A MULTICATEGORIALIDADE DO
FORMAÇÃO BÁSICA EM PORTUGUÊS
KEYLLA C. MANFILI FIORAVANTE
Departamento de Linguística e Filologia
A MULTICATEGORIALIDADE DO ONDE NA ESCRITA DE USUÁRIOS COM
FORMAÇÃO BÁSICA EM PORTUGUÊS
por
KEYLLA C. MANFILI FIORAVANTE
Departamento de Linguística e Filologia
Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Linguística.
Orientador: Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta.
Coorientador: Dr. Júlio César Souza de Oliveira.
UFRJ, Faculdade de Letras
Fevereiro de 2011
NA ESCRITA DE USUÁRIOS COM
Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
Orientador: Dr. Mário Eduardo Toscano
Coorientador: Dr. Júlio César Souza de
2
Manfili Fioravante, Keylla C.
A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português./ Manfili Fioravante, Keylla C. – Rio de Janeiro, 2011.
209f.
Orientador: Prof. Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta.
Coorientador: Prof. Dr. Júlio César Souza de Oliveira
Tese de Doutorado (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.
1. Onde. 2. Pronome relativo 3. Conjunção. 4. Inferência Sugerida 5. Gramaticalização I A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português.
3
DEFESA DE TESE
MANFILI FIORAVANTE, Keylla C. A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011.
Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística e Filologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutora em Linguística e Filologia.
Banca Examinadora:
___________________________________________
Profº Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta
(UFRJ) – ORIENTADOR
___________________________________________
Profº Dr. Júlio César Souza de Oliveira
(UFJF) – COORIENTADOR
___________________________________________
Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira – (UFF)
___________________________________________
Profª Drª Roza Maria Palomanes Ribeiro – (UFRRJ)
___________________________________________
Profª Drª Sandra Pereira Bernardo – (UERJ)
___________________________________________
Profª Drª Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – (UFRJ)
Defendida a tese,
Em: 28 /02/2011
4
Agradecimentos
Ao meu orientador, Mário Eduardo Toscano Martelotta, pelo inestimável aprendizado,
pelo prestimoso auxílio no descortinar do meu trabalho, pela amizade, confiança e
incentivo.
Ao meu coorientador, Júlio Cesar Souza de Oliveira, pela coorientação precisa e,
principalmente, pela amizade sincera e sólida.
À Drª Maria Luiza Braga, precursora deste trabalho comigo, com cuja generosa amizade
e sabedoria sempre pude contar. Mais que uma orientadora, trata-se de um modelo a ser
seguido.
À minha banca de qualificação, pelas sugestões valorosas acerca do meu trabalho.
À coordenação do Programa de pós-graduação em Linguística da UFRJ, pela atenção
durante a realização deste trabalho.
Aos funcionários da secretaria de pós-graduação, pela gentileza e competência com que
sempre me atenderam.
Ao meu marido, Marco Antônio, pelo apoio, pela força e, principalmente, pela
admiração e confiança que sempre manteve por mim, mesmo nos momentos mais
difíceis e complicados de nossa vida.
Ao Lucca, meu real doutoramento, minha tese maior, pelo amor incondicional que
ilumina a minha vida.
À Chica e ao Serginho, pela inestimável ajuda, apoio, carinho e incentivo, bem como o
extremado amor pelo meu filho.
Ao meu sobrinho, Gabriel, pelo carinho, pelo ombro amigo, pelo carinho com meu filho
(sempre presente) e por me ajudar no recolhimento dos dados.
5
Às professoras Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva, Mariângela Rios de Oliveira, Roza
Maria Palomanes Ribeiro e Sandra Pereira Bernardo, por me honrarem com suas
presenças na banca de defesa desta tese.
A Luciana Mendes, pela ajuda com a língua inglesa e pela confecção do abstract.
A Maria Alicia Manzoni Rossi, pela gentileza de confeccionar o resumen.
A Ana Paula Castellani, pela gentileza de confeccionar o résumé.
Ao CNPq, pelo auxílio da bolsa de pesquisa, possibilitando-me realizar este trabalho.
A Deus, que me ensinou a enxergar além das aparências.
A todos que partilham da minha vida (amigos e professores) cujos nomes omiti para não
cometer injustiças.
Muito Obrigada!
6
Sinopse
Estudo das construções com onde, de acordo com os fundamentos da Linguística Cognitivo-funcional. Identificação das propriedades gramaticais associadas ao seu uso como elemento anafórico em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo, e o seu emprego com valor de conjunção.
7
SUMÁRIO
RESUMO 11
ABSTRACT 12
RÉSUMÉ 13
RESUMEN 14
INTRODUÇÃO 15
1. Fundamentação Teórica 19
1.1 O Processo de gramaticalização
1.2 A Linguística Cognitivo-funcional
1.2.1 A inferência Sugerida
1.2.2 Mecanismos da mudança linguística
1.2.3 A Metáfora – a contribuição de Lakoff e Johnson (2002
[1980])
1.2.4 Metáfora e Metonímia – a contribuição de Traugott &
Dasher (2005)
1.2.5 A Polissemia – a contribuição de Martins (1999)
1.2.6 A metáfora do “container” – a contribuição de Salomão
(1996)
1.3 Gêneros e tipologias textuais na gramaticalização do onde
1.3.1 A função do Gênero Textual
1.4 Conjunções: relações lógico-semânticas intersentenciais
1.4.1 A contribuição de Mari (1986)
1.4.2 A contribuição de Neves (2000)
1.4.2.1 Conjunções e construções temporais
1.4.2.2 Conjunções e construções causais
1.4.2.3 Conjunções e construções condicionais
1.4.3 A contribuição de Azeredo (2008)
1.4.3.1 Conjunções (e adjuntos conjuntivos) de
conclusão e explicação
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8
1.4.3.2 Orações adverbiais
1.4.3.3 As relações de causalidade
1.4.3.3.1 As relações de Condição
1.4.3.3.2 As relações de consequência
1.4.3.4 As relações de temporalidade
76
77
78
81
81
2. Revisão Bibliográfica
2.1 O estatuto categorial do onde
2.1.1 O onde nas gramáticas normativas
2.1.2 O onde nas gramáticas descritivas
2.2 Estudos linguísticos sobre o onde
83
83
84
93
97
3. Hipóteses, apresentação do corpus e metodologia 110
4. Análise dos dados
4.1 O onde como pronome relativo recuperador de espaço
4.2 O onde como pronome relativo recuperador de sintagmas não
locativos
4.2.1 Outras especificidades do pronome relativo onde
4.3 O onde como pronome relativo recuperador de tópico
4.4 O onde como conjunção
4.4.1 O onde como conjunção de causa
4.4.2 O onde como conjunção de causa/tempo
4.4.3 O onde como operador discursivo
115
124
129
132
137
140
143
149
152
5. Conclusões 157
6. Bibliografia 161
7. Anexos
Anexo 1 – Prova do PISM I/2010 de História
Anexo 2 – Prova do PISM I/2010 de Língua Portuguesa
Anexo 3 – Prova do PISM II/2010 de História
Anexo 4 – Prova do PISM II/2010 de Literatura
Anexo 5 – Prova do PISM II/2010 de Língua Portuguesa
Anexo 6 – Prova do Vestibular/2010 de História
Anexo 7 – Prova do Vestibular/2010 de Literatura
Anexo 8 – Prova do Vestibular/2010 de Língua Portuguesa
168
169
173
178
182
187
191
198
203
9
ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
TABELAS
Tabela 1: Usos pronominais do onde em retomada anafórica a entidades locativas e não locativas.
119
Tabela 2: Ocorrências do onde conjuncional por segmento, em comparaçãp com o emprego do onde pronominal.
122
Tabela 3: Pronomes relativos locativos e não locativos por prova (PISM I). 128
Tabela4: Usos do onde como conjunção e pronome. 141
GRÁFICOS
Gráfico 1: utilização do elemento onde pronominal locativo e não locativo. 119
Gráfico 2: usos do onde como conjunção e pronome 123
Gráfico 3: usos pronominais de onde como pronome relativo locativo por segmento 127
Gráfico 4: usos de onde como pronome relativo locativo e não locativo no PISM I. 128
Gráfico 5: distribuição de usos pronominais não locativos de onde por segmento. 132
Gráfico 6: usos de onde como conjunção e pronome relativo por segmento. 142
FIGURAS
Figura 1: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 22
Figura 2: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 23
Figura 3: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010. 23
Figura 4: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 115
Figura 5: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 116
10
Figura 6: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 117
Figura 7: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010. 117
Figura 8: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010. 118
Figura 9: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 120
Figura 10: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 121
Figura 11: Questão 1da prova de história do PISM I/2010. 125
Figura 12: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 125
Figura 13: Questão 2 da prova de história do Vestibular/2010. 126
Figura 14: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 129
Figura 15: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010. 130
Figura 16: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010. 131
Figura 17: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 133
Figura 18: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 134
Figura 19: Questão 1 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010 136
Figura 20: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 138
Figura 21: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 138
Figura 22: Questão 4 da prova de história do Vestibular/2010. 139
Figura 23: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 144
Figura 24: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 145
Figura 25: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 145
Figura 26: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 146
Figura 27: Questão 5 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010. 147
Figura 28: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010. 147
Figura 29: Questão 1 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010. 150
Figura 30: Questão 2 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010. 151
Figura 31: Questão 5 da prova de história do Vestibular/2010. 155
11
RESUMO
Esta tese propõe uma análise das construções com onde, na modalidade escrita do português do Brasil produzida por usuários com formação básica ou em vias de obtê-la. Nossa análise baseia-se em dados reais, retirados de redações feitas por alunos que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I e PISM II) e do Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, no ano de 2010. Foram observadas 5599 provas, de três diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e História), dentre as quais coletamos 979 dados. Buscamos identificar as propriedades gramaticais associadas ao uso do onde como elemento anafórico em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo. Da mesma maneira, identificamos o uso do elemento com valor de conjunção, conectando duas orações, sem retomada a um SN na oração anterior. Elegemos como fundamentação teórica a hipótese da gramaticalização sob uma perspectiva cognitivo-funcional (Traugott e Dasher: 2005), apresentando argumentos em favor da utilização do elemento, através de uma escala unidirecional – concreto > abstrato (Heine et al (1991) e Martelotta (2010)). Utilizando a ideia de que o uso da língua reflete tendências em competição, propomos a existência de uma força de mudança que leva um determinado item a perder referencialidade, passando a assumir funções gramaticais (ou mais gramaticais), motivadas pela polissemia, pela metáfora e pela metonímia, elementos favorecedores de seu caráter multissêmico, multicategorial e multifuncional, que atuam no processo de gramaticalização.
Palavras-chave: onde, pronome relativo, conjunção, inferência sugerida, gramaticalização.
12
ABSTRACT
This dissertation proposes an analysis of the constructions with onde (which can be translated into English as where), in the written mode of Brazilian Portuguese produced by users with basic education or about to get one. Our analysis is based on real data, taken from essays written by students who took the university’s entrance examinations, Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I and PISM II) and Vestibular, conducted by the Federal University of Juiz de Fora (UFJF) in 2010. From a total of 5599 exams of three different disciplines (Portuguese, Literature, and History), 979 data were collected. We aimed to identify grammatical properties associated with the use of onde as an anaphoric element referring to locative and non-locative entities, with the value of relative pronoun. Likewise, we identified the use of the element with a conjunction value, connecting two sentences, without referring to the NP in the previous one. We chose to use the grammaticalization hypothesis as our theoretical foundation under the cognitive-functional perspective (Traugott and Dasher: 2005), presenting arguments in favor of the use of the element, using a unidirectional scale – concrete > abstract (Heine et al. (1991) and Martelotta (2010)). Employing the idea that language use reflects tendencies in competition, we propose the existence of a change force that leads a specific item to lose referentiality, thus undertaking grammatical (or more grammatical) functions, motivated by polysemy, metaphor, and metonym, elements which favor its multisemic, multicategorical, and multifunctional character, which act in the grammaticalization process.
Key-words: onde, relative pronoun, conjunction, invited inference, grammaticalization.
13
RÉSUMÉ
Cette thèse propose une analyse des constructions avec onde, dans la modalité écrite du portugais brésilien produite par des utilisateurs qui ont déjà une formation de base ou qui sont en train de l’obtenir. Notre analyse se fonde sur des données réelles, tirées des rédactions d’étudiants qui ont concouru au Programa de Ingresso Seletivo Misto* (PISM I et PISM II) et à l’examen d’accès de l’Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, en 2010. En conséquence, 5599 épreuves ont été observées, de trois différentes disciplines (Langue Portugaise, Littérature et Histoire); de ces épreuves, 979 données ont été recueillies. On a cherché à identifier les propriétés grammaticales associées à l’usage de onde comme élément anaphorique dans des rappels d’entités locatives et non locatives, à valeur de pronom relatif . De même, on a identifié l’usage de l’élément à valeur de conjonction, qui connecte deux oraisons, sans rappel à un syntagme nominal (SN) dans l’oraison antérieure. On a retenu comme fondement théorique l’hypothèse de la grammaticalisation sous une perspective cognitive-fonctionnelle (Traugott & Dasher: 2005), en argumentant en faveur de l’utilisation de l’élément, par l’intermédiaire d’une gradualisation unidirectionnelle – concret > abstrait (Heine et al., 1991, et Martelotta, 2010). Selon l’idée que l’usage de la langue reflète des tendances en compétition, nous proposons l’existence d’une force de changement qui conduit un item particulier à perdre référentialité, et qui passe à prendre des fonctions grammaticales (ou plus grammaticales), motivées par la polysémie, par la métaphore et par la métonymie, favorisant ainsi son caractère multisémique, multicatégoriel et multifonctionnel, qui jouent un rôle dans le processus de grammaticalisation.
Mots-clés: onde, pronom relatif, conjonction, inférence suggérée, grammaticalisation.
* Programa de Ingresso Seletivo Misto: représente l’une des manières d’avoir accès à l’Universidade Federal de Juiz de Fora.
14
RESUMEN
Esta tesis se propone un análisis de las construcciones con onde, en la modalidad escrita del portugués de Brasil producida por hablantes con formación básica o en vías de obtenerla. Nuestro análisis se basa en datos reales, retirados de redacciones realizadas por alumnos que participaron del Programa de Ingreso Selectivo Mixto (PISM I y PISM II) y del Examen de Ingreso a la Universidad Federal de Juiz de Fora (UFJF), en el año 2010. Se analizaron 5599 pruebas, de tres diferentes asignaturas (Lengua Portuguesa, Literatura e Historia), entre las cuales colectamos 979 datos. Buscamos identificar las propiedades gramaticales asociadas al uso de onde como elemento anafórico como referencia de lugar y referencia diferente de lugar, con valor de pronombre relativo. De la misma manera, identificamos el uso del término con valor de conjunción, conectando dos oraciones, sin hacer referencia a un sintagma nominal de la oración anterior. Elegimos como fundamentación teórica la hipótesis de la gramaticalización bajo una perspectiva cognitivo-funcional (Traugott y Dasher: 2005), presentando argumentos en favor de la utilización del término, a través de una escala unidireccional concreto > abstracto (Heine et al (1991) y Martelotta (2010)). Utilizando la idea de que el uso de la lengua refleja tendencias en competencias, proponemos la existencia de una fuerza de cambio que lleva un determinado ítem a perder la referencialidad, pasando a asumir funciones gramaticales (o más gramaticales), motivadas por la polisemia, la metáfora y la metonimia, elementos favorecedores de su carácter multisémico, multicategorial y multifuncional, que actúan en el proceso de gramaticalización.
Palabras clave: onde, pronombre relativo, conjunción, inferencia sugerida, gramaticalización.
15
INTRODUÇÃO
O onde é um fenômeno que vem sendo investigado, há pelo menos uma década,
por estudiosos das mais variadas áreas da linguística. Como as gramáticas normativas e,
até mesmo, as descritivas revelam dificuldades de classificar esse elemento
(classificam-no ora como um advérbio, ora como pronome relativo), aumenta o
interesse por tal investigação. A dificuldade de classificação do onde por parte das
gramáticas do português se deve ao fato de elementos como esse apresentarem uma
acentuada instabilidade categorial, resultado de seu caráter multissêmico e
multifuncional, que pode ser observado na língua em uso. Devido ao dinamismo e às
necessidades comunicativas dos usuários da língua, o sistema linguístico, em todos os
níveis (gramatical, semântico e pragmático), mostra-se em constante flutuação, sob o
efeito do uso efetivo da língua, dentro das mais diversas situações de interação
comunicativa.
Esta tese tem como objetivo analisar e descrever o uso das construções com
onde, no Português brasileiro contemporâneo escrito, produzidas por indivíduos
possuidores de escolaridade básica (Ensino Médio) ou a caminho de obtenção da
mesma, em retomada a entidades locativas e não-locativas, ambas as manifestações
efetuadas pelo relativo onde. Também identificamos e analisamos seu uso como
conector de orações, sem função sintática e sem valor referencial, como elemento
conjuncional, emprego ignorado em abordagens normativas da Língua Portuguesa.
O material de análise desta tese consta de um corpus na modalidade escrita, de
redações feitas por candidatos a uma vaga na Universidade Federal de Juiz de Fora –
UFJF (PISM I, PISM II e VESTIBULAR). A base teórica que subsidia a análise e
interpretação do onde é a Linguística Cognitivo-funcional, constituindo um trabalho de
caráter linguístico baseado no uso.
Partimos da concepção de língua como instrumento para a competência
comunicativa. A língua se atualiza no uso, e é sensível e responsiva ao uso. Com isso,
justifica-se o objetivo de verificar que ambientes sintático-discursivos são favorecedores
16
dos usos do onde, e que fatores cognitivos, linguísticos e sociointeracionais são
motivadores desses usos, conforme Traugott e Dasher (2005).
O estudo de fatos da língua, na perspectiva da Gramaticalização (Heine et al
(1991)), tem em vista verificar os processos de mudança pelos quais os itens passam.
Numa perspectiva sincrônica, observa-se a mudança como um fenômeno semântico,
sintático-discursivo e pragmático do ponto de vista do “fluxo básico de mudança
motivado pelo uso” (Martelotta: 2010) (ou ambivalência) que constitui um processo
eminentemente gradual, o qual aponta para a unidirecionalidade da gramaticalização.
Assim, apresentamos uma análise dos usos de onde, em textos escritos, na
produção dos quais se espera o emprego de um registro formal, haja vista a criação dos
mesmos em situação de formalidade, devido ao contexto em que as estruturas
linguísticas são produzidas (Prova de Vestibular e Vestibular Seriado), por candidatos
que estão, ainda, em processo de formação acadêmica ou já são possuidores desta
formação (Ensino Médio).
Para analisar as manifestações do onde, nosso corpus é composto de produções
discursivas, inseridas no gênero “prova aberta” , em que o participante do processo de
seleção deve elaborar respostas a perguntas que, geralmente, usam como ponto de
partida uma imagem ou texto referente ao conteúdo da questão proposta. Foram lidas
5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e História), a
partir das quais coletamos 979 dados.
Abrimos nosso trabalho (capítulo 1) apresentando a fundamentação teórica que
embasa o estudo. A teoria da Gramaticalização, nos moldes de Heine et al (1991),
postula que itens como onde (um elemento multicategorial e de múltiplas funções,
comutável com as mais variadas formas conforme as necessidades do falante/escritor e
as possibilidades do discurso), tendo enfraquecida sua capacidade de referenciação,
assumem funções gramaticais, convertendo-se em itens gramaticais. Como sua carga
semântica já se encontra alterada, pode perder alguns de seus semas para se tornar uma
categoria funcional, assumindo funções mais gramaticais.
Apresentamos também a fundamentação teórica de Traugott e Dasher (2005),
acerca da inferência sugerida, que trata da variação e mudança linguística, fornecendo-
nos fatores de influência como a polissemia, a metáfora e a metonímia, mecanismos que
participam do processo de gramaticalização do onde.
17
Todos os processos descritos necessitam de um contexto para acontecerem. Para
identificar os contextos discursivos mais favorecedores dos usos de onde, recorremos
aos gêneros textuais e às tipologias, através das bases teóricas de Marcuschi (2002) e
Bonini (2008).
Como identificamos, em nossos dados, manifestações do onde como
conjunções, recorremos a gramáticas normativas e descritivas, para a descrição dos
valores conjuncionais subjacentes ao onde. Incluímos, nessa parte da pesquisa, alguns
trabalhos dedicados ao aperfeiçoamento descritivo das articulações intersentenciais:
Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008).
No capítulo 2, dedicado à revisão bibliográfica, apresentamos, inicialmente, as
observações sobre o onde extraídas das gramáticas (normativas e descritivas) do
português. Embora limitadas no tratamento do onde, tais obras já permitem confirmar
estarmos diante de uma categoria bastante complexa, para a qual é difícil propor uma
descrição unificada e coerente.
Para a investigação sobre o onde, selecionamos as gramáticas normativas de
Rocha Lima (1999/2010), Cunha & Cintra (1985/2008), Bechara (2000/2010) e Cipro
Neto & Infante (1997) e as gramáticas descritivas de Perini (1998) e de Neves (2000).
Essas obras, vistas em conjunto, evidenciam as complexidades que cercam a descrição
do item que é objeto de nossa pesquisa: em geral, os autores consultados atribuem ao
onde mais de um rótulo classificatório (advérbio, advérbio relativo, pronome relativo),
revelando-se as dificuldades de um tratamento unificado para os usos daquele elemento.
Também fizemos um levantamento de estudos linguísticos dedicados ao onde.
Assim, alguns estudos em diacronia, acerca desse fenômeno, foram estudados, como
Mattos e Silva (1989), Bomfim (1993) e Siqueira (2009). Da mesma forma, utilizamos
trabalhos sobre o onde voltados para o estudo do funcionamento sincrônico desse item,
como Portella (2003) – este um estudo diacrônico e sincrônico –, Manfili (2007),
Marinho (2002) e Lima (2007).
Em seguida, no capítulo 3, apresentamos nossas hipóteses acerca dos vários usos
do elemento estudado, o corpus e a metodologia utilizados na pesquisa.
O capítulo 4 é dedicado à análise dos dados. Nesta seção apresentaremos as
variadas manifestações do onde, a saber: o onde como pronome relativo recuperador de
espaço, este já balizado pelas gramáticas tradicionais; o onde como pronome relativo
recuperador de sintagmas abstratos; outras especificidades do pronome relativo onde; o
18
onde como pronome relativo recuperador de tópico; o onde como conjunção de causa; o
onde como conjunção de causa/tempo. Também destacamos exemplos que sugerem a
possibilidade de manifestação do onde como um operador discursivo – caso em que o
elemento simplesmente liga partes do texto sem o reconhecimento de conexões lógico-
semânticas entre as mesmas, o que sugere estarmos diante de um nível ainda mais
elevado de enfraquecimento da articulação intersentencial.
No capítulo 5 apresentaremos as conclusões a que chegamos após as análises
realizadas.
No capítulo 6 procederemos à apresentação da bibliografia utilizada no presente
estudo.
No capítulo 7 encontram-se os anexos. Nesta seção estão as provas avaliadas
(Língua Portuguesa, História e Literatura), na íntegra, por segmento (PISM I, PISM II e
VESTIBULAR), para conferência do leitor.
19
1. Fundamentação Teórica
Nosso trabalho tem como proposta analisar e descrever o uso das construções
com onde, na modalidade escrita do português brasileiro, em retomada de elementos
não locativos, bem como seu uso como elemento conjuncional. Para engendrarmos essa
difícil tarefa (afinal estamos diante de um elemento multicategorial e de múltiplas
funções, comutável com as mais variadas formas conforme as necessidades do
falante/escritor e as possibilidades do discurso), buscamos o modelo funcionalista, na
linha da gramaticalização (Heine et al (1991). Esse modelo estabelece-se como a base
teórica principal do trabalho, suporte para à análise dos dados e sua interpretação.
Por estar, como outros itens, em constante flutuação, o onde obrigou-nos a
buscar fundamentos teóricos que tratassem da variação e mudança linguística –
polissemia, metáfora e metonímia, mecanismos que participam do processo de
gramaticalização. Para a composição de uma moldura teórica que levasse em
consideração vários níveis do sistema linguístico (o gramatical, o semântico e o
pragmático), em contextos linguísticos específicos, optamos pela proposta teórica da
Inferência Sugerida (Traugott e Dasher: 2005), que contempla todos os níveis
mencionados.
Como o contexto é altamente relevante para a interpretação de nossos dados,
recorremos aos estudos dos gêneros textuais (visando ao tratamento do gênero prova
aberta) e das tipologias textuais (favorecedoras, cremos, de alguns usos do onde), com
origem em Bakhtin [1953] (1992), através dos Trabalhos de Marcuschi (2002) e Bonini
(2007).
Por estarmos diante de um elemento imbricado em orações complexas,
comportando-se ora como um pronome relativo, ora como uma conjunção, revisitamos
as gramáticas normativas e descritivas, bem como trabalhos de viés funcionalista, para a
configuração morfossintática e semântica das diversas manifestações do onde e dos
contextos nos quais as mesmas assomam. Para a descrição semântica do onde,
especificamente, recorremos a Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008), obras que
possibilitam dar às relações lógico-semânticas que acompanham o onde um tratamento
20
mais flexível que o das gramáticas tradicionais, decerto mais condizente com a
maleabilidade encontrada no discurso.
Ao procedermos à intersecção destas molduras teóricas, procuramos analisar e
descrever os usos polissêmicos de onde, encontrados em nosso corpus. Apresentamos, a
seguir, os fundamentos teóricos que embasam nossa pesquisa, mencionados acima.
1.1 O processo da gramaticalização
A gramaticalização é o processo de mudança linguística, que, há alguns anos,
figura no centro dos estudos linguísticos funcionalistas.
Este processo leva itens lexicais e construções sintáticas a assumir funções
referentes à organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas.
O primeiro estágio da gramaticalização se dá quando um item lexical, tendo
enfraquecida sua capacidade de referenciação, assume funções gramaticais, tornando-se,
assim, um item gramatical. Contudo, sua carga semântica já se encontra alterada, e pode
perder alguns de seus semas para se tornar uma categoria funcional. Em decorrência da
abstração, o item pode, também, incorporar outros semas, tornando-se, dessa forma,
mais polissêmico.
Segundo Hopper (1991), a gramaticalização é sempre uma questão de gradação
que não atende a critérios específicos dos fenômenos considerados, mas, sim, aos
critérios de mudança linguística. Os itens e construções lexicais, ao se tornarem mais
gramaticais, perdem algumas das propriedades formais e semânticas do item-fonte
enquanto outras persistem nas formas gramaticalizadas. Mesmo nos processos de
gramaticalização considerados “concluídos” ou “avançados”, sempre é possível
identificar vestígios de estágios anteriores. Veremos isto adiante, com o elemento onde,
de valor locativo, funcionando como um advérbio, passando a pronome relativo,
recuperador de lugar e de entidades mais abstratas, e, finalmente, passando a funcionar,
na organização interna do discurso, como uma conjunção (cf. escala de abstração formal
e semântica do onde).
21
Por outro lado, a gramaticalização também pode levar determinados itens a
assumir função de marcador discursivo, modalizando ou reorganizando a produção da
fala, quando a linearidade é momentaneamente perdida, ou servindo para preencher o
vazio causado por essa perda da linearidade.
Como resultado da ação da gramaticalização, um elemento pode se tornar mais
gramatical, assumindo posições mais fixas em determinadas cláusulas e apresentando
maior previsibilidade no que concerne ao seu uso. Dependendo da natureza do item
gramaticalizado (né?, sabe?, entendeu?, então, etc.) este pode tornar-se menos
gramatical, assumindo funções relacionadas ao processamento do discurso, perdendo as
suas restrições gramaticais originais e ampliando seu leque de possibilidades de
colocação na cláusula.
Em nosso trabalho, iremos nos ater, exclusivamente, ao processo de
gramaticalização, que leva determinados itens a atuarem na organização interna do
discurso, por ser este o mecanismo de mudança que melhor explica os múltiplos
empregos do onde na modalidade escrita do português, no universo pesquisado por nós
(indivíduos possuidores de escolaridade básica ou a caminho de obtê-la).
Conforme apontam Vitral et al (2010), gramaticalização é um termo que tem
sido usado com vários sentidos e com inovações acerca de sua utilização. Para a nossa
pesquisa, interessa-nos o sentido cunhado por Heine et al (1991), bem como por
Martelotta et al (1996) e, também, Martelotta (2010): itens lexicais e construções
sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez
gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Nesta acepção, o
elemento linguístico, já gramaticalizado, tende a se tornar mais regular e mais previsível
em outro estágio do processo de gramaticalização, saindo do nível da criatividade
eventual do discurso para penetrar nas restrições da gramática.
As restrições gramaticais se caracterizam, basicamente, conforme apontam
Martelotta et al (1996), por regularidades que se manifestam nas relações de ordenação
vocabular e de regência, nas relações de concordância de gênero e número para os
pronomes, substantivos e adjetivos e nas relações de número e pessoa e atribuição de
modo, tempo, aspecto e voz para os verbos.
Itens lexicais, em termos prototípicos, são elementos que fazem referência a
dados do universo biossocial, pois designam entidades, ações e qualidades. Os
22
elementos gramaticais, por sua vez, organizam os itens do léxico no discurso,
executando funções exclusivamente linguísticas: ligar partes do texto, identificar partes
do texto já mencionadas (ou ainda por mencionar), marcar estratégias interativas,
expressar noções gramaticais (como, por exemplo, tempo, aspecto e modo). O
surgimento de elementos gramaticais como uma extensão dos usos de itens lexicais
configura-se como resultado de processos naturais de gramaticalização (Martelotta:
2010), conforme demonstram os exemplos (2) e (3), confrontados com (1):
(1)
Figura 1: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 1b: No caso do primeiro mapa, Roma começou a dominar várias
áreas da Europa, já que o mapa 1 mostra a grande área Romana, no segundo mapa,
houve a expansão marítima, onde os países europeus conheceram novos territórios,
onde encontraram especiarias, das quais muitos ficaram “dependentes” delas e foram
explorar tudo. (PISM I/2010)
(2)
23
Figura 2: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à questão 1b: Nessa mesma época, na tentativa de fazer do Brasil mais que
apenas “agroexportador” e com o incentivo do capital gerado pela venda do café
começou o surto industrial, onde algumas fábricas foram instaladas. Mas a concorrência
desleal com produtos estrangeiros de melhor qualidade e baixo preço acabou com a
tentativa de industrialização. (PISM II/2010)
(3)
Figura 3: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010.
Resposta à questão 2: Os dois poemas consistem em demonstrar a percepção de morte
das personagens, onde deixam expostos que quando a morte chega, explendorosas
alegrias devem surgir no lugar de lágrimas e tristezas. (VESTIBULAR/2010)
No exemplo (1), o onde (em negrito) faz remissão a novos territórios,
constituinte de natureza locativa/espacial. No exemplo (2), igualmente a (1), o elemento
tem caráter remissivo, mas a entidade retomada (“o surto industrial”) não é, em sua
natureza (semântica), locativa. Já no exemplo (3), o onde apresenta valor sequencial e
24
funciona como conectivo, um juntor intersentencial, sem função sintática –
diferentemente de (1) e (2) –, o que nos autoriza a classificá-lo como uma conjunção.
Quando há uma aparente quebra da linearidade sintática, como em (3) – aparente porque
não sabemos se a quebra efetivamente se deu –, consideramos a possibilidade, bastante
plausível, de funcionamento do onde como um mero sequenciador, equivalente, no
caso, a “deixando expostos que, que quando a morte chega, explendorosas alegrias
devem surgir no lugar de lágrimas e tristezas.” O fato é que o terceiro uso de onde é
derivado, historicamente, conforme veremos na revisão bibliográfica, do primeiro (item
+ lexical), mostrando que este elemento começa a participar de um processo de
gramaticalização, através do qual os itens lexicais vão se convertendo em itens mais
gramaticais.
Martelotta et al (1996), partindo dessa concepção de gramaticalização,
relacionam esse processo a algumas manifestações da mudança linguística:
1. A trajetória de elemento linguístico do léxico à gramática como, por
exemplo, a passagem de verbos plenos a verbos auxiliares, como ocorre com
o verbo de movimento ir (de perto para longe do falante), que passa a
designar futuro como auxiliar.
