A legislação e os modos operantes de resistência Lucimar Felisberto dos Santos1
Resumo:
O objetivo desta análise é expor e esclarecer a um público mais amplo a
situação do sistema educacional brasileiro quanto à implementação de políticas para
reparar os efeitos do preconceito racial e da discriminação. O debate tem duas linhas de
análise: primeiro, políticas públicas que visam um reparo da alteração de alguns
componentes curriculares. Lei 10.639 / 2003, que prevê o ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira nas instituições educacionais do país e da Lei 11.645 / 2008, que exigiu
o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e enfatiza os sentidos das lutas para uma
educação pública progressiva , qualidade e democracia. A segunda linha de análise é a
experiência dos estudantes de pós-graduação que têm o privilégio de prosseguir o
ensino superior através do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação do
Programa de Bolsas Internacionais (IFP). O programa foi aplicado no Brasil entre 2002
e 2011. Durante esse período, 40 bolsas foram premiadas com duração máxima de 24
meses para mestrado e 36 meses para um doutorado. Tal política ofereceu
oportunidades para homens e mulheres com potencial de liderança em seus campos para
continuar seu estudo e promover o desenvolvimento de seus países e uma maior justiça
social.
Abstract:
This proposal is to expose and clarify to a wider public the situation of the
Brazilian educational system regarding the implementation of policies to repair the
effects of racial prejudice and discrimination. The debate has two lines of analysis: first,
public policies that aim at a repair from the alteration of some curricular components.
Law 10.639 / 2003, which provided for the teaching of Afro-Brazilian History and
Culture in the country's educational institutions and Law 11.645 / 2008, which
1 Pós-doutora em História pela UFRJ - [email protected]
mandated study "of Afro-Brazilian History and Culture and It emphasizes the senses of
struggles for a progressive public education, quality and democracy.
The second line of analysis is the experiences of graduate students who have the
privilege of pursuing higher education through the International Graduate Fellowships
Program of the International Fellowships Program (IFP) . The program was enforced in
Brazil between 2002 and 2011. During this time, 40 scholarships were awarded with a
maximum duration of 24 months for a master's degree and 36 months for a doctorate.
Such a policy offered opportunities for men and women with leadership potential in
their fields to continue their study and promote the development of their countries and
greater social justice.
Sobre uma política “legal”
Os direitos conquistados duramente pelas populações negras brasileiras vêm
sendo incisivamente atacados neste último ano no Brasil. Sendo mesmo necessário um
novo posicionamento dos movimentos negros ante a esses ataques. Como esse é um
fenômeno atualizado, agora fruto tanto da crave crise política por qual passa o nosso
país quanto da percepção dos grupos privilegiados em reação àquelas conquistas, muito
certamente, serão produzidas análises mais sistematizadas sobre o impacto do fenômeno
nas relações raciais futuramente. Entretanto, eu não poderia abrir a apresentação do meu
trabalho sem antes chamar a atenção para o assunto. Fundamentalmente por que aqui
tratarei daqueles “direitos duramente conquistados” e de seus desdobramentos no
Sistema Educacional brasileiro.
O principal argumento que será desenvolvido neste trabalho é que os avanços
alcançados na luta antirracista no Brasil nas duas últimas décadas têm a ver com a
atuação no campo do Direito. Isso porque visando coibir a discriminação racial e
estabelecer parâmetro para diminuir a desigualdade social existente entre os diferentes
grupos raciais, uma das possibilidades estratégicas para que se atentaram os
movimentos negros brasileiros, em um período posterior, foi a inclusão, via esfera
legislativa, da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. Como
resultados desta “política”, a promulgação de leis e decretos que regulamentam as
relações raciais no país. Dentre elas, podemos destacar as seguintes:
Lei 10.639/03 - Institui a obrigatoriedade no ensino fundamental e médio,
público e particular, do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira;
Lei 10. 678/03 - Cria a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial da Presidência da República;
Lei 12.288/10 - Institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos
étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica;
Lei 12.711/12 – Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio, estabelecendo que as vagas
nestas instituições de ensino sejam preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados
pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência. Com as modificações da
redação da Lei 13.409/2016, a lei estabelece a gradativa proporcionalidade do total de
vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas
com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição
segundo censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE;
Lei 12.990/2014 - Reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos
públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos, no âmbito da
administração federal – direta e indireta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, nos três
poderes da República;
Decreto 4.887/03 – Regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titularidade das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos;
Decreto 6872/09 - Aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial -
PLANAPIR, e institui o seu Comitê de Articulação e Monitoramento;
Em verdade, sabe-se que leis, por si sós, não estabelecem relações raciais mais
igualitárias. Mas o que tem sido visto a partir da falta de consenso que elas vêm
provocando, é que os processos de suas elaborações e implementação têm sido
complexo, resultando em inflamados debates, que, ao fim e ao cabo, são de especial
importância para a divulgação/valorização do legado cultural africano que recebemos
desde o século XVI. O que colabora na ampliação do parco conhecimento que a
população em geral tem de nossa cultura. Ou seja, essa “política legal” é em verdade um
processo gerador de dissenso – foram muitas as ações encaminhadas ao judiciário
brasileiro reclamando a inconstitucionalidades dessas leis, todas julgadas
improcedentes.
