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A Chernobyl brasileira

Cristiane G. Sant´Ana

A Chernobyl

brasileira E-mail: [email protected] Blog: http://cristianegsantana.blogspot.com.br www.clubedeautores.com.br/book/127135--A_Chernobyl_brasileira

2012

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Cristiane G. Sant՚Ana

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Sumário

AGRADECIMENTOS

PRÓLOGO

A DESCOBERTA DO MINÉRIO

A POSSE DAS TERRAS

SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO

ESPINHOS

NOS DIAS ATUAIS

QUE PAÍS É ESSE?

A RESPOSTA

TUDO TEM UM PROPÓSITO

A CHERNOBYL BRASILEIRA

A VIAGEM

A CONTAMINAÇÃO DO RIO SUBAÉ

DOENÇA E MISÉRIA

PRIMEIRO LAUDO

O LITORAL

A AUDIÊNCIA

A PRIMEIRA SENTENÇA

O TRATAMENTO

LUZ NO FIM DO TÚNEL

O CASAMENTO

A DESPEDIDA DE UM AMIGO

O ADEUS

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Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer a Deus que

tornou tudo isso possível, pois sem ele e sua aprovação, nada acontece!

A pessoa que me inspirou a escrever sobre toda essa catástrofe ambiental, pois sempre falou muito a respeito de tudo o que aconteceu e sofreu naquele lugar, Sr. Juarez Sant´Ana. Sogro, pai e avô maravilhoso, atencioso com as pessoas e suas dores, líder comunitário, um dos bravos guerreiros brasileiro, que por ser honesto, integro e incorruptível, acabou pagando um alto preço.

Ao ex-prefeito Eurípedes Bonfim, pois através de seu livro “Nem tudo está perdido”, tive a oportunidade de conhecer um pouco da sua história.

Ao meu esposo e a minha filha, que me ajudaram dando-me incentivo para que eu conseguisse escrever.

A minha mãe Dona Nildete, que sempre foi um instrumento nas mãos de Deus para me ajudar e socorrer nos momentos mais difíceis.

Minha amiga Gení de São Caetano do Sul, pelo incentivo e força para continuar escrevendo.

A Miriam que me ajudou a fazer uma breve revisão do texto, pois escrever um livro nunca foi uma missão solitária.

As pessoas de Santo Amaro da Purificação - Bahia, que Deus os abençoe. Que esse livro, possa mostrar a situação em que vivem. Que o mundo volte seus olhos para esse lugar, que a justiça seja feita. E as autoridades se mobilizem para fazer o que deveriam ter feito há muitos anos.

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Prólogo

A vida é repleta de recordações. Algumas nos fazem

sorrir, enquanto outras nos fazem chorar. Mas essas

recordações nos fazem pensar e refletir sobre tudo o que

aconteceu, pois com cada uma delas sempre podemos

aprender alguma coisa.

Hoje, a paisagem a minha volta acabou trazendo-me

muitas recordações, que provocaram um saudosismo que

chegava a ser doloroso. Naquele momento, minha memória

era como se fosse um filme, onde buscava constantemente os

momentos inesquecíveis que vivi ao lado de um homem, que

marcou para sempre a minha existência.

Sempre me recordo com saudade do dia em que nos

casamos, pois apesar desse homem já estar doente, naquele

dia a doença o havia abandonado completamente, parecia

curado. Ele estava corado, saudável, havia recuperado seu

peso e seus olhos tinham a cor acinzentada e cheia de vida de

sempre.

Olhando para essa fotografia, vejo que ela conseguiu

captar a essência daquele momento, pois ainda posso sentir o

cheiro de orvalho daquela manhã, ouvir o som das pessoas

conversando e tudo misturado a um suave fundo musical.

Ainda me recordo do sorriso de nossos amigos e

parentes. Todos sabiam de nossa história e que o nosso amor,

teria seus dias contados, embora pense que a maioria

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estivesse esperando por um milagre, assim como eu.

Nosso casamento aconteceu exatamente como sempre

havia sonhado, ao lado do homem certo e com todas as

pessoas que eram importantes para nós.

Essa foto sempre me trás sentimentos antagônicos,

tristeza e alegria. Tristeza, por aquele momento ter ficado no

passado e alegria por ter existido. Qualquer pessoa ao olhar

essa fotografia, verá que o amor e a felicidade estão

estampados no rosto de quem às compõem.

Como podem perceber, não consigo parar de buscar o

passado, pois nele encontrei a verdadeira felicidade. Já se

passaram mais de vinte anos e ainda posso dizer que, amo

esse homem com a mesma intensidade daquela época. Jamais

consegui me interessar por alguém durante todos esses anos.

Muitas pessoas não compreenderiam o que sinto,

também não seria fácil explicá-las, só sei dizer que, tem

pessoas que passam por nossas vidas e deixam marcas, boas

lembranças e até podemos sentir seu perfume no ar... Além

de uma imensa gratidão em nossos corações, por terem feito

parte de nossa história.

Acredito que todos já tivemos esse tipo de sentimento

em algum momento de nossas vidas.

Mas ainda existem pessoas que causam tristeza, dor,

desapontamento e destruição. Essas com certeza serão

lembradas com revolta, desprezo e ressentimento. São

pessoas que não nos trazem saudades, pelo contrário,

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gostaríamos de nunca tê-las conhecido. Sentimo-nos assim,

por todos os que tiveram culpa, direta ou indiretamente, pela

catástrofe ocorrida em Santo Amaro da Purificação, estado da

Bahia.

As pessoas que causaram toda aquela catástrofe, penso

que vivem com a marca da culpa, pois mesmo que seus

valores e ética fossem diferentes, sua consciência os

condenaria, pois me recuso a acreditar que o ser humano

possa sentir-se vitorioso, sabendo ser culpado pelo

sofrimento e morte de tantas pessoas.

Às vezes pensamos que tudo o que fizemos no

passado, será esquecido com novos acontecimentos e assim

acabamos não dando a devida importância ao rastro que

fazemos durante nossa caminhada. Todos nós deixamos

rastros, não há os que não deixam. Não se engane quanto a

isso.

Todos deixamos nossas impressões no mundo, por

menores que sejam e as pessoas sempre serão lembradas

pelos sentimentos que despertam em nós.

E você, que tipo de impressão deixará nesse mundo?

Meu nome é Alexia e para que vocês entendam o que

estou dizendo, vou contar a história desde o início.

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A descoberta do Minério

Em 1953 Padre Macário em suas andanças pelo

povoado de Boquira, notou em seu caminho algumas pedras

brilhantes. Isso o deixou intrigado por semanas.

Essas pedras não podem ser comuns, pois se parecem

demais com Chumbo. Se meu pensamento estiver certo, serei

um homem muito rico, pois essa área é cheia dessas pedras e

com certeza, deve haver muito mais delas no subsolo. Mas

como ter certeza de que realmente é Chumbo? Só há uma

pessoa nessa cidade capaz de me ajudar, pensou enquanto

caminhava por aquelas terras.

Dirigiu-se à farmácia do Sr. Antenor, pois era

considerado um dos homens mais inteligentes e cultos da

região naquela época.

Chegando à farmácia encontrou Antenor, homem de

meia idade e bem sucedido na vida. Ele falava ao telefone e

quando notou sua presença, fez um gesto para que ele o

aguardasse. Logo em seguida, desligou o telefone, voltou-se

para o padre e apertou sua mão com firmeza.

- Bom dia, padre. Em que posso ajudá-lo? – indagou o

farmacêutico.

- Bom dia, Antenor – cumprimentou. - Encontrei uma

pedra diferente no meio do caminho. Ela se parece com

Chumbo, mas não tenho certeza. Você saberia me dizer se

realmente é o minério? – perguntou ansioso.

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- Você está com a pedra, Padre?

- Sim. – disse pegando a pedra e entregando ao

farmacêutico.

Após analisá-la com calma, o farmacêutico decidiu não

opinar a respeito, pois não tinha nenhum conhecimento a

respeito daquele assunto.

- Não sei identificá-la, mas conheço um laboratório no

Rio de Janeiro que poderá fazer a identificação - informou

Antenor.

- Não tenho outra saída, poderia me dar o endereço

do tal laboratório?

- O endereço está em minha casa. Faça o seguinte,

apareça aqui à tarde e lhe entrego endereço – disse

devolvendo-lhe a pedra.

O Padre concordou e saiu da farmácia, satisfeito.

Através do laboratório, finalmente teria condições de

confirmar ou não suas suspeitas. À tarde voltaria novamente

à farmácia.

Naquele dia, não conseguiu concentrar-se em

absolutamente nada do que fazia, pois seus pensamentos

estavam voltados à descoberta feita naquela manhã. Se

estivesse certo, sua vida mudaria da água para o vinho, pois

deixaria de ser um simples padre, para tornar-se um homem

poderoso e influente.

Sentiu seu corpo cansado, mas sua mente não parava

de pensar nas possibilidades que teria, caso sua suspeita fosse

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confirmada.

Decidiu fazer uma boa faxina na paróquia, pois assim

o tempo passaria mais rápido. Ao concluir a limpeza, fez a

homilia que seria realizada naquela noite, mas não foi fácil,

pois não estava conseguindo focar sua atenção em

absolutamente nada, que não fosse aquelas benditas pedras.

Quando a fome apertou, decidiu procurar por alguma

coisa na velha geladeira. Tirou a faixa de pano que segurava a

porta e abriu. Notou que em seu interior, havia uma panela

com sobras de comida feita na noite anterior. Na geladeira,

não havia nada que pudesse usar como mistura. Decidiu

comer um pão adormecido que estava em seu armário.

Após se alimentar, decidiu dedicar-se novamente a

homilia daquela noite, pois ainda não estava satisfeito com a

que havia preparado. Isso durou toda à tarde, até que

finalmente olhando para o relógio, constatou que já estava na

hora de ir até a farmácia, a fim de pegar o endereço do tal

laboratório.

Na farmácia, Antenor entregou-lhe o endereço. Mas

Macário tinha consciência de que, não teria condições de

arcar com as despesas daquela grande empreitada. Então

decidiu propor ao farmacêutico uma sociedade.

- Antenor, gostaria de lhe fazer uma proposta. –

propôs olhando atentamente para o farmacêutico. - Se essa

pedra for chumbo acabo de descobrir uma mina, pois onde a

encontrei, existem milhares delas. Mas preciso de sua ajuda,

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pois não tenho dinheiro suficiente para investir em

absolutamente nada. Gostaria de tornar-se meu sócio?

- O que preciso fazer? – indagou interessado.

- Pague as despesas necessárias, para que eu vá até o

Rio de Janeiro e descubra se a pedra que encontrei realmente

é chumbo.

Antenor mal podia acreditar naquela proposta, pois

não teria nada a perder. As despesas que o padre teria seriam

ínfimas, visto a possibilidade de tornar-se um homem

milionário do dia para a noite. Não sabia exatamente qual a

classificação daquela pedra, mas não era preciso ser muito

esperto ou mesmo um perito, para perceber que a pedra em

questão, não era comum.

- Está bem, todas as despesas ocorrerá por minha

conta, Padre Macário. Pedirei a um funcionário que compre

as passagens e entregue em sua casa. Eu farei as reservas do

hotel onde ficará hospedado – disse dirigindo-se ao caixa,

onde pegou uma grande quantia em dinheiro. – Pegue esse

dinheiro para pagar as despesas que terá no Rio de Janeiro.

Padre Macário saiu satisfeito daquela farmácia, pois

tudo estava acontecendo melhor do que havia planejado.

Amanhã iria até o Rio de Janeiro, com todas as despesas

pagas e com o endereço de um laboratório que esclareceria de

uma vez por todas, suas dúvidas.

Após a missa daquela noite, um rapaz que trabalhava

com Antenor, o procurou e entregou-lhe as passagens para o

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Rio de Janeiro.

Sentindo-se cansado, o padre decidiu dormir cedo.

Tirou a batina e vestiu o velho pijama que estava sobre sua

cama e colocou o relógio para despertar às cinco horas da

manhã. Deitou-se na cama, mas o sono não chegou, pois

passou a noite inteira em claro, pensando sobre tudo o que

estava acontecendo em sua vida.

Na manhã seguinte, entrou no ônibus que o levaria até

a cidade Maravilhosa. A viagem foi tranquila, conseguiu até

dormir um pouco, já não fazia isso, desde a descoberta do

minério. A ansiedade era sufocante, pois cada minuto era

como se fosse um dia.

Na janela do ônibus, avistou aquela magnifica cidade.

Tudo no Rio de Janeiro era maravilhoso, parecia estar em

outro país. Aquilo tudo era tão diferente de Boquira, lugar

simples, onde todos se conheciam e o cheiro do progresso

ainda nem dera sinal de vida por ali.

Pegou um táxi e pediu que o levasse ao endereço que

estava no papel. Quando o táxi parou em frente ao hotel,

ficou deslumbrado e admirado com aquele arranha-céu. Em

Macaúbas e Boquira, não havia nada parecido com aquilo.

Chegando a recepção, disse seu nome como Antenor

o instruíra e imediatamente lhe deram a chave e o número de

seu quarto.

Ao entrar, viu uma cama de casal com lençóis limpos,

televisão e um telefone ao lado da cabeceira da cama. Aquilo

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tudo era realmente um sonho, diferente da pobreza com que

estava acostumado.

Se essa pedra for chumbo, serei um homem

milionário, frequentarei hotéis tão bons como esse, ou

melhor, me hospedarei em hotéis até mais luxuosos do que

esse, pensou sorrindo.

À tarde, pegou um táxi e seguiu em direção ao

laboratório. Ao chegar ao endereço indicado pelo

farmacêutico, percebeu que aquilo iria custar uma pequena

fortuna, pois o lugar era muito luxuoso e com certeza, deveria

ter os melhores profissionais da cidade.

- Bom dia, eu sou Macário. Gostaria que vocês

fizessem a avaliação dessa pedra – disse entregando a pedra

ao rapaz. – Preciso que vocês descubram qual o nome desse

minério.

- Vejo que não é uma pedra comum – disse o perito

analisando o minério. – Amanhã à tarde, o relatório estará

pronto. Então saberá a que minério pertence sua pedra.

- Muito Obrigado. Amanhã pagarei pelo serviço –

disse abrindo a porta da saída.

Saiu daquele laboratório imensamente feliz, pois em

breve saberia o rumo que sua vida tomaria. No hotel ligaria

para Antenor e lhe diria que amanhã, finalmente saberiam a

que minério pertencia àquelas pedras.

Resolveu almoçar, pois já passava das três horas da

tarde e seu estômago estava começando a reclamar. Entrou

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num grande restaurante e decidiu pedir uma lasanha, pois em

breve seria um homem muito rico e precisava melhorar seus

hábitos alimentares, concluiu sorrindo.

Decidiu conhecer o Rio de Janeiro e ficou encantado

com o progresso daquele lugar. Jamais pensou que um dia

poderia conhecer aquela cidade. Tudo ali era muito diferente

do que estava acostumado...

Cansado e ansioso para que chegasse o dia seguinte,

achou que seria melhor ligar para Antenor, quando estivesse

com o laudo técnico em suas mãos. Senão deixaria seu futuro

sócio, tão ansioso e desesperado quanto ele.

Naquela noite não conseguiu dormir novamente, pois

amanhã, finalmente teria a resposta que mudaria sua vida e de

toda aquela cidade. Amanhã descobriria qual seria o rumo de

sua vida, seria apenas um padre de uma cidadezinha pequena

e pacata, ou se tornaria o dono de uma mina de chumbo,

com poder de transformar aquela cidade e a vida de seus

moradores.

Sua Mineradora iria gerar muitos empregos e

consequentemente, o progresso para todos os habitantes dali.

Seria um dos homens mais ricos da Bahia e teria tudo o que

sempre desejou em sua vida.

Na manhã seguinte, andou pela praia e sorriu ao

imaginar que, nunca passaria por sua cabeça, colocar os pés

nas areias de uma das praias mais famosas do Rio de Janeiro.

Aquele lugar era tão bonito que merecia a fama de ser a

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cidade maravilhosa.

Aquela bendita pedra precisava realmente ser chumbo.

Teria que desistir de seus votos de padre e no início haveria

muitos comentários negativos a seu respeito, mas isso logo

seria esquecido, quando surgisse outro fato mais relevante

naquela cidade.

Logo depois, dirigiu-se ao laboratório pedindo a Deus

que estivesse certo. Chegando, aguardou na recepção apenas

alguns instantes, até aparecer o técnico que o havia recebido

no dia anterior.

- Macário, fizemos os testes e temos o laudo técnico

da classificação de sua pedra.

- Então diga, por favor. Que pedra é essa?

- Esse minério é chumbo e tem altíssimo valor

comercial – disse entregando-lhe a pedra e o laudo técnico.

- O senhor tem certeza?

- Certeza absoluta. Sua pedra é Chumbo! – garantiu o

perito.

Pagou uma quantia considerável pelo serviço prestado

do perito. Mas aquela conta foi paga com enorme prazer,

pois a partir daquele momento, sua vida mudaria para

sempre.

Arrumou as malas, pagou a conta do hotel e partiu em

direção a rodoviária.

Entrou no ônibus feliz, pois ele o levaria novamente a

sua mina de chumbo. Daria a notícia ao sócio somente

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quando chegasse a Macaúbas. Queria ver a cara de espanto e

alegria daquele farmacêutico.

Ao colocar os pés em Macaúbas, imediatamente foi ao

encontro de Antenor, que o aguardava ansioso.

- Como foi à viagem, Padre Macário? Deu tudo certo?

- Seremos milionários muito em breve, Antenor –

disse abraçando o sócio.

- Afinal, qual é o nome daquele minério?

- Eu tinha razão, Antenor. O laboratório só confirmou

minhas suspeitas, aquela pedra é chumbo. Segundo o técnico,

tem um valor comercial muito alto – informou com

satisfação.

Ele estava feliz por confirmar suas suspeitas. Mal

conseguia acreditar que havia descoberto uma mina de

chumbo, naquele fim de mundo.

A partir daquele momento Antenor seria o seu sócio,

porque precisaria de sua ajuda para tomar posse das terras

onde havia encontrado o minério, pois seus proprietários

eram pequenos lavradores.

Meses após a confirmação de o minério ser Chumbo,

já havia comunicado a Roma que deixaria de ser um vigário.

Celebrando sua última missa, disse aos fiéis da Igreja

que, a partir daquele dia não seria mais um padre, pois

decidiu largar a batina para trabalhar com mineração.

Não ficou surpreso ao notar que algumas pessoas

pareciam escandalizadas com a notícia, pois não era comum

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um padre largar seu oficio naquela época.

Após a missa, precisava encontrar um lugar para

morar, pois estava livre de obrigações com a Igreja Católica

Apostólica Romana e vice-versa. Mas esse problema não era

o foco de seus pensamentos, precisava pensar numa maneira

de adquirir a posse das terras onde estava localizado o

chumbo. Esse seria o maior desafio, pois quando fosse dono

daquelas terras, tudo ficaria muito mais fácil.

Macário e o farmacêutico precisavam encontrar uma

maneira de por as mãos naquelas terras. Esse seria o maior

desafio daquela jornada, o resto seria somente uma questão

de tempo.

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A posse das terras Tabelionato Civil e Tabelião de notas por lei, do

Distrito sede de Boquira Comarca de Macaúbas – BA.

Escritura Pública de cessão de Direitos de

propriedade para PESQUISA, que entre si em notas fazem, de um lado como cessionários, farmacêutico Antenor Alves da Silva e Padre Macário de Maia Freitas, como abaixo se declara:

Saibam quanto dessa escritura que no dia 25 de março de 1954, em meu Cartório, perante mim, Escrivã compareceu os Senhores: Joaquim de Almeida Rodrigues, Antônio Rodrigues dos Santos, Leão Santos, Joaquim Ângelo de Souza e sua mulher Herculana Cursino, Rosendo Xavier dos Santos e suas mulheres, todos eles lavradores, elas prendas domésticas, todos brasileiros, casados e domiciliados e residentes em Boquira.

““... Perante mim, foi dito serem possuidores, com posse mansa e pacífica, continuada, por mais de trinta anos de uma área de terras secas de cento e dez Hectares, com partes cercadas e partes em abertos, com denominação de “Morro Pelado” da extrema, situado da Vila de Boquira-BA.

Por este público instrumento, DE LIVRE E ESPONTANEA VONTADE, fazem Cessão plena e irrestrita, assim como sem condição, de todos seus direitos de proprietários de preferência para PESQUISA e LAVRA dentro das áreas descritas o que trata o artigo 153 da Constituição Federal.

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Saíram do Cartório, felizes. Tudo havia acontecido da

maneira como haviam planejado. Olharam-se com um sorriso

vitorioso no rosto.

- Finalmente, conseguimos Antenor! – exclamou

Macário abraçando o sócio fora do Cartório.

- Sim, meu amigo. Agora precisamos pensar no

próximo passo, o alvará de funcionamento da Mineradora.

- Não se preocupe, não chegamos até aqui para

morrermos na praia – disse Macário animado. – Agora as

coisas serão mais fáceis, pois somos proprietários da terra

onde construiremos a mineradora de chumbo.

- Vamos para minha casa – disse Antenor abrindo a

porta do carro. - Está convidado para almoçar conosco hoje.

- Aceito seu convite meu grande amigo. Estou com

muita fome, pois ser proprietário de uma mina de chumbo

me abriu o apetite – revelou Macário sorrindo ao entrar no

carro de Antenor.

Finalmente consegui, pensou Macário. Não importa se

omitiu dos lavradores que suas terras poderiam valer milhões.

Mas o que aqueles pobres lavradores poderiam fazer? A

maioria mal sabia ler e escrever. Não poderiam fazer nada

para reaver a posse daquelas terras.

Ficarei milionário com a extração de todo aquele

chumbo e a cidade ganhará muito com essa aquisição. Esse

empreendimento irá gerar muitos empregos e

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consequentemente o progresso da cidade. Isso jamais

aconteceria se, aquelas terras continuassem nas mãos

daqueles simples lavradores.

Para surpresa de todos, aqueles pobres lavradores não

aceitaram pacificamente perder suas terras, pois lutaram para

consegui-las novamente. Alguns afirmam que jamais

colocaram os pés naquele cartório, cedendo suas terras a

quem quer que fosse.

