Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
A FORMAÇÃO
DO CÂNONE
DO NOVO
TESTAMENTO
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Indice:
O Cânone das Escrituras Cristãs
Primeiro Estágio - A primeira Bíblia Cristã
Segundo Estágio - A Bíblia Cristã é desafiada
O destino de Marcião
Terceiro Estágio - A primeira Bíblia Cristã defendida e ampliada
Quadro Cronológico do Novo Testamento
O inicio de um Cânone Cristão
A leitura nos primórdios do cristianismo
A leitura pública nos primórdios do cristianismo
Irineu de Lion e o Cânone da Verdade
Livro de Apocalipse foi escrito por volta de 95 a 96 DC durante a última metade do reino do
Imperador Domiciano
Uma primeira tentativa Proto-Ortodoxa de Cânone - O Cânone Muratório ou Muratoriano
Autores e Autoridades – Livros Anônimos, Homônimos e Pseudônimos.
O papel de Constantino nos primórdios do Cristianismo
Jesus Humano e Divino nos Evangelhos Canônicos
A controvérsia entre Adocionistas e Docetistas
Os Cristãos Proto-Ortodoxos
Constantino e a formação do Cânone do NT
Constantino e o Concílio de Nicéia
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Eliezer Lucena
O Cânone das Escrituras Cristãs
Pode parecer um pouco chocante para a maioria das pessoas e
principalmente os cristãos, perceberem que a Igreja não teve sempre o Novo
Testamento. As Escrituras Cristãs não desceram do céu poucos anos após a morte
de Jesus. Não foi fácil como muitos pensam. Não foi como preparar a massa de
um bolo e colocar no forno, e pronto, aí está o Novo Testamento, saiu do forno
agora, quentinho!
Os livros que vieram a compor o Novo Testamento começaram a ser
escritos na década de 50 d.C., ou seja, começaram a ser escritos 20 anos depois
da morte de Jesus com as Cartas de Paulo, e foram terminar de ser escritos por
volta do ano 120 d.C., com a carta 2 Pedro. Do inicio nos anos 50 ao seu término
no ano 120, demoraram 70 anos para ser escrito.
E foram escritos com objetivos diferentes, por autores diferentes, em
lugares diferentes. Mesmo após a finalização dos escritos cristãos, os mesmo não
haviam sido reunidos em uma coleção de escrituras que formassem a Bíblia dos
cristãos.
Este processo de canonização, ou seja, de reunir os escritos cristãos, filtrar
quais escritos cristãos refletiam as crenças da Igreja e organizá-los numa
coletânea demorou séculos para ser finalizado, e ainda com ressalvas.
No entanto, é consenso geral entre os especialistas na área do Cânone
Cristão que, o ponto de partida foi as Escrituras Hebraicas.
As Escrituras Hebraicas serviram de base para o cristianismo nascente. O
cristianismo naturalmente começou com Jesus, que era um Rabi (mestre) judeu.
Aqui caberia bem uma pergunta, Mestre em que? Ora mestre na Lei de Moisés.
Jesus aceitava a autoridade sagrada da Torah e dos Profetas, e
possivelmente de outros livros sagrados do judaísmo. Jesus ensinava a sua
própria interpretação da Torah e dos Profetas aos seus discípulos.
Assim como outros Rabis de seu tempo, Jesus afirmava que Deus poderia
ser encontrado nos textos sagrados, especialmente na Lei de Moisés a Torah. Ele
Lia as escrituras, estudava-as, interpretava-as, era adepto delas e as ensinava.
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Seus seguidores eram desde o inicio, judeus que tinham os livros de sua
própria tradição em alta conta. Por isso, já desde os primeiros tempos do
cristianismo, os adeptos dessa nova religião, os seguidores de Jesus, eram em
tudo diferentes no Império Romano. Portanto já desde o seu inicio o cristianismo
foi uma religião do livro.
O cristianismo herdou da sua raiz o judaísmo esta herança de ser uma
religião do livro. Jesus era judeu e seguia o judaísmo. Jesus cria na Torah e nos
Profetas e lia as escrituras Hebraicas. Seguia o Deus dos judeus que os havia
libertado da escravidão do Egito e da Babilônia.
Este Deus havia se manifestado a Moisés no Monte Sinai e dado a ele uma
Lei, a Torah. Nesta lei estava a forma como este Deus exigia ser adorado,
venerado e seguido. Este mesmo Deus havia também dado ao seu povo nestas
Leis, a Torah, uma série de regras, códigos de ética e moral, formando assim um
código de conduta, de como o povo deveriam viver e tratar um ao outro, um
verdadeiro código civil.
Os primeiros cristãos reivindicaram Jesus ser o Messias prometido nas
Escrituras Hebraicas através dos Profetas e da Torah. Portanto, para os escritores
do Novo Testamento, incluindo o mais antigo escritor de todos do NT, o
Apóstolo Paulo, as escrituras apontavam para a Bíblia Hebraica, a coletânea de
livros que Deus deu a seu povo e que predizia a vinda do Messias Jesus.
Portanto desde seu nascimento o cristianismo herdou a Bíblia Hebraica para
poder através delas justificar e reivindicar a messianidade de Jesus.
O livro desde o nascimento do cristianismo teve um papel importantíssimo
para seus primeiros seguidores, e é exatamente sobre isto que nos propomos a
falar neste estudo sobre as origens e o desenvolvimento do Cânone das Escrituras
Cristãs.
A própria Bíblia Cristã em si mesma traz indícios de sua origem, ou seja,
uma das características mais evidente de sua origem é sua divisão em duas
Macroestruturas desiguais; a primeira conhecida como Antigo Testamento, e a
segunda como Novo Testamento.
Além disso, em quase todas as páginas do Novo Testamento há referencias
ao Antigo Testamento, o que implica que esse corpo mais antigo de textos já
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existia e foi tomado como autoridade pelos autores do Novo Testamento.
Portanto a principio houve duas fases distintas na origem da Bíblia Cristã; a
primeira fase se deu com as escrituras hebraicas (Bíblia Hebraica) que o
movimento de Jesus herdou pronta, e a segunda fase se deu com os escritos
cristãos propriamente ditos que, na segunda ou terceira geração, foram
preservados em Grego, e que gradativamente foram atingindo um status de
Escrituras Sagradas e depois juntado ao corpo de Escrituras Sagradas dos judeus
e veio a formar a Bíblia Cristã como conhecemos hoje, dividida em duas Macro
estruturas, o Antigo e o Novo Testamento.
Mas este processo de formação do Novo Testamento, e depois sua junção
ao Antigo Testamento foi complicado e truncado. Houve muitos acontecimentos
responsáveis para que isto ocorresse. A maioria dos livros do Novo Testamento
foi redigida no primeiro século da era cristã, desde as cartas de Paulo, escritas
aproximadamente no ano 50 d.C., cerca de 20 anos após a morte de Jesus, até a
carta de 2Pedro, geralmente considerado o último livro do Novo Testamento a
ser escrito, por volta do ano 120 d.C., ou seja, os textos que vieram a compor a
Bíblia Cristã surgiu nos dois primeiros séculos da era Cristã com inicio nos anos
50 e término na década de 120 d.C.
Da primeira fase quando os cristãos adotaram a Bíblia Hebraica (Velho
Testamento) como sua Bíblia à segunda fase quando os Cristãos criaram seus
próprios textos houve um longo processo que se deu em três estágios:
a. O Cristianismo teve inicio com uma Bíblia já existente, as Escrituras
Hebraicas ou Bíblia Hebraica.
b. À medida que o movimento cristão se disseminou no mundo mais
amplo, surgiram fortes pressões para que abandonassem essas
Escrituras em favor de um Cânone de escritos exclusivamente
cristãos.
c. Isso desencadeou uma forte reação de defesa que resultou na
manutenção das Escrituras Hebraicas com o acréscimo dos escritos
Cristãos, o que por consequência criou a primeira Bíblia Cristã.
O único princípio que determinava um peso real na canonicidade de um
Escrito Cristão do Novo Testamento era que, se acreditasse ter o autor de um
documento ter sido um Apóstolo, este deveria ter conhecido o Cristo vivo ou,
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alguém que tivesse recebido a tradição diretamente de um Apóstolo.
Isso indica a importância dada pela Igreja ao testemunho vivo do Salvador
encarnado. Isto pode explicar por que, ao menos por toda uma geração, depois da
crucificação, não havia evangelhos; mas, quem precisava de um documento
escrito, se tinha estado e vivido na presença do Salvador ou conhecia alguém que
tivesse estado?
Vamos analisar agora estes três estágios do desenvolvimento do Cânone da
Bíblia Cristã. Não esquecendo que, este estudo é um resumo de toda uma vasta
literatura que, se o leitor quiser se aprofundar no assunto a bibliografia está
disponível no final do estudo.
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Primeiro Estágio – A primeira Bíblia Cristã
Os primeiros Cristãos herdaram um Cânone já existente de escritos
sagrados, as Escrituras Hebraicas do judaísmo. Elas não foram, em algum
momento adotadas ou tomadas emprestadas dos judeus, mas em vez disso, desde
o começo eram parte integrante da existência cristã em virtude do fato de que, a
Igreja era cem por cento judaica e os primeiros cristãos eram eles mesmos
judeus.
Por isto mesmo você não encontra essa expressão “Antigo Testamento” em
relação a seus escritos nos escritos no Novo Testamento, mas antes, eles usavam
a expressão “Escritura” como em Jo 20:9; Gl 6-3:22; 1Pd 2:6; 2Pd 1:20, ou
“Escrituras” ou “Santas Escrituras” como em Rm 1:2; 2Tm 2:15 ou “a Lei e
os Profetas” como em Mt 5:17; 7:12; 22:40; Jo 1:45, Atos 13:15 e etc...
Nesta época os livros da Bíblia Hebraica estavam bem definidos e divididos
em três partes: Torah, Profetas e Escritos. Note que a ordem dos livros era
diferente começava em Genesis e Terminava em 2 Crônicas , conforme citado
em Mateus:
“...para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do
justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias (Joiada), a quem matastes entre o
santuário e o altar.” Mt 23:35
O assassinato de Abel filho de Adão é o primeiro a ser narrado contra um
justo, enquanto que o assassinato do justo Zacarias filho de Joiada é o último.
Hoje, quando um cristão se refere a qualquer assunto contido na Bíblia, ele usa o
termo “do Gênesis ao Apocalipse”. No Século I EC, todos os judeus da Palestina,
Jesus, seus apóstolos e os primeiros cristãos palestinos usavam a Bíblia Hebraica,
e ao citar o homicídio de Abel, que é o primeiro da Bíblia Hebraica, e logo em
seguida, citar o de Zacarias, filho Joiada, conforme 2 Crônicas:
“...O Espírito de Deus se apoderou de Zacarias, filho do sacerdote Joiada...Conspiraram contra
ele e o apedrejaram, por mandado do rei, no pátio da Casa do Senhor...” 2Cr24:20e21
Seria o mesmo que dizer de Genesis à 2 Crônicas, ou seja o primeiro e o
último homicídio citado na Bíblia Hebraica. Esta é a maior prova que os
primeiros Cristãos usavam a Bíblia Hebraica com seu 22/24 livros.
Flavio Josefo defende um Cânone Hebraico de 22 Livros, 22 letras do alfabeta hebraico porque
consideravam 1 e 2 Samuel um livro só, e 1 e 2 Reis também. Enquanto 2 Esdras 14:45 do século II
e Jerônimo do século IV, consideravam um Cânone de 24 livros.
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No entanto, houve outro motivo, além da herança da Bíblia Hebraica
judaica, para os cristãos proto-ortodoxos defender veementemente a manutenção
da Bíblia Hebraica em seu conjunto de escrituras. Aqui estamos falando não da
primeira geração de cristãos, ou seja, de Jesus de Nazaré e seus primeiros
seguidores, estamos falando do cristianismo gentílico que proliferou no mundo
Greco Romano no II século.
Eles se viam em uma situação muito difícil quando o assunto era as
Escrituras judaicas. Por um lado, eles não estavam dispostos e nem tampouco
inclinados a adotar os caminhos do judaísmo. Mesmo na época de Inácio Bispo
de Antioquia, a maioria dos cristãos havia se convertido do paganismo e via os
judeus e a religião judaica como algo distinto da salvação operada por Cristo. Ao
mesmo, como eles próprios sabiam, Jesus era judeus, assim como seus
seguidores, e no inicio a Bíblia judaica funcionara como as Escrituras Cristãs, a
revelação do Deus único verdadeiro, o Deus dos judeus. Além disso, conforme
vimos, sem as Escrituras judaicas, os cristãos careciam de uma coisa que
precisavam para ter legitimidade religiosa no mundo antigo, ou seja, uma
reivindicação de antiguidade.
Foi somente por ter reivindicado raízes nas antigas tradições judaicas que
herdaram, encontradas nas Escrituras judaicas, cujas partes mais antigas foram
produzidas muito tempo antes de Homero, e ainda mais de Platão, que os cristãos
puderam ser vistos como respeitavelmente antigos, em um mundo antigo que
supervalorizava muito a antiguidade. Entretanto, realmente seguir as leis do
Judaísmo e se tornar judeus, isso estava fora de cogitação.
Como os cristãos deveriam resolver este problema? O caminho mais
comum é aquele adotado por Inácio de Antioquia, que escreveu que Cristo é o
próprio centro da Bíblia judaica. Quando seus oponentes declaravam não aceitar
como verdadeiro o que não estava apoiado em seus registros mais antigos, Inácio
insistiu que “Jesus Cristo é o registro mais antigo”. Para Inácio os patriarcas e os
profetas do velho testamento estavam buscando a Cristo e tinham a salvação
somente por meio dele.
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Segundo Estágio – A Bíblia Cristã é desafiada
Depois do estágio 1, houve um gradual surgimento de escritos cristãos que
refletiam a nova identidade e a nova mensagem das Igrejas Cristãs emergentes,
ou seja, Evangelhos, Cartas dos Apóstolos, o livros dos Atos e apocalipses. Então
por volta da metade do século II d.C., surgiu a grande ameaça que contestava a
Bíblia Hebraica e o Deus dos judeus, o grande líder eclesiástico chamado
Marcião.
