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A EVOLUO DOS MAPAS ATRAVS DA HISTRIASetembro de 2008 Autor: Mario Ruz Morales Subdelegacin del Gobierno de Granada Universidad de Granada Traduo e ampliao: Iran Carlos Stalliviere Corra Museu de Topografia Prof. Laureano Ibrahim Chaffe Departamento de Geodsia Instituto de Geocincias UFRGS Porto Alegre-RS, Brasil

ANTECEDENTES PRE-HISTRICOSAs primeiras manifestaes cartogrficas no podem ser datadas, entretanto certo e inquestionvel sua existncia em tempos pr-histricos, como podem ser observadas em desenhos gravados em cavernas e petroglifos. Nestas gravuras so mais provveis que fossem representados os aspectos relacionados com a subsistncia e a localizao no entorno, mais ou menos imediato, do local em que estes primeiros habitantes se encontravam. Entre os petroglifos mais importantes figuram os descobertos em Bedolina (Capo di Ponte. Itlia), por Raffaelo Battaglia, que os deu a conhecer, em Londres, durante uma conferncia de arqueologia, ocorrida no ano de 1962; alguns estudos defendem que estas gravuras, se tratam de imagens dos terrenos cultivados, em um vale, na Idade do Bronze. No obstante, importante salientar que tambm esto documentadas as provas de que surgiram, ao mesmo tempo, desenhos mais transcendentes do tipo astronmico, incluindo as imagens da Lua, do Sol, de estrelas isoladas e de constelaes.

Plano com a composio dos petroglifos de Bedolina (Valcamonica). As dimenses do original so 2,30 x 4,16m.

Os registros histricos, propriamente ditos, formaram-se em pocas remotas, o mais antigo, de que se tem notcia, o do mural de atalHyk, com o qual se inicia a cronologia da Cartografia urbana, desde que foi descoberto, no transcurso de escavaes realizadas no ano de 1963, por J. Mellaart. A imagem tem uma idade de mais de oitenta sculos e nela se pode observar, alm do povoado, um vulco em erupo, mediante seu perfil.

O muro pintado de atal-Hyk (Turqua).

AS TBUAS DA BABILNIA E OS PAPIROS DO EGITO.Na mesma regio, do Oriente mdio, localizam-se outros exemplos remotos de representaes cartogrficas, melhor delineados que o desenho anterior e muito bem conservados, devido ao material argiloso empregado. Dentre todos eles merecem destaque trs casos verdadeiramente singulares: O primeiro deles a planta de um templo, que forma parte da estatua de Gudea (sculo XXI a.C.), e incorpora uma escala grfica; o segundo, desenhado em escala, o clebre plano do povoado de Nippur (1.500 a.C.), o qual mostra as muralhas da cidade, canais, armazns e at um parque; o terceiro exemplo a primeira representao orientada de que se tem notcias, conhecida como o mapa de Nuzi, nele figura uma propriedade rural, com uma superfcie de uns 121 hectares, e o nome de seu proprietrio. Entretanto o mais interessante que, sobre o mesmo, se observa a presena de trs pontos cardeais: Este (na sua parte superior), Norte e Oeste. Pode-se afirmas, por tanto, que na antiga Babilnia j eram conhecidos os elementos bsicos, e tambm imprescindveis, para o estudo da geodsia e da cartografia matemtica. Tambm foi ali onde se construiu o primeiro mapa-mndi conhecido, mesmo tratando-se de uma representao muito esquemtica. O mapa, em argila, data do sculo VI a. C. e apresenta o desenho do mundo como um disco flutuando em um mtico oceano, um mundo praticamente limitado pela cidade de Babilnia, que

simbolizada por um retngulo alargado, e o rio Eufrates que flui desde as montanhas da Armnia.

O mundo babilnico, (o original mede 12,5 x 8 cm). Na mesma poca floresceu a civilizao egpcia, to desenvolvida nas cincias astronmicas e matemticas. Muitos anos depois afirmava Herdoto que ali se inventou geometria. Do mesmo modo confirmado, nas biografias de Pitgoras, que seu conhecimento esteve influenciado pelo que aprendeu no Egito e que foi o Egito quem desenvolveu a Geometria prtica, a qual seria conhecida tambm como Topografia, a partir do sculo IV a.C. A geometria dos egpcios se refletiu, desde tempo imemorveis, em sua agrimensura, certamente desenvolvida ao ponto de poder replantear os detalhes topogrficos desaparecidos pelas cheias do rio Nilo. Ali deviam ser freqentes os trabalhos cadastrais e de explotao mineral, cuja expresso grfica difcil de ser encontrada, devido fragilidade do papiro empregado como suporte da mesma. No obstante, temos alguns excepcionais exemplos bem conservados, que no convm deixas de citar. O mais notvel o conhecido papiro de Turn, ou plano das minas de ouro, do ano de 1.150 a.C. O papiro consta de duas sees, a mais importante delas tem uma altura de 40 cm, figurando desenhado na mesma dois caminhos paralelos, conectados por outro transversal que percorre regies montanhosas de cor roscea. O significado da cor explicado por um texto que classifica as zonas coloridas como as zonas em que se extraia o ouro.

O papiro de Turn, ou plano das minas de ouro localizadas na Nbia. Outro exemplo digno de se mencionar o papiro atribudo a Artemidoro de Efeso, pois se trata de uma das mais antigas representaes de parte da Espanha peninsular, que pode ser identificada como uma zona da provncia de Huelva (ao Noroeste de Punta Umbra); o papiro foi adquirido pelo Museu Egpcio de Turn, em outubro de 2004. Igualmente dignos de meno so os papiros de Moscou e Rind, neste ltimo, conservado no Museu Britnico, aparecem as regras fundamentais da agrimensura egpcia.

Reproduo da Groma, conservada no Museu de Npoles, e o codo real. Evidentemente os exemplos que acabam de ser citados, em uma ou outra civilizao, no so concebveis sem um desenvolvimento, em paralelo, do instrumental necessrio. Como se sabe no se pode precisar a data da criao da rgua e do compasso, ou do denominado nvel de pedreiro, tal como se sucede com a groma egpcia, empregada para traar perpendiculares, logo melhorada pelos topgrafos romanos, os chamados gromatici. A propsito da denominao antiga dessa profisso, ela nos faz recordar que os agrimensores egpcios eram conhecidos pelos gregos como arpedonaptos ou esticadores de cordas, em clara referencia a tcnica de utilizao de cordas com ns para medir as distncias em seus trabalhos (o intervalo entre os ns era a de um codo real, que equivalia a 52 cm aproximadamente).

Fragmentos de um mural no qual aparecem agrimensores egpcios, tambm conhecidos como esticadores de cordas (Sculo X ou XI a.C.)

A SISTEMATIZAO GREGA.As primeiras referncias cosmogrficas dos gregos so, todavia prcientficas, assim como as observadas na descrio que se faz na Ilada, do escudo de Aquiles; ainda que se mencionem, na obra de Homero, os quatro pontos cardeais associados aos ventos Boreal (Norte), Euro (Sul), Noto (Este) e Cfiro (Oeste). A viso to limitada do mundo de Homero se viu superada pela expanso colonial sobre o Mediterrneo, que serviu em grande parte, para que os pensadores gregos tentassem sistematizar o conhecimento geogrfico, ao formular perguntas to cruciais como as seguinte: Qual a forma e o tamanho da Terra? Que magnitude e distribuio tm as massas continentais e ocenicas? Que tipo de habitantes, e em que extenso, povoam a Terra?

