dos latifúndios
que operam na região. As
ameaças de morte par-
tem, sempre, do pessoal
da fazenda 3ordon.
WL2
denúncia
Por amor a seu povo,
o bispo
de São Félix viu crescer uma
onda de protestos,
de ameaças
e de intrigas, cujo ápice foi
a perseguição
ao padre
Gentel.
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São
Nunca houve justiça
em
Félix. O povo
depende de suas
próprias armas e de fé
Essa acusação foi feita à impren-
sa que nada publicou. Dom Pedro
Maria Casaldaliga Pia fê-la, mais de
uma vez, durante três audiências
que teve com o ministro Alfredo
Buzaid, em Brasília. Ele fora à Capi-
tal pedir justiça, em nome dos pos-
seiros, homens simples, comuns, de
todas as partes do Brasil, que há
anos escolheram o interior de Goiás
e Mato Grosso para viver. Cortaram
a mata, trabalharam a terra, planta-
ram. Agora, imensas faixas de terra
sâk> ocupadas por empresas pecua-
ristas. E os homens estão sendo en-
xotados ou ameaçados de morte.
Um padre francês, Francisco Gen-
tel, em Santa Teresinha, uniu-se aos
posseiros. E está sendo procurado
há meses, com processo de expulsão
em andamento. Dom Pedro Maria
Casaldaliga Pia tornou-se notícia
quando foi à Brasília discutir o pro-
blema dos posseiros. Nesses encon-
fros, chefou a dizer que
"nunca1
houve justiça em São Félix" eque
nada mais esperava do governo. De-
¦pois, em abril, a defesa dos possei-
ros de São Félix foi ofjcializada pe-
Ia Igreja. Uma delegação da CNBB
foi a Brasília «pediu ao governo Fe-
deral uma mkSo do problema de
terrqs na ArfWzônia. O governo re-
conheceu os direitos dos
"sem ter-
ra". Em abril, ainda, editou um de-
creto-lei para regular os casos em
que empresas de colonização se es-
tabeleçam em terras já ocupadas.
Na verdade, nenhuma mudança
houve desde a edição do decreto. O
padre Gentel permanece foragido e
Dom Pedro Maria Casaldaliga e sua
gente simples continuam enfrentan-
do o dissabor da ameaça, fria e co-
varde, dos capatazes das grandes fa-
zendas do Araguaia. Ou a provoca-
ção ostensiva de alguns policiais.
Dom Pedro Maria Casaldaliga vi-
veu sua infância e adolescência en-
tre perseguições de padres, missas
clandestinas e medo, na Catalunha,
transformada pelos rojos republica-
nos em base territorial, nos últimos
anos da Guerra Civil Espanhola. Sua
ordenação como padre talvez o te-
nha marcado: em 1943, era um dos
mil padres que se ordenavam em ce-
rimônia conjunta, prostrados na1
grama do Estádio de Montjuich, em
Barcelona. Depois, como padre,
participou da organização dos pri-
meiros cursilhos —
bem diferentes
do que são hoje — e passou alguns
meses na África. Viveu nove anos
na Espanha e em 1967 veio para o
Brasil. Instalou-se na casa paroquial
dos padres Claretianos, em Vila
Operária, Goiânia. Logo depois foi
para São Félix do Araguaia. Dom
Pedro Casaldaliga é Claretiano. A
missão que lhe foi dada tem uma
área de 150 mil metros quadrados.
Por dois anos, viajou pelo território
de sua prelazia, a cavalo, em canoa,
em teco-teco. Trouxe padres da Es-
panha, contatou com a missão do
padre Gentel, em Santa Teresinha.
Criou escola primária, ambulatório,
fundou um ginásio, ouviu e recla-
mou pela gente pobre da região, es-
pecialmente na questão de terras.
Sempre na defesa dos posseiros,
contra as companhias de Coloniza-
ção do Norte de Mato Grosso. Vie-
ram então as ameaças:
"No Caso da fazenda Bordon, tu-
do começou porque animamos o
povo de Serra Nova a exigir seus di-
reitos. E esses direitos eram contrá-
rios às pretensões da fazenda.
"Aquilo era terra devoluta, terra
de ninguém. Reclamamos, o povo
ouviu. Em setembro de 1971, quan-
do estávamos indo a cavalo para a
fazenda, fomos avisados por empre-
gados da própria Bordon de que ha-
via uma tocaia no caminho. Que-
riam matar-me por ordem do geren-
te da fazenda, um tipo conhecido
como Benedito Boca-Quente, devi-
do a sua fama de pistoleiro. Depois
em outubro, fui informado de que
A Igreja
do povo
de Deu s
i
A terra
agora tem
donos
um empregado da Fazenda Bordon
tinha sido, várias vezes, peitado pa-
ra me matar. Prometeram-lhe mil
cruzeiros, um revólver 38 e uma
passagem para qualquer lugar. De-
pondo, mais tarde, declarou tudo is-
so na Polícia Federal. Mas nenhuma
providência foi tomada contra os
responsáveis. As pressões contra nós
são inúmeras. E sempre por causa
da defesa dos posseiros."
O povo tinha uma floresta, ao la-
do da cidade, onde via garantido o
seu futuro. Terra boa, de mata, on-
de poderiam fazer agricultura. De
repente, chegaram os empregados
da fazenda e deixaram para o povo
de Serra Nova apenas alguns quilô-
metros de mata, demarcando o res-
to como propriedade da Bordon."
Dom Pedro fala em sua casa pa-
roquial, em Vila Operária, em Goiâ-
nia. Ele vive em São Félix, mas sem-
pre vem a Goiânia. Ali é a sede de
comunicações de sua prelazia:
Calmo, imperturbável, o bispo
lembra os fatos:
_ "Ainda
no ano passado, fazendei-
ros foram à Nunciatura Apostólica
no Rio, pedir ao Núncio que não
me sagrasse bispo. A Codeara -
Companhia de Desenvolvimento do
Alto Araguaia —
tentou, em Brasi-
lia, processo contra mim. Mas, co-
mo parece que não podem prender
um bispo, querem expulsar o padre
Gentel e perseguem os posseiros
da
região. Mais de quarenta deles estão
largados pelas matas. Perseguidos
por elementos da Codeara e da Poli-
cia Estadual de Mato Grosso. Al-
guns portando armas militares, far-
dados, embora civis. Além disso,
um colaborador leigo da missão foi
preso em Santa Teresinha".
POLITJKA
A Igreja
do povo
de Deus
Santa Teresinha tem triste e
longa história, contada numa
seqüência de cinco anos, que
foram de dores, perseguições
e em que
não faltaram mortes.
denúncia
A solução é a reforma social
básica, de forma que
o povo
tenha acesso à
terra, que
não é de ninguém
Nenhum destes fatos despertou
no bispo de São Félix tanta repug-
nância quanto o processo
movido
contra o padre Gente!:
"Seria o primeiro processo
con-
tra um padre no Brasil. Porque, até
hoje, os padres expulsos o foram
sem processos, sumariamente. Mes-
mo assim, nâo sei até que ponto
essa expulsão poderia ser chamada
de processo. O inquérito, aberto na
Delegacia da Polícia Federal no Ma-
to Grusso, foi sustado e enviado a
Sras lia. E, no entanto, segundo
informações do próprio Departa-
mento de Polícia Federal, um advo-
gado nao teria funções nesse inqué-
rito. E antes de ser chamado a
participar dessa espécie de processo,
o Padre Gentel foi procurado por
todos os meios, tanto na Prelazia
como na nossa casa paroquial, em
Goiânia, como no Rio, na CNBB e
na Nunciatura — como se fosse
criminoso."
Ele lembra e defende o Padre
Gentel:"0
famoso tiroteio de Santa Te-
rezinha tem uma história. Depois de
mais de cinco anos de agressões da
Codeara contra o povo, com a coni-
vência freqüente da polícia esta-
dual, das autoridades da prefeitura,
de autoridades estaduais e até de
alguns órgãos federais, houve a inva-
são de um terreno da prelazia, onde
estávamos construindo um ambula-
tório popular, quando derrubaram a
ccnstrução iniciada e ameaçaram f i-
sicamente a todos que lá se encon-
travam. Eu, pessoalmente, e não o
padre Gentel, dei ordem para o
reinicio das obras. Aprovei, e apro-
vo, o ato de leqítima defesa com
que o povo reagiu ante nova inva-
são, patrocinada pela Codeara, des-
ta vez com acompanhamento da
Polícia Militar de Mato Grosso.
0 padre Gentel nem estava no
lugar da construção e só soube do
acontecido muito depois."
Procurado, perseguido, acusado,
0 ^
Padre Gentel desapareceu para
nao ser preso. Dom Pedro fez sua
defesa. Dirigiu-se às autoridades fe-
derais e declarou:
"com ou sem o
Padre Gentel, a responsabilidade do
^e ele disse e fez, no seu trabalho
favor dos direitos do povo
de
Santa íerezinha, é minha".
O bispo relembra o que disse, na
época:"O
incidente do ambulatório
nunca será para mim crime comum,
como pretende qualificá-lo o gover-
nador de Mato Grosso. Foi um ato.
popular de legítima defesa. E como
já afirmei duas vezes na Polícia
Federal, sou tão estrangeiro quanto
o Padre Gentel. Se ele, padre, pode
ser expulso, eu, bispo, posso tam-
bém ser expulso. Ou preso. A justi-
ça, ou é uma só, sem distinguir
pessoas ou títulos, ou não é mais
justiça."
Sem esquecer, por nenhum mo-
mento, a luta sem direito de defesa
do padre Gentel, o bispo de São
Félix percorreu corredores de Mi-
nistérios e Repartições em Brasília:
SNI, Polícia Federal. E, em abril
deste ano, saiu o decreto regula-
mentando os direitos dos posseiros,
nas áreas dos empreendimentos
agropecuários financiados por in-
centivos fiscais e nas chamadas
áreas pioneiras.
A situação, contudo, depois do
decreto, não mudou.
"É mais grave
até, em Santa Te-
rezinha. A perseguição da Codeara e
da Polícia prossegue. Agora mais
desmascaradamente. Temo que
o
latifúndio se sinta respaldado pelas
autoridades e pratique novas pres-
soes e arbritariedades. Preocupam-
me os conflitos, já permanentes, do
povoado de Porto Alegre, no Rio
Papirapé, com a fazenda Frenova,
pertencente ao grupo
Medeiros, de
São Paulo, e do povoado de Serra
Nova, com a Bourdon.
"A Igreja tem a palavra
e o exem-
pio de seu Senhor, o Cristo. Ele nos
deu, como mandamento^supremo^ o
de amar os nossos irmãos que tem
fome, sede, que estão nus, sem abri-
go. Ou sem direitos, ou sem terra, t
amar, arriscando, se for preciso, ate
a própria vida. Essa é a prova
maxi-
ma do amor." .
Se na verdade a prova maxima do
amor é acreditar em Cristo como
mandamento supremo, o bispo de
São Félix vive este mandamento.
Chegaram-lhe notícias de escravidão
branca em sua prelazia: , ,"Tenho,
entre os peões das ta-
zendas latifundiárias, alguns proble-
mas desse tipo. A Polícia Federal
dispõe de denúncias, feitas por todo
¦§ V
m » I fi sja \ fl
^H
Só Cristo
inspira
Dom Pedro
mundo. Por jornalistas, pelos pró-
prios policiais, pelos peões que con-
seguem fugir das fazendas, por mim
mesmo, através de documentos até
agora não rebatidos e alguns publi-
cados na mitiha carta pastoral, no
fim do ano passado, que se chama
Uma Igreja da Amazônia em ConfH-
to com o Latifúndio e a Margina-
lização Social. Um peão, que há
semanas fugiu da fazenda Jaú, de-
nunciou a desoladora situação dele
e de seus companheiros, que é den-
tro da minha Prelazia. Doentes de
malária, largados, sem receber paga-
mentos há meses e sem poder fugir
de lá, devido às ameaças e à falta de
condução. Alguns poucos fugiram e
chegaram tão debilitados que ou
morreram em São Félix ou ficaram
José Frageli
hospitalizados. Na minha carta pas-
toral, editada em livro, apresentei
muitos exemplos de escravidão,
com nomes, empresas e datas."
E a solução, qual seria? O bispo
responde:
"Seria uma reforma social, em
vários aspectos básicos: política
econômica, trabalhista e rural."
Sabe, entretanto, que seir traba-
lho, simples e despido de publicida-
de, é justo e fiel ao mandamento
maior de Cristo, o amor:"A
nossa Igreja é o povo de Deus
no sertão. É uma Igreja pobre, opri-
mida, perseguida. Mas também uma
Igreja livre de condicionamentos in-
teresseiros e da busca de prestígios
e privilégios. Repleta de esperança,
no meio da luta. Não a trocaria por
nenhuma outra.
Não uso nenhuma insígnia epis-
copai porque acho que a missão de
serviço que tem o bispo não precisa
de marcas aristocráticas."
D
POLITIKA
6ekonomia
A França aceitava os pontosde vista ingleses sobre os
manufaturados e lutava por
tarifas protecionistas para
sua desenvolvida agricultura
Paulo
Firmo
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Ministros das Finanças dos países que integram o Mercado Comum Europeu.
MercadoComum Europeu
0
SEGUNDO
PODER
Em 1956, alguns paísesda Europa Ocidental resol-
veram unir-se. Levados pe-la conscientização de blo-
co, objetivavam o fortale-
cimento de seu mercado.
Assim, tiveram início as
primeiras conversações pa-ra a formação do Mercado
Comum Europeu.
Durante os contatos
preliminares, a Inglaterra
propunha a formação deuma área de livre comer-
cio, opondo-se à criação de
um mercado comum, por-
que a área de livre comer-
cio lhe permitiria a conti-
nu idade de suas relações
com os membros do Com-
monwealth, evitando as-
sim, entre outras coisas, a
adoção de uma tarifa ex-
terna comum, em relação a
esses países.
O livre comércio entreos países membros defen-dido pela Inglaterra visavasomente aos bens manufa-turados. Os produtos agri-colas, o que lhe garantiaesta restrição um supri-mento de bens primáriosa baixo preço, eram ex-clu idos pelos ingleses.
A França aceitava os
pontos referentes aos pro-dutos manufaturados de-tendidos pelos ingleses.Mas também lutava pelodesenvolvimento da agri-cultura. Ao sentir que seusagricultores não obteriam
vantagens de um largomercado, sem tarifas, ve-
tou as pretensões inglesas.
Em 1958, os franceses
puseram fim às negocia-
ções, criando o Mercado
Comum Europeu sem o in-
gresso da Inglaterra. O Tra-
tado de Roma assinado pe-los seis países originais do
MCE - França, Itália, Bél-
gica, Holanda, Alemanha e
Luxemburgo -, criou a
Política Agrícola Comum- PAC -, com a finalidadede formar um único mer-
cado para os produtosagrícolas.
Na realidade estava sen-
do criado um gigante poli-tico e econômico.
INTERCÂMBIO COMER
CIAL DO MCE
Em 1963, o Mercado
Comum Europeu já se
apresentava bem desenvol-
vido. Em Strasburgo, 18
países africanos assinaram
convênio para uma associa-
ção com o MCE. Evidente-
mente, essa expansão de
MCE do continente africa-
no foi, somente, o começo
de uma infiltração e, tam
bém, a legalização do que
determinava o Tratado de
Roma, em relação às anti-
aas colônias européias da
Africa, que se tornavam in-
dependentes e aliadas, co*
mo membros de certas cc-
munidades.
Com a ampliação do Mercado
Comum Europeu, seu gigantismo
político e econômico gerounovas preocupações para os
Estados Unidos e para a URSS
A carne é o único produto
primário que não encontra oponenente no
O segundo
poder I ekonomia^ ^
Quando os Estados Unidos deci-
diram aumentar o imposto de im-
portações, os países latino-america-
nos tiveram sérios prejuízos. Nesta
época, somente a procura de novos
mercados para seus produtos seria
conveniente. Os países da Europa
Ocidental, em particular do Merca-
do Comum Europeu, percebendosuas oportunidades cada vez maio-
res, no momento em que os paísesda América Latina buscavam ansio-
'samenie clien.tes, não tardaram em
intensificar o intercâmbio comer-
ciai.Ém 1970, 56 por cento das ex-
portações argentinas, por exemplo,foram para os países-membros doMCE. Com o ingresso da Inglaterra(país que mais compra da Argenti-na), Dinamarca e Irlanda no MCE,este percentual ultrapassará a 60
por cento. Na balança comercialcom a Inglaterra, em 1970, a expor-tação de carne proporcionou à Ar-
gentina um saldo de 18 milhões dedólares, apesar de ter flutuado bas-tante nestes últimos anos.
Para os próximos dois anos aArgentina poderá exportar para oMCE cerca de 22 mil toneladasanuais de carne congelada sem osso.Esta exportação, caso se concretize,representará um aumento de 30 porcento sobre as quantidades exporta-das em 1971.
Porém, a regularização das im-portações de países não pertencen-tes ao bloco é tema de constantesdebates. No que diz respeito a carnenem tanto, apesar de a França termcentivado seus agricultores aoaumento de produção. A caprichosapiuduçào de carne francesa faz comQue^seja difícil regularizar as impor-taçoes deste produto, oferecendoassim aos exportadores dos paísesnao pertencentes ao bloco, em par-ticular os sul-americanos, um mer-cado estável e constante.
Já, para outros produtos, como abauxita, a beterraba e o café, o ex-cesso de proteção aos agricultoreseuropeus,
poderá levar aos exporta-dores dos países não pertencentesao bloco, em particular os latinos-americanos, a encontrarem dificul-dades
para comercialização.Quanto à beterraba, a França que
cultiva o produto, sustenta um for-
Mercado Comum Europeute grupo de representantes eleitos,
para garantir que os pesados impôs-
tos alfandegários continuem a inci-
dir sobre o açúcar importado. Nd
caso da bauxita, a França também é
a grande beneficiada. Possuindo de-
pósitos próprios no continente,
apesar de pressões contrárias, os
franceses têm conseguido manter as
elevadas taxas alfandegárias para o
produto. Para a comercialização do
café, os exportadores latino-ameri-
canos encontram duas barreiras. A
primeira é quanto a posrção privile-
giada dos países5 afro-franceses que
são associados do MCE (1963), e a
segunda é o imposto sobre o café
fixado na Alemanha Ocidental.
A França é a que mais luta para
proteger o agricultor europeu^ ao
contrário da Alemanha e da Itália,
que sempre optaram pela-aquisição
de produtos alimentícios nos países
que lhes compram bens industriais,
apesar da França apresentar uma su-
perprodução de produtos alimentí-
cios.
O GIGANTE ECONÔMICO
Em relação às duas maiores po-tências, os Estados Unidos e a
União Soviética, o gigantismo do
Mercado Comum Europeu, dos seis,
apresenta sérias ameaças, tendo o
próprio presidente norte-americano
demonstrado esta preocupação,
quando recentemente declarou que"o
MCE será um inimigo em poten-ciai dos Estados Uhidos no futuro".
A posição do MCE dos seis, em
relação aos Estados Uhidos e União
Soviética, pelos dados de 1970, é a
seguinte:
MCE EUA URSS
População (milhões)PNB (bilhões de dólares)
Produto Nacional/habitante (dólares
Exportações (% total mundial)
Cereais (milhões toneladas)
Carne (milhões de toneladas)
Produção de energia (milhões toneladas-carvao)
Produção de aço (milhões toneladas)
Produção de Automóveis (milhares)
Automóveis em circulação (por mü habitantes)
Aparelhos de TV em funcionamento (por mü
habitantes)
Telefones (por mil habitantes)
Centro de Computadores (milhares)
Emissões de ações e obrigações (exceto
Luxemburgo no MCE)
190
485,22565
31,86911
331109
802922Í)
216185
15
205933,3
455115,5
19323
2151122
6550
432
39956769
244288
11804,6
1609
1386116348
7
12750
não se sabe
17460 57182
No comércio mundial, para um
total de US$ 640.700 milhões, aparticipação do MCE, eu
deUS$ 194.112 milhões.