2. A trajetória de um vocábulo a um morfema, que ocorre, por exemplo, com a
passagem amar + hei > amarei e tranquila + mente > tranquilamente.
3. A trajetória de elemento linguístico da condição de menos gramatical (ou
menos regular) para mais gramatical (ou mais regular), como acontece, por
exemplo, com seja > seje e menos > menas, por forte influência da analogia.
4. A trajetória de elemento linguístico de mais referencial a menos referencial,
caracterizada pela perda de significação de referentes extralinguísticos e
aquisição de significados baseados em dados pragmáticos, relativos a
estratégias comunicativas dos participantes, e em dados textuais, relativos à
organização interna dos argumentos no texto, como ocorre com o operador
argumentativo logo, inicialmente de valor de advérbio espacial (do latim
locu-), passando, posteriormente, a assumir função argumentativa como
conjunção conclusiva.
25
Da mesma forma, esse último processo ocorre com onde, inicialmente também
com valor de advérbio espacial (+ lexical), passando a pronome relativo (elemento
gramatical) e esvaziando-se completamente de suas funções primeiras, passando a
assumir uma função mais argumentativa no discurso, como uma conjunção.
Conforme apontam Martelotta et al (1996):
A gramaticalização é uma manifestação do aspecto não-estático da gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em constante mudança em consequência de uma incessante busca de novas expressões e que, portanto, nunca estão definitivamente estruturadas.
A gramaticalização está totalmente imbricada aos processos cognitivos, que
produzimos em situações comunicativas.
De acordo com Johnson (1987) e Lakoff & Johnson (2002), o pensamento
inicialmente trabalha com conceitos adquiridos pelo contato com o mundo concreto. O
sistema conceptual que emerge da experiência serve de base para a compreensão de
uma realidade mais abstrata que constitui o mundo das ideias. O que permite que o
homem compreenda o mundo das ideias em função do mundo concreto é, segundo
aqueles autores, a metáfora.
As línguas, portanto, possuem um sistema semântico cognitivo de base
experiencial, que opera e determina as regularidades que caracterizam a derivação dos
sentidos através da transferência metafórica do mundo real para os domínios do mundo
abstrato.
O processo metafórico tende a obedecer unilateralmente a uma trajetória do mais
concreto para o menos concreto, pois palavras que designam fatos do mundo concreto
são utilizadas, por analogia, para designar conceitos mais abstratos e mais difíceis de
serem conceptualizados. Vejamos alguns exemplos:
(4)
Peguei a lógica de seu raciocínio.
(5)
Você levantou muitas hipóteses, mas destruirei quase todas.
(6)
Essa é a questão onde eu quero chegar.
26
Nos três exemplos acima as expressões peguei, levantou e chegar são típicas do
mundo físico (+concreto), mas estão sendo empregadas metaforicamente para expressar
noções mais abstratas ligadas a raciocínio, a hipótese e a argumentos.
O processo metafórico é unidirecional e se faz de acordo com as seguintes
escalas de abstração crescente, propostas por estudiosos da gramaticalização, como
Heine et al (1991), Traugott e Heine (1991), Traugott e König (1991), Castilho (2003),
respectivamente apresentadas a seguir:
PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE
ESPAÇO > (TEMPO) > TEXTO
TEMPO > CAUSA > CONCESSÃO
ESPAÇO > TEMPO > CAUSA
Essas escalas expressam uma unidirecionalidade, princípio que se apoia no
postulado de que dados mais concretos e mais fáceis de conceptualizar são utilizados
para expressar noções mais abstratas. A ideia, por exemplo, de que itens lexicais
indicadores de partes do corpo podem gramaticalizar-se, convertendo-se em termos
indicadores de objetos e noções espaciais, temporais (e não o contrário), demonstra que
o processo de gramaticalização tende a se processar numa crescente abstratização.
Desta maneira, os elementos da escala de Heine et al (1991) constituem
domínios de conceptualização importantes para estruturar a experiência em termos
cognitivos. A relação entre eles é metafórica, o que significa que qualquer um deles
pode ser usado para conceptualizar qualquer elemento à sua direita. Assim, palavras que
designam partes do corpo (como braço) passam a designar objetos (braço da cadeira)
ou qualificações (ele é meu braço direito), ou palavras referentes a noções espaciais
(passar pela rua) passam a expressar noções temporais (o tempo passou) ou
qualificações (ele está ultrapassado).
Traugott e Heine (1991: 8) afirmam que estudos feitos em várias línguas
demonstram que apenas certas classes de palavras são recrutadas para serem
gramaticalizadas, pois existem fatores que podem incentivar ou restringir o processo. O
grau de adequação semântica e a frequência são os principais dentre esses fatores.
Adequação semântica diz respeito ao seguinte: se o conteúdo semântico de uma
forma linguística, ou as inferências que desse conteúdo podem ser retiradas, pode servir
27
a propósitos metalinguísticos referentes à organização do texto de modo relativamente
natural, essa forma linguística tem potencial para sofrer gramaticalização. Em caso
contrário, a gramaticalização tem chances muito remotas de ocorrer.
Quanto à questão da frequência, o que podemos observar é que, quanto mais
frequente é a forma linguística, mais probabilidade ela tem de se gramaticalizar.
De um modo geral, o processo de gramaticalização tende a resultar em noções
mais abstratas (noção temporal ou aspectual) e elementos relativos à organização
interna do texto (conectivos). Do ponto de vista formal, a tendência é que esses
resultados passem a constituir elementos mais presos, ou de características gramaticais
mais restritas, como, por exemplo, auxiliares, morfemas e clíticos, ou, também, menos
referenciais, como ocorre com itens como o onde.
Há, ainda, na literatura, muitos apontamentos sobre os possíveis mecanismos
que favorecem o processo de gramaticalização. Heine et al (1991), por exemplo, falam
em transferência metafórica e Lehmann (1991) aponta a importância da analogia (cf.
adiante) no processo, sobretudo, como influenciadora do modo como os novos
empregos vão se alastrando na língua.
Traugott e König (1991) apontam que o tipo de mecanismo que efetuará a
gramaticalização dependerá da natureza particular da função envolvida no processo.
Eles afirmam que a inferência metafórica ocorrerá principalmente no surgimento de
marcas de tempo, aspecto, caso, enquanto que a inferência por pressão de
informatividade, mecanismo de natureza metonímica, predomina no surgimento de
conectivos.
Hopper e Traugott (2003) discorrem sobre a tendência de se considerar a
transferência metonímica, e não a metafórica, e a reanálise, e não a analogia, como
mecanismos que predominam na mudança por gramaticalização. Da mesma forma,
Givón (1995), ao analisar o grau de integração entre cláusulas, cita o processo de
reanálise.
As observações dos diferentes autores mencionados neste capítulo caracterizam
a gramaticalização como um fenômeno que envolve vários níveis na comunicação
verbal: o nível cognitivo; o nível pragmático; o nível semântico e o nível sintático.
No nível cognitivo, a gramaticalização (pelo menos no que se refere à
morfologia) segue (como parece ocorrer com os processos de mudança metafórica em
geral) a tendência, já mencionada, de usar elementos do mundo concreto para o mundo
28
abstrato. O elemento do léxico é mais concreto que o da gramática, ou seja, é mais fácil
conceptualizar substantivos do que relações textuais.
No nível pragmático, a gramaticalização envolve uma intenção genérica do
falante de usar algo conhecido pelo ouvinte para fazê-lo compreender melhor o sentido
novo que ele quer expressar. Há, na passagem do concreto para o abstrato, uma intenção
comunicativa de facilitar a compreensão do ouvinte, a partir do aproveitamento de
conceitos mais concretos e mais conhecidos para a expressão de ideias novas que
surgem no decorrer, na negociação do processo comunicativo.
No nível semântico, a gramaticalização, como processo de mudança ocorrida no
léxico, envolve o conhecimento por parte dos interlocutores dos significados de origem
das palavras envolvidas. De outro modo, o sentido novo correria o risco de não ser
detectado pelo ouvinte.
No nível sintático, a gramaticalização ocorre basicamente em contextos que a
estimulem, o que significa que não só existem aspectos sintáticos que propiciam a
gramaticalização, mas, principalmente, que esses aspectos são responsáveis pelo fato de
a mudança tomar efetivamente um dado caminho e não outro.
Com base nessas considerações podemos dizer que a gramaticalização ocorre
por mecanismos de natureza metafórica e de natureza metonímica. A metáfora constitui
um processo de abstratização crescente, através do qual os conceitos que estão mais
próximos da experiência humana (+ concretos) são utilizados para expressar aquilo que
é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido. A metonímia diz
respeito aos processos de mudança por contiguidade, no sentido de que são gerados no
contexto sintático, num processo que, mais tarde Traugott e Dasher (2005) vão chamar
de inferência sugerida (cf. subseção 1.2.1).
Segundo Heine et al (1991: 179), o processo metafórico se dá na trajetória
espaço > discurso, através da qual conceitos espaciais são utilizados, por processos
analógicos, para designar pontos do texto já mencionados ou por mencionar. O
elemento espacial é, nesses casos, o dado mais concreto, servindo de base para o
surgimento de novos usos de valor menos concreto, os quais funcionam como
elementos de organização interna do texto. É o que ilustramos, no exemplo seguinte,
acerca do onde:
29
(7)
Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até políticos se envolveram,
ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram satisfeitos e ocorreu a revolução
no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução Industrial avançou, surgindo
assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II/2010)
No exemplo, o elemento em negrito, originariamente um advérbio (um pronome
advérbio) retomador de lugar concreto, naquele contexto, é empregado anaforicamente,
fazendo retomada de algo anteriormente mencionado. O onde refere-se a inúmeras
revoltas. Como o antecedente evoca um espaço e um tempo historicamente delimitados,
usa-se um termo locativo, o onde, para recuperar a entidade expressa na oração anterior.
Já a metonímia é o termo utilizado, tradicionalmente, para caracterizar mudanças
por contiguidade no mundo extralinguístico. Nesta acepção, conforme apontam Du Bois
et al (1979), metonímia constitui um processo que ocorre quando:
uma noção é designada por um termo diferente do que seria necessário, sendo as duas noções ligadas por uma relação de causa a efeito (a colheita pode designar o produto da colheita e não apenas a própria ação de colher), por uma relação de matéria a objeto ou de continente a conteúdo (beber um copo), por uma relação da parte ao todo (uma vela no horizonte).
Essa interpretação, quase tradicional, adotada por Du Bois, não é aquela sobre a
qual pensamos o processo metonímico, enquanto mecanismo favorecedor da
gramaticalização. Nesta concepção, o termo metonímia designa a mudança que sofre
uma determinada forma em função do contexto linguístico (e pragmático) no qual está
sendo utilizado. Um dos mecanismos ligados ao processo cognitivo da metonímia é a
reanálise, que atua no eixo sintagmático, caracterizando-se por uma reorganização da
estrutura do enunciado, e uma reinterpretação dos elementos que o compõem, conforme
podemos ver no exemplo a seguir, retirado de nosso corpus:
(8)
Questão 1: Bullying seria a repetição, sem motivo consistente, de derivados da violência
como ofender, sacanear, ou mesmo causar dor a algum aluno de maneira a o deixar
30
ofendido e desequilibrado em termos de poder. No ambiente escolar, o aluno que sofre
bullying, assim como as pessoas que convivem com ele, estão propensas a sentir medo
de tal comportamento, levando a um baixo rendimento escolar, ou até a consequências
mais sérias, onde pode haver uma súbita reação do aluno que sofre de bullying, numa
tentativa de igualar a relação de poder. (PISM II/2010)
O exemplo acima ilustra o processo em que fatores pragmáticos associam-se a
fatores linguísticos, como favorecedores de mudanças categoriais – em (8), algumas
características típicas das conjunções (juntor intersentencial sem qualquer função
sintática) permitem afirmar que o onde destacado utilizado pelo candidato-autor não
poderia ser classificado como pronome ou advérbio. Sua natureza de conector,
provavelmente causal (cf. capítulo dedicado à análise dos dados), é reforçada
extralinguisticamente, quando se considera o onde inserido na totalidade do discurso:
(8) é resposta a uma pergunta que, na própria formulação (“descreva, de maneira
sucinta, os efeitos do bullying no ambiente escolar”), suscita a produção de um texto
argumentativo (7 linhas), favorecedor da emergência de valores causais/explicativos
para o onde.
Hopper e Traugott (2003: 57) afirmam que apenas a reanálise é um fenômeno
ligado ao processo cognitivo da metonímia, que pode criar novas formas gramaticais,
embora não se deva subestimar o papel da analogia na gramaticalização.
Traugott e König (1991: 194) utilizam outro rótulo para explicar a inferência
metonímica: inferência por pressão de informatividade. Para eles, trata-se de um
mecanismo que predomina na gramaticalização de operadores argumentativos,
constituindo um processo em que, por convencionalização de implicaturas
conversacionais, um dado elemento linguístico passa a assumir um valor novo, que
emerge de determinados contextos em que esse sentido novo pode ser inferido do
sentido primeiro, independentemente do valor textual das cláusulas envolvidas no
processo. É o que ocorre, ainda de acordo com Traugott e König (1991: 194), na
transformação de since (com valor temporal) para since (com valor causal):
(9)
I have done quite a bit of writing since we last meet. (Eu escrevi pouco desde o nosso
ultimo encontro – temporal)
31
(10)
Since Susan left him, John has been very miserable. (Desde que Susan o abandonou,
John tornou-se um miserável – temporal/causal)
(11)
Since you are no coming with me, I will have to go alone. (Uma vez que você não virá
comigo, eu irei sozinho – causal)
Nessa sequência de exemplos vimos que há uma possibilidade de leitura causal
em alguns contextos nos quais ocorre since (inicialmente temporal) e, com a
convencionalização dessa nova leitura, surge o since causal. O que ocorre em casos
desse tipo é que o elemento é pressionado pelo contexto a admitir um sentido novo.
Na trajetória da gramaticalização pode ocorrer, em alguns casos, o fato de que
um elemento não passe do léxico/discurso para a gramática, mas passe de um item já
gramatical para um estágio ainda mais gramatical, como veremos, a posteriori, com o
elemento onde, que já se apresenta, mesmo no escopo canônico (remetendo a lugar
físico), com um estatuto gramatical (de valor pronominal). As trajetórias propostas para
o onde poderiam ser explicadas a partir das seguintes escalas:
item gramatical > item + gramatical
pronome > conjunção > ∅∅∅∅
1.2 A Linguística Cognitivo-funcional
Na situação comunicativa os sentidos são negociados de maneira interativa
(subjetiva e intersubjetivamente), numa díade, falante/escritor e ouvinte/leitor, os quais
são responsivos ao contexto, gerando novos contextos, a partir de recursos como a
metáfora e a metonímia, produzindo, assim, a mudança semântica. O falante/escritor,
então, convida o ouvinte/leitor a fazer inferências e a participar daquela negociação de
sentidos, e, a partir daí, este passa a fazer novas inferências, através dos novos usos
empregados naquele contexto específico.
32
1.2.1 A Inferência Sugerida
Traugott e Dasher (2005) têm como objetivo demonstrar que existem caminhos
previsíveis para as mudanças de ordem semântica, através de diferentes estruturas
conceptuais e de domínios de função linguística (ou domínios funcionais, como
modalidade, caso, referenciação, etc.), e argumentam que existem evidências
translinguísticas de que as referidas mudanças são unidirecionais. Segundo eles, ao
traçarmos as histórias de lexemas translinguisticamente encontramos, repetidamente,
mudança unidirecional, o que evidencia a existência de regularidade na mudança
linguística. Essas regularidades constituem-se em mudanças de um sentido
linguisticamente codificado para outro, como, por exemplo, o valor de obrigação
deôntico para o valor epistêmico. Traugott e Dasher afirmam que, quando um item tem
sentidos deôntico e epistêmico, o deôntico vem antes na história da língua em questão,
como, por exemplo, o verbo must do inglês, o qual, segundo os autores, pode apresentar
sentido de obrigação, deôntico (12) ou de conclusão, epistêmico (13), tornando-se
ambíguo quando fora do contexto.
(12)
They must be/get married, I demand it. (Eles devem se casar, eu exijo.)
(13)
They must be married, I am sure of it. (Eles são casados, tenho certeza disso.)
Essas regularidades são tipos prototípicos de mudança que se repetem através
dos tempos e em línguas diferentes. Diferentemente do que postulam os neogramáticos
no que concerne à mudança sonora, as regularidades na mudança semântica são
tendências possíveis (e até prováveis), e não mudanças que se repetem para qualquer
item significativo possível em um ponto no tempo específico e em uma língua
específica. São universais ligados ao uso.
Como ocorrem de maneira frequente e em línguas não relacionadas às
mudanças, estão associadas a processos cognitivos e comunicativos, através dos quais
os sentidos pragmáticos se tornam convencionalizados e reanalisados como polissemias
semânticas. Esses processos estão associados a mecanismos que os autores chamam de
33
inferência sugerida (termo traduzido pelos funcionalistas para invited inference) e de
subjetivação e intersubjetivação.
Pode-se ainda perguntar se a mudança de sentido de obrigação (deôntico) para
de conclusão (epistêmico) pode ter algo a ver com o status gramatical das formas em
questão. Entretanto, há muitos casos envolvendo verbos lexicais, que sugerem que
qualquer ligação entre suscetibilidade à mudança semântica e status gramatical da
forma é apenas uma coincidência. O exemplo, tratado por Traugott e Dasher, é o verbo
tikau, em japonês, no qual o sentido de obrigação já aparecia em estágios antigos da
evolução da língua, enquanto que com o sentido de jurar (que algo é verdade) só
aparece em estágios posteriores. Desta maneira, podemos concluir que a mudança
semântica (no nível lexical, pelo menos) prevê essa possibilidade, ou seja, não é
somente o fato do fenômeno estar associado à passagem do nível lexical para o
gramatical ou que somente se dê no campo gramatical.
Mudanças similares podem ocorrer em línguas diferentes e não relacionadas.
Isso nos sugere que deve haver alguns princípios abrangentes (overarching) do uso da
língua que dão conta da reprodução (replication1) de mudanças de sentido através das
línguas e das categorias.
A tradição reconhece que a mudança fonológica é regular no sentido de que,
probabilisticamente, se pode esperar que certas mudanças recorram através das línguas,
dependendo das propriedades fonéticas que estão envolvidas: vogais periféricas se
tornam mais abertas e vogais não periféricas se tornam mais fechadas, por exemplo. Da
mesma maneira, trabalhos em gramaticalização têm demonstrado que a mudança
morfossintática é regular em um sentido semelhante: adposições podem fazer surgir
marcas de caso morfológico, mas não vice-versa. Ainda, no domínio semântico, há
evidências da existência de padrões previsíveis de mudança sofridos por lexemas
individuais translinguisticamente.
Assim, seja em que nível for, a linguagem é restringida por propriedades
estruturais da forma em questão e pelos objetivos cognitivos e comunicativos para os
quais a língua é usada. (grifo nosso)
1 Esse termo foi traduzido dessa forma, para diferenciarmos do termo empregado por Heine e Kuteva (2005), para quem o referido termo possui o valor de cópia.
34
Segundo os autores, os maiores graus de regularidade semântica têm sido
encontrados em estruturas conceptuais relacionadas a lexemas envolvidos em processos
de gramaticalização, como dêixis, aspecto e modalidade. Entretanto, análises mais
atentas têm demonstrado que elementos lexicais (sobretudo verbais, adjetivais e
adverbiais) também exibem padrões regulares de mudança semântica. Traugott e Dasher
querem demonstrar que mudança semântica se mostra recorrente através de um grande
conjunto de estruturas conceptuais, qualquer que seja o status gramatical do lexema em
questão. Podemos, então, inferir que eles consideram que os processos de mudança por
gramaticalização se mostram regulares e que a mudança semântica se prende menos aos
aspectos gramaticais relacionados ao item envolvido.
Em todos os casos de mudança linguística, as regularidades não são absolutas,
ou seja, algumas mudanças possíveis não ocorrem e exceções são encontradas. Isto é
particularmente válido para o domínio semântico, dada a natureza do léxico, que está
sujeito à referência e, portanto, a mudanças sociais e ideológicas. Nesse sentido,
mudanças semânticas irregulares são mais comuns no domínio nominal, que é
particularmente suscetível a fatores extralinguísticos, como a construção social de um
referente.
No nível micro, cada exemplo de mudança semântica tem suas próprias
características particulares. Isso pode ser consequência das propriedades específicas do
lexema que sofre a mudança; dos sistemas gramaticais sincrônicos da língua para
expressar a estrutura conceptual em questão e das circunstâncias que rodeiam a atuação
da mudança na comunidade de fala, em um momento particular. Falando de outro
modo, cada lexema tem sua própria história individual, podendo ou não ser recrutado à
mudança semântica.
Entretanto, no nível macro, a direção da mudança semântica é frequentemente
previsível, não apenas dentro de uma língua determinada, mas, também,
translinguisticamente. Assim, tentam explicar as micro-mudanças individuais dentro de
uma estrutura teórica de macroprocessos.
Para tanto, os autores defendem a ideia de uma Teoria de Inferência Sugerida
da Mudança Semântica (TICMS). O termo utilizado pelos linguistas (Inferência
Sugerida) não se restringe a implicaturas generalizadas; engloba as complexidades da
35
comunicação, através das quais o falante/escritor evoca implicaturas e convida o
ouvinte/leitor a inferi-las. Assim, como há a preocupação, por parte dos autores, com
questões cognitivas e funcionais, baseiam-se em várias concepções teóricas, as quais se
coadunam da seguinte maneira: os estudos cognitivos da estruturação de domínios
semânticos; a pragmática, especialmente a pragmática acerca da convencionalização das
implicaturas (inferências sugeridas/convidadas), que surgem no uso da língua e a análise
do discurso concebida como a interação da gramática e do uso, porém, adaptada ao
estudo de textos escritos, uma vez que esses são os dados primários para estudos de
mudança com uma profundidade de tempo longa.
Traugott e Dasher preferem o termo inferência sugerida ao termo inferência
contextualmente induzida proposto por Heine et al (1991), porque este sugere que o
foco está no ouvinte/leitor como um intérprete e diminui o papel ativo do
falante/escritor na estratégia retórica, indexando e coreografando o ato comunicativo.
Através de vários domínios semânticos e da investigação em várias línguas, os
autores encontraram várias linhas unificadas em recorrentes padrões de mudança
semântica. Uma delas é a tendência geral de os sentidos caminharem na direção de uma
subjetificação (sua expressividade passa a estar centrada na perspectiva do
falante/escritor explicitamente) e de uma intersubjetificação (sua expressividade passa a
estar centrada na relação entre falante/escritor e ouvinte/leitor explicitamente), e, assim,
é negociável a interpretação de sentidos (inferência convidada/sugerida).
Como as discussões são acerca da mudança, mais especificamente, os
processos discursivos envolvidos na mudança, os autores precisam não somente de
uma teoria, mas, também, de uma teoria do uso linguístico e de relação mútua entre esse
uso e a gramática. Entretanto, nenhum modelo específico de gramática é adotado por
eles, mas a abordagem é, em princípio, consistente com a variedade de teorias
associadas com a gramática das construções e a linguística cognitiva. A proposta dos
autores é que os aspectos estruturais e comunicativos configuram a forma da gramática.
Para eles a gramática é sistema linguístico e código, o elo entre gramática e uso e a
díade falante/escritor – ouvinte/leitor negociam o sentido de maneira interativa, tanto
respondendo ao contexto quanto criando contextos.
36
Essa díade pode parecer simétrica, mas não é, pois o falante/escritor possui
estados mentais e produz sentidos que podem ou não ser entendidos pelo ouvinte/leitor,
embora ambos os membros da díade sejam participantes assumidos no contexto
particular de comunicação. Quando o falante/escritor assume seu turno, tem o papel
central no contexto. Assim, o papel central do falante/escritor leva a uma visão de
mudança linguística orientada para a produção e indica o processo mais importante de
mudança semântica: a subjetificação.
O falante/escritor é o principal negociador (com o ouvinte/leitor) da referência e
do sentido geral, usando elementos de valor contextual e alternantes dêiticos,
permitindo, assim, o acesso às variáveis para o falante e o ouvinte – tempo, espaço,
relevância comunicativa e status social.
A função básica da linguagem é veicular significados, neste caso, significados
no sentido cognitivo e comunicativo. Os autores têm como foco o léxico e os padrões de
uso de itens lexicais em construções possíveis da língua. Vale lembrar, que em
linguística sociocognitiva, costuma-se usar, em lugar de significados, o termo
significação, ou processo de significação, o qual indica que, na concepção cognitivista,
não há significados prontos, mas mecanismos de construção de sentidos a partir de
dados contextuais essencialmente ricos e dinâmicos. Em outras palavras, os significados
são elementos mentais únicos e estáveis, mas resultam de processos complexos de
integração entre diferentes domínios do conhecimento. Esta perspectiva acerca do
significado se coaduna com a proposta de Traugott e Dasher.
Segundo os autores, os lexemas são representações particulares em línguas
específicas de estruturas conceptuais de nível macro, que constituem estruturas
altamente abstratas, como movimento, localização, condição, grau, ser humano,
atitude epistêmica, e podem incluir sentidos não linguísticos, como os construídos pela
visão. Estas estruturas conceptuais são relativamente estáveis na espécie humana, mas
sofrem influência da cultura. Elas são conectadas a sentidos linguísticos que, por
natureza, são mais particulares e mais dependentes da cultura, embora ainda altamente
abstratos, e que estão sujeitos a restrições relacionadas a como eles são combinados.
Desta maneira, estruturas conceptuais (macros) de localização são conectadas a
sentidos linguísticos como in, out, around (exemplos dos autores). Do mesmo modo,
37
as de ser humano são conectadas a sentidos linguísticos como male, female, parent of,
etc. As de atitude epistêmica são conectados a estruturas linguísticas como alta
possibilidade, possibilidade, baixa possibilidade, etc. Esses sentidos linguísticos são
representações linguísticas abstratas de tipos de situações (processos, atividades e
estados), que envolvem seus participantes (agente, experienciador, instrumento, etc.),
seus tipos de crença (modalidades) e as situações comunicativas (atos de fala).
Vale dizer que os tipos de situações não são categorias rígidas, mas protótipos,
nos quais a semelhança por familiaridade caracteriza os membros que são mais ou
menos representativos da categoria (assim a diferença entre os sentidos linguísticos é
gradual e não totalmente determinada).
Retomando o preâmbulo que abriu esta seção, na situação comunicativa os
sentidos são negociados de maneira interativa (subjetiva e intersubjetivamente), numa
díade falante/escritor e ouvinte/leitor, os quais são responsivos ao contexto, gerando
novos contextos, a partir de recursos vários como a metáfora, a metonímia, produzindo,
assim, a mudança semântica. O falante/escritor, então, convida o ouvinte/leitor a fazer
inferências e a participar daquela negociação de sentidos, e, a partir daí, este passa a
fazer novas inferências, através dos novos usos empregados naquele contexto
específico.
A subjetividade “envolve a expressão do self e a representação da perspectiva
de um falante ou ponto de vista no discurso – o que foi chamado de marca do falante”
(Finegan, 1995:1). Como Stubbs (1986:1) apud Traugott e Dasher (2005) afirma:
Sempre que falantes (ou escritores) dizem algo, codificam seu ponto de vista para o mesmo: quer achem que seja uma coisa razoável a dizer quer seja óbvio, irrelevante, não-polido, ou seja o que for. A expressão de tais atitudes é difusa em todos os usos da língua. Todas as sentenças codificam tal ponto de vista... e a descrição de tais marcadores do ponto de vista de seus sentidos deve, portanto, ser um ponto central para a linguística.
A citação de Stubbs, acima, refere-se à perspectiva de que, sempre que um
falante diz algo, ele codifica seu ponto de vista, aquilo que acha razoável, óbvio,
38
irrelevante, entre outras coisas. A expressão dessas atitudes é recorrente em todas as
línguas e, desta maneira, todas as sentenças codificam esse ponto de vista. O ponto
central para a linguística é a descrição dos marcadores desse ponto de vista e seu
significado.
Sincronicamente, o falante/escritor seleciona não só o conteúdo, mas também a
expressão de tal conteúdo – qual entidade é escolhida como sujeito sintático, se a
topicalização é usada, tempo presente ou pretérito, etc. Na produção dinâmica do
discurso ou da escrita, o material linguístico pode ser usado em novas maneiras para
expressar aquela subjetividade. A seleção do repertório gramatical pode ser consciente
ou não. Escritores criativos e retóricos tendem a ser muito conscientes com suas
seleções, outros não. As escolhas são correlacionadas com o registro (ex. espera-se que
a escrita científica neste século seja a mais “objetiva” possível) e com grau de atenção a
uma plateia, na qual haja ouvintes/leitores individuais ou múltiplos (aqui a questão é de
“intersubjetividade”). Em todos os casos, as escolhas são altamente correlacionadas com
a intenção estratégica e a codificação explícita da mesma.
Então, na subjetividade o foco está no falante/escritor e na intersubjetividade o
foco volta-se para o ouvinte/leitor, numa eterna negociação de sentidos, para a mudança
semântica.
A mudança semântica não pode ser estudada sem que se leve em conta uma
teoria da polissemia, por causa da própria natureza da mudança. Toda mudança, em
qualquer nível da gramática, envolve não A > B (ou seja, a simples substituição de um
item por outro), mas A > A ~ B e só então às vezes > B sozinho. É importante para a
mudança de sentido e de polissemia em especial que um sentido seja entendido como
esquemático e parcialmente não subdeterminado. É um centro magnético estabilizado,
institucionalizado e prototípico que pode ser contextualmente interpretado de maneira
restrita. A polissemia surge de processos de inferência sugerida.
A inferência sugerida (inveted inferencing) é o processo de mudança que
engloba as complexidades da comunicação que o falante utiliza para evocar
implicaturas e convidar o ouvinte a inferi-las. O falante, valendo-se de dados
contextuais, convida o ouvinte a atribuir ao enunciado um valor diferente do seu sentido
literal (via metáfora/metonímia). Como o que está em jogo nesse processo são as
39
impressões e os sentimentos dos participantes, a forte tendência é a mudança caminhar
para a intersubjetivação.
1.2.2 Mecanismos da mudança linguística
Na mudança semântica há mecanismos que são reconhecidos como veiculadores
da mudança linguística, como a metáfora e a metonímia, e outros que são considerados
resultados destes, como a polissemia. Esses processos são compreendidos como
fenômenos conceptuais, que contribuem para o processo de variação, mudança
semântica e gramaticalização. Desta maneira, apresentamos alguns suportes teóricos
acerca destes mecanismos na próxima subseção.
1.2.3 A Metáfora - a contribuição de Lakoff & Johnson (2002 [1980])
Segundo Lakoff e Johnson (2002 [1980]), para a maioria dos teóricos, a
metáfora é um mero recurso da imaginação poética ou uma ornamentação da retórica,
algo que se refere à linguagem “extra-ordinária”, e não à linguagem comum ou
corriqueira. Além disso, a metáfora é vista, por alguns estudiosos, ao longo do tempo,
como algo tipicamente (e exclusivamente) da linguagem ornamental, nada tendo a ver
com o pensamento (racional) ou com a ação. Segundo Aristóteles (Poética 21.1457b. 6-
7): “A metáfora consiste em dar à coisa um nome que pertence a outra coisa”. Em
Locke (Ensaio sobre o entendimento humano, Livro III, cap. 10), encontramos uma
posição de rejeição ao emprego da metáfora claramente explícita:
Já que o engenho e a fantasia encontram maior receptividade no mundo do que a verdade árida e o conhecimento real, as falas figuradas e alusões na linguagem dificilmente são reconhecidas como uma imperfeição ou abuso da linguagem. Reconheço que, nos discursos em que buscamos antes prazer e
40
deleite do que informação e aprimoramento, tais ornamentos não poderiam ser considerados defeitos. Contudo, se formos falar das coisas tal como são, devemos reconhecer que toda a arte retórica, salvo a ordem e a clareza, todas as aplicações artificiais e figurativas das palavras que a eloquência já inventou nada mais fazem do que insinuar ideias erradas, mover paixões e induzir o julgamento em erro, sendo assim consumadas fraudes.