Quem era Marcião? Marcião era uma figura, sob muitos aspectos,
intrigante. Marcião nasceu por volta do ano 100 d.C., na cidade de Sinope, no
litoral sul do Mar Negro, região do Ponto. Diz-se que seu pai era o bispo da
Igreja da região, isto explica toda sua familiaridade com a Bíblia Hebraica e toda
tradição Cristã da época. Quando adulto, ele era evidentemente rico, tendo feito
fortuna, provavelmente, no ramo da construção naval, ou seja, ele era construtor
de barcos.
No ano de 139 d. C., Marcião viajou de sua nativa Ásia Menor para a
cidade de Roma. Depois de ter chegado a Roma, fez uma enorme doação de
dinheiro à Igreja romana, 200.000 sestércios para as missões eclesiásticas,
provavelmente, em parte, para obter ou comprar o seu favor. Durante cinco anos
permaneceu em Roma, empenhando muito de seu tempo na busca da
compreensão da fé cristã e desenvolvendo muito dos pormenores dela em seus
muitos escritos.
Marcião foi o primeiro Cristão que conhecemos a ter produzido um Cânone
real das Escrituras Cristãs, ou seja, uma seleção de livros que segundo ele,
constituíam a lista dos textos Sagrados da fé.
Marcião defendia a ideia de que as escrituras hebraicas deveriam ser
abandonadas e substituídas por um Cânone de escritos composto exclusivamente
de uma seleção editada desses escritos cristãos mais novos.
O que levou Marcião a esta proposta radical foi sua apaixonada concepção
do cristianismo como um Evangelho da bondade e da misericórdia puras de Deus
que ele interpretava, não só como libertação da Lei Mosaica, como fez o
Apóstolo Paulo, mas também como ódio pela criação, bem como cm relação ao
próprio Criador cruelmente justo deste mundo.
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Para Marcião, “este Deus deste mundo, é o Deus da antiga Aliança e das
Escrituras Judaicas. Com ele, o Pai de Jesus Cristo nada tem em comum nem
qualquer relação”. Marcião escreveu um livro chamado “Antíteses” onde
enumerou sistematicamente as contradições entre as Escrituras Hebraicas e os
ensinamentos cristãos, a fim de provar, que o Deu dos judeus, o criador deste
mundo de sofrimentos, muito diferia do Deus e Pai de Jesus, de cuja existência o
mundo nem sequer desconfiava até o ano décimo quinto do Reinado de Tibério
César, quando Jesus de súbito apareceu pregando o Evangelho.”
Em Jesus acreditava Marcião surgiu uma revelação de Deus totalmente
nova e sem precedentes. Este ataque frontal á Bíblia Hebraica usada pelos
cristãos causou um estrago muito grande.
Num piscar de olhos os cristãos foram ameaçados de perderem suas
escrituras e junto com elas suas orgulhosas afirmações de serem a religião da
mais antiga sabedoria e a religião do cumprimento histórico, uma e outra, se
tornaram invalidas.
Marcião em seu ataque as escrituras Hebraicas defendia que o Evangelho
que o Jesus Histórico proclamava diferia radicalmente do que estava escrito nas
Escrituras Hebraicas, bem como daquele a ser encontrado na Igreja. Também na
Igreja, esse Evangelho puro fora traído, acreditava Marcião.
O Cânone de Marcião foi proposto como substituto das Escrituras
Hebraicas e era composto de duas partes; um único relato da vida e dos
ensinamentos de Jesus, purgado de seus acréscimos judaicos e dez cartas editadas
também do Apóstolo Paulo também purgadas de seus acréscimos judaicos.
Marcião estava convencido de que em “Paulo” ele encontrara o significado
e o verdadeiro conteúdo do “Evangelho”. No pensamento marcionita, Paulo era
proeminente entre os Apóstolos, era o Apóstolo e o evangelista de Cristo, porque
somente Paulo conhecia a verdade, pois para ele o mistério de Cristo veio a ser
conhecido por revelação.
Foi com base em Paulo que Marcião e seus seguidores não só rejeitaram e
combateram todos os outros Apóstolos e toda tradição cristã, como também
elaboraram seu relato da vida e do ensinamento de Jesus no Evangelho solitário
que perpetraram como sendo o único verdadeiro.
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O evangelho marcionita já não existe, mas foi ao que parece uma versão
dogmaticamente revisada do Evangelho de Lucas de quem fora, extirpados
elementos ofensivos à teologia marcionita.
A vigorosa rejeição da primeira Bíblia Cristã, as Escrituras Hebraicas
Judaicas, e sua tentativa de construir uma Bíblia substituta feita exclusivamente
das palavras de Jesus e das cartas de Paulo foram os eventos decisivos na fase
intermediária da formação da Bíblia Cristã, fase que criou as condições para o
período final da formação do Cânone Cristão.
O destino de Marcião
Após Marcião finalizar suas obras literárias, ele empenhou-se para difundi-
las e tê-las aceitas pelo mundo cristão em geral. Devido este fator se deu sua
estratégica mudança da Ásia Menor para Roma, a capital do mundo na época.
Marcião convocou um concílio de líderes da Igreja para uma reunião a fim de
apresentar sua visão doutrinal, talvez este seja o primeiro Concílio da Igreja
romana que se tem noticia. Após ouvirem o que ele tinha a dizer, os líderes
romanos, resolveram excomungá-lo da comunidade, reembolsando sua grande e
generosa doação e mandando-o embora.
Marcião deixou a Igreja de Roma momentaneamente derrotado, mas não
desanimou com o esforço perdido, nem menos convencido da verdade se seu
evangelho. Ele voltou à Ásia Menor para propagar sua versão da fé, e foi
fantasticamente bem sucedido. Marcião experimentou um sucesso quase inédito
no campo missionário, estabelecendo Igrejas onde quer que fosse, de modo que,
em poucos anos, um de seus oponentes proto-ortodoxos, Justino, apologista e
teólogo em Roma, pôde dizer que Marcião estava ensinando suas visões heréticas
para “muitas pessoas de todas as nações” (Apologia 1:26).
Durante séculos, as igrejas marcionitas puderam florescer; em algumas
partes da Ásia Menor, era a forma original de Cristianismo. Sabemos por
registros que, até o século V, havia bispos ortodoxos avisando seus membros de
suas congregações para terem cautela quando viajassem, para que não entrassem
em uma cidade estranha, e indo a uma igreja local em um domingo de manhã,
serem surpreendidos e descobrissem, para seu espanto, que estavam adorando em
meio a hereges marcionitas.
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Terceiro Estágio – A primeira Bíblia Cristã defendida e ampliada
Muitos pesquisadores estão convictos de que é exatamente em oposição a
Marcião que outros cristãos passaram a se dedicar mais à definição dos contornos
do que viria se tornar o Cânone do Novo Testamento.
É de se notar que na época de Marcião propriamente dita, Justino o Mártir
poderia falar muito vagamente da “memória dos Apóstolos” sem indicar quais
desses livros eram aceitos nas Igrejas ou por quê, ao passo que cerca de trinta
anos depois, outro escritor cristão, também em oposição a Marcião, assumiu uma
atitude de muito maior autoridade.
Como a Igreja mais ampla iria enfrentar o desafio lançado por Marcião?
Para uma resposta, também nesse caso temos de nos apoiar primordialmente em
fontes extrabíblicas.
É consenso geral entre os especialistas do novo testamento quais são essas
fontes e como interpretá-las, como escreve Rowan Greer: “todos os caminhos levam
não a Roma, mas a Irineu de Lion e o último quartel do século II”.
Pois foi Irineu que na época, elaborou “uma Bíblia e uma regra de fé cristãs
consideradas derivadas da escritura e proporcionando a chave adequada para o
sentido dela”.
Antes de Irineu não se encontram definições plenamente articuladas de um
Cânone do Novo Testamento, nem uma base clara para a interpretação de uma
Bíblia Cristã. É nos escritos de Irineu do final do século II e em sua obra
enormemente influente, Contra as Heresias, que encontramos as ideias que
defenderam com sucesso as Escrituras Hebraicas do desafio lançado por Marcião
e que deram origem à Bíblia Cristã Bipartite.
Essa defesa foi complexa e multifacetada, em sua Obra Contra as Heresias
no Livro IV, Irineu defende a unicidade de Deus, como o único Deus, em
resposta aos marcionitas que, criam em dois deuses, sendo o deus de Israel um
demiurgo em contraste com o Deus Pai bondoso e amoroso de Jesus. Irineu
defendeu com empenho a continuidade entre o Antigo Testamento e o Novo.
Jesus conhecia e revelava um único Deus Pai, o Deus de Abraão, Isaque,
Jacó, José, Moisés é o Deus revelado por Jesus. Jesus não aboliu a lei ele
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aperfeiçoou a Lei. Enfim esses são alguns dos argumentos dos vários usados por
Irineu na sua Obra Contra as Heresias Livro IV.
Ao buscar refutar a cristologia de Marcião que traçara uma distinção tão
aguda entre o Deus revelado por meio de Jesus e o Deus das Escrituras
Hebraicas, Irineu procurou, antes de tudo, contornar o relato evangélico recém-
construído de Marcião sobre o que Jesus ensinou e o fez recorrendo a quatro
relatos evangélicos mais antigos e mais confiáveis de Jesus usados nas Igrejas de
seu tempo: Mateus, Marcos, Lucas e João que ele caracterizou como “escritos”
que “pela vontade de Deus nos foram transmitidos...para construir o fundamento
e o pilara da nossa fé”. Sua alegação ao fazer isso foi que Marcião tinha não
somente:
“Abolido a Lei e os Profetas (as Escrituras Hebraicas), e todas as obras desse Deus
que fez o mundo, a quem ele chama de Regente do Mundo, como além disso, mutilou o
Evangelho Segundo Lucas, removendo tudo o que havia sobre o nascimento do Senhor, e
boa parte do ensinamento das palavras do Senhor, em que se registra o Senhor confessando
com nitidez que o criador deste universo é seu Pai.”
Ao longo de sua discussão dessa questão, Irineu repete o argumento
apresentado aqui de que, nas tradições evangélicas mais antigas em contraste
como Evangelho que Marcião confeccionara, o Deus a quem Jesus chamava de
Pai era o mesmo Deus a que se referiam as escrituras Hebraicas como o criador
do céu e da terra e que é isso que ensinavam todos os Apóstolos em todas as
Igrejas do mundo. Deste modo Irineu apela para a Universalidade da Igreja
(Católica = Universal).
Ao ligar essa primeira confissão Apostólica de Fé ao testemunho desses
Evangelhos mais antigos, Irineu pôde forjar um vinculo inquebrantável entre os
Quatro Evangelhos mais antigos da Igreja, as crenças centrais da Igreja
Apostólica Primitiva e o Deus das Escrituras Hebraicas, e assim, defender o uso
continuado na Igreja de seus primeiros Escritos Sagrados, as Escrituras Hebraicas
dos judeus. Ao mesmo tempo, Irineu desencadeou forças que iriam consolidar a
emergência de uma versão nova ou de uma segunda versão dessa Bíblia,
incluindo nela não só essas Escrituras Hebraicas mais antigas mas também
escritos adicionais de cunho peculiarmente Cristão, a saber, os quatro
Evangelhos Apostólicos em lugar da versão única marconita, editada, do
Evangelho de Lucas.
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Em uma passagem frequentemente citada de sua obra Contra as Heresias,
Irineu diz que não só Marcião, mas também outros ‘hereges” tinham concluído
equivocadamente que só um ou outro dos Evangelhos devia ser aceito como
escritura. Os cristãos judeus que defendiam a validade continua da Lei, usavam
apenas Mateus.
Alguns grupos que sustentavam que Jesus não era o Messias só aceitavam o
Evangelho de Marcos. Marcião e seus seguidores aceitavam apenas uma versão
de Lucas e um grupo de gnósticos chamados valentinianos só aceitava o
Evangelho de João.
Todos esses grupos labutavam em erro, porque de acordo com Irineu:
“Não é possível que os Evangelhos possam ser mais ou menos em número do que são. Pois,
dado que há quatro regiões do mundo em que vivemos, quatro ventos principais, enquanto a
Igreja está dispersa pelo mundo e o fundamento e a base da Igreja é o Evangelho... é
adequado que ela deva ter quatro colunas.” Contra as Heresias. 3.11.17
O que se deveria fazer então com a outra proposta de Marcião, ou seja, sua
ardente paixão e adesão à teologia e as cartas de Paulo?
A resposta de Irineu a essa questão pode ser considerada sua segunda
grande contribuição para a formação do Cânone do Novo Testamento. Paulo não
era o único Apóstolo, logo, o que Irineu pediu foi o reconhecimento do Status
canônico das cartas de Paulo, tal qual fizera Marcião, porém acrescentando
outros escritos Apostólicos que suplementariam e equilibrariam a ênfase
unilateral dos escritos Paulinos.
Incluíram se aí o livro dos Atos dos Apóstolos e algumas cartas Pastorais
ou Universais destinadas a todas as Igrejas, bem como o Apocalipse de João.
Irineu buscou igualmente manter as cartas de Paulo ao preservá-las, sem
serem editadas, em meio a um Cânone Apostólico ampliado que serviria de
contrapeso ao contraste demasiado agudo de Paulo entre graça e lei.
Com Irineu, a Igreja tinha todas as partes essenciais do que veio a ser o
Cânone do Novo Testamento.
Seria bom ressaltar que essa designação Novo Testamento ainda era
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Eliezer Lucena
desconhecida de Irineu. Ele não tinha um nome com que distinguir os livros do
Novo Testamento da Escritura antiga. Quando requer a ocasião, ele fala
simplismente do Evangelho Quádruplo, dos Atos dos Apóstolos ou das cartas dos
Apóstolos.
Às vezes, ele agrupa esses livros com o Antigo Testamento, referindo-se ao
todo sem diferenciação por meio das designações há muito consagradas:
“Escrituras do Senhor”, “As Escrituras”, “A Escritura”.
