A palavra parque como oxítona; fogo como dissilábica, fogos como monossilábica:
uma visão do comportamento da sílaba pós-tônica na língua portuguesa brasileira
Leandro Aparecido Meneghin GOMES1
Resumo: Este artigo visa a analisar a perda e o ganho de sílabas do léxico da língua portuguesa
em comportamento sintático e em modificação morfológica. Têm-se dissecado a estrutura das
sílabas na língua portuguesa e a atuação das vogais dentro delas a fim de posteriormente
alcançar a depreensão do processo de paragoge e apócope, responsáveis por alterar o número de
sílabas mesmo na língua padrão.
Palavras-chave: Português Brasileiro; Sílaba; Vogal; Paragoge; Apócope.
Abstract: This article aims to analyze the loss and gain of syllables of the lexicon of Portuguese
in syntactic and morphological behavior modification. The structure of syllables in the
Portuguese language and the role of vowels in them has been dissected in order to subsequently
reach the apprehension of the process of paragoge and apocope responsible for changing the
number of syllables even in the standard language.
Key-works: Brazilian Portuguese; Syllable; Vowel; Paragoge; Apocope.
Introdução
Presentemente, expandi-se a gramática descritiva no ensino de língua portuguesa
para brasileiros, prosperando preferir a analise linguística ao ensino sistemático da
gramática normativa. Destarte, ao contrário de pretender ensinar o que o aluno já sabe,
já usa em sua língua e torná-lo num gramático, recorre-se ao almejo de aperfeiçoar o
que já conhecem, formando usuários conscientes da condição da sua língua. Aliás, o
ensino de gramática tem negligenciado os fenômenos naturais da língua, aqueles que
explicariam os acontecimentos da sua ortografia, desempobrecendo o ensino lógico
sobre as questões gramático-ortográficas da língua.
Para realizar este artigo, analisam-se comportamentos naturais da língua
portuguesa brasileira em comparação com comportamentos parelhos em outros idiomas
a fim que haja reflexão sobre a lógica ou ilógica da descrição formal da língua. O foco é
1 Especializando em Ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação pelas Faculdades Integradas
Claretianas, na polo de Rio Claro – SP, CEP: 13503-257; licenciado em Letras pela UNIP, habilitação em
português e em inglês. E-mail: [email protected]
a flexibilidade dos fonemas da última sílaba em português, os quais se reagem de
maneira a fazer acrescer ou decrescer o número de sílabas. Desta maneira, analisar-se-
ão os fenômenos apócope e paragoge, estes os responsáveis pela real mudança de
número de sílabas dos significantes do léxico brasileiro. Convém mencionar que se faz
a transcrição fonológica usando o alfabeto fonético internacional (IPA).
1. A edificação luso-silábica: um panorama das vogais
Há, em algumas línguas, a admissão de que o núcleo de uma sílaba seja uma
consoante. A tcheca classifica-se como um exemplo, na qual aparecem consoantes
laterais como núcleo. Todavia, na tradição gramatical da língua portuguesa, o núcleo é
unicamente constituído de vogal, logo, consoantes e semivogais são elementos
assilábicos.
A palavra [bicicleta] é constituída de quatro letras que representam vogais,
portanto, tornam-se patentes quatro sílabas. No antropônimo [Maria], três letras
vocálicas põem-se em evidência, por conseguinte, neste substantivo próprio, há três
sílabas. No substantivo [ideia], aparecem quatro letras de vogais, contudo, apenas três
dessas letras são fonologicamente vogais de fato; o [i] é uma semivogal combinado em
ditongação à [a]. Desta sorte, na língua portuguesa, não descortina a discrepância
gráfica entre vogal e semivogal.
Há essa disparidade gráfica entre vogal e semivogal em algumas línguas
modernas. Na língua espanhola, como título de exemplo, em ditongos, o /j/ é
representado pela letra ipsolon no término da palavra, por instância, rey e ley; os
mesmos ditongos em português são transcritos, respectivamente, rei e lei. O /w/, por sua
vez, é representado distintamente no início de palavra como dígrafo, como guau, /waw/,
e guey, /wej/. A língua alemã, também, utiliza-se de dígrafo para distinguir vogal de
semivogal, no entanto, no caso dessa língua, é a vogal do fonema /i/ que é grafada como
dígrafo ([ie]). Outra língua que grafa diferentemente é a russa, em que /i/ é grafado [И] e
/j/, [Й].