Para Lakoff e Johnson, o predomínio da visão retórica da metáfora como algo
periférico e sem nenhum valor cognitivo se justifica pelo mito do objetivismo,
dominante na cultura ocidental, que “assume ser possível o acesso a verdades absolutas
e incondicionais sobre o mundo objetivo e entende a linguagem como mero espelho da
realidade objetiva” (2002: 11). Nesses termos, a metáfora deveria ser sempre evitada
quando se pretendesse falar objetivamente.
Em contraposição a essa visão, Lakoff e Johnson descobriram que, ao contrário
do que se pensava, a metáfora é algo onipresente na vida cotidiana das pessoas e que
nosso sistema conceptual, com base no que pensamos e agimos, tem uma natureza
fundamentalmente metafórica. Vivemos guiados por metáforas, que estão
intrinsecamente ligadas à nossa cultura (modelo em função do qual pensamos e agimos)
e reproduzem nossas atividades cotidianas. Exemplo dessa presença da metáfora em
nosso pensamento e em nossa linguagem cotidiana são as metáforas “Discussão é
guerra” (Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação); “Ideias são
plantas” (Está brotando uma nova ideia); “Tempo é dinheiro” (Você está
desperdiçando meu tempo); “Teorias são construções” (Precisamos construir um
argumento forte para isso); “Estados físicos ou emocionais são entidades dentro de uma
pessoa” (Ele tem dor no ombro/Tenho que chacoalhar essa depressão que não me
larga), etc.
Essa mudança paradigmática implica, portanto, em rejeitar aquele pressuposto
objetivista e suas implicações, recusando a possibilidade de qualquer acesso verdadeiro
à realidade do ponto de vista epistemológico, levando a uma reformulação profunda na
maneira de conceber a objetividade, a compreensão, a verdade, o sentido e,
principalmente, a metáfora. Dessa forma, no novo paradigma, empreendido por Lakoff
e Johnson, a metáfora passa a ter seu valor cognitivo reconhecido, mudando do status de
41
uma simples e sem importância figura de retórica para o de uma operação cognitiva
fundamental.
Os autores, ao tratarem essas questões relativas à metáfora, traçam um paralelo
entre a concepção tradicional e a concepção cognitiva. Na primeira concepção, a
metáfora é tratada apenas como um fenômeno linguístico restrito a circunstâncias
linguísticas específicas como a literatura, completamente imprevisível e
necessariamente óbvia e transparente (desvio ordinário). Na segunda, a metáfora é
concebida como um fenômeno cognitivo refletido na linguagem, que não é restrito a
circunstâncias linguísticas específicas (retórica, ornamentação), mas sim um fenômeno
linguístico geral e abrangente, parcialmente previsível, nem sempre óbvio, mas muitas
vezes opaco, porque cotidiano, automático e inconsciente. As citações abaixo ilustram o
pensamento dos autores:
(...) a metáfora não é somente uma questão de linguagem, isto é, de meras palavras. Argumentamos que, pelo contrário, os processos do pensamento são em grande parte metafóricos. Isso é o que queremos dizer quando afirmamos que o sistema conceptual humano é metaforicamente estruturado e definido. As metáforas como expressões linguísticas são possíveis precisamente por existirem metáforas no sistema conceptual de cada um de nós. (Lakoff e Johnson, 2002: 48) (...) Quando dizemos “Tudo está contra nós” ou “Temos que aproveitar a oportunidade”, todos entenderão que não estamos usando metáforas, mas que simplesmente estamos usando a linguagem normal do dia-a-dia para uma determinada situação, mas a maneira de falar, de conceber e até mesmo de experienciar a situação seria estruturada metaforicamente. (Lakoff e Johnson, 2002: 119)
Lakoff e Johnson, cujos estudos sobre a metáfora, na década de 80, tiveram um
grande impacto na Linguística Cognitiva, reconhecem um precursor no trato dessa
questão. Trata-se de Reddy (1979 apud Lakoff e Johnson, 2002), e de sua teoria da
metáfora do canal ou metáfora do conduto (“The conduit metaphor”). Essa teoria diz
que concebemos ideias (ou significados) como objetos que, colocados dentro de
recipientes (palavras), são enviados através de um canal para um ouvinte/leitor, que
retira as ideias-objetos das palavras-recipientes. A partir dessa visão metafórica da
linguagem, que vigora em nosso senso-comum e nas teorias objetivistas, algumas
questões emergem: se expressões linguísticas são recipientes de significados, implica
42
que palavras e sentenças tenham significados em si mesmas, independentemente de
qualquer contexto ou falante; e se significados são objetos, os significados têm uma
existência independente de pessoas e contextos. Lakoff e Johnson provam que o que
Reddy chamou de metáfora do canal são manifestações linguísticas das seguintes
metáforas conceptuais:
_ A MENTE É UM RECIPIENTE: “Não consigo tirar essa música da
minha cabeça” / “Será que vou conseguir enfiar essas estatísticas na tua
cabeça?”
_ IDÉIAS (OU SENTIDOS) SÃO OBJETOS: “Quem te deu essa ideia?” /
“Você encontrará ideias melhores que essa na biblioteca.”
Como nossas expressões metafóricas reproduzem nossas atividades cotidianas e,
portanto, são sistemáticas, esses autores avançaram na investigação dos processos que
envolvem a metáfora e chegaram a uma tipologia que envolve três categorias: metáforas
estruturais, metáforas orientacionais e metáforas ontológicas.
As metáforas estruturais (ou conceptuais) consistem em compreender e
experimentar uma coisa em termos de outra (Lakoff e Johnson, 2002: 48). Esta metáfora
não se baseia nas palavras que usamos, mas no conceito, nos processos do nosso
pensamento. Por exemplo, discussão e guerra são coisas distintas (discussão verbal e
conflito armado) e as ações correspondentes também o são, mas discussão é
parcialmente estruturada, compreendida, realizada e tratada em termos de guerra, do
conceito de guerra (atacar, defender, etc.) e esse conceito é sistemático; a linguagem que
usamos para falar sobre dado conceito (como guerra – ou discussão é guerra) é
sistemática. Há, por exemplo, palavras e expressões que usamos no momento da
discussão, como atacar, defender, vencer, indefensável que expressam os atos bélicos do
ato de discutir. São, portanto, metáforas que vivenciamos no nosso cotidiano.
O segundo tipo de metáfora postulado por Lakoff e Johnson é a metáfora de
espacialização ou metáfora orientacional. São metáforas que organizam todo um
sistema de conceitos em relação a outro conceito. A maioria tem a ver com a orientação
espacial, como para cima, para baixo, no centro, dentro, fora, periférico, etc.
43
Surgem do fato de termos o corpo que temos e da interação dele com o nosso
ambiente físico (partem de uma base corpórea, física, mais concreta, para algo mais
abstrato. Por exemplo, quando estamos deprimidos [estado mental], nosso corpo tende a
arquear-se, a curvar-se em direção ao chão, assim como, quando estamos felizes,
elevamos nosso corpo de maneira “altiva”). Essas metáforas dão a um conceito uma
orientação espacial, como:
_ FELIZ É PARA CIMA: “Estou me sentindo para cima hoje”
_ TRISTE É PARA BAIXO: “Estou deprimido”
Vale lembrar que os valores fundamentais de uma cultura serão coerentes com a
estrutura metafórica dos conceitos fundamentais dessa cultura (estarão intimamente
ligados, pois não há linguagem sem contexto cultural). Na nossa cultura, temos alguns
valores que são coerentes com as metáforas de espacialização (ou orientacionais) PARA
CIMA – PARA BAIXO, e cujos opostos não seriam coerentes. Por exemplo, “Mais é
melhor” é coerente com MAIS É PARA CIMA2; já “Menos é melhor” não seria
coerente com essas metáforas. Assim, nossos valores, nossos modelos culturais não são
independentes, mas devem formar um sistema coerente com os conceitos metafóricos
que orientam nossa vida cotidiana.
A terceira categoria de metáfora é denominada de metáfora ontológica. As
experiências que temos com objetos físicos (especialmente com o nosso corpo)
fornecem a base para uma variedade ampla de metáforas ontológicas, ou seja, somos
capazes de conceber eventos, ideias como entidades e substâncias. Esse tipo de metáfora
é necessário para tentarmos lidar racionalmente com nossas experiências. Pensemos a
experiência de um aumento de preços. Trata-se de um evento que aqui será visto
metaforicamente como uma entidade por meio da palavra inflação. Assim, teremos a
metáfora ontológica, também chamada de personificação:
_ INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE: “A inflação está abaixando o
nosso padrão de vida”. / “Precisamos combater a inflação”
2 Tal coerência parece comprometida atualmente devido a certos modelos culturais de economia em que menos pode ser melhor: um carro menor e mais econômico, por exemplo.
44
Nas metáforas de personificação, objetos físicos são concebidos como pessoas.
É uma categoria geral que cobre uma enorme gama de metáforas, cada uma
selecionando aspectos diferentes de uma pessoa ou modos diferentes de considerá-la. O
que todas têm em comum é o fato de serem extensões de metáforas ontológicas,
permitindo-nos dar sentido a fenômenos do mundo em termos humanos, termos esses
que podemos entender com base em nossas próprias motivações, objetivos, ações e
características. Em expressões como “A inflação atacou o alicerce de nossa economia”
percebemos que a inflação não é somente personificada, como, também, é um
adversário que devemos combater, o que nos remete, novamente, à primeira metáfora
descoberta por Lakoff e Johnson: a metáfora estrutural ou conceptual.
Vimos, através desta revolucionária obra, que a dicotomia linguagem
literária/linguagem cotidiana cai por terra, assim como o conceito de metáfora como
figura de linguagem que a sustentava. A partir desses estudos empreendidos pelos
autores, a metáfora deixa de ser considerada como algo desviante, marginal ou
periférico, e passa a ser vista como um fenômeno central da linguagem humana e do
pensamento, onipresente em todos os tipos de linguagem – na cotidiana e, também, na
científica.
É de suma importância perceber que a base da teoria cognitivista da metáfora
coloca em evidência a importância do corpo humano nas teorias que envolvem os
estudos da linguagem e do sentido. Seres humanos reais (encarnados), em situações de
comunicações sociais reais (e não utópicas ou idealizadas), interagem com outros seres
humanos reais, em situações reais de uso da língua. Esse paradigma epistemológico,
também chamado de realismo corporificado3 por Lakoff e Johnson (2002), defende a
necessidade de pesquisar e postular, empiricamente, as estruturas pré-conceptuais da
experiência humana, ou seja, estudar padrões e gestalts advindos da experiência direta
que nossos corpos possuem no (e com o) mundo.
Percebemos, então, que quase tudo o que experimentamos no mundo se dá por
meio de metáforas e, sendo assim, a metáfora “é parte tão importante da nossa vida
como o toque, e tão preciosa quanto.” (Lakoff e Johnson, 2002: 358).
3 Embodied realism.
45
1.2.4 Metáfora e Metonímia- a contribuição de Traugott e Dasher (2005)
Na mudança semântica, dois mecanismos são usualmente reconhecidos, a
metáfora e a metonímia. Nerlich e Clarke (1992: 137) apud Traugott e Dasher
argumentaram que, “para ser inovador e ao mesmo tempo compreensível, deve-se usar
palavras em uma maneira nova, o sentido é auto-evidente” (uma asserção
semasiológica) e que, na essência, “há somente duas maneiras principais de se fazer
isso: usar palavras para os vizinhos próximos das coisas que você pretende
(metonímia) ou usar palavras para os que se parecem com o que você pretende
(metáfora)”. Para evitar confusão entre a visão estática, sintática desses dois termos e a
visão de sua função processual como mecanismos, vamos nos referir a elas em sua
dimensão dinâmica como metaforização e metonimização. Como no caso da analogia e
da reanálise, a importância relativa desses mecanismos tem sido construída de forma
diferente ao longo do tempo. Na a maior parte do século XX, a metafor(ização) foi
considerada o grande fator na mudança semântica.
A metaforização é primariamente um princípio analógico e envolve a
conceptualização de um elemento de uma estrutura conceitual (Ca) em termos de um
elemento de outra estrutura conceitual (Cb). Uma vez que operam “entre domínios”
(Sweetser, 1990:19), os processos ditos motivados pela metaforização são
conceptualizados primariamente em termos de comparação e de “fontes” e “alvos” em
domínios conceituais diferentes (e descontínuos), embora sejam restritos pelas relações
paradigmáticas de iguais e diferentes. Assim, é possível conceptualizar o
desenvolvimento do while temporal “durante o tempo em que” > do concessivo
“embora”, ou do item grasp no sentido de “tomar” > “compreender” em termos de uma
projeção ou salto entre domínios. Uma questão, contudo, gira em torno do que é
pretendido por “domínio”. O termo é usado em vários sentidos. Por exemplo, no livro
de Sweetser (1990), assim como para Traugott e Dasher (2005), a semântica, a sintaxe e
a fonologia são consideradas domínios de larga escala de organização linguística e de
estudo; assim como as categorias de larga escala como a modalidade e a
performatividade e os domínios que “modelam nossa compreensão do mundo social e
físico”, do “mundo do raciocínio” e do ato de descrever o mundo (“atuação discursiva”)
46
(Sweetser, 1990:21). Mas o termo também é muitas vezes usado para o(s) “campo(s)
representacional(is) primitivo(s)” irreduzível(is) (Langacker, 1987/91: capítulo 4) como
espaço, tempo, modalidade deôntica, modalidade epistêmica, concessão. Se os
primitivos irreduzíveis desse tipo são chamados de “domínios”, como o são
frequentemente nos trabalhos sobre metáfora, ex. Lakoff (1987), Heine et al (1991),
então a questão do quão grande um salto tem que ser para contar como uma metáfora se
torna uma questão importante. Traugott e Dasher usam o termo “estruturas conceituais”
para esses domínios de larga escala na tentativa de não pré-julgar o que está em
“domínios diferentes” (permitindo a metaforização) ou o “mesmo domínio”
(permitindo a metonímia).
Nem a metaforização conceitual nem a metonimização conceitual a princípio se
excluem: metáforas facilmente compreendidas são consistentes com associações típicas;
ambas exploram o sentido pragmático; ambas enriquecem o sentido. De fato,
concordamos com a afirmação de que o alvo e/ou a fonte de uma metáfora potencial
“deva ser compreendido ou perspectivado metonimicamente para a metáfora ser
possível” (Barcelona, 2000b:31). Uma vez que o foco principal de Traugott e Dasher
(2005) em relação aos processos de mudança está na Teoria da Inferência Sugerida da
Mudança Semântica e nas inferências sugeridas, também está no mecanismo de
metonimização conceitual e discursiva e seu papel na mudança semântica (p. 29).
Para os autores, não se trata apenas de metonímia conceptual, mas, sobretudo, de
metonímia composicional. Enquanto a primeira trata da contiguidade no plano
semântico (parte pelo todo: no rio uma vela passava; conteúdo pelo continente: beber
uma garrafa; etc.), que se aproxima mais do processo de metaforização, a segunda trata
da contiguidade no discurso, é um termo que ocorre contiguo a outros em um contexto
morfossintático.
A inferência sugerida surge de implicaturas que são regularmente associadas ao
material linguístico no espaço sintagmático, junto com a operação das heurísticas de R
(heurística de relevância, inspirada na Máxima da Quantidade 2 de Grice (1989
[1975]): “Diga/escreva nada além do que você deve e, assim signifique mais”) e M
(heurística de modo – a qual se aproxima da Máxima de Modo de Grice: “evite a
prolixidade” ou expressões especialmente marcadas e complexas) no material
47
linguístico subespecificado que dá saliência aos aspectos específicos do raciocínio e das
estratégias retóricas em contextos específicos. A metaforização é vista não só como uma
restrição, mas também como o resultado da mudança metonímica, que ocorrerá na
contiguidade do discurso, em contexto morfossintático.
Desta maneira, através de uma expansão polissêmica, pode dar-se a metáfora
(que é uma estrutura conceptual de larga escala em domínios diferentes) e, depois, por
passar a pertencer ao mesmo domínio (quando concebemos os referentes como espaço),
passamos a ter a metonímia. Assim, o fenômeno que investigamos se dá primeiro
metaforicamente e manifesta-se no discurso, no contexto comunicativo, por
contiguidade, através da metonímia.
1.2.5 A Polissemia – A contribuição de Martins (1999)
Martins (1999) propõe um modelo que articula os fenômenos da polissemia e da
metáfora nas línguas humanas. Em abordagens anteriores, nas quais havia a
identificação do significado ou de seu núcleo como significado literal, a conexão entre
os fenômenos da metáfora e da polissemia (assim como os próprios fenômenos em si)
recebia pouca ou nenhuma atenção. Havia, pois, a garantia da manutenção do
compromisso com a visão literalista da linguagem.
Nessa visão, segundo a autora, o que acontecia era uma compreensão do
significado de uma palavra como um conjunto de propriedades intrínsecas subjacentes
aos seus diversos usos. Para exemplificar essa visão, é citado o trabalho de Katz e Fodor
(1963 apud Martins, 1999), que propunha um modelo de decomposição do significado
de itens lexicais em conjuntos de traços distintivos. Por outro lado, nos estudos de
Kempson (1995 apud Martins, 1999), havia a crença na primazia do significado
sentencial sobre o lexical. Este autor sustentava que o significado de uma palavra seria o
conjunto de suas atribuições sistemáticas para as condições de verdade das sentenças em
que ocorria.
48
Nos dois trabalhos citados por Martins, acreditava-se que, ao se utilizar uma
dada palavra, haveria nela todas as propriedades (traços e contribuições) que a
definiriam essencialmente. Essa visão caiu por terra quando se levou em consideração a
enorme variação no significado das palavras, em seus usos mais corriqueiros, com
inúmeras e reconhecidas dificuldades para isolar aqueles conjuntos de propriedades
essenciais citados pelos autores.
Para tentar solucionar essas dificuldades, duas estratégias analíticas são
comumente usadas por linguistas formalistas ou mesmo funcionalistas: “reduzir o
escopo da análise de modo a tentar excluir a variação polissêmica”; “converter casos de
polissemia em casos de homonímia”. (Martins, 1999: 85)
Entretanto, se considerarmos os exemplos, citados pela autora (p. 85), do verbo
cair nas seguintes sentenças: (a) José caiu na rua., (b) José caiu em depressão., (c) José
caiu de posto. e (d) Os jornais caíram em cima do plano econômico., verificaremos que
um analista teria a dificuldade de estabelecer um único conjunto de propriedades nesses
casos. Um literalista, porém, tenderia a excluir (d) da sua análise, devido ao fato de o
mesmo não constituir um uso literal do referido verbo (trata-se de uma expressão
idiomática da Língua Portuguesa). Do ponto de vista semântico, para um literalista, essa
sentença seria anômala ou contraditória4. Porém, reconheceria que sentenças anômalas
como aquelas poderiam tornar-se significativas, dependendo do contexto em que seriam
utilizadas, e atribuiria à Pragmática a responsabilidade pelo exame de casos como esses.
Excluída a sentença (d), a semântica linguística passaria a analisar as demais (a,
b e c) e acharia uma solução (contraintuitiva e problemática) para os usos do verbo cair:
classificá-los como verbos homônimos (ou seja, mesma grafia, mesma pronúncia, mas
significados diferentes, como “manga de camisa” e “manga fruta”), por possuírem a
mesma composição fonológica. Trata-se, portanto, de uma solução no mínimo
equivocada, pois não seria o caso das sentenças acima. Para a Linguística Cognitiva, o
que estaria ocorrendo nessas sentenças seria uma variação polissêmica. Nesse modelo
cognitivista sobre o fenômeno da polissemia, uma palavra deixa de ser concebida nos
4 Contraditória porque jornais não podem literalmente cair sobre algo abstrato como um plano econômico. Cabe lembrar ao leitor que se trata de uma expressão idiomática da Língua Portuguesa largamente usada no Brasil.
49
moldes de uma categoria clássica internamente “composta” de certas propriedades
necessárias e suficientes (traços de significado) e passa a ser vista como uma categoria
que relaciona diferentes modelos cognitivos, os quais, embora possam vincular-se de
forma indireta, pelo fato de constituírem “extensões motivadas” 5 de um “modelo
central”, configuram maneiras distintas de compreender certo domínio conceitual
(Martins, 1999: 87).
Segundo Martins (1999), sob essa ótica, boa parte do significado lexical
“migra”, por assim dizer, de “dentro” da palavra para o sistema mental de representação
de nossa experiência6. Assim por um lado, uma palavra continua representando, nesse
modelo, “um conjunto de instruções”, e, por outro, continua possuindo um “potencial de
significado”.
A partir dos pressupostos acima mencionados, no que concerne à polissemia de
determinados itens, é que existe um nódulo central que catalisa um determinado
significado lexical (no nosso estudo, espaço físico [+espacial]), e projeta extensões
motivadas, através de um conjunto de instruções (princípio da conservação) daquele
significado primário para um domínio mais abstrato [+abstrato] (as categorias
cognitivas não locativas conceptualizadas como espaço). Esse tipo de tratamento dado a
itens lexicais, como a polissemia, lança uma nova luz sobre o problema da expansão
semântico-pragmática dos sentidos, contribuindo para o tratamento metafórico e
metonímico no que tange ao nosso fenômeno.
5 Precisamos, segundo Sweetser (1990) de “uma explicação motivada para as relações entre os sentidos de um único morfema ou palavra”, e esse tipo de explicação pode ser encontrado em grande parte nas construções metafóricas.
6 Sobre esse assunto ver Lakoff e Johnson (2002).
50
1.2.6 A metáfora do “container” – a contribuição de Salomão (1996)
Segundo Salomão (1996), a hipótese da radialidade, motivada por uma
construção básica, permite que se enxerguem redes polissêmicas na multiplicidade das
acepções funcionais de classes de palavras, como preposições e advérbios.
A verificação sincrônica dessa radialidade é fundamental para a demonstração
do processo diacrônico da gramaticalização. Nos termos mais clássicos da abordagem
desse fenômeno, requer-se, para que uma forma se gramaticalize, que ela tenha
participado de um processo de expansão polissêmica. A análise sincrônica e diacrônica
da produção das formas gramaticais revela a relevância de um centro categorial
motivador, conforme observado anteriormente, tanto da expansão polissêmica como da
evolução histórica.
Para Salomão (1996) no caso específico das preposições e advérbios, a projeção
metafórica de ESPAÇO (físico) em TEMPO alimenta um processo subsequente de
transferência metafórica, quando se passa a representar o tempo do fluxo discursivo em
termos de categorias espaciais (ESPAÇO DO DISCURSO). Análises feitas por Ferrari
e Almeida (apud Salomão: 1996) mostram, por exemplo, que a acepção espacial de ante,
visível em: “A casa posiciona-se diretamente ante a praça”, precede cronologicamente
o uso temporal da forma em “Cheguei antes das nove”. Por sua vez, o uso temporal é
historicamente anterior ao uso argumentativo percebido em: “Antes eu tivesse votado no
Lula”.
Da maneira como foi descrito acima acerca do uso da palavra ante, acreditamos
não se tratar de uma radialidade, mas, sim, de um processo unidirecional, através do
qual teríamos a seguinte escala de projeção metafórica do item “ante”:
espaço > tempo > discurso
Cabe ressaltar, que não estamos tratando de um processo radial para o onde,
mas, sim, de um processo unidirecional que vai do concreto para o abstrato. Entretanto,
a idéia da expansão polissêmica de itens lexicais, via metáfora, muito nos interessa para
procedermos nossas análises. Desta maneira, para explicar por que determinadas
categorias clássicas podem ser compreendidas metaforicamente como contêineres, nos
51
moldes de Salomão (1996), podemos fazer a seguinte ilustração: quando colocamos um
objeto, que, aqui, chamaremos de (A), dentro de um recipiente (container) (B), e o
referido container está dentro de outro recipiente (C), podemos dizer que (A) está dentro
do container (C). Esta formulação não é tão simples quanto aparenta. Trata-se de uma
elaboração importante para a teoria que estamos discutindo, não somente pela sua base
de dedução lógica dos fatos, mas porque explica as propriedades topológicas dos
contêineres. Quando falamos de estruturas metafóricas, baseadas na metáfora do
container, estamos estabelecendo uma relação linguística/inferencial entre aqueles
contêineres e as categorias clássicas, já mencionadas por Lakoff (1993), para quem a
linguagem e as propriedades lógicas das categorias clássicas são extensões da
linguagem e das propriedades lógicas dos contêineres (p. 213).
Segundo Salomão (1996: 9), tais redes metafóricas, ou, em nosso caso, apenas a
base metafórica, se estruturam preservando-se o Princípio da Invariância (condição
sine qua non de preservação entre domínios distintos), através do qual se postula que:
(a) As projeções metafóricas preservam a estrutura imagética do domínio-fonte; (b) A
preservação da estrutura imagética original deve ser absolutamente consistente com a
estrutura inerente do domínio-alvo e (c) A estrutura imagética inerente do domínio-alvo
não pode ser violada.
A motivação figurativa das formas gramaticalizadas opera através de processos
sintáticos de recategorização e reanálise. O projeto de Salomão apresenta uma evidência
favorável às abordagens funcionalistas do processo de gramaticalização: “a gênese das
formas gramaticais procede pela crescente opacificação da sua original motivação
(cognitiva e comunicativa)” (Salomão, 1996: 13). Assim, a autora faz algumas
generalizações teóricas, a saber:
(1) As formas gramaticalizadas relacionam-se radialmente com as construções
básicas de que procedem;
(2) A irradiação produzida é figurativa por natureza e, por essa razão,
cognitivamente motivada;
(3) A extensão figurativa de que se trata projeta a estrutura imagética do
domínio-fonte no domínio-alvo, sendo preservada a integridade conceptual desse último
- Princípio da Invariância. (1996: 14).
52
Segundo Lakoff (1993: 215), os mapeamentos metafóricos preservam a
topologia cognitiva (isto é, a estrutura do esquema imagético) do domínio fonte, de
modo consistente com a estrutura inerente do domínio alvo. Ainda, segundo o autor, o
Princípio da Invariância sustenta a hipótese de que grande parte das inferências
abstratas são versões metafóricas de inferências espaciais, inerentes às estruturas
topológicas de esquemas imagéticos. (p. 216)
1.3 Gêneros e tipologias textuais na gramaticalização do onde
Nesta seção, apresentamos o trabalho de Bakhtin [1953] (1992), precursor dos
estudos sobre os Gêneros do Discurso, que, mais tarde, através da Escola de Genebra,
ganhariam o rótulo de Gêneros Textuais. Também recuperamos os estudos posteriores
de Marcuschi (2002) e Koch (2003), os quais, a partir dos pressupostos de Bakhtin,
retomam o referido tema, dele se servindo como ferramenta para o ensino da Língua
Materna, em sala-de-aula. Esses autores ressaltam a importância de outra categoria
como ferramenta para análise da natureza mais linguística dos gêneros: o tipo (ou
tipologia) textual, retomado por Bonini (2007), com outra rotulação (sequência textual),
anteriormente apresentada por Adam (1980) apud Bonini (2007), em seus trabalhos de
Linguística Textual dedicados ao Francês da Suíça.
Em nosso trabalho, as duas categorias (gênero textual e tipologia textual)
representam dois importantes instrumentos para o tratamento dos diversos empregos do
onde nos contextos discursivos e linguísticos nos quais se manifestam, possibilitando a
avaliação da pertinência de nossa hipótese geral (a existência de uma relação entre os
contextos – linguísticos, discursivo-pragmáticos – de emprego daquela partícula e as
suas diferentes manifestações – pronome relativo com antecedente locativo, pronome
relativo com antecedente não-locativo, conjunção).
Bakhtin (1992), precursor dos estudos sobre os gêneros textuais, formula, em
1953, uma proposta para análise linguística e discursiva de textos que, hoje, juntamente
com outras propostas, representa uma das abordagens do que se costuma rotular (um
tanto indefinidamente) como “teorias dos gêneros”.
53
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são
inesgotáveis as possibilidades da multiforme capacidade e atividade humanas.
Nas palavras de Bakhtin (1992: 179):
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...). O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. (grifo nosso)
A maleabilidade que permeia a grande maioria dos gêneros discursivos (em
oposição à estaticidade de alguns poucos gêneros, como os da esfera jurídica) foi
ressaltada por Bakhtin. Os gêneros estão sujeitos a mudanças decorrentes não só das
transformações sociais a que somos expostos, oriundas de novos procedimentos de
organização e acabamento da arquitetura verbal (Koch, 2003: 54), mas, também, de
modificações do lugar atribuído ao ouvinte.
Segundo Koch (2003), em termos backhtinianos, os gêneros podem ser
caracterizados como tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada
esfera de troca comunicativa. Marcuschi (2002) prefere utilizar o termo domínio
discursivo, entendido como as práticas de rotinas comunicativas institucionalizadas,
como o discurso jurídico, o discurso jornalístico, o discurso religioso etc.
Cada gênero possui uma função específica, um plano composicional, um dado
conteúdo temático e um estilo peculiar. Tais componentes são definidos, tendo em vista
as esferas de troca comunicativa, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa
ou intenção do locutor.
Marcuschi (2002) define os gêneros textuais como práticas sócio-históricas,
caracterizando-os como fenômenos profundamente vinculados à vida cultural e social.
Ele observa que os gêneros são eventos altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos, que
surgem pelas necessidades impostas pelas atividades socioculturais.
54
O autor menciona que culturas essencialmente orais desenvolveram um conjunto
limitado de gêneros. Isso explica por que, no século VII a.C., com a invenção da escrita
alfabética, multiplicam-se os gêneros, surgindo aqueles típicos da escrita. Igualmente, a
partir do século XV, com o florescimento da cultura impressa, produz-se uma
considerável expansão, com a criação de novos gêneros de texto.
Marcuschi ressalta que os “novos gêneros” possuem velhas bases. As inovações
tecnológicas, intrínsecas ao nosso tempo, propiciaram, e ainda propiciam, o surgimento
de novos gêneros – a intensidade do uso das tecnologias ligadas às atividades comuns.
Assim, com a tecnologia, surgem gêneros inovadores, mas não absolutamente novos. O
que se verifica é que há a assimilação de um gênero por outro, gerando novos gêneros
textuais – formas híbridas, como o email, por exemplo, que aproveita traços funcionais
e tipológicos de gêneros preexistentes.
O adjetivo “tipológicos”, mencionado acima, chama a atenção para outra
categoria de grande relevância para o estudo dos gêneros textuais: trata-se do tipo
textual, que Marcuschi (2002) considera como uma espécie de constituição linguística
inerente aos gêneros nos quais figuram.
O tipo é uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de
sua composição (itens lexicais, construções sintáticas, tempos verbais, relações lógicas).
Podemos, então, considerar como tipos textuais um conjunto limitado de formas, tais
como narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (segundo a proposta
classificatória de Marcuschi).
A descrição dos tipos textuais (sequências tipológicas) é de suma importância
como instrumento de investigação, para o tratamento dos diversos empregos do onde
nos contextos discursivos e linguísticos nos quais se manifestam, possibilitando a
avaliação da pertinência de nossa hipótese geral, mencionada anteriormente: a análise
preliminar dos dados, nas etapas iniciais da pesquisa, chamou a atenção para a possível
existência de uma relação entre as ocorrências do onde e as diferentes tipologias que lhe
fornecem um contexto linguístico para as manifestações polissêmicas.
A despeito de haver certa correspondência entre gênero textual e tipo textual,
nos usos menos técnicos e de senso comum, quando nomeamos certo texto como
“narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo” não estamos nomeando o gênero e sim o
55
predomínio de um tipo de sequência de base. Entre as características básicas dos tipos
textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços linguísticos predominantes.
Segundo Marcuschi (2002), um tipo textual é dado por um conjunto de traços
que formam uma sequência e não um texto. O autor observa que a coesão textual se faz
através da habilidade em fazer essa “costura” ou tessitura das sequências tipológicas
como uma armação de base.
Werlich (1973) apud Marcuschi (2002) propõe alguns critérios para a
identificação das diferentes tipologias textuais, partindo da estrutura linguística típica
de enunciados que formam a base do texto. Assim são desenvolvidas cinco bases
temáticas textuais típicas que darão origem aos tipos textuais, a saber: (1) base temática
descritiva; (2) base temática narrativa; (3) base temática expositiva; (4) base temática
argumentativa e (5) base temática injuntiva.
No que concerne à base temática descritiva, verificamos, conforme Werlich,
que esse tipo de enunciado textual tem uma estrutura simples, com um verbo estático no
presente ou no imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar.