Participação do MCE no comércio mundial
_ 1971: milhões de dólares
Total mundial: 640.700 (exportações: 312.300 - importações: 328.400)
"~ PAÍS ~~
EXPORTAÇÃOIMPORTAÇÃO TOTAL
FrançaAlemanha
Bélgica e Luxemburgo
Itália
Holanda
20.594 21.323 41.91732 029 34.338 66.367
12393 12.85*4 25.24715*102 15.960 31.062
13'989 15.530 29.519
Em 1973, com o ingresso da In-
glaterra, Dinamarca e Irlanda, o
Mercado Comum Europeu aumenta
o seu gigantisnwo político e econô-
mico, criando novas preocupações
para os Estados Unidos e a União
Soviética. Em população, o MCE
dos nove, ultrapassará aos 240 mi-
lhões de habitantes, sendo liderada
pela Alemanha com 62 milhões, se-
guida da Inglaterra com 56 milhões.
Os EUA possuem uma população
de 205 milhões de habitantes e a
URSS de 244 milhões. O seu PNB
será superior aos US$ 550 bilhões,
contra US$ 933,3 bilhões dos EUA
eUS$ 288 bilhões da URSS.
No comércio mundial a participa-
ção do MCE dos nove será superior
a 35 por cento, com um total supe-
rior a US$ 280 bilhões. A Alemã-
nha lidera com US$ 66 bilhões, se-
guida da França e da Inglaterra com
US$ 41 bilhões. A participação do
MCE neste setor representará quase
o dobro do que têm os Estados Uni-
dos, Uiião Soviética e o Japão jun-
tos. No crescimento econômico, en-
quanto os EUA conseguiram a mé-
dia anual de 3,2 por cento ao ano,
no período de 1965/70, os seis pai-
ses originais do MCE atingiram a
5,2% e a Inglaterra poucamenos de
2%. Em riquezas acumuladas em di-
visas, o total do novo MCE será su-
perior a US$ 35 bilhões, também
liderada pela"Alemanha com US$
14,9 bilhões, seguida da Itália com
US$ 5,9 bilhões, a França com
US$ 5,4 bilhões e a Inglaterra com
US$ 3,2 bilhões. Neste setor os
EUA apresenta um total de US$
11,5 bilhões.
Total Geral 94.107 100.005 194.112
• .' .
8mwEWÊBaw^mÊM _______________________________________b t-^^9 __________! ..Vv,..!
11 — §1I kruzada I II J MeM
1Os meios editoriais estão
preocupados com o retraimen-
to do mercado de literatura
infantil. Alceu Amoroso Lima,
entrevistado pela Editora Abril,
suqeriu a criação do livro ciber-"nético.
Seria, com o aproveita-
mento da tecnologia moderna,
uma combinação de texto, ima-
gem e som.
2Antônio Carlos Vilaça
lançou O Anel, em noite
de autógrafo na Livraria
Eldorado, em Copacabana.
O Anel, como O Nariz,
livro cie memórias, onde o
autor transmite suas angus-
tias em face de seu destino
humano. Neste livro de
agora, mais que no ante-
rior, Vilaça revela sua in-
quieta nte busca de Deus e
do sexo.
\oventa ano.s
de Maritain
No último dia 18, Jacques Mun-
tain completou noventa anos. Nas-
cido em Paris, foi batizado por sua
mãe na igreja protestante. Teve co-
mo amigos na adolescência Ernest
Psichari Le Dantec, Bergson e
Peguy. Estudante na Sorbonne, li-
cenciou-se em letras e ciências natu-
rais. Em 1905, casa-se com Raissa
Oumançoff. É por essa ocasião que
entra em contato com León Bl">y.
Dai' resulta sua aproximação com a
igreja católica Em 1906 o casal é
batizado em Saint-Jean-l'Evanqe-
liste Montmartre.
Convertido, depois de uma via-
gem de estudos a Heidelberg, Ma-
ritain abandona todas as suas ati-
vidades refugiando-se em Quarr
Albey, na ilha de Wight. É aí que,
sob a direção do dominicano padre
Clénssac, inicia seus estudos sobre o
tomismo.
Ao regressa' a Paris, Maritain
dedica-se a uma intensa atividade
intelectual sempre ligada ao movi-
mento católico francês. Seu primei
ro livro intitula-se Philosophic
Bergsoniei.ne. resultado "de
um
curso dado por ele no Instituto
Católico dc Paris.
Em 1917, a Santa Sé lhe confere
o título de doutor ad honorem em
.filosofia das universidades romanas
Em 1918, torna-se membro da Aca-
demia Romana de São Thomas de
Aquino.
Politicamente, Maritain liga-se ao
movimento reacionário, de fundo
católico, da Action Française, cola-
borando em seu órgão oficial Revue
Cnivcrsallc Quando esse movimen-
to é co ndenado pelo Vaticano,
Maritain revê suas posições, evoluin-
do do reacionarismo de direita para
uma posição democrática.
Homem dotado de excepcionais
qualidades intelectuais, empenhado
nos estudos de filosofia, Jacques
Maritain elabora sua teoria do neo-
tomismo e do humanismo integral
obtendo grande êxite. Trabalhador
incansável, termina construindo
uma obra fundamental para o pen-
samento católico contemporâneo.
Sua influência é grande, tanto na
França, como fora dela, especial
mente na América Latina.
No Brasil Maritain é responsável
pela renovação do movimento cato-
lico até então dominado por uma
concepção estreita, tradicionalista e
reacionária. Entre as figuras mais
diretamente influenciadas, entre
nós, pelas suas novas teorias, está o
grande escritor e líder católico
Alceu de Amoroso Lima, com
quem manteve demorada corres-
pondéncia.
Maritain, durante a última
guerra, exilou-se nos Estados Uni-
dos, onde escreveu um pequeno
livro ainda hoje de grande atuali-
dade, chamado Cristianismo c
Democracia.
Além de professor, escritor, gran-dé debatedor de idéias, ocupou
durante algum tempo o posto de
embaixador da França junto ao
Vaticano.
Emo Silveira
Há de sua obra muitos volumes
editados no Brasil
Viúvo, Jacques Maritain vive hoje
refugiado em um convento Domini
cano, no sul da França, de onde te-
ve oportunidade de assistir à vitória
de muitas de suas idéias contra o
pensamento reacionário católico, o
que o deve deixar, por certo, tran-
quilo e em paz com a sua cons-
ciência.
3Enio Silveira viu-se forçado a
solicitar concordata. Com isto,
o grande editor, que vinha sen-
do açoutado por uma violenta
crise financeira, conseguirá res-
pirar. O maior credor da Edito-
ra Civilização Brasileira, hoje, é
a Editora José Olympio, avalis-
ta de uma grande operação fi-
nanceira feita pela empresa.
José Olympio está garantido
pelo controle da maioria das
ações da Civilização, que passa-
ria às suas mãos caso o débito
não venha a ser resgatado.
Enio Silveira, excepcional
vocação de editor, criou com a
Civilização Brasileira uma insti-
tuição que honra a nossa cultu-
ra.
Di, o
poetaMais uma vez, abre-me os braços
Cidade onde eu nasci!
Aperta-me no teu calor
Amada mulher
Árvore Frondosa
Peixe, pássaros
E o sol de diamante . . .
Mais uma vez, abre-me os braços
Cidade onde eu nasci
Esses versos, parte de um
longo poema publicado em
1956, na Revista de Música Po
pular, dirigida por Lúcio Ran-
gel, é de Di Cavalcanti. 0 poe-
ma, apresentado como a mais
recente elegia do pintor Emilia
no à terra carioca, leva a se-
guinte dedicatória: A Eneida,
que é uma espécie de violão da
minha vida.
Fogo
Krnzado"A
contabilidade nacio
nal pode se transformar
num labirinto de espelhos,
no qual um hábil ilusionis-
ta pode obter os efeitos
mais deslumbrantes.''
(Celso Furtado)
Povo desenvolvido
também ê povo livre"Franklin
Roosevelt não inovou a América apenas
com o l\few Deal. Encontrando-se o seu país em
guerra, e justamente por isso, ele entendeu que a
opinião pública americana deveria estar informada de
tudo quanto se passava no governo, em detalhes. Para
mobilizar toda a nação e ter o povo a seu lado,
tornava-se imperativo que a administração pública
dividisse com os cidadãos a responsabilidade das
decisões a tomar.
Exceção feita às questões de segurança nacional e
movimentação de tropas, tudo o mais constituiu
objeto de suas entrevistas semanais, transmitidas por
cadeias de rádio, costa a costa, e aproveitadas por
todos os jornais do país e muitos do estrangeiro.
Projetos em tramitação no Congresso ou
simplesmente idealizados pelo Executivo, planos para
depois da vitória final, ainda longínqua, relatos de
acontecimentos bcr.3 e maus "assado:; na Caca Branca
problemas internos e externos - tudo, enfim, era
matéria de informação e, em seguida de debate. A
imprensa se encarregava de analisar e comentar cada
um dos temas anunciados, mobilizando-se depois
diversas instituições, como associações de classe,
universidades e entidades representativas, numa ampla
e às vezes áspera troca de pontos de vista.
Assim, Roosevelt aprimorou e até reformulou
conceitos e decisões sempre que convencido da
procedência das críticas e ponderações recebidas."Manter
o povo informado" - nome dado ao
programa de rádio semanal - foi uma estratégia não
apenas destinada a conseguir a integração do povo
com o governo. Consistiu, também, a fórmula de dar
aos cidadãos co-responsabilidade nas decisões mais
graves, de modo a que todos se sentissem agentes, não
espectadores daquele grande momento nacional.
' Se é certo não haver porque, no Brasil, copiarmos
integralmente modelos estrangeiros, também parece
evidente que as boas soluções devem ser adotadas,
mesmo quando ja aplicadas além de nossas fronteiras.
É próprio do subdesenvolvimento a alegação de que
só aqui dentro encontraremos o modelo apropriado às
nossas necessidades, carecendo, pois, o País de
experiências alheias. Agir assim, no fundo, é refletir
arraigado complexo de inferioridade. Ainda mais
porque, lá e cá, ao menos teoricamente a democracia
é o denominador comum.
Os responsáveis pelo poder, no Brasil, acentuam
estarmos em meio a pelo menos duas guerras. Uma
revolucionária, solerte e encoberta, mas tão perigosa
quanto a convencional. E outra mais ou menos épica,
pelo desenvolvimento econômico e social. Para que o
País nossa vencê-las — e não apenas o
governo - informações e debates amplos são
requisitos fundamentais. Caso contrário poderá haver
vitória, mas apenas de um grupo restrito, responsável
pelo poder. A integração de povo e governo é que
forjará as bases definitivas de um processo de
afirmação, seja ao repelir as ideologias estranhas, seja
ao construir o progresso e distribuir a riqueza. Em
suma, diálogo e debate são pressupostos da grande
vitória comum, ao mesmo tempo em que monólogo e
sigilo aparecem como causadores, no máximo, de
vitórias restritas e parciais.
Hoje, diálogo e debate estão de quarentena. Não
existe entre povo e governo a comunicação
espontânea e desarmada, a menos que se tenha a
pretensão de julgar a opinião pública pelas suas
manifestações nos campos de futebol ou pelos
aplausos que despertam os filmes do "Sujismundo".
A imensa máquina de propaganda, sem a participação
efetiva da massa à qual se dirige, poderá criar falsa
impressão de unidade durante algum tempo, mas não
resistirá a análises mais profundas e nem se constituirá
no amálgama necessário a objetivos tão grandes corno
os desejados - a vitória nas duas guerras. Afinal de
contas, o povo desenvolvido não será apenas o povo
limpo, mas principalmente o povo livre.
A um ano do fim do mandato que lhe foi delegado
pelo alto comando, o presidente Mediei concedeu
duas entrevista» coletivas, ambas em 1970. Depois,
limitou-se ao monólogo, aparecendo de quando em
quando na televisão para pronunciamentos isolados
Apesar de haver declarado, inicialmente, "que dana
objetividade às metas revolucionárias de democracia e
de desenvolvimento em consonância com as mais
lídimas aspirações nacionais", e que "iria
ouvir os
homens de empresa, os operários, os jovens, os
professores, os intelectuais e as donas de casa, num
diálogo travado sobre os nossos problemas, os nossos
interesses e o nosso destino", S. exa. preferiu optar
por outros caminhos. Os grandes planos de
desenvolvimento foram lançados à moda do impacto,
isto é, de surpresa, elaborados no recôndito dos
gabinetes, sem a participação sequer da classe
político-representativa. Em todos os setores, não se
consultou o povo sobre o que ele queria, mas
estabeleceu-se o que se pensava, ele estar querendo. A
diferença é fundamental e pesa na balança da
História, contra o terceiro governo da Revolução. A
curto prazo, é a solução mais simples e mais cômoda.
Será, no entanto, a menos eficaz para o futuro".
(Carlos Chagas, do Estado de São Paulo)
ÉÉl
"As empresas como as nações nào prescindem
de uma filosofia de vida.
Elas crescem e prosperam na razão direta do
estrito cumprimento de suas obrigações para
com a sociedade. Servir, na mais profunda
acepção social de interesse público, é a norma
de conduta que há de tornar grande o Banco
Nacional de Minas Gerais'.' maio *- 1944.
Jo-ié de Magalhães Pinto - Fundador
Im «Io
*
BANCO NACIONAL DE MINAS GERAIS S. A.
comunica que,
em Assembléia Geral Extraordinária de seus Acionistas, realizada a 16
do corrente mês, de acordo com orientação das Autoridades Monetá-
nas e obedecidos os preceitos legais, deliberou pela incorporação
dos bancos
BANCO NACIONAL DE SÃO PAULO S. A.
BANCO SOTTO MAIOR S. A.
BANCO COMERCIAL DE MINAS GERAIS S. A.
BANCO DE BRASÍLIA S. A.
BANCO NACIONAL DO TRIÂNGULO MINEIRO S. A.
BANCO NACIONAL DO ESPÍRITO SANTO S. A.
Com 229 agências em todo o país, capital de Cr$ 190.400.000,00
e depósitos de Cr$ 1.954.359.202,08*, o Banco mantém sua
sede em Minas Gerais, Belo Horizonte, e passa a operar com
o nome de
BANCO NACIONAL S. A.
CONSELHO DIRETOR
Presidente
Eduardo de Magalhães Pinto
Vice-Presidentes
Marcos de Magalhães Pinto
Francisco Farias
Antônio de Pádua Rocha Diniz
Fernando de Magalhães Pinto
CONSELHO CONSULTIVO
Paulo Auler
Inar Dias de Figueiredo
José Wanderley Pires
DIRETORIA EXECUTIVA
Glower Raymundo de Souza Duarte
José Rangel de Almeida
Murillo Macedo
Olair Zenir Leite
Genival de Almeida Santos
Germano de Brito Lyra
CONSELHO FISCAL
Caetano de Vasconcellos
Alfredo Carneiro Santiago
Alberto Brochado
César Gonçalves de Souza
Hilton Ribeiro da Rocha
. ..
POLITIKA
IOkultura
A contracultura é. em termos
gerais, uma contestação, não
política, das ideologias que
marcam o Ocidente atual, com
as drogas trazendo o paraíso.
Francisco
Antônio
Dória
^_WWW vi li W-WÊÊ_W ^^**\\
_^^ HHÜIÍ____. ¦illl___i *--m WW ^__l _____-
11 VI ^^^Bl ____^^Bl^r^BI
C/ra/m Samuel Katz,
Luiz Costa Lima e
Francisco Antônio Dória,
professores de
Comunicação da
Universidade Federal do
Rio de Janeiro, em
abril de 1973 lançarão o
Dicionário de
Comunicação, uma
edição inteiramente
reestruturada e ampliada
do dicionário que com
igual nome foi lançado
no ano passado e em
quatro meses estava
esgotado. 0 texto
sobre contracultura,
a aparecer na próximaedição, é de
Francisco Antônio Dória.
POLITIKA o
antecipa por se tratar
de assunto da
maior atualidade nos
estudos universitários
do Brasil de hoje
(A Editorial
'
A contracultura é um
movimento que eclodiu,
em meados da década de
sessenta, nos Estados Uni-
dos, e que dali se espalhou
pelo mundo. A contracul-
tura é um movimento de
contestação apol ítico, isto
é, que não pretende como
objetivo seu a tomada do
poder político em algum
país. A contracultura con-
testa os valores e ideo/o-
gias que marcam, de uma
maneira geral, o Ocidente
contemporâneo - em es-
pecial as diversas formas
de repressão sexual e de
repressão ao uso de drogas
alucinógenas — e propõeum retorno ao paraíso per-dido tanto através de teses
francamente utopistas
quanto através de uma re-
vivescência da religiosidade
como experiência indivi-
dual, não institucional'!-
zada.
A contracultura pode
ser vista como uma conse-
qüência indireta — ou uma
descendente em segunda
geração — do existencial is-
mo francês pós-1945. Cer-
tamente foi o existencialis-
mo francês (cuja figura
teórica dominante era
Jean-Paul Sartre, e cujo
mito básico era a mulher
livre representada por Ju-
liette Gréco) a influência e
motivação dominantes no
movimento beatnik ameri-
cano da década de cin-
qüenta. Como em seguida
a contracultura, uma estru-
tura muito precisa consti-
tu ia o movimento beatnik.
Um aspecto intelectual //-
vre e maldito: e aqui en-
contramos o romancista
Jack Kerouac, o poeta
Allen Ginsberg e William
Burroughs, junto com a re-
valorização e o endeusa-
mento de escritores margi-
nais como Henry Miller.
Um aspecto popularesco:embora tratando-se de um
movimento francamente
intelectual e elitizado, uma
de suas marcas foi a músi-
ca pop da década de 50, o
rock'n roll, e a figura ar-
quetipicizada dos angry
young men (expressão esta
que descrevia outro movi-
mento intelectual contem-
porâneo aos beatniks, os
teatrólogos e ensaístas in-
gleses do grupo de Bren
dam Beham, John Osborbe
(Look back in Anger),
Shelagh Delaney {A Taste
of Honey, que depois se
torna em música dos
Betles), Colin Wilson (TheOutsider). Foram angry
men (arque) típicos Mario
Brando e James Dean. Um
aspecto contestatório:
Kerouac era toxicômano e
Ginsberg é homossexual
declarado. Estas três linhas
persistirão no movimento
de contracultura dos anos
60, mas com uma decisiva
alteração — a contracul-
tura é um movimento de
massa.
