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Eixo: Marxismo e Educação
A CONTRIBUIÇÃO DO MÉTODO MARXIANO PARA O
ESTUDO DA JUVENTUDE
Douglas Gonsalves Fávero (UFU)1
Fabiane Santana Previtali (UFU)2
Resumo: Compreender o método da economia política elaborado por Marx e Engels não
é uma tarefa muito fácil, pois tal formulação encontra-se diluída em toda a sua extensa
obra. Apesar do método ser elaborado para a pesquisa no âmbito da economia política,
ele se aplica ao conjunto das ciências sociais. Sendo assim, a partir de uma revisão dos
principais textos de Marx e Engels sobre o método dialético, buscamos expô-lo de
maneira sistematizada, a fim de compreender a sua aplicação na pesquisa sobre a
juventude. Dessa forma, partimos de sua concepção materialista da história, perpassando
pela perspectiva da totalidade e pelas mediações no processo de elevar-se do particular
ao geral. Procura-se, durante esse percurso, traçar apontamentos para a pesquisa sobre a
juventude, partindo do materialismo histórico e dialético para compreender essa categoria
social nas particularidades históricas, nos contextos e nos processos, buscando todas as
mediações necessárias na apreensão mental desse objeto real.
Palavras-chave: Juventude. Materialismo Histórico Dialético. Método da Economia
Política.
1 Mestrando em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Uberlândia, bolsista Capes e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade da mesma
universidade. E-mail: [email protected]. 2 Pesquisadora CNPq/PQ e Fapemig. UFU - Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia – MG –
Brasil. 38408-100. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES). Pós-
doutora UNL - Universidade Nova de Lisboa. Instituto de História Contemporânea. Lisboa – Portugal.
1099-085. E-mail: [email protected].
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Introdução
Discutir a questão do método na obra de Marx não é uma tarefa muito fácil, pois
são poucos os momentos específicos em que ele se debruça de forma sistemática sobre
esse assunto, ou o expõe de maneira aplicada, pelo contrário, esse movimento
metodológico é distribuído por toda a sua obra, o que traz inúmeras dificuldades e até
mesmo incompreensões.
O objeto de estudo de toda a vida de Marx foi “a gênese, a consolidação, o
desenvolvimento e as condições de crise da sociedade burguesa fundada no modo de
produção capitalista” (NETTO, 2011, p. 17). Dessa forma, a questão do método é
resultado de um longo período de estudos e pesquisas referentes à sociedade de sua época.
Ao mesmo tempo, é o ponto de partida de um novo período de formulação, em que com
todo um arcabouço teórico já consolidado, Marx dará um novo tratamento ao seu objeto,
implicando uma formulação metodológica ainda mais depurada (NETTO, 2011).
Este ponto de chegada e de partida na formulação do método da economia política
está sintetizado na célebre Introdução de 1857, texto em que expõe o seu método de
“elevar-se do abstrato ao concreto” (MARX, 2008b, p. 259). Este tema também aparece
em outras obras, como A Ideologia Alemã, Miséria da Filosofia e no Prefácio da
Contribuição à Crítica da Economia Política. Entretanto, é em O Capital que Marx
demonstra o seu método, porém de maneira aplicada e não expositiva. O objetivo deste
artigo é uma revisão destes principais textos, buscando compreender as contribuições
teóricas metodológicas do método marxiano para o estudo da juventude, possibilitando
apreender essa categoria social em sua totalidade e múltiplas determinações históricas, no
contexto e no processo, partindo dos jovens como sujeitos concretos.
Em sua obra, Marx “[...] ao nos oferecer o exaustivo estudo da ‘produção
burguesa’, nos legou a base necessária, indispensável, para a teoria social” (NETTO,
2011, p. 58). E no mesmo sentido, concordamos com Löwy (2013) quando afirma que
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apesar de Marx ter elaborado um método em que estava em questão a economia política,
suas conclusões metodológicas ampliam-se para o conjunto das ciências sociais.