Agora Macário e Antenor precisavam correr atrás da

autorização para o funcionamento da Mineração.

Parecia uma maratona, mal venciam um obstáculo e

logo aparecia outro. Mas seus esforços foram

recompensados, quando conseguiram a posse das terras do

minério.

Agora, precisavam da bendita autorização para o

funcionamento da Mineração Boquira Ltda.

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Santo Amaro da Purificação

Macário mal podia acreditar naquele papel em suas

mãos, agora seria questão de tempo para o progresso chegar

naquele lugar e ele se tornar um homem muito rico.

Decreto nº 35.915, de 28 de Julho de 1954.

Concede à Mineração Boquira Ltda. autorização para

funcionar como empresa de mineração.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da

atribuição que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição e

nos termos do Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940

(Código de Minas),

DECRETA:

Artigo único. É concedida a Mineração Boquira Ltda.,

constituída por instrumento público de 27 de abril de 1954,

lavrado no cartório do 4º Ofício de Notas desta Capital, com

sede nesta cidade, autorização para funcionar como empresa

de mineração, ficando a mesma sociedade obrigada a cumprir

integralmente as leis e regulamentos em vigor ou que venham

a vigorar sobre o objeto da referida autorização. Rio de

Janeiro, 28 de julho de 1954; 133º da Independência e 66º da

República.

GETÚLIO VARGAS

Apolônio Sales

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O coração de Macário batia forte. Olhou novamente

para aqueles papéis, como para certificar-se de que ele

realmente existia e não era apenas fruto de sua imaginação.

Agora era uma questão de tempo, paciência e

determinação, pois tudo estava dando certo.

Sabia que ao adquirir a posse daquelas terras não

ficaria rico, pensou sorrindo, mas seria um homem

milionário.

Foi correndo até a casa do farmacêutico e encontrou

sua filha, Yeda.

- Bom dia, Yeda – cumprimentou Macário.

- Bom dia Padre, ou melhor, Macário – disse com

timidez.

- Seu pai está?

- Sim, ele está – informou. - Entre, por favor.

Macário entrou e sorriu ao notar que Yeda era uma

moça muito bonita e educada. Ela seria a esposa perfeita,

além do mais, era filha de seu sócio, uma mulher em que ele

poderia confiar. Tornar-se-ia tão rica quanto ele, por que não

investir naquele relacionamento?

Ao entrar na sala, avistou o farmacêutico que sentado

confortavelmente numa poltrona, lia seu jornal. Ele sorriu ao

ver Macário adentrar a sala.

- Bom dia, sócio – cumprimentou estendendo a mão

para Antenor.

- Bom dia, amigo. Tem alguma novidade? – indagou

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curioso. – Sente-se, por favor.

Macário sentou-se naquele confortável sofá, pois tudo

na casa de Antenor era de boa qualidade. Diferente dele, que

não tinha onde cair vivo, pois morto, se cai em qualquer

lugar, constatou com amargura.

- Se prepare, porque nosso trabalho irá aumentar em

gênero, número e grau – disse sorrindo.

- O que quer dizer com isso? – indagou confuso.

- Conseguimos a autorização de funcionamento da

mineração. Agora teremos que encontrar sócios com capital

para começar a mineração. Seu dinheiro não daria nem para o

começo, Antenor. Precisamos de um investidor com muito,

mais muito dinheiro mesmo.

- Tem ideia onde encontraremos alguém com tanto

dinheiro assim? – indagou preocupado.

- Sim, precisamos encontrar algumas multinacionais

que utilizam chumbo – constatou Macário convicto.

- Já fez alguma sondagem a respeito disso?

- Meu amigo, eu não durmo no ponto – informou

Macário. - Já tenho algumas pessoas que se forem

inteligentes, se juntarão a nós.

Macário saiu da casa de Antenor cheio de planos.

Pouco tempo depois, resolveu entrar em contato com uma

empresa americana, a Cia. Acumuladores Prest-O-Lite que

possuía sede em São Paulo.

A Prest-O-Lite iniciou sua sociedade abrindo galerias

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nas terras de Macário, onde foi retirado no início: Galena,

Cerusita e Carbonato de Chumbo.

Em seguida, a Peñarroya Oxide S.A., empresa

francesa, também fez parte desta sociedade porque

conheciam bem a flotação, que na época, era uma operação

de altíssima tecnologia.

Com o tempo, foram saindo da sociedade da

Mineração Boquira Ltda. a Prest-O-Lite e depois Macário,

todos comprados pela poderosa Peñarroya, que criou a

subsidiaria COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo.

A COBRAC pertencia ao grupo francês Peñarroya e

decide em 1960 iniciar a fabricação de ligas de chumbo.

Então escolhe a Cidade de Santo Amaro da Purificação,

estado da Bahia.

A instalação da fábrica teria uma localização

privilegiada, pois seu acesso seria através da Avenida Rui

Barbosa, uma das principais vias de acesso ao Município de

Santo Amaro da Purificação. E paralela a Av. Rui Barbosa,

está o maravilhoso Rio Subaé.

Os habitantes da cidade estavam felizes com a nova

aquisição, pois a COBRAC no início trouxe inúmeras

vantagens, como empregos e pagamento de impostos, isso

fez gerar uma perspectiva de prosperidade ao povo

santamarense.

Mas aquela felicidade durou pouco, pois em 1961,

apenas um ano após a COBRAC iniciar suas atividades em

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Santo Amaro da Purificação, estava estampada a manchete na

primeira capa do Jornal O Archote de 16 de dezembro de

1961 – “COBRAC: FÁBRICA DE CHUMBO E DE

MORTE”.

“Os pecuaristas locais, tendo como cabeça, o Sr. José

Andrade, preocupados com a grande mortandade de seu

gado, contrata Dr. Hans K. F. Dittmar para investigar a

causa.

O técnico aponta a COBRAC como emissora de gases

altamente venenosos. Esses gases seriam responsáveis pela

morte de 250 burros, 200 cabeças de gado, além de grande

quantidade de outros animais mortos. Consta ainda que

pessoas também têm sido vitimadas.

Tal fato foi denunciado pelo presidente da Câmara, Sr.

Viraldo de Senna, que apresentou ao plenário, o relatório do

engenheiro, tendo em vista, o perigo de vida que está

submetida à população local.”

Para remediar a situação, a COBRAC, “solucionou” o

problema com a aquisição de todas as terras dos pecuaristas

atingidos e os indenizou pelos animais mortos. Algumas

medidas foram tomadas para o controle da contaminação

atmosférica. Tudo parecia resolvido!

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Espinhos

Na década de 60 havia um conjunto famoso em

Macaúbas, tendo como destaque os irmãos Sant´Ana. O

baterista era Juarez Sant´Ana e como saxofonista, José

Augusto Sant´Ana, mais conhecido como Chéu.

O grupo era conhecido como “Os Cometas”.

Costumavam tocar no Clube Social de Macaúbas,

aniversários, leilões, e nas festas realizadas por Antenor, o

farmacêutico. O grupo também tocou no casamento de

Macário e a filha de Antenor, Yeda.

Durante uma dessas apresentações, conheceram o

Engenheiro Helder, que trabalhava na Mineração em

Boquira.

Juarez Sant´Ana foi convidado por Helder a fazer

parte do quadro de funcionários da Mineração, assumindo o

cargo de auxiliar de escritório e procurador da mineração

junto ao I. A. P. E. T, hoje conhecido como INSS.

No dia 28 de dezembro de 1963, sábado, era mais um

dia tranquilo de trabalho na Mineração Boquira. De repente

apareceu Manoel Dutra Seixas, mais conhecido por

Nequinho, oferecendo aos funcionários do escritório, uma

arma Taurus de calibre trinta e oito.

Nequinho alegou precisar de dinheiro para comprar

remédios para esposa, que além de grávida estava muito

doente.

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Cristiane G. Sant՚Ana

26

Juarez Sant´Ana e outros funcionários do escritório,

não demonstraram interesse em comprar o revólver, pois

naquela hora, estavam se preparando para ir embora porque

aos sábados, trabalhavam apenas meio-expediente.

Vendo que não havia interesse de ninguém por ali,

Nequinho se dirigiu a sala do gerente da Mineração, o

português Carlos França Martins, queria apenas oferecer-lhe

o revólver.

O gerente ficou extremamente irritado e aborrecido,

por Nequinho entrar em sua sala sem autorização e acabou

expulsando-o da sala aos chutes e empurrões.

Foi quando Nequinho, sentindo-se humilhado, sacou a

arma atirando em França. Infelizmente o tiro foi fatal e os

funcionários perplexos, acabaram chamando a polícia.

Nequinho foi preso e o levaram para a casa do

delegado, que ficou sob vigília de policiais.

Após dois dias, o corpo de França foi velado na Igreja

Nossa Senhora da Abadia, em Boquira. Naquele mesmo dia,

o delegado achou melhor levar o preso para a cadeia pública e

ao virar a rua da mineração, o Sr. Ladislau Kowalski, que

também era funcionário da Mineração, incitou os operários

que saiam do velório ao linchamento de Nequinho, uma cena

triste de ser vista até mesmo em filmes.

Com a morte de Carlos França, a mineração passou a

ser chefiada pelo francês André Prieto. E como gerente,

admirado por todos os operários, o Sr. Henry Granger

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A Chernobyl brasileira

também francês, conhecido por ser um homem sincero e

preocupado com todos os empregados da mineração.

O que o senhor Henry Granger tinha de bom, o outro

francês tinha de maquiavélico, pois André Prieto era

implacável com as pessoas que não se submetiam aos seus

caprichos, costumava perseguir as pessoas com quem não

simpatizava. Era conhecido por demitir pessoas sem qualquer

motivo aparente. E esse foi o caso de Juarez Sant’Ana, no

ano de 1966.

Juarez Sant´Ana, ainda fazia parte do grupo musical

“Os Cometas”. Isso o tornou um homem conhecido em toda

a região. Por ser uma pessoa muito carismática e popular em

toda cidade, foi convidado pelo Partido do Movimento

Democrático Brasileiro, mais conhecido como PMDB, para

ser um dos candidatos a vereador de Boquira.

Naquela época a mineração obtinha todo o poder

político e econômico da Região. Na cidade haviam somente

dois partidos políticos: a Arena, dominada pela Mineração e o

PMDB, que fazia parte da oposição.

Dias antes da votação, bateram forte na porta da casa

do Sr. Juarez Sant´Ana. Ele ficou muito assustado, ao notar

que em seu relógio, marcava meia noite.

Só pode ser notícia ruim! Ninguém incomodaria uma

pessoa tão tarde, pensou Juarez.

Ao abrir a porta, ainda sonolento, levou um susto ao

ver Zezão e mais dois funcionários da Mineração.

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Cristiane G. Sant՚Ana

28

- Boa noite, Juarez. – cumprimentou Zezão, homem

forte e conhecido por sua valentia.

- Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupado.

- Não aconteceu absolutamente nada, está tudo bem –

informou Zezão sorrindo. – Estamos aqui em nome da

Mineração, para lhe propor uma aliança que, será vantajosa

para ambas às partes.

- Que tipo de aliança tem a me propor? – perguntou

Juarez desconfiado.

- O que temos a lhe propor é muito simples. Você se

aliará a mineração em decisões políticas e em troca terá seu

emprego de volta – fez uma pequena pausa para avaliar a

reação de Juarez e depois continuou. – Se tornará o

Secretário da Arena e poderá até mesmo, chegar a Prefeitura

de Boquira. O que me diz dessa proposta, Juarez?

Juarez olhou incrédulo para aquele homem, que há

muito tempo conhecia e respondeu indignado:

- Eu me nego a participar dessas trocas de favores –

respondeu irritado. – Minha consciência não permitiria

melhorar minha situação financeira à custa da miséria desse

povo.

- Vamos lhe dar um tempo maior. Poderá refletir

sobre as vantagens dessa proposta – concluiu um deles. –

Não vejo em que, essa proposta poderia trazer miséria a esse

povo.

- Não tenho o que pensar – insistiu Juarez.

Page 30: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Sabemos que tem uma família grande – comentou

Zezão. – Afinal, alimentar sete filhos não é uma tarefa nada

fácil.

- Meus filhos se alimentarão com o suor do meu

trabalho. Durante toda minha vida, o alimento servido a

minha mesa, foi e será de procedência limpa e honesta – disse

Juarez irritado.

Juarez notou que os mensageiros pareciam surpresos e

confusos com sua atitude.

- Diga a quem os enviou, que não alimento minha

família com a miséria alheia. Apesar de ser um homem de

poucos recursos, jamais me venderia a uma causa em que,

não acredito e condeno. Aprendi desde criança, que um

homem honrado possui as mãos e consciência limpa.

- É isso o que tem a nos dizer? – perguntou Zezão.

- Sim. Isso é tudo o que tenho a lhes dizer. Tenham

uma boa noite – disse fechando a porta de sua casa.

No dia das eleições, tudo ocorreu com tranquilidade.

Mas na hora da apuração dos votos, Juarez acabou perdendo

para o candidato da Arena. Novamente a cidade estava sob o

comando e domínio da poderosa mineração.

Chateado, resolveu procurar um velho amigo, para

desabafar e falar de sua decepção.

Professor Aroldo era um homem culto, inteligente e

perspicaz. Era uma das raras pessoas que, de tudo conhecia

um pouco.

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Cristiane G. Sant՚Ana

30

Frente a sua casa, bateu palma e logo viu o rosto

sorridente daquele bom homem.

- Juarez? – perguntou olhando pela janela.

- Sim, sou eu mesmo.

Abriu a porta e pediu que entrasse.

- O que o trás aqui num momento tão importante? –

perguntou curioso.

- Perdi a eleição para um candidato da Mineração –

disse entrando na casa.

- Estou ciente do que ocorreu. Mas também soube que

você foi o candidato mais votado de seu partido.

- Do que isso adianta, se tudo vai permanecer como

sempre foi.

- Nem tudo está perdido – disse o professor Aroldo.

- O que quer dizer com isso, professor?

- Você foi eleito por voto em legenda.

- O que significa isso? – perguntou interessado,

sentando-se no sofá.

- O voto em legenda é aquele em que o eleitor não

indica um candidato para ocupar uma vaga, mas, sim,

manifesta o desejo de que qualquer candidato daquele partido

ou legenda possa exercer a função – sentou-se no sofá e

depois continuou. – Como você foi o candidato do PMDB

que mais obteve votos, então a cadeira é sua.

- Cadeira?

- Você tem direito a exercer o cargo de vereador, pois

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A Chernobyl brasileira

tem uma cadeira garantida na câmara dos vereadores. – disse

sorrindo ao notar a alegria no rosto de Juarez.

- O senhor tem certeza?

- Claro que sim. Por isso estou confiante de que nem

tudo está perdido nesse lugar – disse encorajando-o.

Juarez agradeceu ao amigo e saiu para dar a notícia a

sua família.

No meio do caminho, encontrou o Juiz corrupto

daquela cidade, que sorria ao vê-lo se aproximar.

- Juarez, soube que perdeu a eleição. Sinto muito –

disse sorrindo com desdém.

- Excelentíssimo Senhor Juiz – disse com ironia. –

Não fique triste, pois acabo de ser informado que fui eleito

por voto em legenda. Já que sou o candidato mais votado do

meu partido, tenho o direito à cadeira na câmara dos

vereadores.

Aquele sorriso debochado sumiu do rosto daquele

homem, que apressadamente saiu sem se despedir.

Juarez decidiu fazer a justiça funcionar naquele lugar.

Iniciou sua empreitada tentando ajudar os lavradores que

foram donos da terra da mineração. Foi buscar ajuda através

de um advogado da região.

Dr. Cistenas Oliveira, homem negro, alto e bem

vestido, famoso por ser um excelente advogado em Caetité.

Apresentou-o aos lavradores e pediu que os ajudassem

a conseguirem ao menos os Royalties da Mineração em

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32

Boquira.

Infelizmente, o advogado sumiu com parte do

dinheiro que os lavradores haviam adiantado a ele. Mais tarde

soube que outros advogados procederam da mesma forma,

uns até melhoraram de situação financeira do dia para a noite.

Após esse fato, a perseguição contra Juarez aumentou

a ponto de proibirem qualquer funcionário da Mineração em

Boquira, entrar em seu estabelecimento, sito a Rua Carlos

França Martins, nome do gerente da Mineração assassinado.

Ele recebia diariamente uma série de ameaças.

Sentindo-se coagido e com medo que fizessem mal a sua

família por causa dele, foi obrigado a fugir. Deixou a esposa e

sete filhos na casa de parentes até possuir condições de trazê-

los para São Paulo.

Outra vítima foi o prefeito Eurípides Bonfim, homem

que se recusou a submeter-se aos caprichos da tal mineração.

Foi um candidato indicado pela própria mineração,

porque fazia parte do quadro de funcionários. Como era uma

pessoa pacata, pensaram que poderiam manobrá-lo como

haviam feito com o antigo Prefeito, Dr. José Lins.

Eles cometeram um ledo engano...

Quando Eurípedes Bonfim se tornou Prefeito de

Boquira, trabalhava na parte da manhã na Prefeitura e a tarde,

na Mineração, como radiotelegrafista.

Nos dois anos de sua administração, conseguiu

trabalhar com tranquilidade, fez algumas obras muito

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A Chernobyl brasileira

importantes como a construção de um ginásio na cidade e

várias escolas em municípios pequenos.

Ao chegar o ano de 1969, data do terceiro ano de sua

administração, os problemas começaram a aparecer quando o

Sr. Prieto da Mineração, mandou seu motorista até a

prefeitura, a fim de procurar o prefeito Bonfim.

- Bom dia, Prefeito – cumprimentou educadamente o

motorista.

- Bom dia. Em que posso ajudá-lo? – perguntou o

Prefeito.

- Eu vim porque o Sr. Prieto pediu que o procurasse,

para levar alguns documentos de registros de proprietários de

terras inscritos no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma

Agrária).

- Diga ao senhor Prieto que tais documentos não

podem sair da Prefeitura – disse com firmeza. – Se ele

realmente precisa de alguma informação, diga a ele que

mande a informação que precisa, ou que me procure à tarde,

quando eu for trabalhar na Mineração.

O motorista saiu e logo em seguida estava de volta.

- Prefeito, o senhor Prieto, mandou dizer que precisa

mesmo é dos benditos documentos – disse constrangido o

motorista.

- Já lhe disse que os documentos não podem sair daqui

– disse calmamente.

- Mas o Prefeito José Lins, mandava esses registros

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para ele sempre que fosse preciso.

- Certo. Isso pode ter acontecido em outra

administração. Mas na minha administração, esses

documentos segundo meu entender, pertencem aos legítimos

donos das terras, não posso tirá-los daqui. Eles somente

sairão da prefeitura, com autorização judicial ou com a

autorização dos legítimos donos.

Chegando a mineração, o prefeito procurou pelo Sr.

Prieto.

- Sr. Prieto, desculpa. Mas não posso entregar os

documentos.

Aquele homem ficou calado, não esboçou reação

nenhuma, permaneceu estático e imóvel. O prefeito pediu

licença e se retirou, pois não havia absolutamente mais nada a

ser dito.

Após esse dia, tudo ficou extremamente difícil para o

prefeito e sua administração.

O contador da prefeitura era o mesmo do antigo

prefeito, esse começou a atrasar a contabilidade, após o

ocorrido na mineração, sendo impossível continuar com seus

serviços.

O prefeito Bonfim decidiu contratar o Sr. Deslomar

Galvão, contador do Departamento das Municipalidades de

Salvador. No começo excelente profissional, mas depois,

assim como o antigo contador, começou a encontrar jeitos de

complicar as coisas. Como podem perceber tudo ficou

Page 36: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

complicado.

Numa manhã, dois trabalhadores da Mineração,

apareceram na prefeitura.

- Prefeito Bonfim, viemos aqui para transmitir um

recado referente a uma reunião onde participarão o ex-

prefeito, o Sr. Prieto e dois vereadores. O senhor está

convidado a participar dessa reunião também, informo desde

já, que é de seu interesse participar dessa reunião.

- Qual é o assunto da reunião?

- O Sr. Prieto e Dr. José Lins (ex-prefeito) desejam

aconselhar o senhor a renunciar o cargo de Prefeito.

- Diga a eles que não participarei de nenhuma reunião,

se é que podemos chamar uma baderneira dessas, de reunião.

Não renunciarei ao meu cargo, pois nada tenho a temer.

Devido a esse fato somado a alguns outros, tomei

coragem e denuncie a Mineração e todos os corruptos

daquela cidade, denunciei também o juiz de direito. Foram

cinco ou seis folhas de papéis. Confiava plenamente no poder

das Forças Armadas, enviei ao Presidente da República, Mal.

Costa e Silva com cópias ao CSN “Conselho Nacional de

Segurança”, órgão criado na época para assessorar o

Presidente da República, ao SNI “Sistema Nacional de

Informações” e a Policia Federal em Salvador, cujo delegado

era o coronel Luiz Artur.

O excelente delegado de polícia da cidade pediu

demissão. Decidi ir até Salvador, para pedir ao Secretário de

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Cristiane G. Sant՚Ana

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Segurança pública, a nomeação de um novo delegado para

Boquira.

Retornando a Boquira, Dona Áurea tesoureira da

Prefeitura, veio até minha residência, tão logo soube da

minha chegada. Parecia afobada e muito preocupada quando

a olhei.

- Prefeito Bonfim, infelizmente a notícia que tenho a

lhe dar não é nada boa. – disse a tesoureira.

- Que notícia é essa? – perguntei desconfiado.

- O juiz requereu o livro caixa e levou para a

Mineração Boquira – disse sentando-se à cadeira a sua frente.

– Nos devolveu hoje, o livro completamente borrado.

Pensei: “Quem tem Deus ao seu lado, não teme ao

Diabo”. Sabia que nada havia feito de errado, tudo em minha

administração era limpo e transparente. Estava com a

consciência livre de culpa, sendo assim, não tinha porque

temer.

Na noite seguinte, me dirigi a Salvador para saber o

que deveria fazer, me informei no Tribunal de Contas da

União e quando retornei a Boquira, um amigo correu em

minha direção.

- Prefeito, o senhor sabe o que aconteceu na

prefeitura?

- Não. Mas então, me diga o que aconteceu?