Na base temática narrativa , há um verbo de mudança no passado, um
circunstancial de tempo e lugar. Por ter uma referência temporal e local, este tipo de
enunciado é designado como indicativo de ação.
No que se refere à base temática expositiva, aparece um sujeito, um predicado
(no presente) e um complemento com um grupo nominal. Pode, também, apresentar
uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como
conter, consistir, compreender) e um complemento que estabelece com o sujeito uma
relação parte-todo.
A base temática argumentativa trata-se de uma tipologia cuja marca é a
oposição de ideias, atribuições de conceitos e visões de mundo, apresentadas,
geralmente, através de formas verbais no presente, acompanhadas de complementos.
Já a base temática injuntiva vem representada por verbos no imperativo,
característica dos enunciados incitadores de ação.
56
Para Bonini (2007: 210), o conhecimento relativo aos tipos textuais encerra um
modo de produção. A base temática do texto (a qual já pode ser observada na estrutura
da frase) corresponde a uma unidade temático-formal, a partir da qual o texto tem
início e se expande na direção de um daqueles cinco tipos mencionados.
Para Bonini (2007: 220-225) as sequências de tipológicas (sequências de base)
além de conterem as características formais expostas acima, apresentam algumas
particularidades. A sequência descritiva tem como foco fazer com que o destinatário
compreenda maiores detalhes sobre um determinado objeto de discurso, através do
“olhar”, da análise, do produtor do texto. Segundo o autor, essa sequência é a menos
autônoma em relação às outras. Dificilmente, é predominante em um texto, porque
aparece, normalmente, aliada à narrativa com a função de introduzir o espaço
(ambiente) e os personagens no que será narrado. A sequência narrativa é
predominantemente a sucessão temporal, localizando os eventos num tempo e espaço
definidos. A sequência explicativa (também chamada de expositiva) tem como objetivo
fazer com que o destinatário compreenda um determinado tema visto pelo enunciador
como algo indiscutível e de difícil compreensão para o receptor. A sequência
argumentativa tem como objetivo expor argumentos com a finalidade de convencer o
interlocutor, elaborando-se o discurso de forma a modificar a opinião do mesmo acerca
de um determinado assunto. Essa sequência sustenta-se através de operadores
argumentativos que promovem o direcionamento a determinada conclusão. Por fim, a
sequência injuntiva (também chamada sequência de instrução) tem por objetivo levar o
interlocutor a praticar determinada ação. A caracterização formal desta sequência, por
Bonini, segue a proposta de Werlich (1973) – verbos no imperativo –, mas, as ordens
e/ou pedidos podem manifestar-se de forma modalizada, a depender do discurso em que
aparecem e do registro (formal/informal).
13.1 A função do Gênero Textual
O conceito de Gênero textual remete aos aspectos funcionais e interativos que
constituem a base de qualquer descrição linguística funcionalista. Tal conceito evoca a
57
materialidade dos textos encontrados no cotidiano, ou em situações de comunicação
planejada, que apresentam características sociocomunicativas específicas. Alguns
exemplos de gêneros textuais são os seguintes: o telefonema, o sermão, a carta pessoal,
a carta comercial, o bilhete, a carta eletrônica, a notícia jornalística, etc. Esse tipo de
abordagem tem como pressuposto a natureza sociointerativa da linguagem verbal.
Desta maneira, podemos tecer algumas generalizações acerca dos gêneros:
(1) são eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas;
(2) não constituem uma lista fechada;
(3) são fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis;
(4) são realizações linguísticas com objetivos específicos em situações sociais
particulares;
(5) não são entidades naturais, e, sim, artefatos culturais construídos
historicamente pelo ser humano;
(6) não podem ser definidos apenas mediante certas propriedades formais, tidas
como necessárias e suficientes – uma publicidade, por exemplo, pode ter o
formato de um poema ou de uma lista de produtos em oferta, desde que divulgue
os produtos e estimule a compra por parte dos clientes ou usuários daquele
produto;
(7) apresentam plasticidade e dinamicidade genérica, características
evidenciadas pela intertextualidade intergêneros – hibridação ou mescla de
gêneros em que a função de um dado gênero coexiste com a forma tipológica de
outro gênero;
(8) heterogeneidade tipológica – realização de várias sequências de tipos textuais
em um único gênero;
(9) representam ações sociais – deve-se observar sua intenção e sua função.
No que tange ao conjunto de participantes envolvidos, para o escritor e o leitor, a
opção pelo uso das formas com onde pode dar-se por razões de inteligibilidade textual.
Seria muito mais simples, menos complexo, cognitivamente, utilizar um onde, em lugar
58
de estruturas mais complexas devido ao desconhecimento da operacionalização dos
relativos e conjuntores (e suas flexões), conforme já apontara Bernardo (1995).
Acreditamos que a influência das tipologias, no gênero avaliado (provas de
vestibular), pode ser um elemento que favoreça (e, possivelmente, ajude a explicar) os
diferentes usos de onde. Sequências argumentativas e enquadres comunicativos
específicos da modalidade escrita (as questões das provas), requerem do candidato a
produção de períodos mais extensos, o que parece favorecer os usos conjuncionais do
onde.
Já sequências mais narrativas devem favorecer o aparecimento de usos
pronominais (locativos e não locativos – temporais), pois, em alguns casos, como as
provas de história (cf. anexo), os fatos históricos estão localizados no tempo e no
espaço, e a remissão a esses elementos (elementos não locativos – temporais) se faz
através do uso do pronome onde, embora não locativo. O tipo de pergunta e o pré-texto,
como no caso da prova de português do PISM I (cf. anexo), em que os pré-textos e as
questões das provas estão voltados para estruturas totalmente locativas, devem
contribuir para o favorecimento de estruturas pronominais locativas (onde locativo).
Nossa análise busca investigar, dentro do gênero proposto (prova aberta), as
sequências tipológicas que favorecem a manifestação daqueles usos, e, assim, o seu
processo de gramaticalização (em curso). Esse macrocontexto, que são as tipologias
envolvidas na prova e nas respostas dos candidatos, essa negociação da díade
escritor/leitor, serão tratadas de maneira mais pormenorizada no capítulo dedicado à
análise dos dados.
1.4 Conjunções: relações lógico-semânticas intersentenciais
Os critérios para distinção entre orações coordenadas e subordinadas adverbiais
advindos da tradição gramatical se revelam cada vez menos explicativos e explícitos
como ferramentas para descrição efetiva das articulações intersentenciais. Essa
59
indesejável ausência de clareza resulta, certamente, da proximidade de comportamentos
estruturais e semânticos presentes em alguns processos de articulação entre orações, o
que tem levado linguistas (das mais variadas áreas) a procurar novas alternativas para o
tratamento das orações adverbiais (as que recebem descrições menos satisfatórias). As
propostas de nova abordagem da questão geralmente procuram solucionar a dificuldade
de estabelecimento de fronteiras semânticas claras para as coordenadas e subordinadas
adverbiais, dentre as quais identificam-se convergências que as descrições tradicionais
costumam ignorar.
A questão interessa de modo especial a nossa investigação sobre a natureza do
onde, uma vez que diversos enunciados que contêm a partícula revelam equivalências
com aqueles processos de articulação intersentencial – coordenação, subordinação
adverbial –, o que remete a um método de investigação do onde apoiado na
identificação de correspondências funcionais. Há que se considerar, ainda, a
emergência de enunciados nos quais, como resultado de processos de gramaticalização,
o onde apresenta a configuração gramatical das conjunções, o que nos leva a investigar
a natureza conjuntiva de algumas ocorrências da partícula (que confrontam com a
natureza de relativo, advérbio e advérbio relativo que muitos autores apontam em
relação ao onde).
Entre os trabalhos dedicados ao aperfeiçoamento descritivo das articulações
intersentenciais destacam-se Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008), cujas
principais ideias resenhamos a seguir.
1.4.1 A contribuição de Mari (1986)
Mari (1986) avalia a oposição semântica entre um subconjunto de orações
coordenadas e adverbiais que compartilham os mesmos “compromissos de sentido” no
interior de um período. Segundo o autor, os conteúdos semânticos contidos nas orações,
além de passarem por um processamento linguístico no interior da proposição, podem
ser submetidos a correlações mais genéricas que obedecem a princípios de organização
60
lógica. Assim, dois conteúdos podem agrupar-se numa relação de implicação, por
necessidade (natural) ou conveniência (social/pessoal). Dado um termo, podemos
chegar a algum outro que mantém com o primeiro uma relação de dependência
semântica. Segundo Mari, o ponto inicial para uma análise das relações semânticas entre
orações é a natureza da flutuação entre os diversos conteúdos implicativos e não a
estabilidade de sentido (muitas vezes inadequada) assegurada pelas conjunções.
Em alguns casos, os conectivos têm um importante papel na avaliação global das
relações entre orações; entretanto, há outros em que, segundo Mari, o seu papel assume
apenas um caráter modalizador na relação. Isto pode ser verificado nas sequências que
se seguem:
(14)
Se a madeira é menos densa, ela flutua na água.
(15)
Quando a madeira é menos densa, ela flutua na água. Em (14) temos uma relação de dependência, representada pela formulação
conhecida como relação condicional, cujo efeito argumentativo, num discurso mais
próximo do referencial, é o de avaliar aquela correlação específica: “se X, então Y”.
Essa formulação condicional pode ser expressa, no uso comum da língua, de outras
formas, como em (15), em que a característica da hipótese ainda permanece na relação,
embora modalizada temporalmente, perdendo parte da generalização que mantinha na
forma condicional “se X então Y”, o que atesta as fronteiras tênues existentes entre
essas relações lógico-semânticas. A sentença, agora, pode significar algo em particular,
como, por exemplo, um tipo/pedaço de madeira específico e, também, em relação a uma
quantidade de água, muito diferente do caráter geral que sustentava anteriormente.
Desta maneira, a conjunção quando, neste exemplo, pode avaliar a relação de
implicação, tomando-a de modo restrito e particular (Mari: 1986, 2).
As implicações são formuladas a partir do conteúdo, das proposições e os
conectivos têm num certo estágio da formulação linguística, um papel importante (mas
não total) na avaliação global dessa relação, mas há momentos em que seu papel assume
apenas um caráter modalizador da relação, como apresentado acima. Segundo o autor,
não é só a presença da conjunção que imprime um caráter nocional à relação, o
61
conteúdo das proposições é fundamental na sua determinação. A função avaliativa
(implicativa) é a que melhor conjuga com uma abordagem sobre a relação entre orações,
e não os conectivos.
Para Mari (1986: 2), antes de reconhecer uma função modalizadora particular
dos conteúdos, é importante apontar uma função mais geral de “jogar” com conteúdos
de uma relação implicativa em três aspectos: a possibilidade de se duvidar dessa
relação, negá-la ou confirmá-la.
Uma relação implicativa pode ser questionada se sobre ela se apresentarem
dúvidas e o registro linguístico de uma única hipótese possível (provável), como nos
exemplos a seguir, retirados da obra do autor:
(16)
Se a madeira é menos densa, ela flutua na água.
(17)
Se a madeira flutuar na água, ela é menos densa.
(18)
Se você corresse, chegaria a tempo.
(19)
Se for feriado, eu não trabalho.
Nos exemplos acima, há implicações formuladas (e questionadas) por razões
convencionais (exemplos 16 e 17), naturais (exemplo 18) e culturais (exemplo 19), para
um dado mundo possível. Por isso, pode-se ter o seu estatuto de passagem de um termo
antecedente “X” para o consequente “Y” expresso de forma hipotética, o que configura
uma espécie de questionamento da implicação entre as orações do período. Essa
passagem de se “X”, então “Y”, é formulada em termos de dependência da realização de
“X”, conhecida como formulação condicional, a qual possui um efeito avaliativo
daquelas correlações específicas.
Da mesma forma, as mesmas relações implicativas, mencionadas nos exemplos
anteriores podem comportar outro aspecto de formulação linguística, ou seja, a
possibilidade de serem negadas. Assim, dois conteúdos proposicionais que se implicam
62
(por diversas razões) podem ser expressos de maneira a negar tal implicação. Vejamos
alguns exemplos:
(20)
Embora a madeira seja menos densa, não flutua na água.
(21)
A madeira é menos densa, mas não flutua na água.
(22)
Embora fosse hoje feriado, eu ∅∅∅∅ trabalhei.
(23)
Hoje foi feriado, mas eu ∅∅∅∅ trabalhei.
De (20) a (23) temos estruturas que negam as implicações naturais entre a
madeira ser menos densa e flutuar na água – em (20) e (21) – e ser feriado e não
trabalhar – em (22) e (23).
Mari (1986) observa, ainda, a possibilidade de usarmos arranjos linguísticos
específicos para assegurar (confirmar ) a relação implicativa admitida entre dois
conteúdos proposicionais. A implicação é um compromisso em potencial que pode ser
confirmado, mediante o uso de expressões linguísticas que asseguram explicitamente a
relação consecutiva entre “X” e “Y”. Seguem alguns exemplos do autor, acompanhados
dos rótulos que a tradição gramatical costuma atribuir aos processos de articulação entre
orações que, na concepção de Hugo Mari, correspondem ao macroprocesso de
confirmação da implicação existente entre as orações do período.
(24)
Ele estudou. Ele aprendeu muito. (coordenação assindética)
(25)
Ele estudou e aprendeu muito. (coordenação sindética aditiva)
(26)
Ele estudou, logo aprendeu muito. (coordenação sindética conclusiva)
63
(27)
Estuda, que você aprenderá. (coordenação sindética explicativa)
(28)
Ele aprendeu muito, porque estudou. (subordinação adverbial causal)
(29)
Ele estudou para aprender. (subordinação adverbial final)
(30)
Ele estudou tanto, que aprendeu. (subordinação adverbial consecutiva)
(31)
Ele estudou de sorte que aprendeu. (subordinação adverbial consecutiva)
(32)
Enquanto ele estudou, aprendeu. (subordinação adverbial temporal)
(33)
À proporção que estuda, aprende. (subordinação adverbial proporcional)
Nos exemplos de (24) a (33), a confirmação da relação implicativa apresenta
diversos arranjos linguísticos, que sustentam uma forma básica de organização de dois
conteúdos, um antecedente “X” (estudar) e um consequente “Y” (aprender). Todos
aqueles arranjos linguísticos podem implicar particularidades não apenas na seleção dos
conectivos, mas, também, de ajustamento de tempo/modo verbal, conforme destacado
por Neves (2000), e a inserção de um quantificador em um dos termos, etc. Mesmo com
toda essa diversidade modalizadora que os conectivos e os demais aspectos do arranjo
formal podem introduzir, a relação semântica básica – a de confirmar a relação
implicativa de causa-efeito – mantém-se no conjunto dos exemplos acima, garantindo
uma afinidade semântica na relação entre dois conteúdos contidos em expressões
linguísticas distintas.
64
1.4.2 A contribuição de Neves (2000)
Nesta subseção apresentaremos as contribuições acerca do período composto e
as relações lógico-semânticas intersentenciais de tempo, condição e causa
(manifestações do onde conjuncional encontradas em nosso corpus – cf. análise dos
dados), na perspectiva de Neves (2000).
1.4.2.1 Conjunções e construções temporais
Segundo Neves (2000) as correlações temporais, mais precisamente com a
conjunção quando, estão no indicativo, podendo ser antepostas ou pospostas à oração
principal, como nas seguintes orações, extraídas da obra da autora:
(34)
A música de Bach cede quando a mãe começa a cantar.
(35)
Quando os moradores chegarem levarão um susto.
Entretanto, outras acepções podem ser observadas no uso linguístico.
Quando a correlação se dá no presente com o presente, caracteriza uma
dimensão global imperfectiva de estados de coisas simultâneos (total ou parcial),
licenciando, segundo Neves, a indicação de habitualidade. Esse complexo oracional,
com tais características favorece uma interpretação da oração como condicional,
conforme exemplos da autora:
(36)
Eles recuperam a saúde quando voltam à terra.
(37)
65
Sempre demoro e sempre estou cansado quando chego aqui.
Em (36) e (37) podemos perceber a leitura condicional a que a autora se refere
ao permutarmos (36) por: Eles recuperam a saúde se voltam à terra e (37) por: Sempre
demoro e sempre estou casando se chego aqui.
Se a correlação é feita de pretérito perfeito com pretérito perfeito, dá-se a
telicidade (aspecto perfectivo) do conjunto de dada construção, podendo os dois eventos
ser percebidos, no geral, como pontuais (em que não há duração) e simultâneos (total ou
parcial) no passado, favorecendo, desta maneira uma interpretação causal. Como na
seguinte ocorrência:
(38)
Kage começou a trabalhar na lavoura em trinta e seis, quando veio do Japão com a
família
Neves (2000: 795), ao dissertar acerca das relações expressas nas orações
temporais, observa que sobre expressões que fazem remissão a tempo sempre figuram
dentro de relações muito complexas. Principalmente quando a relação temporal envolve
dois estados de coisas (duas predicações), como comumente se faz quando das
construções com uma oração principal e uma oração temporal.
Ainda, as orações com conjunções temporais expressam o tempo em que
ocorre o estado de coisas mencionado, ou seja, expressam o tempo da predicação da
oração principal. Essa relação temporal entre estados de coisas pode envolver dois
aspectos, a simultaneidade e a não-simultaneidade, como em (39) e (40), extraídos da
obra da autora:
(39)
Enquanto fala, vai fazendo as graças ingênuas de palhaço.
(40)
Nando ainda lutava com o fim da carta quando entrou Fontoura e mais os curumins
serviçais do Posto, Cajabi e Pionim.
No que concerne à simultaneidade, a autora frisa que a mesma pode não
caracterizar concomitância absoluta. A simultaneidade pode ser parcial, porque pode
66
envolver extensões de tempo não coincidentes (precedentes ou subsequentes) associadas
a zonas de intersecção (simultaneidade). Isso se dá devido à dependência do conectivo e
do tempo verbal empregados. Vejamos o exemplo:
(41)
A renúncia pegou-o quando estava servindo em Campo Grande: apoiou a posse de
Jango.
Da mesma maneira, Neves (2000: 797) afirma que há existência de outras
relações de tipo lógico-semântico, associadas à relação temporal que se estabelece entre
orações. Esse tipo de associação é licenciado por um conectivo de valor neutro, no caso
o quando, e pela natureza do complexo temporal que se estabelece em dependência do
tempo e do modo verbal empregado em cada uma das orações. As relações
mencionadas são do tipo causal, condicional e concessiva, relações essas presentes em
nossos corpora.
Na relação temporal com sentido causal há combinações de predicações com
relação temporal efetuadas por quando que propiciam uma leitura causal, com
diferentes nuanças. São construções que contêm o traço télico (aspecto perfectivo), as
quais possuem as seguintes características: (1) na oração principal e na temporal ocorre
pretérito perfeito; (2) cronologicamente, o estado de coisas da oração temporal
antecede o da principal, podendo ser entendido como causa dele (numa relação causa-
efeito). Vejamos alguns exemplos:
(42)
Ontem, acho que foi ontem, eu tive um susto quando vi em você um lábio... (apontando
para a sua própria boca) como esse meu.
(43)
Mudou de conversa quando alguém perguntou pelas dicas
Nos exemplos acima, numa leitura causal, conforme aponta a autora, se
substituirmos a conjunção quando pela conjunção porque/pois teremos a seguinte
estrutura: em (42) “Ontem, acho que foi ontem, eu tive um susto pois vi em você um
67
lábio... (apontando para a sua própria boca) como esse meu.” e em (43) “Mudou de
conversa porque alguém perguntou pelas dicas”.
Com relação às orações temporais com sentido condicional, Neves (2000: 797)
aponta que algumas combinações de predicações com relação temporal efetuadas pela
conjunção quando propiciam uma leitura condicional, também, com diferentes
nuanças. Essas construções envolvem simultaneidade e abrigam o traço não-télico
(imperfectivo). Elas podem ter o que a autora chamou de sentido condicional eventual
e sentido condicional factual.
As construções de sentido condicional eventual possuem as seguintes
características: (1) na oração principal e na temporal ocorre o presente ou pretérito
imperfeito; (2) o estado de coisas da oração temporal e o da principal são simultâneos;
(3) o não-perfectivo pode implicar iteração (quando = “todas as vezes que”); (4) essa
habitualidade se dá dentro das condições estabelecidas na oração adverbial (condição
preenchível). Passemos aos exemplos:
(44)
Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita quando a gente fala dele.
(45)
Tenho um antigo cliente superneurótico que implora que eu venha ao Xingu, quando
nota que a minha paciência está encurtando.
(46)
Essa é a história de um soldado que se sentia em casa somente quando vadiava pelas
cidades.
Quando a temporalidade pode associar-se a uma condição preenchível, mesmo
que havendo uma indicação de habitualidade, o sentido temporal torna-se genérico,
conforme o exemplo a seguir:
(47)
Torna-se, pois, evidente que tais noções só ganham seu verdadeiro sentido quando
apreendidas como uma resultante do próprio funcionamento da vida coletiva.
68
As relações intersentenciais de sentido condicional factual são assim
classificadas por envolverem factualidade e possuírem as seguintes características: (1)
na oração principal e na temporal ocorre o presente ou o pretérito imperfeito; (2) a
relação temporal entre os dois estados de coisas (simultaneidade) é tênue; (3) tem
relevância a factualidade contida na oração adverbial (condição preenchida); (4) o fato
expresso na oração principal pode ser entendido como justificativa para o que se afirma
na oração principal (= já que, uma vez que), conforme demonstram os exemplos abaixo:
(48)
Não lhe ficava bem observar os outros quando ele próprio bebia limonada.
(49)
Isto pode parecer estranho, quando se sabe que a SBPC, pela primeira vez em muitos
anos, pode reunir-se livremente.
(50)
Como é possível dizer tal coisa quando se sabe universalmente que as drogas são
depressivas, viciantes e causam distúrbios físicos e mentais?
Conforme podemos observar, as relações lógico-semânticas associadas à relação
temporal são bastante complexas. Porém, esse tipo de associação que se dá entre a
temporalidade, a causa e a condição é licenciado, geralmente, por um conectivo de valor
neutro, como a conjunção quando, bem como pela natureza do complexo temporal que
se estabelece em dependência do contexto em que estão envolvidas. Conforme dito
anteriormente, essas relações foram encontradas em nosso corpus, no que concerne ao
emprego do onde funcionando, tanto como uma relação temporal, como uma relação de
causa, em orações complexas, nas quais eram possíveis as duas leituras.
1.4.2.2 Conjunções e construções causais
Segundo Neves (2000: 801), em português as construções causais podem ser
representadas por orações iniciadas pela conjunção “porque”. Entretanto, outras
69
conjunções expressam a mesma relação básica de causa entre duas orações: como, pois,
porquanto, que (= porque).
De acordo com a autora (p. 804), em sentido estrito, a relação causal diz respeito
à conexão causa consequência, ou causa efeito, entre dois eventos. Essa relações
podem se dar entre predicações (estados de coisas), que podem indicar “causa real”, ou
causa eficiente, ou “causa efetiva”. A relação causal, stricto sensu, implica
subsequência temporal do efeito em relação à causa, conforme demonstram os
exemplos retirados da obra da autora:
(51)
Tratava-me como criança. Uma vez me passou um pito porque joguei fora o remédio.
Outra vez se zangou porque me encontrou fora da cama.
(52)
Nossa conversa não foi adiante porque, infelizmente, a confissão terminada, o reitor
saiu do quarto e o ambiente logo mudou.
Nos exemplos acima, temos o efeito temporalmente posterior à causa: em (51) o
efeito “me passou um pito” é posterior à causa “porque joguei fora o remédio”.
Também em (52), verificamos a mesma relação estabelecida pela autora: o efeito
”Nossa conversa não foi adiante” é posterior à causa “porque, infelizmente, a confissão
terminada, o reitor saiu do quarto e o ambiente logo mudou”.
Segundo Neves, a relação causal entre conteúdos, o que ela denomina de causa
efetiva, não necessariamente envolve tempo. A relação pode ser dar entre estados de
coisas não dinâmicos, conforme o exemplo a seguir:
(53)
Mas o caso americano é sui-generis porque não há partidos políticos no país.
A autora frisa que as expressões linguísticas de ligação causal, marcadas pelo
conector porque ou seus equivalentes semânticos, não se restringem a esse tipo de
causalidade efetiva entre conteúdos. A relação causal, na verdade, raramente se refere a
simples acontecimentos ou situações de um mundo.
70
Segundo a linguista, faz-se necessário considerar que as relações causais
também podem estar marcadas por um acontecimento, julgamento ou crença do falante,
isto é, existentes no domínio epistêmico. Essas relações não se dão simplesmente por
predicações (estados de coisas), mas entre proposições (fatos possíveis), passando,
desta maneira, pela avaliação do falante. A esse tipo de relação que é marcada pelo
julgamento, crença ou avaliação do falante, a autora chamou de causa formal.
Vejamos o exemplo oferecido pela autora:
(54)
Não deve ter havido nada porque seria a primeira pessoa a tomar conhecimento disso.
Para Neves (2000) as relações de causa não estão, necessariamente, presas aos
conetivos, às relações entre proposições, entre conteúdos, que devem ser avaliados de
acordo com o contexto em que aparecem. Para o nosso trabalho em relação ao
funcionamento do onde como uma conjunção causal, optamos pelas observações da
autora acerca da causa efetiva, em que há a necessidade da relação básica de causa e
efeito, bem como da causa formal, dentro da qual se encontram a avaliação, o
julgamento ou a crença do falante (no nosso caso, do escritor).
1.4.2.3 Conjunções e construções condicionais
A análise das construções condicionais complexas, em português, pode ser
representada na análise das orações iniciadas pela conjunção se. Conforme demonstram
os exemplos de Neves (2000: 830):
(55)
Se eu faço isso, estou faltando a minha promessa.
(56)
Naturalmente esta lista poderia ser aumentada consideravelmente se quiséssemos.
71
A autora ressalta (p. 830) que a noção de condicionalidade pode mesclar-se a
outra noção expressa por um determinado conectivo. É o que ocorre, como já
mencionado, com construções temporais que, em determinados tempos verbais,
possuem matiz condicional, conforme exemplo (57), retomado a seguir:
(57)
Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita quando a gente fala dele.
Nesse exemplo, ao permutarmos a conjunção temporal quando pela conjunção
condicional se não haverá nenhum comprometimento quanto à inteligibilidade da
oração: Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita se a gente fala dele. Isto
comprova que temos, na verdade, uma macroestrutura de relações de sentidos possíveis
quando se trata de relações lógico-semânticas entre orações.
1.4.3 A contribuição de Azeredo (2008)
Azeredo (2008: 293), ao tratar das relações de sentido entre segmentos do texto,
define conjunção como sendo um elo através do qual duas orações se articulam no
texto. Desta maneira, podemos afirmar que há sempre uma intenção de sentido na
origem de qualquer articulação de duas unidades de informação no discurso. Seguindo
as afirmações do autor, algumas vezes essa intenção transparece como um valor lógico
inerente aos conteúdos combinados, através de conjunções que explicitem essa intenção,
como adição, tempo, causa, contraste e consequência.
A esses processos de conexão oracional damos o nome de coordenação e
subordinação. Coordenação (ou parataxe) e subordinação (hipotaxe) são, portanto, dois
processos de construção, através dos quais podemos unir partes do texto, como palavras,
sintagmas ou orações, formal e funcionalmente equivalentes, através do processo de
coordenação, ou unir partes do texto formal e funcionalmente distintas (subordinação).
Temos, então, implícita a noção de hierarquia, pois, ao combinarmos, numa
72
determinada construção, as unidades gramaticais (palavras, sintagmas e orações),
fazemo-lo através de dois processos básicos distintos: ou colocamo-las situadas no
mesmo nível de modo que a presença de uma independa da presença da outra
(coordenação ou parataxe), ou situamo-las em níveis distintos, imediatos ou não, de
modo que uma delas é a base e a outra servirá de complemento ou de termo adjacente
(hipotaxe ou subordinação) (p.294).
Azeredo (p. 294) observa que a subordinação (ou hipotaxe) significa
“dependência” (hipo-/sub-, “abaixo de”) e implica uma diferença hierárquica entre as
unidades relacionadas. A unidade subordinada sempre vem contida numa unidade
maior, que lhe é superior na hierarquia gramatical interna da oração.
Segundo Azeredo (2008: 295/296), subordinantes são indicadores de funções
novas. O principal efeito da subordinação é que a unidade subordinada adquire uma
função sintática.
A estrutura padrão da oração em português consiste na combinação de um
constituinte nominal (N) na função de sujeito e um constituinte verbal (V) na função de
predicado. Sujeito e predicado são as funções destes dois constituintes imediatamente
subordinados à oração. Determinantes, adjetivos e advérbios são constituintes de
segundo grau na hierarquia oracional, pois o papel deles é sempre o de ‘acompanhante’
de outro constituinte. A presença de qualquer um destes na estrutura oracional implica
necessariamente a ocorrência de outro constituinte – a base da construção – que o rege e
com o qual partilha, conforme o caso, certos traços morfossintáticos mediante o
mecanismo da concordância (de gênero, de número, de pessoa).
Segundo Azeredo (2008: 296), no processo de composição do período
composto, temos a transposição, que é o processo pelo qual se formam sintagmas
derivados de outras unidades, as quais podem ser sintagmas básicos ou orações. Trata-
se de uma mudança categorial realizada por meio de unidades pertencentes a uma lista
finita, chamadas transpositores. É por meio da transposição que obtemos um número
infinito de construções a serviço da expressão dos conteúdos que o ser humano é capaz
de comunicar e de compreender.
A transposição constitui um mecanismo que permite expandir infinitamente os enunciados, mediante a utilização de um
73
número limitado de meios – os transpositores – e de um número limitado de relações semânticas fundamentais. Os transpositores são elencados a seguir: preposições; conjunções adverbiais; conjunções integrantes; pronomes relativos; advérbios interrogativos, pronomes indefinidos e desinências aspectuais. (p.296)
A oração é a unidade máxima da estrutura gramatical; os sintagmas, seus
constituintes, desempenham funções sintáticas (sujeito, complemento, adjunto) em
virtude das posições que ocupam dentro dos limites da oração. A estrutura de uma
oração não a habilita a desempenhar uma função sintática; para ocupar o lugar de
sujeito, complemento ou adjunto, uma oração tem de ser convertida em constituinte de
outra oração. Para tanto, uma oração precisa “se tornar” um sintagma. Este sintagma
criado pela combinação de um transpositor e uma matriz proposicional é o que
tradicionalmente chamamos oração subordinada.
Uma oração é, portanto, segundo o autor (p. 298), um sintagma derivado, capaz
de ocupar a posição de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio em outra
oração, que chamamos oração superordenada ou principal. Através de um transpositor
podemos conferir uma classe à construção por ele introduzida, a saber: substantiva, se
o transpositor é uma conjunção integrante; adjetiva, se o transpositor é um pronome
relativo; e adverbial, se o transpositor é uma conjunção adverbial.
Duas orações podem estar coordenadas sem que qualquer conectivo as una.
Trata-se de coordenação assindética, pois o conteúdo de cada oração pode ser
simplesmente adicionado ao da oração anterior como no exemplo a seguir, retirado da
obra do autor:
(58)
“Uma chuva de pedras cortou-lhe a palavra; alguém lhe passou uma rasteira; seus
óculos voaram.” (Braga, 1964: 94)
Do mesmo modo, o conteúdo da segunda oração pode contrastar com a da
primeira, conforme exemplo:
(59)
74
“O telegrama chama-lhe mania, eu digo convicção.” (Assis, 1962: 742)
Da mesma forma, o conteúdo da segunda oração pode ser um efeito do
conteúdo da primeira, ainda sem o síndeto, de acordo com o exemplo abaixo:
(60)
“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.” (Ramos,
1981a: 9)
E, ainda, o conteúdo da segunda oração pode justificar o conteúdo da primeira,
de acordo com o exemplo que se segue:
(61)
“... hoje não há passageiro que não esteja lutando contra o relógio: todos querem estar
em casa à meia-noite.” (Gabeira, 1981b: 142)
Para Azeredo, a relação de sentido pretendida pelo enunciador pode, porém, vir
explícita em um conectivo: de adição (conjunção aditiva); de contraste (conjunção
adversativa); de opção ou alternância (conjunção alternativa); de esclarecimento
(conjunção explicativa) e de conclusão.