O mundo de Homero

Tudo aponta para que a transcendente afirmao de que a Terra era esfrica devida as vrias geraes de pitagricos que se sucederam entre o grande mestre e Filolao. Dicearco de Mesina, considerado como um dos mais importantes gegrafos gregos foi o primeiro em descrever e dimensionar o ecumene (mundo conhecido), assinalando 60.000 estdios de Este a Oeste e 40.000 estdios de Norte a Sul. Na representao cartogrfica que se lhe atribui, traou como principal linha diretriz (o diagrama), uma que discorre de Oeste a Este, seguindo o Mediterrneo, de modo que a superfcie terrestre ficava dividida em duas metades, uma septentrional e outra meridional. A segunda linha diretriz era uma perpendicular anterior, traada em Rodas, a qual coincidia sensivelmente com o meridiano Siena-Lysimachia. Dicearco fez tambm uma descrio geral da Terra e realizou um estudo sobre a altura dos montes do Peloponeso e da Grcia, que resultou num dado significativo, mesmo com o escasso interesse mostrado pelos antigos no conhecimento do relevo terrestre.

Mapa-mndi de Dicearco com o diagrama central A Dicearco se atribui tambm, a medida do arco de meridiano, assim como a extrapolao que assinalou 300.000 estdios para a circunferncia mxima da Terra. Tal operao geodsica foi considerada, desde ento, como a mais adequada para obter o desenvolvimento da circunferncia meridiana, e por tanto, o raio terrestre. Observa-se que na mesma se compatibilizaram como sucederia mais tarde, mtodos astronmicos com outros eminentemente topogrficos ou prprios da agrimensura. Mediante os primeiros, se calcularia a amplitude angular do segmento de arco considerado, enquanto que com os segundos se pretendia conhecer o comprimento linear do mesmo. Todos podem e devem ser catalogados como genunas manifestaes geomtricas, no primitivo e verdadeiro sentido etimolgico do termo. A pesar de no se conservarem representaes cartogrficas de to

importante poca, indiscutvel que as mesmas tenham existido. No resulta em incoerncia pensar que Aristteles fizesse ver, a seu aluno Alexandre Magno, a importncia dos mapas como instrumento de poder e governo. Bsicos deveriam ser os planos de Alexandria, devidos ao arquiteto Hipodomus, para a implantao de suas vias. Estrabn os descreveu como se os tivessem vendo: suas vias eram amplas e perpendiculares, a largura das vias principais era prxima aos 30m, e inclusive as mais estreitas estavam projetadas para admitir o transito de carruagens. Algumas das vias estavam ladeadas por vigas apoiadas em colunas, previamente com fins ornamentais e para refugio dos transeuntes. Outra curiosa prova da existncia da cartografia grega aparece descrita na obra cmica de Aristfanes. Nesta obra, as nuvens (423 a.C.) descerram um significativo dilogo produzido ante um mapa do mundo, que em um dado momento se converte no elemento central da cena. Strepsiodes assinala um instrumento matemtico, ao mesmo tempo em que pergunta a seu discpulo sobre sua utilidade. Ao responder, este lhe diz que o instrumento serve para medir terrenos; diz ento Strepsiodes que se este se refere a terrenos parcelados, ante o qual exclama o discpulo que em absoluto, que ele se referira a todo o mundo, acrescentando... aqui tens a circunferncia de toda a Terra, no a estas vendo? Aqui est Atenas.

Aristfanes Um representante muito qualificado da escola alexandrina foi o grande Eratstenes de Cirene, reconhecido universalmente como fundador da Geodsia. sabido que escolhidas Alexandria e Siena, as quais considerava no mesmo meridiano, se limitou a comparar o valor angular do dito arco com a distncia correspondente, a qual era j conhecida pelos agrimensores egpcios. O valor angular, diferena de latitudes geogrficas, o achou usando um gnomon semi-esfrico em Alexandria, j que ao realizar a observao solar, ao meio-dia do dia do solstcio de vero, no havia sombra em Siena, por esta encontrar-se sobre o trpico de Cncer.

Gravura da desaparecida cidade de Siena e esquema da medio da Terra efetuada por Eratstenes. Como a medida dos agrimensores estabelecia a cifra de 5.000 estdios, deduziu, para o comprimento da circunferncia terrestre, um valor de 250.000 estdios, ainda que a primeira vista devesse dar 252.000 estdios, a fim de que fosse divisvel por 360, desse modo corresponderia, a cada grau 700 estdios.

O grande Eratstenes e uma reproduo de seu mapa-mndi Ainda que, o diretor da Biblioteca de Alexandria, seja mais conhecido por sua medida da circunferncia da Terra, deve-se ressaltar neste contexto sua contribuio ao desenvolvimento da cartografia, por confeccionar um mapa-mndi; realmente o que obteve foi a imagem do mundo que se considerava habitado naquela poca. A explicao do mtodo que seguiu, aparece no terceiro livro de sua Geografia. A principal novidade do mapa, mais simtrico que exato, a incorporao que fez de uma rede de retas paralelas e perpendiculares, que lembram os atuais meridianos e paralelos; a partir disso que tambm se considera Eratstenes como introdutor das coordenadas geogrficas, isto a latitude e a longitude.

Claudio Ptolomeu e uma ilustrao de sua Cosmografia. Terminaremos esta breve resenha da cartografia grega com a meno do ilustre Ptolomeu, nascido na regio do alto Nilo, porm enraizado em Alexandria. demasiadamente conhecida sua hiptese geocntrica contida em seu clebre Almagesto, um modelo que pretendia explicar os movimentos planetrios (o Sol e a Lua tambm eram considerados planetas), e que perdurou por muitos sculos, por ser defendido pela Igreja oficialmente, at que definitivamente foi banido depois, pelas teses coprnicas. Ptolomeu considerado, com toda justia, como o verdadeiro promotor da cartografia moderna, no em vo desenhou quatro sistemas cartogrficos para obter uma imagem plana do mundo. Ele foi o primeiro em falar de longitudes, nos termos semelhantes aos atuais, e em introduzir certa simbologia para a representao cartogrfica, antecedente dos smbolos convencionais.

Uma verso moderna do mapa-mndi de Ptolomeu, realizada por Johan Scotus no ano de 1505.

Toda sua obra cartogrfica foi includa nos oito livros de sua Geografia, os quais continham, por outro lado, oito mil lugares classificados por regies e identificados por suas coordenadas geogrficas (tomando como origem das longitudes as Ilhas Canrias, tambm denominadas por ele de afortunadas). Hoje se admite como segurana, que o texto da Geografia de Ptolomeu, transmitido pelos manuscritos, no coincide rigorosamente com o elaborado pelo sbio alexandrino. Meno aparte merecem os mapas que, ao que parece, acompanhavam o texto, j que se aceita, sem nenhuma dvida, que estes sejam cpias mais ou menos fiis aos originais elaborados por ele. altamente provvel que todos eles foram desenhados em oficinas bizantinas, entre os sculos XIII e XIV, enriquecidos por informaes anteriores que poderiam remontar aos ltimos tempos do Imprio Romano. Dentre esses mapas tem que se ressaltar uma das primeiras representaes da Pennsula Ibrica, que ainda que muito deformada, tem um inestimvel mrito de situar suas principais cidades.

A Espanha de Ptolomeu, no original aparece localizada Iliberis com as coordenadas seguintes: 110 de longitude e 370 40de latitude.

