UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
LAERCIO DIAS GUIMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
SÃO LUÍS
2012
LAERCIO DIAS GUIMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
SÃO LUÍS
2012
Trabalho apresentado ao curso de
História Licenciatura Plena da
Universidade Estadual do Maranhão,
como pré-requisito para obtenção do
título de licenciado em História.
Orientador(a): Prof. Dra. Ana
Lívia Bonfim Vieira.
Guimarães, Laercio Dias. A crise política e a desagregação do ideal de cidadania na Atenas Clássica / Laercio Dias Guimarães. – São Luís, 2012. 73 f Monografia (Graduação) - Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2012. Orientador: Profa. Drª. Ana Lívia Bonfim Vieira. 1.Política. 2.Cidadania. 3.Democracia. Título CDU: 321.15
LAERCIO DIAS GUIAMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
Aprovado em ____/_____/______
Banca Examinadora
__________________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Lívia Bonfim Vieira (Orientadora)
___________________________________________________________________
1° Examinador
____________________________________________________________________
2° Examinador
Trabalho apresentado ao curso de
História Licenciatura Plena da
Universidade Estadual do Maranhão,
como pré-requisito para obtenção do
título de licenciado em História.
Orientador(a): Prof. Dra. Ana
Lívia Bonfim Vieira.
A minha querida mãe, Luzia,
ao meu pai, Rafael,
e as minha irmãs.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus pela minha existência e por estar sempre
presente em minha vida, iluminando-me e dando- me forças.
À Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e à Coordenação do curso de
História, por proporcionar os meios e as condições para um aprendizado de qualidade.
Pela concessão da minha primeira bolsa de iniciação científica BIC/UEMA e também
ao CNPQ por ter acreditado no desenvolvimento da minha pesquisa e ter feito com que
pudesse prosseguir com tal pesquisa.
A todos os professores pelos ensinamentos transmitidos, em especial à
professora Adriana Zierer pelos conselhos repassados, pelas conversas em momentos de
crise. Ao caro professor Fábio Henrique Monteiro, velho conhecido da 5° série do
ensino fundamental e que tive a satisfação de reencontrá-lo na UEMA, depois de muitos
anos. Também, ao professor Yuri Costa pelas conversas desenvolvidas e pelas dicas e,
principalmente, pelas cobranças feitas e que influenciaram meu desenvolvimento
acadêmico.
A minha orientadora, professoraAna Lívia Bonfim Vieira, por aceitar o desafio
de orientar este trabalho, fruto de longo tempo de pesquisa na área de História Antiga,
pela orientação nestes anos como bolsistas, a sua dedicação e paciência, pelo constante
apoio e incentivo para a realização deste trabalho.E, principalmente, por ter contribuído
pela paixão que sinto nesteramo da História.
Aos meus pais, Luzia Dias Guimarães e Rafael Sena Guimarães, pela presença
constante em minha vida, pelo apoio, cuidado e dedicação, e também por me
proporcionarem condições necessárias para meus estudos e, principalmente, na minha
formação como ser humano. E, aos minhas irmãs, Alinhe Dias Guimarães e Helaine
Dias Guimarães, pelo companheirismo e compreensão e pelos longos debates com elas.
Aos meus amigos: Felipe Carvalho Nina, Marcio Renato Ribeiro, Thiago
Silva Menezes, Eduardo Nogueira, Fabiana Santana, Vera Lúcia, Cibely França,
Alderico Segundo, Elielson Câmara, Melissandra Pinheiro,que sempre estiveram
presente nesses anos, compartilhando momentos de aprendizagem, alegria, tristezas e
amizade. E, a todos os outros amigos que estiveram presente durante a execução desta
monografia, dando-me forças para a execução da mesma.
Faça sempre com que as pessoas acima de você se sintam
confortavelmente superiores. Querendo agradar ou
impressionar, não exagereexibindo seus próprios talentos ou
poderá conseguir o contrário inspirar medo einsegurança.
Faça com que seus mestres pareçam mais brilhantes do que
são narealidade e você alcançará o ápice do poder. Robert
Greene e JostElffer.
RESUMO
Este trabalho visa estabelecer uma reflexão sobre as relações entre a política e a
cidadania na Atenas Clássica. Durante o Período Clássico, Atenas viveu sob o sistema
de governo criado e desenvolvido por ela, a Democracia. Neste sistema, o ideal era o da
participação direta dos cidadãos na política, ou seja, era exigida a sua participação ativa
na Assembleia deliberativa votando as leis e as decisões que entrariam em vigor.
Considerava-se como modelo ideal de cidadão ateniense aquele que estava preocupado
com o bem da sua comunidade e, assim, com toda a população. Portanto, a comunidade
ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida. Alguns destes valores eram
esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o modelo de cidadão ideal.
Além do mais, verificaremos os fatores que levaram a inversão destes valores, ou seja, o
momento de crise do sistema democrático daquela polis, invertendo os valores ligados
ao bem comum, ligados a comunidade e dando ênfase aos valores privados ou
individuais.
Palavras-chave: Cidadania. Democracia. Política.
ABSTRACT
This study aims to provide a reflection on the relations between politics
and citizenship in classical Athens. During the Classic Period, Athens lived under
the system of government created and developed by itself, the Democracy. In this
system, the ideal point was the direct participation of citizens in politics, in other words,
it was required their active participation in the deliberative Assembly voting laws
and decisions which enter into force. Considered as ideal model of Athenian citizen that
one who was concerned about the welfare of their community and then, the entire
population. Therefore, the Athenian people valued harmony, balance and fair-
measure. Some of these values were expected and required of its citizens, forming the
model of the ideal citizen. Moreover, we find the factors that caused the
reversal of values, that is, the moment of crisis of the democratic system of that polis,
reversing the values attached to the common good, connected to the community
and emphasizing the private or individual values.
Keywords: Citizenship. Democracy. Politics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... p.11
1. O “SER” CIDADÃO EM ATENAS: DEFINIÇÃO E REQUISITOS...........p. 14
1.1. A Definição da Cidadania...............................................................................p.14
1.2.Os Desprovidos da Cidadania.........................................................................p.16
1.3.A Arte da Guerra: O cidadão-guerreiro ateniense..........................................p.23
1.4.A Formação da Polis Ideal...............................................................................p.27
1.5.As Virtudes Ideais do Bom Cidadão.................................................................p.34
2. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA ATENIENSE: AS REFORMAS
“DEMOCRÁTICAS” E A CONSOLIDAÇÃO DA ASSEMBLEIA............p.37
2.1..1. O governo de Sólon..........................................................................p.37
2.1.2. O governo de Clístenes.....................................................................p.40
2.1.3.As Guerras Médicas e as reformas de Efialtes..................................p.43
2.2. A “Idade do Ouro” Atenas: Péricles e as reformas políticas e sociais na
democracia dos atenienses....................................................................................p.45
2.3. Sessões e Funções da Assembleia..................................................................p.49
3. A DEMOCRACIA EM PERIGO.....................................................................p.55
3.1.O Imperialismo Ateniense................................................................................p.55
3.2.A Guerra do Peloponeso e a Derrocada de Atenas.........................................p.57
3.2.1.A Expedição à Sicília e o desastre total de Atenas.............................p.61
3.3.As Revoluções Oligárquicas e a Derrota de Atenas.......................................p.65
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................p.71
5. REFERÊNCIAS..............................................................................................p.73
11
INTRODUÇÃO
Esta monografia visa estabelecer uma reflexão sobre as relações entre a política
e a cidadania na Atenas Clássica e como estes fatores se associam com o processo de
desagregação do regime democrático e de inserção e submissão de Atenas à esfera de
poder da cosmopólis. Para isso, é preciso considerar as mudanças ocorridas em Atenas,
sobretudo no que se refere ao ideal de cidadania e os fatores que contribuíram para o
afastamento do cidadão da política.
Alguns analistas associam o processo da chamada Globalização ou
Mundialização a uma crise ou esfacelamento da noção tradicional de cidadania. A
descrença no poder público, a substituição das fronteiras geográficas por fronteiras
econômicas1, o crescimento dos interesses e do poder das esferas econômicas
internacionais, de um lado, e, o crescente fortalecimento de atitudes políticas
ultranacionalistas, fundamentalistas e individualistas de outro integram um mesmo bojo
onde os valores morais e éticos reconhecidos por todos se encontram cada vez mais
diluídos2. Neste contexto, o enfraquecimento das instituições políticas e sociais
fortaleceria tal afastamento do cidadão do âmbito das decisões da polis ateniense.
A partir da perspectiva do comparativismo construtivo de Marcel Detienne3, este
contexto contemporâneo nos impulsiona a pensar o caso da polisdos atenienses no
período clássico (V e IV séc. a.C), notadamente o IV século, quando podemos perceber
Atenas estando inserida em um processo de diluição de fronteiras culturais, com as
conquistas de Filipe e Alexandre, contribuindo para uma crise e mudança dos valores e
parâmetros culturais que até então incidiam e norteavam essa sociedade. Estes valores
em desagregação estariam fundamentalmente ligados à cidadania e à democracia.
Durante o Período Clássico, Atenas viveu sob o sistema de governo criado e
desenvolvido por ela, a Democracia. Neste sistema, o ideal era o da participação direta
dos cidadãos na política, ou seja, era exigida a sua participação ativa na
1 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Ed. Record, 2001, pp. 80-81. 2 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. São
Paulo: Ed. Record, 2001 3 DETIENNE, Marcel. Comparar o Incomparável. São Paulo: Idéias& Letras, 2004. Compartilhamos a
perspectiva da História de Marc Bloch ou de Eric Hobsbawm, para quem "Já se disse que a História é
História contemporânea disfarçada. Como todos sabemos, existe algo de verdade nisso. O grande
Theodor Mommsen escrevia sobre o império romano como um liberão alemão da safra de 48 refletia
também sobre o novo império alemão. Por trás de Júlio César, discernimos a sombra de Bismarck"
HOBSBAWN, Eric J. Sobre História. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998, p. 243.
12
Assembléiadeliberativa votando as leis e as decisões que entrariam em vigor.
Considerava-se como modelo ideal de cidadão ateniense aquele que estava preocupado
com o bem da sua comunidade e, assim, com toda a população. Contudo, este ideal de
unidade e de coesão social, entra em desagregação no final do século V, e, entre outros
fatores, por conta, em especial, da Guerra do Peloponeso.
A comunidade ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida.
Alguns destes valores eram esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o
modelo de cidadão ideal. Tais características são apontadas por Aristóteles na Ética à
Nicômaco4, como sendo: a temperança (sophrosýne), a bondade (praótes), a liberdade
(eleutheriótes), a verdade (alétheia), a reserva (aidós), a justa indignação (gémesis), a
amizade e o amor (philía), a piedade (eusébeia) e a disciplina (eutaxía), a honra (time) e
a honestidade (agathón).
Na Política, Aristóteles define que: “toda cidade é uma espécie de comunidade, e
toda comunidade se forma com vista a algum bem, pois todas as ações de todos os
homens são praticadas com vista ao que lhes parece um bem...” 5 Prossegue enfatizando
sobre o que é citado nos parágrafos anteriores, a respeito do bem comum da polis grega:
“Da mesma forma, um cidadão difere do outro, mas a preocupação de todos é a
segurança de sua comunidade...” 6
Com isso, qualquer violação a esses valores tidos como regentes da ordem,
representava um perigo à unidade dos cidadãos, sobre a qual repousava o ideal de pólis
democrática. A presença do desequilíbrio era vista como uma ameaça à sobrevivência
de todo o corpo cívico da polis ateniense. Ideologicamente, o bem comum suplantava o
indivíduo. E uma desmedida (hýbris) poderia provocar uma contaminação (miasma) em
toda a sociedade, desestruturando-a. Somente a obediência às leis, aos valores morais
e/ou aos ritos religiosos poderia promover à purificação (katharsis) e o retorno à ordem
(eunomia).
A Hélade, território dos antigos gregos, abrangia uma grande área de terra que
incluía o litoral do Mar Negro a leste, as regiões costeiras da Ásia Menor, as Ilhas do
Mar Egeu, a Grécia continental, o sul da Itália e grande parte da ilha da Sicília,
prolongando-se a oeste em ambos os lados do Mediterrâneo até Cirene na Líbia e até
Marselha e alguns pontos costeiros da Espanha.
4 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco: II. 1-10; III. 1-12 5ARISTÓTELES. Politica : I. 1252 a. 6ARISTÓTELES. Politica : II. 1277 a.
13
Os gregos, conforme os relatos dos homens da época, nunca se denominavam de
“gregos”. Tal termo derivava da denominação que os romanos lhe atribuíram: Graeci.
Nos tempos micênicos eram denominados, ao que tudo indica, como Aqueus; conforme
os se podem observar na poesia homérica.
Durante o período denominado Idade das Trevas ou no seu final, o termo
helenos substituiu os outros termos e Hélade passou o nome coletivo para designar toda
a sociedade grega. Deste modo, todos que não falavam sua língua pátria, neste caso o
grego, eram considerados como “bárbaros”. Estes, para os gregos, segundo Finley7, não
só eram considerados incompreendidos, mas, também, seres de natureza inferior e,
conforme,Aristóteles deviam ser subjugados e transformados em escravos.
As cidades gregas eram pequenas e a maioria dos cidadãos vivia nas áreas
urbanas. Os não cidadãos, a maior parte da população, concentravam-se na cidade e nas
zonas do porto e, principalmente, no campo; pois, grande parte da vida e interesses
econômicos estava voltada à agricultura.
Nas cidades viviam centenas de famílias de grande riqueza: cidadãos que viviam
do rendimento das suas propriedades e dos investimentos em escravos; não-cidadãos,
cuja base econômica era o comércio, a fabricação ou o empréstimo de dinheiro. Os ricos
eram os donos das propriedades à renda e, deste modo, estavam sempre livres para se
dedicarem a política e aos estudos; principalmente, por não exercerem as atividades
manuais, que ficavam a cargo dos escravos.
A maioria dos escravos situava-se nas minas e nos serviços domestico, sendo
este último ocupado por uma vasta maioria de homens e mulheres improdutivos. Na
agricultura e na manufatura, os escravos eram menos numerosos, sendo excedido nesse
ramo da economia pelos camponeses livre.
Deste modo, no primeiro capítulo iremos estabelecer os valores da cidadania. Ou
seja, quais eram os requisitos e virtude esperados pela pólis para ser considerado
cidadão na Atenas Clássica. Além do mais, faremos menção àqueles que não detinham
tal a garantia do direito à cidadania e, também, políticos.
O segundo capítulo, abordará o surgimento da Assembleia e sua consolidação,
ao longo da história dos atenienses, junto com as reformas políticas estabelecidas pelos
legisladores, em especial: Sólon, Clístenes, Efialtes e Péricles. Verificaremos, também,
7 FINLEY, Moses. I. Os Gregos Antigos. (p.16).
14
os procedimentos de votação, composição e discussão dos assuntos mais importantes
colocados em pauta pelo governo de Atenas aos seus cidadãos neste órgão.
Por fim, no terceiro capitulo trataremos da potência esta levada além mar. Ou
seja, Atena com seu projeto imperialista, iniciado após as Guerras Médicas (entre
gregos e persas). Falaremos também da Guerra do Peloponeso, envolvendo as duas
pólis rivais, de um lado, Atenas com o sistema democrático e, do outro, Esparta com seu
sistema oligárquico e como está guerra contribuiu para a desagregação do regime
democrático em Atenas.
15
1. O “SER” CIDADÃO EM ATENAS: DEFINIÇÃO E REQUISITOS
1.1. A Definição da Cidadania
O problema da cidadania, na Atenas do período clássico, passa por vários
estágios. Primeiramente, na definição de quem era considerado cidadão e que, deste
modo, estaria apto a exercer tal papel: o de participar das decisões políticasreferentes
àpólis ateniense.Exercício este que ocorria nas reuniões da Assembleia e, também, com
o exercício da função de cidadão-guerreiro.
Assim, no que concerne às ideias, citadas acima, perguntamo-nos quem poderia
ser considerado cidadão na Atenas do período clássico? O que definia o cidadão? Quais
requisitos e práticas estes deviam assumir?Estas sãoquestões, a priori, simples de
responderem. Poderia ser resumida da seguinte maneira: são considerados cidadãos
apenas indivíduos do sexo masculino com dezoito ou mais anos de idade e
queparticipavam das reuniões e deliberações da Assembleia.
Quando estavam aptos para o exercícioda vida política, os filhos eram
apresentados por seus pais ao demose estes deveriam prestar o juramento de que
àqueles possuíam tal idade e que realmente eram cidadãos. Os filhos, portanto,
deveriam ser frutos de um casamento legal, em que os pais eram cidadãos atenienses e
livres de nascença, requisito vinculante para aquisição de tal direito.
Neyde Theml explicitaos requisitos da cidadania em Atenas e, ainda, fala sobre
aqueles que não tinham tal direito, afirmando que:
Os cidadãos eram considerados como o povo (dêmos), exercendo o controle político, e
não se confundiam com a população. A pólisera a koinonía politiké, de homens adultos,
de condição livre eleutheroí, com direito à participação política, à propriedade da terra e
a defesa do território cívico, soldados (hoplitas). Eles tinham os mesmos direitos e
deveres, as mesmas instituições, os mesmos cultos e gerenciavam coletivamente o
interesse do grupo (politaí) e da população global. Os politaí, eleutheroí eram aqueles
que possuíam os direitos políticos, elegendo ou sendo eleitos para exercerem uma
função pública, participando ativamente no espaço político. Cada cidadão
(polités/eleutheroí), na sua atividade pública, representava as mulheres de sua família,
seus filhos, seus escravos, os metecoí, os órfãos, as viúvas e os velhos. Mulheres,
crianças, velhos, escravos e metecos não eram compreendidos como um conjunto em si
mesmo, distinto e exterior à pólis. Eles eram bem heterogêneos e desigualmente
integrados, mas eles eram indissociáveis do sistema políade. O direito de cidadania em
Atenas advinha do fato de ser homem, livre, nascido em Atenas, ser filho de pai ou mãe
ateniense, ser reconhecido pela phatria de seu pai, inscrito nos registros cívicos
16
(dêmos)e cumprir com as obrigações militares. Assim sendo, a pólis era o conjunto dos
cidadãos (politaí), que não se confundiam com a população do território cívico.8
Por outro lado, Aristóteles, na sua obra Política, define os vários requisitos
necessários para ser considerado um cidadão e, vale lembrar, um cidadão ideal que,
deste modo, estaria apto ao exercício do maior bem de um homem: a participação nas
decisões da vida pública da polis. Com isso, o mesmo autor define que:
A cidadania não resulta do fato de alguém ter o domicilio em certo lugar [...] Um
cidadão integral pode ser definido por nada mais nem nada menos que pelo direito de
administrar justiça e exercer funções públicas [...] Dizemos que são cidadãos aqueles
que podem exercer tais funções públicas. Esta é de um modo geral a definição de
cidadão mais adequada a todos aqueles que geralmente são chamados cidadãos.[...]
Então o cidadão será necessariamente diferente sob cada forma de constituição, e,
portanto, a definição de cidadão que já demos aplica-se especificamente à cidadania em
uma democracia; ela pode ser boa sob outras formas de governo, mas não
necessariamente. [...] Afirmamos agora que aquele que tem o direito de participar da
função deliberativa ou da judicial é um cidadão da comunidade na qual ele tem este
direito, e esta comunidade – uma cidade – é uma multidão de pessoas suficientemente
numerosa para assegurar uma vida independente na mesma. [...] Na prática, porém, a
cidadania é limitada ao filho de cidadãos pelo lado do pai e pelo lado da mãe, e não por
um lado só, como no caso do filho apenas do pai cidadão ou apenas de mãe cidadã.9
Desta citação percebemos quais as características que, idealmente – e, em certa
medida, era esperada na prática – eram exigidas, para ser um bom cidadão, são elas:
administrar a justiça, exercer funções públicas, participar da função deliberativa ou da
judicial. Como regra, visualizamos que este cidadão deveria estar preocupado em
ocupar as funções tipicamente administrativas ou de gestão pública da cidade. Ao final,
o autor afirma que na prática exigia-se como requisito vinculante para o exercício da
cidadania o pertencimento de nascença ao pai e mãe atenienses e, ainda, este cidadão
deveria ser homem.