Para melhor compreensão de funcionamento desses conectivos, o autor os
distribuiu em três grupos:
Grupo 1 – conjunções aditivas e alternativas;
Grupo 2 – conjunções adversativas;
Grupo 3 – conjunções conclusivas e explicativas.
1.4.3.1 Conjunções (e adjuntos conjuntivos) de conclusão e explicação
Segundo Azeredo (2008: 308), os adjuntos conjuntivos portanto e logo
expressam uma relação diversa de mas, já que introduzem uma oração que exprime a
continuação lógica do raciocínio iniciado com a oração anterior:
75
(62)
“As águas baixaram um pouco; logo (ou portanto), já podemos atravessar”.
Se invertermos agora a ordem das orações, o raciocínio formulado no primeiro
exemplo será expresso pelo conectivo pois ou porque, que são conjunções explicativas:
(63)
“Já podemos atravessar, pois (ou porque) as águas baixaram um pouco”.
Portanto (ou logo) introduz a conclusão que se tira de um fato ou ideia;
pois/porque inicia um argumento para uma tese/opinião ou uma atitude expressa na
oração anterior:
(64)
“Tínhamos obrigação de ganhar o jogo (opinião/tese), pois nossa equipe estava mais
preparada.” (argumento)
(65)
“Levem agasalhos (atitude), porque no alto da serra a temperatura é muito baixa.”
(argumento)
Se começarmos o período pelo argumento, a oração seguinte – que contém a
tese/opinião ou expressa a atitude – virá introduzida pelo advérbio conjuntivo de
conclusão:
(66)
“Nossa equipe estava mais preparada (argumento); logo, devíamos ganhar o jogo.”
(opinião)
(67)
“No alto da serra a temperatura é muito baixa; portanto levem agasalhos.” (atitude)
Por conseguinte, consequentemente, por isso e então são adjuntos conjuntivos
que também expressam conclusão e podem substituir portanto e logo (inclusive nos
exemplos anteriores). Para o gramático (p. 308), a diferença entre eles está no grau de
76
formalismo: por conseguinte e consequentemente só se encontram na modalidade
escrita; por sua vez, então e por isso são coloquiais.
Por isso e então são usuais no discurso narrativo, opcionalmente precedidos da
aditiva e, para a associação de fatos que se sucedem no tempo e se relacionam como
causa e efeito:
(68)
“No alto da serra fazia muito frio, (e) por isso (ou então) vestimos os agasalhos.”
Em observação (p. 309), o autor menciona que a natureza adverbial dessas
formas (tradicionalmente classificadas como conjunções) permite que a elas se junte
uma autêntica conjunção, como no seguinte exemplo:
(69)
“Se os piratas lotam o mercado de falsificações, a indústria não consegue vender muito,
não refaz seu caixa e, portanto, não pode continuar investindo em pesquisa,” (Veja,
26/11/1997)
1.4.3.2 Orações adverbiais
Ao discorrer sobre as orações adverbiais, Azeredo (p. 322), diz que:
Uma matriz proposicional pode ocorrer no texto sob a forma de um sintagma adverbial, tradicionalmente conhecido como “oração adverbial”. A respectiva transposição é efetuada por uma conjunção adverbial, uma espécie de palavra gramatical que, colocada antes de uma oração, forma com ela uma unidade apta a um posicionamento flexível em relação à oração base: “O cachorro avançou no carteiro / o cachorro estava solto. O cachorro avançou no carteiro quando estava solto ~ Quando estava solto, o cachorro avançou no carteiro ~ O cachorro, quando estava solto, avançou no carteiro.”
77
Para Azeredo (2008), as orações adverbiais típicas estão sujeitas a esse
deslocamento em relação à principal. Por serem sintaticamente acessórias, tornam-se
relevantes no discurso pela informação que acrescentam ao texto, ou seja, pela
importância que assumem na organização coerente ou lógica do raciocínio, e segundo
o gramático, é por esta razão que certas relações se expressam por meio tanto de
conjunções subordinativas adverbais quanto de conjunções coordenadas. No que
concerne ao uso das conjunções adverbiais, autor também afirma que:
Algumas conjunções estão exclusivamente a serviço da construção do raciocínio lógico, tanto que são conectivos característicos dos textos dissertativos de opinião; outras indicam basicamente relações circunstanciais próprias do discurso narrativo, mas podem assumir cumulativamente papéis relacionados à construção do discurso de opinião. (p. 323)
Os sentidos expressos pelas orações adverbiais, segundo Azeredo, podem ser
agrupados em quatro tipos gerais: (a) relação de causalidade, (b) relação de
temporalidade, (c) relação de contraste, (d) relação de modo/comparação. As
descrições desses sentidos expressos pelas orações adverbiais, com seus respectivos
exemplos, serão feitas na próxima subseção.
1.4.3.3 As relações de causalidade
Para Azeredo (p. 323), do ponto de vista estritamente lógico, dois fatos se
articulam pela relação de causalidade se a realização de um deles depende ou decorre
da realização do outro. Desse modo, a causalidade é uma macrorrelação que se
especifica por meio de quatro valores: causa, condição, consequência e finalidade.
Para o autor, fica evidenciado que a um deles se atribuirá valor de causa ou condição, e
ao outro o de consequência ou finalidade, visto que causa e efeito não são ideias
opostas, mas complementares. A associação causal entre dois dados de nosso
conhecimento é, obviamente, um ato de percepção e de compreensão, que podemos
codificar de formas variadas na linguagem.
78
Nesta exposição o interesse do autor está na codificação por meio de conectivos.
Vejamos um exemplo comentado, retirado na íntegra de Azeredo (2008: 323):
(70)
“Passando pela rua já tarde da noite, posso perceber que a luz da sala do meu vizinho
está acesa e concluir: ele ainda está acordado. Temos aí uma relação de causalidade
entre dois dados: luz acesa (causa) e a vigília de meu vizinho (efeito). Essa relação de
causalidade é uma construção do raciocínio que reflete uma compreensão da situação: a
luz acesa me leva a fazer uma inferência. Posso, então, dizer, ou simplesmente pensar:
Ele ainda está acordado, pois (já que, porque) a luz da sala está acesa, ele ainda está
acordado. Do ponto de vista do discurso, causa ou efeito não é, portanto, um valor
inerente a um fato na sua relação com o outro, mas uma possibilidade de sentido
segundo a necessidade de compreensão – e de verbalização – do evento que se está
testemunhando. O emprego do conectivo tem a função de explicar esse valor,
balizando a compreensão da respectiva oração.” (grifo nosso)
A causa é indicada correntemente pelas conjunções porque, pois, como e já
que. Porque introduz a oração causal que vem após a principal; como introduz a
oração causal que precede a principal; já que introduz a oração adverbial colocada
antes ou depois da principal.
Segundo o autor, nos registros formais, tanto orais, quanto, principalmente,
escritos, empregam-se os conectivos visto que, visto como, uma vez que, dado que, na
medida em que, porquanto.
1.4.3.3.1 As relações de Condição
Azeredo (2008: 325) aponta que a diferença entre a causa propriamente dita e a
condição baseia-se numa distinção de atitudes do enunciador em relação à ‘realidade’
da informação contida na oração adverbial:
79
(...) a atitude de certeza se expressa com os conectivos causais (porque, como, visto que, dado que) e normalmente com verbos no modo indicativo; a atitude de incerteza, de suspeita, de suposição se expressa com conectivos de condição (se, caso, desde que, contanto que, a menos que) e com verbos em geral no modo subjuntivo; o modo indicativo ocorre em uma subclasse de orações iniciadas por se.
Ao contrário do campo da certeza, que é objetivo, o campo da hipótese é
subjetivo, amplo e difuso. Por isso, há para a expressão da hipótese uma gradação de
matizes de sentido que compreendem, conforme Azeredo (2008: 325-236):
1. Dados já conhecidos ou pressupostos, expressos por meio do modo
indicativo:
(71)
“Se você sabia o caminho, por que não nos ensinou?”; “Se a casa tem três quartos, dá
para abrigar todos nós.”
2. Fatos possíveis / prováveis, expressos no futuro do subjuntivo:
(72)
“Se você souber alguma novidade, telefone-me.”
3. Fatos remotamente prováveis, expressos no pretérito imperfeito do
subjuntivo:
(73)
“Se eles chegassem agora, ainda conseguiriam pegar o ônibus.”
4. Situações irreversíveis, expressas por meio do pretérito mais-que-perfeito do
subjuntivo:
(74)
“Se eles tivessem chegado cinco minutos antes, teriam pegado o ônibus”.
O autor afirma que a conjunção condicional típica é se. Ela geralmente introduz
um fato (real ou hipotético) ou uma premissa, a que se associa uma consequência ou
80
uma inferência. Pode-se, assim, distinguir duas espécies de construção hipotéticas com
se:
1. Aquelas que expressam a típica relação entre uma causa e um efeito
hipotéticos e apresentam correlação obrigatória entre o tempo da
oração subordinada e o da principal (neste grupo, se é substituível por
caso);
2. Aquelas que representam liberdade da combinação dos tempos verbais e
cuja oração principal contém uma inferência do que se declara na
oração subordinada.
O conteúdo da oração condicional, para Azeredo, nem sempre expressa a causa
hipotética do conteúdo da oração principal, conforme podemos notar no enunciado
(75), abaixo:
(75)
“Se você mudar de ideia, aqui está meu telefone”
Nesta oração condicional, conforme aponta Azeredo (2008), projeta-se uma
situação que legitima a mensagem implícita no conteúdo da oração principal: telefone-
me.
Ainda, segundo o gramático (p. 327), a conjunção se pode ocorrer com todos os
tempos dos modos indicativos e subjuntivo, exceto o presente do subjuntivo; as demais
conjunções condicionais só ocorrem com as formas do presente e do pretérito perfeito
do subjuntivo.
Construções hipotéticas iniciadas por se servem ainda para exprimir a relação
entre dois conteúdos que se contrapõem, mas não se anulam, funcionando o segundo
como atenuação ou compensação do primeiro:
(76)
“Se são justas as reivindicações das empregadas, também é verdade que as donas de
casa não são empregadas.” (O Globo, 17/05/1998)
81
Recorrendo ao modo indicativo, o enunciador assume o conteúdo da oração
condicional como um fato.
1.4.3.3.2 As relações de Consequência
Segundo Azeredo (2008), consequência e finalidade são duas espécies de efeito.
A expressão gramatical típica da consequência se concretiza na conjunção que,
ordinariamente antecedida de uma expressão de intensidade:
(77)
“Estava tão casando, que dormiu de sapato e tudo.”
1.4.3.4 As relações de temporalidade
A temporalidade, para Azeredo (2008: 330), tem por finalidade definir a
posição, na linha do tempo, do fato expresso pela oração base. Essa linha (ou continuum
temporal) pode ser segmentada em três etapas ou intervalos (anterior, concomitante ou
posterior) aptos a serem preenchidos pelo fato ou situação expressos na oração
adverbial (p. 330). O autor exemplifica com o seguinte par de matrizes proporcionais
[Manuela, roupas, costurar] (a) e [filha, dormir/adormecer] (b). (a) corresponde à
oração base e (b) ocupa, na forma de oração adverbial, um intervalo na linha do tempo.
Assim podemos ter as seguintes proposições:
• “Manuela costurava roupas enquanto a filha dormia.”
Neste exemplo (a) e (b) são concomitantes.
• “Manuela costurava roupas depois que a filha adormecia.”
Aqui, (a) é posterior a (b).
• “Manuela costurava roupas antes que a filha adormecesse.”
82
Nesta terceira proposição, (a) é anterior a (b).
Como podemos observar em outras gramáticas, e, também, na concepção de
Azeredo (2008: 331), quando é considerada a conjunção temporal padrão. Entretanto,
o autor ressalva que esta conjunção está apta a exprimir uma variedade de valores que,
quando necessário, são especificados por outras conjunções. Quando estiver
exprimindo concomitância de dois fatos ou ideias, quando é passível de substituição
por enquanto e ao passo que, que se empregam com valor muito semelhante ao das
proporcionais. Nesta situação de simultaneidade, conforme já apontara Neves (2000),
frequentemente o que sobressai é o caráter contrastivo dos fatos e ideias, de modo que
a relação temporal se torna secundária ou mesmo se esvazia, como no exemplo a
seguir:
(78)
“Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados ao acaso,
quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros.” (Machado,
1957: 211 – 212)
83
2. Revisão Bibliográfica
2.1 O estatuto categorial do onde
A consulta às observações sobre o onde inseridas nas gramáticas do português é
um procedimento, sob vários aspectos, justificável na tarefa de investigação do
funcionamento daquele elemento linguístico. Ainda que marcadas por uma reconhecida
limitação no tratamento dos usos da linguagem verbal, tais obras já permitem entrever
que estamos diante de uma categoria bastante complexa, para a qual é difícil propor
uma descrição unificada e coerente. Tal dificuldade, conforme já destacamos, não é
exclusiva do onde, mas cobre um conjunto significativo de classes gramaticais, o que de
antemão já justifica o esforço na busca de uma descrição satisfatória para aquele
elemento, com a qual espera-se poder lançar luz a toda a área das classificações de
palavras.
Para a investigação sobre o onde, fazemos, inicialmente, uma revisão por meio
de consulta à tradição gramatical e a obras de concepção descritiva, que tratam da
classificação, valores e empregos do onde. Para este fim, selecionamos as gramáticas
normativas de Rocha Lima (1999/2010), Cunha & Cintra (1985/2008), Bechara
(2000/2010) e Cipro Neto & Infante (1997), e as gramáticas descritivas de Perini
(1998) e de Neves (2000).
Essas obras, vistas em conjunto, evidenciam as complexidades que cercam a
descrição do item que figura como objeto de nossa pesquisa: em geral, os autores
consultados atribuem ao onde mais de um rótulo classificatório (advérbio, advérbio
relativo, pronome relativo), ressaltando as dificuldades de um tratamento unificado para
os usos daquele elemento. O trabalho de Bechara (1999/2010), principalmente,
representa um considerável esforço no reconhecimento de tais dificuldades e na
compreensão das complexidades estruturais que cercam o onde.
84
2.1.1 O onde nas gramáticas normativas
Rocha Lima (1999/2010: 175) é o único gramático que insere o onde
unicamente na classe dos advérbios, excluindo-o da classe dos pronomes, enquanto os
demais gramáticos o incluem tanto na classe dos pronomes, quanto na classe dos
advérbios.
O gramático parte da consideração de que o onde é um advérbio relativo como
quando, como, empregados com “antecedente”. Em orações adjetivas, onde, que, quem,
quanto e como, como são considerados relativos condensados, podem ser usados sem
antecedente, conforme o exemplo a seguir:
(79)
O carro enguiçou onde não havia socorro.
Para efeito de análise, o autor sugere que se deve restaurar o antecedente omitido
(p. 270). Admite, ainda, o desdobramento do onde. No que concerne às funções do
onde, diz que esse é pronome relativo, geralmente locativo, equivalente a lugar em que,
no qual (p. 333). O autor cita os “autores clássicos” (Camões, Cláudio Manoel da Costa,
entre outros), dizendo que esses não distinguiam entre onde e aonde.
Ainda segundo o mesmo autor, o onde pode ser também precedido das
preposições de, para, por. É também um advérbio, usado nas interrogativas diretas e
indiretas (p. 350).
As demais gramáticas selecionadas, sobre as quais discorremos a seguir,
registram o onde tanto na classe dos pronomes, quanto na classe dos advérbios: são as
gramáticas tradicionais de Cunha & Cintra (1985/2010) e de Bechara (1999/2010); a
gramática de Cipro Neto & Infante (1997), e as gramáticas de cunho descritivo de
Perini (1998) e de Neves (2000).
Cunha & Cintra (1985/2010) consideram o onde como pronome e como
advérbio. Como pronome, esse item pode ser empregado com antecedente e sem
antecedente. Mencionam que alguns gramáticos admitem a existência de um
antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise, onde em no lugar em que.
(p. 337/365). No item referente à função sintática dos pronomes relativos, dizem que:
85
Os pronomes relativos assumem duplo papel no período com representarem um determinado antecedente e servirem de elo subordinante da oração que iniciam. Ao contrário das conjunções, que são meros conectivos, e não exercem nenhuma função interna nas orações por elas introduzidas... (p. 335/358)
Acrescentam, ainda, que os pronomes sempre desempenham uma função
sintática nas orações a que pertencem. No caso do onde, este desempenha a função de
adjunto adverbial (p. 336), em orações do tipo:
(80) Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. (Mário Quintana)
Ao fazerem referência a valores e empregos dos relativos, os autores se
expressam da seguinte maneira: Como desempenha normalmente a função de adjunto
adverbial (= lugar em que, no qual), o onde costuma ser considerado por alguns
gramáticos como advérbio relativo (p. 342/365). Cunha & Cintra lembram, também,
que esta denominação não foi acolhida pela Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB), mas é aceita pela Nomenclatura Gramatical Portuguesa (p. 532/558).
Fazem referência à oposição estabelecida por onde e aonde, ressaltando que na
linguagem coloquial essa distinção, que já não era rigorosa nos clássicos, está
praticamente anulada. (p. 342/365).
O onde como advérbio está classificado entre os que indicam lugar. As
expressões “para onde” e “por onde” constituem locuções adverbiais, que constituem o
conjunto de duas ou mais palavras, funcionando como advérbio (p. 532/558).
No que tange ao advérbio onde, usado em construções interrogativas, os autores
apenas apresentam os seguintes exemplos: “Onde está o livro?” e “ Ignoro onde está o
livro”. Não fazem qualquer observação quanto ao processo de análise da interrogativa
indireta e no capítulo referente às orações adjetivas, não há, sequer, um exemplo com o
elemento onde.
Há lacunas no tratamento do onde, na gramática de Cunha & Cintra
(1985/2008). Em alguns momentos, os autores apenas fazem referência superficial ao
86
procedimento de análise adotado por alguns gramáticos, em relação a certas estruturas, a
exemplo do onde sem antecedente.
A gramática de Bechara (1999/2010) revela-se mais explicativa em relação aos
conectores intersentenciais, e dá um tratamento mais completo aos diferentes usos do
onde. Para esse autor, o onde é um pronome e um advérbio (sempre locativo),
posicionamento semelhante ao de Cunha & Cintra (1985/2010).
Bechara (1999/2010:162) denomina os pronomes como a classe de palavras
categoremáticas, a qual denomina como “formas sem substâncias”. Não representam
nenhuma matéria extralinguística, motivo pelo qual os pronomes são substantivos,
adjetivos, advérbios e – em outras línguas que não o português – até verbos (p. 112).
Para o autor, os pronomes relativos são definidos como os que se referem a um
termo anterior chamado antecedente (p. 171), traço que será utilizado como critério
para análise do onde em nosso corpus.
No item referente aos pronomes relativos sem antecedente, Bechara (p. 172)
declara que o quem e o onde podem ser usados com emprego absoluto, sem
antecedente, em orações do tipo “Quem tudo quer tudo perde” e “Moro onde mais me
agrada”, e acrescenta: Os relativos sem antecedentes também se dizem relativos
indefinidos.
O gramático faz referência à posição de alguns autores de admitir, nesse caso,
para efeito de análise, o desdobramento dos itens, subentendendo-se um antecedente
adaptável ao contexto, entendendo-se quem como a pessoa que e onde como o lugar em
que. Entretanto, conclui dizendo que este duplo modo de encarar o problema tem
repercussões diferentes na classificação das orações subordinadas (p. 172).
Bechara (1999/2010: 465), ao tratar das orações subordinadas resultantes de
substantivação: as interrogativas e exclamativas, apresenta, como exemplo, as
seguintes orações abaixo, e observa que, nesses casos, as unidades interrogativas e
exclamativas (pronomes e advérbios) têm função sintática na oração subordinada a que
pertencem:
(81)
Ainda não sei que vou fazer hoje (Cf. Que vou fazer hoje?)
(82)
O professor pergunta qual o motivo da algazarra.
87
Para demonstrar essa análise admitindo a substantivação (p. 469), oferece
algumas estruturas construídas com pronomes e advérbios relativos, destituídos de
antecedente, em que a oração substantiva funciona como objeto direto do verbo saber
(descobrir), conforme o esquema e os exemplos a seguir:
Não sabemos
quanto
por que
como
quando
onde
que
qual
comprou
(83)
Não sabemos onde comprou.
(84)
Os garotos não descobriram onde os pais tinham posto os presentes.
Essa análise, adotada por Bechara (1999/2010: 470) – a oração com pronome
relativo sem antecedente é transposta a oração substantiva –, baseia-se na complexidade
da realidade linguística. Nas palavras do autor:
A análise que adotamos tem a vantagem de encarar uma realidade da língua, e não uma substituição que a ela realmente nem sempre equivale... Transposta a substantiva, a oração de relativo sem antecedente expresso pode exercer as funções próprias das substantivas originais.
Acerca do emprego de relativos (p. 487), no que tange ao uso do onde, o
gramático expressa-se da seguinte maneira: em lugar de em que, de que, a que, nas
referências a lugar, empregam-se, respectivamente, onde, donde, aonde (que
funcionam como adjunto adverbial ou complemento relativo), conforme exemplos a
seguir:
88
(85)
O colégio onde estudas é excelente.
(86)
A cidade donde vens tem fama de ter bom clima.
(87)
A praia aonde te diriges parece perigosa.
Diferentemente da posição de Cunha & Cintra (1985/2010), o autor estabelece,
ainda, uma distinção entre onde e aonde. Conforme podemos verificar na seguinte
passagem da gramática de Bechara (p. 487):
Modernamente os gramáticos têm tentado evitar o uso indiscriminado de onde e aonde, reservando o primeiro para a idéia de repouso e o segundo para a ideia de movimento: O lugar onde estudas... O lugar aonde vais...
Bechara (1999/2010: 290) considera os advérbios como uma classe de palavra
muito heterogênea, o que torna difícil atribuir-lhe uma classificação uniforme e
coerente. Os critérios usados para classificá-los são os valores léxicos (semânticos) das
unidades que os constituem como denotadores de lugar, tempo, quantidade, etc. e os
critérios funcionais. Segundo os critérios funcionais, os advérbios incluem os
demonstrativos (aqui, então, aí), os relativos (onde, como, quando, etc.) e os
interrogativos (quando?, onde?, como?).
Bechara (1999/2010: 293) diz que o advérbio, pela sua origem e significação,
se prende a nomes ou pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e pronominais.
O onde pertence aos de base pronominal, assim como os demais apresentados a seguir:
relativos onde (em que), quando (em que), como (por que); interrogativos onde?,
quando?, como?, por que? (por quê?).
Bechara (1999/2010: 294) se refere aos advérbios relativos, apresentando a
mesma conceituação dada anteriormente aos relativos, incluindo exemplos semelhantes.
Observemos a citação a seguir:
Os advérbios relativos, como os pronomes relativos, servem para referir-se a unidades que estão postas na oração anterior.
89
Nas idéias de lugar empregamos onde, em vez de em que, no qual (e flexões): A casa onde mora é excelente. Precedido de preposição a ou de, grafa-se aonde e donde: O sítio aonde vais é pequeno. É bom o colégio donde saímos. Ainda como os pronomes relativos, os advérbios relativos podem empregar-se de modo absoluto, isto é, sem referência a antecedente: Moro onde mais me agrada.
Nesta passagem percebemos uma confluência funcional na análise apresentada.
O elemento onde tem o mesmo comportamento tanto como pronome quanto como
advérbio (relativo); em termos de valor (locativo); emprego da forma (em que/no qual);
ocorrência (com ou sem antecedente); usos preposicionados. A confluência mencionada
demonstra a dificuldade de um tratamento uniforme para o onde (advérbio relativo ou
pronome relativo).
Quando analisa a oração encabeçada pelo onde sem antecedente (Moro onde
mais me agrada), Bechara classifica-a como uma oração subordinada adverbial locativa.
Ao tratar destas orações o autor apresenta outros exemplos, quando destaca as
subordinadas adverbiais locativas (p. 501), conforme verificamos abaixo:
(88) Os meninos sobejam onde estão e faltam onde não se acham. (89) Não pode haver reflexão onde tudo é distração.
Ao abordar as orações complexas de transposição adverbial, o gramático (p.
471) classifica em dois grupos as orações transpostas, que exercem funções da natureza
do advérbio, a saber:
a) as subordinadas adverbiais propriamente ditas, porque exercem
função própria de advérbio ou locução adverbial e podem ser substituídas por um destes (advérbio ou locução adverbial): estão neste caso as que exprimem as noções de tempo, lugar, modo
90
(substituíveis por advérbio), causa, concessão, condição e fim (substituíveis por locuções adverbiais formadas por substantivo e grupos nominais equivalentes introduzidos pelas respectivas preposições);
b) as subordinadas comparativas e consecutivas.
Referindo-se às orações subordinadas adverbiais propriamente ditas, observa
que, do ponto de vista constitucional, se assemelham às substantivas, já que se
identificam com essas em funções adverbiais, como ocorre com o substantivo
transposto ao papel de advérbio mediante o concurso de preposição (p. 471), em
orações do tipo:
(90)
Saiu de noite.
(91)
Estudamos com prazer.
No item denominado Outras particularidades nos transpositores das orações
adverbiais, Bechara (1999/2010: 472) faz a seguinte menção no que se refere ao onde (e
a outros transpositores): quando usados sem referência a antecedente, os advérbios
relativos onde, quando, como e quanto (este com preposição) transpõem a oração a
que pertencem, que passa a exercer papel de adjunto adverbial: Onde me espetam fico.
Bechara (1999/2010: 464), ao analisar as orações subordinadas encabeçadas
por transpositores, observa: a oração transposta, inserida na oração complexa, é
classificada conforme a categoria a que corresponde e pela qual pode ser substituída
no desempenho da mesma função. A partir desse critério a oração transposta é
classificada como substantiva, adjetiva ou adverbial, segundo a tradição gramatical,
pois desempenha função sintática normalmente constituída por substantivo, adjetivo ou
advérbio.
Ao tratar das conjunções, apresenta as conjunções coordenativas como
conectores – reúnem orações que pertencem ao mesmo nível sintático. Ressalta que há
diferenças quanto ao papel que assumem nas subordinativas (conjunção), denominadas
de transpositores. Bechara exibe a seguinte estrutura: Soubemos que vai chover, e
apresenta a seguinte análise (p. 319-320):
91
(...) a missão da conjunção subordinada é assinalar que a oração que poderia ser sozinha um anunciado: Vai chover, se insere num enunciado complexo em que ela (vai chover) perde a característica de um enunciado independente, de oração, para exercer, num nível inferior da estruturação gramatical, a função de palavra, já que vai chover é agora objeto direto do núcleo verbal soubemos.
(...) que vai chover é uma oração “degradada” ao nível da palavra, e isto se deveu ao fenômeno de hipotaxe ou subordinação. A oração degradada ou subordinada passa a exercer uma das funções sintáticas próprias do substantivo, do adjetivo e do advérbio.
Ao se referir às classes de palavras e categorias gramaticais, Bechara
(1999/2010: 110) defende que o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio são as
únicas reais “categorias gramaticais” da língua, as quais são confusamente misturadas
na gramática tradicional, porque são as únicas dotadas do significado categorial.
Segundo o autor, o significado categorial não caracteriza apenas os lexemas,
mas ainda sintagmas e orações inteiras. Também o significado categorial está sempre
implicado com certas funções específicas na estruturação gramatical; por isso o
substantivo (representado por nome, pronome, sintagma nominal, oração normalizada)
pode ser o sujeito da oração e o pronome (juntamente com o numeral) pertence às
palavras categoremáticas, como já mencionado anteriormente, formas sem substância.
Assim, o onde é, de acordo com a análise desenvolvida por Bechara, uma
palavra categoremática – identificado como pronome, como advérbio e um advérbio
relativo, podendo, em determinadas orações, se substantivar (Não sei onde guardei as
minhas chaves.) e se adverbializar (como uma oração adverbial locativa – Moro onde
mais me agrada.), o que o faz ascender ao status de categoria gramatical.
Cipro Neto & Infante (1997:294) são categóricos no que concerne ao emprego
do onde em referência a lugar físico, espacial: onde é pronome relativo quando equivale
a em que; deve ser usado, portanto, unicamente na indicação de lugar, conforme os
seguintes exemplos:
92
(92)
Você conhece uma cidade brasileira onde se possa atravessar a rua em segurança?
(93)
Quero que você veja a escola onde fiz meus primeiros garranchos.
Em nota de observação (p. 295), os autores dizem que alguns autores defendem
a existência de pronomes relativos (quem e onde) sem antecedente, equivalendo a
aquele que e no lugar em que, conforme ilustram os exemplos a seguir:
(94)
Quem não deve não teme.
(95)
Ficou quieto onde o deixaram.
Quanto aos usos e funções dos pronomes relativos, Cipro Neto & Infante (p.
435-436) chamam atenção para o fato de que o onde só poder ser empregado em
período composto, no qual atuará sintaticamente (exclusivamente) como adjunto
adverbial. Para os autores o onde é advérbio interrogativo, quando utilizado em orações
interrogativas diretas e pronome quando usado em orações subordinadas adjetivas em
indicação a lugar e atuando sintaticamente como adjunto adverbial (de lugar).
Ao tratarem dos usos de onde, os quais fogem dos que são canonicamente
estabelecidos, os autores fazem a seguinte consideração:
Há uma forte tendência, na língua portuguesa atual, em usar o onde como relativo universal, um verdadeiro cola-tudo. Esse uso curiosamente tende a ocorrer quando um falante de desempenho lingüístico pouco eficiente procura ‘falar difícil’. Surgem então frases como: Vai ser um jogo muito difícil, muito disputado, onde nós vamos tentar conseguir mais um resultado positivo. Vivemos uma época muito difícil, onde a violência gratuita é dominante, etc. Não me alimentei bem, dormi mal, onde hoje não consegui uma boa marca.
93
A economia está em franco processo de recessão, os salários estão congelados, onde a classe média não pode mais comprar como antes. Na língua culta, escrita ou falada, onde deve ser limitado aos casos em que há indicações de lugar físico, espacial. Quando não houver essa indicação, deve-se preferir em que, no qual (e suas flexões, na qual, nos quais, nas quais) e, nos casos de idéia de causa/efeito ou de conclusão, portanto. (Grifos dos autores, p. 436)
Após essa explanação, os autores retomam os exemplos considerados desvios e
fazem as devidas substituições, para o uso considerado canônico, da seguinte maneira:
(96) Vivemos uma época muito difícil, em que (na qual) a violência gratuita é dominante, etc.
(97) A economia está em franco processo de recessão, os salários estão congelados, portanto (por isso) a classe média não pode mais comprar como antes.
À semelhança de Bechara (1999/2010), Cipro Neto & Infante (1997) incluem as
interrogativas indiretas nas possibilidades de construção das orações subordinadas
substantivas, as quais podem ser introduzidas pela conjunção subordinativa integrante
se e por pronomes ou advérbios interrogativos.
2.1.2 O onde nas gramáticas descritivas
Gramáticas descritivas do português preocupam-se com a descrição dos usos
possíveis e efetivos que fazemos da língua portuguesa. Partem da observação dos usos
que realmente ocorrem no Brasil, para, refletindo sobre eles, oferecerem uma
organização que possa sistematizar esses usos. Trazem um aparato de possibilidades de
construções, as quais são aproveitadas pelos usuários para uma obtenção de sentidos
pretendidos. Ao mesmo tempo, trabalham comparativamente com a tradição gramatical,
na tentativa de informar sobre as restrições que tradicionalmente se fazem a
94
determinados usos já atestados pelos usuários, inclusive da norma culta, e que estão
vivos, em constante mudança.
Diferentemente do que se faz usualmente, na perspectiva da tradição gramatical,
as gramáticas descritivas partem da observação dos usos linguísticos efetivos, para,
refletindo sobre eles, oferecer uma organização que sistematize esses usos. Assim, no
que tange ao estudo do onde, o que se espera encontrar, nessas obras, é uma
sistematização eficiente sobre o emprego daquela partícula.
Após consulta a duas gramáticas descritivas bastante valorizadas, no estudo do
português brasileiro – Perini (1998) e Neves (2000) –, atestamos que quase nada é
acrescentado às observações acerca dos usos do onde presentes nas gramáticas
normativas. Aquelas, como estas, revelam dificuldades de análise e categorização,
sublinhando a insuficiência presente nas tentativas de análise daquela partícula.