Entretanto, o nosso foco aqui é o processo de investigação, pois em O Capital o
que encontramos são os resultados de longos anos de pesquisas e estudos sobre a
sociedade burguesa e a economia política, assim:
Sem dúvida, deve-se distinguir o modo de exposição segundo sua forma
do modo de investigação. A investigação tem de se apropriar da matéria
em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e
rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é
que se pode expor adequadamente o movimento real. Se isso é realizado
com sucesso, e se a vida da matéria é agora refletida idealmente, o
observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma
construção a priori.” (MARX, 2013, p. 128-129)
Para Marx, na investigação parte-se das perguntas, das questões, buscando
compreender as formas de desenvolvimento dos fenômenos e suas estruturas internas,
indo além das formas de manifestações, da aparência, atingindo a essência dos mesmos,
a dinâmica e estrutura dos fenômenos. Após isso, trata-se de expor os resultados obtidos
no processo de investigação, partindo da afirmação, como o faz em O Capital.
Então, iniciaremos explicitando a concepção materialista e dialética da história de
Marx, assim como sua perspectiva da totalidade e o processo de construção de mediações
na relação entre as contradições e, na relação entre singular, particular e universal.
Durante esse percurso traçaremos, portanto, alguns apontamentos dessa perspectiva
teórico-metodológica para a compreensão da juventude enquanto uma categoria social e
histórica.
O materialismo de Marx
Toda a formulação teórica de Marx não parte do zero, pelo contrário, há uma
incorporação da ciência produzida até então como parte de um processo de superação
dialética. Em um movimento que nega, conserva e supera os momentos anteriores, Marx
ao mesmo tempo em que rompe com os autores que o precede, principalmente na
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perspectiva ideológica, promove uma continuidade e superação no âmbito científico
(LÖWY, 2013, p. 137).
Esta continuidade, porém, é sempre marcada pela crítica, ou seja, trazer o
conhecimento acumulado ao “exame racional, tornando-os conscientes, os seus
fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo em que se
faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos
reais” (NETTO, 2011, p. 18, grifos do autor).
Como elementos fundantes do pensamento de Marx, temos a filosofia alemã e seu
principal expoente em Hegel; a economia política inglesa, sobretudo Adam Smith e David
Ricardo e; o socialismo francês representado por Robert Owen e Saint-Simon (LÊNIN,
2006). Entretanto, neste artigo, nosso foco será a crítica feita por Marx à escola filosófica
alemã, o que culminou na elaboração do materialismo dialético como processo de
produção do conhecimento.
A crítica ao idealismo alemão terá sua formulação mais precisa em A ideologia
Alemã em que Marx e Engels colocam as bases deste pensamento a partir da crítica
hegeliana, em que se concebe a Ideia como criadora do real. Como o próprio autor nos
adverte no Posfácio da segunda edição de O Capital:
Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do
método hegeliano, mas exatamente seu oposto. Para Hegel, o processo
de pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a
transformar num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo,
o qual constitui apenas a manifestação externa do primeiro. Para mim,
ao contrário, o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido
na cabeça do homem (MARX, 2013, p. 129).
Enquanto Hegel compreende o Estado como uma realização efetiva e plena da
vida ética comunitária, uma objetivação em si e para si, Marx compreende as relações
sociais como um processo histórico, em que o Estado não constitui-se e nem se explica
por si mesmo, mas como fruto de relações de produção determinadas sócio e
historicamente:
Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações
jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por
si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas
relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de
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existência, em suas totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo
dos ingleses e dos franceses do século 18, compreendia sob o nome de
“sociedade civil” (MARX, 2008a, p. 47).
Entretanto, mesmo negando todo o idealismo hegeliano, Marx reconhece os
acertos de sua lógica dialética, incorporando-as, assim, em suas concepções materialistas,
concebendo o movimento da realidade não mais pela Ideia ou Espírito, mas a partir da
produção e reprodução da vida social. Dessa forma, Marx promove uma verdadeira
inversão do pensamento hegeliano:
[...] A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede
em absoluto que ele tenha sido o primeiro a expor, de modo amplo e
consciente, suas formas gerais de movimento. Nele, ela se encontra de
cabeça para baixo. É preciso desvirá-la, a fim de descobrir o cerne
racional dentro do invólucro místico (MARX, 2013, p. 129).