Além do mais, a ideia de cidadania não estava atrelada ao fato de a pessoa
residir em determinado território. Como fala Aristóteles, ela esta voltada para ideia de
participação política e preocupação com os assuntos dapólis. A participação do cidadão
ateniense no destino da comunidade constituía também um requisito importante para a
formação do bom cidadão. A priori, pelo menos, idealmente, este devia se preocupar
com a comunidade, ou melhor, com o bem comum da pólis; já que, neste sistema
8 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 38-39. 9ARISTÓTELES. Política: III. 1275 ab; 1275 b; 1276 a.
17
político ateniense (a democracia), o ideal era o da participação direta e ativa dos
cidadãos na política. Fazendo-se presente na Assembleia votando as leis e as decisões
que entrariam em vigor, já que esta constituía uma forma direta de governo com os
cidadãos decidindo sobre a vida da pólis.
Percebemos, também, que o exercício da cidadania não estava disponível a todos
os membros que habitavam a cidade ateniense. Era extensiva apenas aos cidadãos do
sexo masculino, ou seja, a uma parcela irrisória da população. Taveira, afirma que:
Nem todos os habitantes de Atenas participavam deliberativamente na gestão política e
judiciária da pólis; esse papel estava destinado a poucos. Portanto, a democracia quando
fala tem como porta-voz esses integrantes de um grupo delineado e bastante restrito: o
dos cidadãos. Mais do que integrantes, eles são atores cujo papel principal nesta peça é
o de militantes sendo uns mais ativos outros menos. “Militar”, portanto, significava,
para Aristóteles, exercer funções de mando e decisão no governo; o ativismo político
era a marca riscada no peito do cidadão ideal.10
1.2.Os Desprovidos da Cidadania
Ficavam de fora de deste bem – a cidadania – os estrangeiros (metecos como
eram chamados pelos gregos) e que se dedicavam as atividades comerciais e/ou
artesanais. Além deles as mulheres, idosos, crianças e escravos não poderiam e não
tinham direitos políticos.
Quanto às mulheres estas estavam submissas à vontade do pai, dos irmãos ou do
marido e viviam dentro do âmbito privado, “afastadas”, portanto, do mundo público, ou
melhor, do espaço das decisões políticas. Em suma, elas eram consideradas seres
inapropriados para tomar decisões sobre política por não terem capacidade para isso e
seriam inferiores aos homens, tanto que Xenofonte dizia que era mais honroso para as
mulheres permanecerem em casa, mandando nos escravos, cuidando dos filhos e de
todos os afazeres domésticos do que ficar saindo.
A mulher, idealizada pela sociedade ateniense, portanto, deveria estar relegada e
apta para gerir o espaço privado, o oikos. Fica compreendido que a educação e os
requisitos da mulher “correta”, deveria se adequar ao gerenciamento das atividades de
âmbito doméstico, como: supervisionar os escravos, receber, distribuir e cuidar dos
alimentos, ordenar as tarefas para os subordinados, fiar, tecer, tratar dos escravos
10 TAVEIRA, Daniel Teixeira. Um Ambiente Discursivo: Reflexões sobre a rede de relações entre
cidadãos e não-cidadãos na Atenas Clássica e sua Produção Discursiva.p.23.IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos_2010_2/artigo002_2010_2.pdf
18
quando este precisassee cuidar do marido e filhos, deviam conceber filhos saudáveis e,
principalmente, do sexo masculino, “participar de festas entre elas as Thesmophórias,
devem permanecer em silêncio, são débeis, frágeis e apresentam a cor da pele clara.”11
Sendo assim, inferimos que todo o “sucesso” e desenvolvimento do oikos eram
atribuídos às mulheres. ParaSouza, “o cidadão ateniense reservava uma atenção especial
à atuação de sua esposa no espaço privado, pois o êxito do oikos dependia também da
atuação feminina.”12
Mesmo participando das atividades do lar, ajudando na sua execução, a mulher,
não poderia fazer as atividades típicas das escravas. Só poderia fazer aquilo que fosse
digno de seu status social. Nada que a confundisse e a coloca-se no mesmo status quo
de um escravo.
Além do mais, desta mulher, apesar de, no seu papel social, estar inclusa e
restrita ao espaço do oikos, esta não deveria ficar ociosa em casa. Deveria participar das
tarefas domésticas, tomando cuidado para não executar as tarefas próprias dos escravos,
pois, assim, estariam “cuidando de sua saúde, tornando seu corpo mais resistente para o
parto.” 13
Todos estes aspectos relacionados à mulher do período Clássico eram
construções da forma ideal pretendida pelos homens. Na vida cotidiana, todos estes
valores e modelos idealizados eram “rompidos”, “transgredidos”, mas não
definitivamente e nem por completo. Criavam, para si, um lugar social não somente no
espaço privado (oikos), mas também na esfera pública – neste último caso, utilizando-se
dos momentos de “liberdade” garantidas pelas festas, as quais as mulheres se
uniamentre si, para discutir sobre seu universo. Novas pesquisas sobre o papel das
mulheres no mundo antigo vêm sendo desenvolvidas, em especial:
Sobre a atuação feminina no mundo Clássico, colocando em xeque o modelo de
comportamento feminino idealizado pela pólisdos atenienses. Entendemos que no
cotidiano [...]transgredia esta idealização que a sociedade masculinizada havia
planejado para ela, mas vale a pena ressaltar que estas transgressões não rompiam
definitivamente com o próprio sistema. [...] quando conseguiam, assim acreditamos,
atuavam no espaço do outro, utilizando-se de táticas, subvertendo desta forma a
dominação masculina...14
11 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Mélissa: gerenciamento, complementaridade e transgressão na
Atenas Clássica.p.03. IN: http://www.gaialhia.kit.net/artigos/mariaangelica2002.pdf. 12 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de.Op. Cit.p.02 13SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Op, cit. p.02. 14 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Op, cit. p.04.
19
Assim como as mulheres, os metecos faziam parte de um grupo social que não
detinham o estatuto de cidadão e, concomitantemente, dos direitos políticos. Dentro da
historiografia especializada (visão predominante) e, também, dos autores clássicos, eles
são visto apenas como um componente estrutural da cidade. Ou seja, suas únicas
funções, na cidade, seria cuidarem dos trabalhos manuais e do desenvolvimento das
atividades econômicas, participar do exército quando convocados e pagar os impostos
devidos a pólis.
Por outro lado, temos estudos que relacionam estes indivíduos, de suma
importância para a pólis, chegando a afirmar que os metecos eram quase cidadãos ou,
utilizando-se da terminologia de Michel Clerc, “concidadãos”. Com isto, percebemos
que existe uma dialética com relação ao status quo do mesmo.Mas, o que predomina em
quase todos os estudos sobre tal grupo é a análise que o despreza. Isento, portanto, de
todos os privilégios que a cidade ateniense poderia lhe proporcionar, exceto pelo
domínio das atividades econômicas.
Neste viés econômico os metecos não eram desprezíveis pela pólis por constituir
fonte de rendimento em trabalho, sendo mão-de-obra abundante e, economicamente,
participando das atividades comerciais gerando lucro e pagando seus tributos para a
cidade. Afirma Soares, tendo como base um discurso de Xenofonte que, “os metecos
não são um gasto para a polis, pelo contrário, são uma fonte de rendimento, em serviços
e em dinheiro. [...] são gratuitos. Quanto à contribuição em dinheiro, trata-se do
metoikion.”15
A respeito de tais visões antagônicas sobre o estatuto de meteco, podemos citar
Michel Clerc, defensor da ideia de que este grupo eram concidadãos. Do outro lado,
David Whitehead afirmando que estes eram seres apolíticos.
O primeiro faz um estudo positivo dos metecos na pólis de Atenas, buscando
fugir das amarras institucionais e legais, e se detendo, especialmente, na vida cotidiana
destes e sua relação com os cidadãos. Diz que não existe diferença propriamente dita
entre os metecos e os cidadãos, que viviam uma vida harmoniosa e que, o desprezo
destes para com aqueles era feita pelos aristocratas, até mesmo contra os cidadãos mais
pobres. Assim, afirma que:
15 SOARES, Fábio Augusto Morales. A Democracia Ateniense pelo Avesso: Os metecos e a política nos
discursos de Lísias. IN:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-27042010094630/es.php.
p.50-51.
20
Cidadãos e metecos viviam da mesma vida, e, aos olhos do observador mais atento, não
se distinguia nada entre uns e outros [...] [O parecer-se com os cidadãos] não era nada
junto de um outro privilégio que fazia realmente os metecos, na vida de todos os dias,
iguais aos cidadãos [...] Os metecos tinham a mesma liberdade de comportamento, de
movimento, de expressão que os cidadãos, e na rua, não se distinguiam em nada. Atenas
era provavelmente a única cidade (ville) onde, o quinto e quarto séculos, a fusão foi
alcançada a tal ponto entre cidadãos e os estrangeiros domiciliados.16
Tal citação mostra que para o autor existe um laço de igualdade e liberdade entre
estes dois estratos sociais, garantido pela ideia da democracia que favorecia este
estrangeiro a tomar o controle da vida econômica da pólis ateniense e, deste modo,
garantir sua liberdade na economia e, possivelmente, sua liberdade política.
Apesar da relevância deste estudo, o autor supervaloriza a figura do meteco,
desprovendo-o de qualquer alteridade entre os cidadãos, negando as constantes lutas
entre estes últimos e os primeiros. Principalmente acreditando que este tinha direito a
liberdade de expressão e de participação nas instituições políticas e, também, ao
valorizar que a vida econômica era o motivador fundamental para o status privilegiado
deste ao defender a democracia, pois esta garante sua liberdade econômica, livrando-o
das amaras sociais, da subjugação por parte dos atenienses.
Por outro lado, Whitehead, defensor da ideia dos metecos como seres apolíticos
busca em seu trabalho definir o que seria o meteco, por meio das ideologias criadas em
torno deste. Afirma que, a construção e definição sobre o que é ser um meteco parte, a
priori, de um modelo ideológico feito por não-metecos. Ou seja, um discurso produzido
pelos cidadãos, pelos outros e não por eles mesmos. Critica, deste modo, a teoria
daqueles que acreditavam que o status de meteco era um privilégio adquirido pelos
estrangeiros concedidos pela pólis e que poderiam participar ativamente da vida
econômica, intelectual e religiosa junto com os cidadãos.
Whitehead afirma que o meteco tinha apenas meros benefícios e que seu estatuto
não era um privilégio, pois:
Os metecos deviam pagar o metoikion, (se capazes) pagar as eisphorai e servir como
hoplitas; [...] os metecos eram livres para promover cultos de seus locais de origem, mas
estavam proibidos de participar na observância de cultos cívicos, exceto provavelmente
pela participação (somente) na procissão do festival panatenaico e em alguns cultoso
locais do demos de residência; [...] estavam impedidos do acesso à propriedade de terra
ou de uma casa.17
16 CLERC, MICHELApud SOARES, Fábio Augusto Morales.Op. Cit. p.56. 17WHITEHEAD, David ApudSOARES, Fábio Augusto Morales.Op. Cit. p.59.
21
Em seguida, faz uma digressão histórica sobre o meteco entre os séculos VII e
III a.C., mostrando as variações e transformações deste grupo ao longo da história
ateniense. A partir daí é que podemos nos perguntar em que sentido o meteco é um ser
apolítico? Segundo o autor, quando os atenienses os recebem, este passa a ter um estado
e algumas garantias conferidas por lei. Mas, no momento, de admiti-lo ao corpus da
cidade, igualando-o aos cidadãos, tal direito é negado.
O meteco é excluindo das honrarias que são concedidas aos cidadãos, como:
participação na assembleia, exercer a magistratura, ser júri, ser sacerdote, entre outros.
Tal restrição é dada, segundo o autor, pelo fato de que este utiliza o conceito de política
como sendo um ato meramente baseado na timai, ou seja, as honras ou dignidades do
cidadão. Para Fábio Soares, segundo a interpretação feita por Whitehead, afirma que:
Neste sentido, não há qualquer conflito: cabe aos metecos, aos bons metecos alias
aceitarem a ideologia que os coloca como homines apolitici. A única contestação
possível está no desrespeito às leis: a infiltração dos metecos nas instituições. [...] Esta
construção impede que Whitehead perceba como o conceito de política, assim como os
parâmetros da cidadania, também é parte de uma disputa que pode se dar seja nos níveis
discursivos, seja nos níveis da ação prática. Política é o que o cidadão considera que é
política. [...] A política mantem-se monopólio dos cidadãos, não porque era, mas porque
os cidadãos diziam que era – a ideologia se torna evidência.18
Quanto à questão da participação política dos metecos na sociedade ateniense, as
respostas variam de acordo com a definição de política adotada pelos historiadores. Em
geral, o conceito sobre política foi e tem sido entendido como ação institucional. Ou
seja, a prática do debate e da decisão dentro das instituições políticas oficiais, como a
Assembleia, o Conselho e os tribunais.Entretanto, esta visão tem sido criticada
recentemente e novas abordagens se tornam possíveis para o tratamento do tema da
participação política dos metecos.
Deste modo, se a política for entendida como prática da liberdade e os espaços
políticos forem entendidos como situações espaciais desta prática, abrem-se brechas nos
impedimentos políticos aos metecos - ao combater ao lado dos cidadãos, ao discutir
política em espaços privados, ao escrever discursos para serem pronunciados em
tribunal, os metecos fariam, também, política. O exemplo mais claro desta exposição
acontece na “restauração democrática” de 403.a.C., quando os metecos fizeram parte do
18 SOARES, Fábio Augusto Morales. Op. Cit. p.62.
22
exército que derrubou o regime oligárquico dos Trinta Tiranos e, em seguida,
reestabeleceram a ordem da democracia ateniense, junto com os cidadãos.
Apesar destas variantes no que concerne ao estudo sobre os metecos, temos
alguns pontos em comum sobre os mesmos, a saber:a população meteca cresceu com a
formação do Império ateniense, que dinamizou a circulação de bens e pessoas no mar
Egeu e Ásia Menor; os metecos não formavam uma classe social homogênea; o fato de
pertencer à categoria trazia uma série de impedimentos legais, como o de participar da
Assembleia, de comandar navios (havia exceções), de adquirir a propriedade da terra, de
dirigir cultos públicos; eram obrigados a pagar um imposto anual, a metoikia,
equivalente a um dia de trabalho; os metecos mais ricos contribuíam, junto com os
cidadãos ricos, com os custos militares; entre as atividades exercidas pelos metecos
(mas que não eram exclusivas deles: cidadãos também a exerciam) estão o comércio de
varejo e atacado, como a importação e comercialização do trigo, a manufatura, como a
fabricação de armas (caso de Céfalos), e as atividades intelectuais, como a docência de
retórica (Górgias), de filosofia (Protágoras, Aristóteles), e a escrita de discursos
judiciários para cidadãos (Lísias); entre outros.
Como complemento desta definição de quem poderia ser cidadão, com seus
requisitos básicos e, deste modo, exercer seus direitos políticos – neste caso, participar
da Assembleia e, assim, das decisões da polis – Aristóteles faz uma definição muito
importante referente ao ser cidadão: primeiramente, distingue os cidadãos em dois
momentos, sendo os cidadãos completos (os homens adultos e, neste caso, estariam
aptos de todos os direitos a exercerem seu papel social) e, no segundo momento,
afirmando que somente é digno deste direito – a cidadania –aquele que é livre do
trabalho laboral:
Com efeito, é verdade que nem todas as pessoas indispensáveis à existência de uma
cidade devem ser contadas entre os cidadãos, porquanto os próprios filhos dos cidadãos
não são cidadãos no mesmo sentido que os adultos: estes são cidadãos de maneira
absoluta, enquanto aqueles são cidadãos presuntivos (são cidadãos, mas incompletos)
[...] Logo, a melhor forma de cidade não devera admitir os artífices entre os cidadãos; se
forem admitidos, nossa definição das qualidades do cidadão nãos se aplicará a cada
cidadão nem a cada homem livre como tal, mas somente àqueles isentos das atividades
servis. 19
19 ARISTÓTELES. Política :III. 1278 a.
23
Portanto, não era considerado digno que um cidadão exercesse funções manuais
ficando estas relegadas a dois principais grupos: os metecos e, principalmente, os
escravos. Em tese, eram estes dois segmentos sociais que exerciam tais atividades; já
que, para os atenienses as atividades mais importantes estavam relacionadas à política,
ao estudo filosófico e aos exercícios atléticos.
Afirma Xenofonte, negando os valores do trabalho manual para os cidadãos que
deveriam se dedicar, única e exclusivamente, aos ofícios tidos como bem supremo, que
seriam a prática da política, em sua acepção ampla e a arte da guerra, como sendo as
coisas dignas do verdadeiro cidadão, deixando o restante dos trabalhos àqueles que
realmente deveriam dispor dele, como os metecos e os escravos, que:
Os ofícios chamados artesanais estão desacreditados e é natural que sejam desprezados
nas cidades. Arruínam o corpo dos operários que os exercem e o corpo dos que os
dirigem, obrigando-os a levar uma vida caseira, sentados à sombra das suas oficinas e a
passar, por vezes, todo o dia perto do fogo. Ainda por cima, esses ofícios chamados
artesanais não lhes deixam nenhum tempo livre para se ocuparem dos amigos e da
cidade: de forma que quem exerce tais ofícios parece um indivíduo mesquinho quer nas
relações com os amigos quer na ajuda prestada à pátria. Por isso, em algumas cidades, e
em especial nas que são tidas por guerreiras, chega-se mesmo a proibir que os cidadãos
exerçam os ofícios artesanais.20
1.3. A Arte da Guerra: O cidadão-guerreiro ateniense
Luciano Canfora21
, em sua definição de cidadão, qualifica que, além da função
de participar das deliberações da Assembleia, este possuía outro requisito vinculante, a
saber: ser um cidadão-guerreiro22
. Era detentor de tal direito quem era capaz de exercer
a principal função dos homens adultos livres: a guerra.“É cidadão, faz parte de pleno
direito da comunidade através da participação nas assembleias deliberativas, quem é
capaz de exercer a principal função dos homens adultos livres: a guerra.” 23
Para ser considerado guerreiro, durante a antiguidade, este devia dispor dos
meios financeiros para prover seu armamento pessoal. Assim, o requisito para participar
20Xenofonte Apud MOSSÉ, Claude. O homem e a economia. IN:VERNANT, Jean P. O Homem Grego.
O Homem Grego. p. 30. 21CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN:VERNANT, Jean P. O Homem Grego. O Homem Grego. p. 108. 22 A noção de cidadã-guerreiro apresentada é caracterizado pelo novo modelo de combatente: o hoplita.
Este tinha os seguintes componentes: grevas, elmo, couraça de bronze e um escudo circularcom diâmetro
em torno de 80 ou 90 centímetros, feito a bronze ou de uma amálgama de madeira, vimes e peles. 23CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN: O Homem Grego. Op. cit. p. 108.
24
do exército era que este cidadão ateniense tivesse meios financeiros para custearem suas
despesas.
Canfora afirma que: “a noção de cidadão-guerreiro identificou-se com a noção
de ser rico; detentor de certo rendimento (na maior parte dos casos, fundiários) que
desse ao potencial guerreiro a possibilidade de se armar a expensas próprias.” 24
Com
isso, “até este momento, os que nada possuíam permaneceram numa condição de
minoridade civil e política bastante próxima da condição servil.” 25
Fato este, que não os
colocava com o direito de exercer a cidadania e, em consequência, não participar da
assembleia e nem do exército.