Por exemplo, no dia oito de agosto de 2017, a constitucionalidade da lei de cotas
– também raciais – no serviço público federal – nas três instancia de sua atuação – foi
deferida pelo Supremo Tribunal Federal. Não foi sem uma profunda reflexão sobre a
memória da nação brasileira que o relator, o ministro Luís Roberto Barroso e os outros
magistrados chegaram a esta decisão. Reflexão esta que ficou registrada e repercutiu em
todo território nacional. Tendo em vista o lugar de fala dos magistrados,
fundamentalmente, ainda que a trajetória percorrida pela lei seja conflitante, ela
colabora na produção de um novo olhar sobre a história africana e afro-brasileira e suas
possíveis relações como o percurso histórico brasileiro.
Entretanto, temos em mente que a função dessas leis antirracistas não é outra
senão o de coibir a discriminação racial e estabelecer políticas que contribuam para
diminui desigualdade que são determinadas pela condição racial de um indivíduo. A
reflexão proposta nesta comunicação é essencialmente em relação às possibilidades
abertas com esses tipos políticas – de reparação dos efeitos do preconceito e da
discriminação raciais – no sistema educacional brasileiro.
Primeiramente, defendemos que uma vez outorgadas e comprovada a sua
constitucionalidade, as leis servem de instrumento com a força de exigir que os que
atuam no Sistema Educacional contribuam nos efetivos projetos e nas ações que tenham
como objetivo a execução da lei. Mesmo aqueles que não refletiram sobre o assunto,
aqueles que relutam em abraçar a causa ou mesmo os que não entendem que a principal
motivação das leis antirracistas se assenta no dever de reparação histórica decorrente
das relações escravistas e de um racismo estrutural e persistente existente na sociedade
brasileira.
No que respeita a lei altera Diretrizes e Base da Educação brasileira (10.639/03),
tendo sido assegurada a instituição e a obrigatoriedade, no ensino fundamental e médio,
público e particular, do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, não só
os professores de disciplinas como História e Artes são solicitado a participar da
execução da lei. Tanto eles como profissionais de outras áreas do saber são instado, e
questionado quanto a não participação. Até por que, ainda que de forma tímida, há uma
cobrança dos órgãos de controle da Educação quanto à implementação da lei. Mesmo
que geradora de desconforto, esse é uma das dimensões positivas das repercussões da lei
10.639, mas não só dela.
Como professora da Educação Básica, atuei nos últimos quinze anos em cinco
diferentes unidades escolares nas periferias do estado do Rio de Janeiro, em uma região
de muito conflito por causa do tráfico de drogas conhecida como Baixada Fluminense
(em Duque de Caxias), e no município de Guapimirim. Numa densa análise das relações
raciais a partir da observação dos diferentes processos de socialização, venho observado
a diminuição do bullying com motivação racial e o aumento do “orgulho negro” entre a
minha clientela de alunos. Atribuo este comportamento a uma silenciosa característica
pedagógica das leis antirraciais.
Ainda que os casos notificados de racismo venham aumentando
consideravelmente no país – também como decorrência do efeito da legislação que
aguçou a percepção de todos os envolvidos quanto às formas de discriminação ligadas a
categorias raciais –, no universo das salas de aula do Ensino Básico os alunos negros
têm exercido a sua negritude de forma mais plena. Mesmo no imaginário infanto-
juvenil, a ideia da seguridade de certos direitos com base na condição racial, parece ter
funcionado como munição para o enfrentamento de diferentes formas de atitudes
agressivas: verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, mesmo as que ocorrem sem
motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos. Ainda que ainda causem
dor e angústia por terem por objetivo intimidar ou atacar, a pessoa agredida agora tem a
possibilidade ou capacidade de se defender. Inclusive deixando claro que se está diante
de uma contravenção ou de um crime.