Perini (1998: 141) considera onde como um pronome e um advérbio. Como
pronome constitui, ao lado de outros, uma marca de subordinação, encabeçando a
oração subordinada adjetiva. Estabelece a diferença entre as interrogativas indiretas e as
subordinadas adjetivas, embora se pareçam superficialmente. Nas interrogativas
indiretas o sintagma complexo é um SN ou um sintagma adverbial, conforme o exemplo
a seguir:
(98)
Não sei quantos espectadores virão ao circo.
Para o autor, essa sentença tem duas orações: a subordinada “quantos
espectadores virão ao circo.”, que funciona como objeto direto do verbo saber (marca
de oração subordinada substantiva objetiva direta) e a subordinada (uma interrogativa
indireta) marcada pelo elemento introdutor quantos, que é uma marca de interrogativas
indiretas, como, também o são os itens: o que, quem, onde, quando, quanto (s), como e
qual. Essa mesma análise também é verificada em Bechara (1999/2010).
Neves (2000: 239, 372, 386) descreve o item onde sob todas as formas em que
ele, segunda a autora, aparece com frequência. Desta maneira, ao analisar os usos de
onde, classifica-os como pronome e como advérbio. O onde é considerado um pronome
95
que nunca se refere à pessoa. É um indicador de lugar que se emprega com ou sem
antecedente.
Na oração o pronome onde é um elemento nuclear constituindo o núcleo de um
sintagma, tradicionalmente chamado de pronome substantivo (ao lado de que, quem e
como), em orações adjetivas restritivas com e sem antecedente e orações adjetivas
explicativas (essas devem vir sempre com antecedente), conforme os exemplos
relacionados, abaixo, retirados de sua obra (2000: 373-375):
(99) Onde há é nos Araújos, orgulhosos e desgraçados, onde até os filhos roubam dos pais. (100) Em Soweto, onde vivo, as pessoas nem sequer têm dinheiro para pagar eletricidade e outros serviços do governo, não dá para querer cobrar agora esses serviços.
No que se refere à função (p. 386), para a autora o pronome onde sempre
funciona como adjunto ou complemento adverbial de lugar, e, quando o pronome
relativo onde possui antecedente, este é sempre equivalente a em que.
Neves observa, ainda, que o pronome relativo onde é, muitas vezes, empregado
equivalendo a em que, mas sem valor locativo, o que, para a autora, não tem
justificativa:
(101) Na prática, a venda com caderneta funciona como um negócio onde o dinheiro também é virtual, só que sem a sofisticação dos modernos cartões magnéticos. (102) A diminuição dos empréstimos bancários que alimentam a produção cria uma situação onde não é o consumidor que para de comprar.
Para a autora (p. 239), o item onde se insere, também, na lista dos advérbios
interrogativos, na mesma perspectiva adotada por Bechara (1999/2010) e Perini (1998).
Quando em interrogativas indiretas, esse item está integrado numa oração nuclear,
funcionando como o seu complemento.
96
O advérbio interrogativo de lugar deve ser usado no sentido de “em que lugar?”.
Quando o onde vier precedido de preposições como para/a e de, a indicação passa a ser
de direção ou de origem.
Advérbios de lugar e tempo, segundo Neves (2000: 256), são categorias
dêiticas, pois fazem orientação por referência ao falante e ao aqui-agora, que
constituem o complexo modo-temporal que fixa o ponto de referência da fala. Lugar e
tempo se implicam de tal maneira, que é fácil o trânsito de uma para outra categoria,
sendo frequente encontrar advérbio de lugar indicando tempo.
Continuando a tratar os advérbios de lugar e tempo, refere-se aos fóricos e aos
não-fóricos (p. 257-258). Os advérbios fóricos remetem a algum outro elemento, dentro
ou fora do enunciado. Nas palavras da autora:
Têm natureza pronominal, comportando-se como proformas nominais, o que lhes permite, aliás, funcionar como argumentos. Esses advérbios são muitas vezes chamados de advérbios pronominais ou pronomes adverbiais. (...) referem-se a circunstâncias, mas em si não exprimem uma indicação circunstancial substancial. Essa indicação tem de ser recuperada na situação, configurando exófora. (...) no texto, configurando endófora (anáfora ou catáfora).
Segundo a autora, os advérbios não-fóricos efetuam simplesmente a expressão
da circunstância de lugar.
A reflexão da autora sobre os advérbios de lugar e tempo, como categorias
dêiticas, nas quais lugar e tempo se imbricam de tal maneira, que facilita o trânsito de
uma para outra categoria, mormente encontradas situações em que advérbios de lugar
indicam tempo, pode servir para a compreensão de usos de onde em retomadas
anafóricas a entidades não-locativas, incluindo, tempo.
A ambiguidade categorial do onde, advérbio, pronome, advérbio relativo, foi
percebida em todas as gramáticas pesquisadas, incluindo as de vertente descritiva. O
que podemos verificar em nossa pesquisa é que as fronteiras não são bem delimitadas,
tornando, assim, o elemento onde um terreno muito fértil de estudos, visto que o mesmo
já ultrapassou, inclusive, as barreiras pronominais, conforme veremos mais adiante.
97
2.2 Estudos linguísticos sobre o onde
Verificada essa tendência de onde retomar outras categorias cognitivas além de
lugar físico, esse juntor chamou a atenção de linguistas das mais variadas área,
suscitando, assim, alguns estudos em diacronia, acerca desse fenômeno, como Mattos e
Silva (1989), Bomfim (1993) e Siqueira (2009). Da mesma forma, outros trabalhos
acerca do onde, foram realizados, dedicados a estudar o funcionamento desse item
sicronicamente, como Portella (2003) – este um estudo diacrônico e sincrônico –,
Manfili (2007), Marinho (2002) e Lima (2007).
Ao fazer um estudo do item na fala de Salvador, Portella (2003) encontrou
evidências de uma possível gramaticalização desse conector.
Os fatores linguísticos estabelecidos para a análise do onde, pela autora, foram
reveladores das propriedades semânticas, sintáticas e discursivo-pragmáticas desse item
no universo estudado. Os dados demonstram que o onde, do ponto de vista semântico,
mantém, com percentuais elevados, o seu valor primário de retomador de espaço físico,
em todos os grupos de fatores analisados por ela.
Entretanto, outros valores de onde monstraram-se produtivos, em frequência de
uso, o onde noção, o valor tempo e o valor posse – esse último, mais abstrato (embora
com percentuais baixíssimos de ocorrência), segundo a autora, torna-se significativo,
pois demonstra possibilidades de uso que poderiam vir a se firmar. É o que mostram os
exemplos, abaixo, retirados da obra da autora, respectivamente, onde espaço físico,
onde noção, onde tempo e onde posse:
(103)
...pelo menos no Costa e Silva onde eu estudo, no Heloísa já é do governo também, o
colégio que eu estudei não exigia tanto, eu sei...
(104)
...atualmente está bem mais cedo, e com isso, crianças do sexo feminino, essa é a minha
marcação em relação às novelas das seis, onde você vê sexo explícito mesmo, nu,
pessoa nua mesmo, explorando...
98
(105)
Eu distingo bem a minha fase de infância onde os bondes transitavam, onde eu estudava
nos bondes.
(106)
Pois é, é um assunto complexo, muito grande, que compreende por sempre aspectos,
sobretudo da Bahia, onde a história territorial da Bahia ainda não está escrita...
A autora classifica o onde presente em (106) – onde posse –, como
correspondente de cujo, caracterizando, portanto, um uso linguístico típico da
modalidade oral, não planejada, em que o modificador de um nome é materializado
duas vezes: pelo próprio sintagma modificador – no caso, a segunda ocorrência de “da
Bahia”, em (106) – e pelo pronome relativo – onde, em (106).
Houve ocorrências, que, segundo Portella, não foram quantificadas, mas são
vistas pela autora como relevantes, por evidenciarem usos mais abstratos, e um
comportamento, do ponto de vista categorial, que confere um outro estatuto ao onde,
quando esse item assume, no contexto, características de elemento do discurso, ou
conjunção. Isto pode ser demonstrado através dos exemplos (107) – onde como
elemento discursivo – e (108) – onde com valor de conjunção (temporal):
(107)
... então com isso eu cresci com aquela... ressentimento no meu coração, porque eu
chegava, quando eu ia trabalhar, por exemplo, no Stiep, que eu via o carinho daqueles
pais com seus filhos, dentro de mim, me constrangia, eu chorava, porque eu esperava ter
um pai que cuidasse de mim, que me desse o carinho, qual o pai estava dando aquele
filho, onde desde quando eu estava encerando o pátio daquela casa, aí por dentro eu
chorava.
(108)
DOC - Você acha que essa aproximação os filhos e os pais, os filhos dizerem o que, o
que querem hoje? Como é que você vê, você acha que isso é bom? Pontos positivos e
negativos (inint).
99
INF - Olha, eu acho bom, eu acho bom quando, quando existe, eh... onde fica definido
o papel, entendeu? “Eu sou seu pai independente de qualquer coisa, sou seu amigo
também, mas sou seu pai”.
Nas análises de Portella, o onde pode ocorrer em posição intersentencial, como
um nexo coesivo. No exemplo (107) o onde é abstrato, é um elemento do discurso,
funcionando como marcador conversacional, uma vez que se segue a esse item a
expressão conjuntiva que estabelece o nexo sintático. No exemplo (108) o onde é
sintaticamente usado como uma conjunção temporal, equivalendo a quando. Segundo
a autora, cognitivamente, o onde funciona como uma extensão metafórica, entendendo-
se a definição do papel como um recipiente.
Segundo Portella, são os falantes de nível culto que, de acordo com as amostras
analisadas da fala de Salvador, desencadeiam um processo de mudança, entendida como
a convencionalização de usos potenciais. O onde é um referenciador de lugar físico, e,
através do processo de transferência metáfora, passa a designar espaços mais abstratos,
pois os conceitos se estruturam a partir de esquemas imagéticos espaciais, adquiridos
em contato com o mundo, e, segundo a autora, é a metáfora recipiente, ou seja, estar
dentro ou fora de alguma coisa - que está na base dos sentidos do onde, constituindo a
sua polissemia. Os onde mais abstratos codificam esse conceito espacial num domínio
mais abstrato, para fazer a localização de situações, de sensações, de sentimentos, de
emoções (conforme já apontara Manfili: 2007 – através da metáfora do container).
Tanto o onde espaço físico, como o onde noção, o onde tempo e o onde posse
(assim rotulados por ela) encontram-se, na estrutura do discurso, em arranjos sintáticos,
conjugados com os elementos de referenciação que determinam o seu percurso fórico.
Nos grupos linguísticos analisados, a autora identificou alguns usos “marginais”
do onde, entendendo-se esses usos como formas não-padrão, um onde de valor ainda
mais abstrato. Com esse valor, ocorreu em orações relativas não-padrão, apresentando
estatuto de complementizador, comportando-se funcionalmente como o que. No
discurso, houve ocorrências em expressões coloquiais, em contextos não previsíveis.
Em suas análises, o onde manifestou-se, também, como elemento interfrasal,
funcionando como marcador conversacional, ou como conjunção, estabelecendo o nexo.
Do ponto de vista categorial, o elemento foi definido como um pronome, segundo a
autora, pelo que esse item contém de identificação com os membros mais prototípicos
100
dessa classe. As categorias possuem limites imprecisos, havendo graus diferentes de
integração de um determinado item, numa classe. Assim é que o onde é percebido como
tendo traços, por exemplo, de conjunção, sendo possível atuar como tal em alguns
contextos.
Manfili (2007), examinando o uso com onde, focalizou a modalidade escrita e
utilizou como corpus ocorrências do elemento extraídas de textos jornalísticos – O
Globo e Folha de São Paulo. Levou em consideração a classificação por gêneros
textuais, a saber: editorial e crônica. Concebeu seu objeto de estudo como uma variável
dependente binária, analisando os dados à luz de categorias linguísticas e
extralinguísticas, as quais foram recortadas como variáveis independentes, apoiando-se
na sociolinguística laboviana.
A autora, em se tratando da categoria cognitiva a que o onde fazia remitência,
observou que esse item, além do uso primário que consiste em retomar locativos,
retomava, como um pronome relativo, categorias cognitivas que iam além de espaço
físico, como noção, tempo, objeto, discurso e entidades, formando uma rede
polissêmica, justificada através da metáfora do container, conforme podemos verificar
nos dois a seguir, retirados de Manfili (2007):
(109)
E a catadura de Mentor com sua voz fininha, e o Aldo Rebelo, tarefeiro, duro como uma
espingarda, apelidado otimamente de "boneco do carnaval de Olinda", e a peruca do
Bispo Rodrigues, e a cara do Okamoto se recusando a abrir o sigilo onde moram todas
as verdades do Lula - Okamoto mentindo diante do verdadeiro petista, legítimo, o
honrado Paulo Venceslau, que descobriu o pré-valerioduto há cinco anos em São José
do Rio Preto e foi expulso por Lula, e o Garibaldi Alves (que eu adoro) com o sorriso
do nordestino que tudo sabe, raposa zombeteira, encaracolado como uma cobra cínica,
gozando a sordidez daqueles rituais, e a maravilhosa confissão daquele Poletto que se
declarou um bêbado para defender o PT, que estava de porre quando falou dos dólares
de Cuba... (O Globo, 11/04/06)
(110)
O verdadeiro amor é impossível, logo só o amor impossível é o verdadeiro amor. Saí do
cinema onde fui ver 2046, do chinês Wong Kar Wai, pensando nisso. Saí do cinema
101
como de um sonho barroco, manchado, molhado por uma grande massa de cores e sons,
de rostos, gestos, mãos, gemidos, dores e gozos. Saí como um drogado, viajando ainda
num LSD, uma mescalina da pesada, saí de um milagre alucinado. Vi uma coisa rara:
um filme que é o que ele conta. Explico: 2046 seria, no filme, o ano futuro onde tudo
seria imutável, lembrado. E agora, quando escrevo, vejo que o tal lugar em 2046 é a
própria obra. (O Globo, 10/01/06)
Através da metáfora do container conceptualizam-se as ideias como objetos que
saem/entram na mente. A mente é, então, o recipiente. Se a mente humana é um
recipiente que possui propriedades como dentro/fora/ raso/fundo/ largo/estreito etc.,
então o onde, em uma expansão metafórica, pode ter como referente um espaço
nocional. Esse espaço nocional remete a entidades como idéias, teorias, crenças,
problemas, emoções, sentimentos, qualidade, expressões metafóricas, etc., que são
vistas metaforicamente em função da mente, como no exemplo (109), acima, em que o
onde faz remitência a sigilo, conceptualizado pela autora como um espaço nocional.
Da mesma maneira, tem-se a ampliação metafórica de espaço em tempo, como é
possível verificar no exemplo (110), no qual o onde faz remissão a tempo: “ano
futuro” . O uso das construções “onde” para se referir a tempo é uma ampliação
metafórica recorrente e corresponde a uma metáfora estruturada (tempo como espaço),
fortemente manifesta em expressões linguísticas do português e de outras línguas.
Manfili verificou, nos gêneros textuais considerados, que as referidas retomadas
eram muito produtivas, não havendo diferenças percentuais significativas quanto aos
diferentes usos do onde. Naqueles dados, constatou que não ocorriam processos de
gramaticalização, devido a não haver mudança de estatuto categorial da forma e, sim,
um processo de variação estável do item onde.
Bomfim (1993), ao examinar a variação e mudança no português arcaico, no que
tange ao emprego de hu e onde, menciona os valores temporal e discursivo instanciados
por onde, conforme podemos observar nos exemplos (111a) e (111b) a seguir:
(111a)
[...] convem que digamos doutras cousas pertencentes a nosso fallamento, segundo
aquello que prometido teemos no rreinado del-rrei dom Pedro, onde dissemos que
102
fallariamos dos iffantes dom Joham e dom Denis (CF. cap. XCVIII, p. 37, apud
Bomfim: 1993, p.115)
(111b)
De pois que el foi em terra, achou os corações tam duros e tam envoltos nos pecados
nmortaaes, que tam maaus lhe eram de tornar a si, quam maau seria a uu homem
molentar ua pedra mui grande. Onde diss el pla boca do seu profeta Davi (A Demanda
do Santo Graal, c. 224, p. 335, apud Bomfim: 1993, p. 100)
Em (111a), acima, o onde faz remitência a tempo, o que pode ser verificado na
forma verbal “prometido” (passado) e, também, rreinado Del-rrei, ou seja, aquilo que
foi prometido quando do reinado do rei. No exemplo (111b), de valor discursivo, o
onde faz referência catafórica a “diss el pla boca do seu profeta”, ou seja, aquilo que é
dito através da boca do profeta.
O trabalho de Bomfim consiste na análise do percurso dos pronomes advérbios
U (hu) e onde (mais raramente unde) na fase do português compreendida entre os
séculos XIII e XV. Utilizando-se de um corpus bastante extenso, a autora apresenta os
seguintes resultados: onde e unde equivalem a de onde, na acepção de procedência e
origem e, por extensão, equivale a causa. Também podem corresponder a de que, de
quem, do(a) qual, quando funcionam como relativos. Já o U é utilizado para localizar,
com valor de onde, por onde e para onde. Nesses últimos valores semânticos o U pode
aparecer regido ou não por preposição.
Bomfim destaca ainda usos de onde e unde discursivo. Esse valor se dá, segundo
a autora, pelo estabelecimento de ligação intra/extra-frástica entre segmentos do texto,
devido a necessidades argumentativas, conforme exemplo (111b). Da mesma maneira
foi detectado o uso de U e onde com valor temporal, conforme exemplos (111a).
Mattos e Silva (1989), por seu turno, ao investigar os dois elementos que
integravam o sistema do português trecentista − hu e onde − sustenta que onde, para ela
considerada a forma marcada, designava o ponto a partir de que, quer espacial, quer
nocional, quer temporal, quer possessivo, quer contextual. De acordo com ela, tanto hu
quanto onde, embora basicamente locativos, podiam funcionar como temporais. Os
exemplos seguintes, (112a) e (112b), coletados da obra da autora, ilustram suas
descobertas, sendo que em (112b), além da estrutura temporal (onde o fora libertino =
103
quando o fora Libertino), pode-se fazer uma leitura locativa (= naquele mosteiro onde
o fora Libertino).
(112a)
Veo a hua enfermidade onde xi lhi atou morte.
(112b)
Fiiz... que foi noutro dia preposto naquel moesteiro onde o fora Libertino, contou a
mim. (= Libertino foi abade do moesteiro) (1989: 245-247)
A autora, ao tratar dos elementos hu e onde naquela sincronia, aborda-os
primeiramente como locativos interrogativos, afirmando que se depreende do corpus
um sistema em que basicamente se pode interrogar sobre: (a) o ponto em que algo ou
alguém se encontra; (b) o ponto a que ou para que algo ou alguém se destina e (c) o
ponto de que algo ou alguém provém. Essas possibilidades semânticas são distribuídas
da seguinte maneira (p. 240):
a. “ponto em que”
b. “ponto a que” hu
c. “ponto de que” onde
Em suas análises, Mattos e Silva verificou que tanto o hu quanto o onde
ocorrem, na maioria das vezes, como um relativo e não como um interrogativo. Do
ponto de vista semântico, o onde tem um funcionamento mais amplo que o hu, podendo
assumir valores que vão além de espaço físico, como espaço abstrato ou nocional, de
posse, de tempo e de conclusão. Seguem alguns exemplos dessas manifestações,
respectivamente na ordem a que nos referimos, retirados da obra da autora (p. 244 –
246):
(113)
(...) lhi talhava aquela parte do corpo onde lhi aquele mal nascia.
104
(114)
E pera crescentar mais mha tresteza? Todas aquelas cousas onde mi door e desprazer
alguu podia nacer.
(115)
Rogo-te que mi dês todolos cativos que aqui tees da cidade onde eu sôo bispo (= eu sou
o bispo da cidade).
(116)
E era gram maravilhosa Ca onde huum avia mal, ende os outros todos aviam peior.
(117)
Onde porque o miragre que fez quando os cegos alumeou quis que jouvesse.
Esse último caso – ilustrado em (117) –, segundo a autora de valor conclusivo,
foi bastante recorrente, no corpus analisado: o onde não retoma nenhum antecedente e
caracteriza-se por expressar “uma conclusão decorrente da argumentação desenvolvida
no discurso, equivale ao atual donde, logo” (Mattos e Silva: 1989, 246).
Utilizamos as palavras da própria autora, para sintetizar suas conclusões acerca
dos diferentes empregos do onde:
Da análise desses dados se pode concluir que o sistema analisado é constituído basicamente de dois termos: hu e onde, sendo o elemento semanticamente não marcado hu, que expressa tanto o ponto em que como o ponto a que e associado à preposição per indica o ponto através de que; e onde, o elemento marcado, que tem como traço semântico básico o ponto a partir de que, quer espacial, quer nocional, quer temporal, quer possessivo, quer contextual. (...) Do ponto de vista sintático a distribuição mais comum desses elementos é a de relativo, o que é explicável pelo tipo de narrativa, da mesma forma que a marcante incidência de onde conclusivo decorre do discurso de tipo argumentativo de certas passagens da obra. (p. 247) (Grifo nosso)
Na citação acima, verificamos um comportamento de onde, que também
constatamos em nosso corpus. A autora chama a atenção para as tipologias nas quais
aparecem os usos do elemento estudado. Acreditamos que as tipologias textuais têm
105
uma forte influência sobre usos de onde. Da mesma forma que a autora, entendemos (cf.
hipóteses, no próximo capítulo) que as tipologias mais narrativas favorecem os usos
pronominais locativos e não locativos do item, enquanto as tipologias argumentativas
favorecem os usos conjuncionais de onde, pela necessidade de mais nexos na formação
dos períodos argumentativos.
Marinho (2002), após uma investigação dos usos com as construções com onde,
em textos acadêmicos, à luz da Análise Modular do Discurso, observou que o onde tem
função anafórica mais evidente, chamando-o de comentativo, quando o mesmo serve de
ponto de ancoragem imediato, ou de traço tópico, sobre o qual se apóia a informação
já ativada na mente dos interlocutores (p. 262).
Também observou que o onde tem função conectiva mais evidente, valor de
conector discursivo, quando “sua função primeira pode ser considerada a de conectar
constituintes que se ligam numa relação argumentativa, mais do que a de, como
elemento anafórico, verbalizar um ponto de ancoragem” (p. 267), apresentando-se
como uma causa ou como uma conclusão (p. 269), conforme podemos verificar nas
palavras da autora:
O onde se mostrou ainda, do ponto de vista relacional, um conector que pode funcionar na articulação de constituintes discursivos que se ligam por uma relação interpretada não como de comentário, mas como argumentativa. Nesses casos, o seu funcionamento não pode ser visto como o de um “comentativo”, já que a relação que articula o constituinte por ele introduzido e uma informação situada na memória discursiva é de natureza argumentativa. Para a interpretação de sua atuação nesses casos, aplicam-se suas instruções de nível mais profundo: retomar uma informação anterior apresentando-a como uma causa ou como uma conclusão. (Marinho: 2002, 269) (Grifo nosso).
Lima (2007), apoiado no funcionalismo, sob a ótica da sociolinguística
variacionista, da semântica cognitiva e do paradigma da gramaticalização, investigou o
impacto do vernáculo sobre o uso do onde na escrita monitorada de alunos do oitavo
período de letras, bem como de professores de língua portuguesa do ensino fundamental
e médio da rede pública e privada do Distrito Federal e de Goiás.
A partir dos dados coletados, constatou o uso do onde com oito valores
semânticos distribuídos na escala de abstratização espaço > tempo > texto, todos com
retomadas não locativas. Ainda apareceram no corpus usos com valores argumentativos
106
(conjuncionais de causa, conclusão, resultado, condição, finalidade e causa e resultado)
e de marcadores discursivos. Vejamos alguns exemplos, que ilustram o que o
pesquisador encontrou:
(118a)
A “ampliação da competência comunicativa dos alunos” está inserindo todas as
variantes linguísticas presentes, papel que a escola tem que facilitar na Educação, onde
a competência comunicativa não se refere a norma culta, padronizada pelas regras
gramaticais, mas ao modo de falar natural.
Segundo o autor podemos efetuar a substituição do onde pelos operadores de
causa pois e já que:
(118b)
A “ampliação da competência comunicativa dos alunos” está inserindo todas as
variantes linguísticas presentes, papel que a escola tem que facilitar na Educação,
pois/já que a competência comunicativa não se refere a norma culta, padronizada pelas
regras gramaticais, mas ao modo de falar natural.
(119a)
Talvez o que mais difere entre competência comunicativa e competência linguística,
seja porque para o falante se comunicar, ele não dependa de regras gramaticais tão
quanto a gramática normativa estipule. Pois a variação linguística depende de fatores
socioestruturais e de fatores sociofuncionais, onde a sua complexidade equivale à da
própria ação humana, determinada por fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e
culturais. E esta competência comunicativa já vem sendo formada desde a infância e nos
atos de interação na sociedade, onde que é fundamental o emprego e aplicação desta
competência aos alunos em sala de aula, pois eles já estão mais familiarizados com ela.
No exemplo (119a) o onde aparece seguido do elemento que, segundo o autor,
um traço marcante da oralidade no referido texto, o qual pode ser suprimido sem
qualquer implicação semântica. Afirma que o onde pode ser substituído pelos seguintes
operadores conclusivos: portanto, por isso e pois, argumentando que tal substituição
107
não causa alteração no curso argumentativo do texto original, conforme o exemplo
(120b) a seguir:
(120b)
(...) E esta competência comunicativa já vem sendo formada desde a infância e nos atos
de interação na sociedade, pois/por isso/portanto é fundamental o emprego e aplicação
desta competência aos alunos em sala de aula, pois eles já estão mais familiarizados
com ela.
Em (121a), abaixo, o autor diz estar diante de um onde com valor condicional:
(121a)
A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,
visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de
elite e onde se apliquem regras variáveis não padronizadas por uma norma prescritiva.
Segundo o autor, o item onde, em (121a), pode ser substituído pelo operador
condicional desde que:
(121b)
A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,
visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de
elite e desde que se apliquem regras variáveis não padronizadas por uma norma
prescritiva.
Afirma, ainda, que se pode usar o operador se, mas ressalva que se faz
necessário passar o verbo da oração introduzida pelo onde para a voz passiva analítica,
conforme aparece na primeira oração condicional do segmento:
(121c)
A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,
visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de
elite e se forem aplicadas regras variáveis não padronizadas por uma norma prescritiva.
108
Lima (2007), apesar de ter encontrado, no corpus, usos de onde como operador
argumentativo (conjuncionais), apresentou elementos na defesa de uma possível
admissão do onde com valor de pronome relativo (valor mais expressivo no corpus),
incluindo a retomada de não-locativos como um uso já consagrado pelos usuários da
língua, nos compêndios da tradição gramatical. Cumpre chamar a atenção para a
pequena quantidade de dados (apenas 15 ocorrências), que ilustram o emprego do onde
como operador argumentativo.
Siqueira (2009) fez uma pesquisa de cunho qualitativo, fundamentada em
estudos tradicionais e de caráter histórico-funcional acerca dos usos variados de onde.
Utilizando, como corpus, cartas pessoais dos séculos XVI ao XX, encontrou os
seguintes valores assumidos pelo onde; o uso canônico (pronome relativo recuperador
de antecedentes espaciais), pronome relativo recuperador de antecedentes virtuais,
locução conjuntiva e operador argumentativo, conforme ilustram os exemplos que se
seguem, respectivamente:
(122)
E como acima vay apontado, podes tocar ~e camanho trato e quantas casas de feitorias
eu tenho ~e todos aqueles mares, como em partes muy proprias minhas, e que de tantos
tempos atras foram achadas, ganhadas, e pesuydas por m~y e por a coroa d´estes
Reinos; onde ha tambem muyta fazemda minha e muyta guarda asy do mar como da
terra, como he Rezã que aja, e que nam he maravilha quem d´estes lugares e guardas e
tratos teem o cuydado, nam querer consentir nenhu~ua torvaçam neles. (17/05/1531 –
sequência narrativo-descritiva – pronome relativo/uso canônico).
(123)
Porque PP. até ignorar as sem-justiças, podem dissimulá-las; mas depois de
averiguadas, assi mesmo as farão grandes quando lhes tardem com o castigo. Ora eu,
aproveitando-me da faculdade de nossa Ordem, pedi terceira instância, donde ser
julgado. (11/06/1648 – sequência narrativa – pronome relativo com antecedente virtual).
(124)
Ser-lhe já alguém achar os n. os onde quer q. haja a collecção visto q, os annos são
infallivelm.te estes q. lhe digo. Se comprar não for já alguém por p. r. q. os não haja à
109
venda (o q. me custa a acreditar) ainda q. sejam emprestados p. r. alguém pode-mos
mandar sem receio por p. r. q. os restituo pela volta do paquete. (14/02/1854 –sequência
narrativa – integrante da locução conjuntiva).
(125)
E, falando a V. M. com a verdade que professo, devo a nossa amizade, parentesco e à
confiança que V. M. faz de mi: Concluo, senhor N., com dizer a V. M. _que não são
estas as matérias tão justificadas, nem êste o tempo tão felice, em que um homem das
calidades de V. M. deseje de ter parte. E com maior certeza no que hoje vemos que se
trata; donde é impossível deixar de cair, ou na desgraça do Príncipe ou no ódio do
povo: que ambas são cousas, de que devemos pedir a Deus nos desvie sempre.
(18/09/1637 – sequência argumentativa – operador argumentativo).
Para Siqueira, o onde, ao recuperar uma espécie de “espaço virtual” (termo
cunhado pela autora), através da transferência metafórica, nos moldes de Traugott e
Heine (1991) (em que o falante utiliza um item de natureza concreta para se referir a
outro com características abstratas), assomado aos demais valores funcionais, por ela
atestados, demonstra o caráter polissêmico deste termo, já encontrado em outras
sincronias. Por esta razão, advoga a existência de um percurso unidirecional de
gramaticalização para os usos não canônicos do onde.
110
3. Hipóteses, apresentação do corpus e metodologia
Já destacamos, em outro ponto deste trabalho, as dificuldades de classificação do
onde. As gramáticas do português classificam-no ora como advérbio, ora como
pronome relativo. A dificuldade de classificação do onde, nas referidas gramáticas,
resulta do fato de que termos como esse, em processo de gramaticalização, e com um
acentuado caráter multissêmico e multifuncional, apresentam um alto grau de
instabilidade categorial. Portella (2003) e Lima (2007) fizeram observações parecidas,
ao ressaltar que as classes de palavras apresentam, às vezes, limites pouco precisos,
havendo diferentes graus de integração de um dado item em uma mesma classe.
Essa instabilidade categorial leva-nos a acreditar que o onde encontra-se em
processo de gramaticalização. Por esse motivo, optamos pela proposta teórica de Heine
et al (1991), segundo a qual itens lexicais e/ou construções sintáticas, em determinados
contextos, passam a assumir funções gramaticais, e, uma vez gramaticalizados,
continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Dentro desta concepção, o
elemento linguístico, já gramaticalizado, tende a se tornar mais regular e mais previsível
em outro estágio do processo de gramaticalização, saindo do nível da criatividade do
discurso e penetrando nas restrições da gramática.
Como está totalmente imbricada aos processos cognitivos, comunicativos e
interacionais, a gramaticalização envolve mecanismos naturais que contribuem para a
mudança semântica e, consequentemente, para a mudança de estatuto categorial do
item. Os processos cognitivos mencionados na seção 1.2.1 desta tese (Inferência
Sugerida), como a polissemia, a metáfora e a metonímia, são alguns fatores
favorecedores da efetivação da mudança semântica.
De acordo com o conceito de inferência sugerida, na situação comunicativa, os
sentidos são negociados de maneira interativa (subjetiva e intersubjetivamente), numa
díade (falante/escritor e ouvinte/leitor), e são responsivos ao contexto, gerando novos
contextos, a partir de recursos como a metáfora e a metonímia, produzindo, assim, a
mudança semântica. O falante/escritor, então, convida o ouvinte/leitor a fazer
inferências e a participar daquela negociação de sentidos, e, a partir daí, este passa a
111
fazer novas inferências, através dos novos usos empregados naquele contexto
específico.