A PRAXE ROMANAOs romanos empregaram os instrumentos e mtodos gregos para a realizao de todo os tipos de trabalhos topogrficos, to necessrios na construo de seus grandiosos monumentos: a Cloaca Mxima e os numerosos aquedutos so exemplos significativos. Entretanto o aporte mais notvel, no campo topogrfico, sem dvida o processo cadastral de suas posses, o qual no resulta em uma surpresa tendo em conta o notrio pragmatismo dos romanos, enlaados com a tradio egpcia e mesopotmica. O Cadastro Romano, ainda que rudimentar, gozava de propriedades, com boas medidas, surpreendentes para seu tempo, se

pensarmos que estes levantavam o permetro de cada parcela. Seu carter fiscal no era bem visto por uma boa parte da populao afetada, um temor que ento era explicvel, pois em certas ocasies se associava o cadastro ao mau trato fsico impostos pelo agrimensor romano.

Uma fotografia area da zona de Valence (Frana) e uma imagem com a Centria fssil obtida por filtros ptico. A direita dois pedaos de mrmore com informaes rstica do chamado Cadastro de Orange (junto ao rio Rdano, ao Norte de Avignon). As dimenses originais da unio so de 29, 5 x 36cm. Os planos cadastrais foram efetuados em todo o imprio, arquivando-se uma cpia na colnia e outra em Roma e distinguindo-se neles os clebres kardo maximus (N-S) e decumanus maximus (E-W), de igual modo figuravam os nomes dos proprietrios. A influncia da centurao romana perdura, todavia, no parcelamento aparente de zonas distribudas por todo o antigo imprio. A fonte principal para conhecer as tcnicas de agrimensura, no imprio romano, o Corpus Agrimensorum, uma coleo de textos latinos de diferentes pocas, todos com a mesma base comum, que parece proceder do sculo IV d.C. O mais conhecido de todos os autores Sextus Julius Frontinus, governador da Bretanha, no sculo I de nossa era. Graas ao emprego sistemtico de instrumentos matemticos, como a dioptra, que se desenvolveu surpreendentemente a cartografia urbana, cujo melhor expoente sem duvida o Forma Urbis Romae; um grandioso plano de povoamento, de 13 m de altura por 18 m de largura, gravado sobre 151 placas de mrmore, construdo entre os anos de 203 e 208. Parece que sua execuo obedeceu a uma reviso dos planos de Vespasiano e de Tito, que haviam sido levantados no ltimo quarto do sculo I. Acredita-se que sobre o reinado de Sptimo Severo se procedeu a sua restaurao, sendo fixado a um muro prximo do Templo da Paz de Vespasiano. Todavia existem restos do muro junto igreja de So Cosme e So Damio, no qual se pode apreciar as perfuraes correspondentes a outros tantos pregos de bronze, regularmente dispostos, com os que se utilizaram para fixar as placas.

Reconstruo da dioptra, o mais remoto antecedente do teodolito. O instrumento contava com o chamado mediclinium, um termo que seria traduzido ao rabe e adotado depois pelos castelhanos como alidada. direita se representa uma escola de gladiadores, prxima do Coliseum, em um fragmento da Forma Urbis Romae. O plano de povoamento teve que ser o oficial de Roma, j que sua rea cobria exatamente o territrio marcado pelos limites da cidade, ento construdo, em uma escala da representao compreendida entre 1/240 e 1/250. Ignora-se quando foi destrudo, o certo que seus primeiros fragmentos apareceram em 1562 e que em uma publicao de 1590 se reconheceu com total claridade uma escola de gladiadores fundada por Domiciano, nas proximidades do Coliseo. Desde que, em 1874, se editou a publicao de H. Jordan (Forma Urbis Romae), tem continuado aparecer fragmentos de to interessante mural. Logicamente o interesse dos romanos pelas representaes cartogrficas anterior poca que se acaba de comentar. Pelo que parece, Julio Csar encarregou os cartgrafos da elaborao de um mapa do imprio que, iniciado pelo general Agrippa, no foi terminado antes da era de Augusto (27a.C. a 14d.C.). O mapa foi colocado no prtico que se construiu em sua homenagem (prximo atual via do corso em Roma), por iniciativa de sua irm Vipsania Polla, que o finalizou com a morte do general. As dimenses do desenho, ao que parece retangular, no se conhece com exatitude, ao qual se estima em 2 ou 3m de altura, com uma largura muito maior, situando-se o Norte, em sua parte superior. Este mapa e os comentrios de Agrippa foram a fonte de inspirao de mltiplos textos, copiando-se a representao com e sem alteraes. Outro raro exemplo da cartografia global e mural, o mapa romano da Espanha que foi achado em um muro da abadia de So Joo, perto de Dijon (Frana).

Reconstruo do mapa-mndi de Agripa.

O PARENTESES DA IDADE MDIA.O retrocesso geogrfico, experimentado na Idade Mdia, foi de tal envergadura que a esfericidade da Terra chegou a ser considerada irrisria e hertica por no ajustar-se ao contedo da Bblia, que no cmulo da insensatez era o livro do saber. Ante tal perspectiva se compreende que, em seus incios, as doutrinas cientficas fossem consideradas irrelevantes e desnecessrias, quando no perigosas. A vida intelectual do mundo cristo esteve pois centrada na igreja, regida por padres, para os quais a Bblia era a nica referncia. A ignorncia no deve surpreender, vista das fontes que serviam de referncia. O clebre Lactancio, preceptor de um dos filhos do imperador Constantino, escreveu a propsito dos partidrios da esfericidade terrestre: Pode algum ser to insensato para crer que existam homens com os ps mais altos que suas cabeas, ou lugares aonde chova para cima? Como o modelo se apoiava no tabernculo, este defendia que: sua mesa o esquema da Terra, os doze pes expostos sobre ela se referiam aos doze meses, a arca de madeira representava o oceano, e a coroa de ouro da mesma, as terras situadas do outro lado de dito oceano. O candelabro de sete braos era uma aluso mstica ao Sol e aos sete dias da semana ...

O O mundo de Cosmas (entorno do ano de 548). Os grandes rios do Paraso proporcionavam a gua da Terra. A interpretao literal das sagradas escrituras, conduz definitivamente a uma viso surrealista do mundo. Em clara contraposio com seus homlogos orientais temos que situar a posio dos primeiros padres no ocidente medieval. Esse foi o caso de So Isidoro, que claramente se decanta pela esfericidade quando assegura que a esfera celeste est centrada na Terra e que tal esfera no tem principio nem fim. Assim mesmo emprega vrias vezes a palavra Globo, ao citar a Lua ou os planetas, se referindo diretamente a esfera terrestre quando menciona que o oceano, estendido por toda a periferia do globo, banha quase todos os confins do mundo. Outra prova indireta se encontra na Epstola Sisebuti, um poema astronmico escrito pelo rei godo ao bispo de Sevilha, onde comenta ao falar de um eclipse que o globo da Terra se encontrava entre a Lua e o Sol. A So Isidoro se deve um dos primeiros mapas medievais, que incluiu em suas Etimologias e chegou a ser o primeiro a ser impresso (Augsburgo, 1472). Como sabe, trata-se do mapa denominado de T ou O, no qual aparece os trs continentes at ento conhecidos, rodeados pelo oceano primitivo. A influncia bblica se manifesta claramente ao correlacionar cada um deles aos filhos de No (frica a Cam, sia a Sem e Europa a Jafet). A configurao do mapa do bispo de Sevilha mediatizou todas as representaes cartogrficas posteriores, alm de auspiciar a apario dos globos tripartidos que nas mos do Salvador figuram, em numerosas igrejas.

O mapa isidoriano tal como figurava na primeira pgina do captulo IV das Etimologas. A imagem da direita um mapa Hispanicomusulmano influenciado pelo clssico de So Isidoro, conservado na Biblioteca Nacional.