E continua:
Em sua forma mistificada, a dialética esteve em moda na Alemanha
porque parecia glorificar o existente. Em sua configuração racional, ela
constitui um escândalo e um horror para a burguesia e seus porta-vozes
doutrinários, uma vez que, na intelecção positiva do existente, inclui,
ao mesmo tempo, a intelecção de sua negação, de seu necessário
perecimento. Além disso, apreende toda forma desenvolvida no fluxo
do movimento, portanto, incluindo o seu lado transitório; porque não se
deixa intimidar por nada e é, por essência, crítica e revolucionária
(MARX, 2013, p. 129-130).
O método idealista concebe os fenômenos reais como manifestações do
pensamento, enquanto o método materialista compreende a ideia como um produto da
consciência, elaborado a partir da prática material que produz e reproduz a vida social,
ou seja:
A produção das ideias, das representações, da consciência está em
princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e o
intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real. O
representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparece aqui
ainda como direta exsudação do seu comportamento material. O mesmo
se aplica à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da
política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. (MARX;
ENGELS, 2009, p. 31).
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E, no Prefácio de Contribuição à Crítica da Economia Política: “Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que
determina sua consciência” (MARX, 2008a, p. 47). É nesse sentido que a história não é
um produto da consciência humana, mas das ações conscientes ou não dos seres humanos
enquanto seres sociais. Ou seja, os seres humanos nascem em relações sociais de
produção determinadas historicamente, fazendo a história não como querem, mas em
determinadas condições sociais. Desta concepção, resulta uma pressuposição do real
antes das ideias e da consciência, sendo esta última expressão das relações materiais de
produção e reprodução da vida social (MARX, 2008a).
O método da economia política proposto e aplicado por Marx, coerente com seu
materialismo, tem como o ponto de partida o todo caótico em que a realidade se apresenta
no cérebro humano. Sendo que, após o movimento de abstração3, chegando às categorias
mais simples, é preciso fazer o caminho de volta, saindo da abstração e retornando para
o concreto, compreendo-o como um todo articulado e coerente. É neste sentido que seu
método é o processo de “elevar-se do abstrato ao concreto” (MARX, 2008b, p. 259):
O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações,
isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento
como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida,
embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação (MARX, 2008b, p. 258-
259).
Dessa forma, podemos compreender o concreto em duas dimensões diferentes, a
primeira do concreto real e efetivo e a segunda como o concreto pensado, este como
resultado do processo de produção do conhecimento, em que o pensamento consegue
apreender o movimento do real. O concreto real é a aparência dos processos, isto é, como
3 “A ação do nosso pensamento de produzir abstrações é muito mais frequente do que se poderia pensar. A
todo momento estamos fazendo abstrações. É completamente diferente quando pensamos em um gato, por
exemplo, e não no ‘meu gato’. Esse é cheio de particularidades e é por isso que o identificamos como ‘o
meu’. ‘Gato’ ou ‘um gato’ é o resultado, no pensamento, da abstração das diferentes particularidades. Trata-
se de uma ideia, mas ela não é arbitrária; corresponde à realidade, e a prova disso é que entre eles, os gatos,
há a possibilidade de reprodução. O mesmo acontece com o conceito de ‘cão’ ou ‘cachorro’; trata-se de um
conceito não arbitrário do pensamento. No entanto, embora seja possível, se quisermos, pensar em um
‘gachorro’ (mistura de cão e gato), trata-se de uma ideia arbitrária, não correspondente à realidade”
(CARCANHOLO, 2011, p. 38-39).