Ao defender as Escrituras Hebraicas e os escritos Apostólicos juntos numa
unidade expandida de escritos sagrados, Irineu alegava que estes escritos juntos
narravam a História da raça humana, na qual ocorreu a progressiva revelação de
Deus. Revelação que começava com a criação e avançava até redenção final em
Cristo.
Irineu defendia a progressiva revelação de Deus nas Escrituras Hebraicas e
dizia que a revelação de Cristo do Pai nas Escrituras Hebraicas acontecia por
estágios.
“Há quatro alianças, sob Adão, sob Noé, sob Moisés, e a quarta, “que renova o homem, e
resume em si todas as coisas por meio do Evangelho, erguendo o homem e sustentando-o
com suas asas até o Pai celestial”. (Contra as Herseias 3:11.8).
Talvez isso baste para dar uma ideia das perspectivas teológicas de Irineu.
Poderíamos resumir dizendo que ele julgava que as “Escrituras” recém-
ampliadas da Igreja transmitiam uma história contínua, orientada pela
Providencia Divina, uma história redentora que se desenrolava por estágios que
ia da criação a consumação da criação em Cristo.
Os Pais Apostólicos e os Pais Apologéticos gradativamente mencionaram e
reconheceram os livros do Novo Testamento até chegarem ao número de 27
livros:
Clemente de Roma mencionou ao menos oito livros do Novo
Testamento (95 d.C.).
Inácio de Antioquia reconheceu cerca de sete livros (115 d.C.).
Policarpo, um discípulo de João o Apóstolo, reconheceu 15 livros
(108 d.C.).
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Mais tarde, Irineu mencionou 21 livros (185 d.C.).
Hipólito reconheceu 22 livros (170-235 d.C.).
Os 27 livros Neotetamentários da nossa atual Bíblia são listados pela
primeira vez numa Carta Festiva escrita pelo Bispo Atanásio de
Alexandria em 367.
Os livros do Novo Testamento que provocaram maior polêmica foram
Hebreus, Tiago, II Pedro, II João, III João e o Apocalipse. Nem todos os livros
do Novo Testamento foram aceitos imediatamente pela Igreja.
Algumas dessas cartas foram contestadas na antiguidade, como o
apocalipse de João e algumas Epístolas Universais ou Católicas menores como:
(II Pedro, Judas, Tiago, II e III João).
Entretanto, gradualmente elas se juntaram a coleção já existente que era
aceita pelos Cristãos, formando o cânone do Novo Testamento. Outros livros,
como o Pastor de Hermas, as epístolas de Policarpo, de Inácio e as cartas de
Clemente, circularam na coleção antiga de livros que era aceita por algumas
comunidades cristãs. Porém, esses livros foram excluídos do Novo Testamento
pela Igreja primitiva.
Curiosamente, apesar do Cânon do Antigo Testamento não ser aceito
uniformemente dentro do cristianismo (católicos, protestantes, ortodoxos gregos,
eslavos e armênios divergentes quanto aos livros incluídos no Antigo
Testamento), os 27 que formam o Cânon do Novo Testamento foram aceitos
quase que universalmente dentro do cristianismo, pelo menos desde o século III.
As exceções são o Novo Testamento da Igreja Ortodoxa da Etiópia, por
exemplo, que considera autêntico o Pastor de Hermas (séc. II) e a Peshita, Bíblia
da Igreja Ortodoxa Síria, utilizada por muitas Igrejas da Síria, que não inclui o
Apocalipse de João na lista de livros inspirados.
Podemos identificar a primeira vez que um cristão listou os vinte e sete
livros do Novo Testamento, nem mais, nem menos. O autor foi um poderoso
Bispo de Alexandria chamado Atanásio.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
No ano 367 d.C., Atanásio escreveu sua carta pastoral anual às Igrejas
egípcias sob sua jurisdição. O propósito dessas cartas era marcar a data da
Páscoa, que não era fixada com antecedência como em nossos calendários
modernos, mas anunciada cada ano pelas autoridades da Igreja. Atanásio usava
estas cartas “festivas” anuais para dar conselhos pastorais e orientar suas Igrejas.
Em sua famosa carta de 367 d.C., ele indica, como parte de seu
aconselhamento, os livros que suas igrejas deveriam aceitar como Escritura
Canônica, ou seja, ele incluiu um conselho acerca de quais livros deveriam ser
lidos como escritura nas Igrejas. Ele primeiro lista os livros do Velho Testamento
e depois nomeia exatamente os 27 livros que hoje temos como Novo Testamento
com estas palavras: “Só nestes livros o ensinamento da beatitude é proclamado. Não
permitas que nada seja adicionado a estes; não permitas que nada seja retirado deles”.
Ele relaciona nossos vinte e sete livros, com exclusão de todos os demais.
Essa é a primeira instância que chegou ao nosso conhecimento de alguém
declarando que esse nosso conjunto de livros era o Novo Testamento.
Neste mesmo ano de 367 e provavelmente nesta mesma carta que Atanásio
enviou às suas Igrejas no Egito, ele expediu uma ordem para que fossem
destruídos todos os documentos com tendências heréticas, completando assim
um cerco que se fechava desde o século anterior, além de concretizar a decisão
tomada pelos bispos reunidos no Concilio de Nicéia em 325.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Quadro Cronológico do Novo Testamento
EVENTO DATA OBRA
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 51 1ª Epístolas aos Tessalonicenses
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 54-57 Epístola aos Gálatas
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 57 1ª e 2ª Epístolas aos Coríntios
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 58 Epístola aos Romanos
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 61 Epístola a Filemon
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 61 Epístola aos Colossenses
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 62 Epístola aos Efésios
Paulo escreve os primeiros escritos do NT 62 Epístola aos Filipenses
Marcos 60/70 Evangelho de Marcos
Anônima 70s Epístola aos Hebreus
Mateus 80s Evangelho de Mateus
Apocalipse é escrito 80s Livro do Apocalipse
Lucas compõe sua obra em duas partes 80/90 Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos
Tiago 70/90 Epístola de Tiago
Judas 70/90 Epístola de Judas
Evangelho de João é escrito 100/110 Evangelho de João
Epistolas de João são escritas 100/120 1ª, 2ª e 3ª Epístolas de João
2ª Pedro 100-125 2ª Epístola de Pedro
Marcião monta o 1º Cânone do NT 140 10 Cartas de Paulo e o Ev. De Lucas revisado por ele
Ireneu, bispo de Lião 185 Apresenta um cânon do Novo Testamento (sem 3João, Tiago e 2Pedro)
Canone de Muratori c. 200 Fragmento de Muratori apresenta um cânon de 22 livros???
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
O inicio de um Cânone Cristão
Como vimos anteriormente Jesus era judeu assim como seus primeiros
seguidores. Eles já tinham uma Escritura Sagrada a Torah, os Profetas e os
Escritos (Salmos e etc...).
Contudo, logo depois, os cristãos passaram a aceitar outros escritos ao lado
das Escrituras Judaicas. Essa aceitação pode ter tido origem no ensino autorizado
do próprio Jesus, à medida que seus seguidores tomaram a sua interpretação das
escrituras como dotadas da mesma autoridade conferida às palavras das próprias
escrituras.
Jesus pode ter estimulado essa compreensão pelo modo como parafraseava
alguns de seus ensinamentos.
No sermão da montanha, por exemplo, vemos Jesus expondo leis dadas a
Moisés e depois dando sua própria e mais radical interpretação delas, indicando
que a sua interpretação é a autorizada.
Isso fica patente nas chamadas Antíteses registradas no Evangelho de
Mateus capitulo 5. Jesus diz:
“Ouvistes o que foi dito: ‘não cometereis homicídio’, eu, porém, vos digo: todo
aquele que se encolerizar contra o seu irmão ou irmã está sujeito a juízo”.
O que Jesus diz em sua interpretação da Torah, surge como tão autorizado
quanto à própria Torah. Ora, Jesus diz:
“Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometereis adultério’. Mas eu vos digo: todo
aquele que olhar para uma mulher com pensamentos de luxúria em seu coração
já cometeu adultério com Ela”.
Gradativamente os ensinamentos de Jesus vieram a serem considerados tão
autorizados quanto os pronunciamentos de Moisés, ou seja, tanto quanto os
ensinamentos da própria Torah.
Posteriormente, isso vai se tornando cada vez mais claro no período do
Novo Testamento, no livro de 1Timoteo, atribuído a Paulo, mas frequentemente
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
20
Eliezer Lucena
considerado pelos especialistas como tendo sido escrito, em nome de Paulo, por
um seguidor tardio, o autor em 1Timoteo 5:18, exige de seus leitores a pagar
aqueles que servem de ministros no meio deles e fundamenta sua exortação
citando “as escrituras”.
O que se deve notar é que ele cita, então duas passagens, uma que se
encontra na Torah em Deuteronômio 25:4 “não amordaçaras o boi que
pisoteia”, e outra que se encontra nos lábios de Jesus Lucas 10:7 “ Um operário
é digno de seu salário”.
Dá a impressão de que, para esse autor, as palavras de Jesus já estão no
mesmo nível das Escrituras Hebraicas.
E não somente os ensinamentos de Jesus são considerados escrituras por
essa segunda ou terceira geração de cristãos. Os escritos dos seus apóstolos
também o eram.
Temos uma demonstração disso no último livros a ser escrito do Novo
Testamento, 2Pedro, um livro que muitos críticos especializados acreditam não
ter sido realmente escrito por Pedro, mas sob pseudônimo, por um de seus
seguidores.
Em 2 Pedro capitulo 3, o autor faz referencia a falsos mestres que deturpam
o sentido das cartas de Paulo para levá-las a dizer o que elas não querem dizer:
“assim como o fazem com o restante das Escrituras” 2Pedro3:13. Conclui-se que,
aqui, as cartas de Paulo já estão sendo consideradas Escrituras Sagradas.
Desse modo os escritos cristãos adquiriram um status de Escritura e foram
gradativamente incluídos num corpo de Escrituras Sagradas em pé de igualdade
com a Bíblia Hebraica, talvez isto explique o fato da Bíblia Cristã ser bipartida
em duas Macro Estruturas, O Antigo e o Novo Testamento.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
A leitura nos primórdios do cristianismo
Vimos que, no cristianismo dos primórdios, desde o seu nascimento, o livro
desempenhou um papel fundamental. Os primeiros cistos eram judeus, e o
cristianismo das origens, era visto como mais uma seita judaica, das muitas
outras existentes, como por exemplo: Os saduceus, os fariseus, os essênios, os
zelotas, os batistas e etc...
Já vimos também que estes cristãos herdaram uma escritura ponta, a Bíblia
Hebraica o Antigo Testamento. O judaísmo e o cristianismo eram religiões que
giravam em torno dos livros. A esta altura, poderíamos fazer uma pergunta
extremamente relevante, para entender como era a situação da alfabetização na
antiguidade.
Porém, antes de fazer esta pergunta convém dar um panorama dos vários
estilos literários da antiguidade cristã. Muitos tipos de livros estavam sendo
escritos e lidos por Cristãos nos primeiros séculos, não apenas os livros acolhidos
dentro do Cânone do Novo Testamento.
Havia outros Evangelhos, epístolas, apocalipses, registros de perseguições,
martirológios, apologias de fé, enfim, toda uma gama de literatura que ajudava a
definir cristianismo, levando-o a se tornar a religião que veio ser.
Agora estamos preparados para a pergunta que não quer se calar: Quem
eram os leitores de toda essa literatura que estava sendo produzida desde a aurora
do cristianismo? E melhor ainda, os cristãos primitivos dos quatro primeiros
séculos eram alfabetizados?
São perguntas que, a primeira vista, parece um tanto esquisita e sem
fundamento, porém, é de fundamental importância para nosso estudo. Se certos
autores estão produzindo uma variedade enorme de literatura cristã, seria normal
pensar que o alvo seriam os cristãos, e que os mesmos são letrados. Mas, quando
a pergunta se aplica ao mundo antigo, ela tem outra conotação, porque no mundo
antigo, a grande maioria das pessoas não sabia ler.
O letramento é parte integrante da vida para nós que vivemos no Ocidente
moderno. Lemos o tempo todo, todo dia. Lemos jornais, revistas, placas de
sinalização, livros de todo tipo desde romances à biografias e por aí vai. Mas
nossa atual intimidade com a linguagem escrita tem muito pouco a ver com as
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Eliezer Lucena
praticas e realidades da Antiguidade.
Estudos sobre o letramento demonstram que aquilo que hoje conhecemos
por letramento universal é um fenômeno moderno que só surgiu com o advento
da Revolução Industrial. Foi apenas quando as nações divisaram beneficio
econômico na habilidade de leitura de todos e de cada um que, se decidiram a
investir recursos maciços, especialmente tempo, dinheiro e recursos humanos,
requeridos para assegurar que todos recebessem alfabetização básica.
Nas sociedades não industrializadas, os recursos eram prioritariamente
alocados para outras coisas, portanto até o período moderno, quase todas as
sociedades apresentavam apenas uma pequena minoria da população capaz de ler
e escrever.
O melhor e mais influente estudo sobre o letramento na antiguidade, feito
pelo professor da Universidade de Columbia, William Harris, indica que nos que
nos tempos e lugares mais propícios, como por exemplo, Atenas no período
clássico do século V a.C., as taxas de alfabetização raramente atingiam de 10 a
15% da população. Traduzindo esses números, isso significa que, nas melhores
condições, de 85 a 90% da população não podia ler ou escrever. No século I
cristão, na época do Império Romano, as taxas de alfabetização podem ter sido
bem mais insignificante e irrisória ainda.
A leitura pública nos primórdios do cristianismo
Então, parece que temos uma situação paradoxal no cristianismo dos
primórdios. Ele era uma religião do livro, com escritos de todos os tipos que se
demonstravam como da mais alta importância para quase todos os aspectos da fé.
Mesmo assim, a maioria das pessoas não podia ler esses escritos. Como podemos
compreender esse paradoxo?
Na antiguidade ler um “livro” geralmente não significava alguém lê-lo
individualmente; significava lê-lo em alta voz, para os demais. Alguém poderia
afirmar ter lido um livro, quando, na realidade, o ouvira ser lido por outros.