Como o contexto é um fator primordial para que determinadas estruturas
venham a emergir, selecionamos os gêneros (funções) e as tipologias textuais (formas),
como elementos configuradores dos cenários de manifestação dos múltiplos usos do
onde. Acreditamos (reiteramos aqui) na existência de ambientes (sequências
tipológicas) que favorecem determinadas construções com o elemento onde, no gênero
escolhido (prova).
Da mesma forma, tratamos das relações lógico-semânticas intersentenciais, uma
vez que o onde (ao que parece) assoma em orações adverbiais e adjetivas, detentoras de
um considerável repertório de nexos semânticos. Em relação ao contexto
morfossintático, acreditamos (com base em uma análise preliminar dos dados, realizada
em etapas mais remotas da investigação) que o onde assume, no discurso,
comportamentos pronominais (orações adjetivas) e conjuncionais. Isto torna relevante
uma pesquisa, nas gramáticas normativas e descritivas, bem como em trabalhos de
natureza linguística, como recurso para melhor descrição da natureza morfossintática e
semântica do onde.
Dentro da tendência à variação e à mudança, tradicionalmente chamada de
gramaticalização, encontram-se motivações como a metáfora, a metonímia, o contexto
morfossintático, o contexto discursivo (manifestado através das tipologias textuais), que
atuam no processo de gramaticalização do onde. Nesse sentido, estudamos esse item, na
modalidade escrita do português do Brasil.
Nosso corpus é constituído por dados coletados em redações feitas por alunos
que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I e PISM II7) e
Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF (ano 2010). A escolha do
corpus justifica-se pelo interesse (que motivou o início deste trabalho) de flagrar as
diversas utilizações do onde na escrita de indivíduos detentores da chamada “formação
básica” em Língua Portuguesa (Vestibular) ou a caminho de sua obtenção (PISM I e
PISM II), observando-as em oposição aos usos praticados na escrita de profissionais
detentores de maior proficiência linguística – jornalistas, em Manfili (2007) – ou às
7 Não tivemos acesso às redações do PISM III, por razões de ordem burocrática.
112
manifestações presentes em situações de fala não planejada – entrevistas, em Portela
(2003).
O PISM, realizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF, é uma das
formas de ingresso nos cursos de graduação daquela universidade. Trata-se de um
programa de avaliação seriada, realizado anualmente, em módulos consecutivos de
avaliação, gradual e cumulativa, no qual a participação dos candidatos se dá em três
módulos, um ao final de cada série do Ensino Médio, caracterizando-se um triênio, a
saber: 1º ano (ao final da 1ª série), equivalendo ao módulo I; 2º ano (ao final da 2ª
série), equivalendo ao módulo II, e 3º ano (ao final da 3ª série), equivalendo ao módulo
III. Trinta por cento das vagas de cada curso são disputados pelos candidatos inscritos
no PISM e os 70% restantes das vagas são disputados pelos participantes do Concurso
Vestibular, em sua modalidade tradicional. As provas da 3ª etapa do PISM são
diferentes das provas do Vestibular, de tal modo que os candidatos devem optar, no 3º
ano, por uma das duas formas de seleção.
Nossa análise baseia-se, portanto, em dados reais, retirados de produções
discursivas, inseridas no gênero “prova aberta” (ano de 2010), em que o participante do
processo de seleção deve elaborar respostas a perguntas que, geralmente, usam como
ponto de partida uma imagem ou texto referente ao conteúdo da questão proposta.
Foram lidas 5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e
História), a partir das quais coletamos 979 dados.
Buscamos explicações para os usos do onde como elemento anafórico em
retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo. Da
mesma maneira, procuramos justificativas para o emprego do onde conectando duas
cláusulas, sem retomada a um SN na oração anterior, o que caracteriza a partícula como
conjunção. Incluímos, sob este rótulo, os onde discursivos, equivalentes a conjunções
totalmente vazias de semas, suprimíveis sem qualquer perda semântica para os
enunciados.
Utilizamos, para a descrição das manifestações polissêmicas do onde, o recurso
da comutação deste item por elementos dotados de outros possíveis estatutos
categoriais. O recurso já foi utilizado em alguns trabalhos – Portella (2003), Lima
(2007) – e, certamente, apresenta dificuldades práticas quando se deseja comutar o onde
113
com um possível correspondente, visando à identificação da natureza morfossintática e
semântica dos diversos onde. O problema não existe quando se procede à descrição do
estatuto categorial (pronome recuperador de sintagmas locativos, pronome recuperador
de sintagmas abstratos, conjunção, operador discursivo) do onde, mas assoma no
momento de caracterização semântica das conjunções. Para esse fim específico,
recorremos a “julgamentos de plausibilidade” (Mann e Thompson: 1988 apud Antonio:
2009), necessários uma vez que o analista, apesar de ter acesso ao texto, ao contexto de
produção do mesmo e às convenções culturais do informante e de seus possíveis
receptores, não tem acesso direto ao produtor do texto ou aos seus possíveis receptores.
Tal limitação não compromete a utilização do método comutativo em nosso trabalho,
haja vista que, para nós, a recorrência a julgamentos de plausibilidade representa apenas
um recurso acessório para identificação das manifestações do item onde sob o estatuto
categorial de conjunção.
Por tratar-se de um contínuo de valores e categorias com possibilidades de
aproximações e, até, sobreposições, o contexto é um fator imprescindível na
identificação do onde, nas diversas situações em que ocorre.
A hipótese básica de nossa pesquisa pode ser sintetizada como uma crença na
existência de uma relação entre os contextos (linguísticos, discursivo-pragmáticos) de
emprego do onde e suas manifestações polissêmicas (pronome relativo com antecedente
locativo, pronome relativo com antecedente não-locativo e conjunção). Tais
manifestações polissêmicas chamam a atenção para a multicategorialidade do item
estudado, o que sugere um processo crescente de gramaticalização.
Outra hipótese, subsidiária à que mencionamos acima, contempla as
especificidades lógico-semânticas das relações interoracionais mediadas pelo onde:
acreditamos que articulações semânticas “mais fortemente implicativas” (Mari, 1986),
favorecem a emergência do elemento onde mais esvaziado de seu valor locativo. Como
as articulações intersentenciais que representam “confirmação da implicação”
constituem-se como conexões semânticas menos dependentes da manifestação de
conectivos específicos, apresentam-se como contextos mais favoráveis à presença de
uma partícula caracterizada por uma certa neutralidade semântica (o onde). Essa
neutralidade parece mais condizente com contextos em que se encontram relações
114
confirmadoras da implicação (causa, tempo, condição), uma vez que estas costumam
acompanhar-se dos conectivos mais “neutros” da língua (Neves, 2000), os quais podem,
inclusive, ser dispensados, sem grande prejuízo dos valores lógico-semânticos que
ajudam a ressaltar. Parece natural, portanto, que o onde, em seus empregos mais
neutros, seja recrutado por tais ambientes.
115
4. Análise dos dados
Na análise dos dados, consideraremos a correlação entre os valores semânticos
dos termos retomados por onde, numa escala unidirecional concreto > abstrato, na
função de pronome relativo. Também observamos o seu uso na função de conector de
orações, como uma conjunção.
O critério utilizado para eleger o estatuto categorial do onde é o seguinte:
quando o onde se apresenta na função de pronome relativo, encabeça uma oração
subordinada, retomando, anaforicamente, um constituinte na oração anterior (principal).
Outro aspecto considerado é a função sintática característica de cada relativo. Quando o
item se apresenta na função de conjunção, o critério diferenciador é o seu papel de
juntor, de elo entre as orações, geralmente sem papel fórico e sem função sintática na
oração em que figura. Os exemplos a seguir demonstram o que apontamos:
(126)
Figura 4: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 1b: No caso do primeiro mapa, Roma começou a dominar várias
áreas da Europa, já que o mapa 1 mostra a grande área Romana, no segundo mapa,
houve a expansão marítima, onde os países europeus conheceram novos territórios,
116
onde encontraram especiarias, das quais muitos ficaram “dependentes” delas e foram
explorar tudo. (PISM I/2010)
(127)
Figura 5: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à primeira medida: As imigrações, ocupando a maior parte a região sul,
trazendo novas formas de gastronomia, técnicas de plantação, uma nova cultura, sendo a
maioria dos imigrantes da Europa, onde estava a população mais moderna, e dessa
forma teriam uma estrutura econômica mais moderna. (PISM II/2010)
(128)
117
Figura 6: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 2b: Revolução Industrial que gerou empregos com remuneração e
uma jornada de trabalho muito extensa. Guerra Santa foi uma guerra onde não foi
derramado nenhuma gota de sangue. (PISM I – HISTÒRIA/2010)
(129)
Figura 7: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010.
118
Resposta à questão 2b: Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até
políticos se envolveram, ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram
satisfeitos e ocorreu a revolução no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução
Industrial avançou, surgindo assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II –
HISTÓRIA/2010)
(130)
Figura 8: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010.
Resposta à questão 3a: O processo de abolição no Haiti envolveu uma revolução onde
apenas os negros participaram, incluindo seu líder revolucionário, L’ Ouverture, que
também era negro. Enquanto que no Brasil, os responsáveis pela abolição eram todos
brancos. (VESTIBULAR/2010)
Podemos verificar nos exemplos (126) e (127) o uso de onde, como pronome
relativo, em retomada anafórica a entidades locativas, usos esses balizados pela tradição
gramatical, o que correspondeu a (48%) do total de nossos dados que apresentam o
onde fazendo retomadas de constituintes com características espaciais/locativas. Da
mesma forma, os usos pronominais de onde, em retomadas anafóricas a sintagmas
119
abstratos, podem ser verificados nos exemplos de (128) a (130), correspondendo a
(52%) de nossos dados nesta categoria, conforme podemos verificar na tabela a seguir:
DADOS LOCATIVO NÃO-LOCATIVO
PISM I 126/193 (70%) 67/193 (30%)
PISM II 57/137 (45%) 80/137 (55%)
VESTIBULAR 105/275 (40%) 170/275 (60%)
TOTAL 288/605 (48%) 317/605 (52%)
Tabela 1: usos pronominais do onde em retomada anafórica a entidades locativas e não locativas.
Na tabela acima podemos observar que houve um uso decrescente de onde
pronominal retomador de lugar físico, por segmento, o que correspondeu a um total de
(48%) dos 605 empregos do termo. Por outro lado, podemos verificar que houve um
aumento no uso de onde pronominais não locativos, correspondendo a (52%) dos 605
empregos do elemento.
Na análise do gráfico, abaixo, veremos a distribuição destas categorias, por
segmento, no que concerne à utilização do elemento onde pronominal locativo e não
locativo:
Gráfico 1: utilização do elemento onde pronominal locativo e não locativo.
70%
45%40%
30%
55%60%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
PISM I PISM II VESTIBULAR
LOCATIVO NÃO-LOCATIVO
120
O gráfico e a tabela anteriores chamam a atenção para a expressiva porcentagem
de utilização do onde recuperador de entidades não locativas, justamente a fórmula que
constitui usos que, em textos produzidos por usuários com formação mais elevada
(terceiro grau, no mínimo), em registros igualmente formais, provavelmente seriam
avaliados negativamente quanto a sua aceitabilidade. Isso nos leva a crer que estamos
focalizando um universo de usuários (indivíduos detentores da chamada formação
básica ou em vias de alcançá-la) com grande influência sobre os processos de
gramaticalização favorecedores dos usos polissêmicos do item onde.
Quanto às ocorrências de onde com estatuto categorial de conjunção,
identificamos um percentual ainda bastante significativo (38%) em relação ao total de
ocorrências (979 casos de onde). Exemplos dessa manifestação podem ser vistos nos
exemplos a seguir:
(131)
Figura 9: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 2b: Com o capitalismo, as pessoas só visavam o lucro, onde o
Mundo era movido por capital. Outro fato é o que a população queria ter seus direitos
respeitados, criando assim vários conflitos. (PISM I/2010)
121
(132)
Figura 10: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à questão 1a: Foi um surto “industrial” a era Mauá que não avançou pois o
Brasil era ainda um “fazendão”. Esse surto foram as primeiras máquinas a chegarem no
Brasil, onde se precisou a mão de obra assalariada e não mais escravos. As indústrias
eram voltadas para a produção têxtil etc... Precisou também melhoria no transporte onde
houve construções de estações de trens e portos. Mas a era de Mauá não foi pra frente
por falta de interesses e investimento do governo político. (PISM II/2010)
Conforme podemos observar, nos exemplos de (131) e (132) a manifestação do
onde se deu na forma de conjunção. Não há retomada de nenhum constituinte na oração
anterior e o mesmo faz o papel de juntor entre as orações. Em (131), o elemento onde é
equivalente de conjunção causal (cf. análise detalhada, mais adiante). Em (132), o
elemento onde é comutável com “e (por isso)” 8, evidenciando-se sua natureza
8 A notação utilizada para esta conjunção – “e (por isso)” – revela a escolha da tradição gramatical como base para a descrição do onde comutável com conjunções. Trata-se, para nós, em relação a este exemplo, de uma conjunção aditiva/conclusiva, representada apenas pelo item “e” ou pelo complexo conjuncional
122
conjuncional9 (cf., adiante, análise do onde com estatuto categorial de conjunção). A
tabela que se segue demonstra em números os valores conjuncionais a que nos
referimos:
DADOS
CONJUNÇÃO PRONOME TOTAL
PISM I
21/214 (10%) 193/214 (90%) 214/979 (22%)
PISM II 96/233 (41%)
137/233 (59%) 233/979 (24%)
VESTIBULAR 257/532 (48%) 275/532 (52%) 532/979 (54%)
TOTAL 374/979 (38%) 605/979 (62%) 979/979 (100%)
Tabela 2: ocorrências do onde conjuncional por segmento, em comparação com o emprego do onde pronominal.
Ao observarmos a tabela acima, verificamos que, à medida que completa-se a
formação básica dos usuários da língua consultados, ocorre um crescimento do uso
conjuncional de onde, bem como um decréscimo do uso pronominal (este amalgamado
com pronomes relativos retomadores de entidades espaciais/locativas e de entidades
abstratas). Entretanto, ainda, verificamos que o estatuto categorial do item como
pronome relativo é mais produtivo. Por outro lado, os usos conjuncionais de onde são
bastante significativos (38%) em relação ao total das ocorrências (374/979).
Para uma melhor visualização das ocorrências pronominais e conjuncionais do
onde por segmento avaliativo (PISM I, PISM II e Vestibular), verifiquemos o gráfico a
seguir:
“e por isso”. Não levamos em consideração, na identificação dos onde conjuntivos, a descrição proposta por Perini (1998), que considera elementos do tipo de “por isso” ( logo, portanto) não como conjunções, mas, sim, advérbios, dada sua mobilidade, típica dos advérbios. 9 Na descrição semântica dos valores conjuncionais do onde não fizemos menção a acepção conclusiva dos mesmos (destacando apenas os valores causais, temporais, condicionais e discursivos) devido à diminuta representatividade (apenas duas ocorrências) de elementos onde equivalentes a conjunções conclusivas, em nossos dados. No entanto, as duas ocorrências foram computadas entre os onde conjuntivos.
123
Gráfico 2: usos do onde como conjunção e pronome
No gráfico anterior, podemos observar, claramente, como já mencionado na
observação da tabela, o decrescente uso de onde pronominal e um crescente uso do
onde conjuncional.
No PISM I houve 10% de usos conjuncionais de onde e 90% de usos
pronominais de onde. No PISM II houve 41% de usos conjuncionais de onde e 59% de
usos pronominais de onde. Vale lembrar que os usos de onde pronominais não
locativos tiveram um percentual maior que os locativos (cf. tabela 1). No Vestibular
apresentaram-se 48% de usos conjuncionais de onde e 52% de usos pronominais de
onde.
Observa-se, portanto, à medida que são contemplados os segmentos mais
elevados, o decrescente uso de onde pronominal e um crescente uso do onde
conjuncional, demonstrando uma possível estabilidade de usos do item por força do
contexto, do enquadre comunicativo (tipo de prova e questões) e da maior necessidade
de nexos, dotados de sentidos específicos (causa, tempo, condição). De qualquer forma,
análises pormenorizadas de cada manifestação do onde serão desenvolvidas no decorrer
deste capítulo.
10%
41%
48%
90%
59%
52%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
PISM I PISM II VESTIBULAR
CONJUNÇÃO PRONOME
124
4.1 O onde como pronome relativo recuperador de espaço
O onde é considerado pelas Gramáticas Tradicionais como advérbio de lugar,
indicando o local em que se situam as ações e os eventos e, ainda, como pronome
relativo (advérbio relativo), equivalendo a lugar em que. A tradição gramatical
recomenda que seja empregado apenas (e tão somente) com referência a lugar, estando
seu antecedente expresso ou latente.
A distinção entre pronome e advérbio relativo, estudada por Braga e Manfili
(2004), deixa entrever o enfoque privilegiado pelos autores de gramáticas normativas: a
denominação pronome faz ressaltar o papel juntivo da palavra onde, sua capacidade de
desempenhar uma função sintática na oração que introduz e de vincular esta oração a
outra, rotulada de principal, como podemos conferir em Cunha & Cintra (1985/2010);
Bechara (1999/2009); Faraco & Moura (1991), a título de exemplo. Da mesma maneira,
a denominação advérbio relativo parece refletir o compromisso do estudioso com as
origens diacrônicas da palavra onde, um advérbio precipuamente especializado na
referenciação a espaço. Esse tipo de reflexão pode ser vista nas gramáticas de Almeida
(1997); Cipro Neto & Infante (1997); Rocha Lima (1999/2010) e Azeredo (2008). Por
fim, o onde é considerado pronome indefinido quando seu antecedente se encontra
“latente”, no cotexto (Rocha Lima: 1999).
O uso do onde em retomada anafórica a espaço físico, concreto, é o mais
canônico e já balizado entre os manuais de língua portuguesa tradicionais, e dele, como
veremos adiante, dentro dos pressupostos da teoria da gramaticalização, originam-se
todas as outras retomadas, mais abstratas, encontradas em nosso corpus.
(133)
125
Figura 11: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 1b: Houve uma expansão territorial dos países europeus, como
Portugal, que colonisou ou Brasil e também ocorreu a expansão do comércio, já que
com as navegações se podia fazer a compra e venda de mercadorias, como pode-se
observar nas Indias onde se compravam vários produtos como temperos e etc, que não
haviam em países. (PISM I/2010)
(134)
Figura 12: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à questão 1a : A Lei de Eusébio de Queiroz decretava o fim do tráfico
negreiro do Brasil, com isso os cafeicultores em vez de compra escravos, estavam caros,
126
começou a modernizar a sua colheita isso foi marcado pelo Oeste Paulista onde são
mais liberais. (PISM II/2010)
(135)
Figura 13: Questão 2 da prova de história do Vestibular/2010.
Resposta à questão 2b: No primeiro contexto a relação entre homem, natureza e
trabalho é de dependência, pois o homem trabalha no campo, onde retira suas riquezas.
Já no segundo essa relação se desprende uma vez que o homem não necessita tanto da
natureza para enriquecer e seu trabalho não depende mais dela também.
(Vestibular/2010)
Os exemplos (133) a (135) demonstram o uso canônico de onde, como pronome
relativo retomador de espaço físico. Em (133), o item retoma país, “as Índias”,
propriedade espacial locativa. Em (134), o onde faz remitência a uma região de São
Paulo, “Oeste Paulista”, novamente uma entidade locativa (ponto de localização na
região paulistana). Em (135), o elemento remete, novamente, a uma entidade locativa
“campo”, localizável no espaço, com propriedades inerentes a lugar físico. Todas essas
ocorrências não trazem desconforto, pois estão de acordo com as prescrições e
descrições dos manuais de gramática tradicionais.
127
No gráfico, a seguir, mostraremos a distribuição dos usos pronominais locativos
de onde, por segmento, para uma melhor visualização:
Gráfico 3: usos pronominais de onde como pronome relativo locativo por segmento
A leitura do gráfico acima mostra que os usos de onde pronominal canônico, o
qual tem a propriedade de recuperar espaço físico/concreto, são menos frequentes à
medida que são considerados os segmentos mais elevados: PISM I (70%), PISM II
(45%) e Vestibular (40%).
O elevado percentual de usos do onde como recuperador de espaço no segmento
do PISM I parece dar-se em correspondência a características intrínsecas da prova de
português, fornecedora do grande contingente de dados locativos retomados por onde.
A referida prova possui um texto, como moldura comunicativa, especificamente
indicadora de espaço (cf. anexo), diferentemente da prova de história,
convidando/sugerindo (conforme os termos de Traugott e Dasher: 2005) o maior
emprego de retomadas locativas por meio de onde. Observemos a tabela e o gráfico, a
seguir, os quais demonstram o que afirmamos:
70%
45%40%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
PISM I PISM II VESTIBULAR
LOCATIVO
128
DADOS PORTUGUÊS HISTÓRIA
PRONOME LOCATIVO 109 (86%) 17 (26%)
PRONOME NÃO LOCATIVO
18 (14%) 49 (74%)
TOTAL 127 66
Tabela 3: Pronomes relativos locativos e não locativos por prova (PISM I)
Gráfico 4: usos de onde como pronome relativo locativo e não locativo no PISM I.
Levando-se em consideração os pressupostos teóricos de Traugott e Dasher
(2005), a díade escritor/leitor e o enquandre comunicativo (no caso a prova e as
questões) justificam o uso do elemento estudado como um uso pronominal locativo –
diferentemente da prova de história, que tratava de eventos históricos, localizados no
tempo e no espaço, suscitando maiores desdobramentos argumentativos (cf. anexo). Por
esta razão os índices mais locativos de usos do onde se manifestaram sobremaneira na
prova de língua portuguesa.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
PORTUGUÊS HISTÓRIA
PRONOME LOCATIVO PRONOME NÃO LOCATIVO
129
4.2 O onde como pronome relativo recuperador de sintagmas não locativos
O uso de onde recuperador de entidades abstratas recobriu um conjunto de usos
abundantes. Esse valor abstrato deriva de seu valor locativo/concreto, através da
metáfora, mais especificamente a metáfora do container, através da qual costumamos
conceber o mundo e tudo o que nos cerca como recipientes, em uma expansão
metafórica, como possuindo propriedades como dentro/fora/ raso/fundo/ largo/estreito
etc., manifestando-se, no discurso, via metonímia. Ao concebermos as entidades
abstratas analogicamente como espaço (cf. Lakoff & Johnson, em seção 1.2.3),
metonimicamente, por contiguidade, usamos um pronome de valor locativo para fazer
as referidas retomadas (cf. Traugott e Dasher: 2005). Vejamos os exemplos retirados de
nosso corpus:
(136)
Figura 14: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 2b: Revolução Industrial que gerou empregos com remuneração e
uma jornada de trabalho muito extensa. Guerra Santa foi uma guerra onde não foi
derramado nenhuma gota de sangue. (PISM I /2010)
130
(137)
Figura 15: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à questão 2b: Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até
políticos se envolveram, ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram
satisfeitos e ocorreu a revolução no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução
Industrial avançou, surgindo assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II/2010)
(138)
131
Figura 16: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010.
Resposta à questão 3a: O processo de abolição no Haiti envolveu uma revolução onde
apenas os negros participaram, incluindo seu líder revolucionário, L’ Ouverture, que
também era negro. Enquanto que no Brasil, os responsáveis pela abolição eram todos
brancos. (VESTIBULAR/2010)
No exemplo (136), o onde pronominal exerce a função sintática de adjunto
adverbial (não é, portanto, um argumento da forma verbal) e faz remissão a uma
entidade que está fora dos domínios do concreto (uma guerra); entretanto, uma guerra
precisa de localização espacial e temporal para acontecer, razão pela qual a concepção
de guerra como um espaço, mesmo que contendo traços temporais, é plausível devido à
localização espacial (e temporal) que costuma acompanhar eventos como o mencionado
em (136) – “uma guerra”.
No exemplo (137), o onde pronominal tem a função sintática de complemento
verbal (argumento interno do verbo envolver-se). Revela, a exemplo de “uma guerra”,
em (136), a mesma possibilidade de conceptualização espacial e temporal desencadeada
pelo sintagma “inúmeras revoltas” , que requer a localização no espaço/tempo.
No exemplo (138), o onde é um pronome relativo com função sintática de
complemento verbal, a exemplo de (137), recuperador de um antecedente não-locativo
(uma revolução), localizável espacial e temporalmente.
No gráfico, a seguir, mostramos a distribuição dos usos pronominais não
locativos de onde, por segmento, para uma melhor visualização:
132
Gráfico 5: distribuição de usos pronominais não locativos de onde por segmento.
Ao observarmos o gráfico acima, verificamos que os usos de onde pronominal
não locativo sobem em cada segmento analisado: PISM I (30%), PISM II (55%) e
Vestibular (60%). Esses números apontam uma tendência de se utilizar o onde como
um pronome recuperador de entidades locativas e não locativas (característica típica dos
pronomes de maneira geral). Conforme apontado na introdução desta seção, ao
conceptualizarmos entidades abstratas como recipientes (contêineres), com propriedades
como dentro, fora, em cima, embaixo, etc., manifestamos esta conceptualização
metafórica por contiguidade metonímica. Se conceptualizamos entidades abstratas como
espaços mentais, então, metonimicamente usamos um pronome preciptuamente locativo
para recuperar tais entidades.
4.2.1 Outras especificidades do pronome relativo onde
Nosso trabalho de classificação do onde foi dificultado por alguns
comportamentos peculiares ao onde identificados entre os dados desta pesquisa.
30%
55%60%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
PISM I PISM II VESTIBULAR
NÃO-LOCATIVO
133
Deparamo-nos com essa dificuldade ao tratar dos elementos onde retomadores de
antecedentes não locativos (pronominais, portanto).
Dentre os antecedentes não locativos, identificamos muitas ocorrências de
constituintes temporais, retomados através do onde, que, nesses casos, são comutáveis
com quando, conforme ilustrado no exemplo a seguir:
(139)
Figura 17: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 1b: Um dos impactos desse evento sobre a Europa foi a
desconcentração política, onde nem a Europa e nem Roma conseguiram governar toda a
sua expansão; outro foi após a destruição dessas conquistas onde ambos ficaram
enfraquecidos. (PISM I/2010)
No exemplo acima, o antecedente de onde é representado por constituinte que
representa, formalmente e semanticamente, o protótipo do adjunto adverbial de tempo
(após a destruição dessas conquistas), favorecendo a identificação da correspondência
entre onde e quando e corroborando a interpretação do estatuto categorial da primeira
palavra – pronome relativo, uma vez que inicia a oração secundária e retoma um termo
antecedente.
Desejamos ressaltar, entretanto, um aspecto que nos parece peculiar, se
confrontado com interpretações advindas da tradição gramatical: não foram poucas, em
nosso corpus, as retomadas de termos antecedentes por meio do onde, que nos causaram
134
dúvidas quanto à categorização do elemento onde empregado nessas retomadas. São
casos como o do exemplo (140), no qual uma das comutações possíveis (uma das mais
prováveis, aliás) é a do onde por quando.
(140)
Figura 18: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à primeira medida: A primeira medida foi o “golpe da maioridade” onde
anteciparam a maioridade de Pedro de Alcântara que foi imperador do Brasil com 15
anos incompletos. (PISM II/2010)
Diferentemente de (139), em que a retomada de um adjunto adverbial de tempo,
pelo onde, auxiliava na avaliação da correspondência entre onde e quando, reforçando a
interpretação do primeiro elemento como pronome relativo, em (140), o constituinte
recuperado por onde (“golpe da maioridade”) é, na oração primária, um predicativo do
sujeito “A primeira medida”. Na oração secundária, o onde pode comutar com quando,
uma vez que o próprio discurso reforça a correspondência temporal (a questão remete a
um fato identificado a partir de sua localização em um dado momento da história do
Brasil), licenciando o emprego temporal do onde. Entretanto, pelo menos outra
135
comutação é possível: a do elemento onde por constituintes como com o qual e pois,
condizentes com uma articulação causal – também possível, considerando-se as ideias
presentes na oração complexa focalizada em (140).
O ponto que desejamos ressaltar é a natureza um tanto híbrida do onde
comutável com a palavra quando: sendo, nesse caso, além de retomador de termo
antecedente, um constituinte de valor temporal (traço semântico geralmente atribuído a
algumas conjunções), podemos destacar um aspecto das línguas naturais para o qual os
funcionalistas americanos chamam a atenção dos estudiosos da linguagem verbal há
quase 30 anos: a dificuldade de conferir um tratamento dicotômico (X ou Y; pronome
ou conjunção) às categorias linguísticas e a pertinência de se conferir um tratamento
mais adequado à gradualidade que os fatos da língua costumam revelar. Nesse sentido,
pode-se lembrar, por exemplo, da contribuição de Hopper & Thompson (1984), obra na
qual os dois autores mostram a inadequação de uma abordagem dicotômica para a
transitividade (transitivo X não transitivo), sugerindo sua substituição por uma
interpretação eneária da questão, mais condizente com os diferentes níveis de
transitividade existentes nas línguas naturais.
Da mesma forma, algumas vezes, fomos confrontados com dados que, a
exemplo de (140), impuseram algumas dificuldades à definição de seu estatuto
categorial. Em situações como estas, foi necessária a tomada de decisões para a análise
que pretendíamos realizar. Assim, classificamos o onde presente em (140) como
pronome (considerando-se a recuperação do termo antecedente), sem desconhecer, no
entanto, que as ocorrências de onde em (139) e (140) ilustram categorias que não têm
comportamento absolutamente igual, revelando, inclusive, que as fronteiras que
separam o onde pronominal do onde conjuntivo são (como era de se esperar, em se
tratando do discurso) demasiadamente tênues.
A esse respeito, gostaríamos de chamar a atenção para a ocorrência a seguir,
que, embora não tenha sido computada entre nossos dados (uma vez que o onde da
sequência não figura como articulador de orações dentro de um único período), mostra
como o discurso confere ao mesmo item lexical, o onde, um estatuto gramatical
específico (pronome ou conjunção):
136
(141)
Figura 19: Questão 1 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010.
Resposta à questão 1: A medicina em 1918 estava bem organizada, mas com o
surgimento da gripe espanhola, foi visto que suas tecnologias já existentes não eram
suficientes para o combate ao vírus. Foi onde passaram a pesquisar, na tentativa de
encontrar o vírus para conhecimento detalhado, pois no momento que encontrar como
esterminá-lo, será mais fácil em caso de pandemias. (VESTIBULAR/2010)
Algumas evidências justificam a classificação do onde, do exemplo (141) como
conjunção (e não pronome): a partícula é empregada sem a função típica do pronome
relativo – retomar um antecedente contíguo (os candidatos a “antecedentes temporais” –
“em 1918” e “com o surgimento da gripe espanhola” – estão muito distanciados do
onde, o qual articula-se com o conjunto das ideias antecedentes e não com um item
específico.
O exemplo (141) permite chamar a atenção para a multifuncionalidade (e, como
consequência, a multicategorialidade) de partículas como a que constitui o objeto deste
137
nosso trabalho: elementos como onde podem manifestar-se, no discurso, não apenas
como elemento pertencente a uma classe X ou Y – pronome relativo ou conjunção,
como ilustrado em (139) e (141), respectivamente, mas também como itens “em
trânsito” entre duas categorias, conforme ilustrado em (140), fato que nos obriga à
tomada de decisões para efetivação de nossa análise.
4.3 O onde como pronome relativo recuperador de “tópico”
Algumas redações, como as que veremos a seguir, causaram-nos certa
estranheza no tocante à forma de determinados antecedentes do onde. Inicialmente,
pensamos estar diante de construções do tipo tópico, mas, através da recuperação do
cotexto, verificamos a equivalência daquelas construções com estruturas oracionais. O
recurso foi sugerido por Perini (1985), quando o autor precisava descrever estruturas
como totalmente novas ou meras manifestações superficiais de estruturas já conhecidas,
cuja reconstituição era feita a partir de induções do próprio discurso. Assim, por
exemplo, em um enunciado como “Torço pelo Botafogo e meu filho pelo Flamengo.”, a
sequência sublinhada deve ser interpretada como oração dotada do mesmo verbo da
oração anterior, e não como uma estrutura desconhecida à espera de descrição. A
presença da conjunção “e”, que, em sua acepção aditiva, antecipa a repetição da
estrutura que a antecede, representa uma evidência cotextual para a decisão tomada –
considerar, no enunciado acima, a adição de duas estruturas oracionais equivalentes.