Talvez encontremos
seu estopim principal nos
movimentos estudantis de
contestação cujo início se
dá em Berkeley, na Cali-
fórnia, em 1964, sob a li-
derança de Mario Savio
(um não-estudante ligado
às entidades para-universi-tárias estudantis do cam-
pus de Berkeley). O movi-
mento estudantil teve uma
lógica própria, que culmi-
na em 1968 com a prima-vera de Praga e com o
Maio Francês, mas uma de
suas conseqüências lateraisresultante talvez da mar-
ginalização de um grandesetor estudantil pelas for-
ças repressoras do Governofoi a explosão, em 1966
do flower people e da
flower culture em Los An-
geles: os hippies. Em 1966
o ideário hippie já estava
maduro. Basicamente, a
exigência social da não-vio-
lência (afirmada na escolha
de não-violentos como fi-
gu ras-sim boi o do movi-
mento - Gandhi, Buddha,
Cristo) e a busca individual
de uma religiosidade atra-
vés do uso de drogas aluei-
nógenas, aliadas a certa
promiscuidade sexual. Se
os beatniks tiveram como
música o rock, os hippies
usarão de um vasto sorti-
mento onde surgem canto-
res pop como os Beatles
(cujo primeiro sucesso,
Love me do, é de 1963) e
logo em seguida os Rolling
Stones, e grupos de rock e
(conforme a gíria do tem-
po), iê-iê em cujos recursos
técnicos se acham as expe-
riências dos compositores
de música eletrônica
(Stockhausen) e a nostal-
gia do pós-romantismo eu-
ropeu (em especial Mahler,
que de músico desconheci-
do e desvalorizado torna-se
rápido figura dft surpreen-
dente importância), üe
i9ô6 até hoje pouco hou-
ve de mudanças no movi-
mento hippie, cuja tendên-
cia tem sido até agora a cie
crescer e se espalhar.
POLITIKA
A volta
ao paraíso
perdido
O homem sempre quis, através
a liberdade, conseguir a suarealização. Muitas fórmulas,
contestações e drogas para a
satisfação da individualidade.
Os hippies
são a forma
mais simples
%*^_^__B__^_^_^_^_^__^^__________B ^^^t&_____>_. Jfl_^fi_____ _____B^ <_H _______ *'^C__ wé_j_
' ___*___£.-'
"^*S-_n-_____B
_____L _J _F»*^^MtíBlta__á__l
B___BI _Bt* ' __B
Bs 15m fl _/*__i Ifl_____s ™*w' Ba' ^__H^_| H
EB1 dl wlíii I___l_^___í kL1.!
__v 1 B*fl fll --fl 9
O homem
busca sua
liberdade
movimento hippie, como se disse,
distingue-se dos movimentos existencialis-
tas de contestação dos anos cinqüenta por
ser um movimento de massa. Isto significa
o seguinte: a importância dos beatniks es-
tava nas suas figuras principais —
Kerouac, Ginsberg, Osborn; a importância
dos hippie está na difusão entre a juventu-de atual dos traços que os marcam. Entre
os hippies, ainda, tornam-se mais precisosalguns aspectos que marcaram os
beatniks. Os beatniks foram literatos -
teatrólogos, romancistas, poetas e ensaís-
tas. Os hippies fazem literatura e música
para contestarem a ideologia tecnocráticacontemporânea. Os beatniks tinham um
comportamento sexual livre e faziam uso
de drogas. Os hippies têm um comporta-mento sexual livre para negarem com hi-
Pocrisia toda espécie de repressão sexual;os hippies usam drogas como um meio de
desenvolverem uma religiosidade indivi-
dual e inata. Ideologicamente, marcam acontracultura - além da figuras da nãoviolência,
já citadas - os teóricos da ex-
pansão da individualidade: Aldous Huxley
(cujos últimos livros pregam um francomisticismo), Alan W. Watts, teólogo divul-
gador do budismo zen nos Estados Uni-dos, ISbrman O. Brown e Wilhelm Reich,
Psicanclistas freudianos cujo tema básicoé a crítica à cultura Ocidental como cul-tura da culpa e da repressão, Ronald Da-vid Laing e David Cooper (psiquiatria eantipsiquiatria),
psiquiatras que preten-dem retirar do louco a marca da anormali-dade e da patologia, Carl Gustav Jung, co-
'"•o teórico da naturalidade (e filogenia)religiosidade no ser humano, e Her-
¦ nann Hesse como guru - os romances de
'esse, típicos da forma alemã do Er-
ziehungsroman, romance-de-formação,
são vistos como guias e orientadores do
caminho que cada um deve seguir para o
encontro de si mesmo (centro da persona-
lidade e ponto onde se dá a resolução de
todos os conflitos segundo a psicologia
junguiana). O colorido geral é o de uma
negação do Ocidente e o de uma busca
utópica dos valores orientais.
Junto a este sustentáculo ideológico se
organiza toda uma maneira bem marcada
de viver. No vestuário: há uma busca da
cor e do enfeite, bem como se procura
trajes de estilo ou aparência orientalizan-
te. Há a tentativa de se exprimir uma sen-
sualidade natural através da roupa, abolin-
dose a roupa de baixo e permitindo-se
uma nudes parcial e não provocante (a
minissaia foi lançada por Mary Quant em
1966). Há, de um modo geral, a procura
de uma aparência natural e livre, o que se
vê nos cabelos longos e na barba dos ho-
mens, e no fato de as mulheres não mais
rasparem os cabelos das pernas e das axi-
Ias (porque cortar os pelos do corpo é
antinatural. Na vida social, a linguagem se
também torna livre, incorporando as pala-
vras tabu do calão com conotações se-
xuais; surge um comportamento sexual
mais ou menos promíscuo (baseado no
critério de que é bom se fazer aquilo de
que se gosta) e é feito um esforço para se
substituir a família pela comunidade..
agregado de pessoas com interesses mais
ou menos similares e que repartem tudo
ou quase tudo - desde o salário até obje-
tos pessoais e roupa (e, em casos extre-
mos, menos freqüentes do que se supõe,
chegando a uma certa promiscuidade se-
xual). Ocorre uma valorização das figuras
marginais à sociedade: o louco e o investi-
do sexual (pederastas e lésbicas). Mas não
o tarado (o pedofílico, o fetichista) e o
criminoso (o ladrão e assassino comuns).
O movimento hippie é apolítico, havendo
inclusive uma certa tendência à auto-mar-
ginalizacão frente aos mecanismos políti-
cos usuais (eleições), com exceções que só
fazem (como os provos holandeses) con-
firmar esta tendência básica.
Uma análise da contracultura deve pen-
sar suas teses e suas ausências. Suas teses:
a busca da natureza, a busca da religiosi-
dade individual, a sua apoliticidade e sua
contestação genérica às grandes marcas do
Ocidente: o cristianismo institucionaliza-
do na moral, e a tecnologia. Suas ausên-
cias: Freud entre os ideólogos, e a rejeição
de marginais sociais e de certos tipos per-
versos sexualmente.
Os conceitos de natureza e naturalida-
de surgem nítidos ao emparelharmos as
oposições do desvalor/valor no ideário da
contracultura. É natural tudo aquilo que
pertence ao lado do valor. Assim, técni-
ca-ciência/arte, repressão sexual/liberdade
sexual, materialismo burguês/religiosidade
do indivíduo, poluição tecnológica/vida
agrária, alimentação em lata/alimentação
natural (macrobiótica, por exemplo). O
que seja a naturalidade poderia ser expres-
so como visões idílicas, edênicas, de um
Paraíso perdido. Mas estas imagens em na-
da nos esclarecem; melhor é observar co-
mo, através das oposições caracterizadas
acima (explicitamente) como desvalor/va-
Ior percebe-se a oposição (recalcada) o
que é possuído/o que é desejado. O que é
possuído: a vida contemporânea. 0 que é
desejado: as lacunas da vida çontémporâ-
nea. Recalcadas estas lacunas, e recalcado
o desejo, as imperfeições do quotidiano se
completam com a fantasia (o espírito,
que fantasia, é melhor que o corpo, que é
pesado, imperfeito e perecível). Ideologi-
camente, portanto, o ideário hippie ainda
repete a divisão platônica (e gnóstica) en-
tre concreto (falso) e ideal (verdadeiro),
ou entre corpóreo (pecaminoso demonía-
co), e espiritual (divino). Mas esta ideolo-
gia permite e racionaliza todo um vasto
movimento, de desrepressão que vai con-
tra alguns dos quadros institucionais mais
básicos no Ocidente: a Moral do sacrifício
e da penitência, a família e, de um modo
geral, a autoridade constituída. O meca-
nismo de racionalização elimina (e recai-
ca) as vivências culposas - embora o re-
primido possa reaflorar na figura do
hippie que volta à casa paterna e se reinte-
gra na sociedade. O mesmo mecanismo de
racionalização permite e facilita o aban-
dono da atividade política estudantil
(que, de qualquer maneira, é condenada a
um fracasso por sua própria e .básica pre-
cariedade), atividade esta que é substituí-
da por uma auto-marginalização política
dos hippies.
No entanto, sendo a contracultura um
movimento de massa, é claro que ela pro-
duz um efeito sensível nas instituições so-
ciais contemporâneas. Bem ou mal, a li-
berdade sexual já se espalhou de maneira
a ter provocado uma reviravolta nos códi-
gos práticos de conduta contemporânea
(nos grandes centros e naquela faixa so-
11kultura
ciai que se chama habitualmente classe
média a virgindade feminina escasseia
após os dezesseis anos, fazendo com que
os casamentos se constituam após largas
vivências sexuais do homem e da mulher).
Menos importantes - aliás, muito menos
- são as ondas rapidamente consumidas
de redescobertas da religiosidade perdida,'
como os Jesus freaks (Doidinhos de Je-
sus), exemplos típicos do que Oswald
Spengler chamaria segunda religiosidade,
a religiosidade da moda que caracteriza os
impérios em decadência. Constituindo um
acontecimento à parte, o aumento muito
grande no consumo das drogas alucinóge-
nas. Estas drogas se diferenciam do álcool
por individualizarem aqueles que as to-
mam, em oposição à maior socialização
que o álcool permite. Talvez esteja aqui a
maior fonte de angústias que os alucino-
genos provocam na sociedade: constitum-
do-se a sociedade de grupos cuja tendên-
cia (e cuja exigência) é aumentarem sem-
pre os laços que unem e fazem coesos os
seus participantes - como medida social
de defesa -, os alucinógenos rompem-
precisamente esta tendência básica, des-
truindo os grupos ao isolarem i individua-
lizarem seus membros (o contraste entre a
festa onde se consome álcool — com mui-
to ruído, muita dança, brincadeiras coleti-
vas - e a festa onde se consomem aluei-
nógenos - as pessoas espalhadas nos can-
tos das casas, isoladas e quietas - é nítido
e iluminador).
É aqui que encontraremos as ausências
da contracultura. A primeira delas (e a
mais notável) é Freud. Freud só se aceita
via a revisão de Norman Brown e Reich
ou via a transformação de Jung. Por que?
Porque na teoria freudiana o que se busca
sempre é a estrutura recalcada na vivência'
visível, a culpa negada e escondida na ino-
cftncia afirmada. E por trás do movimento
hippie se acha a mesma culpa básica que
perpassa todo o Ocidente, e cuja máxima
simbolização se encontra a imagem cristã
do Deus assassinado. Esta culpa precisa
ser negada, esta enorme culpa cultural.
Negando-a, os hippies a atiram para a so-
ciedade decadente, que serve como conve-
niente lata de lixo. A mesma vivência de
uma culpa negada se acha na marginalida-
de social que a contracultura também ne-
ga. A marginalidade do ladrão e do assas-
sino, a marginalidade do perverso e do ta-
rado. Aqui está o lado sombrio, e irrecu-
peravelmente sombrio, de nossa cultura.
O criminoso é ontologicamenle mau; d vi-
da do perverso é triste e decaída. A ideo-
logia hippie não tem lugar para a sombra
(malgré Jung).
No entanto, há alguma coisa de muito
inquietante na contracultura. Talvez o
anúncio de um tempo em que a ciência e
a tecnologia desapareçam como institui-
ções dominantes e determinantes no Oci-
dente, deixando lugar para aquela institui-
ção muito mais arcaica (e muito mais ho-
mogênea) que é a arte. Mas isso é coisa
que só vai acontecer daqui a uns cem
anos, e não vou viver até lá. É pena?
Realmente, não sei.
.
• IflIlStéUKMiMIM*
bacia
L
das almas
^
Simonnl. o dedo-duro
Desde que se tornou garoto-propaganda do governo, Wilson Simonal começou a se
desgastar. Antes ele comandava a galera; lembram-se daquele Festival da Cançao, no
Maracanãzinho? Pois bem, depois de descoberta sua condição de duce, começou a expio-
ração. O Simona era usado para tudo: cantar hino, dar conselhos e até garoto-propaganda
de truste do petróleo. De repente, suas outras qualidades começaram a aparecer e culmi-
naram com a revelação do inspetor Mário Borges: o Simona é também dedo-duro. Piestou
relevantes serviços ao Mário Borges. Sua versatilidade foi longe demais e o povo nao
perdoa. É o fim de carreira do Simonal, melancólica, convenhamos. Alcagoete não é Ia
uma profissão muito digna.
Wilson Simonal
Kililorial -I
DIVIDA EXTERNA - "A dívida externa do Brasil cm 1970 era do 5
bilhões 296 milhões de dólares. I m 1971. até setembro, era de 6 bilhões
125 milhões e 300 mil dólares. Atualmente ela jiira em torno de 8
bilhões de dólares. Desprezamos o montante da dívida atual para nos
basear, nos cálculos que taremos, apenas, na dívida oficialmente
publicada nas estatísticas oficiais que é de f> bilhões, 125 milhões e 300
mil dólares até setembro de 1971. isto é. dívida de um ano atrás. Desta
dívida, 43% foi contraída com vencimento a curto prazo. Isto eqüivale a
dizo* que 2 bilhões, 633 milhões tem vencimento a curto prazo. Esta
dívida a curto prazo representa mais de 90% do total de todas as nossas
exportações em 1971 que foi de 2 bilhões, 900 milhões de dólares.
Adniitindo-se um prazo médio de 3 anos para os empréstimos a curto
prazo temos uma previsão de amortizarão de 878 milhões de dólares por
ano. Acolhendo-se um prazo médio de 10 anos para os outros
empréstimos num total de 3 bilhões, 492 milhões de dólares, temos uma
amortizarão anual de 392 milhões de dólares. Como vcem, o país está
precisando de uma verba de amortização de capital de sua dívida externa
de ordem de 1 bilhão e 270 milhões de dólares, correspondente à soma
das parcelas de resgate da dívida a curto, médio e longo prazo.
Acrescente-se a isto - as parcelas de juros a 6% (em termos de
empréstimos de Governo, porque se calcularmos para operação na base
das resoluções 63 e 289 a taxa de juros fica em torno de 9 a 9,5%)
constatamos a necessidade de 360 milhões de dólares anuais para
pagamento de juros. Adicionando-se as duas parcelas anteriores
encontramos a cifra de 1 bilhão, 630 milhões de dólares, só para
pagamento de juros c amortização anual da dívida o que obriga o Brasil a
gastar somente para eles, atentem bem, mais do que o total de sua
exportação em 1970, de acordo com o relatório do Banco
Central - 1970 página 127 de:
r--« »rSr» 940 milhões de .dólares
Café - solúvel 43 mi,hões de dólares
aÍLis* 154 milhões de dólares
Maneanês 31 mi,hõcs de dólares
Manganês 2Q9 milhões de dó,arcs
JJJ?. 110 milhões de dólares
Hg, 127 milhões de dólares
TOTAL 1.614 milhões de dólares
90 milhões dol.
Todas estas exportações, Srs. Deputados, são insuficientes para o resga-
te parcial e juros de nossas dívidas, o que constitui um tato alarmante e
sem precedentes na nossa história.
Mas não é só. A estas duas últimas parcelas e preciso se adicionar o
custo em dólares das chamadas despesas invisíveis, (das celebres despesas
invisíveis), que somaram, em 1970, a 603 milhões de dólares, assim discri-
minados — relatório do Banco Central — 1970 página 127.
Note-se que só computámos as despesas invisíveis que se tornaram
visíveis no relatorio do Banco Central, deixando de utilizar uma estimati-
va das verdadeiramente invisíveis mas, sem nenhuma dúvida, existentes e
atentatórias à dignidade da Nação brasileira e camuflada nos sub e sobre
faturamentos que realizam matrizes e filiais das empresas estrangeiras.
Remessa de lucro e dividendos para o exterior 119 milhões de dol.
Viagens - Déficit Turismo 120 milhões dol.
prete 190 milhões dol.
Seguros milhões dol.
Transações Governamentais - compreendendo gastos
do Governo em dólares com funcionários -
diplomáticos, embaixadores, adidos militares
culturais, comerciais (déficit)
Serviços diversos - Royaltes, Patentes,
Comissão - Assistência Técnica 74 milhões dol.
Total milhões dol.
Juntando-se as obrigações anteriores
com juros, amortizações etc. 1.630 milhões dol.
Temos um total de 2.233 milhões dol.
Isto significa que o Brasil precisa de uma receita de 2 bilhões, 233
milhões de dólares para responder os seus compromissos externos anuais.
Precisaríamos, pois, no balanço comercial que o nosso saldo fosse cx-
traordinariamente alto, capaz de atender às necessidades das importações
e mais as que decorrem dos compromissos mencionados. A verdade, en-
tretanto, é que no encontro de contas da nossa balança comercial, isto é,
a relação entre as exportações e importações estamos deficitários. Em
1970, exportamos 2 bilhões 738 milhões 900 mil dólares e importamos 2
bilhões 849. milhões 200 mil dólares com um saldo negativo na Balança
de Pagamento de 110 milhões 300 mil dólares - 110,3.
Já em 1971 exportamos 2 bilhões e 900 milhões de dólares e importa-
mos 3 bilhões 225 milhões de dólares, com um saldo negativo de 325
bilhões de dólares - 325,00. (Boletim do Banco do Brasil - 10, 1971).
É por isso Srs. Deputados que o ministro Delfim Neto virou Caixeiro
Viajante.
Até onde sr. presidente
os subsídios concedidos às exportações brasilci-
ras serão toleráveis, agravando a vida do povo, tudo para suportar tais
encargos com a dívida externa e os compromissos cm moeda externa?
É uma constatação dolorosa. Os compromissos externos do Brasil, ho-
je, por ANO, são equivalentes a pouco menos do que o total da dívida
externa global do Brasil em 1963."
(Francisco Pinto, deputado federal, do Diário do Congresso).
Quando os nacionalistas
dizem que a ajuda dos Estados
Unidos é uma mentira, vêm o
Jornal do Brasil e o O Globo e
nos chaman de jacobinos,
extremados e xenófobos. A sra.
Judit Tendler, professora na
Universidade da Califórnia e
ex-funcionária da AID (Agên-
cia Internacional de Desenvol-
vimento) no Rio de Janeiro, vai
à Comissão de Dotações do
Senado norte-americano e de-
clara:
— "Os
programas de ajuda
ao Brasil, promovidos pela
AIB, prejudicam a indústria
brasileira".
- "A
AID, pelo menos em
duas ocasiões, durante minha
experiência na agência, no
Brasil, pressionou os técnicos
norte-americanos e brasileiros
para que se decidissem pela
compra em emprego de equipa-
roentos norte-americanos que a
indústria local tem capacidade
para produzir".
- "A
AID financiou a
construção de uma usina hidre-
létrica no Estado do Rio Gran-
de do Sul, pressionando para
que as turbinas e geradores
fossem adquiridos nos Estados
Unidos. Além da pressão para
compra de equipamentos
norte-americanos — a AID con-
seguiu que a capacidade da
usina fosse de 250 megawats
embora os estudos técnicos re-
comendassem uma capacidade
de somente 125 megawats. A
pressão para o aumento de
gastos tem o objetivo de am-
pliar as exportações norte-
americanas".
— "Em
um programa de
preservação de estradas no Sul
do País, a AID impôs à impor-
tação de 100 caminhões que
poderiam perfeitamente ser
produzidos no Brasil".