Aparentemente, só podemos concluir que livros, importantes como eram para o
movimento cristão dos primórdios, eram quase sempre proclamados em situações
sociais, como por exemplo, na situação de culto.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Devemos nos lembrar das palavras do Apóstolo Paulo em sua carta aos
1Tessalonicenses 5:27 “Peço com insistência, pela autoridade do Senhor, que
esta carta seja lida para todos os irmãos.” (NTLH). E essa leitura era feita em
voz alta, em comunidade. O mesmo ponto é enfatizado em outros escritos
cristãos dos primórdios, como por exemplo, no livro do Apocalipse nos é dito:
Apocalipse 1:3 Bem-aventurado o que lê e bem-aventurados os que ouvem as
palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estão escritas; pois o tempo está
próximo.
Obviamente o texto acima faz referencia à leitura pública do texto. Em
suma, os livros que alcançaram o maior status de importância no cristianismo dos
inícios eram, em sua maioria, lidos em voz alta por aqueles cristãos que sabiam
ler, para que os analfabetos que eram a grande maioria esmagadora os pudessem
ouvir, entender e, até mesmo, estudá-los.
É por esta razão que o livro da Revelação o Apocalipse dá tanta ênfase ao
ouvir as palavras das profecias contidas no livro:
Apocalipse 2:29 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
O livro do Apocalipse começa falando que bem aventurado os que ouvem
as palavras desta profecia, e termina com o mesmo tema, porém alertando os
ouvintes para nada acrescentar nas palavras das profecias contidas no livro:
Apocalipse 22:18 Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia
deste livro que se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas
que estão escritas neste livro;
Apesar do fato de que o cristianismo dos primórdios se constituir
amplamente de crentes analfabetos, ele sempre foi uma religião altamente
literária.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Irineu de Lion e o Cânone da Verdade
Irineu afirma que há apenas um meio de se estar seguro contra o erro: “ voltar ao que se aprendeu inicialmente e “ter firme no coração o Cânone da Verdade, recebido no
batismo”
Supõe que sua audiência saiba qual é esse Cânone: “ A fé que a igreja,
mesmo espalhada pelo mundo inteiro... recebeu dos apóstolos”, e que, especifica
ele, inclui a fé em:
“Um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, e dos mares... e num Jesus Cristo, filho de Deus,
que encarnou pela nossa salvação, e no Espírito Santo... e no nascimento de uma virgem, e no sofrimento e
na ressurreição dentre os mortos, e na ascensão ao céu, em corpo... de nosso amado Jesus Cristo.”
Padres da Igreja que não mencionam o Evangelho de João: Policarpo,
Inácio de Antioquia, Justino o Mártir e Gaio o mestre romano o chamava de
herético.
Por que, então, Irineu uniu e incluiu o Evangelho de João aos de Mateus,
Marcos e Lucas, que eram muito mais aceitos, e alegou que se tratava de um
elemento indispensável do “Evangelho Quadruplo”?
E por que o colocou não como o quarto evangelho, como os cristãos
fizeram mais tarde, mas como a primeira e principal coluna do “Evangelho da
Igreja”? Diz ele que esse evangelho merece essa posição exaltada porque João, e
somente João, proclama a origem divina de Cristo, ou seja, sua
Geração original, poderosa e gloriosa a partir do Pai, assim declarando: “No principio era o verbo, e o
Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” E também que “todas as coisas foram feitas por intermédio
dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.”
Irineu conta que o discípulo de Valentino, Ptolomeu, ao ler estas palavras,
visualizou Deus, o verbo e, finalmente Jesus Cristo como ondas de energia
divina, por assim dizer, fluindo de cima para baixo. Assim, sugere ele, a infinita
Fonte divina que está acima se revela em forma diminuída no verbo divino, que,
por sua vez, revela-se na forma mais limitada no Jesus humano.
Mas Irineu declara que essa interpretação ignora o que vimos no capitulo 2
como a convicção central que João deseja transmitir: que Jesus encarna o verbo
divino que provem de Deus e portanto, na Terra, é “Senhor e Deus” para quem o
reconhece.
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Eliezer Lucena
Irineu, então, desafia a interpretação que Ptolomeu faz do prólogo de João e
argumenta que “Deus Pai” é equivalente ao verbo, e que o verbo é equivalente a
“Jesus Cristo”. Declara enfaticamente que João quer dizer que existe:
“Um Deus e um Jesus Cristo, por intermédio de quem todas as coisas foram feitas. Diz ele: o mesmo Filho
De Deus, o mesmo Unigênito, o mesmo criador de todas as coisas, a mesma luz verdadeira que alumia a
todo homem, o mesmo criador de todas as coisas, o mesmo que veio para o que era seu, o mesmo que se fez
carne e habitou entre nós” Conforme prólogo do Evangelho de João.
Disto os sucessores de Irineu derivariam uma espécie de equação simples,
quase matemática, na qual “Deus = verbo = Jesus Cristo”. O fato de até hoje
muitos cristãos considerarem alguma versão desta equação como a essência de
sua crença é um sinal do feito de Irineu e de seu sucesso. Irineu quer enfatizar
esse argumento quando repete que o próprio Jesus Cristo manifesta o “Deus uno
e todo-poderoso” que é o “Criador do universo”.
Como sua ousada interpretação veio a praticamente definir a ortodoxia,
quem lê o Evangelho de João, hoje, num idioma que não seja o grego original,
constata que as traduções fazem que a sua conclusão pareça óbvia, ou seja, que o
homem “que habitou entre nós” foi Deus encarnado.
Este, então, é o “CÂNONE DA VERDADE”, que Irineu reformula numa
linguagem que toma de empréstimo ao prólogo de João:
“Existe um Deus todo-poderoso, o qual fez todas as coisas com seu verbo... Assim as escrituras dizem que
todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.”
Em vez de visualizar Deus no alto, distanciado deste mundo, Irineu declara
que Deus se manifesta no e através do mundo, e até escolheu habitá-lo como
Jesus Cristo, o “verbo se fez carne”.
Irineu argumenta que este “cânone da verdade” permite a ele – e a qualquer
outra pessoa que o utilize ler não só os Evangelhos, mas todas as Escrituras, da
maneira radical em que alguns de seus predecessores cristãos foram pioneiros.
Em todo o lugar onde as escrituras judaicas mencionam o próprio Senhor
Deus, Irineu alega encontrar Jesus Cristo. Argumenta que quando Deus falou a
Abraão, foi nosso Senhor, o verbo de Deus, quem falou, não só a Abraão, mas a
todos os patriarcas e profetas:
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Eliezer Lucena
“Não há duvidas... de que o filho de Deus está presente em todo lugar nas escrituras; num momento falando
com Abraão; em outro, com Noé, dando-lhe as dimensões da arca... em outro momento, instrui Jacó sobre
sua viagem, e fala com Moisés da moita em chamas.”
Quando o profeta Ezequiel viu o Senhor rodeado de anjos e adorado no céu,
foi Jesus Cristo que ele viu no trono, afirma Irineu. Mesmo quando o livro do
Genesis conta que “o Senhor tomou argila da terra e formou Adão, Irineu declara
que “o Senhor Deus”, que criou a humanidade no paraíso, foi “nosso Senhor
Jesus Cristo, que se fez carne” e foi crucificado.
Irineu sabia que essa alegação vai muito além de qualquer coisa encontrada
nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, cada um dos quais, observa ele,
retrata Jesus como um homem que recebeu especial poder divino na qualidade de
‘ungido’ de Deus. Cada um desses Evangelhos atribui a Jesus um papel humano
um tanto diferente.
Assim, diz Irineu, Mateus o mostra como rei ungido por Deus e faz sua
família remontar ao rei Davi; Lucas enfatiza seu papel de sacerdote e Marcos o
retrata essencialmente como profeta de Deus. Nenhum deles identifica Jesus com
Deus, muito menos como Deus.
Para Irineu, porém, o Evangelho de João faz precisamente isso; como disse
mais tarde o padre Orígenes, somente João fala da “divindade” de Jesus. Para
Irineu, assim como para Orígenes, isso significa que João não só é diferente,
como também é “mais elevado”, pois viu o que os demais não perceberam.
A partir desta convicção, Irineu parece ter concluído que só reunindo João
aos outros Evangelhos a Igreja poderia completar o “Evangelho Quádruplo”, que
ensina que Jesus é Deus encarnado. Levado pelo entusiasmo, Irineu se identifica
pessoalmente com o evangelista João e declara que “João, o discípulo do
Senhor”, escreveu esse evangelho com a mesmíssima finalidade com que ele
agora escrevia seu livro, isto é, expor “hereges”, derrotar quem difunde “a
falsamente chamada gnose” e, acima de tudo, “estabelecer na Igreja o Cânone da
Verdade”.
Um canon de quatro evangelhos (o Tetramorfo) foi afirmado por Irineu,
cerca de 160 d.C., que se refere diretamente a ele. Uma insistência sobre a
existência de um cânone de quatro evangelhos, e não de outros além, foi um tema
central de Irineu de Lyon, c. 185.
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Eliezer Lucena
Em sua obra central, Adversus Haereses Irineu denunciou vários grupos
cristãos primitivos que usavam apenas um evangelho, como o Marcionismo, que
utilizava apenas a versão de Marcião de Lucas, ou os Ebionitas, que parecem ter
usado uma versão aramaica de Mateus, bem como grupos que utilizaram mais do
que quatro evangelhos, tais como os Valentinianos (AH 1,11).
Irineu declarou que apenas os quatro que ele defendia eram os quatro
"pilares da igreja": "Não é possível que não possa ser mais ou menos do que
quatro", afirmou, apresentando-se como lógica a analogia dos quatro cantos da
terra e dos quatro ventos (3,11.8).
Sua imagem, tirada de Ezequiel 1, ou Apocalipse 4:6-10, do trono de Deus
suportado por quatro criaturas com quatro faces "os quatro tinham o rosto de um
homem, e o rosto de um leão, no lado direito, e os quatro tinham o rosto de boi
no lado esquerdo, pois eles também tinham o rosto de uma águia "equivalente
ao" evangelho formado de quatro partes ", é a origem dos símbolos
convencionais dos Evangelistas: leão (Marcos), touro (Lucas), a águia (João) e
homem (Mateus).
Irineu foi finalmente bem sucedido em declarar que os quatro evangelhos
coletivamente, e exclusivamente estes quatro, continham a verdade. Ao ler cada
evangelho, à luz dos outros, Irineu fez de João uma lente através da qual se lê
Mateus, Marcos e Lucas.
Com base nos argumentos de Irineu, feitas em apoio de apenas quatro
evangelhos autênticos, alguns intérpretes deduzem que o Evangelho quádruplo
ainda devia ter sido uma novidade na época de Irineu.
Ainda em sua obra Adversus Haereses (3.11.7), ele reconhece que muitos
cristãos heterodoxos usam apenas um evangelho, enquanto (3.11.9) reconhece
que alguns usam mais de quatro.
Toda a espinha dorsal que serviu de base da ortodoxia estava montada com
Irineu de Lion. Irineu defendeu os Quatro Evangelhos que conhecemos hoje do
novo Testamento que vieram a entrar no Cânone, como os únicos. Irineu usou a
sucessão Apostólica para defender os ensinos verdadeiros, que deveriam ser
aqueles que remontavam aos Apóstolos.
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Eliezer Lucena
Irineu formulou o Kanon da Verdade que veio a ser a primeira confissão de
fé da Igreja e se tornou no Credo Apostólico mais tarde. Por estes e outros
motivos Irineu é considerado o Pai da Ortodoxia.
O sucesso do Diatessaron de Taciano no mesmo período de tempo é:
"... um forte indício de que o Evangelho quádruplo contemporaneamente amparado
por Irineu não era amplamente, e muito menos, universalmente reconhecido."
Em tempo: O Diatessaron (cerca de 160-175 d.C.) é a harmonia do
Evangelho mais proeminente criado por Taciano, um apologista cristão primitivo
e ascético. Taciano combinou os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e
João, em uma única narrativa.
Esta harmonia dos 4 evangelhos foi criada por Taciano, aluno de Justino o
Martir na Siria. Ela foi chamada da Diatésseron, que significa “através dos
quatro”, pois ela foi feita combinando e entrelaçando os relatos dos quatro
Evangelhos em uma longa narrativa. O Diatesseron foi o Evangelho usado na
Síria durante vários séculos em vez de serem usados os Evangelhos separados de
Mateus, Marcos, Lucas e João.
Justino freqüentemente cita os evangelhos: de Mateus, de Marcos, de Lucas
e de João, contudo não cita sob o nome de Mateus, de Marcos, de Lucas, e sim de
“Memória dos apóstolos”. Por isso chegou-se afirmar que Justino desconhecia a
divisão em quatro evangelhos, afirmada, por exemplo, fortemente por Ireneu
mais ou menos 30 anos mais tarde.
Portanto, é provável que os quatro evangelhos andassem juntos desde o
inicio do século II d.C. e referia-se a esses evangelhos com um nome genérico,
como “Memória dos apóstolos”. Ou, também, que já no inicio do II século se
conhecia a distinção dos quatro evangelhos, mas de acordo com o testemunho de
Justino era mais comum citá-los com um único nome.
Justno cita os quatro Evangelhos mais de uma dúzia de vezes, mas
tipicamente se refere a eles como “Memórias dos Apóstolos”. Justino não nomeia
os autores desses livros como autoridades, os livros parecem retirar sua
autoridade do fato de que citam exatamente as palavras e feitos de Jesus. Além
disso, não fica totalmente claro se essas citações se originam dos Evangelhos
separadamente, como vimos, ou de algum tipo de harmonia dos quatro
Evangelhos que Justino, ou alguém em Roma, havia criado entrelaçando os
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
quatro Evangelhos em uma longa narrativa. Suas citações frequentemente usam
uma frase de Mateus e uma frase de Lucas, combinando-as de um modo não
encontrado em nenhum manuscrito remanescente dos Evangelhos.