Tal benefício só foi possível aos que nada possuíam quando da guerra contra os
Persas em que se fez necessária uma expansão da mão-de-obra belicista. Foi, portanto,
este fato:
Político-militar que provocou – nas democracias marítimas – o alargamento dacidadania
aos que nada possuíam (os tetes), que assim ascendem finalmente à condição de
cidadãos-guerreiros, e, no caso de Atenas, como marinheiros da mais poderosa frota do
mundo grego.26
Finley afirmava que todos os cidadãos e, inclusive, os metecos poderiam ser
chamados para constituir o exército, porém apenas os mais ricos detinham tal beneficio
na prática e, assim, eram convocados. Escreve ele:
Todo o cidadão e meteco eram aptos para serviço militar, sendo a Assembleia a
determinar a dimensão de cada recrutamento. Contudo, de modo geral, apenas os
hoplitas e a cavalaria, isto é, os dois sectores mais abonados, eram chamados. Exigia-se-
lhes que fornecessem seu próprio equipamento... Embora as chamadas levas de tropas
ligeiramente armadas fossem recrutadas em certas ocasiões, é exacto dizer que, em
Atenas, o exército recrutado e não profissional no sentido moderno, era uma instituição
restrita às classes altas e médias.27
A ideia dealargamento da cidadania, em Atenas, está ligada a um fator de suma
importância, o imperialismo. Um império que tinha como base o fundamento da
opressão sobre os conquistados. Mesmo com tal subordinação, o alargamento da
cidadania28
e, portanto, do sistema democrático,
24CANFORA, Luciano. Op. cit. p. 108-109. 25 CANFORA Luciano. Op. cit. p. 108-109. 26 CANFORA Luciano. Op. cit.p.109. 27 FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos.pp. 63-64. 28 No entanto, a concessão da cidadania aos que nada possuem não aconteceu de forma unânime no
interior da polis ateniense. Pois, os grupos que tinham o domínio político dividiram-se. De um lado,
encontramos o grupo que irá aceitar e concordar um sistema político no qual os não detentores de
25
Às comunidades aliadas era considerado como um vínculo de solidariedade com os
aliados-súbditos, o que significa que, nas comunidades aliadas, e apesar da exploração
imperial por parte de Atenas, havia sempre uma parte social que achava mais
conveniente a aliança com Atenas, que devia ser consolidada pela adopção do sistema
político do Estado guia.29
Deste modo, à noção do cidadão-guerreiro faz-se um requisito necessário e, até
mesmo, uma obrigação que permeia toda a vida moral deste homem, tornando-o um
exemplo de virtude e um diferenciador social frente aos seus semelhantes (isoí), “na
medida em que, os homens se reconheciam nos olhos dos outros homens e marcavam
suas identidades como cidadão.”30
.Tão forte este sentimento de belicismo, de virtude,de
excelência,de status e de civilidade para o modelo ideal de cidadãoque Garlan afirma:
Na vida diária, a guerra é uma preocupação constante para os cidadãos: por isso,
participar nela é uma obrigação que, em Atenas, ia desde os dezenove até aos cinquenta
e nove anos (até os quarenta e nove anos, no activo, e depois, na reserva); decidir a
respeito dela constitui, por toda a parte, a competência mínima das assembleias
populares. A todos os níveis e em todos os campos se afirma o predomínio do modelo
guerreiro: na vida familiar, o soldado é [...], a figura central em torno da qual se
articulam as relações internas do oikos;na vida religiosa, cada uma das divindades do
Olimpo é dotada de uma função militar especifica; na vida moral, o valor de um homem
de bem (agathòs), a sua aretè, consiste em primeiro lugar na coragem racional que
manifesta tanto no seu íntimo, ao lutar contra as paixões mesquinhas, como no campo
de batalha onde o aguarda a “bela morte”, a única que tem um significado social.31
Notamos que este estatuto da guerra trazia em si uma relação de hierarquia
social que servia para distinguir os cidadãos dos não cidadãos e, assim, elevar, cada vez
mais, os privilégios dos primeiros e seu domínio político, econômico e militar frente aos
outros membros que compunham a pólis ateniense. Existe, segundo Garlan,
Uma concentração das capacidades e responsabilidades militares no topo da hierarquia
social, nas mãos de uma elite que no campo de batalha desempenha um papel
determinante, proporcional àquele que desempenha igualmente na política e na
economia. É a essa elite que compete exibir, na primeira fila, a sua riqueza, o seu poder
e a sua coragem, enquanto o povo, em segundo plano, se acantona em formações
compactas para apoiar e aplaudir as façanhas dos campeões. Cabe-lhe também o
privilegio das armas forjadas pelos deuses protetores, dos gigantescos paveses e,
sobretudo dos carros de guerra. [...] O exercício da força armada não constituía a fonte,
riquezas têm para si o atributo da cidadania; portanto, a maioria. Por outro lado, a minoria, apela para a
redução drástica da cidadania aos não possidentes e reestabeleça tal direito somente aos cidadãos de pleno
direito. Ponto este que será discutido posteriormente. 29CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN: O Homem Grego. p. 109. 30
SÁ CODEÇO,Vanessa Ferreira de. Modelo de cidadania e modelo de: A Paidéia idealizada pelos
filósofos. p.53. IN: http://www.gaialhia.kit.net/artigos/artigo003_2008_2.pdf. 31 GARLAN, Yvon. O homem e a Guerra. IN: O homem grego. pp. 49-50.
26
mas a expressão privilegiada de todo um conjunto integrado de posições estatutárias
representativas dos diferentes aspectos da cidadania. Em primeiro lugar, estava a
capacidade econômica de os indivíduos se dotarem, em caso de necessidade, de um
armamento adequado. Mas não era essa capacidade em si que determinava a sua
categoria cívica. Assim, em Atenas, a classificação censitária dos cidadãos e as
atribuições políticas que lhe estavam associadas baseavam-se na importância dos seus
rendimentos e não em critérios de natureza militar.32
O caráter da guerra aceito, entre os gregos,era aquele que não fosse à guerra-
civil (stasis). Pois, esta, representava o rompimento do equilíbrio interno entre os
membros da pólis. A única aceita era a guerra entre pólis diferentes33
. Segundo Garlan,
“a guerra desenfreada e selvagem, a guerra de lobos, era considerada uma transgressão
escandalosa (hybris) às normas de convivência – por outras palavras, de justiça – que os
homens deviam respeitar não só entre eles, mas também em relação aos deuses.”34
Todos estes elementos contribuíam para que, dentro da pólis, não fossem
suplantados os elementos que davam a harmonia ao ideal de comunidade e também de
cidadão. Em que, os valores individuais, neste caso, as façanhas no combate, deste
guerreiro hoplita, que também era um cidadão, não fossem mais importantes do que a
valorização do bem comum do corpus social. Fato típico das características do guerreiro
homérico em que se prezavam os valores individuais, pois o que contava para este herói
Era a façanha individual, a proeza feita em combate. Na batalha, mosaico de duelos em
que se enfrentavam os prómachoi, o valor militar afirmava-se sob a forma de uma
aristeia, de uma superioridade toda pessoal. A audácia que permitia ao guerreiro
executar aquelas ações brilhantes, encontrava-se numa espécie de exaltação, de furor
belicoso, a lyssa, onde o lançava, como fora de si mesmo, o menos, o ardor inspirado
por um deus.35
Nas palavras de Vernant, sobre o modelo de guerreiro hoplita, diferentemente do
que acontecia no período homérico, os valores haviam se invertido, já que:
O hoplita já não conhece o combate singular; deve recusar, se se lhe oferece a tentação
de uma proeza puramente individual. É o homem da batalha de braço a braço, da luta
ombro a ombro. Foi treinado em manter a posição, marchar em ordem, lançar-se com
32 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 57. 33 Os meios para promover uma guerra variavam e, na prática, eram sempre recorrentes. Eis, alguns
segundo Garlan: “agressão territorial, atraques às vias de abastecimento, desrespeito por acordos
anteriores, estabelecimento de regimes malquistos, qualquer forma de ameaça real ou potencial,
impiedade, afrontas que ofuscavam a glória da cidade, tudo servia para fazerem justiça...” (GARLAN,
1991, p.52) 34 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 50. 35 VERNANT, Jean P. As Origens do Pensamento Grego. 18° ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009. p.67.
27
passos iguais contra o inimigo, cuidar, no meio da peleja, de não sair do posto. A
virtude guerreira não é mais da ordem do thymós; é feita de sophorosyne; um domínio
completo de si, um constante controle para submeter-se a uma disciplina comum, o
sangue frio necessário para refrear os impulsos instintivos que correriam o risco de
perturbar a ordem geral da formação. A falange faz do hoplita, como a cidade faz do
cidadão, uma unidade permutável, um elemento semelhante a todos os outros, e cuja
aristeia, o valor individual, não deve jamais se manifestar senão no quadro imposto pela
manobra em conjunto, pela coesão de grupo, pelo efeito de massa, novos instrumentos
da vitória. Até na guerra, a Eris, o desejo de triunfar do adversário, de afirmar-se sua
superioridade sobre outrem, deve submeter-se à Philia, ao espirito da comunidade; o
poder dos indivíduos deve declinar-se diante da lei do grupo. 36
Além disso, os beligerantes deveriam seguir alguns requisitos essenciais antes de
travar qualquer embate, quais sejam:
Declaração de guerra na forma devida, realização dos sacrifícios adequados, respeito
pelos lugares (santuários), pelas pessoas (arautos. peregrinos, suplicantes) e pelos actos
(juramento) referentes à divindade, concessão de autorização aos vencidos para
recolherem os seus mortos e, em certa medida, abstenção da crueldade gratuita.37
1.4. A Formação da Pólis Ideal
Já que o cidadão, tanto em seu modelo ideal quanto na realidade vivida, deveria
estar preocupado com o destino da pólis, então, cabe-nos saber o que era uma cidade ou
pólis? Qual o seu papel na vida dos cidadãos? A comunidade ou cidadeera o espaço que
abrangeria a todos que pertenciam a esta localidade. Era, portanto, um conjunto
formado por “várias famílias [...], vários povoados” 38
. Aristóteles prossegue dizendo
que:
Toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a
algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que
lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a
mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este
objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a
comunidade política. 39
Além do mais, tal comunidade deveria ter mais do que uma quantidade
significativa de pessoas, que formava um todo.Deveria ter, por excelência, um requisito
36 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. p.67-68. 37 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 50 38 ARISTÓTELES. Política: I. 1252 b; 1253 a. 39 ARISTÓTELES. Op. cit. I. 1252 a.
28
básico: ser auto-suficiente. E, como finalidade maior: o bem de todos os seus membros,
principalmente, dos seus cidadãos. Ou, como define Aristóteles:
A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir
o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já
tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para
lhes proporcionar uma vida melhor [...] Mais ainda: o objetivo para o qual cada coisa foi
criada – sua finalidade – é o que há de melhor para ela, e a auto-suficiência é uma
finalidade e o que há de melhor. 40
O que significava ser auto-suficiente? Para Aristóteles, seria um conjunto de
serviços indispensáveis prestados pelo Estado para satisfazer os interesses da
comunidade e, assim, trazer, de modo ideal, a felicidade de todos que lá vivem. Ou,
como se verifica nesta citação:
Em primeiro lugar a cidade deve ter um suprimento de alimentos; depois, artífices
capazes, pois para viver necessitamos de instrumentos; em terceiro lugar, armas, pois os
membros da comunidade devem possuir necessariamente armas, tanto para seu próprio
uso quanto para servir ao governo em caso de insubordinação, e para usá-la contra quem
tentar molestá-los vindo de fora; deverá haver também certa disponibilidade de
dinheiro, de forma a assegurar recursos bastantes para necessidades internas e para as
emergências da guerra; em quinto lugar, mas como se fosse em primeiro, os serviços
religiosos – as chamadas funções sacerdotais; em sexto lugar na enumeração, mas o
mais necessário de todos, meios para decidir as questões que envolvam interesses e
direitos recíprocos dos cidadãos. Estes são os serviços dos quais a bem dizer todas as
cidades necessitam ( a cidade não é um ajuntamento de homens ao acaso, e sim uma
comunidade visando à auto-suficiência quanto às necessidades da vida, como já
dissemos, e se faltar algum deles será impossível assegurar a auto-suficiência absoluta
da comunidade). É indispensável, portanto, que a cidade seja organizada de maneira a
dispor destes serviços; consequentemente ela deve possuir um número de agricultores
suficiente para assegurar o suprimento de alimentos, além de artífices, militares, homens
ricos, sacerdotes e juízes para decidirem o que for necessário e conveniente.41
Tal ideia, para Aristóteles, era possível porque o homem é um ser social ou um
“animal político”. O único com capacidade de entender e suprir suas
necessidadesracionalmente. De agir não pensando somente em si, mas no destino de
todos. “Fazer-se um ser socializado”42
, eis o ponto principal na definição de um bom
cidadão. Pois,
A cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um
homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma,
40 ARISTÓTELES. Op. cit.: I. 1253 a 41ARISTÓTELES. Op. cit.: VII. 1328 b. 42 TAVEIRA, Daniel Teixeira. Um Ambiente Discursivo: Reflexões sobre a rede de relações entre
cidadãos e não-cidadãos na Atenas Clássica e sua Produção Discursiva.p.30.IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos_2010_2/artigo002_2010_2.pdf
29
seria desprezível ou estaria acima dos deuses (como o “sem clã, sem leis, sem lar” de
Homero fala com escárnio, pois ao mesmo tempo ele é ávido por combates), e se
poderia compará-lo a uma peça isolada do jogo de gamão. É claro, portanto, que a
cidade tem precedência por natureza sobre o indivíduo. De fato, se cada individuo
isoladamente não é auto-suficiente, consequentemente em relação à cidade ele é como
as outras partes em relação ao todo, e um homem incapaz de integrar-se numa
comunidade, ou seja auto-suficiente a ponto de não ter necessidade de fazê-lo, não é
parte de uma cidade, por ser um animal selvagem ou um deus.43
Portanto, viver na comunidade e para a comunidade era o bem maior. A forma
mais justa para o homem político e, também, para o modelo ideal de cidadão. Pois, a
cidade formava um todo organizado, “um cosmos, que se torna harmonioso se cada um
de seus componentes está em seu lugar e possui a porção de poder que lhe cabe em
função de sua própria virtude.”44
Concomitantemente, esta mesma comunidade deve proporcionar ao cidadão uma
vida justa, de felicidade e, por excelência, de ações nobilitantes, como podemos
verificar nesta passagem que, em suma, seria a comunidade ideal e o que ela deveria
proporcionar a este corpo cívico:
É evidente, portanto, que uma cidade não é apenas uma reunião de pessoas num mesmo
lugar, com o propósito de evitar ofensas recíprocas e de intercambiar produtos. Estes
propósitos são pré-requisitos para a existência de uma cidade, mas isto não obstante,
ainda que todas estas condições se apresentem este conjunto de circunstancias não
constitui uma cidade; esta é uma união de família e de clãs para viverem melhor, com
vistas a uma vida perfeita e independente. [...] Uma cidade é uma comunidade de clãs e
povoados para uma vida perfeita e independente, e esta em nossa opinião é maneira
feliz e nobilitante de viver. A comunidade política, então, deve existir para a prática de
ações nobilitantes, e não somente para a convivência. 45
Além de todos estes requisitos, citados anteriormente, para esta cidade ideal, a
mesma deveria ter condições físicas para se estabelecer. Ou seja, não deveria ser
somente auto-suficiente, mas ter uma boa localização territorial. Pensava Aristóteles que
quanto a esta última característica a cidade tinha que ser:
Favorável sob quatro aspectos: primeiro, como condição preponderante, o aspecto da
salubridade; cidades situadas em declive no sentindo oriente, e expostas a ventos que
sopram do levante, são mais salubres; como segunda condição, aquelas protegidas
contra o vento norte, pois nelas o inverno é mais suave; entre outros aspectos, o local
deve ser favorável tanto as atividades administrativas quanto às ações militares; em
relação a estas o local deve permitir a retirada fácil dos cidadãos e deve ser dificilmente
43ARISTÓTELES.Op. Cit. I. 1253 a. 44 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. p.98. 45 ARISTÓTELES.Op. cit. III. 1281 a.
30
acessível e sitiável pelo inimigo; deve haver no local abundância natural de nascentes e
fontes...46
Outro requisito que Aristóteles considerava de grande importância, para o
modelo ideal de cidade, era com relação à natureza deste território, em especial, a sua
disposição estratégica que, de certo modo, iria influenciar na segurança da pólis e de
todo o corpus social que nela vivia.Acreditava que este território – que, de certa forma,
estaria preparado para as atividades militares:
De um lado ele deve ser de difícil acesso ao inimigo e fácil de ser abandonado por seus
habitantes; por outro lado, e em adição a isto, nossa asserção acerca da magnitude da
população se aplica ao território – deve-se poder abrangê-lo facilmente com o olhar, e
isto quer dizer que o território fácil de ver é também fácil de defender. Quanto à
posição, se quisermos fazer a cidade segundo nossos desejos deveremos localizá-la
favoravelmente tanto em relação ao mar quanto à terra. Um dos fatores decisivos é que
a cidade tenha comunicação fácil com todo o seu território para efeito de proteção; o
outro fator é fazê-la facilmente acessível ao recebimento dos frutos do solo de seu
território...47
O quantitativo ideal de habitantes que uma cidade deveria ter foi assunto,
também, de extrema importância para Aristóteles. Defendia que as melhores póliseram
aquelas que possuíam uma quantidade de pessoas adequadas- nem muito e nem pouco
integrantes, mas o valor mais correto e justo – e que, como fim último, buscasse o
equilíbrio dos valores internos de todos os cidadãos, além da auto-suficiência. Pois,
acreditava que “na realidade não se deve ter em vista o número de habitantes, e sim a
sua eficiência.”48
Então, mais a frente diz o filósofo que:
Não é possível que uma cidade dotada de grande número de artífices, mas de poucos
soldados pesadamente armados, seja realmente uma grande cidade [...] é difícil, ou
mesmo impossível, governar bem uma cidade muito populosa; ao menos vemos que
nenhuma das cidades com reputação de em governadas permite o crescimento
indiscriminado de sua população. [...] Há um limite, porém, para o tamanho de uma
cidade, tanto quanto para o de todas as outras coisas. [...] Da mesma forma uma cidade
constituída de um número muito pequeno de habitantes não será auto-suficiente (uma
cidade deve ser auto-suficiente), e uma constituída de um número excessivamente muito
grande, embora auto-suficiente para as necessidades básicas, será um amontoado de
gente, e não uma cidade, pois não será fácil de dotá-la de um governo constitucional.
[...] Por via de consequência tem-se o limite mínimo de habitantes para constituir uma
cidade quando esta é dotada de uma população com o número mínimo capaz de
assegurar-lhe a auto-suficiência com vistas a uma vida melhor.49
46 ARISTÓTELES.Op. cit. VII. 1330b. 47 ARISTÓTELES. Op. cit. VII. 1327 a. 48ARISTÓTELES.Op. cit. VII. p.1326 a. 49ARISTÓTELES.Op. cit. VII. 1326a – 1326b.
31
Em suma, a vida da pólis e seu espaço físico, em sua forma ideal, segundo Paulo
Fernandes Louro:
Deverá ser planejado com o objetivo de apoiar o pleno desenvolvimento do cidadão e de
sua consciência cívica, pois ali vive uma comunidade que deve ser preservada e
reproduzida, com suas instituições próprias, resguardando o sentido de autonomia e o
sentimento de liberdade que era tão típico entre os gregos.50
Por fim, a respeito dos requisitos de uma boa comunidade e dos benefícios que
esta deve proporcionar aos seus habitantes, somenteé possível por meio de um
pressuposto básico e indispensável, a saber: uma boa constituição. Esta seria a base de
todas as qualidades para a definição de um bom cidadão e também de uma cidade
adequada, pois iria garantir o equilíbrio interno da cidade.