- Você não pode voltar lá, pois o Juiz e a Polícia

Federal arrombaram a prefeitura e o cofre. Estão lá te

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A Chernobyl brasileira

esperando para prendê-lo.

Fui preso. Vi até sair no jornal local: “Ex-prefeito de

Boquira é preso, acusado por desvio de verbas da prefeitura

pelo Juiz da cidade”.

Agora perguntou a vocês:

Pediria o apoio do Presidente da República, ao

Conselho Nacional de Segurança, ao Sistema Nacional de

Informações e até mesmo, a Polícia Federal se houvesse

desviado verbas da Prefeitura?

O meu maior crime foi confiar na justiça dos homens.

Acreditei que não deveria temer por ser inocente,

infelizmente acreditei na honra das pessoas a quem enviei

minha denúncia.

Não me vendi aos caprichos da Mineração em

Boquira. Mesmo quando preso, não me senti envergonhado

ou estúpido por ter sido honesto e honrado meus princípios,

pois minha consciência não me acusa de absolutamente nada.

Mas tenho orgulho em ser um homem incorruptível e

honesto, mesmo pagando um preço altíssimo por isso.

Ao sair da prisão, percebi que havia necessidade de

abastecer o carro. Naquele dia estava junto com minha

família, parei num posto e minha surpresa foi grande ao notar

que, atrás do meu carro estava o juiz, a esposa, o filho e a

babá. Aquele mesmo juiz que havia me condenado porque o

denunciei.

Mil ideias passaram por minha cabeça. Fiquei parado

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olhando para aquele homem que, de cabeça baixa olhava para

o volante de seu carro. Ele parecia triste, não posso dizer

com certeza se havia notado minha presença.

Naquele instante não senti ódio ou raiva, somente

pena, pois se eu fosse um bandido poderia matá-lo naquele

exato momento.

Soube tempos depois, que o tal juiz respondeu pela

denúncia que fiz aos federais e houve a cassação de uma

promoção a que teria direito. Não posso dizer com certeza se

isso realmente aconteceu, pois são apenas boatos.

"De tanto ver triunfar as nulidades,

de tanto ver prosperar a desonra,

de tanto ver crescer a injustiça,

de tanto ver agigantarem-se os poderes

nas mãos dos maus,

o homem chega a desanimar da virtude,

a rir-se da honra,

a ter vergonha de ser honesto."

Ruy Barbosa

Page 40: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

Nos dias atuais

Alessandro estava completamente atônito com a

notícia que acabara de receber. Nunca imaginou que aquilo

poderia acontecer com ele.

Naquele momento não conseguia pensar e falar

absolutamente nada, apenas permaneceu estático sem esboçar

nenhuma reação frente a seu médico.

- A medicina está muito avançada. Se fizer o

tratamento corretamente, irá viver alguns anos, não dá para

dizer exatamente quanto tempo – disse o médico.

- Dr. Cláudio, se não é possível a retirada do tumor,

então, não terá muito que fazer. Quanto tempo de vida terei?

- Alessandro, como disse anteriormente a medicina

avançou muito nos últimos anos. Se esse quadro clínico fosse

há vinte anos, então seria um paciente com dias contados e

em fase terminal. Não tenho como dizer, quantos anos

poderá viver. Mas tudo irá depender de como seu corpo

reagirá ao tratamento.

- Que tipo de tratamento terá que fazer doutor?

- Como já sabe, não poderemos retirar esse tumor,

mas para diminuí-lo e evitar que se espalhe por todo o corpo,

teremos que fazer a quimioterapia.

- E quando iniciaremos o tratamento doutor?

- O mais rápido possível – disse o médico com

firmeza. - O ideal seria começarmos a partir de amanhã. Esse

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Cristiane G. Sant՚Ana

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tratamento não será fácil, pois você precisa cooperar para que

ele realmente funcione. E quanto mais rápido iniciarmos,

maior a chance de dar certo.

- E quais serão os efeitos colaterais?

- Os medicamentos inicialmente serão muito fortes.

Eles irão acabar completamente com seu paladar durante o

tratamento, ou seja, deixará de sentir completamente o sabor

dos alimentos. Os enjoos após as sessões de quimioterapia

serão intensos, mas tentaremos controlar com alguns

medicamentos – fez uma pequena pausa, olhou para

Alessandro e continuou. – Sua parte será não faltar às sessões

e se alimentar bem, só assim seu corpo responderá ao

tratamento.

Saiu daquele hospital sem saber o que deveria fazer,

pois sempre ouviu falar daquela doença, mas nunca pensou

que faria parte de sua vida algum dia.

Alessandro aumentou o volume do rádio, como se

aquele barulho, fosse capaz de desviar a atenção de seus

pensamentos.

O farol fechou e ele ficou pensando no que diria ao

pessoal do escritório, quando seu cabelo começasse a cair, ou

quando estivesse passando mal após as sessões de

quimioterapia.

De repente ouviu o barulho de buzina e notou que o

farol já estava aberto, então partiu.

Após chegar ao estacionamento do edifício, notou que

Page 42: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

o manobrista que guardar seu carro, estava com o sorriso de

sempre no rosto.

- Bom dia, doutor – cumprimentou o manobrista.

- Bom dia – respondeu saindo do carro e dirigindo-se

ao elevador.

Será que ouviu direito ou aquele homem lhe

respondeu? Trabalhava há dez anos naquele lugar e aquele

homem nunca lhe dirigiu a palavra, nem mesmo para dizer

bom dia. Isso é um verdadeiro milagre, pensou o manobrista.

Alessandro entrou em seu escritório, cumprimentou a

secretária e entrou em sua sala.

Estava com a agenda lotada de compromissos, mas

não teria condições para atender ninguém. Por sorte não

havia nenhuma audiência marcada naquele dia.

Resolveu pedir à secretária que remarcasse seus

compromissos para outro dia, conforme a disponibilidade de

sua agenda.

Olhou para sua sala, ficou feliz ao notar que havia

conseguido alcançar sucesso em sua carreira profissional. Seu

escritório de advocacia era um dos melhores do Brasil. Ele se

tornou uma lenda, por defender e ganhar causas praticamente

perdidas.

Hoje era dono de um escritório que ocupava três

andares, num dos mais famosos endereços comerciais do

Brasil, a Avenida Paulista.

Ele pensou em tudo o que foi obrigado a abrir mão,

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Cristiane G. Sant՚Ana

42

para conseguir o sucesso profissional que havia alcançado.

Assim que concluiu a faculdade, conseguiu uma vaga

como assistente de um dos melhores advogados de São

Paulo. No ano seguinte, conseguiu passar no exame da

Ordem dos Advogados do Brasil e pediu uma chance para

advogar em um dos diversos processos jurídicos daquele

escritório, desde então nunca mais parou.

Durante cinco anos, economizou todo o dinheiro que

ganhava para junto com um amigo de faculdade, montar seu

próprio escritório de advocacia.

No início era apenas um escritório pequeno, mas bem

localizado. Era somente uma espaçosa sala com um banheiro

na Av. Paulista, pois o pai de seu sócio era o proprietário do

imóvel e gentilmente cedeu aquele espaço, para ajudá-los a

iniciar aquele empreendimento.

Nos cinco anos seguintes, conseguiram juntar dinheiro

suficiente para comprar dois andares inteiros num dos

melhores edifícios da Avenida Paulista, nele havia até campo

de pouso para helicóptero.

O escritório de Advocacia Jordan & Marangoni, hoje

era conhecido em todo o Brasil. Mas para chegar a ter

sucesso, passou muitas noites sem dormir e finais de semana

estudando vários processos. Não saía para se divertir como as

outras pessoas, pois seu foco era a ascensão de sua carreira.

Atualmente era um homem com quarenta e dois anos,

com uma carreira profissional sólida e bem estruturada. Mas

Page 44: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

era completamente sozinho, pois seus pais haviam falecido há

quinze anos, num acidente de carro.

Nos últimos meses pensava em construir sua própria

família, mas ao receber a notícia de sua doença, aquilo já não

seria mais possível. Não teria coragem de se envolver com

uma pessoa e fazê-la sofrer. Era um homem tão solitário que,

nem mesmo teria alguém para deixar seus bens.

Não gostaria que as pessoas se lembrassem dele como

um homem amargo, não permitiria que o sofrimento, o

levasse a se transformar numa pessoa revoltada e rancorosa.

Seu foco seria aproveitar cada instante de vida que

ainda lhe restava. Já não poderia se dar ao luxo do tempo,

precisava aprender a viver cada dia, como se fosse o último.

E agradeceria por cada minuto que Deus permitisse continuar

vivo.

Gostaria de fazer algo, que o fizesse sentir-se bem e

orgulhoso de si mesmo. Algo que diminuísse a culpa por ter

defendido, há anos o lado errado de muitas histórias, pois se

tornou uma lenda, fazendo exatamente isso, o culpado

tornar-se inocente.

Abriu seu notebook para ler os e-mails do dia. Mas

não havia nada de interessante, apenas respondeu os mais

importantes.

Precisava desabafar com alguém a respeito de sua

doença, talvez assim, conseguisse sentir-se aliviado por dividir

aquele problema com alguém.

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Cristiane G. Sant՚Ana

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Pensou em seu sócio, mas logo mudou de ideia,

quando lhe ocorreu que essa notícia o deixaria muito abalado.

César era seu grande e único amigo, sempre tiveram os

mesmos ideias e objetivos desde a época da faculdade. Após

tornarem-se sócios e conviverem dia a dia, tornaram-se como

verdadeiros irmãos.

Estava desligando o computador, quando ouviu seu

telefone tocar, atendeu e ouviu a voz de Maebi do outro lado

da linha.

- Dr. Alessandro, temos um grande problema,

precisamos tentar resolvê-lo.

- Qual é o grande problema que temos a resolver,

Maebi? – perguntou sorrindo ao lembrar-se da notícia que

havia recebido naquela manhã. Nada poderia ser pior do

aquilo, pensou.

- Rosana pediu demissão pela manhã, pois seu esposo

foi transferido para Inglaterra e ela irá com ele.

- Então precisaremos encontrar uma segunda

assistente. Procure alguns currículos enviados através do site

da empresa, selecione apenas oito currículos, para uma

entrevista amanhã.

Desligou o telefone e percebeu que já estava na hora

do almoço.

No elevador, apertou o botão do subsolo. Aguardou

até que o manobrista trouxesse o carro. Nesse instante,

percebeu que o sorriso habitual daquele homem havia

Page 46: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

sumido de seu rosto, parecia preocupado e inquieto.

Suprimiu o desejo de lhe perguntar se havia acontecido

alguma. Não conseguia entender o que estava acontecendo,

não havia lógica estar preocupado com um simples

manobrista. A partir da descoberta de sua doença, notou que

tudo estava diferente em sua vida, começava a se importar

com as pessoas, até mesmo com homem.

Somente nesse momento, Alessandro percebeu que

infelizmente, para se proteger do mundo e das pessoas havia

criado uma barreira. Isso o ajudou a se proteger de coisas

ruins, mas só agora se deu conta de que também afastava de

si as coisas boas.

Lembrou-se do tempo em que sua mãe trabalhava

como cozinheira em boas escolas particulares. Ela fazia isso,

para que ele ganhasse bolsa integral de estudos, pois seus pais

jamais teriam condições de pagar uma escola. Trabalhando

como cozinheira, poderia dar ao seu único filho uma

educação de qualidade.

Infelizmente quando seus amigos descobriam que sua

mãe era a cozinheira da escola, começavam a ridicularizá-lo

na frente de todos.

Para se proteger das pessoas, ele escondeu que sua

mãe era a cozinheira da escola e não fez mais amizade com

ninguém, tornara-se uma pessoa solitária e aprendeu a não se

importar com ninguém a sua volta, desse modo evitava

sofrimento e decepção.

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Cristiane G. Sant՚Ana

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Nunca sentiu vergonha de sua mãe, pelo contrário,

sabia que ela era uma guerreira e poderia ter um emprego

melhor. Mas sacrificava-se numa cozinha, para que ele tivesse

condições de ter uma boa educação e consequentemente

maiores oportunidades na vida.

Ela costumava dizer que nada levávamos desse

mundo, a não ser o “saber”, pois o saber morria com seu

dono.

Ele sempre soube aproveitar o que sua mãe lhe

ofereceu. Sempre foi um aluno brilhante. Estudava muito

para conseguir alcançar as melhores notas e talvez

futuramente, conseguisse passar numa universidade federal.

E aconteceu exatamente como havia planejado. Passou

na melhor universidade federal de São Paulo.

Ainda conseguiu recompensar os pais que já estavam

aposentados. Deu-lhes uma belíssima chácara em Jundiaí. Sua

mãe realizou o sonho de construir uma horta orgânica, onde

durante algum tempo, conseguiu comer alimentos sem

agrotóxicos.

Mas Deus levou os dois num acidente estúpido, onde

um caminhoneiro dormiu ao volante batendo no carro deles,

que não conseguiu desviar a tempo da colisão.

Todos morreram naquele acidente. Meses depois,

processou a empresa culpada pelo acidente, que acabou com

a vida de três pessoas. Essa empresa obrigava os funcionários

a entregarem cargas num curto espaço de tempo, não dando

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A Chernobyl brasileira

as horas adequadas, para que seus caminhoneiros dormissem

o suficiente, a fim de evitar acidentes como aquele.

Ganhou uma boa indenização. Parte desse dinheiro

conseguiu comprar trinta por cento da parte de seu sócio,

tornando-se assim, sócio majoritário do escritório. Comprou

também mais um andar naquele mesmo edifício.

Agora seu escritório de advocacia possuía três andares

e muitos advogados para conseguir cumprir os vários

processos que entravam todos os dias naquela empresa.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo

manobrista.

- Doutor, seu carro está aqui – disse o manobrista.

- Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa? –

indagou preocupado.

- São as preocupações do dia a dia. Preciso aprender a

esconder minhas preocupações. Afinal, ninguém tem culpa

dos meus problemas.

- Posso ajudá-lo?

- Estou precisando entregar um trabalho na escola

sobre Chernobyl. Não consegui encontrar tempo para ir a

Lan House. Como estamos no final do mês, estou sem

dinheiro para mandar imprimir o bendito trabalho. Mas vou

dar um jeito nisso, sempre consigo. Deus sempre ajuda quem

se esforça para vencer na vida – disse sorrindo com

convicção.

- Qual é o horário de seu almoço?

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48

- Às treze horas, doutor.

- É o tempo em que estarei de volta. Quando chegar,

subiremos até meu escritório para ver o que podemos fazer.

Dr. Alessandro notou que aquele homem parecia

aliviado, por saber que alguém o ajudaria.

- Obrigado, doutor. Nem sei como agradecê-lo. Às

vezes a ajuda vem de quem menos se espera.

Saiu daquela garagem feliz por estar ajudando aquele

pobre homem. Percebeu naquele instante, que se cada pessoa

se importasse com seu próximo, todos viveriam num mundo

mais acolhedor e justo. São pequenos atos do nosso cotidiano

que fazem uma diferença incrível no final. São com pequenos

gestos que podemos fazer uma grande diferença na vida das

pessoas.

Ao retornar do almoço, o manobrista guardou seu

carro e depois os dois subiram até o escritório.

Maebi parecia curiosa ao ver o manobrista entrar junto

com o Dr. Alessandro em sua sala.

- Você poderá usar aquele computador – disse

apontando para um computador que estava encostado no

canto da sala.

- Obrigado, doutor.

- Entre em algum site de buscas e escreva a palavra

Chernobyl, terá várias opções a escolher.

Depois de alguns minutos, aquele homem parecia

espantado com algo escrito na internet.

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A Chernobyl brasileira

- Meu Deus! Há uma reportagem na internet com o

seguinte titulo: “A Chernobyl Brasileira: Santo Amaro da

Purificação - BA”. Já ouviu falar disso doutor?

- Está me dizendo que existe um lugar no Brasil, com

uma contaminação semelhante à de Chernobyl?

- Está escrito na internet – disse confirmando. – O

doutor já ouviu falar, que no Brasil tivemos uma

contaminação igual à de Chernobyl?

- Jamais ouvi falar a respeito dessa contaminação –

disse preocupado.

- Pois é doutor, também nunca ouvi falar a respeito

desse assunto, mas pelo que vejo isso aconteceu.

- Que tipo de contaminação houve nesse lugar?

- Pelo que estou lendo na reportagem, os funcionários

foram contaminados por chumbo e essa empresa foi

responsável pela morte de milhares de pessoas. Nela havia a

fabricação de lingotes de chumbo e foi fechada no ano de

1993, deixando a céu aberto toneladas de materiais tóxicos.

Esses materiais provocou a contaminação do Rio Subaé. Para

piorar a situação, esse rio abastece todo o município de Santo

Amaro da Purificação, Bahia. Aquelas águas foram

contaminadas por chumbo e cádmio, metais extremamente

nocivos à saúde humana.

- Nunca ouvi falar dessa história. Sempre ouvimos

falar de fatos ocorridos em outros países, mas não me

recordo dessa notícia. Provavelmente os noticiários não

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Cristiane G. Sant՚Ana

50

deram muita ênfase no caso.

- Verdade. Estudamos sobre Chernobyl, mas nunca

ouvimos falar ou estudamos a contaminação que houve em

nosso próprio país. Às vezes pensamos que miséria como

essa, acontece somente em outros países.

Aquele homem terminou de imprimir seu trabalho

escolar, agradeceu por sua ajuda e saiu.

Sentia-se confuso, havia uma parte dentro de si muito

triste, por causa da notícia que recebera a respeito de sua

saúde. Mas a outra parte sentia-se satisfeita, porque ajudou

aquele pobre homem vencer mais um pequeno obstáculo de

sua vida.

Decidiu buscar na internet, mais dados sobre o caso da

contaminação por chumbo. Encontrou no portal G1 da

globo.com, uma notícia com a data de vinte e nove de abril

de dois mil e oito. Nessa reportagem, havia a informação do

número de vítimas feita pelo chumbo daquele caso que,

chegaram a duzentas e noventa e seis pessoas. A última morte

fora registrada no sábado, dia vinte e seis de abril de dois mil

e oito. Agora com certeza, deveria ter um número bem maior

de vítimas.

Page 52: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

Que país é esse?

Encontrou vários vídeos na internet que falavam

sobre a contaminação, mas um deles tocou seu coração de

maneira especial.

A história do Sr. José Silvério Figueroa. Essa é uma

história muito parecida com a de muitos ex-funcionários

daquela mineradora.

“Durante vinte e cinco anos trabalhei duro naquele

lugar. Minha única recompensa foi adquirir uma doença

causada pela contaminação por chumbo no sangue,

conhecida como saturnismo.

Essa doença trouxe a perda do equilíbrio de meu

corpo, perdi também a visão do olho esquerdo, sou

hipertenso, tenho transtorno bipolar e por fim, a paralisia

toma conta de meu corpo lentamente.

Estou cansado de ver meus amigos morrerem,

deixando esposa e filhos desamparados. A morte para

muitos aqui, significava o término de anos de sofrimento.

Essa doença acaba com a saúde das pessoas, pouco

a pouco, dia a dia, lentamente.

Muitos acabam seus dias, com a mentalidade de

uma criança, usando fraldas, não sabem discernir o certo

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Cristiane G. Sant՚Ana

52

do errado, não tem noção de quem são e já não

reconhecem as pessoas, enfim, vivem em seu próprio

mundo, pois não são capazes de compreender o que

acontece ao seu redor.

Nessa cidade, estamos entregues a justiça divina,

pois a justiça dos homens, há anos nos abandonou a nossa

própria sorte.

Promessas políticas, nunca se concretizam nesse

lugar.

Minha gente, um país bom para se viver é feito por

um governo justo, que luta em favor de seu povo e pelo

crescimento de seu país, nunca o contrário. O que temos é

um bando de covardes que usavam de discursos

inflamados de boas intenções, quando na verdade, em

seus corações só há o desejo de enganar seu povo com

falsas promessas.

E são esses covardes que nunca fiscalizaram as

atividades poluentes daquela empresa francesa, que

durante décadas lucrou milhões com o nosso minério e

como pagamento, deixou seus trabalhadores doentes e

montanhas de lixo tóxico, como chumbo e cádmio

expostos a seu aberto, ocasionando a contaminação do

solo e das águas do Rio Subaé, rio esse, que abastece as

casas de Santo Amaro da Purificação.

Page 54: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

Aqui há sobreviventes de uma carnificina, causada

pela ambição de uma empresa francesa, que nunca

considerou seus funcionários, ou até mesmo o povo local,

como seres humanos. O pior de tudo foi o descaso do

governo brasileiro com seu povo, que nada fez para

impedir essa tragédia.

Eu sei que minha saúde acabou, mas preciso gritar,

para que o Brasil inteiro saiba: Existe um lugar onde

pessoas estão morrendo contaminadas, como em

Chernobyl. Essa contaminação é por chumbo e cádmio

metais extremamente perigosa à saúde humana.

Deixo a todos que estão assistindo essa

reportagem, uma pergunta, para que pensem e reflitam:

Que país é esse que, vendo seu povo morrer,

permanece de braços cruzados?

Aquele vídeo mudara completamente sua vida. A

reflexão deixada por aquele homem humilde mostrava que

todos nós temos uma pequena parcela de culpa, quando

ignoramos o que acontece ao nosso redor.

Decidiu ajudar aquele homem. Pegou o telefone e

ligou para a secretária.

- Maebi, preciso que me ajude a encontrar o telefone

de uma pessoa.

- Sim. Qual é o nome dessa pessoa, doutor?

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Cristiane G. Sant՚Ana

54

- O nome dessa pessoa é José Silvério Figueroa, mora

na Bahia, numa cidade chamada Santo Amaro da Purificação.

- Não se preocupe, não será difícil encontrá-lo.

Ele desligou o telefone e pediu em oração, que Deus o

enviasse uma assistente competente que o ajudasse com

aquele caso, embora há muitos anos, não acreditasse mais em

Deus.

Page 56: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

A resposta

Naquele mesmo dia, Alexia estava feliz por

conseguir pegar seu diploma do curso de direito, que

concluiu com muito sacrifício e determinação.

Lembrou-se o quanto foi difícil ter que trabalhar e

estudar. Durante o dia trabalhava com telemarketing. A noite

atravessa a cidade pegando ônibus e trem lotado, para

conseguir chegar à faculdade.