Sobre o número de vogais, no padrão da fonologia brasileira, as gramáticas,
como a de Bechara (2009), reconhecem sete vogais, menos que em Portugal por não
haver o [a] fechado. Porém, em estudos mais recentes, já se trabalha na aceitação de dez
vogais, sendo essas três adicionais as lassas que sempre têm sido consideradas
virtualmente a mesma articulação que as fechadas. São elas o /ɪ/, i curto como em sit da
língua inglesa, /ʊ/, como em good do padrão da mesma língua, e /ɐ/, como [er] em
mutter do padrão da língua alemã, às vezes /ǝ/. Bechara assume que são articulações
diferentes, entretanto, ele ainda não as correlata a uma letra fonética distinta das vogais
abertas e fechadas. Na verdade, apenas as refere como vogais fechadas que são
debilitadas:
A vogal de timbre reduzido é proferida debilitada, anulando-se a oposição
entre aberta e fechada. A distinção entre abertas e fechadas só se dá nas
vogais tônicas e subtônicas; nas átonas desaparece a diferença entre /ó/ 2e /ô/,
/é/ e /ê/, e o /a/ reduzido é proferido com menos nitidez, como se pode
depreender comparando-se os dois tipos em casa, em que o primeiro é aberto
e o segundo,reduzido.
Já no português europeu, o /ǝ/ também aparece, representando, mormente, o [e]
átono - é também, por vezes, considerado como /ɐ/ ou, até mesmo, transcrito como /ɯ/,
sendo um fonema que distingue fonologicamente porque e porquê, o que não ocorre no
Brasil. Na pronúncia brasileira, porque e porquê têm o [e] sempre fechado, aquele
apenas se excetua como semivogal ou mudo quando precede vogal, em caso contrário,
no Brasil, antes de consoantes, não há distinção, diferente do que ocorre em Portugal.
Em Engelbert (2011), no seu livro Fonética e fonologia da língua portuguesa, e
em Castilho (2013), A construção fonológica da palavra, é apresentada a distinção total
das vogais postônicas das fechadas reduzidas propostas em Bechara, fazendo-a de sorte
que a representação fonética das reduzidas difere das vogais fechadas. No Dicionário de
fonética e fonologia, Silva (2013) igualmente considera articulações diferentes entre as
reduzidas das vogais fechadas descrevendo-as, as pós-tônicas, como frouxas,
apropriando-as de fonemas próprios. Assim, a transcrição considerada de reduzidas de
articulação autônoma da palavra fale é /ˈfa.lɪ/; falo, /ˈfa.lʊ/; fala, /ˈfa.lɐ/ ou /ˈfa.lə/.
2. Apócope e Paragoge
2 No IPA, os fonemas /ó/, /ô/, /é/ , /ê/ e /a/ , citados por Bechara (2009, pag. 64), são transcritos,
respectivamente, /ɔ/, /o/, /ɛ/, /e/ e /a/.
O que essas vogais lassas têm em comum é a faculdade de mutismo,
nomeadamente em pronúncia coloquial. Dessarte, ela é po e ser tra s r to o o / ɛl’ɛ/,
ele é o o el’ɛ] e elo é] o o /ɛlˈɛ/. Mes o que per a a vogal ter at va e a frase
esteja fora do contexto, é exequível que haja perspicuidade entre ela é e elo é mediante
seus determinantes concordados em gênero, respectivamente feminino e masculino, tal
qual como quando distinguimos o gênero de substantivos comum de dois gêneros.
Essa el são o orre a es a for a a lí gua fra esa, el o o fo e a /ǝ/,
marcado graficamente [e]: ce est escreve-se formalmente como c’est. Dentro das
circunstâncias da língua portuguesa, essa elisão formal ocorre em compostos já
consagrados, ela é marcada com apóstrofos, além de haver emprego do hífen obrigatório
para esse evento ortográfico, exemplos: copo- ’água e ãe- ’água.
No ensino tradicional da língua, no que a palavra é a base de sentido, esse evento
de elisão é negligenciado tolhendo a reflexão da ortografia da língua, pela qual poderia
beneficiar a eficiência do uso de [i] e [e] no término da palavra, ademais de outros
desígnios. Por outro lado, permanece a consideração da vogal como muda na
metrificação poética, mas, de modo raro, o conceito linguístico chega-se ao aluno; a
rigor, esse conhecimento é dogmático em regras predefinidas sem se fazer servir da
análise linguística, assim, há elisão da metrificação poética no ensino de literatura
unicamente porque a vogal é átona terminativa.