A mudança de atitude pode ser vista na ostentação da identidade negra: no
cabelo black e nos dreads, no batom e nos esmaltes com cores mais fortes e mesmo nos
desenhos das sobrancelhas e nos couros cabeludos, dos meninos e meninas. O “Negro é
lindo” deixou de ser uma frase de camisetas de algodão e passou a ser incorporado em
personagens reais. Esse fenômeno não era estranho em realidades como a da cidade de
Salvador, no estado da Bahia – que é considerada a cidade mais negra fora da África – e
em alguns outros centros urbanos.
Mas o que ora chamo a atenção é para o crescimento do movimento de
afirmação da identidade racial entre os estudantes do Ensino Básico, que vem agora se
intensificando nas periferias do Estado do Rio de Janeiro. Incluindo um aumento na
parcela daqueles que se autodeclaram negros por se reconhecerem na categoria dos
pardos. Ocorre então um processo de apropriação cultural dentro do próprio grupo
racial. O que talvez corrobore na explicação do crescimento demográfico deste grupo
étnico na sociedade brasileira.
De acordo com a análise populacional feita com o corte étnico-racial pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira que se
autodeclara negra ou parda aumentou na última década. Segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2015, 53% dos brasileiros se declararam pardos
ou pretos, diante de 45,5% que se disseram brancos. Há dez anos, em 2004, 51,2% dos
brasileiros se diziam brancos diante de 42% pardos e 5,9% pretos (totalizando 47,9% de
pretos e pardos). Foi em 2007 que os números viraram, quando 49,2% se disseram
brancos, 42,5% pardos e 7,5% pretos (totalizando 50% de pretos e pardos). Desde
então, segundo os dados estatísticos, o número de pessoas que se diz negro ou pardo só
faz crescer.
De um modo geral, em atendimento às exigências da lei 10.639, os professores
elaboram projetos com o sentido de educar para igualdade racial. O modo operante
desses projetos é dar oportunidade para o público infantil e juvenil vivenciarem a
cultura afro-brasileira, contribuindo para a construção do olhar étnico racial e do
comportamento cidadão. Em meio aos vários dissensos já comentados, ainda é possível
com esses projetos fomentar a discussão, reflexão e o diálogo pedagógico entre os
educadores à cerca das possibilidades de desenvolvimento de práticas educativas
inclusivas e de valorização étnico racial.
No ambiente escolar, portanto, a função da lei é desenvolver atitudes de
valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, à sua cultura e à
sua história. Além de contribuir para a diminuição do processo de exclusão social e
incorporação do preconceito pelas crianças. O fenômeno se dá a partir do conhecimento
da diversidade cultural das populações negras.
As medidas compensatórias
Somada à percepção de direitos assegurados, as ações afirmativas – medidas
tomadas que visam atribuir direitos iguais a grupos da sociedade que são oprimidos ou
sofrem com as sequelas do passado de opressão – encerram a base da estrutura desta
conjuntura que informa a performance na qual a sociedade brasileira transforma os
sentidos de suas relações raciais. Isto por que, historicamente, ainda que os brasileiros
descendentes de africanos possuíssem todos direitos legais de igualdade em relação aos
outros cidadãos, tais direitos não são cumpridos efetivamente. E devido ao não
cumprimento dos direitos iguais a todos igualmente, as ações afirmativas são
reconhecidas como necessárias. Portanto, as ações afirmativas, como os sistemas de
cotas sociais e raciais nos vestibulares e concursos públicos, buscam equiparar a
desigualdade social que, consequentemente, gera a desigualdade econômica.
Ainda que se tenha que comprovar a compatibilidade das ações afirmativas com
os princípios de igualdades constante na nossa Constituição, não vem sendo de outra
forma, que não seja a incisiva atuação no campo do Direito, que vimos a cultura afro-
brasileira inserida nas escolas, no mercado de trabalho e nas universidades. Ou mesmo o
acesso da população negra às universidades ou a postos de trabalho com melhores
condições de emprego e renda.
Especificamente no que diz respeito à Educação Superior, o problema deixa de
ser a adoção de atitudes de valorização e respeito às pessoas negras, e menos o da
diminuição do processo de exclusão social e incorporação do preconceito, para enfocar
na demanda do acesso a este nível de ensino pelas populações negras brasleiras.
Funcionando como uma política pública atuante nesta questão específica, a Lei nº
12.711/2012 garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59
universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de
jovens e adultos. É a Ação afirmativa no Ensino Superior via estabelecimento de cotas
sociais e raciais.