Além de tudo isso, tinha que fazer milagre com o

salário que recebia, pois com ele só conseguia pagar a

faculdade e o transporte.

Seu pai costumava ajudar com o dinheiro para

comprar as apostilas e os livros que não conseguia encontrar

na biblioteca da faculdade ou de seu bairro.

Durante cinco anos, não havia dinheiro para comprar

uma única peça de roupa ou sapato. Para dizer a verdade, não

havia dinheiro sobrando, nem mesmo para comprar uma

bala.

Estava muito emocionada ao conseguir pegar seu

diploma na secretaria da faculdade. Ficou um pouco chateada

por não ter dinheiro para participar do baile de formatura.

Mas já era uma grande vitória conseguir concluir aquele

curso, sem deixar nenhuma pendencia. Agora a meta era

passar no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, pois

só com ele, poderia advogar perante um juiz. Se não

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Cristiane G. Sant՚Ana

56

conseguisse, teria que continuar trabalhando como assistente

até alcançar essa meta.

Ouvi o celular tocar e procurou por ele em sua bolsa.

Foi difícil encontrá-lo, pois sua bolsa sempre andava muito

de cheia e encontrar alguma coisa ali, era um verdadeiro

sacrifício. Até que finalmente encontrou.

- Filha, conseguiu pegar seu diploma? – ouviu a voz de

sua mãe do outro lado da linha.

- Sim. Ele está em minhas mãos nesse exato momento

– concluiu sorrindo, sem acreditar que finalmente, tinha

aquele diploma em suas mãos.

- Parabéns, Alexia! Mas não estou telefonando por esse

motivo. Nesse exato momento, tenho uma excelente notícia

para lhe dar.

- Diga logo mãe, pois estou curiosa. Qual é a notícia?

- É sobre aquele escritório grande que você enviou um

currículo. Uma mulher ligou e disse que terá uma entrevista

amanhã às oito horas. Informaram que a vaga é para segunda

assistente do Dr. Alessandro Jordan.

- Mãe, você consegue recordar qual é o nome do

escritório?

- Sim. O nome é Jordan & Marangoni.

- Tem certeza? – perguntou sem acreditar no que

acabara de ouvir.

- Claro. Eu até anotei o nome, pois não conseguiria

lembrar-me de um nome tão difícil como esse.

Page 58: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Mãe, minha vida irá mudar muito a partir de agora –

disse animada.

- Parece um emprego muito bom.

- Sim. É o maior escritório de advocacia de São Paulo.

Minutos depois desligou o celular e caminhou até

chegar ao ponto de ônibus.

As coisas estavam começando a dar certo. Alexia havia

passado por muitas dificuldades e seus esforços estavam

sendo finalmente recompensados. Ela recordou de um dito

popular que sua mãe sempre dizia: “Ninguém vence na vida

comendo doce e para alcançar nossos objetivos, temos que

correr atrás deles”.

Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe não estava

na cozinha, como era de costume.

- Mãe, onde você está? – perguntou em voz alta.

- Na lavanderia, estou estendendo algumas roupas no

varal – gritou a mãe.

- Nem acredito que finalmente consegui pegar o

diploma. E o melhor de tudo isso, é que amanhã tenho uma

entrevista num grande escritório de advocacia.

- As coisas estão começando a dar certo, Alexia. –

disse a mãe sorrindo. - Onde está seu diploma? Vá buscar

minha filha, pois quero vê-lo.

Nesse momento, foi até a sala e pegou o diploma.

Logo em seguida, entregou a mãe que já estava na cozinha

preparando o jantar.

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Cristiane G. Sant՚Ana

58

- Tenho muito orgulho de você, sei que não foi fácil

conseguir concluir esse curso – disse abraçando Alexia. – Mas

nunca deixei de acreditar que você conseguiria.

- Obrigada, mãe. Sei que não teria conseguido sem a

ajuda de vocês – falou emocionada. - Preciso tomar uma

ducha para conseguir relaxar um pouco.

Foi ao banheiro e ficou meia hora debaixo do

chuveiro, deixando que aquela água quente escorresse por seu

corpo cansado. Sentiu que toda a tensão do dia estava indo

embora.

Agora era só saborear o apetitoso jantar que sua mãe

havia preparado. Ela já havia colocado a mesa do jantar

quando chegou à cozinha. Percebeu que sua mãe olhava para

o relógio, pareceria preocupada.

- Seu pai está demorando, foi ao mercado e ainda não

voltou.

- Hoje é o dia em que as pessoas costumam receber o

salário do mês, o supermercado provavelmente deve estar

lotado – informou Alexia encostada na geladeira.

Alexia ajudou sua mãe a preparar uma salada para o

jantar, quando seu pai finalmente chegou.

Ele parecia cansado com aquelas sacolas nas mãos.

Noel é era um homem com um coração maior do que a terra,

pois sempre procurava ajudar as pessoas que o procuravam.

Era capaz de dar a roupa que vestia se alguém precisasse. Sua

mãe às vezes precisa chamá-lo a razão, pois às vezes, as

Page 60: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

pessoas acabavam se aproveitando dele.

Apesar de serem pobres em sua casa nunca faltou

absolutamente nada. Seu pai sempre foi um homem muito

trabalhador. Alexia não se recordava de vê-lo faltar um único

dia em seu trabalho.

- Boa noite, minhas meninas – cumprimentou

colocando as sacolas no chão da cozinha. - O supermercado

estava lotado. As filas estavam imensas, pensei que nunca

conseguiria sair daquele lugar – resmungou seu pai.

- Boa noite, Noel. Alexia tem novidades para lhe

contar.

- Diga minha filha, conseguiu pegar o bendito

diploma? – perguntou curioso.

- Sim, peguei meu diploma e amanhã terei uma

entrevista num escritório de advocacia.

- As coisas estão começando a dar resultado. Vemos

que valeu a pena tanto sacrifício! – concluiu.

Naquela noite, a comida estava deliciosa como sempre.

Alexia falou sobre suas metas durante todo o jantar,

conversaram animadamente sobre o Corinthians que jogaria

naquela noite. Seu pai e ela eram Corintianos, enquanto sua

mãe era Santista. Hoje haveria uma guerra dentro daquela

casa, pois o Santos jogaria contra o Corinthians, naquela

noite.

Após o jogo, decidiram parar de aborrecer sua mãe

pela vitória do Corinthians, pois estava começando a ficar

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Cristiane G. Sant՚Ana

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irritada com as piadinhas que seu pai dizia.

Alexia resolveu escovar os dentes e em seguida foi

para o seu quarto. Precisava escolher uma roupa adequada

para a entrevista de amanhã. Ao abrir o guarda-roupa,

observou que não havia muitas opções.

Pensou em recorrer à ajuda de sua mãe, pois usavam o

mesmo número de roupa e calçado. Eram muito parecidas:

cabelo preto, olhos azuis, corpo esbelto e a altura de ambas,

não eram muito comum em mulheres, mais de um metro e

oitenta.

- Mãe, você tem alguma roupa bonita para me

emprestar? Em meu guarda-roupa, não vejo nada que sirva

para colocar numa entrevista.

- Alexia, dê uma olhadinha em meu guarda-roupa e

escolha o que quiser.

- Mãe o que poderia vestir para esta entrevista? –

insistiu - Ajude-me, por favor! – disse em tom de súplica.

- Veja se encontra uma saia preta justa e a blusa de

seda branca. Acredito que irão ficar bem em você.

Gostou da sugestão de sua mãe, pois aquela roupa

ficou perfeita em seu corpo. Resolveu colocar um sapato

preto de salto que havia ganhado de uma amiga. Pronto, a

combinação ficou perfeita, pensou.

Agora que estava tudo separado para vestir amanhã,

dormiria mais tranquila, pois entraria em pânico se deixasse

tudo para última hora. Tudo em sua vida tinha que ser pré-

Page 62: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

determinado, assim tudo ficava mais fácil e prático.

Na manhã seguinte, acordou assustada quando notou

o sol bater em sua janela. Estava atrasada para a entrevista,

não daria tempo de tomar uma única xícara de café.

Por sorte o ônibus não demorou a passar, apesar de

extremamente lotado a ponto de não conseguir tirar o pé do

lugar, caso o fizesse, teria que permanecer com somente um

pé no chão até chegar ao seu destino.

Subiu no elevador do suntuoso edifício da Av.

Paulista. Sentiu um pouco de tontura, pois aquela era uma

manhã quente e abafada, fazia dias que não chovia e a

sensação térmica na rua era infinitamente maior do que o

registrado nos termômetros espelhados por toda a cidade.

Na recepção, disse seu nome e uma mulher a levou até

uma espaçosa sala, ricamente mobiliada, com sete pessoas

que também aguardavam serem chamadas.

Quando Alexia entrou na sala, percebeu que chamou a

atenção dos demais candidatos. Possuía uma estatura

invejável, um metro e oitenta e cinco de altura, isso chamava

atenção por onde passava. Era dona de um corpo esguio, não

por ser adepta a malhação, mas por não ter facilidade em

engordar. Detestava fazer exercícios físicos, mas costumava

caminhar muito para economizar dinheiro, talvez isso a

ajudasse a manter seu belo corpo.

De repente uma porta se abriu e apareceu um homem

alto e muito atraente. Parecia ter aproximadamente um metro

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Cristiane G. Sant՚Ana

62

e noventa e oito de altura e seu cabelo era preto, já começava

mostrar alguns fios brancos, olhos acinzentados e um

belíssimo corpo atlético.

Era uma figura que exala poder, pois a secretária

parecia pouco a vontade com sua presença.

- Maebi, providencie o telefone do deputado Valdemar

Kavinsky do estado da Ceará – disse de forma autoritária. –

Preciso disso para ontem, pois quero falar com esse homem

urgente a respeito de um dos processos que estou

trabalhando – disse fechando novamente a porta.

A secretária parecia perdida com o pedido feito por

aquele homem.

- Meu Deus, esse homem pensa que tenho bola de

cristal. – disse em voz alta. - Ele nunca falou com esse

bendito deputado na vida e eu tenho que dar conta desse

telefone – disse indignada.

Parecia nervosa e sem saber por onde começar.

– Ele pensa que é fácil conseguir o telefone particular

de um deputado – resmungou com indignação.

Naquele momento, Alexia saiu daquela sala e ligou

para um amigo que trabalhava na recepção da Câmara dos

Deputados. Pediu a ele que conseguisse o telefone do tal

deputado.

Minutos depois, seu amigo retornou a ligação com o

número do celular daquele homem.

Parece que Deus está do meu lado, pois talvez esse

Page 64: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

fato me ajude a conseguir o emprego, pensou.

Minutos depois, a secretária chamou por seu nome,

passando-a na frente dos demais candidatos.

Entrou na belíssima sala do entrevistador e percebeu

que ele examinava seu currículo atentamente, até que

finalmente voltou sua atenção para ela.

- Soube que você conseguiu o telefone do deputado –

fez uma pausa e continuou. - Sempre é tão eficiente? –

perguntou com olhar examinador.

- Tenho um amigo que trabalha na Câmara dos

Deputados, resolvi pedir a ele o telefone. Parece que foi uma

excelente ideia, pois agora estou aqui na sua frente.

Aquele homem baixou os olhos para o papel que

estava a sua frente e parecia examiná-lo atenciosamente.

- Seu nome é Alexia – disse lendo o currículo. -

Acabou de concluir o curso universitário, trabalhou com

telemarketing e não possui experiência alguma nessa área –

olhou novamente ela. – Porque acha que a contraria para

trabalhar comigo, já que não possui experiência nenhuma

nessa área?

Engoliu em seco sem saber o que dizer naquele

instante, pois aquele homem a deixava sem ação, em sua

cabeça havia somente uma enorme tela branca, não conseguia

pensar em nada a dizer.

Veio-lhe a mente o conselho de seus amigos de

faculdade, ao desencorajá-la a enviar seu currículo para os

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Cristiane G. Sant՚Ana

64

grandes escritórios de advocacia. Eles diziam que o melhor a

fazer, era começar com os pequenos escritórios para

conseguir um pouco de experiência.

- Então, me responda – insistiu aquele homem. -

Porque deveria contratá-la? – disse impaciente. – Você é uma

mulher extremamente bonita, talvez seu lugar não fosse num

escritório de advocacia e sim nas passarelas – concluiu com

descaso.

- Desculpe senhor, não estudei tanto tempo para andar

em passarelas. Tenho certeza absoluta, que ao me contratar

terá a melhor assistente que já passou por esse escritório. –

disse fingindo ter uma convicção longe de realmente existir.

Aqueles olhos pareciam querer intimidá-la, mas algo

fez com que se acalmasse e tentasse manter o equilíbrio.

- Posso não ter experiência, mas tenho alguns fatores a

meu favor. Aprendo com extrema facilidade, busco a

excelência em tudo o que faço – tirou a mecha de cabelo do

rosto e prosseguiu. - Sou uma pessoa com iniciativa,

detalhista e não costumo desistir das coisas facilmente.

Acredito que fatores como esses são importantes para o

cargo que tem vago.

- Porque devo contratar você e não o outro candidato?

- Além de tudo o que falei, darei o melhor de mim e

não cometerei erros, já que existem outros candidatos que

poderão me substituir, caso prove não ser merecedora de

pertencer a essa empresa.

Page 66: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

Ele a olhou por um longo momento até que

finalmente decidiu falar.

- Parece ser uma mulher muito determinada, gosto

disso – baixou os olhos e parecia pensar enquanto olhava os

papéis sobre sua mesa.

Finalmente voltou a olhar para ela e sorriu de maneira

envolvente.

- Devo estar louco, mas lhe darei uma chance – disse

sorrindo mostrando dentes incrivelmente brancos. – Ao sair,

diga a secretária para dispensar os demais candidatos.

Aproveite e peça a lista de documentos que deverá trazer

para sua contratação.

Alexia suspirou aliviada, não conseguia acreditar que

havia conseguido aquela vaga.

- Muito obrigada, senhor... – ficou constrangida por

não saber o nome dele, afinal não haviam lhe informado o

nome do entrevistador.

- Eu sou o Dr. Alessandro Jordan. Irá ser minha nova

assistente a partir de amanhã – informou. – Agora vá e

amanhã compareça às oito horas em ponto, não suporto

atrasos – baixou os olhos novamente para os papéis em cima

de sua mesa.

Ao sair da sala, falou à secretária que o doutor havia

pedido que dispensasse os demais candidatos e solicitou a

lista de documentos que deveria trazer para a sua contratação.

- Ele a contratou? – perguntou. – Doutor Alessandro é

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Cristiane G. Sant՚Ana

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realmente uma caixinha de surpresas.

- Sim, ele me contratou. Porque está tão espantada

com a minha contratação?

- Simplesmente porque havia pessoas com mais

experiência que você. Seja bem-vinda, com certeza deve ser

muito eficiente, pois o Dr. Alessandro é muito criterioso na

escolha de seus assistentes.

A secretária a levou até o Departamento Pessoal, onde

preencheu a ficha de contratação e pegou a lista de

documentos que deveria trazer no dia seguinte.

Um rapaz simpático levou Alexia a outros andares, que

também pertenciam à advocacia. Ele a apresentou a todos

que ali trabalhavam.

Quando já havia resolvido tudo, o rapaz pediu que o

office-boy entregasse à ficha de admissão à secretária, para

que fosse assinada por doutor Alessandro.

Despediram-se e pediu que chegasse amanhã às oito

horas e antes do almoço desse uma passadinha ao

Departamento Pessoal, para entregar os documentos.

Alexia caminhou em direção ao elevador e avistou o

Dr. Alessandro que apertava o botão para chamá-lo com

impaciência.

Aquele homem se vestia com elegância e bom gosto,

sem dúvida era o homem mais cheiroso que já conheceu em

sua vida. Sua colônia cítrica possuía um aroma másculo que

combinava perfeitamente com o poder que representava

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A Chernobyl brasileira

naquele escritório. Aquela colônia cítrica masculina era

simplesmente marcante.

O elevador chegou. Ele abriu a porta para que ela

entrasse, apertou o botão do subsolo e perguntou em que

andar ela desceria. Notou que não havia aliança alguma em

seu dedo, pelo jeito deveria ser um solteirão convicto, mas

não dava para ter certeza, pois grande parte dos homens de

hoje, não costumavam usar aliança.

No elevador havia um silêncio constrangedor até que

chegaram ao andar térreo, onde Alexia desceu e o doutor

prosseguiu até o subsolo.

Seu celular tocou. Ela procurou por ele

desesperadamente até que finalmente conseguiu encontrá-lo,

dentro daquela bolsa cheia. Era sua mãe querendo saber se

havia conseguido o emprego.

Saiu daquele edifício, conversando com ela pelo

celular. Quando de repente, ouviu um carro frear

bruscamente parando quase em cima dela. Nesse momento

sentiu sua visão escurecer e não enxergou mais nada.

Após alguns segundos, abriu os olhos que estavam

ligeiramente embaçados e notou que um homem muito alto

estava chamando uma ambulância, pelo jeito, deveria ter

desmaiado.

- Senhor, não haverá necessidade de chamar uma

ambulância, pois eu me sinto bem agora – disse levantando-

se do chão envergonhada ao notar o pequeno grupo de

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68

pessoas a sua volta.

Seus olhos aos poucos voltaram ao normal. Notou que

o homem alto, era o doutor Alessandro, parecia visivelmente

aliviado ao vê-la levantar-se.

- Meu Deus, você está bem? – perguntou intrigado.

- Me desculpe doutor. O dia está muito abafado e

quente, talvez minha pressão tenha baixado – informou

constrangida.

- Você comeu alguma coisa hoje? – perguntou

preocupado.

Lembrou que não havia tomado o café naquela manhã,

pois havia acordado tarde.

- Não comi nada pela manhã, pois hoje acordei

atrasada.

- Vamos almoçar agora e depois a levarei ao hospital,

para ver se está tudo bem com você – pegou-a pelo braço e

abriu a porta de seu carro para que entrasse.

- Estou bem, não vejo necessidade de levar-me a

nenhum hospital.

Ele entrou no carro e deu a partida dispersando aquele

pequeno aglomeramento de pessoas.

- Quantos anos você tem? – perguntou visivelmente

irritado.

- Tenho vinte e seis anos – disse embaraçada.

- Com sua idade as pessoas já deveriam saber que não

pode andar por aí, sem olhar com atenção ao passar em

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A Chernobyl brasileira

frente a uma garagem.

- Desculpe, eu estava falando com minha mãe no

celular e acabei me distraindo – ela não sabia o que dizer, pois

tudo o que dissesse, não justificaria sua atitude irresponsável

e infantil.

Olhou para as mãos que seguravam aquele volante,

eram grandes, bonitas e bronzeadas e suas pernas pareciam

musculosas sob o tecido da calça. Notou que seu nariz era

levemente arrebitado e ainda havia aqueles irresistíveis olhos

acinzentados. Dr. Alessandro era sem dúvida, um homem

muito bonito.

De repente ele virou o rosto em sua direção. Ela notou

que aqueles olhos acinzentados a olhavam com uma

expressão divertida, talvez tenham percebido que o estava

observando atentamente. Tentou disfarçar, pois ele conseguia

deixá-la totalmente embaraçada e insegura.

- Chegamos – informou o doutor.

Estava abrindo a porta do carro, quando ele a deteve

abruptamente.

- Espere – saiu do carro e em seguida abriu a porta

para que ela saísse.

Uma mulher simpática veio atendê-los na porta do

restaurante.

Ela os levou até uma mesa e informou que o garçom

os atenderia em alguns instantes. O garçom realmente não

demorou a aparecer trazendo o cardápio.

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70

Os olhos de Alexia saltaram ao observar os preços

daquele lugar. O que faria? É muita miséria para um só dia.

Primeiro, havia perdido a hora e precisou sair correndo

porque estava atrasada. Depois, pegou aquele ônibus lotado,

em seguida quase foi atropelada e desmaiou caindo dura no

chão. Agora não tinha dinheiro para comprar absolutamente

nada daquele lugar, constatou Alexia.

Ele fechou o cardápio e olhou em sua direção,

aguardando que escolhesse algo.

- Vou ter que ir embora doutor, pois o dinheiro que

tenho em minha carteira, não daria para pedir a sopa deste

lugar – falou em voz baixa para que a pessoa ao lado, não

ouvisse.

Ele soltou uma gargalha espontânea e depois se

conteve, ao notar que as pessoas olhavam curiosas em sua

direção.

- Não se preocupe com os preços e escolha o que

desejar, pois hoje você é minha convidada – disse com um

sorriso perturbador.

A aparência da comida era maravilhosa, mas estava

nervosa demais para conseguir sentir o sabor de qualquer

coisa.

Conversaram durante todo o almoço. Desde o início a

conversa fluiu espontaneamente, parecia que se conheciam há

muito tempo. Dr. Alessandro confessou que não nasceu rico

como seu sócio, mas tudo o que conseguiu foi com muito

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A Chernobyl brasileira

esforço, dedicação e muito trabalho.

Disse que havia perdido os pais num acidente há

quinze anos, mas ainda sentia muita falta deles. Confessou

que sua mãe havia trabalhado como cozinheira em escolas

particulares, para que tivesse direito a bolsa de estudos. Assim

estudou nos melhores colégios de São Paulo.

Ela ficou encantada e impressionada com a história

daquele homem. Comentou que as coisas para ela, também

nunca foram fáceis, principalmente concluir a faculdade.

Confessou que muitas vezes pensou em desistir. Sorriu ao

comentar que muitas vezes passou fome, por não ter dinheiro

para comprar um único lanche, só conseguia se alimentar

quando chegava meia-noite em sua casa.

- Minha mãe tem uma frase que sempre me ajuda na

hora de tomar uma decisão e manter-me firme nas horas

difíceis.

- Qual é a frase? – perguntou Dr. Alessandro.

- Na vida tudo tem um preço, nada é de graça.

Precisamos decidir se vale a pena pagar o preço ou não.

- Concordo com sua mãe, pois para conseguirmos

alguma coisa nessa vida, precisamos de empenho e

determinação. Precisamos estabelecer metas e nos

esforçarmos para atingi-las. Nenhum sucesso é alcançado se

não corrermos atrás daquilo que desejamos, pois as coisas

não caem do céu.