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a realidade se apresenta para os nossos sentidos, de maneira imediata; enquanto o
concreto pensado é a representação da essência do fenômeno analisado, ou seja, sua
dinâmica e estrutura internas, um objeto não mais imediato aos meus sentidos, mas
mediado por uma rica teia de determinações. Assim:
A síntese disto é que o concreto pensado é a representação lógica real,
ou a correspondência do real no pensamento, em diferentes níveis de
abstração. No nível mais elevado de abstração, o concreto pensado é a
essência do real em oposição à sua aparência. Portanto o produto da
atividade intelectual – o concreto pensado ou teoria – é a representação
da essência ou das conexões internas da realidade, que não é perceptível
diretamente pelos sentidos, mas deve ser elaborada pela reflexão
(GERMER, 2003, p. 68, grifos do autor).
A contribuição para compreender a juventude nessa perspectiva metodológica está
neste caminho inverso: do elevar-se do abstrato ao concreto, no sentido de partir da
juventude e seus indivíduos concretos, chegando às categorias mais simples que explicam
e determinam este grupo social e, então, retornando na compreensão da juventude como
um todo articulado e determinado de forma completa. A partir da sociologia da juventude
– Abramo (2008), Dayrell (2001), Groppo (2000, 2010) e Sposito (1993, 1996) – que
compreende a mesma como uma categoria simbólica construída socialmente e das
diferentes formas que vivenciam essa construção, parto do materialismo dialético de
Marx (1985, 2008a, 2013) e Marx e Engels (2009) para compreendê-la como esta síntese
de múltiplas determinações.
Essa representação construída socialmente – a condição juvenil – é o que confere
unidade a essa categoria diversa. A questão geracional vista como uma transição da
infância para a vida adulta é um elemento comum entre todos os jovens, ao mesmo tempo
em que todas as suas determinações sociais mediarão a forma como eles vivenciam essas
condições. As situações de classe, gênero, cultural, religiosa, entre outras, conferem a
essa categoria social uma imensa diversidade, como uma totalidade rica em
determinações, em múltiplas relações sociais.
Dessa forma, cada formação social e período histórico compreendeu e
ressignificou a juventude de distintas maneiras, emergindo da forma como conhecemos a
partir do século XX. Assim, o materialismo histórico contribui em compreender essa
categoria social nas totalidades históricas, da forma como é pensada – a condição juvenil
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– e das formas como são vividas em diferentes contextos e processos sociais. Partir da
compreensão materialista e histórica para pesquisar a juventude, permite-nos não cair em
determinismos, sobretudo de classes, muito criticado pela sociologia da juventude
(DAYRELL, 2001), da mesma forma, em não esvaziar essa dimensão central na
constituição do ser social, vindo a compreender a juventude ou a sociabilidade juvenil por
si mesma e independente das relações sociais e das outras dimensões da vida social,
caracterizado por Groppo (2010) como concepção pós-moderna da juventude.
Portanto, compreender a juventude a partir da totalidade e rica em determinações
conduz-nos a outro elemento central na produção teórica e metodológica de Marx, sendo
nuclear em seu método.
A perspectiva da totalidade
Compreender a juventude a partir da totalidade não significa compreendê-la como
tudo na sociedade, pelo contrário, trata-se de compreendê-la como uma unidade de
diferenças, como parte de totalidades cada vez maiores, como um fio condutor para
compreender as relações sociais que produzem e reproduzem essa categoria em sua
singularidade, ou seja, busca-se a compreensão da juventude sempre em relação às suas
múltiplas relações sociais:
Neste sentido, a totalidade social construída não é uma racionalização
ou modelo explicativo, mas um conjunto dinâmico de relações que
passam, necessariamente, pela ação de sujeitos sociais. Não sendo
apenas uma concepção mental, o conceito de totalidade social tem um
referente histórico, material, social, moral ou afetivo, de acordo com as
relações que constituem determinada totalidade. Consequentemente, as
totalidades são tão heterogêneas e tão diversificadas quanto os aspectos
da realidade (CIAVATTA, 2014, p. 194).