Desta forma, a constituição idealizada devia trazer a felicidade aos seus
membros, em especial, aos seus cidadãos; prezando sempre pela harmonia interna do
corpus social, também, pelos interesses que visassem o bem comum da comunidade. De
outra forma, os outros tipos de constituições ou leis que visassem aos interesses dos
governantes ou somente do povo, ou seja, a os interesses particulares de
determinadogrupo, seriam leis ou constituições falhas, por faltar um requisito básico e
indispensável, a saber: a prevalência do interesse comum ou público sobre o privado.
Aristóteles afirma que:
As constituições cujo objetivo é o bem comum são corretamente estruturadas, de
conformidade com os princípios essenciais da justiça, enquanto as que visam apenas ao
bem dos próprios governantes são todas defeituosas e constituem desvios das
constituições corretas; de fato, elas passam a ser despóticas, enquanto a cidade deve ser
uma comunidade de homens livres. 51
Mais a frente prossegue dizendo que:
Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder
supremo em uma cidade, e o mando pode estar nas mãos de uma única pessoa, ou de
poucas pessoas, ou da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas
pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições
devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o
governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas
50LOURO, Paulo Fernandes. Planejando a Pólis Ideal.IN:
http://www.revistaphoinix.kit.net/Phoinix%201996/artigo020_1996.pdf. p. 275. 51 ARISTÓTELES. Op. cit.III. 1279 a.
32
pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do
governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem. 52
Portanto, toda e qualquer ação que esteja em desconexão com este princípio
pode soar frente aos outros membros da comunidade ateniense à tentativa de
implantação da tirania ou a relutância para a destruição da democracia. Estes assuntos
do âmbito público nunca deviam ser confundidos com o da vida privada e, muito
menos, ter importância secundária.
As constituições para ser eficientes e justas devem, necessariamente, ter sua
divisão em três partes básicas e ordenadas entre si, sem prioridade de poder ou
supremacia para nenhuma das partes.Divisão feita da seguinte forma: 1-) deliberação
sobre os assuntos públicos; 2-) as funções públicas e, por fim, 3-) o poder judiciário.
Segundo Aristóteles:
Todas as constituições apresentam três partes em referências às quais o bom legislador
deve examinar o que é conveniente para cada constituição; se estas partes forem bem
ordenadas, e na medida em que elas diferem umas das outras as constituições também
diferem entre si. Destas três partes uma trata da deliberação sobre assuntos públicos; a
segunda trata das funções públicas, ou seja: quais são as que devem ser instituídas, qual
deve ser sua autoridade específica, e como devem ser escolhidos os funcionários; a
terceira parte trata de como de ser o poder judiciário.53
Esta mesma lei deveria, em sua forma perfeita, seguir e garantir como forma de
justiça e equidade a seus cidadãos o princípio da isonomia54
, o qual impõe ao Estado,
neste caso, a pólis ateniense, tratar igualmente todos os cidadãos que estejam na mesma
situação fática e jurídica. Ou seja, significava que os desiguais deveriam ser tratados
desigualmente em relação àqueles que não se enquadravam na mesma situação.
52 ARISTÓTELES.Op. cit. III. 1279 b. 53 ARISTÓTELES. Op. Cit. IV. 1298 a. 54 O principio da isonomia pode ser dividido em duas formas principais: a isonomia formal e a isonomia
material. A primeira diz que todos poderão igualmente buscar os direitos expressos na lei. Já a segunda,
trata da igualdade real, a vivida pelas pessoas. A busca da igualdade material acontece quando as pessoas
são tratadas desigualmente as pessoas que estejam em situações desiguais. Geralmente, ela é usada para
favorecer grupos que estejam em desvantagem. E só tem sua eficácia e eficiência quando for pautada por
motivos lógicos e justificáveis. A isonomia, também, pode ocorrer, também, perante a lei e na lei.
Àqueladiz respeito a sua aplicabilidade, pelo legislador, seja feita sem distinções de qualquer tipo de
credo, sexo, raça, cor, entre outros. Esta última tem a ver com direcionar o legislador para não fazer
distinções entre as pessoas no momento de elaboração de tal lei.
33
Este princípio vai caracterizar a relação harmônica desenvolvida no interior da
comunidade, pelo menos no plano ideal, formando uma nova forma de agir e pensar do
cidadão perante a lei55
, principalmente, entre os isois, os iguais. Para Vernant:
O vínculo do homem com o homem vai tomar assim, no esquema da cidade, a forma de
uma relação recíproca, reversível, substituindo as relações hierárquicas de submissão e
de domínio. Todos os que participam do Estado vão definir-se como Hómoioi,
semelhantes, depois, de maneira mais abstrata, como os Isoí, iguais. Apesar de tudo o
que os opõe no concreto da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político,
como unidades permutáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, cuja norma
é a igualdade. Essa imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão
rigorosa num conceito, o de isonomia: igual participação de todos os cidadãos no
exercício do poder.56
Em suma, a constituição ideal, para Vernant:
Deve estabelecer entre os cidadãos um justo equilíbrio a garantir a eunomia: a divisão
equitativa dos cargos, das honras, do poder entre os indivíduos e as facções que
compõem o corpo social. [...] assim concilia, harmoniza esses elementos para deles
fazer uma só e mesma comunidade, uma cidade unida.57
1.5. As Virtudes Ideais do Bom Cidadão
Além desses requisitos, outros se esperam deste cidadão, pois a comunidade
ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida. Alguns destes valores eram
esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o modelo de cidadão ideal. Tais
características são apontadas por Aristóteles na Ética à Nicômaco58
, como sendo: a
temperança, a bondade, a liberdade, a verdade, a reserva, a justa indignação, a amizade,
o amor, a piedade e a disciplina, a honra, a honestidade, a coragem, ao saber, a
faculdade de opinar, a sabedoria, o conhecimento, a inteligência. Todos estes valores
seriam, portanto, o meio termo de entre aquilo que seria mais adequado para uma vida
digna e feliz do cidadão no interior da pólis e, também, proporcionada por ela.
55 A igualdade “reside no fato de que a lei, que agora foi fixada, é a mesma para todos os cidadãos e que
todos podem fazer parte dos tribunais como da assembleia. Antes eram o „orgulho‟, a „violência de
ânimo‟ dos ricos que regulavam as relações sociais. [...] Agora é a dike que fixa a ordem de divisão das
timai, são as leis escritas que substituem a prova de força em que sempre os fortes triunfavam e que
impõem sua norma de equidade, sua exigência de equilíbrio.” IN: VERNANT, Jean Pierre. As origens do
pensamento grego. p.98. 56 VERNANT, Jean Pierre. Op. cit. p.65. 57 VERNANT, Jean Pierre. Op. cit. p.79. 58 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco: II. 1-10; III. 1-12
34
Esses valores podem ser resumidos da seguinte forma: a coragem seria o meio
termo entre o medo e a temeridade; a temperança entre do desregramento e a
insensibilidade; a bondade entre a cólera e a apatia; a verdade, entre falso e realidade; a
reserva, entre a timidez e o descomedimento; a justa indignação entre a inveja e a
aversão; a amizade e o amor consistiam no equilíbrio entre as relações afetivas entre si e
com os outros; a capacidade de opinar era uma técnica presente em virtude da
prudência; o conhecimento era classificado em três vertentes: inteligência,
demonstração e sabedoria. Ou, como fala Vernant:
A dignidade do comportamento tem uma significação institucional; exterioriza uma
atitude moral, uma forma psicológica, que se impõem como obrigações: o futuro
cidadão deve ser exercitado em dominar suas paixões, suas emoções e seus instintos.
[...] A sophorosyne submete assim cada indivíduo, em suas relações com outrem, a um
modelo comum conforme a imagem que a cidade se faz do “homem político”. Por seu
comedimento, o comportamento do cidadão afasta-se tanto da negligência, das
trivialidades grotescas próprias do vulgo quanto da condescendência, da arrogância
altiva dos aristocratas. O novo estilo das relações humanas obedece às mesmas normas
de controle, de equilíbrio, de moderação que traduzem as sentenças como “conhece-te a
ti mesmo”, “nada em excesso”, “a justa medida é o melhor”.59
As virtudes deste cidadão, elencadas acima, tinha o intuito de garantir o
equilibro interno da polis, evitando, desta forma, a desmedida (hybris) que rompia com
a ordem vigente, causando uma contaminação (míasma) ou difusão de valores
prejudiciais ao bom convívio social dos cidadãos e que, por esta razão, deveria ser
contida pelas leis – uma boa constituição – ou pelos ritos religiosos. Portanto,
Estas regras de conduta estabeleciam uma relação social de honra, cuja sanção se
materializava na vergonha e na exclusão social. Honra (time) e vergonha (aidós/aischós)
regulavam o comportamento coletivo. Estes foram dois aspectos que norteavam a
valorização da conduta social e definiam o que era bem social. Grande parte dos valores
tutelados pela pólisadivinham dos costumes, da tradição e da religião [...] A honra
ativava a necessidade diária de condutas que, indiretamente, reproduziam a ordem
políade. [...] Essa regras expressavam uma série de normas morais e religiosas que se
ligavam diretamente à consciência do homem, o qual controlava seu comportamento e
se autopunia pelo receio do constrangimento de seu grupo, pela perda de seu status, ou
mesmo, da sua morte social. Estas normas referiam-se a relações quotidianas e
fundamentais da sociedade tais como, por exemplo: o respeito e proteção aos pais; o
reconhecimento por um favor concedido, isto é, manter a confiança (psítis) do amigo; o
respeito aos deuses, a piedade (eusébia); o respeito ao hóspede; a prática da
hospitalidade; a proibição de fazer mal a um homem, mesmo criminoso, que se
refugiasse num altar; não atacar um arauto, um “embaixador” ou um suplicante; não
violar um juramento, num contrato privado; não matar em combate aquele que se
59VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. pp. 96-97.
35
rendesse; sepultar os mortos; ser moderado em suas ações (sophrosýne) e obedecer as
leis da polis.60
E, dentre todas estas características que este cidadão ideal deveria ter Aristóteles,
na Política, destaca a bondade e a obediência do mesmocomo atributo de um bom
cidadão. E, pela primeira, ela “deve relacionar-se necessariamente com a constituição
da cidade à qual ele pertence.” 61
Prossegue dizendo que “ao falar de um homem bom
queremos dizer que ele possui uma bondade única, a bondade perfeita...” 62
Desta forma,
a organização deste cosmo políade buscou desenvolver:
No cidadão, uma série de valores que o tornavam reprodutor da ordem sóciopolítica.
Isto se fazia pela valorização da coisa pública acima dos interesses individuais. Para
isso, o Estado promovia uma série de atividades, como: festivais, jogos, teatro, culto
oficial e lugares públicos cujos edifícios representavam a ideologia da autarkeía do
Estado, a harmonia, o equilíbrio e a medida. O homem vivenciava e via a presença da
pólis. Os espaços físico e social construídos no sistema políade representavam a relação
tensional e complementar entre indivíduo-sujeito e o público.63
Será possível que todos os homens que vivem na cidade e que participam da
vida política da pólis são iguais? Será que todos eles são necessariamente bons?
Aristóteles, portanto, nos responde que:
É impossível que uma cidade seja inteiramente composta de homens bons, e se cada
pessoa deve necessariamente executar bem a tarefa inerente à sua função (isto só é
possível graças à excelência de cada um), a bondade de um bom cidadão não seria a
mesma bondade de um homem bom; realmente todos devem possuir a bondade de um
bom cidadão (esta é uma condição indispensável para que uma cidade seja a melhor
possível), mas é impossível que todos possuam a bondade de um homem bom, se não é
necessário que todos os cidadãos sejam homens bons em uma cidade boa. E uma cidade
que é constituída de pessoas dissimilares segue necessariamente que a bondade de todos
os cidadãos não é uma só[...] estas considerações demonstram que a bondade de um
bom cidadão e de um homem bom não são geralmente a mesma bondade.64
Ser cidadão na sua mais perfeita qualidade envolve, por outro lado, algo mais
que a bondade. O cidadão por excelência deve possuir dois outros requisitos vinculantes
para a sua ação perfeita, pois “parece que a excelência do cidadão consiste em ser capaz
60 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 45-46. 61 ARISTÓTELES. Política. III. 1277 a. 62ARISTÓTELES.Op. cit.: III. 1277 a. 63 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 63-64.. 64 ARISTÓTELES. Op. cit.: III. 1277 a.
36
de mandar e obedecer igualmente bem. [...] o bom cidadão deve ter os conhecimentos e
a capacidade indispensável tanto para ser governado quanto para governar.” 65
Portanto, a construção dos ideais democráticos e suas variantes como o
surgimento das Assembleias, a definição do cidadão ideal, o interesse pelo bem comum
da pólis, todos estes valores tinham como intuito a criação de uma estrutura idealizada
de valorização da cultura grega, principalmente a valorização de Atenas. Também, para
este homem grego não bastava somente ser livre e ter o atributo à cidadania, mas, sim, a
participação ativa nos problemas da pólis.
65 ARISTÓTELES. Op. cit.: III. 1277 a.
37
2. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA ATENIENSE:AS REFORMAS
“DEMOCRÁTICAS” E A CONSOLIDAÇÃO DA ASSEMBLEIA.
A Assembleia é outro ponto de debate a ser analisado, pois era nela que se
desenrolava o fazer político dos cidadãos e também o gerenciamento de quase todas as
coisas sobre a comunidade política; já que, a forma de governo em Atenas era a
democracia, a qual prezava pela participação direta dos seus cidadãos, decidindo sobre a
vida da pólis.
Neste local éque estavam presentes todos os valores esperados dos cidadãos, não
só idealmente, mas valores que fossem percebidos na vida prática de cada um deles,
também. Valores como: a temperança, a bondade, a liberdade, a verdade, a reserva, a
justa indignação, a amizade e o amor, a piedade e a disciplina, a honra e a honestidade,
entre outros citados anteriormente.
Então, para melhor entendermos o surgimento da Assembleia e sua
consolidação, ao longo da história dos atenienses, temos que nos determos sobre as
reformas políticas estabelecidas por Sólon, Clístenes, Efialtes (neste, verificamos alguns
problemas no que tange as fontes, que são raras) e Péricles, durante seus governos.
Além, de verificar como aconteciam os procedimentos de votação, composição e
discussão dos assuntos mais importantes colocados em pauta pelo governo de Atenas
aos seus cidadãos.
2.1.1. O governo de Sólon
Sólon, ao ser eleito, teve o intuito de tentar enfrentar e, ao mesmo tempo, sanar o
desequilíbrio social que Atenas estava a passando. Por um lado, os camponeses
atenienses eram obrigados a pagarem a sexta parte de sua colheita aos donos das terras;
por outro lado, sentiam-se constantemente ameaçados pelo problema do endividamento
por não conseguir pagar tal cota e, assim, reduzidos à escravidão.
Desta forma, prevendo uma possível ruptura interna que poderia abalar o status
quo da pólis, ele decretou o cancelamento das dívidas rurais e a proibição da escravidão
instituída pelo endividamento destes homens. Segundo Claude Mossé, Sólon:
Proclama a seisachteía, ou seja, a suspensão dos encargos, arrancando dos campos os
marcos que tornavam concreto o estado de dependência de seus proprietários, ao mesmo
38
tempo em que anula as dívidas e revoga o direito do credor de mandar prender o
devedor; fazendo retornar à Ática todos aqueles que, como escravos, haviam sido
vendidos no exterior.66
Estas reformas tiveram os resultados mais efetivos em longo prazo que deram
um caráter de independência aos camponeses no âmbito político, segundo Chester67
.
Assim, podemos inferir que tal ideia nos remete a acreditar que, apesar do lugar social
que estes grupos ocupavam na rígida sociedade ateniense, eles começaram – se é que
podemos assegurar com convicção – a desempenhar uma consciência quanto aos seus
direitos e os que poderiam ser reivindicados.
Além disso, dividiu os cidadãos em quatro classes de acordo com sua renda
agrícola: pentakosiomédimnoi, hippeîs, zeugítai e thétes. Somente o primeiro e o
segundo grupo poderiamvislumbrar os melhores cargos públicos, neste caso, a
magistratura. Os zeugítai compreendiam o grupo composto por camponeses de “classe
média” e que deviam ter uma quantidade adequada de renda que desse para manter-se
como hoplita. Já com relação à última classe, englobavam toda a população pobre e de
artesãos não estrangeiros que podiam participar da vida política, votando na assembleia.
Aristóteles, assim se pronunciava com relação a esta divisão promovida por Sólon:
Os cidadãos eram repartidos em quatro classes, como tinha sido estabelecido
anteriormente, pentacosiomedimnes, cavaleiros, zêugitas e tetas. E ele decidiu que as
magistraturas seriam reservadas aos pentacosiomedimnes, aos cavaleiros e aos zêugitas,
e que seriam tomados de entre eles os nove arcontes, os tesoureiros, os poletas, os onze,
os colacretas, dando a cada um uma magistratura correspondente ao seu censo. Quanto
aos que eram classificados entre os tetas, ele apenas lhe deu o direito de participar na
assembleia e nos tribunais. Era pentacosiomedimne aquele que no seu domínio
obtivesse quinhentas medidas de grãos ou de produtos líquidos, cavaleiro aquele que
recolhesse trezentas, no dizer de alguns, aquele que pudesse criar um cavalo. [...]
Aqueles que recolhiam duzentas medidas de grãos ou de líquidos eram classificados
como zêugitas. Todos os outros estavam na classe dos tetas e não podiam aceder às
magistraturas.68
A Assembleia era dirigida pelos arcontes (arkhón epónymos), eleitos por sorteio
entre os candidatos pré-estabelecidos de cada um dos quatro grupos. Com a criação do
conselho dos quatrocentos, as deliberações tornaram-se mais estruturadas e eficientes,
66 MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasilia, 1997. p.14. 67 STARR, Chester G. O nascimento da democracia grega: a assembléia no século V a.C. 68 ARISTÓTELES. Constituição dos Atenienses. VII, 1-4.
39
pois, servia como um comitê geral de trabalho que gerenciava as medidas encaminhadas
à Assembleia (proboúleusis).
A proteção da ordem pública continuava nas mãos do conselho do Areópago
cujas funções estavam a de investigar seus membros antes da ocupação de seus cargos e
de torná-los responsáveis por seus atos. Esta medida tinha como intuito prezar pelos
valores esperados de cada cidadão, além de tentar coibir que os interesses particulares
fossem prevalentes contra a ordem pública.
Por fim, a criação de um tribunal de justiça foi outra medida tomada por Sólon,
em seu governo. A partir deste órgão, qualquer pessoa poderia mover ações em casos de
injustiças e contra atos indevidos dos arcontes. Aristóteles, na Política, aponta a heliéia
(tribunal de justiça), como a pedra angular da constituição soloniana e uma marca de
sua tendência democrática.
Todas estas reformas e/ou mudanças políticas e sociais fizeram que Sólon, aos
olhos da História, fosse visto como o primeiro líder a governar em prol do povo. Visto
como um homem justo, de boa ordem, equilibrado e que governava não com interesses
individuais, mas coletivos. Tal retrato pode ser visto neste trecho:
Eu, por muitos motivos, reuni o dêmos. Qual deles me fez recuar, antes de atingir o fim?