Vemos então que Justino provavelmente faz uso do Evangelho quadruplo,
ou do o que depois veio a ser conhecido como o Diatesseron criado por seu
aluno Taciano. Cronologicamente vemos um desenvolvimento e um processo de
canonização dos quatro Evangelhos já desde o inicio do século II. Justino com as
“Memórias dos Apóstolos” se referindo aos quatro Evangelhos juntos, Taciano
citando o Diatesseron, que significa através dos quatro Evangelhos e finalmente
chegando em Irineu que cita o Tetra-Morfo, ou seja, os quatro Evangelhos.
Portanto vemos uma tradição já enraizada e nos Pais da Igreja do séulo II,
especialmente a partir da segunda metade do século II, numa sequência
cronológica que pelos registros podemos remontar a Justino o Martír, com “As
memórias dos Apóstolos”, fazendo referência aos Quatro Evangelhos, iisto por
volta do ano 150d.C., passando por Irineu trinta anos mais tarde e o seu
Evangelho Tetramorfo, ou seja, os Quatro Evangelhos, e finalmente chegamos no
Cânone Muratoriano no ano 200d. C., com uma relação dos livros Cânonicos,
incluindo os Quatro Evangelhos.
McDonald & Sanders, no Apêndice D-1, apresentam o seguinte cânone
para Irineu, com base na obra A História da Igreja Eusébio (5.8.2-8), mas
observa que:
“.. é, provavelmente, nada mais do que a lista das referências feitas por Eusébio que foram feitas por
Irineu"
"Mateus, Marcos, Lucas, João, Revelação, 1 João, 1 Pedro, Pastor de Hermas, Sabedoria, Paulo
(mencionado, mas as epístolas não estão listadas)"
Irineu aparentemente cita 21 dos livros do Novo Testamento, e ele pensa
que os nomes dos autores foram quem escreveram o texto. Ele é conhecido por
ter sido ligado a Policarpo, e Policarpo pode ter sido ligado a João, o apóstolo de
Jesus. Se isso for verdade, então existe grande potencial e autoridade para sua
tradição.
Na obra “Contra as Heresias” no livro Três do 9,1 ao 24,2 Além de
mencionar os quatro evangelhos, Irineu também cita Atos do Apóstolos, as
Epístolas Paulinas (com exceção de Hebreus e Filemon), bem como a Primeira
Epístola de Pedro, e a Primeira e Segunda epístolas de João, e o livro do
Apocalipse. Ele pode se referir a Hebreus (Capitulo 2, versículo 30) e Tiago
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
(capitulo 4, versículo 16) e talvez até 2 Pedro (capitulo 5,versículo 28), mas não
cita nem Filemom, nem 3 João e nem Judas.
Ele acha que a carta aos Romanos, conhecido agora como uma das cartas de
Clemente, foi de grande valia, mas não parece acreditar que Clemente de Roma
foi o autor (Livro 3, capítulo 3, versículo 3) e para ele, esta carta parece ter o
mesmo status inferior, como a Epístola de Policarpo (Livro 3, capítulo 3,
versículo 3).
Ele se refere a uma passagem do Pastor de Hermas como Escritura
(Mandato 1 ou Primeiro Mandamento), mas isso tem alguns problemas de
consistência da sua parte. Hermas acreditava que Jesus tornou-se o Filho de Deus
no Batismo (Parábola 5 de Pastor, capítulo 59, versículos 4-6), um conceito
chamado Adocionismo, mas todo o trabalho de Irineu, incluindo sua citação do
Evangelho de João (João 1:1), prova que ele acreditava que Jesus sempre foi
Deus.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Livro de Apocalipse foi escrito por volta de 95 a 96 DC durante a
última metade do reino do Imperador Domiciano.
Todos os comentaristas fundamentalistas modernos concordam com essa
estrutura de tempo. Deixe-nos citar algumas evidências que dão suporte a esta
visão.
A respeito da visão de que o livro de Apocalipse foi escrito pelo apóstolo
João durante o governo de Domiciano, há duas fortes evidências – ambas de
natureza externa e interna. Primeiro a evidência externa.
Inicialmente, de maneira geral podemos dizer que todos os escritores dos três
primeiros séculos, cujos escritos foram encontrados, são explícitos, e concordam
em situar o exílio do João e a sua escrita do Apocalipse (Revelação) na última
parte do reinado de Domiciano, o último dos doze Césares; e isso, portanto, nos
diz que esse livro foi escrito em 95 ou 96 DC.
A primeira e maior das testemunhas é Irineu. Ele era aluno de Policarpo, que
por sua vez foi um dos discípulos de João.
“Nós não vamos, entretanto, correr o risco de cometer um erro nesse assunto, de confiantemente afirmar
que ele terá esse nome; pois nós sabemos que, se estivesse estabelecido que o seu nome deveria ser
proclamado no tempo presente, isso teria sido anunciado por aquele que viu a Revelação. Pois foi vista há
não muito tempo, mas quase em nossa geração, no final do reino de Domiciano. “
Irineu em Contra as Hesresis Livro V 30,3
Tertuliano, um contemporâneo de Ireneu, observou: “Quão feliz é aquela
Igreja cujos apóstolos derramaram todas as suas doutrinas com seu sangue! Na
qual Pedro resiste a sofrimentos semelhantes aos do Senhor; na qual Paulo tem
por coroa a mesma morte que João; e o apóstolo João, após ter sido mergulhado
em olho fervendo sem sofrer nenhum mal, foi banido para uma ilha.”
Aqui Tertuliano nos informa de dois fatos: primeiro, que João foi banido; e
segundo, que o lugar do seu exílio foi para uma ilha. Em outra passagem após
mencionar a perseguição por Nero, ele continua: “Domiciano também, o qual era
como um Nero em crueldade ensaiou as mesmas coisas; mas ele, como também
era um ser humano, prontamente cessou o seu empreendimento, e restaurou
aqueles que haviam sido banidos.”
Tertuliano, dessa maneira, sugere que o exílio era a pena usualmente
infligida aos Cristãos por Domiciano; ao passo que, pelos registros, Nero era
acostumado a matá-los.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
32
Eliezer Lucena
Clemente de Alexandria não menciona Domiciano pelo nome; mas ele
provavelmente o insinua quando fala do “tirano” após cuja morte João voltou do
exílio.
Eusébio, em três passagens, declara que a expulsão de João ocorreu no
reinado de Domiciano. Ele também diz que João escreveu o Apocalipse no
décimo quarto ano de reinado de Domiciano, que seria 95 DC.
É tradição
i que, neste tempo, o apóstolo e evangelista João, que ainda vivia, foi condenado a
habitar a ilha de Patmos por ter dado testemunho do Verbo de Deus. Pelo menos Irineu, quando
escreve acerca do número do nome aplicado ao anticristo no chamado Apocalipse de Joãoii, diz no
livro V Contra as heresias, textualmente sobre João o que segue: Mas se fosse necessário
atualmente proclamar abertamente seu nomeiii
, seria feito por meio daquele que também viu o
Apocalipse, já que não faz muito tempo que foi visto, mas quase em nossa geração, ao final do
império de Domiciano." Mas deve-se saber que de tal maneira brilhou por aqueles dias o ensinamento
de nossa fé, que até os escritores alheios a nossa doutrina não vacilaram em transmitir em suas
narrativas a perseguição e os martírios que então ocorreram. Indicaram inclusive com total
exatidão a data ao referir que no décimo quinto ano de Domiciano, Flávia Domitila, filha de uma
irmã de Flávio Clemente, um dos cônsules daquele ano em Roma, junto com muitos outros, foi
castigada com o desterro à ilha de Pontia, por causa de seu testemunho sobre Cristo.
História Eclesiastica Livro III Capitulo XVIII
Vitorinus de Petau, o autor do mais antigo comentário que existe sobre
Apocalipse, explica as palavras: “importa que profetizes outra vez a povos, e
nações, e línguas e reis.” (Rev. 10.11 mg.), da seguinte maneira: Ele fala dessa maneira porque, quando João viu esta visão, ele estava na ilha de Patmos, havendo sido
condenado pelo César Domiciano a trabalhar na mina. Lá, então, ele viu o Apocalipse; e, agora que,
avançado em anos, ele começava a pensar que seria recebido no descanso através de seus sofrimentos.
Domiciano morrera, e todas suas sentenças foram canceladas. E assim, João, após ter sido liberto da mina,
entregou essa mesma revelação que recebeu do Senhor.
Novamente, ao discutir o oitavo rei mencionado no capítulo dezessete do
livro de Apocalipse, Vitorinus nos diz em seu comentário que o sexto era
Domiciano, em cujo reinado foi escrito o Apocalipse.
Para o Novo Testamento, o processo de reconhecimento e compilação
começou nos primeiros séculos da igreja cristã. Desde o início, alguns dos livros
do Novo Testamento foram sendo reconhecidos.
Paulo considerou os escritos de Lucas tão cheios de autoridade quanto o
Velho Testamento (I Timóteo 5:18; veja também Deuteronômio 25:4 e Lucas
10:7). Pedro reconheceu os escritos de Paulo como parte das Escrituras (II Pedro
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
33
Eliezer Lucena
3:15-16). Alguns dos livros do Novo Testamento circulavam entre as igrejas
(Colossenses 4:16; I Tessalonicenses 5:27).
Clemente de Roma mencionou ao menos oito livros do Novo Testamento
(95 d.C.).
Inácio de Antioquia reconheceu cerca de sete livros (115 d.C.).
Policarpo, um discípulo de João o Apóstolo, reconheceu 15 livros (108
d.C.).
Mais tarde, Irineu mencionou 21 livros (185 d.C.). Hipólito reconheceu 22
livros (170-235 d.C.).
Os livros do Novo Testamento que provocaram maior polêmica foram
Hebreus, Tiago, II Pedro, II João e III João.
O primeiro “cânone” depois do Cânone de Marcião foi o Cânon
Muratoriano, que foi compilado em 170 d.C. O Cânon Muratoriano incluiu todos
os livros do Novo Testamento, exceto Hebreus, Tiago e III João.
Em 363 d.C. o Concílio de Laodicéia estabeleceu que somente o Velho
Testamento (e os Apócrifos) e os 27 livros do Novo Testamento deveriam ser
lidos nas igrejas. O Concílio de Hippo (393 d.C.) e o Concílio de Cartagena (397
d.C.) também afirmaram a autoridade dos mesmos 27 livros.
No entanto, apesar dos testemunhos de Irineu e outros pais da Igreja a favor
do Livro do Apocalipse, houve aqueles que foram na direção contraria rejeitando
o Livro veementemente. É o caso de Dionísio de Alexandria, chamado o Grande,
foi o patriarca de Alexandria, entre os anos de 248 e 265, veja relato da obra
Historia Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia a respeito de Dionísio e o que ele
sabia sobre o Apocalipse:
EUSÉBIO DE CESARÉIA LIVRO VII CAPITULO XXV Logo continuando, pouco mais abaixo, diz o seguinte sobre o Apocalipse de João: "Assim pois, alguns dos nossos antecessores rechaçaram como espúrio e desacreditaram por completo o livro, examinando capítulo por capítulo e declarando que era ininteligível e ilógico, e seu título enganoso. Dizem mesmo que não é de João e que tampouco é Apocalipseiv, estando como está bem velado com o grosso manto da ignorância, e que o autor deste escrito não só não foi nenhum dos apóstolos, mas que nem sequer nenhum santo ou membro da Igreja em absoluto, mas Cerintov, o mesmo que instituiu a heresia cerintiana e que quis dar credibilidade a sua própria invenção com um nome digno de fé. Na verdade, a doutrina que ele ensina é esta: o reino de Cristo será terreno; e como ele era um amante de seu corpo e inteiramente carnal, sonhava que consistiria no mesmo que ele desejava: fartura do ventre e do que está abaixo do ventre, ou seja: de comidas, de bebidas, de uniões carnais e de tudo aquilo com que lhe parecia que se procurariam
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
34
Eliezer Lucena
estas coisas de uma forma mais bem sonante: festas, sacrifícios e imolação de vítimas... Depois disto e depois de examinar todo o livro do Apocalipse e demonstrar que é impossível entendê-lo segundo seu sentido óbvio, continua dizendo: "Depois de concluir toda sua - por assim dizer - profecia, o profeta declara bem-aventurados os que a guardam e também, é verdade, a si mesmo: Bem-aventurado - diz, efetivamente - o que guarda as palavras da profecia deste livro, e eu, João, que estou vendo e escutando estas coisas1. Portanto, não contradirei que ele se chamava João e que este livro é de João. Porque inclusive estou de acordo de que é obra de um homem santo e inspirado por Deus. Mas eu não poderia concordar facilmente em que este fosse o apóstolo, o filho de Zebedeu e irmão de Tiago, de quem é o Evangelho intitulado de João e a Carta católica. De fato, pelo caráter de um e de outro, pelo estilo e pela chamada disposição geral do livro, conjeturo que não é o mesmo, já que o evangelista em nenhuma parte escreve seu nome nem prega a si mesmo: nem no Evangelho nem na Carta."
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
35
Eliezer Lucena
Uma primeira tentativa Proto-Ortodoxa de Cânone
O Cânone Muratório ou Muratoriano
A decisão sobre quais livros deveriam fazer parte do Cânone não foi
tomada da noite para o dia. Até o fim do século IV, cerca de trezentos anos após
a maioria dos livros do Novo Testamento ter sido escrita, ninguém afirmou achar
que o Novo Testamento consistia dos 27 livros que temos hoje, e apenas desses
livros.
Naquela época os debates já eram travados havia muito tempo. A primeira
tentativa, de que temos conhecimento, de definir uma relação de livros que o
autor anônimo, acreditava compor as Escrituras Cristãs surgiu na época de
Serapião que era bispo da grande Igreja da Antioquia, na Siria no final do século
II . Esta lista fragmentada é chamada de Cânone Muratório, em homenagem a L.
A. Muratori, o estudioso italiano do século XVIII que descobriu o fragmento na
cidade de Milão.
O fragmento é simplesmente uma relação de livros com comentários
ocasionais do autor anônimo sobre as obras que relaciona. O fragmento data do
século VIII, mas se acredita que a lista seja originaria do fim do século II,
provavelmente escrita perto de Roma.