Quando saíram do restaurante, Alexia agradeceu o

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almoço e perguntou se havia alguma estação de metrô por

perto.

- Entre em meu carro. Eu a deixarei em frente a uma

estação metrô.

Após deixá-la na estação, Alexia resolveu passar na

casa de uma amiga de faculdade.

Gení era uma de suas melhores amigas, costumavam

fazer todos os trabalhos de faculdade no mesmo grupo. Ela

sempre a incentivava a não desistir de seus objetivos.

- Alexia, sempre soube que você conseguiria um

emprego como esses, pois você é persistente em tudo o que

faz. Esse escritório com certeza fez uma excelente contração.

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A Chernobyl brasileira

Tudo tem um propósito

Ao chegar à sua casa, Alexia sentiu um delicioso

aroma no ar. Sua mãe já havia preparado o jantar daquela

noite.

- Alexia, é você? – gritou sua mãe da cozinha.

- Sim – respondeu. – Estou muito feliz por ter

conseguido aquele emprego, mãe – sentou numa das cadeiras

e olhou para sua mãe que parecia preocupada. – O que

aconteceu, parece que está preocupada?

- Seu pai ainda não chegou e não avisou que chegaria

tarde hoje. Será que aconteceu alguma coisa?

- Sabe que às vezes, não consegue avisá-la de que irá

fazer hora extra - argumentou tentando acalmá-la. – Não tem

porque se preocupar. Logo estará em casa.

- Eu não consigo me acostumar com essa mania que,

vocês têm de não avisar que irão chegar tarde – disse nervosa.

– Você também tem essa mania, sabe que fico preocupada e

não avisa.

Alexia achou melhor mudar de assunto, pois sabia que

acabaria ouvindo o mesmo sermão de sempre.

- Hoje definitivamente foi o dia do mico – olhou para

a mãe que parecia interessada no que tinha a dizer. – Você

não pode imaginar o que aconteceu hoje.

Alexia descreveu em detalhes, tudo o que havia

ocorrido naquele dia. Sua mãe parecia cada vez mais

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74

pensativa, não sabia se estava analisando o que falava, ou se

estava preocupada por seu pai não haver chegado.

Ela era uma mulher diferente, tinha um sexto sentido

aguçado. Conseguia prever algumas situações, mas nunca deu

muita importância para aquilo, costumava dizer que analisava

as coisas através do bom senso.

Certa vez, alertou Alexia sobre uma amiga. Mas Alexia,

não quis acreditar no que dizia sua mãe. Aborrecida, acusou-a

de rogar praga em tudo o que fazia, porque tudo acontecia

exatamente como havia previsto.

Naquela época, sua mãe ficou extremamente magoada

não lhe dirigindo a palavra, por uma semana. Pouco tempo

depois, sofreu uma das maiores decepções de sua vida, pois

essa amiga fez exatamente o que sua mãe havia previsto.

Hoje costumava dar atenção ao que ela dizia, pois não

sabia se realmente conseguia prever as coisas, ou se possuía

bom senso ao analisar um fato.

- Filha, sabe que as coisas não acontecem por acaso.

Tudo na vida tem um propósito, nenhuma folha cai do céu,

sem que Deus tenha um propósito para aquilo.

- O que quer dizer com isso? – perguntou confusa.

- Que este homem entrou em sua vida de modo

diferente. Preste atenção, vocês tem uma ligação muito forte.

- Mãe, a senhora sempre me assusta.

Ela sorriu mudando de assunto.

Conversaram sobre diversas banalidades até que

Page 76: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

finalmente seu pai chegou.

- Boa noite, minhas princesas, antes que brigue

comigo, – disse olhando para sua mãe - não consegui ligar

porque meu celular está totalmente descarregado – disse

pegando da mochila o celular completamente sem bateria.

- Onde estava? – perguntou sua mãe aborrecida.

- Estava fazendo hora extra, faltou uma pessoa e

acabou atrasando todo o serviço. Então pediram para que eu

ficasse até mais tarde.

Noel olhou para Alexia e sentou-se a seu lado.

- Filha, conseguiu o emprego?

- Sim e já começarei amanhã.

- Sinceramente, não estou surpreso. Você mandou

tantos currículos que, com certeza alguém a chamaria. Alexia,

quando corremos atrás daquilo que desejamos, o céu conspira

a nosso favor. Andou a segunda milha, então os resultados

serão maiores.

Alexia lembrou-se que sua mãe costumava dizer que,

era necessário andar a segunda milha porque enquanto as

pessoas faziam apenas o convencional, os que andavam a

segunda milha, faziam além do que era exigido, então

obtinham resultados maiores, do que as pessoas que ficavam

esperando as coisas caírem do céu. Costumava dizer que, ter

fé em Deus é muito importante, mas depois de uma oração

cheia de fé, você precisa: levantar, ir e fazer.

Page 77: A Chernobyl brasileira

Cristiane G. Sant՚Ana

76

A Chernobyl brasileira

Hoje foi o dia mais importante da vida de Alexia, pois

iria começar a trabalhar na área de sua formação.

Pegou uma das poucas peças novas que havia em seu

guarda-roupa. Era um vestido preto de malha, que ganhara de

sua mãe, quando fizera aniversário no ano anterior. Nunca

tivera a oportunidade de vesti-lo. Pegou também um

conjunto de bijuterias douradas para dar sofisticação a roupa.

Decidiu usar um sapato de salto para quebrar a informalidade

do vestido e optou por uma maquiagem leve em seu rosto.

Estava feliz ao olhar-se no espelho, mas ficou

preocupada com o que usaria amanhã, pois havia

pouquíssimas roupas adequadas para usar em seu trabalho.

Saiu do quarto, foi até a cozinha onde estava sua mãe.

- Preciso do seu cartão de crédito para comprar umas

roupas, não tenho o que vestir amanhã – pediu à mãe que

estava lavando a louça da noite anterior.

- Sim, estava pensando exatamente nisso ontem à noite

– saiu da cozinha e voltou com o cartão de crédito. – Compre

peças básicas que combinem com tudo.

- Preciso ir embora, senão chegarei atrasada. Dr.

Alessandro disse que não suporta atrasos.

- Acha mesmo que um homem com todo aquele

dinheiro chegará ao escritório às oito horas em ponto? –

indagou sorrindo.

Page 78: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Não faço a menor ideia, mas não quero dar chance

ao azar – pegou um pedaço de bolo e saiu em direção à porta.

Mal chegou ao escritório e doutor Alessandro mandou

chamá-la.

Ao entrar em sua sala, notou que ele a olhou com

admiração.

- Gostaria que me ajudasse a montar um processo

importante, teremos muito trabalho pela frente. O processo é

sobre a Chernobyl brasileira já ouviu falar? – olhou para

Alexia que, parecia tão surpresa quanto ele ao ouvir aquela

notícia. – Estou falando da contaminação por chumbo de

uma Mineração que contaminou a cidade de Santo Amaro no

estado da Bahia.

- Está me dizendo que existe um lugar na Bahia, onde

pessoas foram expostas a contaminação? – indagou Alexia.

- Sim. Existe a contaminação do solo e da água por

chumbo e cádmio em níveis endêmicos além de outros

metais.

- Há quanto tempo existe essa mineradora poluindo a

água dessa cidade? Nunca ouvi falar sobre isso.

- Tudo começou em 1953, onde um Padre chamado

Macário Maia de Freitas, encontrou um mineral diferente em

Boquira. Desconfiado que aquele material brilhante fosse

chumbo e o fizesse um homem rico, enviou a pedra para

analise num laboratório do Rio de Janeiro e lá ficou provado

que realmente era chumbo.

Page 79: A Chernobyl brasileira

Cristiane G. Sant՚Ana

78

O telefone tocou e Dr. Alessandro levantou-se para

atender. Minutos depois, sentou-se novamente a seu lado,

para explicar-lhe melhor aquela história.

- Padre Macário e um farmacêutico, chamado Antenor

Alves da Silva, compraram por uma bagatela as terras do

minério que pertenciam a lavradores, embora alguns desses

lavradores, afirmem nunca terem aberto mão de suas terras.

- Que história estranha, um padre que larga a batina

para se tornar dono de uma mina, parece até filme de

Hollywood – disse sorrindo.

- Quando terminar de contar a história verá que, não

se parece um filme, mas um conto de terror – ironizou o

doutor.

Ele olhou para ela sorrindo e continuou.

- Esse homem largou a batina e se tornou o primeiro

proprietário da mina. Conseguiu a posse das terras

juntamente com o farmacêutico que, mais tarde se tornou seu

sogro.

- Doutor Alessandro, esse tal Macário é um homem

muito esperto, mas não parece ter dinheiro suficiente para

colocar uma mineradora em funcionamento – olhou para ele,

que aparentemente parecia compenetrado nos papéis a sua

frente.

– Estou contando como tudo ocorreu, para que você

consiga entender todo o processo.

- Sim, precisamos conhecer a história para entender

Page 80: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

como tudo ocorreu.

- A usucapião que cedia direitos ao Vigário e ao sogro,

foi comprovada no dia 25 de março de 1954 no Cartório e

Tab. de Macaúbas e o Oficial Efetivo era o Sr. Bernardino

Borges dos Santos e está no Livro de nº. Três fls. 46 a 49.

- O que continua me intrigando nessa história é o fato

de que, ele e seu sogro não possuíam dinheiro para fazer

funcionar essa mineradora – insistiu nesse detalhe. - Onde

eles conseguiram o dinheiro?

- Exatamente. Eles não possuíam dinheiro –

continuou Dr. Alessandro. – Ofereceram sociedade a

multinacionais que faziam uso do minério. Primeiro a se

juntar a eles foi a Cia de acumuladores Prest-O-Lite, depois a

Peñarroya Oxide S/A. Essa última empresa acabou

comprando toda a mina de chumbo. A Peñarroya fazia parte

do poderoso Grupo Rothschild.

Nesse momento ouviram o telefone tocar e ele

levantou-se para atender, parecia bastante contrariado. Após

a ligação, pediu à secretária, que não o interrompesse com

nenhuma outra ligação naquele dia. Em seguida olhou em sua

direção e disse:

- Você gostaria de tomar uma xícara de café ou chá?

- Não, obrigado doutor. Estou curiosa para saber o

que aconteceu – disse pegando um bloco para anotar as

informações.

Ele a olhou demoradamente e voltou a sentar-se a seu

Page 81: A Chernobyl brasileira

Cristiane G. Sant՚Ana

80

lado.

Meu Deus! Como gostaria de tê-la conhecido alguns

anos antes, pois Alexia era a mulher que ele sempre havia

procurado. Era simples, inteligente e autêntica, pensou com

tristeza.

Precisava se concentrar no que estava fazendo, olhou

para ela com um sorriso triste e continuou.

- A história realmente começa quando a Mineradora

Boquira foi vendida a empresa francesa Peñarroya Oxide

S/A. – disse o doutor. – Essa empresa faz parte do poderoso

Grupo Rothschild que atualmente é líder mundial na

produção de óxidos de chumbo. A Peñarroya, desde 1994,

faz parte do Grupo METALEUROP que, atualmente, detém

60% do mercado europeu e 25% do mercado mundial em seu

segmento de atividades.

Ele parou por um momento, olhou para Alexia e

sorriu. Será que realmente era a pessoa certa para ajudá-lo

naquele caso? Precisa de alguém que se interessasse por

aquele caso, tanto quanto ele. Teria que ser uma pessoa com

sede de justiça, para ganhar aquele caso.

Resolveu continuar relatando o que ele e Carla haviam

descoberto dias antes.

- Essa Peñarroya criou em 1958, para atuar no Brasil, a

subsidiária COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo.

A COBRAC operou em Santo Amaro-Bahia, no ano

de 1960. Era uma fábrica que produzia lingotes de chumbo –

Page 82: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

interrompeu a leitura e virou-se para ver quem havia aberto a

porta do escritório, sem ao menos bater.

Alexia olhou em direção a porta e viu entrar uma linda

mulher. Ela parecia aborrecida ao notar sua presença naquela

sala.

- Alessandro, precisamos conversar a respeito do

processo da Mineração, pois descobri algo novo – disse

olhando para Alexia.

- Bom dia Carla – falou num tom irônico.

Aquela mulher lhe lançou um olhar de ódio e desprezo

que a fez engolir em seco.

- Bom dia Alessandro. Quem é essa mulher? –

perguntou com desdém.

- Seu nome é Alexia – respondeu. – Ela será minha

segunda assistente.

- Seja bem-vinda, Alexia. Sou a primeira assistente do

Dr. Alessandro. Meu nome é Carla Tamaris.

- Obrigada, Carla. Será um grande prazer trabalhar

com você.

- Então, como estava dizendo, descobri algo

interessante sobre a mineração – disse Carla.

- Deve ser algo muito importante mesmo, pela

maneira como entrou em meu escritório. – observou o

doutor aborrecido.

- Desculpe estava um pouco ansiosa, mas posso

esperar até que você acabe o que está fazendo, depois

Page 83: A Chernobyl brasileira

Cristiane G. Sant՚Ana

82

falaremos sobre o assunto.

- Decidi colocar Alexia como assistente nesse

processo, pois você não demonstrou interesse desde o

princípio. Você irá me auxiliar no processo de Goiás a partir

de hoje.

- Sinceramente, penso que esse processo não irá trazer

lucro algum a esse escritório. Mas já que está tão interessado,

resolvi buscar mais dados para terminarmos o mais rápido

possível com esse processo.

- Como já disse, Alexia irá me auxiliar no processo –

afirmou com firmeza, para que não houvesse dúvidas a

respeito de sua decisão.

- Você é quem sabe – dirigiu-se a porta batendo com

força ao fechá-la.

Ele reparou que Alexia parecia constrangida com a

situação.

- Carla é uma excelente assistente, mas tem um

temperamento extremamente difícil – disse tentando

amenizar a situação. – Infelizmente nem tudo é perfeito -

disse balançando os ombros.

Ela olhou para o relógio e percebeu que eram duas

horas da tarde e estava começando a sentir fome.

Ele observou que Alexia olhava para o relógio e sorriu.

- O tempo passou tão rápido que acabei me

esquecendo de sua hora de almoço. Peço desculpas, pois já

são duas horas da tarde. – olhou para ela por um breve

Page 84: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

instante e levantou-se.

- Precisamos almoçar, pois não a quero ver

desmaiando pelo escritório – disse em tom de brincadeira.

- Eu estou bem e se quiser podemos continuar durante

o almoço.

- Está bem, vamos almoçar e discutiremos sobre o

processo durante o almoço.

- Eu não tenho dinheiro para almoçar, mas trouxe uma

fruta de casa para comer.

- Você tem direito a vale alimentação, não lhe

entregaram? – perguntou preocupado.

- Não. O rapaz do Departamento Pessoal, pediu que

fosse antes do almoço falar com ele, talvez esse fosse o

motivo.

- Vá pegar o seu vale alimentação e podemos pedir

algo para comermos aqui no escritório. Tem certeza que

deseja continuar falando sobre o processo durante o almoço?

- Claro que sim. Estou curiosa para saber o final de

toda essa história.

Alexia saiu da sala e dirigiu-se ao Departamento

Pessoal. Lá lhe entregaram o bilhete único e o vale

alimentação.

Foi até a sala de Maebi, pois precisava do telefone

onde pudesse pedir um lanche.

- Preciso de sua ajuda, Maebi – informou sorrindo. -

Você teria o telefone de alguma lanchonete que faça entregas

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84

de lanches por aqui?

- Doutor Alessandro, mandou que fizesse o pedido

dos lanches para vocês. Liguei em sua sala, mas não a

encontrei – disse parecendo constrangida. – Pedi um x-salada

e um suco de laranja para você, tudo bem?

- Claro Maebi, nem sei como agradecê-la.

- Doutor Alessandro está na sala esperando por você.

Alexia bateu na porta e entrou.

- Maebi fez o pedido dos lanches. Eles deverão chegar

em quinze minutos – disse sorrindo.

Ela olhou para aquele homem e percebeu que ele

estava muito pálido.

- Está cansado? Está um pouco abatido. – indagou

olhando para o doutor que aparentava não estar bem.

- Estou precisando tirar férias, mas temos tanto

serviço por aqui, que isso parece até um sonho – informou

sorrindo.

O doutor começou a organizar a papelada que estava

em cima da mesa e Alexia estava curiosa para saber mais

detalhes sobre aquele processo.

- Vamos continuar enquanto o lanche não chega? –

perguntou Alexia, impaciente.

Ele sorriu satisfeito ao perceber seu interesse no

processo.

Ele levantou-se e foi até sua mesa, pegou um papel e

entregou a ela.

Page 86: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Esse papel conta a história da contaminação que

nosso cliente sofreu, devido à falta de equipamentos de

segurança, enquanto trabalhava na empresa.

Alexia leu o papel e pareceu ficar bastante comovida

com o depoimento que ele deu na entrevista.

- Ele parece bastante consciente da omissão das

autoridades nesse caso.

- Sim. Ele é um homem muito inteligente e tem

esperança que as pessoas se mobilizem, ao tomar

conhecimento da situação em que foram obrigados a viver

durante anos.

- Vamos continuar com a história, pois estou

interessada em saber, como ocorreu tamanha contaminação.

- Paramos na parte em que a COBRAC iniciou suas

atividades no ano de 1960, correto? – perguntou o doutor.

Ela balançou a cabeça confirmando.

- A mina de chumbo ficava em Boquira, enquanto a

fábrica foi instada em Santo Amaro, Bahia – disse o doutor.

Ouviram bater na porta e ele levantou-se para atender.

Era o lanche que havia acabado de chegar. Ele pagou os

lanches e voltou a sentar-se a seu lado.

- Podemos continuar depois que comermos - entregou

o lanche de Alexia e continuou lendo o processo, enquanto

tentava abrir sua embalagem sem sucesso.

- Como conseguiram o fechamento dessa bendita

fábrica? – indagou Alexia.

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86

- Só conseguiram o fechamento dessa fábrica, quando

um pesquisador da Faculdade de Química da Universidade

Federal da Bahia, de nome Oscar Nogueira, foi testar o uso

de um instrumento chamado “Espectrofotômetro de

absorvição atômica”. Com aquele aparelho, percebeu que

havia contaminação não só por chumbo, mas também por

cádmio nas águas do Rio Subaé.

- Seria muito importante, tentarmos falar com esse

homem, pois sempre existem fatos que às vezes foram

esquecidos ou não foram relatados – propôs Alexia.

- Você tem razão Alexia – ele olhou-a de maneira tão

carinhosa que fez seu coração acelerar. – Vamos pensar a

respeito disso mais tarde.

Terminaram de comer o lanche e Alexia recolheu da

mesa as embalagens vazias, jogando-as no lixo.

- Você fará uma viagem comigo a Bahia, ficaremos

num hotel modesto, pois este caso pode não dar certo, afinal

estamos mexendo com figurões do primeiro mundo.

- Sabe doutor, parece que estamos voltando à época

do descobrimento do Brasil. Onde já se passaram mais de

quinhentos anos e a história continua se repetindo. O

primeiro mundo continua extraindo as riquezas do Brasil e

lucrando com o que é nosso.

- Sim, passaram-se mais de quinhentos anos e ainda

não aprendemos a defender o que é nosso.

- Quando iremos à Bahia? - perguntou curiosa

Page 88: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Amanhã. – respondeu pegando o telefone.

No telefone, pediu a Maebi que fizesse reservas para

amanhã. Precisaria de duas passagens aéreas para Salvador e

reservas para um bom hotel em Boquira ou Macaúbas.

Ao desligar, sentou-se ao seu lado novamente.

- Acho melhor você ir embora, pois precisa arrumar

sua mala para a viagem. Iremos ficar por lá três ou quatro

dias – informou. – Acredito que será tempo suficiente para

levantarmos dados importantes para o processo.

- Você tem o telefone desse pesquisador?

- Ele trabalha na Universidade Federal da Bahia,

acredito que não será difícil encontrá-lo.

Alessandro olhou para a mesa e organizou os papéis

dentro de uma pasta.

- Antes de sair, peça a Maebi para tirar as fotocópias

desse processo e leve para sua casa. Gostaria que estudasse o

processo com calma.

Ouviram o telefone tocar e Dr. Alessandro atendeu,

era Maebi passando informações sobre a viagem. Após

desligar o telefone ele informou:

- O voo sairá às nove horas da manhã. Em Salvador

teremos que pegar um avião particular até Boquira, pois

existe um campo de pouso por lá. Assim não perderemos

tempo – disse o doutor entregando-lhe a pasta do processo,

para que as cópias fossem tiradas.

- Aguarde até que as fotocópias do processo fiquem

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88

prontas e depois vá para sua casa, pois precisa se organizar

para a viagem.

- Em qual aeroporto devo me dirigir amanhã?

- Aeroporto de Cumbica. Não se atrase, compareça

meia hora antes.

- Até amanhã, doutor Alessandro.

Saiu de sua sala e notou que Maebi parecia aborrecida.

Seus olhos pareciam marejados de lágrimas.

- Aconteceu alguma coisa, Maebi? – perguntou a

secretária.

- Ninguém consegue ficar feliz, com os ataques de

mau-humor de Carla – comentou pegando o lenço para

enxugar suas lágrimas.

- Posso ajudá-la?

- Não. Estou bem, mas muito obrigada por tentar

ajudar-me. – olhou para ela com simpatia e suspirou dizendo:

- Tome cuidado, pois aquela mulher, quando está com ciúmes

do doutor Alessandro, parece uma víbora pronta a atacar -

virou-se para atender ao telefone que estava tocando.

Saiu da sala sem entender o que havia acontecido. Mas

ao chegar a sua sala, Carla aguardava por ela sentada em sua

cadeira.

- Você irá com Alessandro para Bahia? – perguntou

séria.

- Sim, decidimos conversar com algumas pessoas para

entender melhor o que aconteceu naquele lugar – informou

Page 90: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

sentando em uma cadeira. – Gostaríamos de juntar mais fatos

importantes para o processo, talvez isso nos ajude

futuramente.

- Sério? – perguntou com desdém. – Todo o material

que existe naquele processo, consegui por telefone e

pesquisas na internet.

- Excelente trabalho! – abaixei a cabeça sem saber o

que dizer. – Acredito que podemos juntar provas

importantes, se visitarmos algumas pessoas afetadas pela

contaminação.