Poderia ser testemunha disso, no tribunal do tempo, a grande mãe dos deuses olímpicos,
excelente, a Terra negra, da qual eu arranquei os marcos fincados em muitas partes, ela,
antes escrava, é agora livre. A Atenas, terra dos ancestrais fundadas pelos deuses,
reconduziu muitos que tinham sido vendidos justa ou injustamente: a uns, exilados pelo
constrangimento da dura necessidade, não mais falantes do dialeto ático; por terem
vagueado por muitos outros lugares; a outros, vítimas aqui mesmo da escravidão
indigna, trementes face à conduta dos senhores, tornei-os livres. Eis o que realizei,
harmonizando a força e a justiça. Realizei como prometi: redigi leis, tanto para o mau,
quanto para o bom, adaptando a cada um a justiça reta. Se um outro, malvado ou
ambicioso, tivesse, como eu, tomado aguilhão, não teria contido o dêmos, pois, se eu
tivesse sido motivado pelo desejo dos revoltosos, ou pelos planos do outro partido, a
pólis estaria já deserta de muitos homens.69
2.1.2. O governo de Clístenes
As reformas de Clístenes também foram importantes para a consolidação da
Assembleia e também para o fortalecimento da democracia ateniense,
posteriormente.Segundo Claude Mossé, as reformas de Clístenes tiveram dois grandes
efeitos, pois gerou “por um lado, uma reorganização do corpo cívico e a criação de
69BACELAR, Agatha. A Representação de Sólon nas Histórias. IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos/agatha2002.pdf.pp.05-06.
40
novos quadros políticos; por outro lado, resultando desta reorganização uma
modificação profunda nas instituições politicas já existentes.”70
Ele dividiu a Ática em dez tribos que eram compostas por três distritos,
mudando a antiga divisão feita por Sólon. Por sua vez, cada trítia era formada por um
ou mais dêmoi. O principal objetivo desta “agregação”, utilizando as palavras de
Chester, era o de poder controlar a maneira como o Conselho dos Quinhentos era
constituído. Além do mais, tal conduta buscou integrar novos cidadãos no corpo cívico
da pólis. Assim, tais medidas tomadas por tal legislador, fez com que a cidade passasse
para:
Outro plano distinto do das relações de genes e dos vínculos de consanguinidade: tribos
e demos são estabelecidos numa base puramente geográfica; reúnem habitantes de um
mesmo território, não parentes de mesmo sangue como os genee as frátrias, que
subsistem sob sua forma antiga, mas que agora ficam fora da organização propriamente
política. Além disso, cada uma das dez tribos novamente formadas realiza o amálgama
das três partes diferentes entre as quais a cidade estava antes dividida. Com efeito, das
três trítias que uma tribo compreende, a primeira deve necessariamente pertencer à
região costeira, a segunda ao interior do país, a terceira à região urbana e a seu território
circundante. Cada tribo realiza assim a “mistura” das populações, dos territórios, dos
tipos de atividades de que é constituída a cidade.71
Cada tribo indicava cinquenta membros que eram sorteados entre os candidatos
indicados pelos dêmoi. Para evitar qualquer tipo de ligação mais forte entre os membros
do conselho, os conselheiros só podiam servir até um período de, no máximo, um ano e
duas vezes na vida.
Portanto, todas estas reformas feitas por Clístenes, em especial, a nova
reorganização do espaço cívico teve importância tanto socialmente, ao permitir a
incorporação de novos cidadãos, quanto politicamente,diminuindo o poder dos
aristocratas. Claude Mossé afirma que:
A revolução clisteniana é sobretudo uma revolução política: ao criar quadros novos no
interior dos quais se repartiam os cidadãos de origem antiga ou recente, permitiu que se
constituísse um Estado de um tipo novo, a cidade democrática. A criação de tribos
novas tinha ao mesmo tempo a intenção de diminuir a influencia local das velhas
famílias, a de juntar no seio de uma mesma unidade os homens dos distritos urbanos,
rurais e costeiros, de desenvolver um sentimento de unidade entre os membros de uma
mesma tribo, que na guerra combatiam lado a lado.72
70 MOSSÉ, Claude. As Instituições GregasEdições 70, Lda., Lisboa – Portugal 1985, p.23. 71VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. pp. 105-106. 72 MOSSÉ, Claude. Op. cit.: pp.25-26.
41
O poder do conselho foi colocado sob o controle da assembleia.
Daí em diante, cada medida proposta ao povo, pelo Conselho dos Quinhentos, teve de
ser submetida a escrutínio e votar uma proposta preliminar (prouboúleuma), que podia
conter recomendações especificas ou apresentar uma declaração mais geral, para inserir
uma matéria na agenda da assembleia. Ou seja, sem um prouboúleuma nenhuma
medida era votada pelo povo.
As instituições sociais quase não tiveram ou não foram afetadas pelas reformas.
Exceto, no fundamento para o reconhecimento da cidadania. Também, a assembleia
assumiu o poder de eleger dez generais por voto aberto. Porém, na escolha dos arcontes
permanecia o sorteio indicados pelo dêmoi.
Por fim, a lei sobre o ostracismo teve papel de suma importância no governo de
Clístenes, no que tange a coibir às tentativas de implantação das tiranias ou de
subversão a democracia. Esta lei previa a pena de atimia, o exílio temporário por dez
anos, que consistia também na perda dos direitos políticos do mesmo. Para Trabulsi, o
processo de ostracismo tinha um caráter primordialmente preventivo, como vemos neste
trecho:
O ostracismo não é castigo para um crime cometido, mas, antes, um mecanismo
destinado a evitar que alguém esteja em condições de atentar contra a soberania do
démos. [...] O medo da tirania [...] explica o caráter preventivo antes que punitivo do
ostracismo. [...] a lei sobre o ostracismo concentrava um pouco arbitrariamente num
individuo, o tirano potencial presumindo, toda a carga, e fazia cair sobre ele todo o peso
político da cidade, e exorcizava o perigo ao expulsá-lo.73
O processo de ostrakophoria (ostracismo) delineava-se na assembleia, em que,
os cidadãos ficavam com as mãos erguidas votavam e decidiam sobre a conveniência de
ter ou não tal medida. Geralmente, a assembleia deveria ter um quórum em torno de
6000 cidadãos presentes, “para que a medida surgisse como uma resolução popular, e
não como um voto partidário.” 74
Em seguida, uma segunda votação era instituída, porém, de forma secreta, a qual
servia para indicar aquele que o povo tinha considerado perigoso para a manutenção da
ordem interna da pólis. Apesar, de ser expulso da cidade por certo intervalo de tempo,
os bens do exilado eram conservados e intocáveis pelo estado. Mossé, diz que o
principal objetivo do ostracismo era: “afastar da cidade por um tempo limitado todo o
73TRABULSI, José Antonio Dabdab. Ensaio sobre a mobilização política na Grécia Antiga.Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001. pp. 94-96 74 MOSSÉ, Claude. Op. cit.: p.30.
42
cidadão que pudesse parecer alimentar em proveito próprio o projectode estabelecer a
tirania.” 75
Trabulsi, afirma que o processo para concessão do ostracismo era delineado por
um procedimento especial sendo que:
Uma vez a maioria dos votos na assembleia tendo decidido pelo sim, a ostracoforia era
organizada. Vários aspectos distinguem a ostracoforia de uma ekklesía normal (kýria ou
não) e contribuem para atribuir-lhe um caráter especial, excepcional. A reunião era
presidida pelos nove arcontes e pela Boulè completa, e não, como de hábito, pelo
epistate da Boulè e pelos prítanes. O ostracismo se desenrola na ágorae não na Pnyx, o
que, além do caráter solene (pois a ágora era o antigo local de reunião), multiplicava a
capacidade de público. Isso era necessário pois a afluência era, nessas ocasiões,
excepcional.76
Mais a frente prossegue explicando como era feita a votação para o ostracismo:
Barreiras com pranchas de madeira disposta em círculo eram erguidas, com dez portas
de entrada; o voto se fazia por tribo. Provavelmente os buleutas se agrupavam por tribo
na entrada, nos locais onde os outros membros da tribo deviam se apresentar. [...] Os
votos eram feitos por incisão nos cacos de cerâmica (ostraca), de forma e tamanho
variados, do nome do cidadão que se desejava ver ostracizado. Podia-se trazer consigo o
caco já escrito, para simplesmente depositá-lo na urna. O que permitia o voto a todos os
cidadãos... [...] Uma vez fechada à votação e a contagem dos votos realizados, o
resultado era proclamado. [...] Para alguns, havia ostracismo se o quórum de seis mil
votos fosse atingido. Neste caso, quem tivesse o maior número de voto, devia, num
prazo de dez dias, e por dez anos, deixar a Ática.77
2.1.3. As Guerras Médicas e as reformas de Efialtes
As Guerras Médicas, travadas entre os gregos e os persas, tiveram grande
influência na evolução interna da sociedade ateniense, tanto no que diz respeito aos
aspectos sociais quanto os políticos.
Os persas, comandados por Dario, buscavam submeter todos os territórios
gregos aos seus domínios. Mas, para ele, esta consolidação somente seria possível com
a conquista da Grécia europeia; apesar de já dominar algumas cidades pelo lado
asiático. Assim, em 490 a.C., ele enviou uma expedição de soldados para a planície de
Maratona para tomar o território grego, onde lutaram com os atenienses, que saíram
75 MOSSÉ, Claude. Op. cit.: p.30. 76TRABULSI, José Antonio Dabdab. Ensaio sobre a mobilização política na Grécia Antiga.Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p.98. 77TRABULSI, José Antonio Dabdab. Op. cit.: pp.98-99.
43
vencedores. Tal derrota forçou os persas a recuarem. Finalizava, assim, a primeira parte
da guerra.
Com a morte de Dario, seu filho Xerxes o sucede. Este, por sua vez, buscou
retomar o projeto do seu pai e consolidá-lo. Plano este preparado “em grande escala, sob
seu próprio comando, para conquistar toda a Grécia Continental, e para tanto comandou
uma força esmagadora, por terra e mar.”78
Vendo que a guerra novamente seria inevitável, a cidade de Atenas foi evacuada
e todo o exército de soldados gregos mobilizados em Salamina, ponto em que ocorreu o
maior e mais decisivo combate entre os persas e os helenos.Tal necessidade de evacuar
a cidade foi feita a partir de um presságio de um oráculo ateniense e que Temístocles
fez-se valer para que tal ato fosse cumprido. Determinou:
Quea cidade ficasse sob a salvaguarda de Atena, protetora de Atenas, e que todos os
homens, na idade de servir, deveriam embarcar nas trirremes, e cada particular tomaria
o encargo de, na medida do possível, salvar as crianças, as mulheres e os escravos de
seu interesse.79
Desta maneira, “em 22 de setembro de 480 a.C., travou-se a famosa batalha que
representaria a salvação da Grécia.”80
. Depois desta batalha foram os persas, mais uma
vez, foram obrigados a sair em retirada. No entanto, a vitória definitiva veio em Platéia,
depois de uma nova tentativa frustrada dos persas.
Tal conflito gerou dois grandes problemas estruturais para a comunidade
ateniense: por um lado, Atenas saia destruída física, política e economicamente, tendo
que se reestruturar das suas ruinas sob o escopo de lideranças políticas que buscaram
tirar proveito da situação, governando em prol de seus interesses. Por outro lado, saiu
engrandecida, ao sobrepor seu poder bélico e moral sobre os outros povos, se
sobressaindo com o imperialismo.
A criação da Liga de Delos foi um importante mecanismo utilizado para a
dominação ateniense no plano interno e, posteriormente, no plano externo, na era de
Péricles. Para Mossé, tal liga tinha como intuito o “pretexto de impedir o retorno
ofensivo dos bárbaros, por um lado, e de „libertar‟ as cidades jônias, por outro, os
78 STARR, Chester G.O nascimento da democracia grega: a assembleia no século V a.C.. p.35. 79 MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. p.27. 80 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.27.
44
atenienses restabeleceram-se nas costas orientais do Egeu.”81
Sobre a Liga de Delos,
está, tinha como objetivo ser:
Uma aliança militar que congregava as cidades da jônias em torno do santuário de
Delos, onde seria depositado o tesouro federal. O erário destinava-se a cobrir as
necessidades da liga e seria alimentado por um tributo pago pelos aliados, que não
pudessem ou não quisessem ter participação direta na defesa comum.82
As relações internas haviam mudado principalmente surgindo vários
governantes que queriam tirar proveito desta nova situação vivida por Atenas. Porém,
adentra neste cenário Efialtes que redistribuiu os poderes entre as instituições políticas
dentre os quais, o principal alvo foi o conselho do Areópago que tinha amplos poderes e
prestigio durante as Guerras Médicas, por ser considerado o guardião das leis e,
também, servia aos interesses das oligarquias. Este legislador buscou, portanto, diminuir
o poder de tal órgão. Afirma Mossé, que, para Efialtes, “os privilégios do Areópago
eram o resultado de uma usurpação, e era contrário ao espírito democrático...”83
.
Que poderes, então, foram estes que o Areópago perdeu? Para a maioria dos
estudiosos seriam três principais, que, em seguida, foram redistribuídos ao conselho dos
Quinhentos e aos tribunais, a saber: “o direito de instituir acusações de traição e mau
procedimento (eisangelía),a inquirição dos novos magistrados (dokimasía) e a auditoria
do desempenho destes (eúthyna).”84
2.2. A “Idade do Ouro” Atenas: Péricles e as reformas políticas e sociais na
democracia dos atenienses.
O governo de Péricles, na história, é visto como o momento de apogeu da
sociedade ateniense, principalmente, da democracia e suas instituições políticas. Ou
seja, o momento em que esta cidade-Estado “atinge o seu desenvolvimento
harmonioso.”85
Este adentra a esfera da vida pública a partir das rivalidades políticas entre as
famílias tradicionais de aristocratas pela disputa do poder interno, tendo como principal
adversário Címon, pertencente a um clã de alta linhagem política e econômica. Disputa
81MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.29. 82 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.29. 83 MOSSÉ, Claude. As Instituições GregasEdições 70, Lda., Lisboa – Portugal 1985, p.36. 84STARR, Chester G. Op. cit. p.44.. 85 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.38.
45
esta, desigual. Já que Péricles, segundo Plutarco, não tinha condições matérias de
superar o poderio econômico de Címon “para conquistar prestigio e apoio popular [...]
em actos de magnanimidade quem revertem directamente para o demo.”86
Necessitava este legislador ter alguma medida eficiente para fazer frente a seu
grande adversário, Címon, por isso elabora uma estratégia que teve grande efeito
revertido para todos os cidadãos, em especial, aos mais pobres. Assim:
A princípio, Péricles, empenhado em contrabalançar a influência de Címon, procurou
como já sedisse captar a mercê popular. Címon, todavia, dispondo dos meios e maiores
recursos, aproveitou-se deste fato para atrair os pobres, e todos os dias provia jantar para
os atenienses carentes e vestia os anciãos. Chegou ao ponto de retirar as cercas de suas
propriedades a fim de que todos, que quisessem colher os frutos, pudessem, fazê-lo.
Péricles, desfavorecido diante do povo, recorreu a prodigalidade feitas com as receitas
do Estado, a conselho de Damônides de Éia, segundo o que narra Aristóteles. Logo
corrompeu a multidão com os fundos para os espetáculos, os salários estipulados para
os juízes, e todas as gratificações e liberalidades que, prodigamente, distribuía ao povo,
servindo-se deste contra o Areópago.”87
Desta forma, a criação e instituição do misthos heliastikos (mistoforia), foi a
principal medida encontrada por Péricles para galgar seus propósitos e vencer seu
adversário, além de ter efeitos secundários para os cidadãos. A mistoforia, de que trata o
trecho acima, era uma espécie de salário ou remuneração, paga em dinheiro, para
aqueles que exercessem funções públicas em Atenas. Isto teve consequências relevantes
para a cidade, a saber: permitiu, a partir daquele momento, que todos os cidadãos
atenienses pudessem participar da vida política da cidade, “sem temor de perder um dia
de trabalho.”88
Aristóteles diz que tal incentivo financeiro foi dado para todos os que
participavam das funções públicas da comunidade, posiciona-se assim:
Em primeiro lugar o povo dá um salário aos que se reúnem na Assembleia, uma dracma
para as sessões ordinárias, nove óbolos para a assembleia principal de cada pritania. Os
juízes recebem três óbolos, os buleutas cinco óbolos, mas os que são prítanes recebem
um óbolo suplementar para a sua alimentação... os nove arcontes recebem cada um
quatro óbolos pra a sua alimentação e para o sustento de um arauto e de um tocador de
flauta.89
Cânfora arremata que a ideia de instituir pagamentos para todos aqueles que
participavam das funções públicas, fez Péricles corromper:
86CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN: O Homem Grego. p. 113. 87PLUTARCO Apud MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. 3.ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1997. p.36. 88 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p.36. 89 ARISTÓTELES ApudMOSSÉ, Claude. Op.cit. p. 169.
46
As massas introduzindo os pagamentos estatais para participação nos espetáculos e para
participação nos júris do tribunal, além de outras remunerações públicas e festas. A
adopção sistemática destas formas de salário estatal moldou a democracia ateniense no
período do seu maior florescimento, consolidando a imagem de um demo dedicado à
política, à actividade judicial e à prática social do teatro e da festa...90
A criação das funções públicas remuneradas pode ser vistas como um fato
decisivo e de suma importância para o desenvolvimento da administração interna de
Péricles. Permitindo, em especial, que os grupos mais pobres ocupassem certos cargos
públicos e participar ativamente das decisões sobre o bem comum da pólis. Também
atingiu os privilégios políticos da aristocracia e buscou consolidar o governo
democrático, tendo como principio basilar a isonomia, já criada no governo de
Clístenes. Este buscou igualar, pelo menos, teoricamente, todos os cidadãos perante a
lei, que seria a manifestação de vontade de todo o povo. De acordo com Tucídides,
profere Péricles com relação à democracia ateniense:
Nossa politéia nada tem que invejar às leis que regem os nossos vizinhos;longe de
imitar os outros, damos o exemplo a seguir. Entre nós, o Estado é administrado no
interesse da massa e não no de uma minoria, daí o nome que nosso regime adotou:
democracia. No que concerne aos diferentes indivíduos, a igualdade é assegurada a
todos pelas leis; mas, no tocante à participação na vida pública, cada um obtém o
crédito em função do mérito, e a classe a que pertença importa menos que seu valor
pessoal; enfim, estando em condições de prestar serviço à cidade, ninguém é cerceado
pela pobreza ou pela obscuridade de uma condição social.91
Assim, foram abertos os rumos para o fortalecimento na crença da igualdade
política entre todos os níveis de cidadãos que compunham a polise de participação
política, a “militância”. Ou seja, a participação direta nos assuntos da comunidade. Este
processo de igualdade define as bases do equilíbrio e harmonia, exercendo sua
soberania livremente, atendendo sempre à legalidade e isonomia. Os anseios e a
“vontade comum representavam os objetivos de um maior número de cidadãos; a isonomia
se desvencilhava de grupos políticos restritos. A democracia, então, abria seus olhos.”92
Abria seus “olhos”, porque:
Todos os cidadãos, como tais, sem consideração de fortuna nem de virtude, como
“iguais” que têm os mesmos direitos de participar de todos os aspectos da vida pública.
90CANFORA, Luciano. Op.cit. p. 114. 91TUCÍDIDESApudMOSSÉ, Claude.Op. cit. pp.37-38. 92TAVEIRA, Daniel Teixeira. Um Ambiente Discursivo: Reflexões sobre a rede de relações entre
cidadãos e não-cidadãos na Atenas Clássica e sua Produção Discursiva.p.36.IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos_2010_2/artigo002_2010_2.pdf
47
[...] Não se trata mais então, como precedentemente, de encontrar a escala que faça os
poderes proporcionais ao mérito e que realize entre elementos diferentes, dissonantes
mesmo, um acorde harmônico, mas de igualar estritamente entre todos a participação na
arché, o acesso às magistraturas, fazer desaparecer todas as diferenças que opõem entre
si as diversas partes da cidade, unificá-las por mistura e fusão, para que nada as distinga
mais, no plano político, umas das outras.93
No entanto, tais condutas, ou melhor, estes ideais de participação tiveram as suas
limitações, pois deviam estar de acordo com os limites da lei e, de certa forma, nos padrões
de aceitação dos próprios cidadãos. Ou seja, a partir do seu lugar social, do seu status
familiar ou do poder econômico. Já que, na prática, o poder estava nas mãos dos mais
abastados, dos mais ricos.