Ao considerar que o Coro recomendava a necessidade de observar o cu e a Terra, para encontrar neles provas favorveis a sua f, natural que os pensadores muulmanos supusessem que as cincias geogrficas deveriam ser do agrado de Deus; elas lhes proporcionavam os meios necessrios para conhecer, com exatitude, o possvel itinerrio que deveriam seguir em suas peregrinaes Meca. Outras de suas aplicaes eram assim mesmo bsicas para eles: identificao do ms do Ramad, fixar as horas de oraes e a Qibla, quer dizer a direo da Caaba em Meca.

Dois instrumentos para determinar aproximadamente da qibla. Ainda que no proceda apresentar aqui, com todo detalhe, o aporte dos rabes ao desenvolvimento cientfico do ocidente, tem que se fazer

referncia que no aspecto cartogrfico, estes se basearam diretamente com as fontes gregas, atravs da biblioteca de Alexandria e de Bizncio, de forma que neste campo do conhecimento no se produziu, para eles, o parnteses antes aludido. De fato chegaram a determinar o raio da Terra, no califado de Bagd, mediante um procedimento to inovador como o idealizado por al-Biruni, o maior gnio da civilizao muulmana, junto a Avicena.

A medida da Terra efetuada por al-Biruni Al-Biruni explicou, em seu Tahdid, como medio indiretamente a altura de uma montanha, para logo medir desde seu topo, a depresso do horizonte sensvel. A ele se deve ainda um mapa-mndi do sculo XI, no qual aparece a distribuio do mar e da terra.

Al-Biruni em um selo da Unio Sovitica e o mapa-mndi que desenhou Entretanto, o gegrafo rabe por excelncia al-Idrisi, nascido em Ceuta no final do sculo XI; no obstante este pode ser considerado hispnico a pesar de descender de nobres granadinos, enraizados em Mlaga e posteriormente refugiados naquela cidade na frica, quando o rei de Granada conquistou aquela cidade, entretanto sua bagagem intelectual foi adquirida na Universidade de Crdoba. muito provvel que sua alta

linhagem e seu inegvel prestgio influram poderosamente sobre o rei normando Roger II, para que este o convidasse a sua corte de Palermo, encaregando-lhe uma detalhada representao do mundo conhecido at ento. O mapa foi desenhado sobre um suporte de madeira e depois foi gravado sobre uma base de prata, lamentavelmente no se conservaram nenhuma das duas plataformas. Finalizado este, o rei disps a redao de um texto explicativo, que apareceu no ano de 1154 com o ttulo Recreo de quien debe recorrer el mundo, ao que o prprio Idrisi preferira o mais simples de Livro de Roger.

O ceuta al-Idrisi e seu mapa-mndi. Observa-se que o Sul figura na parte superior do desenho. Como anexo do texto foram includos setenta mapas regionais, caracterizando assim que tais representaes so o complemento ideal da geografia descritiva. Nos mapas 31, 32, 41 e 42 figurava a Pennsula Ibrica com sua clssica imagem triangular, se encontrando no primeiro deles a imagem do antigo reino de Granada. Convm salientar que em seis dos manuscritos desse Livro de Roger fora includo um pequeno mapa circular, orientado a Sul, com o primitivo oceano perimetral, a igual que havia feito antes al-Biruni. A influncia da obra de Idrisi, sobre a produo geogrfica e cartogrfica posterior, obvia no caso da muulmana, ainda que tambm se deixou sentir sobre os mapas realizados por Petrus Vesconte e Abraham Cresques, para citar dois exemplos muito significativos.

Constantinopla segundo al-Idrisi. No ltimo perodo da Idade Mdia surge uma manifestao cartogrfica de primeira magnitude e at certo ponto surpreendente pela dificuldade que se apresenta ao estabelecer suas origens, os portulanos favorecedores da navegao de cabotagem. A carta martima ou portulana mais antiga (Carta Pisana), que data da segunda metade do sculo XIII, j apresenta uma feio comum a todos eles, como o caso da representao da rosa dos ventos, uma prova de que o emprego da bssola, na navegao, estava j generalizado. Outra propriedade verdadeiramente notvel dos portulanos que sua representao j independente dos credos religiosos, podendo por tanto, considerar-se como cartografia iconoclasta, dado seu carter rupturista. No obstante, vale salientar que na metade do sculo XV, com alguma exceo, como as representaes semimsticas de Opicinus de Canistris, um monge que se crendo ser o anticristo, desenhava portulanos de acordo com seu estado anmico. Tem uns em que a pennsula ibrica aparece com toda a barba e outros em que figura como uma bela dama, dois bons exemplos que podem enquadrar-se na chamada cartografia humorstica.

Exemplo de mapa portulano, desenhado, provavelmente, em Granada no ano de 1330. Os portulanos se dividem em dois grupos com identidade prpria, atendendo a sua origem: espanhis (catalo - malhorquinos) e italianos. caracterstico destes ltimos, desenhar unicamente o permetro do litoral, ao contrrio do que ocorre com os espanhis para os quais, a representao se estende a zona continental, desenhando rios, simbolizando o relevo e assinalando a posio das cidades ou outros lugares de interesse especial. A este ltimo grupo pertence o atlas catalo ou de Cresques, confeccionado por essa famlia judia de Mallorca, no ano de 1375. Nele aparece rotulada, por primeira vez, a palavra Granada, junto a um belo estandarte vermelho (com grafia rabe) que indica sua localizao.

Mapa Portulano do Atlntico e Pacfico oriental, desenhado por Joo Teixeira Albernaz, em 1681.

Ainda que no se possa falar de tradio, no caso dos portulanos rabes, certo que estes no se limitaram a copiar os espanhis ou os italianos, tendo em conta a quantidade de novas toponmias que incorporaram, em rabe. Um dos poucos que se conserva na Biblioteca Ambrosiana de Milo, e quem sabe o mais antigo, foi elaborado provavelmente em Granada no ano de 1330, segundo J. Vernet. Em sua metade pode se ler Wasat Jazirat al Andalus (centro da pennsula de Andaluzia), servindo o resto das toponmias para localizar mais de 200 lugares da costa. A cartografia rabe teve sua continuao no imprio otomano, sendo o capito naval Piri Reis, seu mximo representante. Precisamente um de seus mapas do litoral andaluz, concludo em torno do ano de 1526, um portulano que inclui terra adentro, outra representao simblica da cidade de Granada, neste caso em forma de fortaleza; a igual que antes havia feito Freducci d'Anconae em seu portulano de 1497 ou faria depois Mateo Prunes com o seu, em 1563.

Insgnia nazar para localizar a cidade de Granada no Atlas de Cresques. No belo estandarte vermelho se inclui a palavra alafiyya (sade, bem-estar).

Fragmento da Carta de Pri Reis, desenhado em 1513. Encontra-se no Palcio Tapakpu Saray, em Istambul

Bssola persa.