— "O
programa de preser-
vação de rodovias obrigou os
organismos locais a adquirirem
mais equipamento do que o
normalmente empregado nas
rodovias norte-americanas".
E agora, doutores? Fizemos
questão de transcrever ipsis
litteris o texto traduzido e
publicado pelo Jornal do
Brasil. Por que o JB e o O
Globo não denunciam essa
Mme Tendler por estar prejudi-
cando a imagem dos Estados
Unidos e desservindo a amizade
entre os brasileiros e nossos
irmãos do Norte?
O burro
interno
Na Rússia tinha um sá-
bio. Nasreddin de
Bukhará. Um dia, ele
anunciou à Nação que fa-
ria um burro falar em 30
anos.
Um amigo lhe pergun-
tou se não temia o fracasso
e a desmoralização. Nas-
reddin sorriu:
— Ora, daqui a 30 anos,
nem o burro estará vivo
nem eu. Que importará,
então?
Eu ando desconfiado de
que o governo mandou
gente a Bukhará para
aprender a lição de Nas-
reddin: — vamos falar, va-
mos garantir, vamos afir-
mar. Se ficar tudo em pro-
messas, que importará?
Daqui a alguns anos outros
estarão aqui e ninguém
mais se lembrará das pala-
vras que ficaram somente
palavras, do burro nacional
que não falou.
O «lorrolailo
únh*o
São Sebastião da Lagoa de Roca
é uma cidadezinha do interior da
Paraíba, que vive e depende do go-
verno estadual. Por isso a ARENA
lá é quem manda. O MDB não tem
vez. Assim, a ARENA correu sozi-
nha. Candidato único. Abertas as
urnas, os votos em branco suplanta-
ram os atribuídos a Daniel Gregório
da Rocha e seu companheiro Severi-
no José Cardoso. Serão marcadas
novas eleições. Certamente Daniel
Gregório não concorrerá mais, já re-
cebeu o julgamento do povo. Ele e
a ARENA.
Amador, o
profissional
O banqueiro Drault Ernani
contava, em uma roda de banquei-
ros, esta história de banqueiros:
Walter Moreira Sales convidou
Amador Aguiar para conhecer pes-
soai mente os diretores do grupo
União de Bancos Brasileiros, que
deveriam trabalhar com a turma do
Bradesco. E foi dando os títulos de
um a um:
Este estudou em Harvard. Esse
aí tem curso de especialização em
Cambridge. Aquele foi primeiro alu-
no em Oxford.
E foi em frente. Quando acabou
a fila, o velho Amador falou grosso:Pois é, senhores. Já que perde-
ram tanto tempo aprendendo essas
coisas, vamos ganhar dinheiro.
Ciirsillio
o Buswtta
Em carta aos jornais, o
m arechal Jus tin o Alves
Bastos diz que o mafioso
Homero de Almeida Gui-
marães Júnior se declarava
tratar-se de um "ardoroso
e autêntico revo lúcio-
nário".
No Correio da Manhã
(coluna PaineU Sérgio Fi-
gueiredo informava:
"Ho-
mero de Almeida Guima-
rães Júnior, preso em Bra-
sitia, acusado de ser desta-
cado membro da Máfia da
heroína, era um dos mais
conhecidos cursilhistas de
São Paulo".
Há um livro famoso so-
bre a Opus Dei intitulado
A Santa Máfia Homerinho
provou que é mesmo um
gênio: fazia parte das duas.
Da santa (a do Cursilho) e
da pecaminosa (a de Bus-
cetta).
A subversiva
deelaraçfto
Um jornalista do "Miami
He-
rald", no dia da Festa Nacional dos
Estados Uhidos, tirou 300 cópias
da Declaração da Independência e
mandou a 300 assinantes adultos do
jornal. O resultado foi o seguinte
(seguido o telegrama de Miami,
EUA;
1) Em cada 100, 28 pensaram
tratar-se de um fragmento das obras
de Lenin.
2) "O autor deve ser um comu-
nista. Um inimigo do país".
3) "Trata-se de alguém que quer
fazer a revolução, provavelmente
por motivos pessoais e egoístas".
4) "É obra de um louco. Isto não
tem o menor sentido".
5) "Alguém deveria denunciar o
autor desse texto ao FBI".
O jornalista ainda fez mais. Foi
para o meio da rua e começou a
propor que subscrevessem a Decla-
ração da Independência, fazendo-a
passar por um manifesto. De 50
pessoas, apenas uma aceitou assinar.
Desde, porém, que lhe fossem pagos
pelo menos 25 cents.
Conclusão do Miami Herald: A
Declaração da Independência, redi-
gida há quase 200 anos pelos f unda-
dores da nação norte-americana,
tem, hoje, natureza altamente
subversiva".
Os impérios começam a acabar
assim. Crescendo para baixo, como
rabo de cavalo.
m
POLITIKA
Ml'
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11
SnEtt I
Miguel Reale
4inlinnc<M» imortal
Plínio Salgado, cansado de ser O Estrangeiro, quer agora tornar-se O Esperado. Tenta,
desesperadamente, entrar para a Academia Brasileira de Letras. Já conversou com alguns
acadêmicos que outrora usaram fardão verde. Miguel Reale, reitor da Universidade de São
Paulo, soube da história e está furioso. Afinal, sua candidatura foi lançada antes e ele tem
dito a amigos mais próximos que se trata de uma punhalada pelas costas partida de quem
menos teria autoridade moral para traí-lo.
0 presidente Austregésilo de Athayde, fino ironista, dava gargalhadas esta semana
conversando, a portas fechadas, com um amigo seguro: — O Plínio vai me criar um
problema. No projeto da nova Academia, o arquiteto não previu galinheiro.
bacia
das almas
0 mmtHo
pxórcilcr
ilt> \i x o li
No dia da mais recente desmora-
iização internacional dos EUA,
Henry Kissmger compareceu a uma
recepção da embaixada de Saigon,
em Washington A dita embaixada,
segundo alguns jornalistas locais, é
um dos escritórios de Thieu para
importação de heroína. O assessor
era todo sorrisos, afirmam os raros
jornalistas presentes (os irmãos
Aisop, William Buckley e outros
expoentes da direita). E revelou
aquela espirituosidade coruscante
que faz a delícia dos Sênior (ler
Senls) Editors de Time. Newsweek
e de outros desperdícios de papel,
tinta e dinheiro. Disse que não era
Kissinger, mas o sósia de Kissinger
(rir, rir, rir). 0 assessor do assessor,
general Alexander Haig, declarou-se
a namorada de Kissinger. Brincadei-
ra, naturalmente, mas alguém preci-
sa avisar ao general de que não
existem brincadeiras sexuais inocen-
tes. Se tudo isso não bastasse, anun-
cia-se que depois da retirada dos
EUA da Indochina, Nixon quer
manter lá alguns assessorai, que se-
riam, segundo fontes do governo,
oficiais de West Point. As fontes
não oficiais, a que dou mais crédito,
calculam que Nixon planeje manter
no Vietnã do Sul um exército sKre-
to controlado pela CIA. o que já faz
no Laos. Humoristas negros acham
que Nixon quer voltar a 1960-63,
quando Kennedy mantinha também
assessores no Sul. Depois, quem
sabe, convidará os franceses a volta-
rem. Enquanto Kissinger, desmenti-
do publicamente pelo patrão, fazia
graças, continuava morrendo gente
no Vietnã, mas, o que importa?
Hoje praticamente só morre amare-
Io e já há gente de cor demais no
mundo.
(Paulo Francis, dos Estados Unidos
para a Tribuna da Imprensa)
lindo raio
A professora de uma escola
pública da Guanabara conta o
diálogo com um garotinho,
nível 1, seis ou sete anos, se
tanto:
Meu filho, você bebeu al-
guma coisa?
Bebi, sim senhora. Bebi
cachaça. ,
Meu Deus do céu, quem
foi que te deu cachaça?
Foi meu pai.
Seu pai?
A senhora não se assuste
não. A gente bebe todo dia de
manhã, e' para enganar o estô-
mago.
Depois a gente pensa que
Mundo Cão é só no cinema.
Mulher*»*.
Iiiclios i»
futebol
0 povo votou. As opções
não eram muitas, por isso foi
procurar os seus candidatos en-
tre os não-candidatos. Rivelino,
o Garoto do Parque, foi o ve-
reador mais votado em São
Paulo. No primeiro dia de apu-
ração, somava 10 mil votos,
contra 7 mil atribuídos a Ma-
nuel Sala, do MDB. Em Belém
do Pará, Sujismundo, o garoto
propaganda da AERP, lidera a
votação, enquanto em Salvador
os baianos preferiram a onça
Peteleca, famosa por ter fugido
do Zoo. É isso mesmq, quem
não tem cão caça com.gato. Ou
com onça.
Uma coisa se positivou nesta
eleição: a ascensão das mulhe-
res e dos jogadores de futebol e
dirigentes esportivos.
Bety Friden, aquela horroro-
sa norte-americana que esteve
aqui pregando a emancipação
da mulher, fez escola. Várias
prefeitas foram eleitas, como
Editorial - 2
1 - "O mercado de capitais está deprimido, como
era de esperar-se, cm seqüência à fase de violenta
especulação. A recuperação é lenta, mas pode ser
acelerada, com medidas adequadas. Não nos parece,
entretanto, medida recomendável a oferta de títulos
de renda fixa. Não é esse o meio de estimular a
demanda de ações.
2 - "O momento, pois, desaconselha o lançamento
de títulos públicos. Existindo substanciais recursos
provenientes de contribuições compulsórias, destina-
das às instituições financeiras da União, compete-lhes
atender às solicitações mais urgentes dos listados.
Devemos aguardar a consolidação do mercado de
capitais para dar início ao restabelecimento do crédito
público estadual.
3 - "Muito embora o acúmulo de reservas no
exterior, com seus reflexos sobre os meios de paga-mentos, seja um problema do Governo federal, as
medidas que as autoridades decidem tomar exercem
•mpactos nos meios financeiros da Guanabara. E
natural, pois, que as pessoas envolvidas nessas ativi-
dades possam ter a oportunidade de manifestar seu
ponto de vista, em proveito da política federal".
^ ~ "0 a fluxo de crédito proveniente
do exterior
assume características inflacionárias quando a utiliza-
Çao de cruzeiros pela importação de mercadoria e
transferência de serviços é inferior à soma de cruzeiros
resultante da entrada do crédito estrangeiro. O exce-
dente da entrada sobre a saída de cambiais, ou seja a
'ormação de reservas em moeda estrangeira, exige a
contrapartida da formação de reservas em moeda
nacional. Do contrário, a soma de cruzeiros supera o
Montante desejável.
n As autoridades monetarias — continuou o
exfS — necessitam de reservas, no
v;c"or- A reccita da exportação sofre, dc quando
emz, declínios inesperados. Mesmo que se disponha dasistcneia
do Fundo Monetário, é conveniente av' r' >° de linhas adicionais de segurança, notada-
mente quando se avolumam os serviços dos empres-
timos. Todavia, se tem sido fácil acumular reservas no
exterior, dada a crescente oferta de emprésmo ao
Brasil há dificuldades da acumulação correspondente
en. cruzeiros. A dificuldade c plenamente compreen:
sível Se procuramos disponibilidade no exterior e
porque existe deficiência de disponibilidades no terri-
tório nacional.
6 "O
Governo federal adotou engenhoso processo
de absorção de cruzeiros, mediante a venda de títulos
emitidos pelo Banco Central. O mercàdo linanceiro da
Guanabara manipula elevadas somas com esses; títulos.
Conquanto seja um mercado peculiar,
dos papéis postos em circulaçao, sua influencia nao
deixa de refletir-se no mercado dc capitais, onde«
União, e também a Guanabara seempcnhamcm
normalizá-lo Havendo dificuldade dc colocar ações
ZZ no mercado, as empresas pressionam a procura
rSdío optando pelo empréstimo no exterior, por
ser mais favorável.'
estimula? ^^lUrad^^^a^itaracion^io!1 em
Psubsü-
SE? 35USKÍ3&S HSKS
£o da Guanabara, ura»;«« que ™ «
\
S2
de ^cõts novas no meíc»do se apresent». ,nv.»vel,
u »-Ç\n muito sério à expansao economica. A
participação^da demanda exterior facilitaria a venda de
ações de empreendimentos novos.
8 _ »É de fundamental importância que °s cruzei-
mos. A Uberasão das renovais ao depôs,to de 25%
en(rÃoSoí Octávio^Gouveia
dc" Bulhões, ex-ministro
da Fazenda da República Federativa do Brasil).
uma Diana, em Caçapava, São
Paulo. Em Belém as votações
para vereadores estão sendo pu-
xadas por duas mulheres, Maria
Duarte, da ARENA e Vera Lú-
cia, do MDB. Em Belo Hori-
zonte, Ivone Borges Botelho, li-
dera a ARENA, enquanto o
MDB tem à sua frente dona
Junca Marisenuma. Em Porto
Alegre, pela primeira vez uma
mulher é eleita vereadora, dona
Darci Furtado.
O mineiro está com furor fu-
tebolista. Vejam só a relação
dos mais votados para a Câma-
ra Municipal de Belo Horizon-
te: Kafunga, comentarista de
futebol; Wilson Piazza, jogador
do Cruzeiro; Neri Campos, di-
retor do Clube Atlético Minei-
ro; Gil César Moreira de Abreu,
construtor do Mineirão; Aldair
Pinto, radialista e chefe da tor-
cida do Cruzeiro; Fernando
Sasso, locutor esportivo, e Be-
nedito Adami, locutor esporti-
vo e pesquisador, todos da
ARENA, à exceção de Piazza.
Um terço dos 21 vereadores
belorizontinos está ligado ao
futebol. Só falta escalar o time.
zoro millia
O Informe JB, falando sobre as
200 milhas, diz que "o
decreto bra-
sileiro, na sua conceituação, sedife-
rencia muito da decisão tomada a
esse respeito pelo Peru".
Quem escreveu isso nunca leu o
decreto peruano, que tem a mesma
conceituação (e não poderia ser de
outra forma) do brasileiro. Tanto
um como outro estabelece que o
mar territorial, do Peru e do Brasil,
vai até as 200 milhas, soberanamen-
te.
Mal informado quanto á concei-
tuação, D que o Informe JB devia
lembrar é a absoluta diferença da
prática. Enquanto o Peru está real-
mente agindo soberanamente sobre
as 200 milhas, controlando toda a
pesca e toda a comercialização, nós
continuamos com as 200 milhas
apenas no papel, pela absoluta,
inexplicável e intolerável incompe-
téncia da SUDEPE (Superintendén-
cia do Desenvolvimento da Pesca).
Editorial - •!
"Rejeitar não é dizer não. É mo-
dificar pelo trabalho. Isso quer di-
zer que aceitarás muitas coisas para
modificar algumas delas" (Jean-Paul
Sartie que o MDB precisa ler).
Peron.
a visita da velha senhora
POLIU KA
O prefeito
da cidade gaúcha
de Gramado pretende
erguer
um monumento aos tripulantes
do cruzador alemão Adniral
Graf Spee num acinte ao país
Edmar
Morei
IIEI*OHTAGE»l
PROIBIDA
0 NAZISMO
RESSURGE
DAS CINZAS
0 AOS
1H
Em fins de 1939, fui designado por Assis Cha-
teaubriand para fazer uma reportagem, em Monte*
vidéu, sobre o cruzador alemão Admirai Graf Spee,
seriamente danificado pelas belonaves britânicas Ajax,
Achilles e Exeter, na manhã de 13 de dezembro, no
Atlântico Sul. 0 navio nazista chegou è capital uru-
guaia na mesma noite e o comandante Langsdorff pe-
diu 14 dias, pelo menos, para os devidos reparos. 0
Conselho de Ministros só concedeu 72 horas.
As atenções do mundo voltaram-se para Montevi-
déu, onde Langmann, ministros de Hitler no Uruguai,
em sucessivos telegramas, pedia instruções diretas ao
Estado Maior da Armada Nazista; : V>«
Repórteres do Rio, São Paulo edè quase todas as
grandes capitais das Américas rumaram para Montevi*
déu, sendo envolvidos ppr uma onda de boatos. Cer*
to, à vista, o Graf-Spee, com dois rombos, fundeado
no porto, procurando ganhar tempo. Wlas 0 governo
foi decisivo: o prazo seria de 72 horas, o. mesmo con*
cedido à belonave britânica que chegara, há tempos,
avariada. Além dos três possantes navios de guerra de
Sua Majestade, ao largo, em posição estratégica, esta-
vam o cruzador Ark Royal e o destróier Renown, não
havendo a mais remota possibilidade do Graf-Spee es*
capar. Nesta dramática situação, o comandante
Langsdorff enviou este telegrama em código:
Proponho afastar-me até fronteiras neutras. Se for
possível abrir caminho até Buenos Aires, usando a
munição restante. Isso será tentado. Caso a tentativa
de furar o bloqueio traga como resultado certo a des-
truição do Graf Spee, sem possibilidade de causar da-
nos ao inimigo, peço instruções se o navio deve ser
afundado, apesar da profundidade insuficiente no es-
tuáriodoriodaPrata ou se devo preferir o interna-
mento. Peço urgente decisão.
Hitler, através de Weizsacker, ordenou a destruição
do cruzador,' considerado um dos orgulhos da mari-
nha germânica.
Num outro despacho, Langsmann intrigava:.'
Fiquei sabendo, confidencialmente, de fonte segura,
que o ministro Britânico exige irritado que o Graf-
Spee deixe o porto em 48 horas e que as relações com
a Alemanha sejam cortadas. O Presidente Alfredo Bal-
domir, energicamente, negou-se a um rompimento,
antes da Argentina e do Brasil. O Presidente tem, em
círculos privados, manifestado a esperança de que a
próxima chegada de submarinos alemães possam furar
o bloqueio, do rio da Prata.
—V
16 horas e 56 minutos do dia 17 de dezembro de
1939. O comandante Langstorff, fora do limite de 3
milhas, fb^ explodir o cruzador e pediu internamento
ao governo- argentino para toda tripulação, pronta*
mente concedido.
Soube-se que o Admirai Graf*Spee, por ordem ex*
pressa do almirante Neubauer, do alto comando na-
vai, veio para o Atlântico» Sul, fazendo desembarcar
munição para os nazistas nativos da Argentina edò
Brasil, os últimos, já em desgraça, ante o frustrado
assalto ao Palácio Guanabara, em 11 de maio de
1938.
Voltei ao Rio e escrevi algumas reportagens, porém
bastante mutiladas pela censura. Eu mesmo não as
reconheci depois de publicadas. Chateaubriand man-
dou que eu voltasse à Argentina para tentar entrevis-
tar os tripulantes do Graf-Spee.
Encontrei-os em Córdoba, no alto da montanha
com a vida que pediram a Deus. Todos nús, numa
piscina, bebendo o melhor uísque escocês da terra,
corados como maçãs, certos de que, em futuro próxi-
mo, seriam repatriados. O próprio Langstorff coman-
dava a alegria, gozando de inconcebível proteção, via-
jando a qualquer hora para Buenos Aires.
Hitler, em discurso memorável pronunciado em
Hamburgo, verberou a atitude do Conselho de Minis-
tros e teceu um hino de louvor aaos seus comandados.
Hoje, o Brasil está cheio de earrascos de Hitler.
Muitos foram descobertos e extraditados. Outros, co-
mo Hans Müller, em Porto Alegre, possuidor da Cruz
de Ferro, do III Reich, que ajudou a invadir a Polônia
em 1939, e muito contribuiu para a destruição de
Creta, vive lépido e fagueiro. O antigo capitão de Hi-
tler chegou ao Rio em 1945, dias depois da chegada
da FEB. É um homem de coragem. Pelo menos não
trocou de nome. Existem muitos Hans Müller pelo
Brasil afora, com identidades trocadas.