- Esse processo pode não trazer um mísero centavo a

este escritório. Esses fatos ocorreram a mais de vinte anos

atrás, estamos mexendo com pessoas poderosas do primeiro

mundo – informou com rispidez.

- Mas ainda existe a possibilidade de encontrarmos

algo novo, que dê força a esse processo – disse com firmeza.

– Ainda podemos fazer algo para ajudar nosso cliente que foi

exposto a toda aquela contaminação e fazer com que a justiça

prevaleça. Eles precisam pagar tudo o devem a ele, pois não

tem mais saúde para trabalhar.

- Minha querida, aqui não é uma instituição de

caridade – saiu de sua sala batendo a porta.

Estava feliz demais para deixar-se aborrecer com

alguém naquele dia. Ao chegar a sua casa, contou a sua mãe

sobre a viagem e sobre a contaminação.

Ela ficou perplexa ao saber que pessoas haviam sido

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contaminadas por metais perigosos a saúde e nada havia sido

feito durante anos.

- Filha, tome cuidado com a água daquele lugar. Não

deve bebê-la nem sob tortura.

- Mãe, nós ficaremos em Boquira e não em Santo

Amaro, onde ocorreu o grande foco de contaminação –

sorriu dando-lhe um beijo no rosto para acalmá-la. – Não

fique preocupada, ficarei bem.

- Por favor, me ligue dando notícias. Você sabe que eu

morreria se acontecesse algo a você.

- Eu te amo, mãe. Não saberia viver sem o seu amor e

cuidado. Mas não precisa se preocupar, não tomarei nenhum

gole daquela água – disse dando-lhe um beijo no rosto.

Entrou em seu quarto e começou a arrumar a mala.

Decidiu levar somente roupas leves e confortáveis.

Sua mãe apareceu em seu quarto e sorriu ao notar sua

indecisão diante do guarda-roupa.

- Filha, vai precisar de algo emprestado?

- Não mãe, pois naquele lugar é aconselhável usar

roupas mais simples e confortáveis. Estou devolvendo seu

cartão, não deu tempo para comprar absolutamente nada.

Mais tarde fez uma rápida revisão daquele processo e

depois acabou dormindo.

Acordou com sua mãe chamando para jantar. Seus

olhos estavam pesados, pois estava com muito sono e

extremamente cansada. Decidiu tomar apenas um copo de

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A Chernobyl brasileira

leite e foi dormir.

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92

A viagem

Minha mãe levou-me até ao aeroporto naquela

manhã.

- Mãe pelo amor de Deus, presta atenção no que está

fazendo! – olhou assustada para o carro que acabara de

buzinar, pois sua mãe quase entrou na contramão.

- Eu não vi que era contramão – disse nervosa.

Quando Alexia chegou ao aeroporto, respirou aliviada.

Sua mãe definitivamente não nasceu para dirigir, pois

ninguém naquele planeta conseguia dirigir pior do que ela.

Até seu pai que aceitava tudo com tranquilidade, recusava-se

terminantemente a andar com ela dirigindo o carro.

- Lembre-se de me ligar quando chegar – cobrou sua

mãe, dando-lhe um beijo no rosto. Esperou que saísse do

carro e partiu em seguida.

No aeroporto, percebeu que havia chegado uma hora

antes do combinado. Resolveu ir até o banheiro para retocar

a maquiagem.

Olhou-se no espelho e constatou que estava pálida e

assustada. Recordou-se de sua mãe ao volante e não pode

deixar de sorrir. Jamais conhecera alguém que dirigisse como

ela, pensou sorrindo.

A imagem do espelho refletia uma mulher bonita e

bem vestida. Naquela manhã estava usando uma calça preta

social e uma blusa lilás com um belo decote “V” que

Page 94: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

valorizava seus seios. Ela admitiu naquele momento, que o

motivo de seus olhos estarem tão brilhantes naquela manhã,

era o fato de que em breve, se encontraria com o doutor.

Ele era o homem com quem sonhou a vida inteira,

mas infelizmente não teria a menor chance. Aquele homem

jamais se interessaria por uma mulher como ela. Ele era um

homem bonito e importante, enquanto ela era apenas uma

pobre moça do subúrbio sem experiência nenhuma de vida.

Ao se preparar para sair do banheiro, notou que sua

mala havia sumido do lugar onde havia deixado, entrou em

desespero ao perceber que havia sido roubada. Saiu do

banheiro na esperança de encontrar alguém carregando sua

mala, mas não encontrou ninguém. Provavelmente a pessoa

que lhe havia roubado, ficaria frustrada, pois mão encontraria

nada de valor.

Logo avistou Dr. Alessandro, que naquela manhã,

usava uma calça jeans preta e uma camisa branca, parecia

bem mais jovem, com aquela roupa menos conservadora.

- Você chegou no horário – elogiou. – Onde estão

suas bagagens?

- Fui ao banheiro para retocar a maquiagem, quando

fui pegar minha bagagem, percebi que havia sido roubada –

disse com lágrimas nos olhos.

- Acalme-se. – pegou o lenço do bolso e ofereceu a ela.

– Havia alguma coisa de valor?

- Não, somente minhas roupas – respondeu tentando

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se controlar. – Não trouxe cartão de crédito e minha mãe não

conseguiria chegar a tempo de trazer outras roupas – disse

desesperada.

- Fique tranquila – disse tentando tranquilizá-la. –

Infelizmente nos aeroportos esses roubos se tornaram

constantes. Quando chegarmos à Bahia, você poderá

comprar algo para vestir.

- Mas não trouxe dinheiro suficiente para comprar

roupas.

- Eu pagarei, depois posso descontar de seu salário em

várias prestações – disse piscando com sorriso encantador.

- Desde que o conheci, não faço outra coisa a não ser

lhe dar trabalho - falou olhando para ele, que parecia estar se

divertindo com o comentário.

- Sim, não consigo esquecer o dia em que quase a

atropelei – comentou sorrindo. – A situação atual é menos

preocupante, pois naquele dia, pensei que tivesse se

machucado.

Entraram no avião e acabaram sentando-se em lugares

diferentes, pois Maebi havia conseguido sua passagem,

somente após a desistência de uma pessoa.

Alexia ficou satisfeita por sentar-se na janela, assim

poderia apreciar a bela paisagem. O dia estava com uma

temperatura agradável, quase não havia nuvens naquele céu,

extremamente azul. A aeromoça deu as instruções habituais e

após algum tempo, foi servido alguns petiscos.

Page 96: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

A viagem foi tranquila e sem nenhuma turbulência,

conseguiram chegar às onze e meia da manhã.

Ao saírem do aeroporto, doutor Alessandro resolveu

dar uma volta pela redondeza.

- Teremos tempo suficiente para comprarmos algumas

roupas para você, pois conseguimos fretar um helicóptero

para daqui a duas horas.

Foram em algumas lojas próximas ao aeroporto e

conseguiram comprar algumas roupas para Alexia. Ele era um

homem paciente e discreto, pois na hora em que escolhia

alguns lingeries, ele se manteve a distância, observando

outros produtos na loja. Escolheu também alguns calçados e

ainda sobrou tempo para que comessem alguma coisa.

O helicóptero chegou e embarcaram para Santo

Amaro – BA. Ela estava com tanto medo, que nem conseguia

apreciar a bela paisagem.

Dr. Alessandro percebendo que Alexia estava tensa

sorriu de maneira encantadora e segurou sua mão

carinhosamente.

Tudo aconteceu de forma inesperada, ela sentiu um

calor estranho ao sentir o toque de suas mãos. Já não sabia se

era o medo, ou se aquele homem mexia com sua estrutura,

através de um simples toque.

Ela estava começando a se apaixonar por ele. Sabia

que não deveria se apaixonar por um homem como aquele,

mesmo porque, jamais conseguiria despertar seu interesse.

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96

Apaixonar-se por Dr. Alessandro não era algo lógico, aliás,

aquilo não tinha a menor lógica. Quem disse que, existe

alguma lógica no amor? Seus pensamentos estavam confusos

e desordenados naquela manhã.

Seus olhares se encontraram naquele momento, parece

que aquele homem conseguiu ler seus pensamentos. Havia

paixão em seu olhar, quando sentiu os lábios dele tocarem os

seus num beijo macio, suave e inocente. Quando seus lábios

se afastaram percebeu que estava perdida, pois jamais

conseguiria esquecer-se daquele beijo.

- Me perdoe, não acontecerá novamente – disse ele

afastando-se visivelmente intrigado.

Eu quero muito que aconteça novamente, pensou

Alexia, mas não tinha coragem de dizer aquilo. Simplesmente

concordou em silêncio.

Ao descerem do helicóptero, já havia um táxi os

esperando para levá-los até um hotel em Boquira.

O hotel era pequeno e simples, mas tudo parecia

limpo e organizado. Ela ficaria no quarto ao lado do Dr.

Alessandro.

Pegaram o elevador, que os levaria até o quarto.

- Eu sei que deve estar cansada, mas precisamos

encontrar o pesquisador. Pedirei a recepcionista que faça a

ligação para a Universidade Federal da Bahia e com sorte,

encontraremos o pesquisador por lá.

- Dr. Alessandro, levarei minhas bagagens até meu

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A Chernobyl brasileira

quarto e em seguida irei até o seu, para fazermos a ligação –

disse Alexia saindo do elevador.

Ao entrar em seu quarto, observou que tudo ali era

simples e organizado. Havia um pequeno banheiro, um

guarda-roupa, uma mesa com um computador e uma

televisão antiga.

Apesar de não possuir requinte algum, aquele lugar era

muito limpo e acolhedor. Olhou para sua cama e os lençóis

estavam bem esticados e extremamente brancos. Aquele lugar

não deixava dúvidas, quanto a sua higiene.

Abriu a porta e foi até o quarto do Dr. Alessandro.

Bateu duas vezes na porta e por fim ele abriu.

- Desculpe, estava fazendo a barba – disse apontando

para que entrasse - A recepcionista não conseguiu falar com o

pesquisador, pois informaram que ele havia acabado de sair

da faculdade.

- E agora, o que faremos? – disse sentando-me numa

cadeira em frente ao computador.

- Podemos entrar no site da companhia de telefonia

do estado da Bahia e tentarmos conseguir o telefone de sua

residência através de seu nome.

Ela ligou imediatamente o computador e entrou no

site de telefonia, lá encontrou o número do telefone e o

endereço do tal pesquisador.

Dr. Alessandro pegou o número, que Alexia havia

encontrado e discou imediatamente.

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- Boa tarde, poderia falar com Dr. Oscar Nogueira?

Diga a ele que é um advogado de São Paulo, Dr. Alessandro

Jordan.

- Pois não, sou eu mesmo. Em que posso ajudá-lo?

- Boa tarde, Dr. Oscar. Sou Alessandro Jordan, do

escritório de advocacia Jordan & Marangoni de São Paulo –

disse apresentando-se. - Tenho um caso contra a Mineração e

gostaria de saber se, o senhor foi o pesquisador da Faculdade

de Química da Universidade Federal da Bahia que usou o

Espectrofotômetro para medir a quantidade de chumbo do

rio Subaé?

- Sim. Em que posso ajudá-lo?

- Preciso saber o que exatamente descobriu em relação

à contaminação por chumbo no Rio Subaé.

- Claro, quando quiser é só marcar o dia e a hora para

falarmos sobre o assunto.

- Não ficarei muito tempo por aqui, por isso tenho

urgência em falar com o senhor.

- Se quiser falar comigo agora, estarei disponível.

- Claro, onde podemos nos encontrar?

Dr. Alessandro pegou o papel, anotou o endereço. Em

seguida agradeceu e desligou.

- Estamos com muita sorte, Alexia. – disse sorrindo.

- Conseguiu falar com pesquisador? – indagou curiosa.

- Sim, vamos nos encontrar daqui à uma hora em sua

casa, pois não fica longe daqui.

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A Chernobyl brasileira

Pediram na recepção do hotel um táxi, pegaram a

pasta do processo e saíram.

Pouco tempo depois, o táxi parou em frente a um

edifício de vidro muito bonito.

Dr. Alessandro apertou o interfone para falar com o

porteiro. Após identificar-se, o porteiro informou que, o

doutor Oscar os aguardava em seu apartamento.

Subiram de elevador e se olharam felizes por

conseguirem encontrar aquele homem.

Ele apertou a campainha e uma senhora veio atendê-

los.

- Boa tarde, o Dr. Oscar os aguarda em seu escritório

– disse a senhora.

O pesquisador era um homem de sessenta e poucos

anos, magro, cabelo branco, estava sentado em uma cadeira

frente a uma enorme mesa de vidro.

- Boa tarde – cumprimentou-os.

- Boa tarde, Dr. Oscar. É um grande prazer conhecê-

lo – disse Alessandro

- Em que posso ajudá-los? – disse apontando para que

sentassem junto a ele.

- Temos um cliente que é uma das vítimas da

Mineração. Precisamos de ajuda a fim de juntarmos fatos

para montar o processo, gostaríamos de saber o que

exatamente descobriu em sua pesquisa em relação ao Rio

Subaé – disse sentando-se.

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- Isso faz tanto tempo... Fui testar o uso de um

instrumento chamado Espectrofotômetro de absorção

Atômica. Precisava da água de onde se suspeitava que

houvesse presença de chumbo em suspensão. Usei a água do

Subaé – informou o pesquisador. - Coletei, como termo de

referência ou comparação, água do mar de Guaimbim, em

Valença, na época totalmente despoluída. Quando eu

colocava a água do Subaé no aparelho que media a

concentração de chumbo, o medidor do Espectrofotômetro

dava um verdadeiro pico.

- Isso porque havia uma enorme concentração de

Chumbo? – perguntou Alessandro.

- Não poderia ser chumbo para dar um pico tão

elevado, pensei que havia algo mais pesado do que chumbo –

disse pegando uma pasta dentro de sua gaveta.

Ele olhou atenciosamente para os papéis da pasta e

sorriu ao encontrar algo.

- Fiquei intrigado e fui consultar a biógrafa química,

Tânia Tavares. Seu conhecimento acumulado a nível

internacional indicou que, em casos como aquele, não havia

presença de chumbo, mas sim, de cádmio, um metal pesado e

extremamente perigoso para o ser humano e principalmente

para as pessoas que viviam nas margens do rio.

- E o governo foi notificado dessa descoberta? –

perguntou Dr. Alessandro.

- Meu amigo, isso foi uma verdadeira bomba. A

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imprensa divulgou isso a quatro ventos.

- Pelo que sabemos a mineradora foi fechada porque

se esgotaram os recursos naturais.

- Isso é o que dizem, mas a primeira consequência do

escândalo foi o fechamento da Mineradora, determinada pelo

Governo do Estado.

- Então a mineradora foi fechada quando descobriram

o alto nível de cádmio nas águas do Rio Subaé? – perguntou

Dr. Alessandro, anotando cada palavra daquele pesquisador.

- Sim. As pessoas que usavam das águas do rio Subaé

estavam adoecendo, sem falar das pessoas que trabalhavam

naquela fábrica – respirou fundo e concluiu. – Se quiser saber

o que realmente aconteceu naquele lugar, converse com os

moradores da cidade, vai encontrar muito mais, do que eu

estou lhe informando agora.

- Obrigado. O senhor não pode imaginar como essa

conversa nos ajudou. – apertou a mão daquele homem e saiu.

Ao saírem da casa do Dr. Oscar, decidiram seguir seu

conselho. Amanhã iriam procurar as pessoas que residiam

próximas ao Rio Subaé.

Alexia estava muito cansada de toda aquela viagem e

seu corpo só pedia cama. Dr. Alessandro também parecia

visivelmente cansado ao chegarem ao hotel.

Entraram no elevador e Dr. Alessandro olhando para

Alexia, disse que, já passava das seis horas da tarde.

Precisavam tomar um banho e em seguida poderiam jantar

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em algum lugar. Ela aceitou o convite e entrou em seu

quarto.

Pegou o celular para carregar e notou que havia várias

ligações de sua mãe.

Acabou esquecendo-se de ligar para ela. Pegou o

celular e discou o número de sua casa

- Mãe?

- Alexia, você quer me matar de susto? – perguntou

preocupada.

- Desculpe mãe, mas cheguei aqui e não parei um

minuto – disse sentando-se na cama do quarto. – Ainda nem

desarrumei as malas.

- Você está bem minha filha? – perguntou

preocupada. – Já visitou aquele lugar que tem a água

contaminada? Não beba daquela água, pelo amor de Deus!

- Mãe, ainda não fui até aquele lugar, mas amanhã

estarei lá, bem cedo.

- Preste atenção filha, não beba aquela água.

- Fique tranquila, mamãe.

- Boa noite, filha.

Desligou o telefone e correu para tomar um bom e

demorado banho. Pensou em como as coisas estavam dando

certo em sua vida. Alguns meses atrás, jamais poderia

imaginar que, um dia estaria trabalhando num dos melhores

escritórios de advocacia do Brasil, principalmente com o

famoso Dr. Alessandro Jordan e investigando fatos de um

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A Chernobyl brasileira

processo como aquele.

Após o banho, resolveu organizar suas roupas no

guarda-roupa e em seguida passou um bom hidratante em seu

corpo. Vestiu uma calça jeans de lycra preta e uma blusinha

decotada nas costas. Olhou-se no pequeno espelho do

banheiro e notou que parecia uma menina de dezoito anos,

com o cabelo preso num rabo de cavalo. Calçou uma

rasteirinha e gostou do resultado, por fim, passou um famoso

perfume feminino e saiu em direção à recepção do hotel.

Decidiu sentar-se num sofá e ler uma das diversas

revistas que estavam sobre a mesa, enquanto esperava pelo

doutor.

Instantes depois sentiu uma deliciosa fragrância

sofisticada masculina que impregnava todo o ambiente,

virou-se e percebeu que Dr. Alessandro estava se

aproximando.

Boa noite, Alexia – cumprimentou. – Descobri um

pequeno restaurante a duas quadras do hotel, a comida

pareceu-me boa, além de possuir também em seu cardápio, a

comida típica baiana.

- Meus pais são baianos e adoro a comida típica desse

lugar.

- Tem preferência por algum prato?

- Na verdade, adoro acarajé.

- Acarajé? – perguntou sorrindo.

- Sim. É uma comida afro-brasileira feita de massa de

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feijão-fradinho, cebola e sal. Eles costumam fritar em azeite-

de-dendê e como recheio tem vatapá, com camarões.

- Parece muito bom – disse sorrindo.

Saíram do hotel e resolveram ir caminhando, pois o

restaurante ficava a duas quadras de lá.

- Que noite agradável! Em São Paulo a rua estaria

cheia de gente, principalmente numa noite como essa – olhou

para as poucas pessoas que andavam na rua.

- Sim, apesar de o povo viver numa correria

desenfreada durante o dia, sempre encontram tempo para sair

à noite com os amigos.

- Você costuma sair muito com seus amigos, Alexia? –

perguntou interessado.

- Não, pra dizer a verdade, eu nem tenho tantos

amigos – lembrou-se que a maioria de suas amigas já eram

casadas e algumas já possuíam até filhos. - Nesses últimos

anos, foquei todas as minhas energias na faculdade e quase

não saia de casa nos finais de semana.

- Então é do tipo de pessoa caseira? – perguntou.

- Sim, mesmo quando não estava fazendo faculdade,

nunca gostei de muita badalação, som alto e pessoas

bebendo.

- E o namorado concorda em viver assim?

- Eu não tenho namorado, aliás, faz um bom tempo

que não tenho um namorado.

- Parece difícil acreditar, – comentou ceticamente -

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visto que é uma mulher lindíssima. – disse olhando

maliciosamente para seu corpo.

Olhou para ele e pensou em como seria a vida de um

advogado famoso, jovem, bonito e rico. Recordou do leve

beijo que ele havia lhe dado no helicóptero e sentiu um leve

arrepio.

- Me fale de você. É um homem bem sucedido,

inteligente e rico. Acredito que deve ter muitos amigos e

namorada para curtir a noite de São Paulo.

- Eu sou parecido com você, Alexia. Nunca tive

muitas amizades e no momento não tenho nenhuma

namorada – disse sorrindo. – Não conheço nenhuma mulher

que aceitaria ficar ao lado de um homem que, viaja muito e

quando está em casa, tem pilhas de processos para estudar –

parou por um instante e voltou a falar novamente. –

Mulheres gostam de homens que as papariquem e as bajulem,

não tenho tempo para essas coisas.

- Você já foi casado, doutor?

- Não encontrei ninguém que aceitasse o meu estilo de

vida.

- Eu não encontrei ninguém que gostasse das mesmas

coisas que eu, adoro curtir um bom filme em casa, ir ao

cinema ou jantar em algum lugar calmo. A maioria das

pessoas quer sair todo fim de semana para as baladas, gostam

de barulho e lugares onde não dá para conversar – confessou.

- Somos parecidos – falou sorrindo.

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Chegaram ao restaurante. Dr. Alessandro perguntou

se eles faziam acarajé, o garçom sorriu, confirmando.

O Acarajé estava uma delícia. Dr. Alessandro

estranhou quando perguntaram se desejava o acarajé quente.

A resposta parecia obvia, fez um gesto afirmativo com a

cabeça e ao dar a primeira mordida, quase tomou toda a água

daquele lugar.

Logo depois, descobriu que a palavra “quente”

significava apimentada. Teve que pedir um segundo acarajé,

dessa vez sem pimenta, para conseguir comê-lo.

- Aproveite cada mordida, em São Paulo não

encontrará nada parecido com esse – disse saboreando seu

delicioso acarajé.

Alexia comentou sobre a primeira vez que

experimentou acarajé, foi paixão a primeira mordida. Sempre

que sua mãe viajava para a Bahia, trazia pelo menos uns três

acarajés, pois em São Paulo até conseguia encontrar, mas

nunca era tão saboroso como o acarajé feito na Bahia.

Comentou que sua mãe nascera em Ilhéus, lugar que

ficou muito conhecido através das obras de Jorge Amado,

que divulgou e imortalizou aquela cidade.

- Em minha última viagem visitei a antiga residência de

Jorge Amado – informou. - A casa foi construída pelo pai do

escritor. É um palacete que ocupa uma extensa área, com

piso de jacarandá e azulejos ingleses na varanda. Hoje aquele

lugar é conhecido como Casa de Cultura Jorge Amado.