De acordo com as determinações da lei, as vagas reservadas às cotas (50% do
total de vagas da instituição) são subdivididas — metade para estudantes de escolas
públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per
capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um
salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também é levado em conta percentual
mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo
com o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Atualmente, das 59 universidades existentes no país, 36 já tem algum tipo de
ação afirmativa. Os modos de execução da lei são diversos, uma vez que as instituições
têm autonomia para organizar a chamada “reservas de vagas”. Podendo atender ao
público negro – cotas raciais – ou/e o público oriundos de escolas públicas, de baixas
condições socioeconômicas e mesmo aquele com algum tipo de deficiência – cotas
sociais.
A lei prevê ainda um acompanhamento aos estudantes cotistas, que fica a cargo
de um comitê composto por representantes do Ministério da Educação, da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Fundação Nacional do Índio
(Funai), com a participação de representantes de outros órgãos e entidades e da
sociedade civil.
Ressalta, mais uma vez, que algumas das justificativas para as ações afirmativas
no acesso ao ensino de nível superior é o fato de que a educação é um instrumento que
possibilita a ascensão social. Através de dados, foi demonstrado o escasso acesso da
população pobre e negra no ensino superior brasileiro. Entretanto, o percentual de
negros no nível superior quase dobrou em 10 anos: em 2005, um ano após a
implementação de ações afirmativas, apenas 5,5% dos jovens pretos ou pardos de 18 a
24 anos freqüentavam uma faculdade. Em 2015, a alíquota checou a 12,8%, ou seja,
houve um sensível acréscimo dos estudantes negros na mesma faixa etária matriculados
no ensino superior. Comparado com os brancos, no entanto, o número equivale a menos
da metade dos jovens brancos com a mesma oportunidade, que eram 26,5% em 2015
e 17,8% em 2005. Aqui também se leva em conta as razões históricas, como a
escravidão e outros fatores que contribuíram para efetivar as desigualdades. Com a
transformação da percepção das relações raciais, vislumbra-se a dívida do Poder Público
em relação a esses setores da sociedade
Ademais, é o segundo o artigo 5º da Constituição Federal que serve de base para
os debates sobre a necessidade ou não de políticas públicas necessárias especificamente
às populações negras do nosso país. E segundo este artigo, “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”. Entretanto, são diversos os jogos de simulação que
historicamente têm crivado importantes setores da sociedade brasileira. Por exemplo,
não obstante análises sobre as características étnico-raciais feitas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Bstatística (IBGE) ter comprovado que a população negra
brasileira em 2010 era composta de 50,7% de autodeclarados negros (7,6% de preto e
43,1% de pardos), apenas 1,4% dos juízes brasileiros eram pretos e 14% pardos.
Rever esta situação acaba sendo, em verdade, uma exigência constitucional. As
ações afirmativas dão suporte e apoio de mecanismos institucionais para que a exigência
do principal instrumento legislativo do país seja cumprida. Uma vez que elas consistem
em política direcionada à promoção de igualdade material e objetivam suprir
desigualdades étnicas, sociais ou econômicas advindas de um passado perpassado por
medidas vexatórias de promoção de desigualdade, segregação e falta e política de
inclusão social, destacadamente no contexto pós-Abolição. As ações afirmativas
consistem ainda em medidas com a finalidade de corrigir tratamentos preconceituosos e
a permitir que todo indivíduo tenha acesso equânime e digno ao exercício de sua
cidadania.
As medidas compensatórias na pós-graduação
Entre os anos 2002 e 2010 alguns alunos de pós-graduação que tiveram o
privilégio de prosseguirem no ensino superior graças ao Programa Internacional de
Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (International Fellowships Program - IFP).
Durante aquele período, foram oferecidas, anualmente, 40 bolsas que tiveram uma
duração máxima de 24 meses para mestrado e de 36 meses para doutorado. Foram oito
seleções processadas no Brasil originaram oito turmas de bolsistas. Com tal política, foi
oferecida oportunidade para que mulheres e homens, com potencial de liderança em
seus campos de atuação, prosseguissem em seus estudos superiores, capacitando-se para
promover o desenvolvimento de seus países, bem como maior justiça econômica e
social.