O que ninguém sabia e acaba de ser denunciado
pelo Ex-combatente, órgão oficial dos pracinhas, se-
ção da Guanabara, é que o prefeito da cidade gaúcha
de Gramado está pretendendo construir um monu-
mento aos tripulantes do Admirai Graf-Spee. E o jor-
nal dos bravos pracinhas pergunta:
Gostaríamos de saber, se as autoridades civis e mili-
tares do Estado do Rio Grande do Sul tomaram co-
nhecimento deste crime contra a memória de nossos
mortos de guerra, de nossos mutilados. Gostaríamos
de saber, como o bravo a valente povo do Rio Grande
do Sul, tão cioso de seu passado dê lutas gloriosas em
defesa dos ideais democráticos, reagirá em face desta
violência. Gostaríamos de saber, como a juventude
gaúcha, que tão generosamente acorreu aos quartéis
se apresentando para seguir para a guerra, no combate
ao nazi-fascismo, reagirá em face deste crime de lesa-
Pátria que pretende se levar a efeito. São passados 27
anos do término da guerra. Será este tempo longo
bastante para que se esqueça um fato tão importante
da História do Brasil? Será que o nazismo renasce das
cinzas, no Rio Grande do Sul?
P
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O
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Equipe
Do seminário ao integralismo
e à poesia. Um mundo estranho
onde não faltaram aventuras,
dramas e prisões. O mundo de
Gerardo Mello Mourâo. o poeta.[depoimento!
mmmW ^^^^^B ^^^^^ ^^^^^^^-.
mMAãWaaammm^^^^^^^^^^am\W^f m^r ^^^B "1 >¦»>«' t^m^^ sl ^^^
Gerardo Mello Mourâo
O estranhodemun • •
Gerar • •
Mourâo
A grande literatura bra-
sileira tem fôlego curto.
Fala em tom menor. Foge
do painel para a miniatura.
0 nosso maior escritor
(Machado de Assis) se fez
no detalhe e na peça pe
quena. O nosso maior poe-
ta (Carlos Drummond de
Andrade), também. Os
grandes lances cairam qua-se sempre no ridículo. Sal-
varam-se, já mortos, o Sou-
zândrade do Gueza Erran-
te e o Jorge de Lima de
Invenção de Orfeu, na poe-sia; e, obviamente, o Gui-
marães Rosa de toda a sua
prosa. A estes nomes é pre-ciso somar o de um vivo: o
de Gerardo Mello Mourâo.
Que realiza uma obra de
culminâncias. De poetamaior. Os leitores de
POLITIKA recebem, pe-riodicamente, amostras do
gênio de Gerardo. Mas era
preciso um retrato sem re-
toques do escritor, como
resposta a tantas cartas
que nos chegam pedindomais e mais Gerardo Mello
Mourâo.
O extraordinário - co-
mo em todo gênio — éjqt e
Gerardo Mello Mourâo rea-
liza sua grande obra em
meio à mais dramática
aventura humana de que se
tem notícia em nosso país.
Ultrajado, caluniado, per-seguido, muitas vezes pr?-so, ele ergue, no entanto,
como um estandarte vito-
rioso, a resistência de si'a
obra insuperável. Os que o
perseguem compõem ap *•
nas o brilho de sua biogi >
fia — tornada em lenda an-
tes do tempo. (A Editor, i)
Lf.il.1 \.
depoimento
Católico, Gerardo confessa
que nem sempre está de bem
com Deus, mas que
o problema
é estar com Deus e que
de certa
forma está sempre com Deus
O estranho
mundo de Gerardo
Mello Mourão
Ao deixar o convento resolvi
dedicar-me 24 horas por
dia à poesia,
o fervor
da adolescência me fascinava
Politika: 0 que o levou, no ir» í-
cio de sua formação, a ingressar no semi-
nário?
Mourão: Era muito comum no Ceará os
pais encaminharem os filhos para o semi-
nário. Pessoalmente, quando pequeno, ti-
nha a idéia de salvar o mundo, o que
talvez explique o fato de não ter querido
ser padre secular, preferindo ingressar
numa ordem religiosa muito austera,
como são os redentoristas, fundados por
Santo Afonso de Liguri. Fiz seis anos de
seminário em Congonhas do Campo, à
sombra dos Profetas do Alejadinho. Foi
ali que cresci. Depois fui para Juiz de
Fora, oride fiquei um ano. Deixei o semi-
nário dias antes de fazer os votos de
pobreza, castidade e obediência.
Politika: Por que abandonou o conven-
to?
Mourão: Talvez o apelo irresistível da
poesia. Escrevia poemas furiosamente, no
Seminário. Meu professor de Estética, pri-
meiro, depois o Mestre de Noviços, cha-
maram minha atenção: era preciso esco-
lher entre a poesia e a santidade. Hoje,
creio que a alternativa não é válida. O que
é certo, porém, é que, depois de um
drama que durou anos, talvez a dureza da
vida ascética, talvez minha falta de heróis-
mo, me fizeram dobrar, entre lágrimas, o
hábito redentorista sobre a cama da cela
monástica. Dele guardo ainda hoje a mais
doce e a mais pura das lembranças. De
resto, sou ainda hoje, de certa forma, um
monge, saudoso do claustro e dos votos,
que não fiz, de pobreza, castidade e obe-
diência. Até porque continuo a acreditar
que apenas três vocações atendem à pleni-
tude ontológica do homem na terra: a
santidade, a beleza e o heroísmo. E essas
três vocações se realizam, afinal no santo,
no poeta e no político. Ao deixar o
convento vim para o Rio. Fui morar em
casa de um tio, que aqui residia. Cheguei
a esta 'cidade
às vesperas do carnaval. No
dia seguinte, todo o povo, envolvido pela
folia, cantava nas ruas: Eva querida/quero
ser o teu Adão. Tive a impressão que as
pessoas tinham enlouquecido. Todo mun-
do estava perdido. No domingo fui parar
numa igreja, onde encontrei um padre
espanhol. Confessei-lhe minha decepção,
manifestando o desejo de voltar ao con-
vento. O padre me ouviu e aconselhou-me
a esperar um pouco, a refletir mais e
melhor, antes de tomar nova decisão.
Segui o conselho dele e nunca mais voltei
ao convento.
Politika: O que esperava ao reingressar
no mundo leigo?
Mourão: Dedicar-me vinte e quatro ho-
ras por dia à poesia. Mas com todas as
deficiências, o fervor da adolescência me
fascinava sempre para a fidelidade às duas
outras vocações do homem: a santidade e
o heroísmo. A meu favor, posso dizer que
continuo, depois de uma vida.de espan-
tosas aventuras em todos os territórios do
ser humano e em quase todos os territó-
rios do planeta, liricamente aderido a
todas as fidelidades da adolescência. Mais
do que isto: da própria infância.
Politika: Você continuou fiel à Igreja?
Mourão: Sou católico. Nem sempre es-
tou de bem com Deus O problema é estar
com Deus; de bem com Ele ou de mal
com Ele. Mas estar sempre com Ele. Eu,
de certa forma, estou sempre com Deus.
Politika: Quando você disputou um
concurso literário, com Valete de Espada,
Tristão de Athayde, que o leu na quali-
dade de membro do júri, acreditou estar
em presença de um romance escrito por
um padre apóstata. Seu livro dá realmente
esta impressão?
Mourão: Ao contrário. O próprio Tris-
tão de Athayde escreveu depois uma carta
na qual declarava haver cometido um
equívoco. Não há no Valete de Espada
nenhuma apostasia.
Politika: Você preza, tanto quanto nós,
a liberdade. 0 que o teria levado, em
determinado momento de sua vida, a
desprezar a liberdade em favor de um
sistema de vida baseada na tirania?
Mourão: Entrei para o integralismo
logo que saí do seminário, levado pela
mão de três amigos. Na verdade o que
procurava era a liberdade. Tenho, de certa
forma, algumas coisas a rever em minhas
posições. Mas ontologicamente não tenho
nada a rever. Posso ter errado nos cami-
nhos mas as metas continuam as mesmas.
O integralismo se apresentava como um
movimento nacionalista e de afirmação
do ser humano. Lembro-me que ao entrar
pela primeira vez na sede da Ação Integra-
lista Brasileira, na rua Sachet, ouvi um
discurso inflamado do Sr. Plínio Salgado,
em que denunciava a expoliação de todas
nossas riquezas pelo imperialismo estran-
geiro. Recordo-me muito bem de uma
passagem bastante expressiva em que di-
zia ter levantado o integralismo porque
até a luz que nos alumiava era estrangeira.
O Sr. Plínio Salgado e o integralismo
tomaram outros rumos e os seus cami-
nhos deixaram de coincidir com os meus.
Continuo na minha luta de afirmação
nacionalista. Devo dizer que tenho, antes
de tudo, a pretensão de ser essencial-
mente poeta. Acho que a uma das proje-
cões da missão do poeta é fundar uma
cultura nacional. Partir para o universal
através da picada nacional. Este é um dos
sentidos de minha vida, e há de ser um
dos sentidos He toda minha obra.
Politika: Você disse uma coisa que nos
pareceu realmente importante. É que ao
iniciar sua vida se sentia imbuído da idéia
mística de salvar o mundo, o que não
deixava de expressar um desejo de afirma-
ção de sua personalidade sobre a comuni-
dade. Não havia aí o prenúncio de uma
concepção de vida que se justificaria atra-
vés do totalitarismo, com toda sua simbo-
logia messiânica?
Mourão: Não. A minha idéia era a de
exercer uma missão no sentido de servir,
de testemunhar a história, de ajudar a
construir a história ou pelo menos de
sofrer a história. Não acredito muito que
tenhamos força para construir a história,
sobretudo nós, os artistas. Camus dizia
que a missão do artista não é fazer a
história, mas sofrer a história. De qual-
quer forma, o sofrimento é uma coisa
fecunda. É por isto que costumo dizer
que o poeta é essencialmente o suplicante
do seu próprio destino, mas o senhor do
destino dos outros. Aquilo que nós faze-
mos é aquilo que se funda realmente. O
poeta não terá nunca o poder de construir
o seu destino. Mas é o senhor do destino
dos outros porque ele é o que vê, ele é o
que vaticina, ele é o que funda. O velho
pai Hoelderlin dizia: o que permanece,
fundam-no os poetas. E tem sido assim.
Quem fundou a Grécia não foi Péricles.
Quem fundou a Grécia foi Homero.
Quem fundou a Itália foi Dante. Quem
fundou a Alemanha foi a cultura alemã.
Foi Goethe. Quem fundou Portugal foi
Camões. Os poetas, suplicantes de seu
destino, nunca têm, geralmente, em vida,
a glória de apalpar a sua obra. E todos
eles sofreram muito. Sofreram, inclusive,
aquilo que eu mesmo tenho sofrido em
minha própria carne. Dante foi expulso
de Florença. Banido, teve sua cidadania
florentina cassada, condenado como trai-
dor da pátria. Dante é o patrono de todos
os cassados no mundo de hoje. Goethe foi
preso, certa vez, como espião e traidor.
Há ainda, em nossos dias, o exemplo
conspícuo do nosso Ezra Pound. Só a
civilização americana cometeria a estupi-
dez de condenar um poeta como Pound.
Dizia Byron que só a Inglaterra cometeria
a estupidez de condenar Napoleão ao
desterro de Santa Helena.
Politika: Voltando às suas relações com
o integralismo. Sua adesão a esse movi-
mento reacionário, de direita, não teria
sido inspirado também pelos seus ideais
monásticos, aos quais ainda se achava tão
preso?
Mourão: É preciso ver a época em que
o Integralismo aconteceu. A minha gera-
ção foi uma geração dramática. Entramos
na adolescência quando toda a juventude
brasileira achava-se diante de uma opção:
marchar para a esquerda ou para a direita.
0 jovem que não tomava posição era um
demissionário e um "medíocre.
Não se
podia compreender que em nossa idade
alguém pudesse pertencer a um partido
político do establishment! Não tinha sen-
tido. O jovem tinha que escolher entre o
comunismo e o fascismo. O integralismo
era o fascismo. O Sr. Plínio Salgado pode
não querer agora confundir. Eu confundo
totalmente. A posição ideológica de am-
bas as doutrinas era a mesma. Depois, as
aparências heróicas do fascismo sedu?iam
muita gente, de Rilke a Lawrence, de
Pirandeilo a Damunzio, de Marinetti a
Pound. A escolha, colocando-se exata-
mente entre duas grandes correntes anta-
gônicas, não deixava margem a outras
opções. Recentemente, um amigo, ho-
mem muito lúcido, da mesma geração que
a minha, dizia-me: Você, naquela época,
entrou para o integralismo como eu entrei
para o comunismo. Poderia ter aconteci
do exatamente o inverso. Cheguei a admi
tir a hipótese de ingressar em suas fileiras
Marquei, inclusive, encontro para forma
lizar minha adesão. Na hora apareceram
outros companheiros, estudantes como
eu, e levaram-me para uma reunião em
célula comunista. Ao mudar de rumo
acabei mudando de ideologia. Em vez de
aderir ao integralismo acabai aderindo ao
comunismo". Comigo aconteceu mais ou
menos isto. É possível que se alguém
tivesse me pastoreado para uma célula
comunista, lá tivesse ficado. É bem verda-
de que, no meu caso, isso seria mais
difícil, dada minha formação religiosa. 0
integralismo fazia muito alarde em torno
do espírito de religiosidade e dos valores
morais. E isto atendia mais de perto às
inclinações de uma pessoa, como eu, re-
cém saída da vida claustral. 0 importante
para mim na época era participar da luta
da minha geração, de fazer alguma coisa
no sentido de construir um mundo novo.
D
O
fa a
POLITIKA
O estranho
mundo de Gerardo
Mello Mourço
Depois da revolução russa, as
três coisas mais importantes
foram a revolução cultural da
China, o aggiornamento da
Igreja e o socialismo iugoslavo
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A história sempre
se polarizou
em certas
regiões do mundo
rnnt inpntí
Politika: Com a sua lucidez e a expe-
riência de hoje você seria capaz de repetir
a aventura?
Mourão: A mesma aventura? Em que
sentido? Eu não me desengajei dessa
aventura nunca. Posso ter. mudado de
caminho, mas sempre perseguindo a mes-
ma meta: ser a testemunha de um mundo
mais justo e sobretudo mais livre.
Politika: Sendo você católico, como
disse, como situa o problema religioso em
face das novas opções do mundo moder-
no?
Mourão: Depois da Revolução Russa,
as três coisas mais importantes, sem dúvi-
da, que ocorreram no nosso século, fo*
ram: o aggiornamento da Igreja Católica,
a Revolução Cultural Chinesa e o Socialis-
mo Iugoslavo, de autogestão. 0
aggiornamento da Igreja pode-se dizer que
nasceu de uma revolução semântica. Não
há mais o socialismo. Não se pode mais
falar, hoje em dia, de um socialismo, mas
ae socialismo. Dentro do socialismo a
Igreja pode ser socialista. Os homens da
Igreja podem e devem ser socialistas, pois
este é o único caminho. Cristo foi um
socialista completo.
Politika: Toda a cultura brasileira, de
um modo geral, ignora a América Latina.
Só existem dois grandes escritores entre
nós que tomaram consciência da América
Latina como realidade social, como uni-
dade econômica e como realidade cultu-
ral. Foram: Souzândrade, que escreveu
seu grande poema baseado em uma lenda
boliviana, e você, que mergulha profunda-
mente nessas raízes. Como explica este
fenômeno?
Mourão: Pode parecer uma coisa senti-
mental, ternura resultante de minhas lon-
gas audanças pelo continente. Mas é, so-
bretudo uma fé profunda na America
Latina, uma consciência histórica de seu
destino. A América Latina me parece uma
esperança do mundo e uma das soluções
lógicas da marcha da História. A Historia
sempre se polarizou em certas regiões.
Tivemos o mundo do Oriente Médio, do
Mediterrâneo, da Grécia. Depois tivemos
o mundo europeu. Temos agora o mundo
dos norte-americanos. Todos esses mun-
dos foram departamentais, foram seto-
riais O único mundo que tem condiçoes
de abrir as portas do ecumenico e o
mundo latino-americano. Um mundo on-
de todas as raças se encontram, onde as
culturas regionais chegadas à maturaçao
vieram aqui se encontrar. A África e ainda
um continente fechado em sua negritude.
Este nosso, é um mundo aberto Parece-
„ que a América Latina é portadora
da
melhor mensagem para o mundo do futu
ro ~ j
DrtiitikT Você d'<^p nue a missão do
ruiiuNo. m • - ^ |
intelectual é criar uma cultura nacional
Mas o Valete de Espadas é um dos poucos
romances brasileiros de carater
Daí por certo, o sucesso que obteve na
França onde alguns críticos registraram
este fato. Le Monde, por exemplo, che-
a dizer que Valete de Espadas era o
mmance do homem escrito no Brasil,
enquanto a tendência dos nossos outros
escritores era no sentido de realizar o
romance do homem brasileiro.
Mourão: Tenho dois romances publica-
dos Valete de Espadas e o Dossiê da
Destruição. Nesses dois romances realizo
uma esDécie de destruição do espaço e
dos tempos. Trata-se de um problema
metafísico, o problema
da residencia do
depoimento
homem na terra, ou melhor, da irresiden-
cia do homem na terra e no tempo, em
busca de sua existência no cosmos e na
eternidade. Na minha poesia vou buscar
as raízes da terra. País dos Mourões é as
Não quero
ser poeta
do|
machismo
raízes da terra. Qual o sentido que atri-
buo ao País dos Mourões? A clã dos
Mourões é uma clã formada de pioneiros,
de desbravadores, de caudilhos, de aven-
tureiros, de bandidos. São fundadores da
terra. Ainda hoje, em Ipueiras, é admira-
vel se ver que todos descendem de Mou-
rões. 0 rico, o dono do armazém, o
mendigo da feira, todos descendem do
mesmo tronco dos Mourões. Foram eles,
seus antepassados, que fundaram a terra,
com muita luta, com muito sangue, com
muita dor. Para criar uma cultura nacio-
nal creio que o primeiro passo é fazer um
inventário do que tem a nação. 0 inventá-
rio é o levantamento da história daqueles
que construíram sua terra. A poesia é
cosmogônica. O País dos Mourões é o
inventário de uma cosmogonia".
Politika: A Peripécia é um livro auto-
biográfico. A posse da terra é a história
do homem. É isto que dá à sua poesia um
caráter mais universal que regional.
Mourão: A história de cada homem é a
história do mundo. A minha história é
também a história do mundo. A poesia é
a essência da história.
Politika: Você partiu, em sua poesia, de
bases regionais. Mas em sua grande cria-
ção ela adquiriu dimensões universais.
Mourão: Às vezes a gente parte de uma
pequena trouvaille. O País dos Mourões
nasceu de um artigo que li em 1935, de
autoria de Ernani Silva Bruno, historiador
sério. Foi ele fundador, juntamente com
Luiz Saya, de um grupo nacionalista den-
tro do intetjralismo, do qual depois se
separaram. Esse movimento chamava-se
Boi-Tatá, como símbolo nacional. Erna-
ni lançou um manifesto do grupo, do qual
me aproximei muito. Por essa ocasião ele
escreveu um artigo com este título curió-
so: Picada para o universal. Achei este
título uma trouvaille. Entendi, então que
você só pode chegar a um lugar partindo
de onde está. Um problema euclidiano.