Bssola topogrfica rudimentar

Paradoxalmente, na Idade Mdia, se produz um salto qualitativo de singular importncia na histria da topografia, se trata da controvertida apario da bssola que condicionou instrumentos e mtodos topogrficos. Tudo indica que sua origem Chinesa, mencionando-se no ano de 83, uma colher talhada de magnetita, que ao girar sobre una placa de bronze polida assinalava a direo Sul. A apario das bssolas com agulhas suspensas e sua aplicao navegao, parece ser mais tardia, provavelmente entre os sculos IX e XIII. Aos textos rabes, temos que incluir o do flamengo Pierre de Maricourt, aparecido no ano de 1269 com o ttulo Epstola de Magnete. Nele se encontra uma detalhada descrio da bssola, citando que sua agulha est montada sobre um apoio (pino), situado dentro de uma caixa com cobertura transparente e provida de uma alidada superior. De acordo com ele, no impossvel supor-se que os princpios dos levantamentos topogrficos com bssola eram j conhecidos ao final do sculo XIII, tal como se tem dito a propsito dos portulanos e das rosas dos ventos neles includas. Por outra parte, a corda, o esquadro e alguns nveis rudimentares no desapareceram nunca, encontrando-se sempre na mo de arquitetos e construtores. Entretanto a necessidade de medir com mais rigor as distncias e os desnveis de pontos distantes, permanecia sem soluo, na fronteira do Renascimento, apesar de ser requeridos tanto por viajantes como por militares. No estranho, a vista disto, que surgiram ento os primeiros mtodos indiretos para quantificar tais magnitudes, baseados nas medidas angulares e nos instrumentos que vinham sendo empregados nas operaes geodsicas (fundamentalmente limitados a medida da latitude) e astronmicas.

A ECLOSO DO RENACIMENTOA curiosidade intelectual surgida no final da Idade Mdia, o desejo de estender a f crist assim como o esforo da gloria pessoal e do esprito

aventureiro, unidos aos interesses econmicos ou polticos de espanhis e portugueses, podem ser consideradas como as causas principais que deram lugar as grandes expedies, iniciadas na segunda metade do sculo XV, as quais no s permitiram conhecer continentes e descobrir novas civilizaes se no que tambm serviram para poder confirmar definitivamente a esfericidade da Terra e proceder assim, a uma melhor representao cartogrfica da mesma, muito mais confivel no aspecto planimtrico que no altimtrico. Do mesmo modo deve-se afirmar que o processo de consolidao nacional de muitos pases no foi alheio ao renascer da cartografia e a seu posterior desenvolvimento cientfico, ao certo foi quando comearam a se considerar, os mapas e os planos, como um poderoso instrumento poltico a servio do governo; assim se explica o decidido apoio do Imperador Carlos V, no ano de 1533, ao levantamento cadastral do Norte da Holanda. A continua realizao dos planos de parcelamento requereu a criao de um corpo profissional de topgrafos, cujas normas foram promulgado pelo prprio Carlos V, em 1534. O diretor dos trabalhos de campo foi o topgrafo e cartgrafo Corneliszoon, seguido por Jacobzoon e Meeuwszoon, resultando ao final, planos to confiveis que podem ser comparados com os atuais, apesar do tempo transcorrido. Foi a partir de ento que o cadastro topogrfico comeou a adquirir carta de qualidade, estendendo o exemplo a outros pases, como Inglaterra, Alemanha e Frana.

O mapa de Juan de la Cosa (1500), o primeiro em que apareceu representado o novo mundo, e um fragmento do mapa-mndi de Martn Waldseemuller (1507), no qual figura como novidade o vocbulo Amrica Tambm foi o Imperador Carlos V, que encarregou a uma representao fidedigna dos Pases Baixos, recorrendo para isso a J. Deventer por seu grande prestgio, primeiro como aluno e logo como professor da Universidade de Lovaina. Suas entregas parciais foram to do agrado do Imperador, que este o nomeou seu cartgrafo, possibilitando-lhe

uma renda mensal que seria conservada por Felipe II, tambm admirador de sua obra. Os trabalhos topogrficos, sumamente detalhados (incluam os planos de urbanizao de todas as cidades importantes, alm da planimetria), se publicaram em trs volumes que se entregaram ao rei Felipe, aps o falecimento do topgrafo holands.

Amsterdam e Dordrecht por Jacob van Deventer. Os planos de Deventer, serviram primeiro a Mercator, para confeccionar seu mapa de Flandes, e logo a A. Ortelius para realizar o mapa geral das dezessete provncias, includas em sucessivas edies de seus conhecidos atlas. Deventer foi professor de G. Frisius, autor do clebre Libellus de locorum describendurum ratione, a primeira obra em que se mencionam as novas observaes da triangulao, e de um manual de desenho cartogrfico no qual se explicava como medir e representar granjas, especialmente as situadas nas proximidades dos ncleos urbanos.

Gemma Frisius e o clebre grfico triangular includo em sua obra Libellus de locorum

O avance cartogrfico, favorecido tanto pelo imperador como por seu filho, no poderia ter sido possvel sem uma melhoria instrumental amparada, direta ou indiretamente, por ambos os personagens. O interesse de Carlos V pelos instrumentos matemticos se explica, em grande parte, por suas relaes com um singular grupo de cosmgrafos flamengos, cujos membros principais acabam de ser citados. Frisius era um afamado construtor de instrumentos, com uma oficina de trabalho onde passaram alunos que alcanariam, com o tempo, maior protagonismo que o professor. Entre todos eles destaca-se Mercator, ainda que seu prestigio se deva mais a sua grande produo cartogrfica. Por iniciativa do imperador, construiu Mercator vrios lotes de instrumentos para seu emprego nas campanhas militares. A primeira entrega foi um pequeno quadrante, um circulo astronmico, um relgio de sol (provavelmente de bolso), assim como compasso e bssola. No obstante o conjunto instrumental mais sobressalente foi o sistema de dois globos, formado por um globo celeste que envolvia ao terrestre. Sobre a superfcie do primeiro, feito de cristal transparente, gravou com um diamante as estrelas e as diferentes constelaes; o segundo, de madeira, estava coberto por um cuidadoso mapa constitudo por fusos e casquetes. Mercator escreveu para o imperador uma nota explicativa (La Declaratio), que entregou pessoalmente ao imperador no ano de 1553, alm de uma bssola, um gnomon esfrico, um quarto de crculo e um circulo astronmico de cinco crculos. Como prmio Carlos V o incorporou a sua casa com o ttulo de Imperatoris Domesticus, continuando com seus privilgios sob o reinado de Felipe II. Mercator sem duvida a figura mais relevante deste perodo, no em vo seus contemporneos o consideravam o Ptolomeu de seu tempo. Seu mapa emblemtico, e que passou posteridade, foi o mapa-mndi de 1569, editado em Duisburg com o ttulo, Nova et aucta orbis Terrae descriptio ad usam navigantium emendate accomodata, um desenvolvimento cilndrico direto e conforme que resolveu definitivamente o problema secular da navegao, devido que a imagem das loxodrmicas eram, na representao plana, linhas retas que cortavam sob o mesmo ngulo as imagens retilneas e paralelas dos meridianos terrestres. A construo do mapa se apoiou em um baco, mediante o qual podia obter a imagem dos paralelos sucessivos, tomando incrementos latitudinais de 10. Os erros inevitveis, nessa resoluo grfica, foram advertidos anos depois por E. Wright, o qual realizou um estudo to detalhado que alguns acreditaram ver nele o verdadeiro autor do sistema cartogrfico. Em qualquer caso foi necessrio esperar o descobrimento do clculo diferencial e integral para poder obter a expresso analtica da representao. Os

ltimos anos de sua vida os dedicou a formar uma nova srie de mapas de toda Europa, empregando, pela primeira vez, o vocbulo Atlas, que infelizmente no pode terminar.

Mercator e o duplo globo que construiu para Carlos V.