As instituições políticas foram outro ponto da reformulação administrativa feita
por Péricles, que serviu para consolidar definitivamente a democracia ateniense. Dentre
as mudanças podemos elencar: as normas sobre a periodicidade das sessões da
assembleia, como deveriam ocorrer os procedimentos das reuniões, a propositura,
votação e aprovação das leis.
Fez alterações, também,nas atribuições do Conselho dos Quinhentos (Boulé),
instituindo um rígido controle sobre os magistrados antes que eles tomassem posse dos
seus cargos, realizando um exame prévio de investigação da sua vida como cidadão;
criou penas severas que culminavam em exoneração e a necessidade de controle e
supervisão de todos os atos públicos destes, obrigando-os à prestação de contas perante
a assembleia e aos cidadãos. Com respeito à prestação de contas por parte dos
magistrados frente à Assembleia, podemos ver nesta passagem, em que Ésquines faz
menção sobre tal ato e sua importância para a harmonia da pólis:
Nesta cidade tão antiga e tão respeitada pela sua grandeza, ninguém de entre as pessoas
que se ocupam de um cargo público pode escapar à prestação de contas. Mostrar-vos-ei
em primeiro lugar como exemplos surpreendentes: assim, a lei impõe a prestação de
contas aos sacerdotes e às sacerdotisas, a todos em geral e a cada um em particular,
quando eles apenas têm de receber as oferendas e rezar aos deuses por nós, e isso diz
respeito não só a cada indivíduo, mas a todo o génos [...] A lei impõe igualmente a
prestação de contas aos trierarcos, que não detêm bens pertencentes a comunidade, que
não desviaram uma grande parte dos vossos recursos, nem gastam do Estado senão uma
pequena parte, que não pretendem fazer-vos doações dando-vos o que é vosso, mas,
pelo contrário, põem à vossa disposição o seu patrimônio, para receber de vós
recompensas honorificas. E não apenas os trierarcas, mas também os maiores de entre
os colégios de magistrados da cidade, são submetidos ao veredicto dos tribunais. E,
antes de tudo, a lei obriga a Boulé do Areópago a prestar contas face aos logistas, e essa
93 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. pp. 103-104.
48
assembleia temível, senhora dos mais importantes assuntos, submete-se assim ao vosso
voto.94
Medida de suma importância adotada por Péricles deveu-se a aprovação de um
decreto-lei que buscou restringir de modo significativo o beneficio da cidadania.
Durante o seu governo, Atenas atestou um crescimento exorbitante no seu corpus social
da pólis, favorecido, em grande parte, pelas reformas feitas por Clístenes que tornou a
integração de estrangeiros ao universo de cidadãos. Em 451 a.C., Péricles fez aprovar o
“decreto reservando a qualidade de cidadão ateniense aos nascidos de pai cidadão e de
mãe, ela própria, filha de cidadão [...] tinha por objetivo limitar o número dos
beneficiários das vantagens ligadas à qualidade de cidadão.”95
2.3. Sessões e Funções da Assembleia
Faz-se necessário verificar como ocorriam os procedimentos do principal órgão
do sistema político dos atenienses. Era a instituição em que os cidadãos “tinham, não
apenas o direito, mas o dever de assistir as sessões”96
e, deste modo, desempenharem
seu papel de decidir sobre a vida da pólis.
O quórum exigido para as reuniões da Ecclesia deveriam ser da ordem dos 6000
votantes. Número este, que raramente foi atingido nesta sociedade; sendo apenas uma
parte destes cidadãos que compareciam nesse órgão. Por que, então, a presença tão
limitada? Quem comparecia as reuniões?
Apesar do crescimento da cidade, a maioria dos cidadãos habitavam as áreas
rurais. Isto implicava que “aqueles que faziam o trabalho braçal na terra certamente não
podiam comparecer às 40 sessões anuais da assembleia”97
, pois deviam trabalhar para
garantirem seu sustento. Além disso, muitos cidadãos tinham que enfrentar problemas
referentes à distância, tendo que se deslocarem por horas de viagem. Diminuía-se, desta
forma, a quantidade de votantes e, somente em casos excepcionais e de grande interesse,
que esta outra parte dos cidadãos compareciam à Assembleia. Chester afirma que diante
de tal situação, “o eleitor comum exercia seu privilégio só quando problemas muitos
94 ÉSQUINESApud MOSSÉ, Claude.As Instituições Gregas.Edições 70, Lda., Lisboa – Portugal 1985,
pp.164-165. 95MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. p.39. 96MOSSÉ, Claude. As Instituições Gregas.Edições 70, Lda., Lisboa – Portugal 1985, p.49. 97STARR, Chester G. Op.cit. p.58.
49
importantes e complexos eram discutidos e decididos, e dificilmente podia reservar 40
dias por ano para uma presença constante.”98
Em geral, realizavam-se quatro assembleias por pritania, ou seja, quarenta
sessões durante o ano, não seguindo uma data fixa. Tais reuniões ocorriam na colina da
Pnyx, sobre “uma plataforma talhada na rocha e rodeada por uma balaustrada formava a
tribuna onde se encontrava um altar do Zeus Agoraio.” 99
. Deste ponto eram feitos os
pronunciamentos dos oradores e, também, o local que os secretários e o presidente
ocupavam durante as sessões.
A primeira assembleia de cada pritania, em regra, era a principal e a que possuía
a maior diversidade de assuntos, para serem deliberados. Nela eram votadas as escolhas
para o cargo de magistrado, abastecimento interno da cidade – em especial, o comércio
de cereais –, a política externa e, também, os processos de eisangelia (acusações de
traição e mau procedimento), de ostracismo e outras acusações.
Todavia, as três seguintes reuniões da assembleia tinham um caráter mais
restrito em sua pauta de discussão e votação. Uma delas era “consagrada aos hiketeriai,
quer dizer às suplicas: cada cidadão que quisesse dirigir-se ao povo, por razões pessoais
ou respeitantes à cidade, devia previamente depor sobre o altar um ramo de
suplicante.”100
.
As duas outras restantes tratavam de assuntos correntes, como: religião, o
funcionamento interno da cidade, política externa; todas seguindo o devido os
procedimentos legais. Sobre tal divisão das atividades da Ecclesia, Aristóteles afirma
que:
A primeira, assembleia principal, onde são confirmados nos seus cargos os magistrados
cuja gestão foi considerada satisfatória, onde se delibera sobre o abastecimento de
cereais e sobre a guarda do território, onde aqueles que o desejem apresentam as
eisangelias, onde se faz a leitura dos bens confiscados, os requerimentos respeitando às
heranças ou às filhas epícleras, afim de que ninguém ignore os bens vacantes. Na sexta
pritania, para além das questões já evocadas, os prítanes põem à votação a decisão de se
saber se se procederá ou não a uma ostrakophoria, as acusações intentadas pelos
Atenienses e pelos metecos contra os sicofantes, à razão de três por cada grupo, e contra
aqueles que não tivessem cumprido as obrigações tomadas face ao povo. Uma outra
assembleia é consagrada às petições: qualquer cidadão que o deseje pode apresentar
uma petição e falar com o povo, tanto sobre assuntos privados, como de assuntos
relacionados com a cidade.Finalmente, as duas outras ocupam-se de assuntos diversos,
exigindo a lei que se ponha na ordem do dia de cada uma: três questões relacionadas
98STARR, Chester G. Op.cit. p.60. 99MOSSÉ, Claude. Op.cit. p.52. 100 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p.51.
50
com assuntos sagrados, três respeitantes a embaixadas, três questões enfim sobre
assuntos profanos.101
O procedimento de uma sessão normal deste órgão era redigido pela Boulé e
publicado com quatro dias de antecedência. Todas as reuniões eram abertas pelo
presidente, responsável por fazer um sacrifício que tinha como intuito purificar a Pnyx,
com “orações lustrais e as imprecações contra os medos, instigadores de tiranos, e
outros malfeitores.”102
. Estes eram, portanto, os procedimentos preliminares feitos para
dar lisura a todo o processo das reuniões.
Feito os procedimentos básicos, dava-se início ao debate propriamente dito.
Posterior ao ritual de purificação,
Fazia-se a leitura do probouleuma, quer dizer do relatório da Boulé, sobre o projecto
apresentado à ordem do dia. Depois, votava-se para saber se o projeto era adoptado sem
discussão ou se era submetido à discussão. E neste último caso, o mais frequente,
começava então a deliberação propriamente dita, na qual qualquer ateniense tinha o
direito de tomar pessoalmente parte, desde que não fosse em ilegalidade. [...] Com
efeito, qualquer ateniense podia propor uma moção à assembleia. O seu nome figurava
no decreto logo que este fosse adoptado, depois de ter passado pelo conselho e disso
discutido pela assembleia. Qualquer ateniense podia igualmente, ao intervir na
discussão, propor uma emenda ao probouleuma; também aí a redacção do decreto fazia
menção da emenda, cujo autor era nomeado. A votação fazia-se geralmente de mão
erguida: é a cheirotonia. No entanto, algumas votações faziam-se por voto secreto
quando se tratava de medidas graves: para votações de ostracismo, por exemplo.103
No que se refere às funções deste órgão, vários eram os assuntos colocados para
deliberação pelos cidadãos, a saber: religião, finanças, eleições, preparação militar e
naval, política externa e justiça.
Dentre as funções da assembleia as mais importantes eram destinadas ao
controle da religião. Este assunto estava presente em uma das pautas das reuniões da
pritania. No geral, a maior parte das decisões dos ritos e as formas de sacrifícios
ficavam a cargo dos arcontes. Assim, revela-se que a assembleia detinha suprema
autoridade e responsabilidade nas matérias referentes à religião pública do Estado;
inclusive, na construção de templos, a implantação de novos cultos, sacrifícios, festivais
entre outros aspectos ligados a tal área. Segundo Chester:
101 ARISTÓTELES Apud MOSSÉ, Claude. Op.cit. p. 158. 102 STARR, Chester G. Op.cit. p. 81. 103 MOSSÉ, Claude. As Instituições Gregas.Edições 70, Lda., Lisboa – Portugal 1985, pp.52-53.
51
As questões financeiras e econômicas, não eram de grande preocupação nas reuniões da
assembleia, pois se esperava que os líderes tivessem conhecimento acerca das receitas e
de suas despesas. Os Estados gregos não intervinham na vida econômica de suas
comunidades, exceto pelo menos em Atenas com relação aos suprimentos marítimos de
grãos, considerados vitais para seus cidadãos. 104
A coleta de tributo era função do conselho, que empregava supervisores e
inspetores para o combate aos sonegadores. Os negócios financeiros eram dirigidos
pelos comitês escolhidos por sorteio e, ao mesmo tempo, supervisionados pelo
conselho. Pois, segundo Chester, “os atenienses estavam longe de confiar uns nos outros
no que se refere ao dinheiro público”.105
Ao fim do mandato, os magistrados eram
investigados pelos “fiscais do Estado” e a cada pritania um comitê do conselho
examinava as contas públicas, como forma de manter a ordem e evitar a corrupção.
Dispôs que os funcionários públicos fossem escolhidos por meio de sorteio e
que a duração de seus cargos fosse por um período de um ano. Por precaução, todos os
funcionários, antes de ocuparem seus cargos, eram investigados pelo conselho no
desempenho se suas funções, além, de não poderem deixar seus cargos antes de serem
apurados e aprovados pelo conselho todos os seus atos políticos. Outros cargos de suma
importância eram aqueles que a assembleia escolhia para funções específicas, ou seja,
especialistas que deveriam ficar responsáveis por determinado assunto como arquitetos,
supervisores, entre outros. Sobre tal especificação diz Platão que:
Como os demais gregos, os atenienses são sábios. Vejo que quando nos reunimos na
assembleia, quando a cidade tem algo a respeito de construções, eles convocam como
conselheiros os construtores, e quando se trata de construção naval, os construtores de
navios, e o mesmo com todas as demais coisas que podem ser ensinadas e aprendidas. E
se alguma outra pessoa que não seja considerada especialista tentar aconselhá-los,
mesmo se for um perfeito cavalheiro, rico e aristocrático, não se recusam a ouvi-lo, mas
fazem troça e vaiam até que o próprio orador se cale e desista ou os guardas, por ordem
dos prítanes, o arrastem para fora ou o retirem. É assim queeles agem no que se refere a
questões técnicas. Mas quando o debate trata do governo geral da cidade, todos se
erguem e os aconselham, sejam eles carpinteiros, ferreiros ou trabalhadores com couro,
comerciantes ou capitães de navios, ricos ou pobres, nobres ou humildes, e ninguém os
repreende como aos outros por tentarem dar sua opinião.106
Tal ideia fez nascer outro princípio de suma importância para os atenienses, a
saber: a isegoria, o direito igual à palavra. Fruto do modelo de governo adotado por
Atenas, a democracia direta ou participava. Sistema que tornava o cidadão agente
104 STARR, Chester G. Op.cit. pp. 67-68. 105STARR, Chester G. Op.cit.pp.68-69. 106PLATÃO Apud STARR, Chester G. Op.cit.p.82-83.
52
principal das decisões sobre o rumo da pólis, um ser ativo, participativo, atuante. Pois, o
poder de comunicação, tendo como escopo a oralidade,
Tornou-se um instrumento de poder e comunicação político por excelência, o meio de
comando e de domínio sobre outrem. A palavra não era mais a forma ritual, a fórmula
justa, mas o debate, a discussão e a argumentação passaram a predominar. A
participação política levava ao exercício da linguagem, do lógos e da busca da verdade
(alétheia). No convívio na agorá, no ginásio, nos pórticos e outros lugares públicos o
ateniense exercia a palavra-debate...107
A palavra será o instrumento primordial no sistema político definido pelos
atenienses, principalmente no domínio do político. Para Vernant, tal princípio era: “a
chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre
outrem.”108
Torna-se uma articulação, uma ferramenta que influi nas relações de poder
entre o produtor e o receptor, gerando regras, conceitos, comportamentos, discursos que
procuram: “darordem [...] mediando às partes com o todo [...] O discurso se explica, fala
de algo que se percebe e se entende como real, como um outro deste real. Ele fala por
uma modalidade de referencial de indicar uma significação para além deste real.109
O atributo da isegoria, a arte da palavra, deve ocorrer no espaço do público, aos
olhos de todos. Deve, a palavra, mostrar-se no:
Debate contraditório, a discussão, a argumentação. Supõe um público ao qual ela se
dirige [...] é essa escolha puramente humana que mede a força de persuasão respectiva
dos dois discursos, assegurando a vitória de um dos oradores sobre seu adversário.
Todas as questões de interesse geral [...] são agora submetidas à arte da oratória e
deverão resolver-se na conclusão de um debate; é preciso, pois, que possam ser
formuladas em discursos, amoldadas às demonstrações antitéticas e às argumentações
opostas. Entre a política e o logos, há assim relação estreita, vínculo recíproco. A arte da
política é essencialmente exercício da linguagem [...] Historicamente, são a retórica e a
sofística que, pela análise empreendem das formas do discurso como instrumento de
vitória nas lutas da assembleia e do tribunal.110
Desta forma, a proeminência no uso da palavra alcança a praça pública (ágora),
o teatro, os cultos, as assembleias; enfim, na esfera do público, no mundo visível –
negando-se, deste modo, o espaço privado, do oikos. É justamente neste primeiro
espaço que irá ocorrer às disputas em torno do poder e da realidade constantemente
107 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 52-53. 108 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. pp. 53-54. 109 PESAVENTO, Sandra. História e História Cultural. B.H: Atlântica, 2003. pp.70-71. 110 VERNANT, Jean Pierre. Op.cit.p.54.
53
modificada e atrela a determinadas particularidades de quem os produz. Este mesmo
processo cria a distinção entre o espaço do público e do privado, pois
As conversas nos lugares públicos ou nas Assembleias marcavam um setor de interesse
comum opondo-se aos assuntos e interesses privados. Esse espaço de domínio público
criava uma cultura baseada em conhecimentos, valores e técnicas de raciocinar comuns.
A palavra-debate criava uma situação igualitária e se inseria no tempo do homem, do
ver e do ouvir. Instrumento de diálogo, este tipo de palavra se fundava essencialmente
sobre o acordo ou desacordo do grupo presente nas diversas falas. Esta palavra-debate
se desdobrava na elaboração da retórica, da filosofia, do direito, da história, de uma
reflexão acerca da linguagem como um instrumento de publicidade, e deu força à
oratória e aos oradores.111
Articulação que ocorre em função do lado socioeconômico, político e cultural;
ou seja, influenciado pelo lugar social de quem os produz. Para Vernant:
Os conhecimentos, os valores, as técnicas mentais são levados à praça pública, sujeitos
à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como garantia do poder, no
recesso de tradições familiares; sua publicação motivará exegeses, interpretações
diversas, oposições, debates apaixonados. Doravante, a discussão, a argumentação, a
polêmica tornaram-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político. [...]
Era a palavra que formava, no quadro da cidade, o instrumento da vida política.112
111 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 53. 112 VERNANT, Jean Pierre. Op. cit.pp.55-56.
54
3. A DEMOCRACIA EM PERIGO
Todas as reformas que ocorreram durante a História grega, em Atenas,
especialmente, serviram para a consolidação do sistema político adotado por ela. Além
disso, fez surgir à ideia da participação política de seus cidadãos, pautada por dois
princípios basilares: a isonomia e a isegoria. Por outro lado, a evolução de tal ideia fez
da polis ateniense uma potência nesta época, com seu auge no governo de Péricles.
Potência esta levada além mar. Ou seja, a todo o mundo grego, com seu projeto
imperialista, iniciado após as Guerras Médicas (entre gregos e persas) e consolidada
durante o comando deste legislador.
3.1.O Imperialismo Ateniense
Este projeto imperialista tem início com as clerúquias, guarnições temporárias
ou permanentes de soldados atenienses instalados nos territórios dos inimigos e que,
recebiam um pedaço de terra, como forma de remuneração pelos serviços prestados em
prol do Estado de Atenas. A partir, do século IV a.C., algumas destas clerúquias
tornaram-se colônias permanentes; possuindo estreitas relações com a metrópole e
formadas, principalmente, pelos tetes e zêugitas, os grupos menos abastados da
sociedade ateniense.
Segundo Claude Mossé, esta “colonização não era apenas ummeio de resolver as
dificuldades sociais, mas fazia parte de um programa global, ao mesmo tempo político e
militar.”113
Junto às clerúquias e aos colonos estavam as guarnições militares que,
geralmente, ficavam nos territórios das cidades coligadas à Atenas. Estes contingentes
recebiam, também, salários diários, conhecidos como soldos, pelos serviços prestados à
polis. O corpo burocrático imperialista era formado por:
Remadores e os soldados a bordo dos navios que durante oito meses do ano, percorriam
o Egeu, tanto para fiscalizar o tráfego marítimo como para receber os tributos atrasados
e policiar os mares; os juízes encarregados de resolver as pendências entre os atenienses
e aliados, desde que estes foram obrigados a defender suas causas diante dos tribunais
113 MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. p.39.
55
atenienses; os inspetores , de toda ordem, que deviam supervisionar a execução das
decisões comuns.114
A conquista e o controle que Atenas exerceu sobre o Mar Egeu permitiu o
abastecimento de grãos, em especial, o trigo; gênero básico da alimentação da
população ateniense. Isto era importante pelo fato do crescimento demográfico e,
também, pela pouca fertilidade do solo desta região. Portanto, “os atenienses tinham
necessidade, sobretudo, de obter matérias-primas, cereais, metais comuns, madeiras
para construção, destinadas ao vigamento dos navios.”115
Por isso, a bandeira do imperialismo ateniense deveria ser feito a todo custo; até
mesmo, com diligências em caráter punitivo às cidades que buscassem impedir tal
projeto. Entre tais medidas, adotadas, como forma de retaliação, além da ocupação por
tropas militares, haviam outras, como: os inspetores (episcopos) com a função de
resolver as questões ligadas a aplicação das regras do tratado de aliança entre as cidades
e, em última instância, a nomeação de um arconte para governar a cidade ocupada pelos
atenienses. Ou seja, uma espécie de intervenção política e administrativa aos “aliados
revoltosos”. Tinham, além do citado acima, a obrigação de adotar os pesos, medidas e
moedas atenienses e obedecer aos ditames legais dos mesmos.