A fim de ilustrar a questão apresentamos três exemplos. Para uma compreensão
satisfatória do discurso dos candidatos, inserimos as questões que antecedem cada
resposta, remetendo para as imagens correspondentes (cf. anexo), de forma a possibilitar
uma análise mais completa do discurso utilizado em cada resposta.
(142)
138
Figura 20: questão 1 da prova de história do PISM I/2010
Resposta à questão 1a: As grande Navegações, onde foi descoberto o Brasil.10 (PISM
I/2010)
(143)
Figura 21: questão 1 da prova de história do PISM II/2010
Resposta à primeira medida: A lei dos sexagenários, onde escravos depois dos 60
anos estariam livres da servidão, esta lei foi o primeiro passo para a culminação da lei
Áurea assinada pela princesa Isabel que era filha de dom Pedro II, este por sua vez viu
as pressões inglesas que começaram em meados do século XIX darem efeito o que
culminaria na sua queda do governo sendo deposto e fugindo para Paris. (PISM II/2010)
10 Conforme Perini (1998), o sintagma destacado neste exemplo equivale a “O Principal fato histórico ocorrido foram as grandes navegações”. O mesmo deve ser observado para os exemplos (143) e (144).
139
(144)
Figura 22: Questão 4 da prova de história do Vestibular/2010.
Resposta à questão 4b: Uma época onde as pessoas eram envolvidas pelos processos
de urbanização tinham tudo de mais moderno. Mas viviam no tédio de viverem em meio
de tanto luxo e não terem amor e amigos verdadeiros. (VESTIBULAR/2010)
Os constituintes destacados de (142) a (144) aparentam ser construções de
tópico: temos um SN, posicionado no início do período e retomado a seguir por um
pronome, conforme Perini (2010: 334). A oração encabeçada pelo onde constituiria o
comentário daquele constituinte inicial.
No exemplo (142) a pergunta feita ao candidato leva-o a consultar os mapas para
uma caracterização mais precisa do fato histórico mencionado (cf. anexo 1). A
caracterização do fato histórico solicitado pela pergunta favorece (na verdade, até
suscita) sua identificação espacial (através da consulta aos mapas) e temporal,
justificando o uso de onde como recuperador daquele fato histórico (as grandes
navegações), ainda que ele não se constitua como um termo locativo.
140
A pergunta que antecede a resposta do candidato, em (143), a exemplo do que
ocorre em (139), dá acesso a localizações espaciais (sociedade brasileira) e temporais
(transformação da sociedade brasileira), novamente acompanhando a retomada de um
constituinte não locativo por meio do onde.
A questão apresentada em (144) é acompanhada por duas imagens (cf. anexo 6) :
um gráfico mostrando a queda da agricultura e a subida da indústria no período de 1950
a 1965; e outra imagem de uma mulher da década de 60 ao lado de sua máquina de lavar
roupas, com a expressão “Bossa nova em máquina de lavar”. A resposta selecionada
para ilustração em (144) refere-se à pergunta (b) - “Relacione tais mudanças ao
contexto sociocultural do Brasil no período.”. Da mesma forma que nos dois exemplos
anteriores, a questão evoca eventos (mudanças ocorridas ao longo das décadas de 1950
e 1960 no Brasil) cuja identificação suscita uma abordagem num espaço e num tempo
considerados. Tais aspectos relacionam-se à recuperação do constituinte não-locativo
(uma época) por meio do onde pronominal.
Cabe ressaltar que, como o critério de determinação do estatuto categorial de
pronome foi a capacidade do onde de encabeçar uma oração e, principalmente,
recuperar anaforicamente uma entidade em uma estrutura anterior, as manifestações de
usos do item recuperando tópico enquadraram-se no estatuto categorial de pronome.
Ao fazer uso desta estrutura (tópico), o candidato acredita que o corretor da
prova consiga recuperar, através do cotexto, toda a estrutura sintática que o mesmo
deixou de desenvolver. Isto justifica a decisão de não dar a usos como os destacados em
(142) a (144) um tratamento à parte.
4.4 O onde como conjunção
Há que se considerar a emergência de enunciados nos quais, como resultado de
processos de gramaticalização, o onde apresenta o estatuto gramatical de conjunções, o
que nos leva a investigar a natureza conjuntiva de algumas ocorrências da partícula (que
141
confrontam com a natureza de relativo, advérbio e advérbio relativo que muitos autores
apontam em relação ao onde). A questão interessa de modo especial a nossa
investigação sobre a natureza do onde, uma vez que diversos enunciados que contêm a
partícula revelam equivalências com processos de articulação intersentencial –
coordenação, subordinação adverbial –, o que remete ao método de investigação do
onde apoiado na identificação de correspondências funcionais, através das comutações.
Apresentamos, a seguir, uma tabela e um gráfico nos quais podemos verificar,
em números, as ocorrências sobre as quais falamos:
DADOS CONJUNÇÃO PRONOME TOTAL
PISM I 21/214
(10%)
193/214
(90%)
214/979
(22%)
PISM II 96/233
(41%)
137/233
(59%)
233/979
(24%)
VESTIBULAR 257/532
(48%)
275/532
(52%)
532/979
(54%)
TOTAL 374/979
(38%)
605/979
(62%)
979/979
(100%)
Tabela 4: usos do onde como conjunção e pronome.
Numa leitura geral da tabela acima, verificamos que, dos 979 dados de onde,
38% (373/979) manifestaram-se como conjunção e 62% (605/979) como pronomes
relativos. Da mesma maneira, podemos verificar, numa leitura vertical da mesma tabela,
que os percentuais conjuncionais cresceram por segmento – PISM I (10%), PISM II
(41%) e Vestibular (48%) –, enquanto os percentuais relativos aos pronomes tiveram
uma queda: PISM I (90%), PISM II (59%) e Vestibular (52%). Vejamos o gráfico
abaixo, em termos de percentuais:
142
Gráfico 6: usos de onde como conjunção e pronome relativo por segmento.
Em relação aos usos pronominais, do PISM I para o PISM II houve uma queda
de 31%, enquanto que, nos usos conjuncionais, houve um aumento proporcional (31%),
entre os mesmos segmentos. Entretanto, no Vestibular, houve quase um empate técnico
entre os dois usos do elemento onde: o aumento dos procedimentos de articulação
intersentencial mediados por conjunções faz-se acompanhar, naturalmente, de uma
diminuição dos procedimentos de articulação mediados por pronomes relativos.
Observa-se, portanto, uma “atenuação” nos processos de conexão entre as orações do
período composto – do emprego de pronomes relativos (conectores que ligam orações e
retomam constituintes da oração primária) para o emprego de conjunções (conectores
que ligam orações sem retomar qualquer constituinte da oração primária).
Ao analisar as possibilidades de comutação do onde com outros elementos,
identificamos a grande produtividade de correspondências entre essa partícula e outros
elementos que, de acordo com um dos critérios de classificação do estatuto categorial
considerados nesta pesquisa (ausência de retomada anafórica de um item da oração
primária), devem ser classificados como conjunções. Passando à análise dos valores
semânticos desses onde conjuncionais, identificamos a alta frequência de uso da palavra
no estabelecimento de relações causais. Vemos, portanto, que, além do comportamento
como pronome relativo, em retomada a antecedentes não locativos (anteriormente
mencionados), o onde também é usado recorrentemente como conjunção causal, o que
10%
41%48%
90%
59%52%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
PISM I PISM II VESTIBULAR
CONJUNÇÃO PRONOME
143
pode ser visto como evidência do processo de gramaticalização que atinge a palavra,
resultando, inclusive, na mudança de estatuto categorial (de pronome para conjunção).
Na próxima seção, abordamos a natureza conjuntiva do onde e, na sequência,
destacamos uma outra peculiaridade de algumas manifestações do item: os casos em
que o onde equivale a um conectivo sem valor semântico (rotulado, em nosso trabalho,
como operador discursivo), apenas estabelecendo a ligação entre duas orações – outro
indício das pressões metafóricas e metonímicas que, incidindo sobre o onde, reforçam a
ideia de que se trata de um item em processo de gramaticalização.
4.4.1 O onde como conjunção de causa
No nosso corpus, o onde, com grande frequência, aparece introduzindo orações
causais. Entre as orações causais, incluímos algumas sentenças que a tradição
gramatical descreve como explicativas. Seguimos a orientação de autores como
Azeredo (2010), Neves (2000) e Mari (1986), que atribuem o mesmo rótulo (orações
causais), indiferenciadamente, às sentenças causais e explicativas (separação encontrada
em todas as gramáticas tributárias da tradição gramatical). Os autores mencionados
entendem que tanto as causais quanto as explicativas apresentam um evento
desencadeador, provocador, causador do evento presente na outra oração, com a qual se
relaciona a oração causal nesta acepção mais ampla. As orações causais passam a ser
interpretadas dentro de um mesmo campo semântico, como uma macroárea de causa.
Dentro da macroárea semântica da causa, Neves (2000) diferencia dois tipos de
causa: a causa-efetiva e a causa-formal. Mari (1986), ao focalizar as articulações
intersentenciais de causa, observa que a causa corresponde a um dos diversos processos
de articulação que ligam orações que confirmam a implicação existente entre a oração
primária e a secundária.
A seguir, apresentamos alguns exemplos do PISM I – representados por (145) e
(146) –, do PISM II – representados por (147) e (148) – e do VESTIBULAR –
representados por (149) e (150) – para ilustrar a diferença, mencionada por Neves
144
(2000), entre causa-efetiva e causa-formal, respectivamente. Também ilustramos o que
Mari (1986) chama de confirmação da implicação, existente entre as orações da
articulação causal:
(145)
Figura 23: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 2b: Com a transição para o capitalismo, as cidades sofreram uma
espécie de superlotação, onde as pessoas vieram atrás de empregos, que na realidade
não eram tão bons, e o crescimento econômico, tanto das cidades, tanto da população.
(PISM I/2010)
(146)
145
Figura 24: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.
Resposta à questão 2b: Com o capitalismo, as pessoas só visavam o lucro, onde o
Mundo era movido por capital. Outro fato é o que a população queria ter seus direitos
respeitados, criando assim vários conflitos. (PISM I/2010)
(147)
Figura 25: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
146
Resposta à questão 1a: Brasil passou a exportar o café, onde naquela época era o
maior produtor do café, no qual ocorreu um grande aumento na economia do país.
(PISM II/2010)
(148)
Figura 26: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.
Resposta à questão 1: Bullying seria a repetição, sem motivo consistente, de derivados
da violência como ofender, sacanear, ou mesmo causar dor a algum aluno de maneira a
o deixar ofendido e desequilibrado em termos de poder. No ambiente escolar, o aluno
que sofre bullying, assim como as pessoas que convivem com ele, estão propensas a
sentir medo de tal comportamento, levando a um baixo rendimento escolar, ou até a
consequências mais sérias, onde pode haver uma súbita reação do aluno que sofre de
bullying, numa tentativa de igualar a relação de poder. (PISM II/2010)
147
(149)
Figura 27: Questão 5 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010.
Resposta à questão 5: Os pesquisadores enfrentam obstáculos para o reconhecimento
de seus trabalhos, principalmente pelo fato de não serem doutores reconhecidos na
“sociedade da pesquisa”. Já as pesquisadoras latino-americanas enfrentam dificuldades,
sobretudo no âmbito hierárquico da pesquisa, onde envolve o poder de decisão, que
ainda se prevalece no homem. (VESTIBULAR/2010)
(150)
Figura 28: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010.
148
Resposta à questão 2: Ambos os trechos, falam de amor e morte, como se neles
tivessem aquela nostalgia, aquele bucolismo em suas linhas, onde remete um amor que
provavelmente teria como solução apenas a morte. (VESTIBULAR/2010)
No exemplo (145) temos o que Neves chamou de causa-efetiva - um tipo de
relação entre dois eventos em que um é temporalmente antecedente do outro: “as
pessoas vieram atrás de empregos” (causa) e “as cidades sofreram uma superlotação”
(efeito/consequência). Assim, justifica-se a seguinte comutação, a partir de (145): “as
cidades sofreram uma superlotação” porque “as pessoas vieram atrás de empregos”.
De acordo com Mari (1986), a causa é uma das estruturas morfossintáticas
utilizadas para representar a confirmação da implicação existente entre as duas orações
que se articulam em (145), mediadas pelo onde (“as pessoas vieram atrás de empregos”
e “as cidades sofreram uma superlotação”).
No exemplo (146) temos a chamada causa-formal, em que há relações
marcadas por um conhecimento, julgamento ou crença do falante, isto é, existentes no
domínio epistêmico (Neves: 2000, 804). Essas relações não se dão entre predicações
(estados de coisas), mas entre proposições (fatos possíveis), o que as faz passar pela
avaliação do falante. Assim, neste exemplo, há uma relação que envolve o nível
epistêmico. Não há uma relação entre conteúdos, e, sim, entre avaliações acerca do
mundo: “as pessoas só visavam o lucro” e “o mundo era movido por capital”. As
palavras em negrito (principalmente só) evidenciam o julgamento e a crença do falante
acima mencionado.
No exemplo (147), há a confirmação da implicação existente entre produzir em
larga escala e exportar (passou a exportar), a qual pode ser segmentada em dois
tempos: (1º) produção e (2º) exportação. Novamente, é o que chamamos, seguindo os
termos empregados por Neves (2000), de causa-efetiva, comutável com: “Brasil passou
a exportar o café” (consequência) “porque naquela época era o maior produtor do
café” (causa).
No exemplo (148), temos a causa-formal. Há um verbo modalizador (“pode”
em “pode haver”), que indica possibilidade; não se está tratando de conteúdo, mas da
possibilidade que contempla a crença do falante (nível epistêmico): “pois pode haver
149
uma súbita reação do aluno que sofre de bullying, numa tentativa de igualar a relação
de poder”.
No exemplo (149), causa-efetiva, há a confirmação da implicação. Podemos
segmentar o conteúdo do enunciado em dois tempos (antecedente e consequente),
característica básica da relação de causalidade: (1º) a superioridade masculina – como a
causa e (2º) a discriminação das pesquisadoras latino-americanas – como a
consequência.
No exemplo (150), temos a causa-formal, em que a articulação semântica dá-se
no nível epistêmico, evidenciada através de determinados índices linguísticos (o
advérbio provavelmente e o verbo teria, no futuro do pretérito), o que deixa claro que se
trata de uma avaliação, de uma crença, um julgamento do falante (tentativa de
explicação).
4.4.2 O onde como conjunção de causa/tempo
Com uma frequência bem menos expressiva que a dos casos em que o onde é
naturalmente comutável com conjunções de causa, identificamos, no corpus deste
trabalho, outras ocorrências que, considerando-se os critérios utilizados para a
classificação dos onde conjuncionais (encadeamento das orações do período composto,
sem remissão anafórica a um constituinte específico da oração primária), permitem
defender a ação da gramaticalização do onde, acompanhada da mudança de seu estatuto
categorial (de pronome para conjunção). A novidade, que justifica as observações desta
seção, é a natureza semântica dessas conjunções: encontramos 15 exemplos, como
(151), a seguir, em que o discurso licencia comutações do elemento onde com porque e
ou quando, conjunções adverbiais de causa e tempo, respectivamente:
150
(151)
Figura 29: Questão 1 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010.
Resposta à questão 1: O termo Bullying é o nome denominado a todas as formas de
comportamentos agressivos que ocorrem entre estudantes sem motivo claro e as
agressões físicas ou morais são sempre executadas onde há uma relação desigual de
poder. A atitude de um estudante encarnar um outro e este se sentir humilhado é
denominado bullying. Quando essas ações não são controladas, todos os alunos da
escola sofrem com isso, pois passam a viver em um ambiente que lhes transmitem
medo, angústia e outros termos negativos. (PISM II/2010)
Exemplos como (151) – 15 ocorrências dentre o total de 979 dados (1,5%) –
servem para mostrar que, a despeito da superioridade encontrada nas equivalências entre
os usos não canônicos do onde e seu emprego como pronomes relativos e conjunções
causais (cf. seções anteriores), deve ser considerada a correspondência entre aquela
partícula e as conjunções de causa/tempo. Relações lógico-semânticas de tempo
representam, a exemplo das relações causais, acepções que Mari (1986) inclui entre as
relações de confirmação da implicação existente entre as orações articuladas no
período. Este aspecto semântico tem-se revelado como grande favorecedor na
gramaticalização do onde, no que se refere à manifestação dessa partícula sob o estatuto
gramatical de conjunção. Chama a atenção para a tendência a empregar-se o onde em
151
ambientes nos quais as articulações entre as orações do período composto mostram-se
mais implicativas. Pode-se dizer que relações dessa natureza são mais “previsíveis”,
no sentido de poderem, muitas vezes, dispensar a manifestação explícita de um
elemento conjuntivo. Diversos manuais já demonstraram que relações de causa podem
constituir-se sem a presença obrigatória da conjunção porque.
Em menor proporção, o mesmo pode ocorrer em relação ao quando, que Neves
(2000:797) classifica como conectivo neutro. Essa dita neutralidade faz com que o
quando tenha larga utilização no lugar de outros conectores (o condicional se, por
exemplo), passando a atuar com outros valores, não necessariamente temporais. Isso
pode ser conferido em (151), em que o onde é comutável com quando, atribuindo-se ao
período em que se encontra uma significação temporal ou condicional.
Essa convergência entre onde e quando pode ser conferida em (152), a seguir:
(152)
Figura 30: Questão 2 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010.
Resposta à questão 2b: “Alguns alunos que testemunham as situações de bullying,
onde percebem que o comportamento agressivo não traz nenhuma consequência a quem
o pratica, poderão achar por bem adotá-lo.” (PISM II/2010)
152
Em (152), é perceptível a convergência de valores temporais e condicionais
sobre o quando. Solicitados, como demonstra a questão, a substituir o elemento quando
por outro, que contivesse a mesma relação sintático-semântica do elemento destacado,
os participantes do PISM II/UFJF revelaram a preferência por se e onde. Naturalmente,
revelando a postura restritiva e normativa que costuma orientar avaliações como a que
nos legou o material para análise, ambas as respostas foram avaliadas como erradas
pela banca, que acolheu apenas as (poucas) respostas que sugeriam a intercambialidade
entre quando e elementos estritamente temporais, como no momento em que.
Tudo isso leva-nos à seguinte constatação: quanto mais implicativas as relações
lógico-semânticas estabelecidas através de processos de articulação entre orações,
menor a dependência à manifestação explícita de conectivos específicos para o
estabelecimento de tais relações. Isso (e mais a neutralidade que dá ao onde uma feição
de “conectivo coringa”) parece constituir um campo mais aberto para as manifestações
multicategoriais desse elemento.
4.4.3 O onde como operador discursivo
O onde como um operador discursivo foi definido, nesta pesquisa, conforme os
pressupostos teóricos de Oliveira (2000: 205), que trata da perda de referencialidade do
elemento e seu emprego como mero articulador sem qualquer valor semântico (o onde
textual, segundo a autora), bem como a possibilidade de supressão da partícula,
substituída por alguns sinais de pontuação (ponto, ponto-e-vírgula, dois pontos). Para a
autora, em alguns casos o onde funciona como um marcador de pausas (como uma
vírgula), como um meio, ou uma estratégia, para organização e planejamento do
discurso. Assim, muitas vezes, por não ter elemento que possa ser recuperável,
apresenta-se como um conector vazio de significado, podendo, inclusive, ser excluído
da cláusula, sem qualquer prejuízo semântico, ou, às vezes, formal ao enunciado.
Marinho (1999) leva-nos a crer que o onde discursivo tem considerável
produtividade em textos escritos por alunos-autores pertencentes a segmentos de
153
escolaridade mais elevada. Em seu trabalho, a pesquisadora descreveu os diversos
empregos do onde encontrados em trabalhos acadêmicos de graduandos do curso de
Letras da UFMG. Observemos as palavras da própria autora ao descrever as funções do
elemento onde que classificamos como operador discursivo:
Percebi, ainda, em outros trechos, o onde, atuando sem um
referente, explícito ou latente, ou com um referente ambíguo, ou
seja, que não é facilmente identificável no texto, e por isso
ocasiona ao leitor/receptor uma dificuldade na leitura ou
compreensão do texto. Nesses exemplos a substituição do onde
por outro item ou por alguma expressão (locução conjuntiva ou
locução adverbial, por exemplo) não tornaria estas passagens
mais bem articuladas. (Marinho: 1999, 166)
Os exemplos a seguir ilustram as observações da autora:
(153)
Geralmente são três os entrevistados onde cada entrevista é separada pelo tempo
comercial e ao final do programa há quase sempre uma apresentação musical.
(154)
Qualquer comunicação é feita mediante regras naturais interiores dos falantes onde as
regras cultas são dispensáveis.
Em (153) e (154) não é possível proceder ao recurso da comutação do onde por
outro elemento que ajude a explicitar a relação lógico-semântica subjacente (causa,
tempo, condição etc.). Isso ocorre, principalmente, quando a oração secundária revela
uma certa independência semântica em relação à oração primária, ou seja, quando a
oração secundária não se liga à primária para a composição de uma causa/explicação, a
localização de um evento num dado tempo, entre outras possibilidades lógicas. Outra
característica que costuma acompanhar os períodos contendo o onde operador
154
discursivo é a natureza ilustradora da oração secundária, o que justifica a possível
comutação do onde com sinais de pontuação como dois pontos, ponto-e-vírgula e ponto
final . Isto se aplica, certamente, a (153). A possibilidade de utilização do ponto final
em substituição ao onde, em (153), ressalta, inclusive, o enfraquecimento do nexo
semântico entre a oração primária e a secundária, justificando a escolha de um elemento
destituído de características semânticas específicas.
O exemplo (154) também ilustra a mencionada independência semântica
característica das orações articuladas por meio do onde discursivo, justificando a
substituição da partícula por um sinal da chamada pontuação separadora, a exemplo do
que ocorre em (153). Em (154), no entanto, a substituição do onde por ponto final ou
ponto-e-vírgula revela-se mais adequada que a comutação por dois pontos. Isto se deve,
provavelmente, ao fato de a oração secundária (“as regras cultas são dispensáveis”) não
poder figurar como uma ilustração do que é declarado na oração primária (“Qualquer
comunicação é feita mediante regras naturais interiores dos falantes”).
O mesmo acontece em nossos dados, conforme se vê no exemplo (155) a seguir:
(155)
155
Figura 31: Questão 5 da prova de história do Vestibular/2010.
Resposta à questão 5b: Na crise de 1929 o mundo se recuperou mais lentamente desta
maneira muitos não se recuperaram indo a falência, já na crise de 2008 o mundo se
recupera com mais segurança, onde houve muita perda de emprego já se pode recuperar
com empréstimos milionários. (Vestibular/2010)
O exemplo acima, (155), serve como ilustração para as características que
tipificam o onde operador discursivo – função de mero articulador das orações primária
e secundária, sem qualquer valor lógico-semântico. No exemplo, destaca-se a função
do elemento de simplesmente promover o encadeamento entre as partes do discurso –
“(...) já na crise de 2008 o mundo se recupera com mais segurança (...)” e “(...) houve
muita perda de emprego já se pode recuperar com empréstimos milionários.”. Isto é
ressaltado pela função ilustradora da sequência posterior ao onde, a qual acrescenta
uma espécie de detalhamento descritivo ou desdobramento ao conteúdo da oração
primária, o que explica a naturalidade da substituição do elemento por dois pontos,
ponto-e-vírgula (pontuação continuativa) ou ponto (pontuação terminativa, que também
pode acompanhar conteúdos semanticamente relacionados).
156
Assim, a despeito das dificuldades que cercam os exercícios de comutação, no
tratamento dos dados de nossa pesquisa (dificuldades provenientes da natureza gradual
e não-categórica das articulações intersentenciais no discurso), acreditamos que as
manifestações do onde operador discursivo podem ser aferidas por meio de algumas
pistas discursivas identificáveis (função detalhadora da sequência posterior ao onde,
completude semântica da oração primária), conforme indicam os nossos dados.
No exemplo (155), verificamos que o onde pode ser suprimido da oração sem
nenhum problema semântico ou mesmo formal, para o entendimento do enunciado
como um todo. Nesse exemplo, o onde, na sentença, não tem qualquer valor referencial,
está vazio de sema, apresentando-se como um articulador na oração. Possivelmente, os
alunos-autores utilizam o onde como um elemento estabelecedor de nexos
intersentenciais na tentativa de produzir enunciados dotados das características formais
(integração sintática) que tipificam o patamar de letramento no qual encontram-se, de
tal maneira a corresponder às expectativas linguísticas que os avaliadores possuem
acerca desses textos.
Outro aspecto que chamou nossa atenção ao investigarmos, entre os dados, as
manifestações do onde operador discursivo, foi, certamente, a predominância deste
elemento em sequências tipológicas expositivas, as quais, segundo Adam (1992) apud
Bonini (2007), poderiam ser regularmente reinterpretadas como sequências descritivas.
O que parece determinante é a relação existente entre o onde operador discursivo e
sequências textuais de valor informativo, nas quais observa-se a função daquela
partícula de acrescentar novo(s) tópico(s) às suas respostas, o que explica o
enfraquecimento semântico da palavra e de sua natureza articuladora.
157
5. Conclusões
Com o objetivo de encontrar explicações para os usos do onde em retomadas
anafóricas a categorias não-locativas (procedimento recorrente na nossa língua),
estudamos a utilização dessa palavra, no português escrito por indivíduos com
escolaridade básica ou em vias de obtenção desta formação em língua portuguesa.
Para atingir tal objetivo, baseamos nossa análise, primordialmente, nas propostas
teóricas de Heine et al (1991), Traugott e Dasher (2005), Lakoff e Johnson (2002),
Bakhtin (1992), Marcuschi (2002) e Bonini (2007).
Dentro dessa tendência, tradicionalmente chamada de gramaticalização,
encontram-se motivações para a mudança, como metáfora, metonímia, atuando no
processo de gramaticalização. Utilizamos como corpus as ocorrências reais extraídas de
redações feitas por alunos que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto,
PISM I e PISM II , e do Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF,
no ano de 2010. Foram observadas 5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua
Portuguesa, Literatura e História), dentre as quais coletamos 979 dados. Buscamos
identificar as propriedades gramaticais associadas ao seu uso como elemento anafórico
em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo.
Identificamos o uso do onde conectando duas cláusulas, sem que houvesse qualquer
retomada a um SN na oração anterior (com valor de conjunção, portanto). Dos 979
dados coletados 62% (605/979) se apresentaram como pronomes relativos e 38%
(374/979) como conjunções. Esses números chamam a atenção para a expressiva
frequência com que o elemento onde vem sendo utilizado como articulador
interoracional, sem antecedente, nas produções escritas de usuários da língua com
escolaridade média.
O onde tendeu a se manifestar como pronomes relativos plenos, ou seja,
encabeçando uma oração relativa e retomando um SN pleno ou um núcleo (SN) na
oração que o antecedia. Em se tratando da categoria cognitiva a que as construções com
onde fazem remitência, verificamos que o elemento, além dos locativos, retoma
categorias cognitivas que vão além de espaço físico, numa gradação cada vez mais
abstrata, conceptualizada via metáfora.
158
Da mesma maneira, o onde tendeu a se comportar como uma conjunção,
fazendo um nexo sintático entre duas orações, como um juntor, via metonímia
composicional.
Há, a partir da análise dos dados, a verificação da trajetória do elemento
linguístico onde, de mais referencial a menos referencial, caracterizada pela perda de
significação de referentes extralinguísticos e aquisição de significados baseados em
dados pragmáticos, relativos a estratégias comunicativas dos participantes, e em dados
textuais, relativos à organização interna dos argumentos no texto, inicialmente de valor
de advérbio espacial, passando, a pronome relativo e, posteriormente, assumindo a
função argumentativa de conjunção. Desta forma, a escala que propomos para o item
onde é a seguinte:
pronome > conjunção > ∅∅∅∅
Da mesma forma, esse processo ocorre com onde, inicialmente também com
valor de advérbio espacial (+ lexical), passando a pronome relativo (elemento
gramatical) e esvaziando-se completamente de suas funções primeiras, assumindo uma
função mais argumentativa no discurso, como uma conjunção.
O critério definidor do onde como conjunção foi o estabelecimento de nexos
entre orações, sem função sintática atribuível à partícula. Em nossas análises o onde se
comportou como conjunção de causa, causa/tempo e como operador discursivo. Tais
descobertas mostram haver uma estreita relação entre esses usos menos canônicos do
onde e um crescente enfraquecimento dos nexos oracionais. Isto é facilmente
perceptível em relação aos onde conjuncionais, que, diferentemente dos pronominais,
não fazem retomada de itens localizados na oração primária, o que já representa um
primeiro nível de enfraquecimento na conexão intersentencial. Pudemos observar,
ainda, ao investigar os valores semânticos que acompanham o emprego não pronominal
do onde, que este tende a manifestar-se em contextos que licenciam relações semânticas
(causa, tempo, condição) correspondentes ao que Mari (1986) classifica como
articulações semânticas de confirmação da implicação. Nessas relações lógico-
semânticas, identifica-se uma certa continuidade nos sentidos presentes na oração
primária e na oração secundária, o que faz com que haja uma “contiguidade lógica”
159
entre as orações, a qual, às vezes, até torna dispensável o emprego de uma conjunção, a
exemplo do que acontece com as conexões causais. Relações como essas, em que há
confirmação da implicação, são mais “óbvias”, do ponto de vista lógico, e caracterizam
contextos favoráveis a empregos do onde sem retomadas anafóricas. Podemos, com
isso, afirmar que, no escopo das articulações intersentenciais, existem contextos
semânticos que favorecem (ou “sugerem”, nos termos de Traugott e Dasher, 2005)
empregos conjuncionais para o onde (aqueles em que há confirmação da implicação) e
outros que atuam como desfavorecedores de tais usos (provavelmente, aqueles nos
quais as relações lógico-semânticas negam a implicação como, por exemplo, as
relações concessivas, em que conectivos específicos – embora, apesar de – são
indispensáveis e não intercambiáveis com onde).
Os casos em que flagramos usos da partícula onde como operador discursivo
corroboram a existência de uma relação entre usos não canônicos da palavra e o
crescente enfraquecimento de nexos intersentenciais. Este emprego do elemento
representa, pode-se dizer, um nível mais elevado de enfraquecimento da conexão entre
as orações articuladas entre si, uma vez que já não se observa conexão semântica entre
as partes articuladas. Pelo que pudemos aferir, a partir dos dados, essas manifestações
do onde costumam sobressair em contextos que oferecem, aos participantes do PISM e
do Vestibular, uma dificuldade a mais, visto que solicitam respostas mais complexas
(no que tange ao esforço cognitivo), o que é evidenciado, inclusive, pela reserva de
maior quantidade de linhas para elaboração do texto pelo candidato-autor. Com isso,
confirmam-se os postulados de Traugott e Dasher (2005), acerca da inferência sugerida,
processo de mudança que engloba as complexidades da comunicação utilizadas pelo
falante/escritor para evocar implicaturas e convidar o ouvinte/leitor a inferi-las.
Valendo-se de dados contextuais presentes na “prova aberta”, o falante/escritor (no
caso, o participante da seleção e autor da resposta à questão proposta), convida o
ouvinte/leitor (o avaliador das respostas apresentadas) a aceitar os diferentes valores,
não literais, que atribui (via metáfora/metonímia) às formas da língua.
Em se tratando do estatuto categorial do onde, observamos que o elemento está
distribuído de forma contínua e não discreta, através de duas categorias gramaticais, a
saber: pronome relativo e conjunção (aqui, incluindo-se o onde operador
argumentativo, o qua evidencia um crescente enfraquecimento dos nexos entre orações,
160
na escrita dos usuários da língua focalizados no trabalho). Esse aspecto multicategorial
do elemento é intrinsecamente dependente de seu aspecto funcional.
Entrando no sistema como um elemento não marcado, devido a sua alta
frequência, sua complexidade estrutural reduzida e pequeno esforço mental requerido
aos usuários (como pronome, conjunção ou simples operador argumentativo),
entendemos que onde, pelas ambivalências categoriais reveladas, começou,
efetivamente, a participar de um processo de gramaticalização.
161
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7. Anexos
Nesta seção apresentamos as provas avaliadas (Língua Portuguesa, História e
Literatura), na íntegra, por segmento (PISM I, PISM II e VESTIBULAR), para
conferência do leitor.