Mapa-mundi de Mercator (1569). Trinta anos depois o matemtico ingls E. Wright incorporou as clssicas rosas dos ventos e a fez mais acessvel navegao, graas a sua publicao Errors in Navigation en la que se inclua las tablas que explicaban su formacin. Os mapas foram terminados por seu filho Rumold, o qual os publicou no ano de 1595 sob o ttulo Atlas sive cosmographiae meditationes de fabrica mundi et fabrica figura et Atlantis pars altera, geographia nova totius Mundi. Mercator foi o tpico cientista do Renascimento e por tanto multidisciplinar: filsofo, matemtico, astrnomo, cartgrafo, topgrafo e telogo. As sucessivas reedies da Geografia de Ptolomeu, realizadas e revisadas por Mercator, unidas ao resto da produo cartogrfica deste, contriburam de uma forma decisiva a que surgisse um

renovado interesse pelos temas geogrficos e muito especialmente pelos mapas, convertendo-se Amberes no centro de produo, distribuio e venda de globos e mapas. Ele determina as bases da cartografia moderna ao eliminar os desenhos fantsticos, que tanto adornavam os mapas, e ao introduzir uma verdadeira simbologia cartogrfica; tambm temos que assinalar, entre seus mritos, seu esprito crtico em examinar todos os documentos cartogrficos que consultava.

Fachada da primeira coleo de mapas efetuada por Mercator e a imagem das Amricas em seu Atlas menor, publicado por Hondius no ano de 1607. Igual e notrio devia ser o interesse de Felipe II por instrumentos matemticos, como os j citados, to necessrios para a formao do mapa da Espanha, que o havia solicitado a Esquivel. muito eloqente, o fragmento que se reproduz da carta que enviou o rei, ao secretario Gonzalo Prez, aps a morte de Esquivel: Soube da morte de Esquivel, da qual sinto muito, e faz-me lembrar que creio que tens os instrumentos e outros papeis de Esquivel. Seria bom que os faas lembrar, e que Herrera saiba deles, para que no se percam e se possa continuar a carta de Espanha que ele estava a confeccionar, e que creio eu poderia entender Herrera. Outra prova indireta dos conhecimentos geogrficos deste rei, so as caixas astronmicos que construiu para ele T. Volckamer, no ano de 1596, to bem conservadas no Museu Naval de Madrid. Em uma delas aparece um relgio de sol apoiado em um planisfrio e uma bssola com os ventos correspondentes, em outro se observa um magnfico astrolbio e os calendrios Juliano e Gregoriano, assim como uma corda para medir, que tambm podia ser usada como prumo. Sob o reinado de Felipe II, se vo perfilando os aspectos tcnicos dos levantamentos topogrficos, conseguindo-se, por tanto, representaes cada vez mais fidedignas. Vendo o monarca os excelentes resultados

alcanados por Deventer, nos Pases Baixos, decidiu fazer algo similar na Espanha, comissionando para ele o tambm holands Anton van den Wyngaerde que se trasladou a Madrid, em 1561, como pintor da corte.

Estojos astronmicos de Felipe II, conservados no Museu Naval de Madrid. Foi no Renascimento, quando a imagem global da Terra comeou a adquirir suas feies mais caractersticas, as quais j eram, no que cabe, semelhantes as que figuram nas atuais representaes de nosso mundo. Os grandes descobrimentos dos espanhis e portugueses, assim como os realizados por franceses e ingleses, na Amrica do Norte, proporcionaram tal quantidade de informao geogrfica que chegaram a alterar o fundamento das concepes cosmogrficas, com a conseqncia imediata de que o pensamento cientfico foi se distanciando, cada vez mais, dos delineamentos medievais. Dessa forma a prudncia foi se impondo pouco a pouco nas representaes cartogrficas, reconhecendo o carter continental do novo mundo descoberto, chegando, inclusive, a se marcar uma espcie de estreito em sua parte mais meridional, antes que o descobrisse Magalhes.

O mtico estreito de Anian em um mapa de Mercator. Sua localizao praticamente idntica a de Bering, que figura nas duas imagens da direita. A primeira parte do mapa de Tartaria (T. Jefferys. 1768) e a segunda fruto da teledeteo.

Todavia o desenho da Amrica do Norte no resultou confivel durante muito tempo, quem sabe devido a descontinuidade em sua explorao, aparecendo desmembrada nos mapas, como sendo uma srie de ilhas. Em qualquer caso se supe que em sua parte mais setentrional deveria estar muito prxima ao continente asitico, tendo ademais a esperana de que ao final se encontraria o caminho de Cathay. Logo se chegou a se generalizar a representao de um estreito, com direo NorteSul, que por sua configurao coincidia com o verdadeiro estreito de Bering, chamado de Anian, por influncia da viagem de Marco Plo. Dessa forma se foi impondo, paulatinamente, a necessidade de reformar a concepo tripartite do globo terrestre para poder aceitar a quarta parte recentemente descoberta. No incio estas receberam os nomes de Novo Mundo, Outro Mundo, Alter, Alius ou Novus Orbis, coexistindo tais denominaes com: Terra Santa Cruz, Paria, Brasilia ou Prisilia referidas mais ao sul, at que finalmente se imps a toponmia de Amrica para referir-se a duas partes do novo continente; a consolidao final do mesmo se viu favorecida por empregar Mercator, o termo desde o primeiro momento.

Trs imagens do Brasil, a mais antiga a invertida da direita (Atlas francs de 1538),a superior esquerdo um detalhe no qual aparecem os nativos (Diego Homen.1558), a terceira devida a G. B. Ramusio (1565).

Evidentemente a transformao produzida no mundo, ocasionou reflexo nos mapas, ainda que com grandes inexatitudes derivadas da incorreta determinao das coordenadas geogrficas, sobre tudo da longitude, e tambm da falta de um sistema cartogrfico rigoroso que possibilitasse uma verdadeira transformao matemtica da esfera ao plano. O papel desempenhado pelos espanhis, no progresso das cincias geogrficas, desde o final do sculo XV at meados do XVII, esteve na mesma altura que a de suas grandes e excepcionais viagens. Desde o incio da aventura americana foram aparecendo dirios de navegao com as correspondentes observaes astronmicas, assim como relatos das expedies acompanhadas, em muitos casos, com as representaes grficas do territrio descoberto ou conquistado. No por isso deixou-se de traduzir as obras dos gegrafos clssicos como Ptolomeu, Estrabo, Plnio e Pomponio Mela, cujo prestigio se manteria intacto nas Universidades a igual do que sucedia no resto da Europa. Logo foram superadas as medidas nicas de distancias e ngulos retos obtidos com o esquadro de agrimensor, passando a se medir ngulos horizontais, porm no os verticais, unicamente determinados nas observaes astronmicas.

O astrolbio, o torquete ou compendium, o quadrado geomtrico e a balestilha, quatro instrumentos matemticos do renascimento. Assim surgiu o mtodo de radiao chegando a ampliar as zonas de levantamentos, ainda que nestes casos se estimava as distncias, comprovando-as, ocasionalmente, mediante interseces angulares realizadas desde pontos mais prximos. As visadas se materializavam sobre um tabuleiro, diretamente colocado sobre a vertical da estao, que formava parte de uma rudimentar prancheta. Entretanto, nem tudo foi progresso nesta poca interessante. Todas as representaes cartogrficas do Renascimento eram exclusivamente planimtricas, ante a impossibilidade de avaliar corretamente as altitudes e os desnveis, e por no ter encontrado um meio de representar o relevo terrestre. A crena usual era que o relevo procedia da criao do mundo, chegando-se a afirmar que Deus havia colocado as montanhas nos lugares mais convenientes. Em todo caso inicia-se a consolidar-se a explicao do

relevo como resultado da eroso pela gua e sedimentao conseguinte. Pelo que se refere ao nvel do mar, basta dizer que era pensamento amplamente compartilhado, supor este mais elevado que a Terra, porm somente em sua parte central, nas extremidades tinha uma medida, por ordem de Deus, apropriada para que no chegasse a submergir a Terra, dizia o frances Bernard Palissy, melhor ceramista que gegrafo. Antes de terminar este captulo dedicado ao Renascimento parece justo referir-se novamente a Carlos V, ltimo responsvel do extraordinrio desenvolvimento experimentado pela cartografia americana, graas as mltiplas expedies que auspiciou e financiou a coroa. Dentre todas elas merece ser destacada a que mandou Magalhes (1519) e terminou com Elcano (1522), a circunavegao causou tal sensao que Pedro Mexia, cronista do rei, escreveu: no se sabe nem se cr que depois que Deus criou o mundo se tenha feito semelhante navegao, e quase no a entendia e tinha por impossvel a antiga Filosofia pelo qual se deve anotar e ter por uma das grandes e importantes coisas deste Prncipe.