Já são, também, formalizadas as elisões de preposições com outros elementos
átonos que outrora eram marcadas com apóstrofe, a saber: em/ne + artigos ou pronomes
(na,nas, no, nos, num, nuns, numa, numas, noutra, nesta, etc); de+ artigos ou pronomes
(da, das, do, dos, dum, etc); per + artigos ou pronomes (pelo, pelos, pela, pelas, etc); me
+ pronomes (mo, mos, ma, mas); te + pronomes (to, tos, ta, tas), lhe+ pronomes (lho,
lhos, lha, lhas). Em “Os Lusíadas” de Camões, mostra-nos que no quinhentismo já
existia o emudecimento das vogais reduzidas e isso é refletido formalmente na escrita:
“A ítara par'eles só ob ço”
“(...) Co o se aqu os trabalhos s'a abasse (...)”
“A Le te ho 'Aquele a ujo pér o
Obe e e o v síb l e v síb l”
“A tão pou os ta a ho esforço e arte,
Qu'eu, co grão Macedónio e Romano,
Dê os lugar ao o e Lus ta o? “
“Outros em cima o mar alevantavam
Salta o 'água, a a o se a olh a ”
“Se lh'aprese ta ass o o ao Tro a o”
“E posto, e f , que es 'o ar e Atla te (...)”
“Custar-t'-e os o tu o ura guerra”
Nota-se que a elisão é marcada graficamente somente nos elementos
gramaticais, tal como ocorre na escrita da língua francesa moderna. Na língua inglesa, é
muito usado para marcar metaplasmos entre pronomes do caso reto e o verbo de cópula
(to be); entre auxiliares e advérbio de negação, porém também marca imitação da fala
(waitin’), embora informal. Hoje, no caso da língua portuguesa, a elisão formal é restrita
à imitação da fala nos gêneros poéticos pelo ritmo.
Na medida em que as vogais pós-tônicas não são emudecidas, excetuando a
vogal [a], elas se manifestaram como semivogais, o que é mais provável ocorrer uma
vez que não sejam caladas. Dessa forma, /j/ para [e] e /w/ para [o]: / elˈjɛ/ e / ɛlˈwɛ/ para
ele é e elo é na devida ordem. Essa ocorrência nunca foi marcada formalmente na
escrita da língua portuguesa em nenhum gênero textual e, no caso da língua francesa, é
inexistente tal evento linguístico, isto é, o [e] desta língua somente se qualifica perante
vogais como mudo, nunca semivogal.
A sinalefa não está limitada às reduzidas orais, mas também ocorre amiúde nas
nasais reduzidas:
O te ela a ou: /ˈõn tʃjɛˈlɐ. o:/ por /ˈõ
n tẽjɛˈlɐ. o:/
Ho e : /ɔmʲ/ por /ɔ ẽj/
a tage : /vɐ ˈtaʒʲ/ por /vɐ ˈta.ʒẽj/
Co ela: /ˈkwɛ.lɐ/ por / õˈɛ.lɐ/
Essa sinalefa, perda de vogais nasalizadas, acarreta no apagamento de certas
construções sintáticas. Para que não haja efeito de ambiguidade, os falantes, conhecendo
de modo internalizado o processo linguístico de sua língua, tendem a evitar estruturas
léxicas que afetaria dois ou mais significantes, dessa maneira, seus significados. Um
exemplo contextualizado:
Maria, fazendo sua caminhada, encontra-se na rua com Lúcia por casualidade:
- Oi, Maria! Correndo muito?
- Pois é, Lúcia, não correndo só pela manhã, mas também correndo levando os
fi’ na escola, correndo nas coisa’ sempre atrasada’ no trabalho, correndo com as o sa’
da aposentadoria da minha mãe...
- Mas, nossa! e não te farta?
- Segundo o meu médico, ainda não, né?
- O importante é que está tudo bem!
- Sim, foi ótimo te ver, Lúcia! Tchau!