Eu não posso chegar ao universai se não
sair daqui, de onde estou: da América, do
Brasil, do Ceará, de Ipueiras, da casa e do
sangue de meus avós. Não posso ter a
pretensão de sair de lá onde não estou
ainda. Daí soar falso tanta coisa que quer
ser universal e não é.
Politika: Você não acha que foi exata-
mente isto que escritores como Mário de
Andrade, com Macunaíma, e Raul Bopp,
com Cobra Norato, só para citar os dois,
tentaram realizar *em
suas respectivas
obras, enquanto um Vila-Lobos, por
exemplo, buscava o mesmo caminho atra-
vés da música7
Mourão: Mário, como Bopp e como
Vila-Lobos fizeram inventários de nossa
América. Antes deles e de mim, há o
grande inventário de Euclides da Cunha.
Antes, o de Souzândrade. Outros conti-
nuam, como o espantoso poeta Dantas
Motta, em sua touceira de escrituras, em
Airuoca e o poeta Carlos Drummond de
Andrade, do país das Gerais, coberto pelo
cobertor vermelho de seu pai. E mais do
que todos, altíssimo poeta da América,
Gofredo lomini, com a aventura da Ame-
reida.
Politika. Um dos temas básicos do País
dos Mourões é a virilidade, a macheza,
como expressão de homens que tendo
chegado para fundar terminaram criando
suas próprias leis. «cima dos padrões do
comportamento normal. O poema está
cheio de símboios íálicos, violências fáli-
cas. Ao passo que Peripécia é o poema do
encurralamento. Como você situa essa
passagem de um poema para outro ? Qual
o caminho que você percorre7
Mourão: Eu disse antes que para criar
uma cultura nacional é preciso primeiro
fazer o inventário. Depois distribuir o
inventário para que a partilha seja feita ao
maior número possível. O inventário de
que eu tinha conhecimento era aquele
que dizia respeito aos Mourões. Essa gen-
te fundou alguma coisa de permanente,
uma nação, uma terra. Não quero de
maneira nenhuma ser um poeta do ma-
chismo. Mas evidentemente toda aquela
virilidade era de uma forma de afirmação
do indivíduo, uma afirmação da forca, do
poder e da capacidade do homem. As
passagens que possam parecer extrema-
mente afirmativas de machismo são metá-
foras da afirmação da personalidade. Até
porque o erótico é a virtualidade divina
do ser humano.
Politika: Você é leitor e grande admira-
dor de Ezra Pound. Como sabe.e: divide
os escritores entre inventores, mestres,
diluidores, bons escritores sem qualidades
salientes, beletristas e lançadores de mo-
da. Você, Mourão, se considera um escri-
tor inventor?
Mourão: É a ambição que eu tenho.
Inventor. Inventar no sentido original da
palavra, que vem de invenire, do latim,
que quer dizer achar. Inventar é achar.
Sou um homem que procuro e pretendo
achar.
Politika: Voltando ao problema do. País
dos Mourões. Queríamos que você expli-
casse um dado do poema que nos parece
um dado biográfico. Você é parente do
General Sampaio?
Mourão: Sou descendente do General
Sampaio.
Politika: Explique bem como é que o
General Sampaio entrou na história.
Mourão: O General Sampaio é avô do
meu avô. A família foi na época uma
família poderosa no interior do Ceará.
Grandes senhores de terra. Mas o General
Sampaio era de ramo muito pobre da
família. Há uma história curiosa a seu
respeito. Ele quis casar com uma prima,
Maria Veras. Não deixaram, exatamente
porque era pobre. Era filho de um ferrei-
ro, de Monte-Mor, lugarejo perto de Tam-
boril.
?
??
n
a
?o
POLITIKA
depoimento
Gerardo foi o único poeta
de
língua portuguesa
convidado
a participar
do congresso
mundial de poesia,
de Londres,
por sua contribuição à
poética
O estranho
mundo do Gorardo
Mollo Mourão
C amus foi
um homem
sem pátria
Politika: Pois isso ele criou a infanta-
ria...
Mourão: O General Sampaio fez uma
carreira de soldado raso. Quando preten-
deu casar com Maria Veras e a família não
deixou, ele sentou praça em Fortaleza.
Distinguiu-se por suas bravatas e bravuras.
Foi sendo promovido, de furriel até
chegar a general. Ferido na batalha de
Tuiuti, os médicos quiseram cortar-lhe a
perna, depois de verificarem que o feri-
mento tinha gangrenado. Diante da amea-
ça ele disse: Doutor, não corte a minha
perna. Um general morto é bizarro ainda;
um general coxo é feio. Era um homem —
Todo um macho — como se diz no Chile.
Politika: Você citou aqui Camus e
Pound. Será que você poderia situar sua
obra em relação a esses dois escritores?
Não se pode ler seu poema sem pensar em
Pound, inclusive por certas características
exteriores, de disposição gráfica, de uso
de letras gregas, etc. Ao mesmo tempo
{>írece haver entre você e Camus uma re-
lação muito profunda. É que tanto você
como Camus usam uma linguagem clássi-
ca, um estilo clássico, para descrever as
deformações da cultura e do mundo de
hoje.
Mourão: Camus, uma das figuras mais
dramáticas da nossa geração, foi um ho-
mem sem pátria. Nfo era argelino nem
francês. Viveu profundamente engajado
nesse problema, que era o seu problema
existêncidl. Projetou toda sua inquietação
nessa frase, muito importante para mim, e
que já citei aqui: O papel do artista não 6
fazer a história, mas sofrer a história. To-
da a obra dele é o sofrimento da história
contemporânea, que ele vivia. Ao mesmo
tempo tinha um desejo tremendo de afir-
mação e de poder. Buscava a liberdade,
que só é possível quando o homem tiver
construído a pátria universal. MasCalígu-
Ia...
Politika: ... é a história de um ho-
mem que queria provar o seu poder bus-
cando a impotência.
Mourão: Era a própria história de Ca-
mus e da sua geração, de certa forma. És-
tive com ele quando passou por aqui.. Vi-
sitou-me no cárcere, com Abdias Nasci-
mento. Conversamos pouco, estava sem-
pre interessado em ir às gafieiras
Quanto a Pound, creio que é ele um
marco na poesia mundial de todos os tem-
pos; o homem que chegou mais perto, en-
tre os contemporâneos, da pura poesia,
que nada tem a ver com o conhecimento
lógico. Nenhum poeta de minha geração o
terá lido impunemente. Poesia que não
tem nada de conceituai. É ele o revitaliza-
dor de toda a poesia moderna. Em Pound
se tem a impressão | que cada palavra é a
sua própria metáfora. Não se pode igno-
rá-lo. Ainda agora vi a edição fac-similar
dos Quartetos, de Eliot, publicada nos Es-
tados Unidos. Essa obra, como se sabe,
Eliot, antes de divulgá-la, a enviou a
Pound para que a lêsse. Pound eliminou
cerca de um terço do poema, com obser-
vações à margem, em que dizia: corte isto,
substitua esta palavra, retire toda esta es-
trofe, etc. Pela edição fac-similar publica-
da agora nos Estados Unidos verifica-se
que Eliot acatou rigorosamente todas as
indicações de Pound. Devo dizer que res-
peito Eliot, mas não tenho por ele uma
grande admiração. Trata-se de um poeta
muito bem comportado. Poderia ter sido
um parnasiano.
Politika: Como você se situa dentro do
panorama da poesia brasileira. Estamos
nos referindo particularmente à poesia
moderna.
Mourão: Em 1966 houve um congresso
mundial de poesia, em Londres, promovi-
do pelo Instituto de Arte da Grã-Breta-
nha, pela Cátedra de Poesia da Universida-
de de Oxford e pelo Suplemento Literário
do Times. Estava no Chile quando recebi
uma carta dos poetas Robert Graves e Jo-
nathan Bouting, para comparecer a esse
congresso. Aceitei o convite e viajei para
Londres. Ao chegarfiquei surpreendido.
Havia mais de cem poetas presentes, vin-
dos de todas as partes do mundo. Fiquei
mais surpreendido quando verifiquei ser o
único poeta brasileiro ali. Fui agradecera
distinção a Graves e Jonathan Boulting, e
perguntei: — Por que os senhores não con-
vidaram outros poetas de meu país? . — O
senhor é o único poeta da língua portu-
guesa que nós convidamos, r- responde-
ram. Diante da resposta insisti: — Por
que
'não convidaram outros?
— Mas
quem? — indagaram.
— Citei dois outros
nomes. Não tinha muitos a citar. Dois ou
três nomes, mesmo. Conhecemos — foi a
resposta, fte verdade se trata de poetas
europeus que por acaso escrevem no Bra-
sil. O senhor traz a primeira contribuição
da América à poética universal. Por isso é
que foi convidado. Devo dizer que Graves
lê corretamente a nossa língua. Ele lê tu-
Intelectual
não pode
se isolar
do. Lê grego como lemos espanhol, fran-
cês ou inglês. Seu julgamento a meu res-
peito deixou-me muito lisonjeado, porque
uma das coisas que desejo mesmo é dar
uma contribuição da América à poesia. É
claro que considero o julgamento dos
poetas ingleses muito generoso, mesmo
porque devem conhecer pouco a literatu-
ra brasileira.
Politika: Como você explica o silêncio
da crítica brasileira a respeito de sua obra
literária?
Mourão: Mk) tenho porque me queixar
da crítica. A crítica quantitativa está de-
saparecendo no Brasil. Excetuando o do'Estado
de Minas", acabaram os suple-
mentos literários. O újtimo deles, editado
pelo Estado de São Paulo está agortizan-
do. Há realmente uma nova geração de
críticos, dotados de excelente instrumen-
tal, nascida sob o impulso das Faculdades
de Letras. Alguns trabalhos publicados
em livro são de alto nível. Mas essa gente
não dispõe de veículos de divulgação, o
que impede de exercitarem a crítica de
modo a alcançar o grande público. Como
disse, não posso me queixar da crítica.
Minha mulher, que coleciona a vaidade
doméstica, tem arquivado em cadernos o
que se tem dito e publicado sobre a mi-
nha obra. Só sobre Valete de Espadas há
uns cento e quarenta artigos publicados
no Brasil. São artigos sérios, de pessoas da
altura de Alceu Amoroso Lima. No Esta-
do de São Paulo, só sobre o País dos Mou-
rões, foram divulgados seis artigos assina-
dos na época em que saiu. Nogueira Mou-
tinho escreveu um trabalho longo'nas Fo-
lhas. Tenho tido uma crítica muito gene-
rosa, generosa demais, talvez. O que não
tenho, não cultivo, é a chamada badala-
ção. Houve em torno de mim uma certa
legenda negra. Mas isto não me cria ne-
nhum ressentimento. Gosto de dizer que
escrevo sobretudo para comparecer com
meus livros diante de Deus. A frase não é
minha, mas do Kafka. É muito boa.
Politika: Mas Deus lê português?
Mourão: Milôr Fernandes escreveu: Di-
zem que Deus 6 Brmsileiro. Pudera, ele
tem que dar o exemplo.
Politika: Você é considerado em certos
círculos como um escritor maldito.
Mourão: E possível. §ou um homem
que talvez desdenha a publicidade. Nio
confundo a publicidade com a glória. Eu
não persigo a publicidade. Mas considero
uma coisa fabulosa ser poeta maldito.
Poetas malditos foram Rimbaud, Lautréa-
mont, Verlaine e outros.
Politika: Voltando ao seu romance. Vo-
cê colocaria Valete de Espadas como um
romance trágico?
Mourão:Não sei se vou responder exa-
tamente a esta pergunta. Valete de Espa-
das é sobretudo um romance de busca da
liberdade. Conhecer-se, saber onde pisa,
Busca a liberdade que não encontra. Mas
o romance não termina, como não há
tempo na vida da gente para terminar na-
da.
Politika: Hebert Reed acha que falta
aos artistas de nosso tempo o sentido da
tragédia. E ele considera este dado muita
importante para a criação artística, sobre-
tudo para a criação poética. O que é que
você acha desta colocação?
Mourão: O meu livro é profundamente
trágico. Lembro-me sempre daquela frase
de Pascal que dizia não compreender
aqueles que tomam o partido de rir dos
homens, mas o partido daqueles que bus-
cam gemendo. Acho fundamental buscar
gemendo, sofrendo. Não há dúvida que é
preciso ter a consciência da tragédia, dos
nossos dias e de cada um de nós.
Politika: O que se afirma, o Que se dis-
cute, hoje, é que o romance morreu. O
último romance do ponto-de-vista formal
foi o Finnegans Wake, de James Joyce. A
partir daí não se poderia ir mais adiante.
A poesia, se a gente olha o que se produz
hoje no mundo, a impressão é de crise,
tanto com relação à Itália, à França ou
<Jos Estados Unidos. Hoje édifícil aparecer
um grande poema. A poesia está em crise
e o romance acabou. Isto é sinal de quê?
Mourão: É um sinal da demissão do ho-
mem de seu verdadeiro destino. O homem
está se deixando absorver pela tecnocracia
da sociedade moderna. Concordo que a
poesia está em crise. Mas a crise é o esta-
do normal do poeta. E por isso haverá
poetas até o fim dos tempos. E quando os
tempos terminarem, o que restará, do
mundo perecido, é o testemunho dos poe-
tas. E o testemunho é mais importante do
que a obra, pois se insere no contexto da
lenda, da qual nasce a história. Orfeu não
é uma obra, é uma lenda.
Politika: No decorrer desta nossa con
versa, você fez referência a Camus. A po-
sição de Camus, como a de muitos inte-
lectuais modernos, é a da busca da liberta-
ção do homem acima e fora dos partidos,
recusando-se a ver no remanejamento
das instituições a solução do probíema.
Mourão: Os artistas são, de um mono
geral, indisciplinados. Por isso mesmo se
escamoteiam muito ao engajamento. Re-
ceiam sempre o cerceamento de sua liber-
dade. Pessoalmente, considero o engaja-
mento necessário. O intelectual não pode
e não deve se isolar. O engajamento é ne-
cessário não só no sentido da escolha dos
meios de luta como da distribuição na-
q ti ele inventário a que antes me referi.
Até o nosso Heidegger, diz em sua defini-
ção do ser: — Ser é ser em alguma parte
com alguém. É preciso ser com alguém,
senão estamos sós. Ai do só!. É o que está
dito nas Escrituras. Acho, pois, que o ar-
tista não perde nada por estar engajado.
4
6
O estranho
mundo de Gerardo
Mello Mourão
Acredito na força das idéias
e do pensamento, no espírito
dos homens. São eles que
mudam
as coisas. A revolução francesa
foi feita pelos intelectuais
POLITIKA
depoimento
Aprendi a
aproveitar
o tempo
Politika: Você acredita, realmente, que o
remanejamento das instituições sociais
conduz à libertação do homem?
Mourão: Eu acredito terrivelmente na for-
ça das idéias e do pensamento, no espírito
dos homens. São eles que mudam as coi-
sas. A Revolução Francesa foi feita por
cem intelectuais. A Revolução Russa por
menos de mil, talvez. A força do pensa-
mento é muito grande. Quando resistimos
ao peso esmagador da tecnocracia, da tec-
nologia moderna, da bomba atômica, esta
a expressão mais forte da força brutal, te-
mos que admitir que há uma coisa mais
poderosa que tudo isto. E esta coisa mais
poderosa é a inteligência humana, que fa-
bricou a bomba atômica. Essa é uma das
esperanças da América Latina. Não tenho
dúvida de que a inteligência terminará
vencendo. Pouco importa que isto pareça
utópico ao observador de curta distância.
Mas não tenho dúvida de que o tempo
trabalha a favor da inteligência e que um
dia a inteligência tomará conta do mun-
do.
Politika: A poesia é a familiaridade da pa-
lavra. Mas você é um homem que se des-
dobra em mil atividades, tendo muitas ve-
zes que lidar com cifras, com números,
coisas enfim que não têm nenhuma rela-
ção com a sua verdadeira vida intelectual,
mas que exige muito pelo desgaste mate-
rial e perda de tempo. Como você concilia
isto?
Mourão: Não concilio. É um dos aspectos
da servidão a que o século condena o poe-
ta. Mas aprendi a aproveitar o tempo no
convento. Por um paradoxo, sendo o lu-
gar em que se dá menos importância ao
tempo, pois se vive em função da eterni-
dade, o tempo ali é medido, aproveitado
de minuto a minuto. Os horários dentro
& um convento são algo impressionante.
No meu, acordava-se às 4,25; das 4,25 às
4,35 fazia-se a toalete; das 4,35 às 4,40
orava-se prostrado no chão; às 4,43 ia-se
Para a capela. E assim transcorria o dia,
contado de minuto a minuto. Aprendi,
P°is, a aproveitar ao máximo este cabedal
que é o tempo. Eu aproveito todos os mi-
nutos. Minha poesia, por exemplo, é escri-
ta fragmentariamente em matéria de tem-
P° e de espaço. Entre um texto e outro,
redigido, por obrigação de ofício na ban-
ca do jornal, escrevo um verso que só vou
^tornar horas depois, tanto pode ser num
ter, se estou sozinho, como em casa, em
Arapiraca, no Rio, na Grécia, em Maná-
^a, num táxi, num hall de hotel em Nova
'°rque ou nas barrancas do Araguaia. Às
Vezes, isto ocorre sobre a Cordilheira dos
Andes, a duração de uma viagem entre o
Atlântico e o Pacífico. Escrevo em toda
parte. Estou sempre aproveitando o tem-
po. No mosteiro aprende-se isto até como
disciplina ascética. Aprende-se a meditar,
a se concentrar. Adquiri uma certa virtuo-
sidade em me isolar. Por outro lado, tam-
bém sou um sujeito que não quer perder
nada da vida. Tudo na vida para mim tem
seu valor perene. Um problema de câm-
bio, de importação, parece-me altamente
poético. Tudo é poético. Tudo é poesia.
Trato todas as coisas com uma vontade
poética. Por isto sobrevivo.
Politika: Qual o verso ou quais os versos
que você tem dor de cotovelo por não ter
escrito?
Mourão: Há vários. Este verso de Rim-
baud, por exemplo: "Et
j'ai vu quelques
fois ce que 1'homme a cru voir". Em
língua portuguesa, gosto muito deste ver-
so de Cruz e Sousa: "Invejado,
a invejar
os invejosos." Casimiro de Abreu: "Ó
que
saudades que tenho da aurora de minha
vida." Ou este, de Baudelaire: "J'ai
plus
de souvenirs que si j'avais mille ans."
Politika: Você que veio de uma zona mi-
serável e andou por todo o sertão, como
encara o Brasil numa perspectiva de trinta
anos?
Mourão: Pra trás ou pra frente?
Politika: Pra cá.
Mourão: De trinta anos para cá?
Politika: Isto. O Brasil é viável?
Mourão: Uma das aventuras da peripécia
de minha vida, é ter sido professor de
uma cátedra que se chama América, na
Universidade do Chile. 0 Chile é um país
muito curioso, com uma consciência con-
tinental muito aguda. Em todos os cursos
superiores há uma cátedra de currículo
sobre a América, para dar ao homem de
formação universitária uma consciência
do tempo e do espaço em que ele vive.
Preocupou-me sempre muito saber a ra-
zão desse gap tão acentuado entre o de-
senvolvimento da América Latina e da
América do Norte, quando ambos têm a
mesma idade histórica.