Mapa-mndi de Battista Agnese, Veneziano 1540, com a rota da circunavegao. Do ponto de vista geodsico e cartogrfico notrio salientar a definitiva constatao da esfericidade terrestre, at ento objeto de discusso. Seguindo a tradio da poca, Carlos V disps a confeco de vrios mapas em recordao de to brilhante efemride; para isso foi encarregado o cartgrafo veneziano Battista de Agnese (1542), com a inteno de impressionar o prncipe Felipe, indicou expressamente a necessidade de que figurasse representada a travessia seguida por to brilhante navegante portugus. O mapa-mndi, desenhado em projeo ovoidal, antecedente da moderna de Eckert III, incluiu tal trecho, representando-o com uma linha dourada, alm do estreito de Magalhes e outros detalhes da costa oeste do Pacfico, basicamente subministrados por

Hernn Corts.

O SCULO DOS ATLASNo final do sculo XVI e incio do XVII apareceu, pela primeira vez, a luneta, cuja importncia vai mais alm das evidentes aplicaes topogrficas. No h unanimidade ao fixar o nome do inventor, ainda que geralmente se aceita a opinio de J. Sirturo, discpulo de Galileo, que citava aos irmos Roget de Gerona; em todo o caso so reveladores e concluintes os aportes de J. M. Simn-Guilleuma, publicados em 1960 (Juan Roget, ptico espanhol inventor do telescpio. Actas do IX Congresso Internacional de Histria das Cincias. Barcelona), segundo os quais, antes do ano de 1593, se havia construdo lunetas de largo alcance, nas oficinas de Barcelona.

Galileo Galilei e o telescpio que construiu, com ele observou as quatro estrelas mediceas. Outras mudana mencionam os holandeses Z. Jansen e H. Lippershey, agregando que o segundo deles entregou uma luneta a M. Nasau para que a usasse na guerra contra os espanhis, recebendo por isso uma recompensa de 900 florins. J. North, em sua histria Fonte da Astronomia e Cosmologia (Fondo de Cultura Econmica. Mxico. 2001), diz a respeito: Qualquer que seja a verdade, a primeira evidncia, no ambgua que temos de que havia sido inventado um telescpio, se encontra em uma carta datada de 25 de setembro de 1608; na qual o Comit de Conselheiros da provncia holandesa de Zelanda se dirige a seu delegado, ante os Estados Gerais em Haya, dizendo: o portador reclama os direitos sobre certo artefato, por meio do qual, todas as coisas a grandes distncias podem ser vistas como se estivessem prximas, se forem observadas

atravs de uns cristais, e afirma que uma inveno nova.

Gravura anunciando as vantagens da luneta e dois exemplares antigos. A luneta de cor marrom pertenceu a J. Cuningham (1661), tem uma parte forrada de couro e outra (o tubo de trao) em papel mrmore. O de cor azul um conjunto relogio-telescopio que foi apresentado ao imperador Chien-Lung en 1793 pelo embaixador ingls Lord Macartney.

Nicols Coprnico sustentando uma esfera armilar. Universidade de Cracovia.

Uma das peculiaridades que mais ilustra o grande esprito cientfico do sculo a consolidao definitiva do sistema heliocntrico defendido por Coprnico, a pesar de que sua obra De revolutionibus fosse includa, pela Igreja Catlica, em seu ndice de Livros Proibidos, junto com todas aquelas publicaes que defendiam a rotao da Terra; inquestionvel que o grande astrnomo polaco j havia sentado as bases em que se apoiaria a revoluo cientfica que se avizinhava. O predomnio holands nas expedies martimas, da primeira metade do sculo, discorre paralelo ao exercido no campo da Cartografia, mantendo assim o que j havia comeado na poca de Mercator. O foco principal da produo cartogrfica holandesa se encontrava em Amsterdam, desde que Amberes ficou sob domnio espanhol e se libertou deste ao final do sculo XVI.

J. Hondius y seu mapa da Espanha. Amsterdam (1613) A oferta cartogrfica era muito variada: desde mapas em pequeno formato a mapas murais, atlas vistosos com descrio de viagens assim como globos terrestres e celestes dos mais variados tamanhos. Amsterdam se converteu inexoravelmente no s no centro da produo e comercializao de mapas se no tambm em um foco de irradiao cultural pela sistemtica apario de livros, em auge permanentemente. Nesse clima favorvel temos que situar a W. J. Blaeu, matemtico e cartgrafo incansvel que chegou a ser uma das figuras mais destacadas na historia da cartografia. Seu interesse pelas cincias geogrficas fez com que se mudasse para o Observatrio de Uraniburgo e trabalhasse sob a tutela de Tycho Brahe, durante seis meses, at que em maio de 1596 decide regressar a Holanda.

Willem Janszoon Blaeu, fundador de uma dinastia cartogrfica. A Blaeu se devem os primeiros mapas com orlas decoradas, cujo tema principal eram as vistas de cidades acompanhadas com personagens adornados ao modo do lugar representado. O papel preponderante de Blaeu, na cartografia nutica, se acentuou quando, em 1633, foi nomeado cartgrafo oficial da Companhia das ndias Orientais (Verenidge OostIndische Compagnie, VOC), j que assim pode dispor de um grandioso arquivo cartogrfico, at sua morte.

Mapa do Sul da Espanha, devido a W. J. Blaeu, no qual incluiu Andaluzia e parte de Granada. Entretanto o mercado dos atlas esteve dominado pela famlia Hondius durante os primeiros trinta anos do sculo, at que em 1629 Blaeu

comprou as pranchas originais que haviam pertencido ao fundador da dinastia, que previamente havia adquirido estas, de Mercator. Assim editou seu primeiro atlas em 1630, com 60 mapas, publicando outro no ano seguinte, do qual se conhece duas verses: uma com 98 e outra com 99 mapas. No ano de 1634, Blaeu anuncia seu intento de publicar seu prprio atlas mundial em quatro idiomas (alemo, holands, frances e latim), para desvincular-se dos trabalhos de Mercator e Ortelius em que, basicamente, se vinha apoiando.

Fachada de um dos primeiros Atlas da famlia Blaeu e um detalhe do Observatrio de Uraniburgo. Infelizmente W. J. Blaeu morre antes de ver editada as novas edies, as quais fariam clebre seu filho Joan. No ano de 1648, Joan publicou o grande mapa-mndi de 21 folhas Nova Totius Terrarum Orbis Tabula dedicado a Gaspar de Guzmn e Bracamonte, enviado espanhol s negociaes de paz. Seu ponto culminante foi alcanado com a edio de seu Atlas Maior (1662), que com a luxuosa encadernao, com os 600 mapas e 3000 pginas de texto, se converteu em uma obra que devia estar presente em todo o tipo de coleo. O atlas mais bonito e maior que jamais se havia editado, se publicou em cinco idiomas (holands, latim, francs, alemo e espanhol) e chegou a ser tambm o livro mais caro, posto a venda na segunda metade do sculo.