A supressão da autonomia das cidades com as políticas intervencionistas de
Atenas na vida interna destas pólis “aliadas”, subjugadas, seria o termo mais apropriado,
já que estas deviam obediência às regras impostas pelos outros, fez nascer revoltas ou
contestações a este status quo da política imperialista dos atenienses. Pois, estas se viam
não como aliadas, mas como verdadeiras inimigas de Atenas, devido a toda esta política
de intervenção internamente. Exemplos disso são as revoltas em Tasos, Eubeia e Samos.
Tais intervenções, mascaradas, muitas vezes, de aliança tinham o intuito de
integrar obrigatoriamente estas pólis ao sistema e vontades atenienses e, era segundo
Finley:
A integração era obrigatória e proibida à secessão; os membros pagavam em dinheiro
um tributo anual fixo, que Atenas recolhia e gastava como entendia; estes proventos
imperiais permitiam a Atenas conduzir uma política externa complexa que, só ela,
determinava; e, cada vez mais, os Atenienses se intrometiam nos assuntos internos dos
estados-membros, em especial para apoiar e dar força aos elementos democráticos
contra os opositores oligárquicos.116
114 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p. 40. 115 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p. 41. 116 FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos.p.58.
56
3.2. A Guerra do Peloponeso e a Derrota de Atenas
Todos estes fatos citados anteriormente, no que tange, ao expansionismo
ateniense, não eram vistos com bons olhos pelos espartanos, em seguida às Guerras
Médicas; sempre fazendo frente a tais planos imperialista de forma indireta, apoiando as
cidades que estavam subjugadas a Atenas.
A guerra teve início em um conflito deflagrado entre atenienses e coríntios duas
colônias distintas, Corcira e Potidéia. A primeira era colônia de Corinto, porém brigava
pela sua independência e:
Quando eclodiu o conflito entre Potidéia, pela posse comum de Epidamno, os corcireus
solicitaram auxílio ateniense Potidéia também era colônia coríntia localizada ao norte
do Egeu, na Calcídica. Ao contrário de Corcira, esta conservara estreitos laços com
Corinto.117
Desta forma, o conflito entre Corcira e Potidéia fez eclodir a rivalidade entre
atenienses e a pólis de Corinto, membro da Liga do Peloponeso, controlada por Esparta.
Este fato gerou a intervenção dos espartanos para socorrer os aliados da liga contra
possíveis ataques dos inimigos (neste caso, Atenas), já que a ajuda mútua aos membros
era cláusula essencial no regimento interno da liga.
No entanto, a solicitação dos coríntios aos espartanos não foram atendidas de
imediato, gerando um pequeno choque entre as duas pólis aliadas. Utilizando-se do
relato de Tucídides, os coríntios afirmavam que todos estes problemas que estavam
acontecendo na Grécia, devia-se exclusivamente a passividade dos mesmos frente ao
projeto imperialista dos atenienses. Assim, pronunciaram-se os coríntios sobre a
passividade dos espartanos e a ideia de culpa jogada a estes pelo expansionismo de
Atenas e o fortalecimento do seu poder:
Sóis vós os responsáveis por essa situação, porque fostes vós que deixastes que
fortificassem a cidade depois da Guerra Médicas e que, posteriormente, permitistes que
erguessem Longos Muros. Também fostes vós que privastes da liberdade não apenas os
Estados que subjugastes, mas, igualmente, vossos próprios aliados. Em verdade, há que
se considerar como verdadeiros responsáveis, não os que impõem a escravidão a
outrem, mas aqueles que, podendo coibir a desdita, descuram de fazê-lo, sobretudo se
procuram atribuir-se o mérito de serem libertadores da Grécia.118
117 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p. 45. 118TUCÍDIDES.I. 69.
57
Só depois de muito debate e pedidos de Corinto para Esparta, é que esta buscou
manifestar-se a favor da primeira, mandando a Atenas embaixadas para que “os
atenienses se cientificassem da resolução dos aliados e para lhes manifestar seu
ressentimento.”119
Estes ultimatos tinham como intuito, no primeiro momento, tentar
derrubar Péricles, jogando-o contra a população e remexendo antigos atos, visto por
seus adversários, como improbidade, durante o seu governo.
Tal medida não surtiu o efeito desejado. Assim, foi feita uma nova excursão, na
qual os atenienses, pressionados pelos lacedemônios, deviam imediatamente tomar as
devidas providências para “levantar o cerco a Potidéia, conceder independência a Egina
e, sobretudo, ab-rogar o decreto, recentemente editado, contra os megarenses.”120
Em face de tais intimações feitas pelos espartanos aos atenienses, em caráter de
urgência, e das proposições expressas neles, em especial, para que estes últimos
concedessem independência às cidades gregas, os cidadãos de Atenas dividiram-se: de
um lado, os que acreditavam que a guerra era a única solução possível para a resolução
destes conflitos e, também, para a consolidação dos projetos imperialistas; do outro
lado, os que tinham em mente que as resoluções amistosas para tais impasses seriam as
mais adequadas e justas, evitando, deste modo, uma possível guerra entre duas grandes
potências e, uma possível catástrofe no mundo grego.
A nova situação gerada por estes acontecimentos fizeram com que Péricles se
pronunciasse perante seus cidadãos e apoiando aqueles que viam na guerra a solução
para tudo, inclusive garantir a supremacia desta polis frente às outras. Falava a todos
que os atenienses não deveriam se intimidar com estes ultimatos dos espartanos e, sim,
deveriam seguir em frente com seus planos expansionistas. Segundo, Mossé:
Péricles desenvolvia as razões que tinham os atenienses para rejeitar o ultimato de seus
adversários, alegando má-fé destes e, por outro lado, demonstrando a superioridade
evidente de Atenas, em caso de guerra, sobretudo se se adotasse a tática que
preconizava: conduzir a guerra no mar e renunciar a defender o território da Ática,
conservando apenas a cidade e o porto.121
Estava dada, portanto, a largadapara a guerra propriamente dita entre estas duas
cidades: de um lado, Atenas, defensora do ideal democrático e, do outro, Esparta,
defensores da oligarquia.Conflito este que perduraria por vários anos e levaria Atenas
119 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.46. 120 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p.47. 121 MOSSÉ, Claude. Op.cit. p.47.
58
àruína. Péricles afirmava assim, segundo Tucídides, que os atenienses deveriam fazer
jus à guerra, pois:
Quanto mais a empreendermos por iniciativa própria, menos seremos arruinados por
nossos adversários. Não esqueçamos: para as cidades, como para os indivíduos, os
maiores perigos permitem alcançar a mais alta glória. Foi assim que nossos
antepassados, que não dispunham de nosso poderio para suportar o embate dos medas, e
que chegaram mesmo a abandonar o pouco que tinham, repeliram os bárbaros, menos
por sua boa estrela que por sua inteligência, menos pela pujança do que pela audácia, e
desenvolveram o Império até o ponto em que o vedes. Não lhes sejamos inferiores.
Repilamos o inimigo com todas as nossas forças e esforcemo-nos por legar, a nossos
descendentes, uma grandeza não menor que a que recebemos.122
Na História, estesconflitos iniciais ficaram conhecidos como a primeira fase da
Guerra do Peloponeso, de 431 – 421 a.C. Os beligerantes, por este período, fizeram
incursões que tinham o intuito de devastar o território do inimigo, porém, sem o êxito
esperado por ambos.
Esparta invadiu o espaço da Ática junto com seus aliados fazendo diversos
ataques no sentido de quebrar a mobilidade e tirar proveito da situação com a
devastação de plantações, estradas, entre outras fontes essenciais para manutenção da
cidade e também do exército.
Péricles, avaliando a superioridade do exército de Esparta e, possivelmente, uma
derrota em terra, convenceu os atenienses a se refugiarem dentro das longas muralhas
que ligavam Atenas a seu porto, o Pireu. Evitando, portanto, uma batalha terrestre
contra seus adversários. Buscou, deste modo, preconizar a tática mais adequada para si,
a saber: confiar todo o seu poderio no mar. Então, Atenas confiava em sua frota de
marítima detrirremes para invadir o Peloponeso e proteger seu império e suas rotas
comerciais.
A tática priorizada por Péricles acabou por gerar um grande êxodo interno da
população de Atenas. Tucídides descreve bem tal situação, dizendo que:
Os atenienses transportaram do campo para a cidade mulheres, crianças e todos os
objetos mobiliários. Chegaram mesmo a levar o madeiramento das casas. Passaram com
seus rebanhos e alimárias pela Eubéia e ilhas vizinhas... Uma vez na cidade, apenas um
pequeno número conseguiu abrigo ou refúgio nas casas de amigos ou parentes. A maior
parte acampou nos arredores desabitados, em todos os templos e santuários dos heróis –
com exceção da Acrópole – ocupou o Eleusinion e os locais rigorosamente fechados...
122 TUCÍDIDESApudMOSSÉ, Claude. Op.cit. pp. 47-48.
59
Muitos se instalaram nas torres das fortalezas. Em suma, cada um houve-se como
pôde.123
Parecia que tudo estava caminhando para dar certo, nesta estratégia escolhida
pelo legislador, mas, algo surpreendeu os atenienses, a peste. Esta epidemia dizimou um
quarto da população ateniense. A situação se agravou mais com o fluxo de pessoas de
um lado para o outro e, principalmente, do contato entre as pessoas em bom estado de
saúde e as doentes, o que serviu para a disseminação de tal mal. Se expressa Tucídides
da seguinte maneira:
Morriam, quer por falta de cuidados, quer a despeito do tratamento que se lhes
prodigalizava. Nenhum remédio, por assim dizer, mostrou-se de eficácia generalizada;
aquilo que a uns trazia alívio a outros era prejudicial. Nenhuma constituição, robusta ou
fraca, resistiu ao mal. Todos se finavam indistintamente, qualquer que fosse o regime
seguido. O mais terrível era o desânimo que tomava conta de cada um aos primeiros
ataques; os enfermos perdiam imediatamente toda a esperança e, ao invés, de resistir,
abandonavam-se inteiramente. Ao cuidarem uns dos outros contaminavam-se
mutuamente e morriam aos magotes.124
Toda esta situação gerou alguns agravantes na cidade, pois a guerra continuava e
nenhum resultado decisivo ainda tinha sido alcançado pelos atenienses, gerando a
contestação de quase todos contra os resultados não satisfatórios frente a Péricles. Este
viu seu prestígio diminuir e foi até condenado a pagar uma multa. Os valores morais
começaram a denegrirem-se com toda a situação imposta na conjuntura da guerra sem
os objetivos alcançados e a peste que desolava na cidade.As pessoas já não ligavam para
manterem-se obedientes aos costumes morais que geravam a harmonia social interna. E
tal fato, deu-se, em especial, com a morte de Péricles e as constantes disputas internas
pelo poder.
Outra situação desagradável para os atenienses foi à notícia da deserção de
alguns dos seus aliados, pois, geralmente, passavam para o lado oposto ou, então,
ficavam neutros. Claude Mossé diz que:
Os aliados de Atenas começavam a desertar: este foi o caso, em particular, da ilha de
Lesbos, que até então, tinha-se mantido como um aliado privilegiado de Atenas, uma
vez que, como a gente de Quios e Samos, os lesbianos combatiam ao lado dos
123 TUCÍDIDES. II. 14, 17. 124 TUCÍDIDES. II. 51.
60
atenienses com suas próprias forças. Os lesbianos solicitaram ajuda dos espartanos,
mostrando-lhes toda a vantagem que lhes adviria de uma intervenção em seu favor.125
3.2.1. A Expedição à Sicília e o desastre total de Atenas.
Findava-se, portanto, a primeira fase da guerra com um armistício de paz entre
os dois polos beligerantes Atenas e Esparta. Este tratado teve o intuito de cessar os
combates diretos entre ambas e durou em torno de seis anos e dez meses, segundo
Mossé.
A paz deixava de reinar e os atenienses decidiram organizar uma expedição à
Sicília; objetivo latente de Atenas desde o início da Guerra do Peloponeso. Esta ilha
fazia parte da Liga do Peloponeso e tinha como principal cidade Siracusa, colônia de
Corinto, que era inimigo mortal dos atenienses. Desta forma, Alcibíades tratou de
organizar uma incursão sobre tal área, com o pretexto de conquistá-la dos espartanos.
É, justamente, este fato que vai gerar um dos maiores debates acerca desta
expedição à Sicília, entre dois grandes membros da política de Atenas, Alcibíades e
Nícias. O primeiro era defensor ferrenho do empreendimento, qual seja: a expedição ao
território siciliano. O último, contrário.Tentou demonstrar que tal incursão era perigosa
para os atenienses e que estes não teriam grandes lucros com tal expedição, além, de
incitar novamente as hostilidades com Esparta, o que traria, novamente, um confronto
direto com a mesma.
Alcibíades liderou este movimento de oposição aos espartanos, extensível,
também, para todos os aliados de Esparta. Defendia a ideia de que a única solução para
a manutenção do sistema democrático da cidade e da crise que esta passava
internamente era a conquista e vitória sobre a Liga do Peloponeso e,
concomitantemente, do seu maior adversário, os espartanos. Expressava-se tal político
da seguinte forma:
Digamos que a melhor maneira de aumentar nosso poderio é ir combater naquele lugar.
Façamos essa expedição para abater o orgulho dos peloponésios – resultado que
obteremos se, ao navegarmos em direção à Sicília, tivermos o ar de quem desdenhaa
tranquilidade, de que atualmente desfrutamos. Das duas uma: ou aumentaremos ali o
nosso poderio e, naturalmente, ficaremos à testa da Grécia inteira; ou, no mínimo,
causaremos dano aos siracusanos, e nós mesmos, bem como nossos aliados, não
deixaremos de tirar vantagem disso.126
125 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.55. 126TUCÍDIDES.VI. 18.
61
Posteriormente, a este discurso toda a população ensandecida com a motivação
dada por Alcibíades decidiu seguir com o objetivo de conquistar a Sicília. Assim, a
expedição foi organizada e partiu em 415 a.C., mas, está, também, viria a ser “uma das
maiores catástrofes da história de Atenas”127
e que a levou a quase submissão total.
Após a invasão ao território siciliano, o que se viu foi o exército ateniense ser
destruído pelas forças do Peloponeso, já que Esparta dava total apoio à Sicília, com a
destruição da maior parte da sua frota de navios, a matança e tortura dos seus soldados,
a falta de mantimentos.Enfim, um verdadeiro massacre. Tucídides narra tal
acontecimento de forma magistral, afirmando que:
No conjunto, era terrível a situação dos atenienses. Tinham perdido as belas esperanças
e, em seu lugar, para eles e para a cidade, não havia senão perigos. Além do mais, o
campo que se abandonava apresentava, aos olhos e ao espírito, um espetáculo de
aflição. Os mortos continuavam sem sepultura e, à vista do cadáver de um de seus
amigos, o soldado experimentava uma angústia misturada ao temor. Os vivos, que se
abandonavam feridos ou doentes, suscitavam ainda mais aflição e comiseração que os
mortos. Suas súplicas e gemidos infundiam desespero no exército. Quando percebiam
um companheiro ou um parente próximo, com grandes gritos imploravam e suplicavam
que os levassem. Agarravam-se a seus companheiros de tenda no momento em que estes
começavam a caminhar. Acompanhavam-nos até não mais poder e, quando a vontade
ou as forças traíam-nos, paravam invocando os deuses e soluçando. Sabe-se como a
retirada acabou num desastre perto do rio Asinaros. Grande número de atenienses foi
massacrado, e aqueles que tinham sido aprisionados foram encerrados em pedreiras a
descoberto, chamadas “latomias”. Enclausurados, em massa, no fundo daquela estreita
escavação, sem abrigo, sofreram enormemente o calor do sol e a falta de ar. Depois, as
noites frias de outono determinaram uma mudança de temperatura que provocou
doenças. Tinham que satisfazer a todas as necessidades vitais naquele pequeno espaço.
Os cadáveres acumulavam-se, uns tendo sucumbido aos ferimentos, outras às mudanças
de temperatura ou a algum acidente. O mal cheiro era insuportável. Padeciam tanto de
fome como de sede.128
Para Atenas tal incursão foi um tremendo desastre, como explicitou Tucídides,
ocasionando vários movimentos de contestação face ao status quo desta pólis,
principalmente, com a invasão da Ática e a instalação definitiva do inimigo em solos
atenienses; a devastação dos campos; as levas de saques; a difusão do “terrorismo” à
população com matanças e perseguições; a deserção dos soldados; as revoltas e fugas
dos escravos, a fome, entre outros. Tudo isto causou imenso prejuízo à comunidade
políade, gerando duas grandes reações: a destruição do regime democrático e a
instalação da oligarquia (tema que será abordado posteriormente) e, uma medida
127 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p.62. 128 TUCÍDIDES. VII. 87.
62
emergencial e desesperadora, “era preciso tentar, a todo custo, forçar a decisão no mar,
destinar todos os recursos da cidade à construção de uma frota.”129
Este último
acontecimento fez Atenas lançar-se em combate no Egeu, já que os espartanos
buscavam “aliciar” os aliados daqueles para seu lado, como forma de isolar os
atenienses cada vez mais.
A guerra prosseguia no Egeu e, a cada investida de Esparta, Atenas ficava mais
encurralada e abalada, sem saber o que fazer, tendo de recorrer a medidas extremas para
poder bancar as despesas com a guerra, entre elas: a construção de novos navios e como
fazer para pagar os “salários” dos remadores das frotas e, em certa medida, fazendo
constantes guerras de conquistas para tentar garantir seu sustento, algo que não teve o
êxito esperado.
O encontro final da Guerra do Peloponeso ocorreu em Egos Potamos, no
Helesponto, na qual a esquadra ateniense foi quase totalmente destruída. A situação era
insustentável, pois Atenas já não sabia mais o que fazer e como fazer, a não ser aceitar
os termos da sua rendição. Solução esta tomada, mesmo que a maioria da população não
aceitasse como a mais viável, pois acreditavam em outras medidas menos trágicas.
Para a concessão da paz entre Esparta e Atenas, esta exigia dos últimos as
seguintes condições: entrega de toda a frota naval, exceto doze navios; aceitação do
retorno dos exilados; destruição dos Longos Muros e do Pireu; que os atenienses fossem
cientes de que teriam os mesmos amigos e inimigos dos espartanos e que deveriam
prestar auxilio a este sempre que houvesse necessidade.
Assim, termina um dos maiores conflitos da história grega, que não só significou um
golpe para Atenas, mas para todo o mundo grego. Finley conclui que:
A guerra terminou em 404, e a condição mais importante que os Espartanos vitoriosos
puseram, foi a dissolução do Império. Por conseguinte, a guerra foi uma catástrofe não
apenas para Atenas, como para toda a Grécia: desfez a única via possível para uma certa
unificação política, embora, reconhecidamente, uma unidade imposta aos outros por
uma cidade ambiciosa. Esparta conduzia a guerra sob o lema de restituir às cidades
gregas a sua liberdade e autonomia, mas, na realidade, acabou por, primeiramente,
devolver os Gregos da Ásia Menor à soberania da Pérsia (como pagamento do ouro
persa de que tinha necessidade para ganhar a guerra); depois, tentando estabelecer um
império próprio, com o pagamento de tributo, com governadores militares e guarnições,
sobre o cadáver do Império Ateniense. 130
129 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 64. 130 FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos.p.60.