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Dr. Alessandro disse que sempre tivera o desejo de

conhecer a Bahia. Gostaria de participar um dia, do carnaval

baiano, pois era muito comentado por causa de seus famosos

trios elétricos. Conhecia algumas praias paradisíacas em

revistas, mas infelizmente nunca tivera a oportunidade de

viajar à Bahia.

Alexia estava muito feliz ao lado dele, gostaria que

aquela noite nunca acabasse. Ele era simples e não havia nada

de arrogante em seu modo de agir ou falar.

- Poderíamos voltar aqui com mais tempo. O que

acha? – indagou Alessandro observando a reação de Alexia.

- Sim. Eu poderia levá-lo aos lugares que já visitei. A

Bahia tem muita história, pois foi aqui que tudo começou –

disse lembrando-se da época do descobrimento.

- Tenho que agradecer a dica, Alexia – pegou a conta e

entregou o dinheiro ao garçom – Jamais comi algo tão

delicioso e diferente em toda minha vida. Essa comida é tão

diferente que, chega a ser exótica! – disse sorrindo.

- Eu adoro acarajé. Depois que você experimenta o

verdadeiro acarajé baiano, nunca mais esquecerá.

Voltaram conversando e em poucos minutos,

chegaram ao hotel.

Assim que entraram, a recepcionista os chamou.

- Dr. Alessandro, o senhor recebeu uma ligação de São

Paulo – disse pausadamente pegando sua anotação. – A Sra.

Carla ligou e pediu que retornasse sua ligação.

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- Muito Obrigado.

Mal entrou no elevador e o celular dele tocou.

Antes de atender, ele observou o número no visor e

sorriu.

- Boa noite, Carla. Acabo de chegar do restaurante e

me disseram que você ligou a minha procura.

- Como está, chegou bem? – perguntou Carla

preocupada.

- Fique tranquila, pois eu e Alexia estamos muito bem.

Acabamos de chegar de um restaurante e acabo de saborear

um prato típico da Bahia.

- Só liguei para saber se chegaram bem. Se precisar de

qualquer coisa é só ligar.

- Obrigada, Carla.

- Boa noite.

Instantes depois desligou o celular e desceram do

elevador. Ele perguntou se gostaria de tomar alguma coisa,

pois a noite estava muito quente. Resolvi tomar um

refrigerante, pois não gostava de bebida alcoólica. Entraram

no quarto e aguardou, enquanto ele fazia o pedido por

telefone. Sentaram-se num pequeno sofá para conversarem

sobre o que exatamente fariam amanhã.

- Estou tão cansada que se, não colocar o celular para

despertar, não conseguirei acordar amanhã cedo – olhou para

ele, notou que estava abatido. – A propósito, qual é o horário

que pretende sair do hotel amanhã, doutor?

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- Pretendo sair no máximo às oito horas da manhã,

assim poderemos encontrar pessoas na rua. Ouvi dizer que o

povo daqui não costuma madrugar como em São Paulo.

Ouviram bater na porta e Dr. Alessandro foi atender.

O rapaz do hotel viera entregar os pedidos.

Dr. Alexandre ligou a televisão e tomou seu uísque

calmamente, quando de repente, Alexia se engasgou com o

refrigerante. Mas logo em seguida, conseguiu recuperar o

fôlego.

- Você está bem? – perguntou preocupado.

- Estou bem, obrigada. Eu acho melhor ir dormir, pois

amanhã precisamos acordar cedo – disse abrindo a porta do

quarto. – Como é servido o café nesse hotel?

- O café não será cobrado se for servido no

restaurante até às nove e meia da manhã. Disseram-me que o

café do hotel é excelente, pois tem várias opções que vão

desde as mais diferentes frutas até os mais deliciosos pães e

patês.

- Amanhã precisaremos de um café bem reforçado,

pois não saberemos quando teremos tempo para almoçar –

olhou para aqueles lindos olhos acinzentados e sorriu. –

Gostaria que o chamasse para tomarmos café juntos? Assim

poderemos pensar no que exatamente faremos amanhã.

- Seria perfeito.

Entrou em seu quarto e lembrou-se da situação

vexatória que acabou de passar na frente daquele homem.

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Dificilmente se engasgava e justamente na frente dele, isso foi

acontecer.

Se continuasse desmaiando em frente de seu carro e

engasgando com um simples refrigerante, ele pensaria que era

uma retardada, pensou sorrindo.

Em seu quarto, Alessandro pensava em como havia

sido produtivo ter vindo à Bahia. Precisava esclarecer alguns

detalhes sobre o processo que ainda pareciam obscuros.

Havia acertado na contratação de Alexia, pois além de

inteligente era extremamente competente e humilde. Alexia

era uma linda mulher, capaz de deixar qualquer cidadão de

boca aberta.

Ele sempre soubera que reconheceria sua esposa,

assim que ela surgisse em sua vida. Finalmente ela apareceu,

agora precisava conquistá-la. Conquistá-la? Não poderia fazer

isso com ela. Não conseguia esquecer-se de seu impulso, ao

beijá-la naquele helicóptero, ainda podia sentir o doce gosto

daquele beijo e o calor de seus lábios.

Havia se envolvido com Carla, sua primeira assistente.

Era muito competente, mas não tinha o carisma e a

humildade de Alexia. Carla era uma pessoa muito orgulhosa e

sua arrogância às vezes incomodava não só a ele, mas todo o

pessoal do escritório. Seu relacionamento com Carla durou

apenas um mês e foi muito difícil fazê-la entender que havia

acabado.

Tanta coisa havia acontecido em sua vida! Pensou no

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A Chernobyl brasileira

dia em que pegou seu diploma. Estava com muita vontade de

trabalhar na área jurídica e fez exatamente como Alexia

arriscou enviando seu currículo a um escritório conceituado.

Por sorte, começou como assistente de um advogado muito

competente, com quem aprendeu tudo o que sabia.

Agora era um advogado conceituado de prestígio

nacional. Alexia era como ele, sagaz, sem medo de arriscar e

determinada em alcançar seus objetivos. Gostaria de tê-la

conhecido em outras circunstâncias, pois com certeza, se

casaria com ela e construiriam uma bela família.

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A contaminação do Rio Subaé

Naquele dia levantou-se bem cedo, vestiu uma

calça jeans confortável, camiseta e tênis. Prendeu seu cabelo

num rabo de cavalo e passou apenas um batom claro, para

manter os lábios hidratados.

Bateu na porta do quarto do doutor Alessandro e

aguardou até que ele abrisse. Sentiu seu coração disparar ao

vê-lo. Ele vestia um roupão de banho escuro que mostrava

seu tórax forte, seus cabelos estavam molhados e aquele

cheiro de perfume masculino maravilhoso, pairava pelo ar.

- Bom dia, Alexia – cumprimentou sorrindo. – Eu

acabei me atrasando um pouco, mas pode descer que, em

instantes estarei com você no restaurante do hotel.

- Sem problema, estarei esperando pelo doutor no

restaurante.

Desceu ao restaurante e ficou satisfeita ao ver uma

mesa gigantesca, contendo todos os tipos de pães, patês e

bolos. Era um Self Service onde você pegava o que deseja e

depois podia sentar-se numa das diversas mesas espalhadas

pelo ambiente.

Escolheu uma mesa e aguardou o doutor Alessandro,

para que tomassem café juntos. Após alguns minutos ele

desceu e deliciaram-se com a enorme variedade de alimentos

que estavam sobre a mesa.

Antes de saírem do hotel, o doutor conversou sobre o

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A Chernobyl brasileira

processo contra a Mineração com o gerente. Perguntou se ele

podia indicar alguém que os acompanhassem até a fábrica.

Por sorte, o gerente do hotel indicou um amigo que

era ex-empregado da Mineração.

Tão logo o gerente solicitou a ajuda desse amigo, o

mesmo aceitou prontamente a guiá-los até a fábrica

abandonada.

- Doutor o que realmente pensa em fazer? – disse

dentro do táxi.

- Precisamos encontrar pessoas que estejam dispostas

a falar o que sabem, esse será nosso maior desafio.

- Entendo, acredito que o maior desafio é fazer com

que alguém deponha caso necessário.

- Seria muito bom, mas acho que a maioria das

pessoas deve ter medo de depor. Estamos mexendo com

figurões do primeiro mundo.

Ao chegarem a Santo Amaro, esse senhor os esperava

com um grande sorriso no rosto.

Seu nome era Marcos, trabalhou na Mineração por três

anos. Felizmente trabalhou na parte do escritório e o nível de

contaminação foi menor.

Ele nos levou até a entrada da fábrica que fica no

“Beco da Plumbum”, localizada na Avenida Rua Rui Barbosa,

que é uma das principais vias de acesso ao município de

Santo Amaro.

Encontraram uma extensa área abandonada, que em

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sua grande parte era cercada por arame. Dentro da vasta

propriedade havia a antiga fábrica da Mineração.

A fábrica estava abandonada, praticamente em ruinas,

os maquinários estavam completamente enferrujados, grande

parte da estrutura física daquele lugar, estava visivelmente

condenada.

O que mais chamou atenção foi à facilidade com que

conseguiram entrar, pois apesar de ser uma área restrita às

pessoas autorizadas, não havia nada, que os impedissem de

entrar naquele local.

Ao saírem da fábrica, Marcos os levou até uma

enorme montanha de lixo perigoso, pois havia milhares de

toneladas de escória (resíduos industriais tóxicos) que a

Plumbum havia abandonado a céu aberto.

- Vocês estão vendo essa escória? – disse Marcos

apontando para uma montanha de pó escura, onde parte

estava encoberta por vegetação. - Quando chove esse

material é levado para o Rio Subaé, que abastece a cidade,

que por fim, arrasta esses metais tóxicos para a Baia de Todos

os Santos.

- Vi uma reportagem na internet realizada pelo

fantástico, acredito que foi no ano de dois mil e sete. O

repórter revela que esse pó venenoso foi examinado por

técnicos que constataram a existência de chumbo, cádmio e

prata, além de outros metais nocivos a saúde – disse doutor

Alessandro.

Page 116: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Agora vemos que a contaminação não só prejudicou

as pessoas que trabalhavam na usina, mas também, as pessoas

que fazem uso da água do rio Subaé, na cidade. – comentou

Alexia, incrédula.

- Sim, muitas famílias foram e continuam sendo

contaminadas por esse material venenoso e nocivo à saúde.

Dr. Alessandro agradeceu a ajuda de Marcos, ex-

funcionário da Mineração e solicitou que os ajudassem mais

uma vez. Pediu que os apresentassem as pessoas que sofrem

devido à contaminação da Mineração e das águas do Rio

Subaé.

Marcos aceitou ajudá-los mais uma vez. Combinaram

de retornar na manhã seguinte para ver se havia convencido

algumas das vítimas, falarem sobre os efeitos que a

contaminação, havia causado em suas vidas.

Retornaram ao hotel e ficaram satisfeitos com as

informações coletadas naquele dia. Agradeceram ao gerente

do hotel e resolveram subir para o quarto.

No elevador doutor Alessandro quebrou o silêncio.

- O tempo passou tão rápido que nem almoçamos –

disse sorrindo. – Já são cinco horas da tarde e nem

percebemos. Sempre nos esquecemos de almoçar quando

estamos trabalhando.

- Sim, isso tem acontecido com bastante frequência,

mas estamos tão atentos no que estamos fazendo, que nem

vemos o tempo passar. O que realmente importa, é que

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estamos encontrando fatos importantes para o processo.

- Está feliz com as informações que conseguimos?

- Estou muito feliz por conseguirmos avançar com o

processo. Mas devo confessar que preciso de uma boa ducha

para tirar aquela poeira do meu corpo.

- Podemos nos encontrar para jantar mais tarde. O que

acha de sairmos a sete horas da noite?

- Então, nos encontraremos na recepção às sete horas

em ponto. – disse Alexia entrando em seu quarto.

Alexia sentiu-se aliviada quando tirou aquela roupa,

decidiu mandá-la para lavanderia do hotel.

Após o banho resolveu ligar o computador do quarto

para ver se conseguia encontrar mais detalhes sobre a

mineração.

Encontrou três reportagens muito importantes. A

primeira continha um depoimento da Professora Tânia

Tavares e depois encontrou uma entrevista com o doutor

Fernandes Martins de Carvalho. Essas pessoas trabalharam

junto com o Prof. Oscar Nogueira, quando descobriu o

Cádmio no Rio Subaé, e todos trabalhavam na Universidade

Federal da Bahia.

Decidiu ir até o quarto do doutor Alessandro, para

revelar sua descoberta. Bateu na porta e logo em seguida ele

abriu.

- Doutor, descobri vídeos postados na internet, onde

dois professores que trabalharam com o Doutor Oscar

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A Chernobyl brasileira

Nogueira, descreveram fatos ocorridos referentes à

contaminação do Rio Subaé.

- Você está me saindo melhor que a encomenda –

disse sorrindo. – Entre no quarto para conversarmos melhor.

- Disse que não se arrependeria por me contratar –

comentou satisfeita com o que acabara de ouvir e entrou no

quarto.

- Agora me conte o que descobriu – solicitou

sentando-se no pequeno sofá.

- O primeiro vídeo que encontrei é de Tânia Tavares,

professora do Instituto de Química da Universidade Federal

da Bahia. – disse olhando para o rosto do doutor que parecia

pálido e muito cansado. – Você está bem?

- Sim, estou me sentindo bem. Só estou um pouco

cansado.

- Tem certeza? – insistiu.

- Claro. Estou muito tempo sem me alimentar deve ser

isso.

- Então vamos jantar, podemos conversar no

restaurante.

- O que acha de pedirmos alguma coisa para

comermos aqui no quarto, pois não estou me sentindo bem

essa noite – constatou o doutor visivelmente abalado.

- Não há problema algum, em jantarmos no quarto –

disse. - Vou ligar para fazer os pedidos – olhou para ele e

ficou preocupada. – Você não parece sentir-se bem hoje,

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gostaria que o levasse até um hospital?

- Fique tranquila, eu nunca me dei bem com esse clima

quente e abafado. Também pode ser o fato de que, me

alimentei na hora do café e até agora não tomei um copo de

água – disse sorrindo.

Alexia sentiu que alguma coisa estava errada, em

relação saúde do doutor, pois aquela palidez constante não

poderia ser somente, problema de adaptação com o clima, ou

até mesmo falta de alimentação. Algo dentro dela, dizia que

era algo mais sério.

O jantar chegou e eles sentaram-se numa pequena

mesa, que havia no quarto do doutor Alessandro.

- Por favor, não me deixe curioso. O que encontrou na

internet?

- Encontrei uma reportagem feita por um jornal local

onde Tânia Tavares, professora do Instituto de química da

Universidade Federal da Bahia, revelou que a escória da

usina, era distribuída livremente para a população. – parou ao

notar a indignação no rosto dele, prosseguiu. – Essa escória

era doada para a população e a prefeitura. Existe escória nos

quintais, jardins, chácaras, pátios escolares, embaixo de ruas,

estradas e até serviu de lastro para o asfalto da cidade.

- Meu Deus, isso é um ato criminoso. Como técnicos

que trabalhavam nessa fábrica, permitiram que isso fosse

acontecer! – levou às mãos a cabeça sem acreditar no que

acabara de ouvir. – Isso é imperdoável, muitas pessoas

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A Chernobyl brasileira

sabiam da periculosidade desses metais e permitiram que

fosse doada a prefeitura e as pessoas. Que tipos de seres são

esses?

- Isso ainda não é tudo, pior foi saber que o governo

fez uso desse material doado, para fazer obras na cidade.

- Quanto mais eu conheço o ser humano, mais eu

gosto dos animais – disse cortando um pedaço de seu bife.

- Já o segundo vídeo, é do Doutor da Universidade

Federal da Bahia, Fernando Martins Carvalho – disse com

calma. – Ele revela na reportagem que o Chumbo e o Cádmio

são metais pesados, que tem longa permanência no meio

ambiente. Ele enfatiza que essa longa permanência é de

séculos e milênios para que haja a decomposição desses

metais.

- Séculos e milênios para se decompor? – indagou o

doutor.

- Na entrevista ele insiste que o Chumbo não degrada,

não degenera e não dissipa e que o Cádmio ainda é mais

resistente e eficiente.

Ele ouvia tudo aquilo atônito, apenas esboçava tristeza

e desprezo ao saber de tanta sujeira.

Ele parecia melhor após o jantar, talvez não estivesse

bem, por não ter se alimentado durante o dia, pensou Alexia.

Aquela história era tão sórdida que, quanto mais

mexíamos, mais descobríamos irregularidades.

- O doutor Fernando Martins declarou que após trinta

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120

e três anos de funcionamento da fundição, essa gerou um

passivo ambiental que remonta mais de quinhentas mil

toneladas de escória de produto industrial deixado pela

COBRAC.

- Na entrevista, ele revela qual a quantidade de

chumbo e Cádmio daquela escória?

- Das quinhentas mil toneladas de escória, dois ou três

por cento é de Chumbo e mais de quinhentas toneladas é de

Cádmio puro. Esses metais são extremamente perigosos.

- Sabe o que mais me revolta? – indagou perplexo. –

Essas pessoas estão jogadas a deriva, pois não tem o menor

respaldo das autoridades competentes. Isso me deixa nervoso

e indignado. Posso não ganhar um mísero centavo, como

costuma dizer Carla. Mas chega de ver tanta impunidade.

Agora, precisamos acabar com a falta de respeito com o povo

brasileiro é tratado. Vou jogar toda essa merda no ventilador

e quero ver o cheiro impregnar por todo o Brasil. Só assim,

alguém tomará alguma providência.

- Aqui no Brasil, as coisas se resolvem somente

quando há escândalos, doutor.

- O que me enoja nessa história toda é que, a

COBRAC e a Plumbum obtiveram altos lucros com o

minério brasileiro e como presente nos deixou um rastro de

destruição ambiental e acabou com a saúde de um município

inteiro. Agora fica a pergunta: Quem vai pagar por isso?

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A Chernobyl brasileira

Doença e miséria

No dia seguinte, às oito horas da manhã saímos do

hotel.

Ao chegarem a Santo Amaro da Purificação,

encontraram Marcos, ex-funcionário da Mineração com o

semblante triste.

- Bom dia, Marcos. Você não parece feliz essa manhã.

Aconteceu alguma coisa? – perguntou doutor Alessandro.

- Bom dia, doutor. Um ex-trabalhador da COBRAC

faleceu ontem à noite. – informou com tristeza. – Era mais

um que sofria com a contaminação, adquirida na Mineração.

- Sinto muito – disse Dr. Alessandro – Existe alguma

coisa que podemos fazer para ajudar?

- A família é muito pobre e estão com dificuldade em

conseguir um caixão da prefeitura.

- Nos leve a uma funerária e ligue para a viúva dizendo

que não se preocupe com o caixão.

Ao chegarem à funerária escolheram um caixão

simples e o doutor pediu que, entregassem no hospital em

que estava o corpo.

- Não sei como agradecer, mas o senhor não tinha a

menor obrigação de fazer o que fez – disse com admiração.

- Eu sei disso, mas alguém tinha que fazer alguma

coisa – disse doutor Alessandro.

Ele olhou para Marcos e sorriu por Deus tê-lo

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122

colocado em seu caminho. Marcos dispôs de seu tempo, para

mostrar a injustiça, em viviam bravos guerreiros brasileiros.

- Doutor, o levarei até a casa de três ex-empregados

da Mineração.

Seguiram Marcos até chegarem a uma casa bem

humilde. A casa pertencia a um ex-forneiro da Mineração, seu

nome é Gerson Baraúna.

Entraram em sua casa e foram recebidos por sua

esposa, a Sra. Gilda da Paixão. Uma senhora humilde, que

sofria há anos com a doença do marido, esse não melhorava,

pelo contrário, sua situação piorava dia a dia.

Viram em seus olhos o sofrimento, pois não é fácil,

ver a pessoa a quem amamos morrer naquele estado

lastimável.

Apesar da situação em que se encontrava o marido,

Dona Gilda era uma pessoa doce e o sofrimento não fez dela

uma pessoa amarga, pelo contrário, era uma mulher que

aprendeu suportar as dificuldades com bravura e dignidade,

enfim, estava diante de uma heroína, que lutava bravamente

com os poucos recursos que tinha disponível.

Levou-nos até o quarto em que ficava o marido, que se

encontrava numa cama, usando fraldas descartáveis e estava

visivelmente magro, abatido, pois aquela doença o matava dia

a dia, enfim, acredito que ele já não entendia o que se passava

ao seu redor, parecia ter perdido a lucidez.

Em seguida, nos mostrou um extrato bancário, com

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A Chernobyl brasileira

data de dois mil e sete, onde constatamos que na época, ele

recebia a aposentaria por auxílio doença, no valor irrisório de

trezentos reais.

Disse que com o dinheiro daquele benefício, conseguia

comprar remédios, fraldas e pagar uma fisioterapeuta, que

recebia sete reais por duas visitas semanais. Viviam da ajuda

de filhos e amigos.

- Meu marido sempre trabalhou quando tinha saúde e

nunca faltou um dia em seu emprego. Agora está jogado

numa cama, doente, vivendo da ajuda de amigos e parentes.

O salário que recebe é tão pouco, que com ele, não dá para

comprar o que comer.

- Quantos anos ele tem? – perguntou Dr. Alessandro,

comovido pelas condições em que se encontrava aquele

homem.

- Ele é um homem moderno – disse sua esposa. – Ele

só tem cinquenta e cinco anos, embora pareça que tem mais.

É muito difícil ver ele em cima dessa cama, sem poder fazer

nada, pois não temos condições.

- Há quanto tempo está de cama?

- Há mais de três anos – disse limpando as lágrimas

com a palma da mãe. – Quem trabalhou naquela fábrica de

chumbo, a maioria morreu e os que não morreram, estão

sofrendo. E acabarão morrendo por causa da contaminação.

E não foram somente ex-funcionários que se contaminaram,

mas todo o povo de Santo Amaro está contaminado com

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124

chumbo no sangue.

Saíram da casa do Sr. Gerson Baraúna, inconformados

com a situação daquele pobre homem e de sua esposa. Por

não haver a fiscalização daquela empresa, agora muitos

sofriam devido à omissão do governo brasileiro.