Joan Blaeu e uma vista do Observatrio de Tycho Brahe, includa no Atlas maior. Amsterdam (1662).

frica e Amrica no Atlas Maior de Joan Blaeu. O mapa da Amrica de N. Visscher, observe que a California figura como ilha. Foi o italiano, residente na Frana, G. D. Cassini o primeiro que realizou um mapa-mndi moderno, situando os meridianos com suas verdadeiras longitudes e figurando o Mediterrneo com um aspecto mais parecido ao das representaes atuais do que com todas as que lhe precederam. O mapa Planisphre terrestre adornou o solo da torre ocidental do Observatrio de Paris, desde que se realizou no ano de 1682, no se conserva o original mas sim uma reproduo realizada por seu filho em 1696.

G. D. Casina e o planisfrio que representou na torre ocidental do Observatrio de Pars. Ao francs G. Delisle se deve, reconhecer, o mrito de haver impulsionado definitivamente a substituio dos mapas clssicos para chegar a umas representaes cartogrficas, a pequena escala, que j podem ser consideradas modernas. Os primeiros trabalhos aparecem no ano de 1700 na forma de dois globos (terrestre e celeste), mapas dos continentes e seu mapa-mndi com os dois hemisfrios. Mais tarde publicou cerca de 100 mapas, entre eles 30 especiais da Frana e territrios limtrofes e outros 16 de geografia antiga e medieval. Para ele no era obvio representar adequadamente o relevo terrestre e, para recordar sua afirmao de que para um mapa parecer agradvel, no deve incluir montanha alguma.

Os dois hemisfrios, austral e boreal, desenhados por Guilladme Delhi. Neste sculo dos atlas, resultou tambm crucial para o posterior desenvolvimento da geodsia, e em conseqncia da cartografia topogrfica, raiz da criao, em Pars (1666), da Real Academia de Cincias. Seu duplo objetivo, geodsico e cartogrfico, foi medir a magnitude da

Terra e confeccionar mapas mais exatos de seu territrio; o qual, uma vez cumprido, situou a Frana no topo das cincias geogrficas.

A criao da Academia de Cincias e a fundao do Observatrio de Paris, ante o rei Lus XIV. A determinao geodsica foi encomendada ao abade J. Picard, membro fundador da Academia, que, seguindo a metodologia triangular proposta por W. SNEM, medio o arco de meridiano compreendido entre Amiens e Malvoisine, ao sul de Pars, entre os anos de 1668 e 1670. O comprimento do arco foi obtido por meio da correspondente triangulao e a amplitude angular, como diferena das latitudes astronmicas de seus extremos. Finalmente obteve, para o raio, um valor prximo aos 6.365 km, resultado novo e de singular importncia para a histria da cincia, pois s para mostrar a importncia deste, nele se apoiou Newton para confirmar a sua hiptese da gravitao universal e assim enunciar seus princpios.

J. Picard, o pai da geodesia moderna, e uma curiosa imagem do meridiano de Pars, como fronteira do dia e da noite.

Pelo que parece, Picard jogou um papel determinante na confeco da Carte particulire des Environs de Paris (1674) e na mais clebre Carte de France Corrigee par Ordre du Roy sur les Observations de Mss de la Academie des Sciencies (360x266 mm) publicada em 1693. este o clebre mapa da Frana, conservado na Biblioteca Nacional de Pars, j referido ao meridiano de Pars, em lugar do da ilha Ferro.

A triangulao de Picard ao longo do meridiano de Pars e instrumentos empregados para as observaes angulares. Ambas ilustraes foram includas em sua obra Mesure de la Terre. A contrapartida que Newton ofereceu geodesia no pode ser mais espetacular e revolucionaria, j que demonstrou que o modelo esfrico suposto, at ento, ideal para a superfcie terrestre, devia ser substitudo por outro elipsoidal e achatado nos plos. No obstante, a primeira comprovao prtica da variabilidade da curvatura da Terra se teve quando se prolongou, a ambos os lados, o arco medido por Picard. O executor e diretor do projeto foi, o j citado, G. D. Cassini, o qual obteve uns resultados radicalmente opostos aos previstos teoricamente pelo sbio ingls. A polemica estava servida e nela se centraram a maioria das discusses cientficas do sculo XVIII, at que as expedies cientficas, amparadas pela Academia de Cincias francesa, a Laponia e ao Vice-reinado do Peru, evidenciaram, com toda clareza, a necessidade de substituir o modelo esfrico por outro elipsoidal, semelhante ao proposto por Newton. Na segunda das expedies, participaram os espanhis A. Ulloa e J. Juan, que de volta a Espanha deram conta dos trabalhos ali realizados; anos depois proporiam a necessidade de contar com uma rede geodsica, antes de proceder ao levantamento do mapa do pas, seguindo precisamente as recomendaes dadas pelo prprio Picard.

Uma curiosa composio centrada em Sir Isaac Newton. O antecedente mais imediato de tais expedies foi a chamada Paramour Pink (1698-1700), dirigida por E. Halley, com a qual se iniciou toda uma srie de projetos cientficos que sucessivamente foram promovidos pelas Sociedades Cientficas recentemente criadas e que contriburam que a partir de agora se considerava j geografia como uma dos ramos essenciais do saber.

O astrnomo ingls Edmond Halley e o quadrante que empregava nas observaes realizadas no Observatrio de Greenwich, sucedendo ali a J. Flamsteed seu primeiro diretor. No desenrolar de tal viagem, provou Halley a variabilidade do campo magntico terrestre, publicando, em sua volta, o correspondente mapa de linhas isognicas; um dos primeiros exemplos de cartografia temtica. Com esse mapa se pretendia resolver o problema das longitudes, acreditando-se que a variabilidade do campo magntico era funo dessa coordenada, entretanto, logo se comprovou que falhava a hiptese de partida, j que a declinao magntica funo do tempo.

Fragmento do mapa de isognicas confeccionado por E. Halley na volta da expedio Paramour Pink, este mapa foi um dos primeiros exemplos de cartografia temtica Do ponto de vista cartogrfico, a continuao das exploraes do sculo XVI no proporcionou descobrimentos to espetaculares como os descobertos pelos espanhis e portugueses, cujo protagonismo foi cedendo paulatinamente em favor dos holandeses, no incio do sculo XVII.

A Califrnia peninsular de Ortelius (Edio de 1612)

A ilha da Califrnia e o Estreito de Anian na borda superior. Mapa do holands Pieter Goos (1666).

Pode-se dizer, a modo de concluso, que ainda que seja incontestvel o feito de que durante o sculo XVII se produziu um considervel avano nos conhecimentos geogrficos e geomtricos, tambm certo que at o ano de 1800 no foi possvel encontrar a soluo referente as confuses que sistematicamente vinham ocorrendo nos mapas, exceo feita as regies polares. Entre elas merecem recordar duas das que j foram mencionadas, por um lado a Califrnia, representada durante tanto tempo como uma ilha apesar de que os padres Salvatierra (1697) e Kino (1700) haviam confirmado sua peninsularidade; Delisle j a desenhava corretamente no incio do sculo, seguindo exemplos anteriores como o de Ortelius (1570), em que em outros mapas posteriores, ainda figurassem como ilha. Outra confuso importante que foi superada no sculo XVIII foi o repetido desenho do mtico estreito de Anian, registrado em numerosos mapas sem que se tivesse certeza de sua existncia; sabido que sua localizao coincidiria sensivelmente e surpreendentemente com o caminho descoberto, tantos anos depois, pelo dinamarqus V. J. Bering.