No ano passado eu estava na lugoslá-
via país muito interessante, um país de
mandarins, um país governado por um
manaarindto. Pois bem. Preparam-me um
programa com a presença
de vários pro-
fessores. Lembro-me particularmente de
um deles, um velho de barbas longas, con-
siderado por todos como um sábio. tra
ele tão consciente de sua posição que
quando lhe fiz algumas perguntas, respon-
deu-me com indiferença: Eu sou um cien-
tista. Isto é problema para soc.ôloao e
economista. Não me interessa. Mas no de-
correr de nossa conversa terminei inda-
oando quais, na sua opinião, as razoes que
justificariam a grande
diferençai ent^°
desenvolvimento da America Latina, com
sua pobreza, e os Estados Unidos, com a
sua riqueza, com o seu imenso poderio
industrial, econômico e financeiro.
jZm
id
f7!PM'"
:Vjfr
i#"—'¦A ¦
A mística
serviu à
dominação
velho, com sua sabedoria, respondeu: "É
porque os senhores nunca tiveram demo-
cracia."
Entendo que o estágio de pobreza da
nossa região sertaneja se deve exatamente
ao fato de que nunca conheceu a demo-
cracia, isto é, porque o povo nunca parti-
cipou do poder. Essa me parece a razão
mais profunda da miséria naõ apenas do
sertão, mas do continente. O povo real-
mente nunca participou do poder. Por is-
to mesmo nunca pôde promover-se. Co-
mo perspectiva futura acredito que esta
situação tende a mudar. Quando isto
acontecer, nos próximos anos, o povo da
América Latina chegará a um estágio de
florescimento econômico.
Politika: É preciso não esquecer certos
problemas intrínsecos, históricos do nos-
so continente, da América Latina, como
aqueles que decorrem de nossa coloniza-
ção.
Mourão: De um modo geral, vejo na Amé-
rica Latina duas coisas que retardaram o
acesso do povo ao comando das decisões.
Na América Latina, de colonização tanto
portuguesa como espanhola, começou-se
pela criação de um corpo imenso de leis.
Toda a colonização estava fundamentada
sobre leis minuciosas. Codificou-se tudo.
E codificou-se sobre o nada. Nos Estados
Unidos a lei veio depois. Primeiro coloni-
zaram a terra, na base da aventura, da for-
ça e até da violência. Não havia lei. Criada
alguma coisa, entaõ se fez a lei. Aqui foi o
contrário. Antes de se construir, elabo-
rou-se um elenco de leis. Foi o formalis-
mo jurídico que presidiu o nascimento de
toda a América Latina e sua formação.
Politika: A nossa colonização foi feita à
base dos grandes latifúndios, das capita-
nias . . .
Mourão: As leis eram tão minuciosas, des-
de as Ordenações Filipinas, que ainda ho-
je é de impressionar. Depois verificamos
que a característica fundamental da inde-
pendência latino-americana, de que resul-
taram todas essas #iações, foi de sentido
aristocrático. Foi, de fato, a revolução
mais aristocrática, jamais ocorrida no
mundo. Os movimentos de independência
aqui foram impulsionados peb ristocra-
cia. A luta que levou trinta e ti és anos,
desde os primeiros levantes do Vice-Rei
Iturrizaray, no México, e Miranda, na Ve-
nezuela, era liderada pela grande burgue-
sia mercantil, ou latifundiária, que se le-
vantava contra a Colônia. O po.o esteve
inteiramente ausente desse processo. Au-
sente e, muitas vezes, até contrário. O po-
vo era dominado pelo imperialismo das
metrópoles, pelo clero, grande força de
sustentação, do stablishment todo ele rea-
lista. Os nativos não tinham nenhum aces-
so ao poder, em nenhuma de suas esferas,
nem no poder militar, nem no poder ad-
ministrativo, nem no poder religioso. Até
o padre nativo, o padre crioulo, não podia
chegar a bispo. Nas forças armadas o nati-
vo podia chegar a oficial, mas nunca a
capitão-general. Houve 514 capitães-gene-
rais na América, dos quais apenas quator-
ze foram nativos. No campo da economia,
o sujeito era dono de terra, produtor, co-
merciante, mas nunca chegava a penetrar
nas áreas de decisão e controle do poder
econômico. Produzia, vendia o resultado
de seu trabalho a preço vil e comprava
tudo da metrópole a preços escorchantes.
A revolução foi feita, assim, pelos filhos
dessa burguesia mercantil e latifundiáriav
que se instalou na América e aue a certa
altura perceberam que só podiam crescer
até um certo ponto, pois a partir daí a
metrópole barrava-lhes o caminho.->£) po-
vo, atemorizado, era contra. Quando hou-
ve o grande terremoto de Quito, o Bispo
anunciou aos quatro ventos que aquilo
era um castigo de Deus pelo pecado co-
t metido por aqueles que pretendiam se le-
| vantar contra o Rei. Dominado pelo po-
i der civil, pelo clero, pelo poder militar, o
povo era realista. A revolução foi, assim,
conduzida pelos grandes proprietários de
terra, pelos que já haviam alcançado uma
posição mais eminente e que se sentiam
cerceados em suas ambições. Foram esses
que fizeram realmente a revolução na
América Latina e a fizeram sem a partici-
pação do povo. O primeiro Capitão que
teve povo em suas fileiras foi Bolívar, mas
geralmente mercenários. Fez-se aqui uma
revolução eminentemente feudal.
. -,
a
a
POLITIKA
depoimento
j
O Brasil passou
de colônia a
monarquia, de monarquia para
a república sem que
realmente
tivesse havido alguma alteração
profunda na estrutura econômica
O estranho
mundo de Gerardo
Mello Mourão
Nos Estados Unidos os
homens se rebelaram contra o sistema religiosoe c
sistema político
colonizador
Politika: No Brasil, nós passamos da
colônia para a Monarquia, da Monarquia
para a República sem que realmente tives-
se havido alguma alteração profunda den-
tro da estrutura econômica, política e
social do país.
Mourão. No Brasil, a República foi um
golpe de cúpula, levado a efeito pela
juventude militar, afetada pelas idéias po-
sitivistas. O povo não tinha consciência de
nada. Geraldo Rocha contava que, na
campanha do General Dutra, ele armou
uma pcrção de sertanejos para recebê-lo
como candidato, no São Francisco. Quan-
do chegaram ali um velhinho se apro-
ximou dele e perguntou: — "Como
vai o
Imperador? "
Politika: Você concedeu uma impor-
tância secundária ao aspecto religioso no
caso dos Estados Unidos. Ali a maioria
dos colonizadores era constituída de pro-
testantes e, em muitos casos, contrários
ao Rei. Na América Latina a Igreja não só
estava vinculada ao Rei, como era solidá-
ria com o feudalismo.
Mourão: Em toda a América Latina a
importância religiosa pode-se perceber in-
clusive através da arquitetura. As cidades
existiam em função de Deus. A cidade
primitiva era em geral o quadro. No
Ceará, ainda hoje, se chama quadro à
praça, com a Igreja no meio. A Igreja era
o centro da vida. A Igreja comandava, e
funcionava em todos os momentos decisi-
vos. Em geral vivia-se na fazenda. A casa
da cidade era mantida fechada e só era
aberta aos domingos, quando se vinha à
missa. A Igreja, por sua vez, estava forte-
mente solidária com os grandes proprietá-
rios e com o poder civil por eles controla-
dos. Nos Estados Unidos a população se
constituiu de maneira diversa. Para aqui
só vinha o povo fiel, fiel ao Rei e fiel à
Igreja, a tal ponto que nas Ordenações, na
parte referente a pessoas que podiam vir
habitar a Colônia, proibia-se de vir os réus
de perjúrio, as mulheres barregãns de
cônegos. os hereoes. os judeus. os réus de
sedição etc. Todos eram probidos de vir.
Só os fiéis ao "establishment"
tinham esse
direito. Só os fiéis à Coroa e à Igreja
podiam ser colonizadores. Proibia-se até
as mulheres. Não devemos esquecer que
os padres pediam que mandassem mu-
Iheres, que não havia. Nos Estados Unidos
deu-se o contrário. Foram os homens que
se rebelaram contra o sistema religioso e o
sistema político que foram povoar o país.
Eram homens rebeldes ao "esta-
blishment" da época. Pound tem um livro
muito curioso, que se chama Patria Mia
editado em italiano. A história deste livro
é muito curiosa. Os originais foram perdi-
dos. Ela havia entregue a uma editora, e o
prédio em que funcionava pegou fogo.
Durante quarenta anos os originaisestive-
ram desaparecidos e ele não possuía có-
pia. Um belo dia foram encontrados.
Nesse livro, Pound diz: Os que nos coloni-
zaram e fundaram este país eram os me-
lhores da Europa. Isto é, os aventureiros,
os rebeldes, os que não se conformavam,
os que tinham coragem, os que tinham
bravura, os que tinham capacidade de
tomar atitudes próprias. Foi por isto que
os Estados Unidos cresceram. Construiu-
se ali, de início, uma nação de adversários
do establishment. Depois isto se projetou
no curso de toda a imigração americana.
Durante muitos anos os Estados Unidos
receberam correntes imigratórias fabulo-
sas. Fronteira aberta. 0 imigrante é sem-
pre o melhor de sua aldeia: o aventureiro,
o que tem coragem de tomar uma deci-
são, de partir, de procurar fazer uma vida
nova. E nós, de certa forma, recebemos os
piores, ou seja os mais dóceis, os que não
estavam contra o Rei, os escravos do
establishment. Temos certas dívidas com
Portugal. Mas o português foi de uma
sabedoria colonialista infame, até no pro-
blema da formação cultural do povo. Em
1524, os espanhóis já haviam fundado a
Universidade de Santo Domingo, a Uni-
versidade Mayor de San Marco, em Lima,
e nos séculos XVI, XVII e XVIII criaram
universidades em todas as colônias espa-
nholas em todos os vice-reinados, em
todas as capitanias gerais. No Brasil, os
portugueses nunca permitiram a fundação
de uma universidade. Dom João VI fez
aqui uma escola de medicina e cirurgia
para atender seus achaques, mas não se
tinha nenhuma escola superior constituí-
da. As primeiras escolas superiores vieram
com a Independência: a Faculdade de
Direito de Recife e a de São Paulo. A
primeira universidade do Brasil, a mais
antiga, é a do Paraná, o Estado mais
jovem da Federação. 0 português teve a
sabedoria de não permitir a formação de
quadros dirigentes.
Politika: De não permitir, inclusive, a
entrada no país. Os portos ficaram fecha-
dos até 1816, o rio Amazonas ficou inter-
ditado à navegação até 1850.
Politika: Você que esteve no Chile vá-
rias vezes, inclusive recentemente, como
vê a situaçaõ ali, descrita pela imprensa
como estando à beira do abismo.
Mourão: Acho que há exagero na apre-
ciação da crise chilena. Vivemos num país
onde a greve é considerada ilegal. Isto, no
entanto, em muitos países democráticos,
é uma rotina. No Chile sempre ocorreram
greves, agora talvez de maneira mais
intensa. O governo de Allende está ten-
Frei é sem
dúvida um
estadista
tando quebrar uma estrutura. E não se
quebra uma estrutura sem episódios dra-
máticos agudos. Mas não tem, me parece,
a gravidade que se atribui num noticiário
dirigido. O problema mais grave do Chile
não é a luta do governo da Unidade Popu-
lar contra a direita. O problema mais gra-
ve ali é a luta entre os dois socialismos, o
socialismo da Democracia Cristã e o sócia-
l-ismo da Unidade Popular. Na verdade o
Chile é um país de esquerda. A aliança da
Democracia Cristã com o Partido Nacio-
iidí é muito grave, isio íoi objeto de uis-
cussões recentes. Tanto assim que a alian-
ça com o Partido Nacional deverá vigorar
só até as eleições, em março. Depois das
eleições o Partido Democrata Cristão não,
pode ter nenhum compromisso com o
Partido Nacional, pois do contrário perde-
rá suas bases.
Politika: O Partido Democrata Cristão,
como você sabe, já se dividiu uma vez.
Inclusive uma de suas alas colabora com o
Governo de Allende. O grupo, por exem-
pio, liderado por Choncho participa do
ministério com a aprovação das autorida-
des eclesiásticas. É realmente muito difí-
cil o Partido Democrata Cristão tomar
uma posição de direita.
Mourão: De maneira alguma. Nunc^
tomou nem tomará. Ainda agora, Frei
que deve estar chegando este mês ao
Brasil, a convite de Cândido Mendes de
Almeida, voltou da Iugoslávia empolgado
com o modelo do socialismo que encon-
trou ali. Frei é sem dúvida um revolucio-
nário. Kennedy, De Gaulle e o Papa Paulo
VI o consideravam a maior vocação de
estadista da América Latina. Falando-me
sobre a colocação marxista, ele a conside
rava cientificamente certa no sentido da
sucessão de classes no controle do poder
A sociedade quando foi organizada era
dominada pela aristocracia, a maior rela
ção de produção e consumo. Mas à me-
dida que a burguesia mercantil se am-
pliou, cresceu, até por ser o maior núme-
ro, engoliu a aristocracia. A revolução
industrial, a rebelião de massas, inseriu no
processo o proletariado, que mais cedo ou
mais tarde vai absorver o controle do
poder, também por ser a maior relação :
produção e consumo, além de ma <
número. A grande divergência de Frei
com muitos tipos de socialismo q*.
conhecemos é no sentido de fazer uma
revolução que não tenha que pagar os
duros tributos de liberdade que foram
pagos em outros países. Sua concepcão
revolucionária tem algo de fabiano. A
grande dicotomia que há no Chile é exata-
mente esta: o socialismo da Democracia
Cristã e o socialismo da Unidade Popular
O Movimento Democracia Cristão saiu de
uma Associação de Estudantes, da Univer
sidade Católica, que depois se constituiu
em sublegenda do Partido Conservador e
depois se transformou em partido. Sus-
tentava idéias muito avançadas, muito in-
fluenciado pelo Cardeal Suhard e pe:
padres Vita e Hurtado, de quem Frei foi
discípulo. O Cardeal Suhard era um
homem tão avançado que costumava di
zer: a propriedade do capital é um roubo.
Para ele a pessoa humana tinha direito
propriedade, mas o capiidi nãu. Naquc.a
época foi-pedida a excomunhão de Frei,
em Roma. O advogado de Frei, em Roma,
foi um padre chamado Montini, que hoje
se chama Paulo VI. Estive com Frei, em
fevereiro, e num dado momento do nosso
encontro solicitei uma entrevista para
uma publicação brasileira. Ele se levantou
começou a andar de um lado para o
outro, e me disse: não posso dar
nenhurha entrevista porque qualquer pro-
nunciamento que viesse a dar poderja
criar dificuldades ao regime. E eu nao
quero de maneira nenhuma assumir a res-
ponsabilidade na história do Chile de uin
homem que quebrou a ordem legal.
¦
POUTIKA
Sebastião
Nery
™MMa jSNHHR:
, .••¦t;•,• •
. \ *.>' f "" *»;K'
$&'-k^».
íW*
Horàcio Coimbra
ffolklore
L politiko
vmmm. r rio brande
Souza Naves era diretor da
Carteira Industrial do Banco do
Brasil. Chegou a senador pelo
Partido Trabalhista e morreu de
colapso cardíaco, quando o ho-
menageavam em Curitiba com
um banquete, por motivo da sua
candidatura ao governo do Para-
ná. Incorruptível, não tinha a es-
tima de um grande número de
correligionários. (Deixou para a
família 130 mil cruzeiros antigos
numa conta bancária e um apar-
tamento que ainda estava pagan-
do).
Certo dia, quando ainda era di-
retor do Banco do Brasil, entra
no gabinete um líder trabalhista
do segundo escalão, seu amigo
pessoal:
Naves, estou numa banano-
sa. Só de prestações do meu apar-
tamento devo quatro. Mas você
pode me salvar.
Como? Você sabe que não
tenho dinheiro para lhe empres-
tar.
Mão é isso que quero.
Um
amigo tem uma proposta de em-
préstimo aqui no banco. Está
tudo em ordem, segundo ele me
disse. Mas não estão soltando os
cobres. Prometeu-me uma comis-
são se eu conseguisse que você
liberasse o dinheiro dentro de um
mês.
Souza Naves sorriu:
Você é o primeiro
sujeito
que me procura para pleitear um
favor e diz francamente que está
levando o seu. Todos os outros
advogados administrativos que
vêm, juram que não ganham
nada
com a intervenção, que o fazem
apenas para ajudarem um amigo.
Vou mandar buscar o processo.
Se estiver mesmo em ordem, des-
pacho.
Estava tudo correto e Souza
Naves liberou o empréstimo
numa semana.
2
Horàcio Coimbra discutia, em
Londres, o Acordo Internacional
do Café e a guerra do café solú-
vfl- Perguntou ao presidente da
General Foods'', truste do café
nos Estados Unidos:
~~ Os senhores
ganham em to-
das as Unhas da produção indus-
tfial. Por que não aceitam que
o
Brasil saia ganhando em uma só,
o café solúvel?
— Dr. Coimbra, nós éramos
amigos até quando os senhores
nos forneciam matéria-prima.
Quando os senhores passaram a
querer fazer manufaturas, vira-
ram nossos inimigos. Se o Brasil
insistir em entrar no estágio de
industrialização para exportar,
v.ai competir conosco, por menos
que seja. E, em comércio, compe-
tição é inimizade. Nesta base não
haverá mais chance para relações
de amizade entre o Brasil e os Es-
tados Unidos.
3
João Mansur, Líder da Arena
na Assembléia, quando apenas
um inexpressivo deputado esta-
dual, em 63, foi advertido amiga-
velmente pelo então governador
Ney Braga:
João, pelo
amor de Deus, eu
quero fazer de você o meu ho-
mem forte na Assembléia, mas se
você não melhorar teu vocabulá-
rio, não vai dar. Por favor, João,
aperfeiçoe a tua retórica, fale me-
lhor quando for à Tribuna!
Ara, Ney. Eu já tô ficando
meio enjoado de tudo isso! Afi-
nar, não tenho curpa se me
ponharam aqui.
4
Ivo Thomazoni, Io. secretário
da Assembléia, (Arena), nos dias
amargos de Leon Peres, quando
já corria o boato de sua derruba-
da, subia à Tribuna 3 vezes por
dia, para defender a
"honestida-
de insuspeitável do doutor Ha-
roldo"
5
Leon Peres já na rua, Parigot
de Souza em visita de "cortesia
è 5a. Região Militar, deputados
sorridentes, Tribunal de Contas
em festa, toda a Imprensa dando
o seu "...Ufa...!",
já estava o
estóico Ivo Thomazoni, todo des-
penteado, gravata torta, voz tre-
mula e olhar oansado. Renato
Schaitza, jornalista, comentou:
"Veja a cara de égua do Ivo Tho-
: i"mazonn .
O deputado Cândido Martins
de Oliveira chama-o a um canto:
- Ivo, como está a situaçao'
— Acabo de falar com o Leitão
de Abreu. Tudo resolvido. O
Parigot assume amanhã. Pedi ao
Leitão de Abreu para que deixas-
se o Parigot assumir amanhã
mesmo.
— Quem não é visto não é lem-
brado.
6
O velho Manuel Vargas, pai de
Getúlio, chegou quase aos cem
anos. O segredo da sua longevida-
de: nunca ia a enterros. E expli-
7
cava:
De visita marcada ao Paraguai,
Getúlio convidou o pai a acom-
panhá-lo. O velho se recusou:
— Não vou. Da última vez que
estive em Assunção me trataram
muito mal.
Tinha sidcf na guerra contra
Solano Lopez.