A primeira parte da lista desapareceu. Após algumas palavras do fim de
uma frase descrevendo um dos Evangelhos, o autor anônimo continua falando de
Lucas como “o terceiro livro do Evangelho”. Ele a seguir identifica João como o
“quarto” e prossegue.
Já que Lucas e João são os terceiros e o quarto Evangelhos, é quase certo
que a lista começa com Mateus e Marcos.
O autor anônimo identifica como Canônicos 22 de nossos 27 livros, todos,
com exceção de Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro e 3 João. Mas também inclui nesta
lista a Sabedoria de Salomão e o Apocalipse de Pedro um livro proto-ortodoxo.
Ele diz ainda na lista que o Apocalipse conhecido como o Pastor de Hermas
é aceitável para leitura, mas não aceito como parte das Sagradas Escrituras.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
36
Eliezer Lucena
Ele continua, rejeitando duas epístolas supostamente de Paulo, escrita aos
Alexandrinos e aos Loadicenses, que para ele são fraudes escritas por outros
autores heréticos, incluindo alguns gnósticos.
O Cânone Muratório é especialmente valioso se realmente datar do século
II, já que isso indicaria que pelo menos, um autor proto-ortodoxo estava
interessado em saber quais livros, poderiam ser aceitos como Escrituras
Canônicas e que havia já no século II, uma preocupação em eliminar das
Escrituras fraudes ou documentos heréticos, e que em certos círculos já eram
aceitos livros que acabariam se tornando Canônicos.
Como vimos anteriormente Irineu comentou 21 livros do Novo Testamento
por volta do ano 180 quando escreve sobre o Evangelho Quádruplo em sua obra
Contra as Heresias, se estivermos certos, poderíamos inferir que, esta lista do
Cânone Muratório segue em conformidade a visão de Irineu apenas
acrescentando mais um livro.
Tanto isto pode ser verdade, pelo fato de o autor anônimo da lista do
Cânone Muratório usar as palavras: “Lucas como o terceiro livro do
Evangelho”, ou seja, o autor usa o singular, para se referir aos Evangelhos de
Lucas e João, como se fossem uma só obra. Será que ao fazer isto o autor não
estava com o Evangelho Quádruplo de Irineu em mente?
Mas a questão do Cânone continuou a ser discutida durante séculos.
Sabemos disso em parte pelos manuscritos que sobreviveram do Novo
Testamento. Assim que chegamos aos séculos VI e VII, manuscritos do Novo
Testamento geralmente não incluem nada além dos livros Canônicos tal qual
conhemos hoje, mas isto não acontece em períodos anteriores que vão dos
séculos II ao V.
O Códice Alexandrino, um famoso manuscrito do século V é um bom
exemplo disto, o manuscrito inclui como parte do Novo Testamento os livros de
1 e 2 Clemente, supostamente escritos pelo homem que Pedro teria escolhido
como Bispo de Roma.
O Códice Sináitico, um manuscrito de meados século IV, inclui a epístola
de Barnabé e o Pastor de Hermas em seu Cânone do Novo Testamento.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
37
Eliezer Lucena
Autores e Autoridades – Livros Anônimos, Homônimos e
Pseudônimos.
Provavelmente, todos os grupos de cristãos dos séculos II e III atribuía
autoridade a textos escritos, e cada um destes grupos veio a localizar essa
‘autoridade” no status do “autor” do texto. Esses autores eram considerados
intimamente ligados à autoridade final, ou seja, o próprio Jesus, considerado
enviado e representante de Deus.
Grupos diferentes atrelaram suas convicções a autoridades apostólicas de
formas diferentes: os Ebionitas, por exemplo, declaravam apresentar as teses
defendidas por Pedro, o discípulo mais próximo de Jesus, e por Tiago, irmão de
Jesus e líder da Igreja de Jerusalém após a morte de Jesus.
Os Marcionitas declaravam respeitar as ideias do Apóstolo Paulo, que as
recebeu por meio de revelação especial do próprio Jesus segundo Paulo.
Os Gnósticos Valentinianos também declaravam seguir os ensinamentos de
Paulo, transmitidos pelo discípulo Teudas, o professor de Valentino.
Os Proto-Ortodoxos declaravam todos esses Apóstolos como autoridades,
Pedro,Tiago, Paulo e muitos outros, mas nem todos os livros usados pelas Igrejas
Proto-Ortodoxas foram escritos pelos Apóstolos, e em alguns casos, os próprios
livros nem declaravam essa autoria.
Os quatro Evangelhos que finalmente entraram no Novo Testamento, por
exemplo, são todos livros anônimos, escrito na terceira pessoa sobre a vida de
Jesus e seus companheiros. Nenhum deles contém uma narrativa na primeira
pessoa do tipo: “Um dia, quando Jesus e eu fomos à Cafarnaum...” ou declara
ser escrito por uma testemunha ocular ou por um companheiro de uma
testemunha ocular.
Por que então nós o chamamos de Mateus, Marcos, Lucas e João? Porque
em alguma época no século II, quando os cristãos proto-ortodoxos reconheceram
a necessidade de autoridades apostólicas, eles atribuíram esses livros aos
Apóstolos Mateus e João e a companheiros próximos aos Apóstolos Marcos
secretário de Pedro, e Lucas, companheiro de viagens de Paulo.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
38
Eliezer Lucena
A maioria dos estudiosos hoje abandonaram essas identificações e
reconhece que os livros foram escritos por cristãos desconhecidos, mas
relativamente bem educados e versados em Grego, durante a segunda metade do
século I.
Gostaria de esclarecer algumas definições quanto a escritos literários. Os
dois primeiros termos são especialmente técnicos, e não vamos utilizá-los muito,
porém é importante saber o significado deles.
Um texto “ortônimo” significa literalmente “nome correto”, é aquele texto
de fato escrito pela pessoa que alega estar escrevendo o texto. Das 13 Epistolas
do Novo Testamento, há 7 de Paulo que praticamente todos os especialistas em
Novo Testamento concordam que são “ortônimas”.
Um texto “homônimo” significa literalmente “mesmo nome”, é aquele texto
escrito por alguém que por acaso tem o mesmo nome de outra pessoa. No mundo
antigo, a imensa maioria das pessoas tinha os mesmos prenomes. Isso era
verdade entre os cristãos, como entre todos os outros. Muitas pessoas se
chamavam João, Tiago e Judas, por exemplo. Se alguém chamado João escreveu
o livro do Apocalipse e chamou a si mesmo de João, não estava necessariamente
alegando ser qualquer outro que não ele mesmo. Quando cristãos posteriores
supuseram que aquele João tinha de ser o discípulo João, filho de Zebedeu, culpa
não foi do autor. Ele por acaso tinha o mesmo nome de outra pessoa mais
famosa. O livro, portanto, não é falsificado. É apenas homônimo, supondo que
João, filho de Zebedeu, não o escreveu, uma suposição segura para a maioria dos
acadêmicos críticos do Novo Testamento.
Outros escritos são “anônimos” significa literalmente “sem nome”. São
livros cujos autores nunca se identificaram. Ou seja, tecnicamente falando, um
terço dos livros do Novo Testamento são anônimos. Nenhum dos Evangelhos
traz o nome do autor. Apenas mais tarde os cristãos os chamaram de Mateus,
Marcos, Lucas e João, e escribas posteriores acrescentaram, então, esses nomes
aos títulos dos livros. Também são anônimos os livros de Ato dos Apóstolos, 1ª,
2ª, 3ª Epistolas de João, o mesmo se dá para a Epistola aos Hebreus, o autor
nunca menciona seu nome.
Outros escritos são “pseudônimo” significa literalmente “nome falso”.
Tecnicamente, ele se refere a qualquer livro que apareça sob o nome de alguém
que não seja o autor. Há dis tipos de textos pseudônimo. Algumas vezes o autor
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
simplesmente escolhe um nome fantasia para a autoria do livro ou texto. Quando
isto ocorre o autor não está tentando enganar seus leitores se passando por outra
pessoa, levando-os a pensar que era alguém famoso, não, era apenas um nome
fantasia para disfarçar sua própria identidade.
O outro tipo de escrito pseudônimo envolve um livro que circula sob o
nome de outra pessoa, normalmente uma figura com alguma autoridade que,
imagina-s, é bem conhecida pelo publico leitor. Pra este tipo especial de escrita
pseudônima, se usa o termo técnico “pseudoepigráfico” significa literalmente
“escrito sob nome falso”. Portanto, um escrito pseudoepigráfico é aquele
alegadamente escrito por uma pessoa famosa, bem conhecida ou de autoridade,
mas que, na verdade, não o escreveu.
Depois de conhecer estas definições quanto ao crédito de um escrito ou
livro, podemos dar sequencia em nosso estudo da autoria dos textos do Novo
Testamento.
Outros livros do Novo Testamento que vieram a ser aceitos como
Canônicos não eram anônimos, como os Evangelhos, mas homônimos, isto é,
escritos por alguém que tinha o mesmo nome que uma pessoa bem conhecida nos
círculos cristãos. Por exemplo, o autor do livro de Tiago no Novo Testamento,
seja lá quem for, não dá qualquer indicação de que ele é Tiago, o irmão de Jesus.
Muito pelo contrario, ele não diz absolutamente nada sobre qualquer vinculo
pessoal com Jesus. Além disso o nome Tiago era muito comum no século I, pelo
menos sete homens são encontrados só no Novo Testamento com este nome. De
qualquer forma, o livro foi aceito posteriormente como apostólico com base no
fato de que o autor era o irmão de Jesus, Tiago, embora ele nunca tivesse
declarado isto. O nome João também era muito comum na época. Embora o
Evangelho e as Epistolas de João não declarem ser de alguém com este nome.
O Apocalipse ao contrario dos Evangelhos e das Epistolas atribuídas a João,
diz que o autor é João:
Apocalipse 1: 1 Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus
servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu
anjo, notificou ao seu servo João, 2 o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de
Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu.
Porém o autor em nenhum lugar alega ser João, filho de Zebedeu, um dos
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
40
Eliezer Lucena
Apóstolos de Jesus. Provavelmente, então, ele não era o Apóstolo. Dessa forma,
o livro é homônimo em relação a João e, posteriormente, foi aceito por cristãos
como Canônico porque eles acreditaram que o autor era, de fato, João o Apóstolo
terreno de Jesus.
Há ainda outros livros que são assinados por pseudônimos. Incluídas neste
grupo estão quase certamente 2Pedro, provavelmente 1Pedro, Judas e as
Epístolas Pastorais atribuídas a Paulo 1 e 2 Timóteo e Tito.
Como vimos, a maioria das cartas de Paulo, além de terem sido os
primeiros escritos do Novo Testamento, também são provavelmente os únicos
texto que podemos considerar “ortônimo” escritos sob nome correto.
Os Evangelhos são “anônimos”, ou seja, escritos sem nomes, não sabemos
ou não conhecemos os autores.
Tiago, Apocalipse e talvez Judas são escritos ‘homônimos”, ou seja,
escritos sob o mesmo nome de pessoas famosas do meio cristão.
Algumas cartas são porém, “pseudônima”, ou seja, escrito sob nome falso,
como é caso das Epístolas Pastorais e etc...
Hoje é unanimidade entre os estudiosos sérios do Novo Testamento que
estes escritos e livros foram de fato, escritos pelas comunidades fundadas pelos
Apóstolos que levam os créditos da autoria. Muitos estudiosos usam a
designação: Comunidade Joanina, Comunidade Mateana, e assim por diante.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
41
Eliezer Lucena
O papel de Constantino nos primórdios do Cristianismo
O papel de Constantino no cristianismo desde tempos antigos sempre suscitou
uma enorme variedade de teorias conspiratórias por parte de cristãos
fundamentalistas de vária vertentes do cristianismo.
Os cristãos de ascendência judaica em relação às leis da Torah, como por
exemplo, os que guardam o sábado, acusam Constantino de uma conspiração
contra a Torah e a lei, mudando o calendário, ou seja, o descanso do sábado para
o domingo.
Outros acusam Constantino de um sincretismo religioso, onde Constantino
misturou o cristianismo com as religiões pagãs do Império Romano. Existem
algumas perguntas que precisam ser respondidas:
1. Constantino convocou o Concilio de Niceia Para defender que Jesus era
divino?
2. Foi Constantino quem criou o cânone com os quatro evangelhos, e a Bíblia
como conhecemos hoje?
3. Foi Constantino quem suprimiu os demais livros, e excluiu o feminino e
proclamou a divindade de Jesus?
Diz a História que quando o imperador Diocleciano autor da Grande
perseguição contra os Cristãos abdicou ao trono no ano 304 d.C., Constantino
assumiu o trono, porém, Maximiano reivindicava para si este mesmo trono. Mas
o controle da cidade foi assumido pelo filho de Maximiano chamado Maxêncio.
Constantino pretendia ser o único governante do império e isto significava dar
fim a Maxêncio e seu exército. Constantino marchou sobre Roma, travando uma
grande batalha na ponte Milviana sobre o rio Tibre.
Constantino relataria mais tarde ter recebido um sinal sobrenatural antes da
batalha, o qual acabaria por levá-lo a abraçar o cristianismo como única religião
verdadeira. Segundo seu relato que se encontra na obra História Eclesiástica de
Eusébio de Cesaréia, ele sabia que só seria capaz de sair vitorioso da iminente
batalha se contasse com o apoio do poder divino, mas não sabia a que deus
endereçar suas súplicas de ajuda no combate.
Foi então quando ele viu no céu um estandarte em forma de cruz, e acima
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
dele, as palavras “Com este símbolo vencerás”. Sem entender o significado disso,
ele sonhou naquela noite que Cristo vinha a ele com o mesmo símbolo, dizendo-
lhe que o utilizasse como proteção contra os inimigos.
No dia seguinte, Constantino descreveu o símbolo a artesãos por ele
convocados, que então confeccionaram um esplêndido objeto de ouro e pedras
preciosas que tinha um formato de cruz, com duas letras gregas no alto o C e o R,
as duas primeiras letras do nome Cristo.