Nos dirigimos à Av. Rui Barbosa, próximo à fábrica

da Mineração, onde o Sr. Augusto Machado, ex-funcionário

da Mineração, nos esperava num pequeno estabelecimento

comercial.

Aquele homem tinha consciência do abandono em que

vivia a cidade contaminada pelo chumbo. Estava indignado

pela irresponsabilidade com que o governo tratava aquele

caso.

- Há quanto tempo foi funcionário da Mineração?

- Trabalhei naquela empresa por vinte anos.

- Você também está contaminado pelo chumbo?

- Me diga uma pessoa, que não tenha trabalhado

naquele lugar, que não tenha chumbo no corpo? Fui

internado várias vezes ao longo desses vinte anos. Até já fui

afastado, por ter neuropatia com deformidade facial em

consequência da intoxicação por chumbo.

- Você saiu da empresa por causa da doença?

- Não, eu fui demitido. Porque comecei ver as coisas

erradas e decidi alertar o pessoal, acabei sendo demitido.

- O senhor ainda tem chumbo no corpo?

- Sim. Hoje não consigo emprego em lugar nenhum,

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A Chernobyl brasileira

pois quando as pessoas percebem que fui funcionário da

Mineração, já sabem que sou uma pessoa contaminada por

chumbo, sou doente. Ninguém me contrata, não arrumo

trabalho em lugar nenhum. A gente só pode contar com a

justiça divina, pois a justiça dos homens nos desamparou até

socialmente.

Despediram-se daquele homem que estava revoltado

com a situação de abandono, tanto pela política brasileira

como pela sociedade em geral.

O próximo compromisso era com Adailson Moura,

Presidente da Associação de Vítimas (AVICCA).

- Trabalhei na Mineração por sete meses e com

noventa dias já estava contaminado pelo chumbo. Meu corpo

parecia levar choque de 220 volts, tão forte foi o efeito do

chumbo em meu corpo.

- Descreva para nós o que você chegou a presenciar

naquela fábrica.

- Doutor, os funcionários da fábrica eram obrigados a

usar medicamentos que, nem faziam ideia para que serviam.

Quando a contaminação era alta, eles sentiam cólicas tão

fortes, que eram levados imediatamente ao ambulatório e

acabavam ficando de quarentena, tomando injeções na

barriga. As cólicas eram tão fortes, que muitas vezes

presenciei muitos caindo no chão da fábrica passando mal.

Tinha que usar os medicamentos, caso contrário, era

demitido.

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126

- Criei uma associação onde procuro defender a causa

dos cidadãos contaminados pela escória de chumbo, que

impregna a cidade de Santo. Chega de tanta impunidade!

Ao saírem, Dr. Alessandro parecia abalado com a

situação em que aquelas pessoas foram e eram obrigadas a

viver.

Marcos nos levou a casa de uma viúva, pois ela havia

perdido o marido e mais quatro filhos, contaminados pelo

chumbo.

- Boa tarde, Dona Marinalva.

- Boa tarde, entrem, por favor.

Entraram numa casa muito humilde, e sentaram-se em

algumas cadeiras, que estavam dispostas na sala.

- Dona Marinalva, fale para o doutor o que aconteceu

com a senhora e sua família – pediu Marcos.

- Moço, não só perdi meu marido por causa daquela

fábrica. Eu perdi quatro filhos também.

- Quatro filhos? – indagou Dr. Alessandro.

- Sim, perdi meus quatro filhos. Agora a coisa piorou,

descobri que também estou doente, pois contraí problemas

respiratórios por causa do chumbo.

Dr. Alessandro parecia penalizado ao ouvir o desabafo

daquela mulher.

- Como a senhora foi contaminada?

- Nunca trabalhei naquele lugar, mas fui contaminada

por lavar os uniformes do meu marido e filhos. Aqueles

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A Chernobyl brasileira

uniformes chegavam cobertos por um pó escuro.

Ela tentava limpar as lágrimas, com a blusa que vestia.

- Hoje sou uma mulher doente, não tenho mais meu

marido e ainda perdi meus quatro filhos. – disse com lágrimas

nos olhos. – Os donos daquela fábrica, continuam com sua

família, todos saudáveis. Eles têm saúde para esbanjar todo

dinheiro que ganharam aqui. Nós de Santo Amaro, perdemos

a saúde, perdemos nossos familiares, sem falar dos que estão

vivos e muito doentes. Pergunto ao senhor, isso é justo?

Não tínhamos o que dizer, pois a justiça estava longe

daquele lugar. Saímos daquela casa, pensando melhor na

responsabilidade individual de cada cidadão, ao se deparar

com uma situação como aquela.

Marcos disse que gostaria de nos mostrar um vídeo

que tinha em sua casa, onde a bioquímica da Mineração deu

uma entrevista a um jornal local, perguntou se gostaríamos de

assistir.

Caminhamos até sua humilde casa e ele nos serviu um

suco. Demos uma desculpa qualquer, para não tomarmos

aquele suco. Confesso que ficamos assustados, pois a água

daquele lugar não era só contaminada por chumbo, mas

também por Cádmio, esse último, estava comprovado ser

cancerígeno.

O nome da tal Biomédica da Mineração é Maria

Conceição dos Reis.

Ela revela através do vídeo que os funcionários tinham

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níveis altíssimos de contaminação, principalmente onde

começava a trituração. A Matéria prima eram pedras de

chumbo tiradas do solo. Depois essas pedras passavam por

uma trituração. Nessa fase os funcionários eram

contaminados por aquela poeira muito fina. Mas se

assustavam mesmo, é nas paradas de manutenção, pois os

funcionários que faziam essa manutenção, ou seja, limpavam

onde havia sido feita a trituração do minério, eram obrigados

a fazer exame, para saberem o grau de contaminação que eles

haviam adquirido.

Marcos ofereceu a eles um livro que havia ganhado de

um ex-prefeito chamado Eurípedes Bonfim, cujo título era:

“Nem tudo está perdido”.

- Gostaria que vocês ficassem com o livro, pois nele

poderão encontrar mais irregularidades da mineradora.

Poderão ver que as coisas não chegaram até esse ponto se

não houvesse muita coisa errada por debaixo do pano.

Alexia pegou o livro e colocou em sua bolsa,

agradeceu aquele bom homem e voltaram para o hotel.

Estavam revoltados com toda aquela situação. Era

uma vergonha o que tinha acontecido naquele lugar.

Dr. Alessandro estava pensando naquela maldita

Multinacional Francesa que, em trinta e três anos de

funcionamento, faturou naquele lugar, cerca de quatrocentos

e cinquenta milhões de dólares, produziu e comercializou

novecentas mil toneladas de liga de Chumbo. Agora o povo

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A Chernobyl brasileira

de santamarense sofria por causa de sua ganância e

imprudência, pois nunca deu a seus funcionários

equipamentos de segurança, para se protegerem da

contaminação a que eram expostos.

Lembrou-se do sofrimento de seu cliente mostrado

naquele vídeo que encontrou na internet. Gostaria de

conhecê-lo pessoalmente, pois conversaram somente através

do telefone.

Decidiu que amanhã iria até a casa dele. Alexia

precisava voltar para São Paulo, pois ela teria que começar a

montar o processo com as informações que haviam

conseguido.

No dia seguinte, Alexia partiu. Ele ligou para seu

cliente, dizendo que estava na Bahia, juntando fatos para

montar seu processo.

- Doutor, seria um grande prazer recebê-lo em minha

casa – disse o Sr. José. – Só não repare, porque a casa é de

pobre.

- Eu também já fui pobre um dia, isso não é problema

para mim – disse sorrindo.

Ao chegar ao endereço, ficou encantando com a

simpatia com que foi recebido por sua família.

Chamaram o Sr. José e ficou emocionado ao vê-lo a

sua frente. Aquele homem lhe ensinou muito com seu

depoimento.

Era um homem simples, que caminhava com muita

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dificuldade, não tinha equilíbrio nenhum ao caminhar. Sua

filha o segurava pelo braço para ajudá-lo a manter o

equilíbrio.

- Bom dia doutor. – disse sentando-se. – Fico muito

feliz em tê-lo em minha casa.

- Eu é que me sinto feliz por ter a honra de conhecê-

lo.

- Honra em me conhecer? – disse sorrindo. – Quem

deve sentir-se honrado aqui, sou eu. Minhas meninas ficaram

desconfiadas quando disse a elas que, um advogado de São

Paulo iria me ajudar contra a Mineração. Elas foram à casa de

uma amiga que tem computador, lá descobriram que o

senhor é um dos melhores advogados do Brasil.

- Eu descobri muita coisa em relação aquela

Mineradora. Quero que o senhor saiba, não será fácil, mas

preciso que confie em mim e peça a Deus que nos ajude a

derrubar as barreiras que iremos encontrar pelo caminho.

- Doutor, o senhor não apareceu em minha vida por

acaso. Deus o colocou em meu caminho. Agora eu sinto que

posso ver a justiça ser feita.

- Falei com seu antigo advogado, ele me disse que o

senhor fez um exame pericial e teremos que apresentá-lo na

audiência. Vamos aguardar para ver o que a perita descreve

nesse exame.

- Ela não poderá negar que sou um homem

contaminado, pois estou tranquilo quanto a isso.

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A Chernobyl brasileira

Primeiro laudo

Alexia estava em sua sala analisando o processo da

mineração, quando ouviu o telefone tocar.

- Bom dia, Alexia – ouviu a voz de Maebi no telefone.

– Acabou de chegar o laudo pericial do Cliente da mineração.

- Que notícia maravilhosa – disse empolgada. – Dr.

Alessandro já chegou?

- Sim, pediu que viesse até a sala dele.

- Por favor, diga-lhe que estou terminando de fazer as

reservas do hotel na Bahia e em seguida estarei na sala dele.

Ao terminar de fazer as reservas do hotel dirigiu-se até

o elevador que estava demorando a chegar. Resolveu subir os

dois lances de escadas, para chegar mais rápido.

Chegando a sala do doutor, percebi que naquela

manhã, ele estava ainda mais pálido e abatido.

- Bom dia, Alexia – apontou para a mesa de reunião

pedindo que sentasse.

- Você está sentindo-se bem? – perguntou preocupada.

- Sim. Só estou cansado de tanto trabalhar, pois não

tiro férias a mais de dez anos.

- Você precisa parar um pouco, senão acabará

adoecendo.

- Estou pensando em ir ao litoral, nesse fim de semana

– olhou para ela por um momento, depois dirigiu o olhar

para os papéis a sua frente - Gostaria de vir comigo?

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Aquele convite a deixou surpresa, em sua mente, havia

de novo, aquela enorme tela em branco, não conseguia

pensar em uma única resposta.

- Entendo – disse sorrindo. – Já tem outros planos.

- Não tenho nenhum plano, só fiquei surpresa com seu

convite – admitiu.

- Pode me dar a resposta amanhã – disse Alessandro. –

Vamos abrir logo esse laudo?

Pegou o laudo e entregou a Alexia para que abrisse.

Peguei aquele laudo com as mãos trêmulas e abri com

certa dificuldade, pois aquele simples pedaço de papel poderia

comprovar, de uma vez por todas, que seu cliente era mais

uma vítima da Mineração, pensou.

Alexia sorriu satisfeita, com o que havia lido nas

primeiras linhas do laudo pericial.

- Por favor, leia esse laudo de uma vez – disse

impaciente.

- A doutora detectou níveis altos de Chumbo no

sangue de nosso cliente.

- Então isso tudo encerra o caso, agora temos a prova

cabal, para que a justiça seja feita – constatou animado. –

Essa é uma prova definitiva, não terão como escapar dela.

- Se eu fosse você, não ficaria tão animado – disse

olhando para o laudo em suas mãos.

- Pelo amor de Deus, leia tudo, Alexia – disse nervoso.

- A doutora revela que nesse exame pericial não deu

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A Chernobyl brasileira

para saber quando o cliente foi contaminado pelo Chumbo.

- Devo estar ficando louco – disse consternado. – Se

uma perita não pode dizer quando ocorreu à contaminação,

então, quem pode fazer isso?

- Precisa ter calma – levantou-se em direção a uma

jarra com água.

- Como posso ter calma com uma besteira dessas? –

disse fora de controle.

- Tome esse copo com água, você não parece sentir-se

bem.

- Por que é tão difícil às pessoas conseguirem ver a

justiça ser feita nesse país? – irado sentou-se na cadeira. – Já a

injustiça impera com extrema facilidade por aqui.

- Doutor, confie em Deus. Se trabalharmos com

paciência e determinação a verdade irá aparecer, cedo ou

tarde.

- Gostaria de ter um pouco da sua fé – disse cético.

- Muitas pessoas se esquecem de que existe um Deus

em cima de nossas cabeças. Um Deus que tudo vê um Deus

honesto, justo e com poder para fazer a justiça aparecer.

- Essas pessoas não acreditam em Deus, Alexia –

afirmou Alessandro. – São pessoas que nem mesmo

acreditam na justiça dos homens, pois se acreditassem nessa

justiça, não teriam tanta facilidade em contaminar

praticamente uma cidade inteira e continuar impune por

tanto tempo.

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- Você tem razão não acreditam em nada, a não ser no

poder de seu próprio dinheiro. Nunca conseguiremos

entendê-los, porque nossos valores éticos e morais são

diferentes dos deles.

- Sim. Mas não consigo imaginar, como tiveram

coragem de doar material altamente perigoso à prefeitura para

fazer obras por toda a cidade – disse chateado. – Como

pessoas com conhecimento técnico e cientifico, permitiram

que doassem aquele material perigoso? Isso chega a ser

imoral!

- Acredito que foi a forma mais prática e barata para se

livrarem daquele material tóxico. Doutor, como essas pessoas

conseguem se olhar no espelho ou até mesmo dormir? Será

que tem paz?

- Já tivemos um ser pior do que eles, Adolf Hitler. –

disse sorrindo.

Ele parou por um momento, parecia estar pensando

em algo.

- Essa história mudou tudo o que pensava meses atrás.

Aquelas pessoas são verdadeiros heróis e heroínas que, apesar

de toda miséria a que são submetidas, ainda conseguem

acreditar na justiça dos homens, pois existe mais de mil e

duzentas ações contra a mineração. Muitas ações estão a mais

de treze anos aguardando uma solução – desabafou

Alessandro.

Parou por um breve instante e olhou para Alexia.

Page 136: A Chernobyl brasileira

A Chernobyl brasileira

- Está gostando do seu trabalho?

- Às vezes me sinto como um grão de areia perdido no

meio do deserto – falou pensativa. – Mas estou adorando

trabalhar aqui, pois tenho aprendido muito com o doutor.

- Também estou aprendendo muito com você – disse

com um sorrido irresistível.

- O que poderia aprender comigo?- indagou surpresa. -

Sou tão inexperiente.

- A ter fé na justiça de Deus.

- Minha mãe sempre diz: Ore como se tudo

dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de

você. Posso dizer que sempre funciona.

Ele balançou a cabeça concordando.

- Minha casa no litoral é excelente para descansar.

Gostaria que fosse comigo, Alexia.

Aquele homem a deixava totalmente sem ação. Estava

na frente dele sem saber novamente o que dizer.

- Aceito seu convite, afinal estamos precisando de um

bom descanso. Semana que vem teremos aquela audiência

onde fica difícil prever o que irá acontecer.

- Precisamos descansar e nos prepararmos para o que

irá acontecer. Essas audiências sempre são desgastantes.

- Sim, precisamos recarregar as energias, nos

prepararmos para o que aquela juíza irá decidir.

Naquela noite, Alexia não conseguia parar de pensar

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no doutor Alessandro. Porque ele a convidou para passar o

fim de semana com ele? Talvez desejasse falar mais sobre o

processo e estivesse envergonhado em pedir para fazerem

isso no fim de semana.

A semana havia passado com uma rapidez assustadora,

finalmente chegara sexta-feira.

- Alexia, está levando tudo o que precisa? – perguntou

sua mãe preocupada.

- Sim. Quando chegarmos litoral, darei notícias, não

quero que fique preocupada.

- Boa viagem, filha – disse abraçando Alexia.

Mal entrou no escritório e seu telefone tocou.

- Alexia, o doutor Alessandro precisa falar com você,

pode vir à sala dele agora? – perguntou Maebi ao telefone.

- Sim, obrigada.

Minutos depois estava na sala do doutor.

- Bom dia, Alexia.

- Bom dia, doutor.

Notou que usava uma calça jeans e uma camisa de

manga curta branca que o deixava bem mais jovem e

saudável.

- Sairemos do escritório às duas horas da tarde, assim

não pegaremos trânsito. O que acha?

- Perfeito. Levarei o processo para analisarmos melhor.

- Não levaremos trabalho nenhum. Iremos descansar,

pois na próxima semana, teremos uma viagem desgastante e

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A Chernobyl brasileira

uma audiência mais desgastante ainda.

- Tem razão, doutor – disse sentando-se numa cadeira.

- Você me havia dito que adorava filmes, estou

levando alguns filmes para assistirmos.

- Adoro filmes, se soubesse de seus planos teria trazido

alguns filmes também – disse sorrindo animada.

- Somos muito parecidos, Alexia – fitou-a por um

momento e depois pareceu desistir do que ia falar.

- Em que somos parecidos?

- Sou um homem caseiro, adoro filmes, gosto de ler e

não tenho muitos amigos.

- Nunca imaginei que gostasse das mesmas coisas.

Somos de mundos tão diferentes.

- Não. Vivemos no planeta terra – disse sorrindo.

- Sabe o que quero dizer.

- Não sei.

- Quero dizer que o doutor é um homem com uma

carreira solida, experiente e dono de um dos melhores

escritórios de advocacia do Brasil – olhei para ele e continuei.

– Estou começando minha carreira, não tenho onde cair

morta, e não possuo experiência alguma nessa vida.

Ele parecia surpreso com a imagem que fazia a

respeito dele. Permaneceu calado.

Quando percebeu que estava ficando vermelha, diante

do olhar examinador do doutor, pediu licença e saiu da sala.

Porque aquele homem sempre a deixava sem palavras?

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Eu não posso me apaixonar por ele, pensei. Se isso acontecer

não poderei continuar trabalhando nesse lugar.

Ao chegar a sua sala ouviu o telefone tocar e atendeu.

- Posso ir até sua sala agora? – ouviu a voz de Carla do

outro lado da linha.

- Sim, pode vir. – disse desligando o telefone.

Carla acabara de chegar de Goiás, pois estava

levantando dados para um caso milionário envolvendo um

político famoso.

- Bom dia, Carla – disse ao vê-la entrando.

- Bom dia, Alexia. Estou cansadíssima da viagem.

- Poderia ter ido direto para sua casa.

- Alguma novidade, enquanto estive fora?

- Nenhuma novidade. Como foi sua viagem, conseguiu

o que desejava?

- Sim, sempre consigo o que desejo. Mas devo

confessar que não foi nada fácil. – disse olhando em direção

as suas bagagens. - Percebi que sua sala está cheia de

bagagens. Irá viajar?

- Não é propriamente uma viagem, apenas irei ao

litoral para descansar um pouco.

- Com Alessandro? – indagou Carla.

- Sim, precisamos estudar melhor o processo da Bahia,

pois semana que vem teremos uma audiência.

- Vou fingir que acredito – disse piscando.

- Não é o que está pensando – retruquei.

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A Chernobyl brasileira

- Não estou pensando em absolutamente nada, Alexia.

Tenho que fazer algumas ligações – falou saindo de sua sala.

Alexia ficou totalmente atordoada. Será que ela havia

percebido que estava gostando do doutor? Morreria de

vergonha se aquele homem soubesse que estava apaixonada

por ele. Aquele homem não pertencia a seu mundo, era algo

que jamais daria certo. O melhor a fazer era tentar esquecê-lo,

pois ele jamais prestaria atenção, numa pobre coitada como

ela, pensou.

Fez algumas ligações e arquivou alguns papéis que

pertenciam aos processos, que estava auxiliando doutor

Alessandro. De repente, Carla entrou em sua sala novamente.

- Alexia, vai almoçar aonde hoje?

- Vou pedir um lanche, pois preciso organizar esse

arquivo. Quero deixá-lo em ordem, pois se precisarmos de

algum dado do processo da Mineração, tem que ficar fácil

para que alguém encontre.

- Então pedirei lanche para nós duas, assim podemos

conversar um pouco. Detesto comer sozinha – disse pegando

o telefone.

- Eduardo? – indagou. – É Carla do Escritório de

Advocacia Jordan & Marangoni. – disse devagar – Quero um

sanduiche de picanha bem caprichado e um suco de laranja

bem gelado.

Olhou para Alexia e perguntou:

- O que vai querer?

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- Peça o mesmo para mim, por favor.

- Eduardo, dois lanches de picanha bem caprichados e

dois sucos de laranja bem gelados – disse desligando o

telefone.

- Como está o caso a mineração?

- O exame pericial acusou alto nível de Chumbo no

sangue do cliente, mas a perita arguiu, que nesse exame não

foi possível detectar a quanto tempo, ocorreu à

contaminação.

- Com certeza, Alessandro irá pedir novo exame

pericial, para comprovar a época em que isso ocorreu.

- Carla, fiquei horrorizada ao ver o descaso com que

aquela cidade foi tratada durante todos esses anos.

- Vá se acostumando com o descaso com que, as

pessoas menos favorecidas são tratadas pela sociedade em

geral, pois essa profissão nos mostra isso a todo instante.

- Me recuso a me acostumar com esse cenário, por isso

escolhi essa profissão, para combater a injustiça.

- Alexia, não seja inocente. – sorria com descaso. –

Nessa profissão, somos obrigadas a defender o cliente, seja

ele certo ou errado.

- Infelizmente isso realmente acontece, mas nesse

exato momento posso me sentir bem, pois estou defendendo

uma causa justa.

- Você e Alessandro estão se envolvendo demais com

esse caso.

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A Chernobyl brasileira

- Você não foi a Bahia, para ver a situação em que se

encontram os ex-trabalhadores daquela carnificina, estaria

envolvida com a situação daquelas pessoas – disse com

tristeza. – O pior é que as autoridades competentes não

fazem absolutamente nada, para diminuir o risco de novas

pessoas se contaminarem com o chumbo e o cádmio, que

invadem o Rio Subaé, através daquelas montanhas de lixo

tóxico.

Terminaram o lanche e Carla retornou a sua sala.


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