A totalidade é um conceito dinâmico4, reflete as mediações e transformações
abrangentes, mas historicamente mutáveis da realidade objetiva. A totalidade está sempre
4 “[...] Para a dialética marxista, todo conceito está em permanente processo de desenvolvimento e que a
única coisa que podemos fazer é descrever um momento específico desse processo ou, um pouco mais
complicado, descrever o conjunto do processo, sem saber muito como ele continuará” (CARCANHOLO,
2011, p. 131).
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interligada com as partes, porém como determinante sobre elas. Assim, a parte está
explicada no todo ao mesmo tempo em que o todo a contém, como é demonstrado na
análise da relação entre produção, distribuição, troca e consumo:
O resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a
troca, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são membros de
uma totalidade, diferenças em uma unidade. A produção excede-se
tanto a si mesma, na determinação antitética da produção, que
ultrapassa os demais momentos. O processo começa sempre de novo a
partir dela. Compreende-se que a troca e consumo não possam ser o
elemento predominante. O mesmo acontece com a distribuição como
distribuição dos produtos. Porém, como distribuição dos agentes de
produção, constitui um momento da produção. Uma [forma]
determinada da produção determina, pois, [formas] determinadas do
consumo, da distribuição, da troca, assim como relações recíprocas
determinadas desses diferentes fatores. A produção, sem dúvida, em sua
forma unilateral, é também determinada por outros momentos; por
exemplo, quando o mercado, isto é, a esfera das trocas, se estende, a
produção ganha em extensão e divide-se mais profundamente (MARX,
2008b, p. 257)
Esta formulação rompe com uma leitura mecânica em que a totalidade é vista
como a somatória das partes, superando para uma relação recíproca entre partes e o todo.
Em que o todo contém as partes ao mesmo tempo em que as determina. Ciavatta (2014)
nos ajuda a compreender melhor o sentido marxiano de totalidade no método de pesquisa:
[...] a totalidade é um conjunto de fatos articulados ou o contexto de um
objeto com suas múltiplas relações, ou, ainda, um todo estruturado que
se desenvolve e se cria como produção social do homem. A dialética da
totalidade é uma teoria da realidade em que seres humanos e objetos
existem em situação de relação, e nunca isolados, como alguns
processos analíticos podem fazer crer. Nesse sentido, a dialética da
totalidade é um princípio epistemológico e um método de produção do
conhecimento (CIAVATTA, 2014, p. 195).
É este o desafio da compreensão da juventude a partir da totalidade, em conhecê-
la em sua totalidade histórica e às relações que daí se estabelecem, trata-se de captar suas
objetivações e determinações, seus elementos mais concretos que explicam essa
totalidade como um “conteúdo de natureza histórico-social” (CIAVATTA, 2014, p. 214).
Entretanto, ainda nos cabe as perguntas: como apreender a juventude em sua totalidade?
Em suas múltiplas determinações? Como não se perder nesta realidade que se apresenta
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caótica, caindo num universo “indefinido e confuso”? Estas questões nos remetem à outra
categoria central no método marxiano, as mediações.
As mediações – do particular ao universal
Marx pouco elaborou sobre a questão metodológica das mediações, entretanto é
possível compreender ao longo de sua obra o tratamento dado por ele. Todo O Capital
contém um conjunto de mediações, em que Marx demonstra o seu método de “se elevar
do particular ao geral” (MARX, 2008a, p. 46). É nesta perspectiva metodológica que se
centra a questão das mediações, em um processo que permite a passagem do objeto
singular e empírico para os conceitos gerais e universais.
Um primeiro aspecto levantado por Marx sobre as mediações é a relação e
interconexão entre os diferentes momentos em unidade de uma totalidade, como
analisado na unidade entre produção e consumo:
A produção é, pois, imediatamente consumo; o consumo é,
imediatamente, produção. Cada qual é imediatamente o seu contrário.
Ao mesmo tempo, opera-se um movimento mediador entre ambos. A
produção é mediadora do consumo, cujos materiais cria e sem os quais
não teria objeto. Mas o consumo é também imediatamente produção
enquanto procura para os produtos o sujeito para o qual são produtos
[...] Sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há
produção (MARX, 2008b, p. 247).