Nessa encenação, Lúcia acarreta a informação de que quem decide do que Maria
está farta não é ela própria, mas, sim, o seu médico. Entretanto, porventura, Maria pode
ter sido mal-interpretada por Lúcia por razões fonossintáticas:
E não te farta = /iˈ ɐ w.tʃʲˈfaʁ.tɐ/ = e não te enfarta
Por ser foneticamente ambígua, a construção não te farta?, na fala, perde vez
para não te enche o saco?. Portanto, aquela construção que seja a mais comum da
modalidade da fala tende a ter primazia de uso. Enquanto a outra, tem-se preferência o
uso de uma expressão sinônima.
Na ordem sintática, a perda de sílaba é comum na fala como visto, além disso,
não só a vogal é elidida mas também a consoante, dependendo de sua configuração
articulatória.
Je to e hu = /ˈʒej.nẽjˈũ/
Verifica-se assimilação da oclusiva surda com a nasal em virtude de produzirem-
se no mesmo ponto de articulação; o mesmo ocorre na língua inglesa com palavras
como center (/ˈsɛ. ǝ/), internet (/ˈɪ. ǝ. ɛt/) e dentist (/ˈ ɛ.nɪst/).
As ocorrências de crase são extremamente comuns da língua portuguesa e
distende as analises de perda da sílaba. Por exemplo, todo o mundo tem a mesma
contagem de sílaba que todo mundo na fala em virtude da crase entre a vogal pós-tonica
e o artigo. Na escrita, esse fato de crase é acolhido e comporta-se com acento agudo,
entretanto, somente com a preposição a, pois, somente essa quando não diferenciada na
escrita, poder-se-ia equivocar o sentido com um complemento direto.
Tudo considerado, eis onde entra a proposição sobre a contagem de sílabas das
palavras, uma vez que são escritas e consideradas como vogais, mas é verificável que
são mudas ou aproximadas, isto é, a língua portuguesa tem seu sistema de sílabas mais
flexível do que se parece. Essa flexibilidade de sílabas é comum em quaisquer línguas
modernas, afetadas pelos metaplasmos naturais que permite a língua a adequar-se à
cultura dos seus falantes. Todavia, a flexibilidade da de português não é só coloquial,
mas também formal; é reconhecida tal maleabilidade, mas não sistematizada
propriamente no seu ensino, julgada como facínora da pureza da língua.
Todavia, se por um lado temos perda silábica dentro do léxico do PB, por outro
temos o acréscimo que afeta a tonicidade da sílaba. Esse acréscimo ocorre no presente
do indicativo com palavras como optar, adaptar, raptar e pugnar. No padrão da língua, a
pronúncia para esses verbos em primeira pessoa do presente segue-se /ˈɔ:p.tʊ/,
/ɐˈda:p.tʊ/, /ˈʁa:p.tʊ/ e /ˈpu:g. ʊ/, e qua to, o PB, o f gura-se /oˈp :.tʊ/, /ɐ. aˈp :.tʊ/,
/ʁaˈp :.tʊ/ e /puˈg :. ʊ/, as, o pretér to, /oˈpʲtej/, /ɐ. aˈpʲtej/, /ʁaˈpʲtej/ e /puˈgʲ ej/.
3. Semivogal agente de palatalização ou vogal palatal reduzida
Costuma-se dizer que o idioma francês é uma língua aguda, que seu léxico é
limitado a sempre ser oxítona. Embora seja de cunho literário, transfunde como se fosse
a gramática geral da língua e é ensinada dessa maneira até mesmo como língua
estrangeira para comunicação espontânea. Claro que é um mito essa consideração do
idioma francês, já que há, sim, distinção entre, por exemplo, cuir e cuire, esta sendo de
tonicidade grave, pois a pronúncia do [e] é claramente audível, salvo quando
imediatamente sucedido de uma vogal. Esse [e] é considerado mudo por ser um fonema
desconsiderado na metrificação, mas a sua realidade é oposta a essa teoria tradicional,
u a vez que ele, sobretu o e fat za o, passa a pro ú a e /ə/ para /ɵ/, tal como
afirmam Fagyal, Kibbee & Jenkins (2006, pag. 59):
No francês (...) o huá é pro u a o /ɵ/ a tes e voga s altas ou esl zes (...)
e no final da maioria das frases prosódicas (Dis-le! / lǝ/ “ ga!”), as soa
como / œ/ em outros contextos, essencialmente antes e depois de /ʀ/3
(tradução do autor) 4.
Co tu o, o autor ut l za /ǝ/ e vez e /ɵ/ ou /œ/ para tra s rever as palavras
porque não dificulte a analise fonológica do comportamento do chuá em específicos
contextos.