O programa da Fundação Ford foi pioneiro. Mas como repercussão de seus
resultados, temos que alguns programas de pós-graduação já estão se posicionando
positivamente a favor da adoção das ações afirmativas. Finalizando este texto quero
abordar o aporte dado pela Fundação Ford à formação pós-graduada de antropólogos,
cientistas políticos e sociólogos. Muitos dos quais já atuam nestes programas como
docentes. Aqui destaco a minha trajetória e a de mais quatro ex-bolsistas do programa.
Lucimar - Pós-doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2015); Doutora em História Social do Brasil pela Universidade Federal da Bahia (2013); Mestra em História pela Universidade Federal Fluminense (2006) e; Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (2003). Experiência em pesquisas e estudos sobre História, Historiografia e Relações raciais no Brasil Colonial, Imperial e Republicano, com ênfase nas especificidades da história do Rio de Janeiro, escravista e urbano; sobretudo nas mudanças conjunturais ocorridas na virada dos séculos XIX ao XX. Principais temas de interesse: escravismos e processos abolicionistas; experiências sociais de crioulos, africanos e afro-descendestes; conformação do mercado de trabalho livre e assalariado; processos de racialização das relações sociais; Pós-Abolição; processos diaspóricos. Professora das redes municipais de educação de Duque de Caxias e Guapimirim.
Deusa Doutora em História Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de Santa Catarina ( UFSC, 2011). Mestra em História
(área de concentração Estudos Históricos na América Latina) pela Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos, 2016), e Graduada em Licenciatura em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos, 2003). Atuou como consultora
técnica na CEMDP (Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) da SDH-PR
(Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República) no Grupo de Trabalho
Araguaia entre 2012-2013, e como pesquisadora no Grupo de Trabalho Araguaia da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre agosto e dezembro de 2014. Atualmente é
professora Adjunta da UFPA, Campus do Baixo Tocantins .
Josemeire Alves Pereira: Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Unicamp, na Área de História Social e na Linha de Pesquisa História Social
da Cultura. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2006) e mestrado em História, também pela Unicamp (2012). Tem experiência na área
de História (ensino e pesquisa), com ênfase em História Social, atuando principalmente
nos seguintes temas: Pós-Emancipação, relações raciais, representações sociais, favela,
memória, Belo Horizonte. Atuou também na área de Produção Cultural (elaboração de
projetos culturais comunitários).
Waldemir Rosa: Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Goiás (2001), mestrado em Antropologia Social pela Universidade de
Brasília (2006) e doutorado também em antropologia social pelo Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (2014). Atualmente é professor de
Antropologia, sub-área Diáspora Africana na América Latina e Caribe, na Universidade
Federal da Integração Latino-Americana - UNILA. Temas de pesquisa: antropologia
urbana, relações raciais, relações de gênero (enfoque em masculinidades), políticas afro-
reparatórias, epistemologias do Sul, antropologia da educação e das políticas públicas.
Karine Teixeira Damasceno: Doutoranda em História na Universidade Federal
da Bahia (UFBA) na área de História com projeto de título: Mulheres negras e os seus
na região de Feira de Santana, Bahia (1861-1900) desde 2015, Bolsista da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) - desde junho de 2015; Mestra em
História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP) na área de História
Social com trabalho intitulado: Mal ou bem procedidas: cotidiano e transgressão das
regras sociais e jurídicas em Feira de Santana (1890-1920) em 2011; ex-bolsista do
Programa Internacional da Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (IFP) - Turma
2008 e Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual da Feira da
Santana (UEFS/BA) em 2006.
A oportunidade de participar do Programa Bolsa da Fundação Ford me
possibilitou avançar tanto profissionalmente quanto pessoalmente, enquanto ativista do
movimento de mulheres negras Brasileiras. Findado o mestrado assumi a secretaria
executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), a
qual exerci tal função dos anos 2010 a 2016. Foi a partir dessa experiência que
participei de audiências internacionais da ONU e OEA representando o Brasil, mais
especificamente as mulheres negras Brasileiras, e estive a frente da Organização da
Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver, que
reuniu cerca de 50 mil mulheres negras em Brasília no ano de 2015. E esta eperiência só
foi possível por que tinha neste momento capacidade para assumir essa função.
Capacidade esta que me foi possibilitada por ter sido parte de um programa tão seleto
quanto o programabolsa, que amplia mais que conhecimentos, mas também proporciona
empoderamento político, fazendo com que seus participantes sintam-se parte de um
mundo que até então era vivenciado quase que como uma utopia. Atualmente mantenho
meu ativismo no movimento de mulheres negras, elaborando e executando projetos
sociais, com mulheres e meninas, mas também atuo como psicóloga na Defensoria
Publica do Estado do Rio Grande do Sul”