Dessa forma, o movimento de luta e unidade dos contrários, ao mesmo tempo em
que um polo é imediatamente o outro, é mediado por ele e, também, criado por ele; um
ao se realizar, realiza o outro, sempre na perspectiva relativa, em que esses polos
contraditórios nunca existem em absoluto (MARX, 2008b). Entretanto, as mediações não
se esgotam como inter-relações de polos contraditórios, mas também no processo de ida
do particular ao geral.
Antes de explicitar esse movimento, é preciso esclarecer sobre as categorias
geral/universal, particular e singular. Em que uma categoria universal contém as
determinações comuns a todas as épocas, enquanto que as particulares e singulares terão
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essas mesmas, porém, inseridas em diferentes relações sociais e históricas, no tempo e no
espaço, como afirma-nos Marx (2008b, p. 240):
A produção em geral é uma abstração, mas uma abstração razoável,
pelo fato de que põe realmente em relevo e fixa o caráter comum,
poupando-nos, portanto, as repetições. Esse caráter geral, entretanto, ou
esse elemento comum, discriminado pela comparação, está organizado
de uma maneira complexa e diverge em diversas determinações. Alguns
desses elementos pertencem a todas as épocas; outros são comuns a
algumas delas. Certas determinações serão comuns à época mais
moderna e à mais antiga [...] As determinações que valem para a
produção em geral devem ser precisamente separadas, a fim de que não
se perca de vista a diferença essencial por causa da unidade [...].
E sintetiza mais à frente:
Em resumo: todos os graus de produção possuem em comum certas
determinações que o pensamento generaliza; mas as chamadas
condições gerais de toda produção não são outra coisa senão esses
momentos abstratos, os quais não explicam nenhum grau histórico real
da produção (MARX, 2008b, p. 244).
É nesse sentido que as mediações contribuem para entender a vigência das leis
abstratas mediante a análise de situações concretas. Elas são os elos de compreensão do
singular no universal, assim como a concretude do universal, que se dá no singular. O
singular e o universal são constituintes dos fenômenos, enquanto o primeiro apresenta-se
na sua imediaticidade, ocultando a sua essência, o segundo revela sua verdadeira
dinâmica e estrutura, sempre mediado pela abstração. Singular e universal constituem
polos contraditórios de um fenômeno, que se opõem e determinam-se reciprocamente,
que ocultam, mas que também revelam a natureza do objeto estudado.
Essa contradição entre o singular e o universal manifesta-se na particularidade do
fenômeno. É no particular que o singular adquire as determinações constitutivas de dada
realidade, por isso, é no campo das particularidades em que estão as mediações. Ciavata
(2014), a partir de Lukács5, ajuda-nos a compreender as mediações e seu tratamento no
campo das particularidades:
A mediação é, assim, a visão historicizada do objeto singular, cujo
5 LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista – sobre a categoria de particularidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968.
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conhecimento deve ser buscado nas suas determinações mais gerais,
nos seus universais, assim como ser situada no tempo e no espaço, isto
é, na sua contextualização histórica. São as determinações histórico-
sociais, o campo do particular, que permitem a apreensão de um objeto
à luz das determinações mais gerais (CIAVATTA, 2014, p. 216).
O nosso contato com a realidade dá-se de forma imediata pelos nossos sentidos,
isso explica o todo caótico que a realidade apresenta-se para nós, o que não quer dizer
que a realidade é um todo caótico, mas sim como a percebemos pelos nossos sentidos.
Dessa maneira, as mediações são as responsáveis por possibilitar o caminho de volta,
construindo, no pensamento, a realidade que se apresenta caótica como um todo
articulado e complexo – o concreto pensado. São as mediações que possibilitam sair dessa
representação imediata e construir as relações e interconexões do fenômeno estudado com
as dimensões da vida social, possibilitando a compreensão do fenômeno em sua estrutura,
em sua dinâmica, compreendendo, assim, a essência do objeto e não mais sua forma de
manifestar-se na realidade.