63
A situação do pós-guerra fez como que a situação dos atenienses fosse de sérios
problemas, principalmente no âmbito interno; mesmo com a restauração da democracia.
Entre os fatores temos: a própria crise econômica que já vinha se arrastando desde a
guerra contra os persas; as constantes revoltas internas da população, em especial dos
camponeses; a crise do exército ateniense e a formação de um exército formando
efetivamente por mercenários e um desejo latente de parte da população em garantir a
paz, já que viam na guerra um grande mal.
Destes problemas, o maior e mais grave, que podemos considerar, era o medo de
revolta dos camponeses que poderia ocasionar uma guerra civil. Muitos deles, em
especial, àqueles que viviam do rendimento das suas terras, puderam voltar para elas,
evitando, deste modo, uma crise de subsistência maior do que já estava e, também, sanar
ou diminuir a ociosidade dos mesmos. Mas, se a situação era avassaladora para os
camponeses, por outro lado, para os habitantes da cidade, a situação não deixava de ser
igual. Pois, viam-se abalados pela crise, sobretudo com a desestruturação do império
ateniense, responsável pela manutenção e equilíbrio interno da pólis. Assim, com a
desagregação do Império marítimo de Atenas,
Desapareciam os soldos e os salários que faziam viver, mais ou menos bem, a um
grande número de atenienses. Além disso, a guerra provocara uma franca diminuição
das atividades artesanais: os arsenais estavam fechados, os estaleiros navais também, as
minas eram exploradas esporadicamente, e a perda de 20.000 escravos artesãos, quando
da ocupação de Deceléia, ainda agravara mais a situação. Garantir o pão cotidiano
constituía preocupação constante, o que explica, tanto quanto a derrota, o crescente
desinteresse pelas assembleias, cujas reuniões, por demais frequentes e ineficazes,
acabavam por cansar.131
3.3.As Revoluções Oligárquicas e a Derrocada de Atenas
Como vimos acima, toda a situação de crise vivida por Atenas, tanto externa
quanto internamente, por causa da guerra que dividiu a sociedade em dois grupos, os
que eram contra tal coisa e aqueles que a viam como uma grande solução para todos os
problemas, senão definitivamente, pelo menos, em curto prazo. Esta situação fez
“nascer”, por parte dos grandes aristocratas e que eram contra o sistema democrático e
viam, nestas circunstâncias, o momento propício para a derrubada de tal regime e
implantação de um novo, a oligarquia.
131 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 86.
64
O momento era este. Aproveitando-se da fragilidade de Atenas neste conflito
com os persas, em especial, pelos resultados não satisfatórios e, tendo como “inimigo”
interno, os que eram contra tal empreendimento da guerra ateniense, os adeptos do
sistema oligárquico tentaram pegar apoio desta massa contrária a política desenvolvida
pela pólis de Atenas e pediram apoio para Esparta para a instauração deste novo projeto
político que seria dado a esta cidade. Desta forma,
Na medida em que a guerra era a consequência da hegemonia que Atenas pretendia
exercer sobre o mundo grego, e que esta hegemonia era desejada pelo povo e necessária
ao bom funcionamento da democracia, é de se conceber que alguns, cansados da guerra,
tenham projetado uma modificação constitucional que tiraria a soberania do povo e
anularia a influência dos oradores. Aqueles podiam ser facilmente persuadidos por um
pequeno grupo de resolutos adversários da democracia, cuja atividade e influência não
fizera senão crescer, desde o começo da guerra.132
No entanto, este processo não era tão simples como se poderia imaginar,
derrubar o sistema democrático que a tempo já havia se consolidado formando laços
fortes no seio dos cidadãos que prezavam por seus direitos de participação direta no
bem da comunidade, do direito a liberdade, do direito igual à palavra (isegoria) e da
igualdade perante a lei (isonomia). Todos estes atributos típicos de um sistema político
forte que seria difícil ser substituído pelos idealistas da oligarquia, em especial, pela
restrição de participação política na pólis. Assim, o modo mais certo para os oligarcas
era “tentar conquistar, para sua causa, aqueles a quem os sucessivos fracassos de Atenas
exasperavam e, em particular, o conjunto de pequenos e médios proprietários arruinados
pela guerra.”133
Este movimento “revolucionário”, ao que tudo indica, foi organizado por
Alcibíades, que havia sido convocado, em 415, para ser interrogado e julgado sobre a
suposta participação na destruição dos monumentos de Hermes. Sabendo que poderia
ser condenado pela assembleia, fugiu para Esparta e ficou sob os cuidados do rei Ágis.
Segundo consta, este foi incitado e aconselhado por Alcibíades para fazer uma
expedição contra os atenienses, conquistando Decélia. Mas, este se tornou amante da
esposa do rei e foi expulso da cidade e buscou refugio em território persa. Em terras dos
antigos inimigos dos atenienses, desejando retornar a tal pólis, começou a traçar seus
planos que tinham o intuito de:
132 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 64. 133 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 65.
65
Afastar Tissafernes da aliança espartana sem, no entanto, reaproximá-lo de uma Atenas
dominada pelos democratas exaltados – e, por outro lado, deixara transparecer aos
atenienses a possibilidade de uma ajuda sátrapa, mas sob a condição de que
estabelecessem um governo oligárquico.134
Desta forma, Alcibíades ao estabelecer tal condição, encontrou alguns aliados,
entre eles, Pisandro, que conseguiu o apoio do povo para que este pedido fosse aceito,
mesmo que provisoriamente: a implantação da oligarquia em Atenas.
Com tal medida, decidiu-se enviar para Atenas uma comissão para negociações,
mas não deu certo. Então, Pisandro acompanhado dos delegados decidiram agir por
conta própria e com o objetivo de, no primeiro momento, derrubar a democracia em
Samos e nas outras cidades aliadas aos atenienses e, posteriormente, tomar Atenas e
implantar a sistema oligárquico.
Neste momento, decidiu-se convocar uma Assembleia extraordinária, em
Colone, e a esta se submeteu:
Um projeto que estabelecia, de fato, uma nova constituição. Os misthoieram abolidos, as
condições de acesso Às magistraturas modificadas, uma Boulé de 400 membros,
designados por cooptação, substituiria a dos Quinhentos – cujos membros eram
escolhidos por sorteio. Por fim, posteriormente, os Quatrocentos redigiriam o catálogo
dos cinco mil cidadãos aos quais seria reservada a plenitude dos direitos políticos. [...]
O projeto de decreto foi adotado. Restava dissolver os Quinhentos. A empresa
desenrolou-se sem dificuldades, tendo sido cuidadosamente preparada pelos conjurados.
E os membros da Boulé, a quem se deu a indenização a que tinha direito, até o final de
suas funções ( faltavam ainda quatro meses), dispersaram-se sem protestar.135
Incialmente, o projeto de ataque contra o sistema democrático ateniense teve
total êxito. Não tardaria, portanto, para que o novo regime começasse a dar os primeiros
sinais de fraqueza, tendo como escopo a organização da lista contendo o nome dos
cinco mil cidadãos e, principalmente, a ameaça das tropas dos peloponésios marchando
para Salamina. Este incidente fez com que, às pressas, se organizasse uma frota
improvisada para combater neste local. Resultado: um desastre total para os atenienses.
Desastre este que serviu como para a queda do regime oligárquico.
Em Samos, dois generais, Trasíbulo e Trásilo, derrubaram e executaram os
defensores e aqueles que estavam à frente do movimento contestatório e restaurando,
desta forma a democracia. Já na pólis ateniense, convocou-se uma Assembleia a qual
deu fim ao poder dos Quatrocentos, devolveram o poder aos cidadãos, instauraram uma
134 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 65. 135 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 66.
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assembleia constituinte para a elaboração de uma nova constituição, entre outras
atividades de cunho administrativo.
Em 404, não viria a tardar uma nova tentativa pra derrubar o regime
democrático; objetivo maior de todos os que eram contra tal sistema, em especial, os
“extremistas” oligárquicos. Ao contrário do golpe de 411, este aprecia estar bem mais
arquitetado e a própria conjuntura interna e externa, em Atenas, dava sinais que
poderiam favorecer tal empreendimento e ainda viam-se apoiados pelos espartanos.
Mais, uma vez, procedimentos foram adotados como a convocação de uma nova
assembleia constituinte para que se pudesse elaborar uma nova constituição, trabalho
que foi feito por trinta pessoas, os quais ficaram conhecidos como os Trinta. Duas
foram às medidas tomadas, a saber: por um lado, substituiçãodo conselho anterior por
um novo, formando por pessoas partidárias dos ideais oligárquicos; por outro lado,
implantaram um regime de terror. Esta última medida consistia em prisões arbitrárias e
constantes assassinatos dos líderes democráticos. Ou seja, era aplicada a todos os que
eram considerados inimigos da oligarquia.
Também, foi aplicada dentro do próprio grupo dos Trinta, tendo como exemplo
clássico, a disputa entre Terâmenes e Crítias. O primeiro era um moderado e fazia frente
contra a política do terror feita pelos mais exaltados, considerando-a como injustas e
ilegais. Crítias, por outro lado, acusava-o de traidor por ir contra o que era feito pelos
Trinta.
Diante de tal situação, ambos foram chamados pelo Conselho para prestarem
esclarecimentos e travaram um grande debate cheio de acusações para ambos os lados.
Antes que este debate pudesse, de certa forma, condenar Crítias por tais abusos de poder
na sua administração, este se utilizando da violência, mandou prender Terâmenes
declarando-o culpado por traição interna e o condenou a morte. O que para ele
garantiria a sustentação do sistema implantado.
Passado este acontecimento interno, o grupo dos Trinta continuavam suas ações
de terror. Além do mais, criaram uma lista que diminuíam em duas mil pessoas para o
exercício da cidadania, ficando em três mil, os agraciados com tal direito. Além disso,
impediram que todos os que não constavam nesta lista seriam impedidos de entrar na
cidade, obrigando-os ao exílio em outras cidades, que serviram de reduto para os
democratas, principalmente Tebas e Mégara.
Tebas era a principal pólis de reduto aos partidários da democracia e, também,
dos exilados políticos pelo regime dos Trinta. Foi lá que Trasíbulo lançou sua investida
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para reconquistar a Ática, ocupando a fortaleza de File. Este episódio foi de suma
importância para que:
Renascesse a esperança dos democratas. Bem depressa o número de seus partidários
elevou-se para 700 e, depois de uma investida feliz, que lhes permitiu lançar a desordem
no exército dos Trinta, conseguiu-se apoderar-se do Pireu, em seguida à batalha, que se
travou perto da fortaleza de Muníquia. A tomada do Pireu tinha sua importância. De
fato, era ali que se tinham refugiado toso os que não faziam parte dos Três Mil e que,
por isso, estavam dispostos a se juntar a Trasíbulo. Também era no Pireu que viviam os
metecos ricos que tinham escapado às proscrições dos Trinta e podiam ajudar
materialmente os democratas. Enfim, ali estava o coração do poderio ateniense. Eis a
razão pela qual alguns, dentre os habitantes da cidade, começaram a desejar afastar-se
dos Trinta e preparar os elementos para uma futura reaproximação com os democratas.
Acabaram por convencer os outros e proclamar a destituição dos Trinta e, em seu lugar,
a eleição de dez magistrados encarregados de governar a cidade.136
A partir daí, os democratas exilados organizaram-se para marcharem do Pireu à
Atenas no intuito de restaurar o poder e o antigo sistema político, a democracia.
Convocou-se uma nova assembleia constituinte para fazer os procedimentos formais e
ratificar a implantação do antigo poder. Deste modo, deu-se por encerrado o desejo dos
opositores da democracia de suplantá-la e instalar outro sistema político que lhes
favorecessem.
A derrocada final dos gregos veio ser efetivada com a invasão dos macedônios,
primeiramente com Filipe e, em seguida, como seu filho, Alexandre. A Macedônia era
uma região que ficava exterior ao território da Hélade, mas cujas relações com os
gregos, em especial, com Atenas, era pacífica, em seus primórdios. Os reis macedônios,
por causa desta relação amistosa e muito próxima, viam-se como descendentes de tal
povo. Só que, devido a sua fraqueza, os macedônios serviam como um polo do projeto
imperialista dos atenienses. Portanto, era a relação desenvolvida entre ambos era de
dominação de uma sobre o outro; neste caso, dos atenienses sobre a Macedônia.
Só que, em 359 a.C., com o surgimento de um novo príncipe, Filipe, o Rei da
Macedônia, as coisas começam a mudar de lado. Este tinha em mente sair do status quo
vivido por tal sociedade, de dominados, e construir um império que se expandisse pelo
Egeu, mesmo que para isto, fosse necessário travar guerra com seu antigo “aliado”, os
atenienses. Então, buscou fortalecer o poder monárquico dos reis e aproveitando os
antagonismos existentes entre as cidades gregas e, desta forma, relacionando-se com
aquelas que eram contra Atenas.
136 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 80.
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Utilizando-se de sua capacidade política buscou, deste modo, interferir na
guerra entre tebanos e fócios, apoiando os primeiros, luta travada por estes pelo controle
do santuário de Delfos. Estas alianças com algumas das cidades da Grécia, em especial,
os alguns adversários dos atenienses, estes últimos viam com maus olhos tal intervenção
dos macedônios em seus domínios. Assim, “em poucos anos, tornou-se senhor das
costas setentrionais do Egeu.”137
Em 339/338 a.C. na Beócia travou-se o combate entre atenienses e macedônios,
saindo os primeiros totalmente derrotados na batalha de Queronéia. Depois de
conquistar tal vitória, Filipe, instalou uma guarnição em Cadméia, fortaleza de Tebas.
Os atenienses temendo esta ameaça, que eram os macedônios, principalmente
com os boatos de invasão da sua cidade, decidiram se mobilizar para evitar tal risco e,
desta forma, conduziram:
Toda a população para o interior das muralhas e organizar a defesa. A Boulè, em armas,
manteve-se em sessão permanente e tomou uma série de medidas de “salvação pública”:
mobilização dos homens de 50 a 60 anos, a fim de garantir a guarda das muralhas,
proibição a todo ateniense de sair da cidade, convocação dos banidos e reintegração dos
direitos cívicos daqueles que tinham sido privados. Finalmente, o orador Hiperides
propôs que a cidadania fosse concedida aos metecos e a liberdade aos escravos que
recebessem armas para defender a cidade.138
Apesar destas medidas de precaução tomada pelos atenienses, à ameaça de
guerra dentro da pólis de Atenas foi descartada, pois um orador desta cidade, Dêmades,
conseguiu um acordo de paz com Filipe, que aceitou que os atenienses tivessem
garantida sua autonomia interna e que a mesma não fosse ocupada com tropas
estrangeiras. No entanto,
Atenas teve que aceitar a perda de Quersoneso, a dissolução da Confederação, e foi
obrigada a aderir à liga constituída em torno de Filipe, em Corinto. Concretamente, isso
significava que teriam que contribuir para a expedição que Filipe, transformado em
hegemon dos helenos, preparava contra o inimigo hereditário, o grande rei persa.139
137 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 101. 138 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 106. 139 MOSSÉ, Claude. Op. cit. p. 107
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do texto, verificamos que a ideia de cidadania, na Antiguidade e, em
especial, na Atenas do período Clássico, era um conceito formado por vários requisitos
que vinculavam e definia quem exerceria tal direito, a saber: ser do sexo masculino, ter
idade mínima de dezoito anos, ser filho de pai e mãe atenienses livres de nascença, ser
livre das atividades laborais – geralmente, para os mais abastados, exercer as funções
administrativas, participar das reuniões e deliberações da assembleia, se preocupar com
o bem comum da pólis, ser responsável por defender a cidade e, portanto, de fazer parte
do exercito, ir para guerra, já que este era um atributo do cidadão. Além disso, todas as
virtudes que eram exigidas do mesmo, em sua acepção ideal, de certa forma, eram
cobradas na vida cotidiana destes.
Percebemos que este benefício era restrito, sendo concedido somente para
algumas pessoas, neste caso, os homens, filhos de outros cidadãos e que obedecessem a
todos os requisitos acima citados. Salvo, nos momentos de extrema necessidade, este
atributo poderia ser expandido aos outros, tais como: os filhos bastardos, pertencentes
apenas a um dos pais, aos metecos ricos ou, raramente, aos pobres e, por fim, aos
escravos – neste último, apesar desta concessão ser feita era dado a eles pequenas
armas.
A obediência a todos estes requisitos vinculantes, na definição do que seria um
cidadão, criava a ideia de um ser virtuoso e ideal que serviria de exemplo aos outros e,
ao mesmo tempo, distinguia este grupo restrito dos outros habitantes da pólis. Criava-se,
deste modo, uma superioridade de um grupo minoritário, que estava no comando das
decisões políticas, frente aos outros – ou seja, os que não detinham o direito de ser
cidadão. Mesmo com tais diferenças e restrições a este direito, os cidadãos atenienses e
necessitavam dos outros grupos que compunham a comunidade política.
Em suma, a pólis junto com seus habitantes devia formar um todo harmonioso,
que garantiria o equilíbrio interno, para a valorização e difusão das virtudes de um bom
cidadão e, concomitantemente, de uma boa cidade. Evita-se, portanto, a desestruturação
do equilíbrio da mesma.
Este desenvolvimento do sistema democrático e seus valores foram possíveis
mediante a própria “evolução” da história de Atenas, neste caso, com os reformadores
que buscaram transformar o antigo modelo de domínio político dos aristocratas e
criaram as possibilidades para o fortalecimento dos valores ideais de cidadão e o
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desenvolvimento de um novo sistema, a democracia. Ao mesmo tempo, deu-se o
desenvolvimento e a consolidação da Assembleia que representava o centro das
decisões políticas da pólis.Pois, era neste local é que estavam presentes os valores
esperados dos cidadãos, não só idealmente; mas, que fossem praticados na vida diáriade
cada um deles.
Nesta mesma instituição, a democracia ateniense vingou e teve seu auge, no
governo de Péricles, votando tudo que tivesse influencia na comunidade interna e
externamente, criando leis, deliberando sobre guerras, intervenções nos estados que não
fossem seus aliados e, até mesmo, neles; festas religiosas, entre outros. Mas, também,
neste mesmo órgão, deu-se a votação para dois fatores que levariam Atenas ao seu
fracasso: as Guerras Médicas e a Guerra do Peloponeso. Assim, destas duas guerras,
Atenas saía destruída física, política e economicamente, tendo que se reestruturar das
suas ruinas, sob o escopo de lideranças políticas que buscaram tirar proveito da
situação, governando em prol de seus interesses.
Portanto, todos os valores e princípios defendidos pelos atenienses que serviam
de base para a definição do cidadão e da pólis ideal, começam a entrar em desagregação
representando constante perigo da ordem imposta. Isto gerava o desequilíbrio interno
que era visto como uma ameaça à sobrevivência de todo o corpo cívico da cidade
ateniense; já que, ideologicamente, o bem comum devia suplantar os interesses dos
indivíduos. Mas, com esta nova ordem imposta, todos estes valores são colocados em
xeque, no qual os interesses do bem comum passam a esfera secundária, em que
cidadãos não se preocupam mais com a sobrevivência da pólis, no primeiro plano, mas
apenas em suprir os seus interesses particulares. Mudando, assim, o ideal de valorização
do coletivo, de preocupação com os interesses públicos para a esfera do indivíduo, de
valorização dos interesses privados; culminando no processo de desestruturação dos
ideais gregos, neste caso, dos atenienses e, também, de todo o poderio desta civilização,
durante a antiguidade.
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5. REFERÊNCIAS
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