De acordo com Eusébio de Cesaréia, Constantino convocou assessores
religiosos para lhe explicar o que significava tudo aquilo, e eles lhe disseram que
se ele se comprometesse com o culto do Deus cristão ele estaria sempre
protegido.
Foi então que sob esse símbolo que ele enfrentou Maxêncio em batalha e
obteve uma estrondosa vitoria e se impôs como imperador do Ocidente no ano
312 d.C. (Licínio era o imperador do Oriente).
É possível que Constantino tenha associado sua velha religião, ou seja a
adoração ao “Sol invictus” à nova fé cristã, pois as moedas do sol invictus
continuaram a aparecer por mais nove anos após sua conversão.
Não terá sido por acaso também que, ele determinou que o Deus cristão fosse
cultuado no domingo no dia do sol e que o nascimento de Cristo passasse a ser
celebrado na época do solstício de inverno em 25 de dezembro.
Em 313 acertou com Licínio, o imperador do Oriente, a cessação de
hostilidades contra os cristãos em todo o império. Para isso foi necessário baixar
um decreto, que ficou conhecido na história como o édito de Milão,
determinando liberdade religiosa para que toda a população do império,
abrangendo cristãos, pagãos e judeus, pudesse cultuar os deuses que bem
entendessem, da maneira que considerasse apropriada.
Foi isto, e não o concilio de Niceia convocado doze anos depois, que pôs fim
aos conflitos contra os cristãos. Lembrando que nessa época os cristãos não
passavam de 5 a 8 %da população do império.
Constantino queria agora unificar o Império Romano que já há muito estava
fraturado, nos cinquenta anos anteriores à ascensão de Diocleciano, o império
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
tivera 20 imperadores diferentes. Com esta finalidade tomou uma série de
medidas políticas e financeiras. É possível que ele visse na adesão ao Deus
cristão uma maneira de unificar o império. Seria então um único império
cultuando o Deus único, com um único imperador. Um Deus, uma fé, um
imperador, um império. Quer maior unificação do que esta?
A Igreja foi coberta de benesses, tornado-se cada vez mais popular ser cristão
e com isso renunciar aos deuses pagãos. No final do século IV, os cristãos eram a
maioria na população do império.
Mas havia um grande problema nessa utilização do cristianismo como
instrumento de unificação: A própria igreja cristã estava desunida e m várias
questões fundamentais, sendo a mais importante delas a das concepções
teológicas. Para que pudesse unificar o império, o cristianismo tinha primeiro de
se unificar.
É este o verdadeiro motivo pelo qual Constantino convocou um concilio de
Bispos entre 200 a 250 bispos, para resolver problemas que vinham causando
disputas internas entre os cristãos. O concilio reuni-se na cidade de Nicéia e por
isto ficou conhecido como Concilio de Nicéia.
Agora começa a grande confusão que uma grande parte de cristãos de teorias
conspiratórias fazem alegando que o concilio foi convocado para decidir se Jesus
era divino ou não.
Constantino efetivamente convocou o Concilio de Nicéia, e uma das questões
a serem tratadas era a divindade de Jesus. Mas não se tratava de um concilio para
decidir se Jesus era ou não divino. Muito pelo contrario, todos os participantes do
concilio, e na realidade quase todos os cristãos em geral, já estavam de acordo de
que Jesus era divino, o filho de Deus.
A questão em debate consistia em saber como entender a divindade de Jesus a
luz da circunstância de que também era humano. Além disso, como poderiam
Jesus e Deus ser ambos Deus se havia um único Deus? Estas sim eram questões
discutidas e relevantes em Nicéia.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Jesus Humano e Divino nos Evangelhos Canônicos
O autor mais antigo do Novo Testamento é Paulo o Apostolo nos anos 50 à 60
d.C., que é categórica em afirmar :
Felipenses 2: 5 Tende em vós este sentimento que houve também em Cristo Jesus, 6 o qual, subsistindo em
forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão, 7 mas
esvaziou-se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens;
O mais antigo evangelho que dispomos o de Marcos, assim anuncia em seu
inicio o tema que tratará: “Principio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de
Deus” (Marcos 1:1)
O mais tardio dos evangelhos canônicos, o evangelho de João, é ainda mais
explicito. Nele, Jesus não é apenas o Filho de Deus, e sim o próprio Deus: “No
principio era o verbo, e o verbo estavam com Deus, e o verbo era Deus.”.
Este não é o ponto de vista somente de Paulo e dos evangelhos canônicos, mas
também da grande maioria dos autores cristãos dos primeiros séculos. Inácio da
Antioquia morto no ano de 110 d.C. diz assim em estilo poético:
“Existe um médico, ao mesmo tempo carnal e espiritual, nascido e não nascido, Deus feito carne, vida
verdadeira na morte, de Maria e de Deus, primeiro submetido ao sofrimento e depois além do sofrimento,
Jesus Cristo nosso Senhor.” (Inácio Aos Efésios 7:2)
Desde o inicio, nos mais antigos textos cristãos de que dispomos, tornou-se
um lugar comum ter como certo que Jesus em determinado sentido era divino.
Mas havia sempre um obstáculo, pois a maioria dos cristãos também considerava
que Jesus era igualmente humano. Como poderia ser ele humano, se era divino?
É um problema com que se defrontaram os cristãos durante séculos, e em certo
sentido foi esta a questão que o Concilio de Nicéia foi chamado a resolver.
Este assunto deu muito trabalho aos cristãos, pois muitos reconheciam que a
humanidade e a divindade são duas coisas diferentes. Deus não poderia ser um
homem, exatamente como um homem não poderia ser uma rocha.
É certo que, para alguns Jesus era tão humano que não podia ser divino, ao
passo que outros argumentavam que era tão divino que não poderia ser humano.
No século II, Todavia, estes dois pontos de vistas antagônicos passaram a ser
considerados heréticos, ou seja, ensinamentos falsos.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
A controvérsia entre Adocionistas e Docetistas
Um exemplo do primeiro caso é o dos “Adocionistas”. Para ele Jesus era
humano em todos os sentidos: nasceu da união sexual de José e Maria,
exatamente como qualquer outra pessoa. Segundo os adocionistas, o que tornava
Jesus diferente dos outros era o fato de ser mais justo que os demais. Em
consequência de sua superior virtude, Deus o escolheu como “Filho”, adotando-
o, na realidade, em seu batismo, durante o qual desceu uma voz do céu que
declarou: “Ru és meu filho, hoje eu te gerei” Salmo 2:7.
De acordo com os cristãos adocionistas, Jesus, como ser humano adotado para
ser Filho de Deus, recebeu a missão divina de morrer em sacrifício pelos pecados
dos outros. Como recompensa por seu sacrifício e obediência até a morte, Deus o
retirou do convívio dos mortos e o elevou a seu lado direito, onde vive na Glória
e no poder, aguardando seu retorno à Terra no dia do Juízo Final.
Os cristãos de hoje podem ficar intrigados com essa perspectiva, perguntando-
se por que os cristãos adocionistas não se davam ao trabalho de ler o Novo
Testamento para ver que estavam errados, já que Jesus nasceu de uma virgem e
era na verdade o Filho de Deus?
Mas o motivo pelo qual não pareciam ter lido o Novo Testamento é simples:
O Novo Testamento ainda não existia. Na verdade, todos os livros do Novo
Testamento já estavam redigidos. Mas ainda não haviam sido reunidos num
cânone de escrituras nem eram conhecidos em seu conjunto como o Novo
Testamento.
No outro extremo havia os defensores da atitude inversa, ou seja, insistiam
que Jesus era tão plenamente divino que não poderia ser humano. Estes cristãos
são chamados de “Docetistas”, da palavra dokeo, que significa “parecer”, pois
sustentavam que Jesus não era humano, apenas parecia sê-lo. Era plenamente
Deus. Desse modo, Jesus apenas parecia ter carne e sangue humanos, emoções e
fraquezas humanas, assim como a possibilidade humana de sofrer e morrer. Na
realidade, seria tudo apenas uma aparência.
A maioria dos cristãos rejeitava tanto a ótica dos adocionistas que insistiam
que Jesus era apenas humano quanto à dos docetistas que insistiam que ele era
apenas divino e firmavam que ele era humano e divino ao mesmo tempo. Mas
como poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo? Neste ponto é que se
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manifestaram algumas das mais interessantes discordâncias entre os próprios
cristãos primitivos, e foram essas discordâncias que acabaram levando ao
Concilio de Nicéia.
Todo este debate levou ao Concílio de Nicéia duas propostas a dos bispos Ario
e Atanásio. Porém antes do Concilio de Nicéia, surgiram algumas curiosas
soluções para a questão de saber como Jesus podia ser ambas as coisas ao mesmo
tempo, assim como para problema correlato: como podia ser Deus, se Deus Pai é
Deus, não podendo haver dois deuses, mas apenas um? Como explicar isto?
Uma das primeiras soluções consistiu em dizer que Jesus era efetivamente
Deus Pai, que se tornou um ser humano. Dessa forma, Jesus era ao mesmo tempo
Deus e homem, pois realmente se tornou um ser humano, e continuava havendo
apenas um Deus, embora Jesus fosse Deus e Deus fosse Deus, pois eles são um
só e o mesmo.
Mas este ponto de vista acabou sendo considerado heresia, exatamente como
aconteceu com a perspectiva doa adocionistas e a dos docetistas. Foi considerado
heresia por vários motivos. Seus adversários alegavam que Deus Pai era superior
a todas as coisas, situando-se acima de limitações como a mortalidade, o
sofrimento e a morte.
Dizer que Jesus é Deus Pai seria o mesmo que dizer que Deus Pai sofreu. Os
adversários deste ponto de vista chamavam-no de Patripassionismo, ou seja, o
“Pai sofre”. Como poderia Deus sofrer ou morrer? E assim este ponto de vista foi
ridicularizado.
Mas a grande questão ainda não havia sido respondida e solucionada. Esta
questão era: Como poderia Jesus ser Deus e humano ao mesmo tempo? E como
podiam Jesus, Deus e o Espírito Santo serem Deus, se havia apenas um Deus?
Muitos poucos cristãos dispunham-se a afirmar que havia mais de um Deus, o
que era o ponto de vista dos pagãos, e considerado idolatria haver e adorar mais
de um Deus. Como então, poderiam se manter monoteístas ao mesmo tempo que
reconheciam o caráter divino de Cristo?
Uma das soluções pare resolver este problema acabou levando ao Concílio de
Nicéia.
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Eliezer Lucena
Os Cristãos Proto-Ortodoxos
Vimos anteriormente que houve uma diversidade de cristianismo com
visões diferentes a respeito da pessoa de Jesus, se ele era humano, ou divino, ou
as duas coisas em uma só.
No fim apenas um grupo de cristãos venceu a batalha pelas Escrituras e
pelo tipo de cristianismo que deveria ser o padrão. Sua vitória provavelmente foi
selada em algum momento do século III.
Quando o imperador Constantino se converteu ao cristianismo, no inicio do
século IV, foi a esta forma de cristianismo que saiu vitorioso que ele se
converteu, se é que se converteu?
Quando o cristianismo se tornou a religião oficial do império, cerca de
cinquenta anos após Constantino, esta foi a forma aceita por quase todos. Assim
que venceu a batalha, essa forma de cristianismo declarou não apenas que era
certa, mas que tinha estado certa o tempo todo. O termo técnico para “crença
correta” é “ortodoxia” (em grego, orthos significa “certo”, e doxa significa
“opinião”.
Os cristãos “ortodoxos”, ou seja, aqueles que venceram as batalhas
teológicas e dogmáticas classificaram todos os pontos de vista de rivais como
heresias, da palavra grega para “escolha”. Heréticas são pessoas que escolhem
acreditar na crença errada, uma crença não ortodoxa.
Como deveríamos chamar o grupo de cristãos que sustentou os pontos de
vista que vieram a vencer as batalhas teológicas antes que a vitória fosse selada?
Os estudiosos do cristianismo costumam chama-los de Proto-Ortodoxos, os
ancestrais espirituais daqueles cujas visões posteriormente se tornaram
ortodoxas.
Os proto-ortodoxos são os cristãos dos séculos II e III, sobre os quais temos
mais informações, já que foram os seus textos, não os de seus adversários, que
sobreviveram e foram preservados para a posteridade.
Entre eles estão autores como Justino Mártir, Irineu, Tertuliano, Hipólito,
Clemente de Alexandria e Orígenes. Estes autores foram os verdadeiros
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paladinos da Proto-Ortodoxia. Personagens bastante conhecidos dos estudiosos
do cristianismo. Esses autores foram responsáveis por moldar os pontos de vista
que acabaram se tornando ortodoxos.
Eles fizeram isso em grande medida argumentando contra todas as outras
partes ao mesmo tempo, levando a certos tipos de afirmações paradoxais.
Concordavam, por exemplo, com os adocionistas em relação a Jesus ser
absolutamente humano, mas discordavam quando eles negavam que ele fosse
Deus. Concordavam com os docetistas em que Jesus era plenamente divino, mas
discordavam deles quando negavam que fosse humano. Como os proto-
ortodoxos podiam aceitar ambos os pontos de vista?
Ora, dizendo que Jesus era as duas coisas ao mesmo tempo, Deus e homem.
Essa se tornou a visão ortodoxa da igreja.
As principais doutrinas ortodoxas são aquelas que acabaram se tornando os
credos cristãos: Há um só Deus, ele é o criador de tudo o que há; portanto a
criação é inerentemente boa, mesmo que conspurcada pelo pecado. Jesus, seu
filho, é ao mesmo tempo humano e divino, e não é dois seres, como sustentavam
os gnósticos, mas um só. Irineu na sua época formulou a seguinte Regra da
Verdade:
“Um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, e dos mares... e num Jesus Cristo, filho de Deus,
que encarnou pela nossa salvação, e no Espírito Santo... e no nascimento de uma virgem, e no sofrimento e
na ressurreição dentre os mortos, e na ascensão ao céu, em corpo... de nosso amado Jesus Cristo.”
Esta Regra da Verdade veio a se tornar o Credo Apostólico séculos mais
tarde.