Em O Capital, encontramos, na primeira parte do Livro 1, o movimento partindo
da mercadoria como valor de uso e valor, passando para o dinheiro e depois para o capital.
Esse movimento é apresentado na Figura 01, em que os círculos em azul representam as
totalidades, sempre inseridas em totalidades maiores, e as setas vermelhas correspondem
ao conjunto de mediações. Já a Figura 02, apresenta o movimento do particular, da
mercadoria, ao geral, o capital como o todo, sempre na perspectiva da totalidade com um
conjunto de mediações. É importante ressaltar que, em ambos os casos, a mercadoria, o
singular, sempre se expressa nas totalidades maiores, até chegar no universal.
Figura 1 – Da mercadoria ao capital
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Fonte: os autores.
Figura 2 – Capital em sua totalidade
Fonte: os autores.
Dessa forma, Marx expõe, em O Capital, os resultados de anos de pesquisa em
que, a partir do elemento mais simples, a mercadoria, chega aos elementos mais gerais e
universais, o capital. Este movimento é construído por um conjunto de mediações, tanto
entre seus polos contraditórios (valor de uso e valor), quanto como um fio condutor para
totalidades cada vez maiores, da mercadoria ao capital (no primeiro caso) e, do capital
produtivo ao capital em sua totalidade (no segundo caso).
Na pesquisa sobre a juventude, este é o desafio: estabelecer o conjunto de
mediações que explicam a juventude – categoria universal – em suas singularidades, ou
seja, nas relações sociais e históricas, no espaço e no tempo, em que elas são produzidas
e reproduzidas, buscando compreender os jovens singulares em sua totalidade, sempre
articulando, por um conjunto de mediações, o ser singular com o ser social e a consciência
social. Desta forma, o estudo da juventude em sua totalidade deve contemplar todas as
esferas da vida social, como as relações de trabalho e classe, de educação, familiares,
culturais, religiosas, de sociabilidade, entre outras, compreensível somente, como disse
Marx (2008b, p. 258), pela “viagem de modo inverso”, do método de “elevar-se do
abstrato ao concreto”.
Este movimento é o que permite compreender os jovens como uma categoria
social, porém historicamente determinada. Em que reproduz os aspectos da produção
social e da consciência social de seu tempo, assim como se produzem e reproduzem como
indivíduos específicos singulares, vivenciando e recriando as relações sociais cada um a
sua maneira, porém inseridos em determinadas relações presentes no seu tempo.
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Considerações finais
Não nos propusemos neste texto a apresentar resultados parciais em nosso estudo
da juventude, buscamos apenas expor o método de pesquisa materialista e dialético
elaborado por Marx e Engels em uma construção teórica de uma vida toda. Como
afirmamos anteriormente, esta contribuição metodológica, apesar de ter sido elaborada
para a pesquisa na economia, estende-se ao conjunto das ciências sociais, pois é um
método de produção do conhecimento que busca a reconstituição do processo histórico,
em que o objeto singular é visto na sua formação em processos sociais mais amplos,
compreendendo a história como processo, ou seja, a história como método de produção
do conhecimento (CIAVATTA, 2014).
Destarte, o desafio para os pesquisadores em qualquer área das ciências sociais
trata-se de fazer o “a viagem de modo inverso”, de “elevar-se do abstrato ao concreto”,
superando as representações imediatas captadas pelos nossos sentidos, chegando na
compreensão do fenômeno como uma totalidade articulada e complexa rica em muitas
determinações e relações, como uma “unidade do diverso”.
É nesta perspectiva de sair da singularidade da vida social e chegar aos conceitos
universais, ou do movimento do “particular ao geral”, que consiste na busca das
mediações necessárias. Estas que possibilitam a compreensão do objeto pesquisado em
suas múltiplas relações e interconexões com as diferentes esferas da vida social que de
forma mais direta ou indireta contribuem para a produção e reprodução das relações
sociais em que os objetos de estudo estão inseridos.
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