Ulysses Guimaraes
e o dificil equilibrio
o
POLITIKA
Augusto
Pereira
aldeia
global
Bhutto, a
queda por Chu
En-Lai
Antes, durante e depois da guerrinha índia
e Paquistão do ano de 1965, o chanceler do
presidente Mohammed Ayub Khan, mister
Zulfikar AM Bhutto andava muito agitado. E,
ainda mais, fazendo declarações. Mister Bhut-
to era declaradamente favorável à China. Tan-
to que Chu En Lai, virava e mexia, estava em
Karachi ou de passagem ou em conferência
com os líderes.
Como qualquer idiota sabe e não vou repe-
tir para não me tornar cansativo, o Paquistão
ficou para os Estados Unidos e a índia para a
União Soviética. Portanto, o casamento de
Bhutto com Chu En Lai estava fora dos pia-
nos políticos de tio Sam, ainda porque, na-
quele tempo, a Casa Branca ainda não fora
visitar Mao, em Pequim, na sua vila proibida.
Nos jornais cinematográficos assisti, muitas
vezes, o povo batendo palmas a Chu En Lai,
quando aparecia na tela e vaiando mister
Lyndon Johnson, o que, de fato, era uma te-
meridade.
Um dia bati uma conversa com Mister Har-
ry Steven:
0 senhor não acha que o chanceler Zulfi-
kar Alli Bhutto está muito chinês?
Mister Steven deu um ar de riso, modelo
167 com banda branca, e respondeu:
Acho.
Perguntei, na minha humildade:
0 governo do presidente Ayub Khan está
ficando então pró China?
Mister Steve riu com o mesmo sorriso:
Não, o governo, não, mister Bhutto, sim.
0 que acontecerá? \
E Mister Harry Steven muito sério e disfar-
çando:
Terá que ser sacrificado . .. sacrifica-
CÍO • m a
Mister Zulfikar Alli Bhutto caiu da chance-
laria quatro meses depois. E passou para a
oposição. Hoje, mister Bhutto é o presidente
do Paquistão. Mas, em compensação, mister
Nixon e o senhor Mao já trocaram gracejos!
O PEIXE
Minha preocupação, quando a aeromoça in-
formou que almoçaríamos em terra, no aero-
porto de Arshabad, foi a comida. 0 que iria
eu comer naquele pequeno aeroporto, no co-
ração da União Soviética? Pensei: vem por aí
comida russa, meu Deus, sabe lá o que? Tal-
vez um strogonoff, talvez o que?
I DEUM
V DIPLOMAT A /
Aeroporto pequeno. Prédio antigo. Mas um
restaurante limpo. Perguntei a uma pessoa, ao
lado:
é à Ia carte?
Não, a empresa já encomendou o almo-
ço. é comum pra todos...
Mais preocupação. Ah, meu Deus, aqui nes-
te fim de mundo, sabe lá o que vou comer. O
estomago apertva. Batia uma hora da tarde.
Um friozinho de outono e um sol morno lá
fora.
Tratei de forrar o estomago. Velho hábito.
Come-se logo pão com manteiga, bastante. Se
a comida fôr ruim, dane-se. Pois aí veio o pra-
to. E faço um parágrafo para contar:
Peixe frito, com cheiro verde, purê de bata-
ta, tomate, cebola e arroz.
Olhei, provei e perguntei a um companhei-
ro:
Não estarei na Bahia?
Era tudo igual.
O OCIO
Depois que os cinco jornalistas ficaram lo-
calizados em dois quartos conjugados do hotel
em Nova Deli, tratou-se de ver o aquecimento.
Mês de fevereiro faz frio naquelas bandas. E
muito frio.
0 hotel era de um português de Goa. Uma
velha casa com muitos quartos. 0 português
de Goa já é indiano e para não discutir com o
invasor, desapreendeu até de falar o portu-
guês. Só se sabe da origem porque o nome do
hotel não pode negar: Hotel Rodrigues.
Houve um problema. Cada um jornalista ti-
nha ao lado de sua cama um aquecedor de pé.
Justo um ventilador ao contrário. Sem as pás,
com fios que, ligados na eletricidade, ficam
em brasa e aquecem o paciente. Mas o proble-
ma era que um dos aquecedores não estava
funcionando.
Alguém mexeu e remexeu. Nada. Até que
se resolveu chamar a portaria:
Favor mandar no quarto tal um homem
para consertar o aquecedor que está pifado.
Meia hora de espera. Finda a qual, aparece-
ram três indianos. Turbante, roupas brancas,
calças largas, camisolão. Barbas. Três!
0 chefe da gang jornalística falou:
Só chamamos um para consertar o aque-
cedor.
Um deles se adiantou:
Vamos consertar.
Os três se ajoelharam frente ao aquecedor.
Ficamos olhando.
Então aconteceu o impossível. Os três eram
realmente para consertar o aquecedor. Sendo
que um consertava, outro dirigia o conserto e
o terceiro tomava conta dos dois.
Era a popular capacidade ociosa!
A MASSAGEM
Ah, as casas de banho em Tóquio! Claro
que não era necessário nem o banho e nem
nada. Mas havia a curiosidade do jornalista e a
grande tendência do latino. Tendência de
que? Do desconhecido.
Primeiro, fica-se nu. A mocinha que vem
dar banho na gente fica de calção e sutian.
Pano grosso. Entra-se numa banheira quente.
Depois numa friaEla esfrega sabonete na gen-
te. Bate nos músculos. Joga um jato de água
na pessoa. Frio e quente. Tudo muito recon-
fortante. 0 diabo é que, lá fora, estava nevan-
do com alguns graus abaixo. Mas não tinha
importância. A sensação do diferente.
Cada um em sua cabine que tem uma vidra-
ça em círculo para o gerente dar uma olhada.
Preço do banho cinco dólares!
Depois do banho, deita-se numa mesa com-
prida forrada com uma toalha alva. Vem a
massagem. Massagem aqui e ali. Mais massa-
gem. Recon fortante, realmente. A moça fala
mal o inglês. Mas mesmo assim perguntou:
Quer massagem especial:
Massagem especial?
Yes!
Como é?
Ela deu um sorriso amarelo, claro, pois era
japonêsa e me disse :
Bem .. é com a mão ... faz-se com a
mão para o cliente.. .
Com a mão? Quanto custa?
Mais dez dólares.
Isso queria dizer que um banho com massa-
gem especial custaria 15 dólares. Feitas as con-
tas: 60 cruzeiros dos novos falei:
Pode deixar..
Muito caro?
E eu triunfante:
Claro, lá em Ipanema, tem um lugar de
assistir corrida de submarino, onde é muito
mais barato . .. Mais barato ...
Ela sorriu e encerrou a massagem.
EH
CREDIMUS ...
um grupo que
não dá zebra
P tre "umas e outras" ... definições, dizem os
sfcios e doutos
a respeito de «rupo:
"Conjunto de objetos que se vêem de uma vez ou
ce abrangem ao mesmo lance de olhos
"Diz se que
um conjunto G apresenta estrutura de
se existir uma lei de composição interna
ffida em toda a parte de G e que possua as
„
" "dades:
associativa, existencia do elemento neu
tro único e existência de um simétrico único para
cada elemento" (Galois sec . .. XIX).
Não desfazendo do matemático francês, tudo isso
ai ji era Hoje, o grupo é outro:
"grupo" do pavão,
análise em "grupo",
etc., etc.
Nós preferimos falar do grupo como forma básica
de associação humana. E para dar o
"pia", ou seja,
incrementar um grupo
"quente", que nao da zebra ,
transportemo-nos ao Nordeste, ou, mais precisamente
a FORTALEZA, onde estão os homens e suas
máa1 ias maravilhosas ...
Reunindo toda a pujança da terra (é antes de tudo
um forte) eis que, ao lado do sertanejo, do cantador,
do vaqueiro, do jangadeiro, surge um novo mestre do
reisado: 0 EMPRESÁRIO. É misto de crença, visão,
ânimo resistente, entusiasmo e ação.
PORQUE ACREDITAMOS NO NORDESTE E
CREDIMUS DO BRASIL
Porque há um trabalho entusiasta e coeso, nas mais
diversas atividades, integradas pelo esforço de crescer
nara melhor servir aos acionistas e ao Brasil.
É realmente motivo de justo orgulho historiarmos
o aue faz pela região esse punhado
de desbravadores
modernos que formam o GRUPO CREDIMUS cujo
corpo acionário detém, praticamente, a totalidade de
mais de 20 (vinte) empresas. Participando do processo
de integração nacional pela construção da Transama-
zônica e da Barragem de Sobradinho, munidos,
uníssonos, aqui e ali, formando a EIT as CHhUi-
MUS, MASTER-INCOSA, FAISA, MAISA, IPLACS,
cada dia crescem mais e mais.
Crescem e aparecem dispostos a colaborar com o
esforço desenvolvimentista do Governo do Brasil,
criando novas oportunidades de emprego, di uin o o
risco pela diversificação de empresas, formando um
todo integrado que gera e multiplica riquezas. #
Eis as Empresas que compõem o GRUPU
CREDIMUS:
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
CREDIMUS S/A - Crédito Imobiliário
-CREDIMUS - Corretora de Câmbio, Títulos e
Valores Mobiliários Ltda.
CREDIMUS - Distribuidora de Títulos e Valo-
res Mobiliários S/A.
-PAX - Corretora de Câmbio, Títulos e Valores
Mobiliários Ltda.
DOMUS - Associação de Poupança e Empres-
timo
MODULUS - Associação de Poupança e Em
préstimo
INDÚSTRIAS
INDÚSTRIA PLÁSTICA CEARENSE
S/A
. IPLAC
IPLAC DO BRASIL S/A PLÁSTICOS INDUS-
TRI AIS
CIA de Betumes e Emulsões do Ceará.
terraplenagem
EIT — Empresa Industrial Técnica S/A
ERG — Engenharia e Comércio Ltda.
INICIADORES DO BNH - 2a. REGIÃO
MASTER INCOSA - Engenharia S/A.
CONSTRUÇÃO CÍVEL
BRECIL, Bandeirante, Rep. Eng. Com. Industria
Ltda.
Construtora ARACATY Ltda.
CIP - Construtora Imobiliária Popular
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
ARCO - Artefatos de Construção, Ind.
mércio Ltda.
SINWAL S/A - Mármores e Granitos
AGRO INDÚSTRIA
FAISA — Fortaleza Agro Industrial S/A
~~ MAISA — Mossoró Agro Industrial S/A
COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS
FAPEC — Fortaleza auto-Peças S/A
Co-
TECIDOS
ARMAZÉNS BANDEIRANTES (Tecidos) Ltda.
PLANEJAMENTO
Planos Técnicos do Brasil Ltda.
PECUÁRIA
FAZENDA Tanques Ltda.
Em organização
IPLAC S/A - Adm. e Participações
IPLAC TURISMO Ltda.
IPLAC PROCESSAMENTO DE DADOS LTDA.
IPLAC S/A - Importação e Exportação
IPLAC DO BRASIL S/A - Tecidos Plásticos
S.B.S. ENGENHARIAS/A.
As empresas filiadas co GRUPO *
CREDIMUS
contam com a participação acionária do Banco do
Estado do Ceará S/A; Banco do Desenvolvimento
Econômico do Ceará S/A e têm apoio financeiro da
SUDENE e do Banco do Nordeste do Brasil S/A.
CREDIMUS S.A. CRÉDITO IMOBILIÁRIO
Foi autorizada a funcionar pelo Banco Central do
Brasil, conforme carta patente número A-69/50,
emitida a 17 de março de 1969, na qualidade de
Agente Financeiro do Banco Nacional da Habitação
onde se inscreveu sob o número 38. Esta Sociedade
deu início às atividades no dia 22 de maio de 1969,
sendo o Agente Financeiro privado do BNH, na
segunda Região, de mais alto capital social. Nestes
três anos de atividades, seus balanços têm alcançado
lucros que, por si só, evidenciam a eficiência da
atuação.
A CREDIMUS orgulha-se de ter alcançado, preço-
cemente, as metas às quais se propôs, correspondendo
à confianca que as autoridades lhe depositaram e
contribuindo, eficazmente, para o desenvolvimento
do Plano Nacional de Habitação nos Estados do
Ceará, Piauí e Maranhão.
CREDIMUS, é tudo isso: melhor maneira de se ter
dinheiro dando lucro; de ter dinheiro guardado; e
poder ter este dinheiro à mão. Tudo ao mesmo
OS TIJOLOS UTILIZADOS, SE DISPOSTOS EM
LINHA RETA, DARIAM MAIS DE DUAS VOLTAS
EM TORNO DA TERRA
Eis alguns dados sobre as atividades da MAS-
TER-INCOSA ENGENHARIA S.A. nos últimos 5
anos: „ ___ ,. . .
Construção de 9.096 casas em 1.825 dias úteis,
numa média de 4,9 residências por dia.
Construção de 431.275,15 metros O^drad» de
área coberta para o Plano Naconal de Hab|taçao
(BNH) abrigando em casa piopria 54.5
Construção da
"Cidade Engenheiro Jose Walter
em Mondubim - Fortaleza (CE)
- 4.804 casas.
Construção, em andamento, na Barra do Ceara,
Fortaleza (CE) da Cidade "Nova
Assunção com
3.000 unidades, inclusive já inaugurada a 1a. etapa, e
concluída, praticamente, a segunda.
Inicio de construca-o, em consorcio com o EXT
iCmnresá Industrial Técnica S.Al, de 2/3 do acampa-
(Empresa Indust ^
Sobradinho da Companhia
mento de b g rranc;sc0 Valor da obra: 40 mi-
Acam^amen» além da .infra-estrutura
PLÁSTICO ASSUMISSE
A FORMA DE TODAS AS
COISAS. aesim tão depressa. Tudo está
Realmentenao um (recho
cansado°de sua aorta por
uma artéria plástica novinha
em fòlhal iá não * adm.ra^.s # , subs,
O plástico foi g
fejta só nos resta assis-
r^ulhofofà úitima etapa do deslanche: o plástico
^TTabncàmes5 Tcion^de
resinas mostram que
Os fabr'cant j ento do mercado e prepa-
ram^para enfrentar a demanda que
em 1976 deverá
ultrapassar a casa das 550.000 toneladas.
E na era do plástico a INDÚSTRIA PLÁSTICA
CEARENSE S.A. - IPLAC (sob a egide CREDIMUS)
assume a liderança absoluta. Sozinha, produz aprox,
madamente a mesma
(reunidas) das regiões NQRTE-NORDES
.
Utilizando principalmente o Polietileno, produz
todo tipo de embalagem, desde o mais simples sa-
quinho para pipoca até os mais complexos sacos
industriais valvulados. Com um parque de maquinas
dos mais completos e possuindo pessoal de alto gaba-
rito, a IPLAC desenvolveu "know-how'
proprio con-
seguindo um composto para embalar asfalto, já em
uso com absoluto sucesso.
Inaugurada em fins de 1971, iniciou a IPLAC c
produção mensal de 20 toneladas. Atualmente
extruda cerca de 300 toneladas mês.
Com a produção totalmente vendida até fevereiro,
quando novas máquinas virão reforçar seu parque,
parte para a conquista do mercado sofisticado,
criando vários produtos
"tipo exportação dentre
eles as sacolas "TRI-U-EI"
que, em breves dias, entra-
rão firmes no mercado norte-americano, tudo de
acordo com a política econômico-financeira do Go-
verno e a adoção de nova e atuante pol ítica de
MARKETING por parte da Empresa.
Em junho deste ano foi assinado um contrato de
captação de recursos no valor de Cr$ 4.000.000,00
entre IPLAC e Banco de Investimentos UNIVEST
S/A. A captação apóia-se na Lei de Incentivos Fiscais
(art. 34/18), que permite deduções de até 50% da
renda bruta de Empresas que apliquem em projetos
da área SUDENE.
Tendo como um dos maiores acionistas o Sr. Fran-
cisco Anísio Oliveira de Paula Filho, vem isto provar
que . .. decididamente, o plástico é o melhor papel de
CHICO ANÍSIO. Também o rei PELE marca gols de
placa no Nordeste, adquirindo milhares de ações da
IPLAC. É gente famosa aplicando bem seu capital.
Atendendo ao interesse do Governo na Constitui-
ção de grandes complexos empresariais, a IPLAC
CEARENSE irá se fundir, em início de 73, com a
IPLAC DO BRASIL.
IPLAC DO BRASIL S/A - PLÁSTICOS INDUS-
A experiência proporcionada pela INDÚSTRIA
PLÁSTICA CEARENSE e a sensibilidade ao dinamis-
mo (na árdua industrialização nordestina), motivou o
GRUPO, na sua indomável liderança, à criaçao de
outra unidade industrial na região. Assim nasceu
IPLAC DO BRASIL no Distrito Industrial de João
Pessoa, na Paraíba. Está em ritmo acelerado, com fun-
cionamento previsto para início de 1973. A linha de
produção englobará: sacos plásticos,
embalagens ter-
mo-formadas para margarina, sorvetes, ovos, e bebidas
em geral etc; vasilhames moldados a sopro para óleos,
detergentes, álcool, etc. e embalagens em geral molda-
das por injeção
Tais produtos serão fabricados com polietileno,
poliestireno e PVC e comercializados, inicialmente,
no Nordeste. Posteriormente (em conseqüência do
binômio "qualidade-preço"
aliado aos benefícios
fiscais que a Empresa usufrui) penetrarão nos merca-
dos sulinos, e daí, finalmente, exportados para o exte-
rior- -i J •
E deixaremos de falar em plástico, com verdadeiro
furo: já com aprovação e apoio da SUDENE (como
sucedeu anteriormente), tramita um projeto para cria-
ção da terceira indústria de plástico do Grupo!
BRASILEIRO QUASE NÃO COME CAJU: AMERI-
CANO NÃO DEIXA. . .
E como o NE era seco pra valer, descobriram que a
solução era plantar caju. Foram criadas a FORTA-
LEZA AGRO INDUSTRIAL S/A - FAISA e MAISA
- MOSSORÓ AGRO INDUSTRIAL S/A. O cajueiro
não precisa de muita água para crescer e produzirvPor
tudo isso foi plantado 1,5 milhão de pés de caju e até
1974 ter-se-á mais 1 milhão. Resultado: 7.000.000 de
dólares no primeiro ano de exportação. Caju e cas-
tanha pro uísquinho do Tio Sam ...
E por baixo da sombra dos cajueiros estão sendo
plantados algodão IAC - 13, milho amendoim e giras-
sol.
0 negócio é tão bom, que o Banco do Brasil resol-
veu emprestar Cr$ 12.000.000,00 para MAISA
começar a ganhar dinheiro e o Banco do Nordeste
comprou Cr$ 1.500.000,00 de ações da FAISA.
A FAISA mantém ainda um sistema de engorda
pelos processos
"voisin" e cbnfinamento, com
rebanho permanente e rotativo de milhares de cabe-
ças.
Aqui vai chegando ao fim o nosso piá. História de
um GRUPO de homens que, se têm as costas largas,
sabem muito bem onde têm a cabeça.
(* do latim crédere — crer)
um
a
Fritz
^^jiw
M w Jw _,
ml M/ mF My ^
POUTIKA
EDITORA TORA LTDA.
Presidente: Philomena Gebran
Diretor: Sebastião Nery
Conselho Editorial: Oliveira Bastos, Ge-
raltío Mello Mourão, Paschoal Carlos
Magno.
Gerente: Enéas Resque.^^^^^^^^^H
Editores: Jorge França, Mury Lydia.
Arte: Antonio Calegari, Tina Matera.
Ilustração: Luís Fonseca.
Humor: Fritz
Publicidade: Epitácio Caó.
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