Como todos os seus rivais, os proto-ortodoxos tinham sua própria coletânea
de livros que consideravam autoridade sagrada e que achavam avalizar seus
próprios pontos de vista.
Os principais debates nos círculos proto-ortodoxos diziam respeito às quais
livros proto-ortodoxos aceitar, mas todos eles concordavam que nenhum do
livros heréticos poderia ter sido escrito pó qualquer dos Apóstolos, portanto não
seriam incluídos no Cânone das Escrituras Cristãs.
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Constantino e a formação do Cânone do NT
Nos primórdios do cristianismo havia centenas de evangelhos, evangelhos
judaicos, gnósticos e os chamados ortodoxos.
Por que será que apenas quatro das centenas de evangelhos vieram a ser
integrados ao Cânone, ficando de fora os demais?
Como se deu este processo? Quem tomou as decisões? Com base em quê? E
quando?
Qual a influência de Constantino na formação dos livros do Novo
Testamento?
Vamos começar pela última pergunta: Na realidade Constantino nada teve a
ver com a formação dos livros do Novo Testamento. Ele não escolheu quais
livros seriam incluídos ou excluídos, nem ordenou a destruição dos evangelhos
que foram deixados de fora do Cânone.
A formação do Cânone do Novo Testamento foi um processo longo e lento
que teve inicio nos anos 50 e terminou no século V. Com base nos registros
históricos, o imperador não se envolveu nesse processo.
Muitos cristãos hoje pensam que o Novo Testamento caiu do céu, ou foi um
processo simples como assar um bolo, coloca-se a massa no forno e sai o bolo
quentinho em minutos. Não, não foi assim.
Longe de ter simplesmente aparecido prontinho e acabado para os cristãos,
de uma hora para outra, o Cânone resultou de um longo processo, ao longo do
qual os cristãos, examinando atentamente os vários livros que foram escritos,
vieram a decidir quais os livros que deveriam ser incluídos no Cânone sagrado
das Escrituras e quais teriam que ser excluídos.
Este processo levou séculos. Foram séculos de debates e discordâncias
acaloradas e, às vezes, até com certa violência.
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Constantino e o Concílio de Nicéia
Constantino efetivamente convocou o Concílio de Niceia, e uma das
questões tratadas era a divindade de Jesus. Mas não se tratava de um Concílio
reunido para decidir se Jesus era divino ou não, muito pelo contrario, todos os
participantes do Concílio, e na realidade a grande maioria esmagadora dos
cristãos, já estavam de acordo que Jesus era Divino, o filho de Deus.
A questão em debate consistia em saber como entender a divindade de
Jesus sem negar a sua humanidade, ou seja, se dizer que Jesus era só divino
implicava em uma série de problemas teológicos e vice versa. Além disso, como
poderiam Jesus e Deus serem ambos Deus se havia um único Deus? Estas sim
eram as questões discutidas em Nicéia, e não a de saber se Jesus era divino ou
não.
Tanto é verdade, estas afirmações que, já alguns pais da igreja haviam
defendido e propagado a divindade de Cristo, por exemplo: Irineu de Lion,
Inácio de Antioquia dentre outros...
Escritos atribuídos aos apóstolos circularam entre as primeiras comunidades
cristãs. As epístolas de Paulo estavam circulando, talvez em formulários
recolhidos, até o final do século I d.C . Justino, o Mártir, em meados do século 2,
para ser mais preciso por volta do ano de 150d.C., menciona as "Memórias dos
Apóstolos", como sendo lidas no Domingo junto com os "Escritos dos Profetas ".
Lebremo-nos de que Justino se referia aos “Quatro Evangelhos” quando citava
por dezenas de vezes “As memórias dos Apóstolos”.
Um Cânone de quatro evangelhos (o chamado Tetramorfo) foi afirmado por
Irineu, cerca de 180 d.C., que se refere a ele diretamente. Ireneu aponta para as
Escrituras como prova de um Cristianismo ortodoxo contra as heresias,
classificando como "Escrituras" não somente o Antigo Testamento, mas também
os livros hoje conhecidos como Novo Testamento e, ao mesmo tempo, excluindo
uma grande quantidade de obras de autores gnósticos que floresciam no século II
dC e que alegavam autoridade de Escritura.
Antes dele, os cristãos diferiam entre si sobre quais evangelhos eles
preferiam. Os da Ásia Menor utilizavam muito o Evangelho de João e o
Evangelho de Mateus era o mais popular no geral.18
Ireneu afirmou que quatro
evangelhos, o de Mateus, Marcos, Lucas e João eram os canônicos.19
Logo,
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Ireneu nos deu um dos primeiros testemunhos da afirmação dos quatro
evangelhos canônicos, possivelmente como uma reação a uma versão editada por
Marcião do Evangelho de Lucas (o Evangelho de Marcião), que ele afirmava ser
o único verdadeiro evangelho.3 20
Além disso, ele apelou ao princípio da tradição: o critério para o
entendimento das Escrituras é encontrado na doutrina abertamente proclamada
("a regra da verdade") por aquelas igrejas cujos líderes sucederam numa ordem
publicamente reconhecida o ofício docente dos apóstolos. A "verdade" que, de
acordo com Irineu, era a "regra" (kanon).
No início dos anos 200 d.C., Orígenes pode ter estado usando os mesmos
vinte e sete livros como no Cânone católico do Novo Testamento, embora ainda
houvesse disputas sobre a canonicidade da Carta aos Hebreus, Tiago, II Pedro, II
e III João e Revelação (Apocalipse de João), Cânone este conhecido como o
Antilegomena.
Da mesma forma, o fragmento de Muratori evidência que, talvez no inicio
de 200, existia um conjunto de escritos cristãos um pouco semelhante ao cânone
de vinte e sete livros atuais do Novo Testamento, que incluía quatro evangelhos e
argumentava contra objeções a elas.
Como vimos durante nossa pequena jornada, o Cânone do Novo
Testamento foi resultado de um longo processo de discussões e podemos até
certo ponto dizer; resultado de uma verdadeira guerra teológica e ideológica.
Constantino nada teve a ver com o resultado final do Canone Cristão, nem
tampouco com a criação dos dogmas eclesiásticos que, surgiram como resultado
dos acalorados debates teológicos, travados ao longo dos primeiros IV séculos da
era cristã.
Vale lembrar que o cristianismo dos primeiros três séculos era altamente
diversificado, com várias vertentes, afirmando que eram os detentores da
verdade. Havia cristãos que afirmavam que Jesus havia sido adotado por Deus
por ocasião do seu batismo, e consequentemente só a partir dali ele se tornou o
filho de Deus, e não era divino, mas totalmente humano.
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Havia também cristãos que, negavam a humanidade de Jesus, diziam que
ele era totalmente divino e apenas “Parecia” ser humano, e iam mais longe ainda,
quando afirmavam que Jesus não morreu na cruz, somente parecia ter morrido.
Havia outros cristãos que, defendiam que Jesus era humano e divino, ou
seja, ambas as coisas ao mesmo tempo, portanto ambas as coisas que os rivais
anteriores defendiam separadamente.
Havia cristãos que acreditavam que a morte de Jesus representava a
salvação do mundo, outros diziam que, sua morte nada tinha que ver com a
salvação e sim seus ensinamentos que indicavam o caminho, outro grupo
sustentava que Jesus nunca tinha morrido, que havia sido tudo encenação.
A batalha pelas Escrituras foi realmente uma verdadeira guerra, um conflito
entre grupos rivais de cristãos empenhados em determinar a natureza do
cristianismo para a posteridade. Um grupo saiu vencedor, foi esse grupo que
determinou como seria a fé cristã, a fé que surgiu do Concílio de Nicéia, e
decidiu quais livros seriam incluídos no Cânone do Novo Testamento. Ao
contrário do que muitas teorias conspiratórias dizem, não foi uma decisão tomada
pelo Imperador Constantino. Ela foi tomada sim, pelos líderes deste grupo que
emergiu como vencedor no Concílio de Nicéia.
Devemos lembrar-nos do processo de Canonização dos Evangelhos,
começando com as primeiras comunidades cristãs que davam importância
sagrada as palavras de Jesus em pé de igualdade com a própria Torah dos judeus,
lembremo-nos do Sermão da Montanha do Evangelho de Mateus e as Antíteses
de Jesus:
“Mateus 5: 21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de
juízo. 22 Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão será réu de
juízo, e qualquer que chamar a seu irmão de raça será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe chamar de louco
será réu do fogo do inferno.”
“Mateus 5:27 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério.28 Eu porém, vos digo
que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela.”
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“Mateus 5:33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás teus
juramentos ao Senhor. 34 Eu, porém, vos digo que, de maneira nenhuma, jureis nem pelo céu, porque é o
trono de Deus,”
“Mateus 5:38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39 Eu, porém, vos digo que
não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;”
“Mateus 5:43 Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. 44 Eu,
porém, vos digo: Amai a vossos inimigos,”
Depois das primeiras comunidades cristãs vieram os defensores da fé
ortodoxa com Justino o Mártir em 150 d.C. e “As memórias dos Apóstolos”, se
referindo ele aos Quatro Evangelhos de Mateus, Marcos Lucas e João. Depois
trinta anos mais tarde, no ano 180 d.C., Irineu com o Evangelho Tetramorfo, que
era a reunião dos Quatro Evangelhos também como fez Justino em Roma com
“As memórias dos Apóstolos”. E por fim o Cânone Muratoriano no ano de 200
d.C.
A formação do Novo Testamento foi, isso sim, um longo e lento processo
que teve início séculos antes de Constantino e só chegaria ao fim muito depois de
sua morte. Até onde sabemos, com base nos registros históricos, o imperador não
se envolveu nesse processo.
Mesmo após um consenso em relação ao Cânone Católico de 27 livros
como conhemos hoje, na metade do século V a igreja na Síria finalizou seu
Cânone do Novo Testamento e excluiu dele 2Pedro, 2 e 3 João, Judas e
Apocalipse, fazendo um Cânone de 22 livros em vez de 27.
A igreja na Etiópia finalmente aceitou os 27 livros nomeados por Atanásio,
mas adicionou outros quatro livros desconhecidos, de outras fontes; Sínodos, O
livro de Clemente, o livro do Pacto e a Didascália, obtendo assim um Cânone de
31 livros. Outras igrejas tinham ainda outros Cânones.
Origens e desenvolvimento do Cânone Cristão
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Eliezer Lucena
Bibliografia:
Critica Textual do Novo Testamento. Wilson Paroschi. Editora Vida Nova.
O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Bart D. Ehrman. Editota Ediouro
Evangelhos Perdidos. Bart D. Erhman. Editora Record.
Os Evangelhos Perdidos. Darrell L. Bock. Thomas Nelson Brasil Editora.
Pedro , Paulo e Maria Madalena. Bart D. Erhman. Editora Record.
A verdade e a ficção em o Código da Vince. Bart D. Erhman. Editora Record.
O código da Vinci e cristianismo dos primeiros séculos. Pedro Lima Vasconcelo. Edições Paulinas.
Quebrando o código da Vince. Darrell L. Bock. Editora Novo Século.
Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi? Bart D. Ehrmann. Editota Ediouro
Quem escreveu a Bíblia. Bart D. Ehrmann. Editora Ediouro.
História Eclesiástica. Eusébio de Cesáreia. Editora CPAD.
História Eclesiástica. Eusébio de Cesáreia.Editora Paulus.
Contra as Heresias. Irineu de Lion. Editora Paulus. Coleção Patrística.
Tertuliano. Pietro Podolak. Edições Loyola.
Heresia. O Jogo De Poder Das Seitas Cristãs Nos Primeiros Séculos Depois De Cristo. Joan O’grady.
A história das heresias. Roque Frangiotti. Editora Paulus.
A heresia da Ortodoxia. Michael J. Krueger. Edições Vida Nova.
História dos Dogmas tomo 1. O Deus da salvação séculos I ao VIII. Bernadr Sesboué , SJ. Edições Loyola.
Os Padres da Igreja. Séculos I ao IV. Jacques Liébaert. Edições Loyola.
O Nascimento dos Dogmas Cristãos. Bernard Meunier. Edições Loyola.
As Origens Do Cristianismo. Andrew Wellburn.
Tu és Pedro- A história dos primeiros 20 séculos da Igreja. Georges Suffert. Editora Objetiva.
O evangelho perdido de “Q” e as origens cristãs. Burton L. Mack. Editota Imago.
Ditos primitivos de Jesus. Uma introdução ao ‘proto-evangelho de ditos”Q”. Santiago Guijarro Oporto.
As origens da Bíblia- repensando a história canônica. John W. Miller. Edições Loyola.
A Bíblia como literatura. John B. Gabel and Charles B. Wheeler. Edições Loyola.
A Bíblia na Igreja. Joseph A. Fitzmeyer. Edições Loyola.
A Origem da Bíblia- um guia para os perplexos. Lee Martin MacDonald. Editora Paulus.
A Bíblia nas suas origens e hoje. Johan Konings. Editora Vozes.
Como a Bíblia tornou-se um livro. WilliamM. Schniedewind. Edições Loyola.
Septuaginta- Guia histórico e literário. Esequias Soares. Editora Hagnos.
A formação do Novo Testamento. Oscar Cullmann. Editora Sinodal.
A formação do Novo Testamento em suas três dimensões. Romano Penna. Edições Loyola.
O novo Testamento. Gerd Theissen. Editora Vozes.
Estudos Introdutórios nos Evangelhos Sinóticos. Osmundo Afonso Miranda. Casa Editora Presbiteriana.
Os Evangelhos Sinóticos. Benito Marconcini. Edições Paulinas
Evangelhos Gnósticos. Marcia Maia. Editora Mercuryo.
Evangelhos Gnósticos. Elaine Pagels.
Além de toda crença. Elaine Pagels. Editora Objetiva.
Nag Hammadi. O evangelho de Tomé. Jean Daniel Dubois / Raymond Kuntzmann. Editora Paulus.
O Evangelho de Judas. Bart. D. Ehrman. Editora Nationanal Geografic.
O Quinto evangelho- o evangelho de Tomé. Humberto Rohden. Editora Martin Claret.