Dessa forma, considerada a citação, é audível /ˈ yj.ʁœ/ para cuire, isto é, é
patente que não há mutismo como afirma a tradição da língua, portanto, cuire não é uma
palavra oxítona, tampouco palavra monossilábica, mas o torna condicionada à sintaxe.
Mesmo que titulem o e caduc 5 do francês de muda, ainda sim é uma vogal que tem sua
própria articulação bem definida pela fonética como qualquer outra vogal. Na língua
inglesa, também aparece traços e t tular /ə/ o o muda, contudo ainda é considerada
base para definir uma sílaba: em inglês banana é transcrito e /bəˈ ɑː. ə/ , reconhece-
se como palavra trissilábica, enquanto em francês banane, /baˈ a. ə/, o o ss láb a.
Na língua portuguesa, por sua vez, acontece o contrário, a tendência da tradição
gramatical é tornar grave a tonicidade das palavras que são agudas por processo de
aproximação (semivocalização) de vogal terminal. O vocábulo parque é visto como
dissílabo durante a alfabetização, entretanto, o [e] não é claramente uma vogal
pronunciada: há a palatização dessas oclusivas que são grafadas com o [e] no final.
Na língua russa, há a diferencia entre o que tipificam de consoantes duras e as
suaves, estas são as palatalizadas e aquelas as não palatalizadas. Na escrita russa, a coda
recebe uma letra diacrítica para sinalizar essa palatalização das consoantes suaves ([ь]).
Por exemplo, [t] é alveolar oclusiva surda em palavras como [ ост] (/most/) e [cto]
(/sto/), mas é palatalizado antes de [ь]: [пять] (/pjatʲ/), быть] (/bɨtʲ/).
Convém, por ora, emprestar esse conceito do russo para compreender
melhormente o português brasileiro, doravante PB, pois, assim, veríamos que o [que]
3 Mesmo fonema para /ʁ/
4 In French (...) the schwa is pronounced /ɵ/ before high vowels and glides (…) and at the end of major
prosodic phrases (Dis-le! /dilǝ/ “say it!”), but it sounds like / œ/ in other contexts, particularly before and
after /ʀ/. 5 Sinônimo de chuá.
em parque é nada menos que palatalizado, ou seja, o /k/ como consoante suave, logo,
temos o fonema /kʲ/ ou /c/. O som da vogal não existe ali, no mais alto grau, se escuta a
semivogal /j/, já que a consoante foi palatalizada. Dessa forma, se não há vogal, não há
a sílaba; o vocábulo parque é monossilábico, pois, oxítono. Tomando o exemplo do
mesmo lexema em francês, vê-se que a grafia é de um monossilábico, sendo que o cê
em francês é pronunciado exatamente como o quê em português, que acompanha o [e]:
Francês: parc /paʁc/
Português: parque/paʁc/
Observa-se, também, a pronúncia análoga em palatalizando o /k/ entre o
português e o francês para palavras estrangeiras:
Tabela 1: Proximidade da pronúncia de palavras de coda /k/ palatalizada
em francês e PB
Palavra Francês PB
Crack /kʁac/ /kɾac/
Flashback /flɛʃˈbɛ / /ˈflɛʃˈbɛ /
Rock /ʁɔ / /ʁɔ /
Para a língua francesa, todas essas palavras estrangeiras são proferidas
monossilabicamente, enquanto para a língua portuguesa todas são dissilábicas, pois que
se afirma que se insere um /i/ às consoantes mudas. De fato, isso se verifica dentro da
língua brasileira, onde a vogal reduzida /ɪ/, dificilmente a /i/, é introduzida formando
uma sílaba adicional à palavra oriunda, entretanto, raramente ocorre tal inserção após
oclusivas, sobretudo, se forem surdas. A paragoge implica a inserção da /ɪ/ depois da
coda, enquanto, depois de codas oclusivas velares surdas, há a inserção da semivogal
palatalizando essas consoantes plosivas. Nessa proveniência de paragoge em consoantes
surdas, quando não somente palatalizadas, resulta a sucessão do /ɪ/ surdo. Na palavra
pop, como título de exemplo, tería os /pɔpʲ/ ou a serção e u /ɪ/ que seria surdo ao
final por mor da sonoridade da oclusiva bilabial. O mesmo ocorre com os vocábulos da
própr a lí gua: pe xe /pe:ʃʲ/ ou o e] ter al pro u a o o o /ɪ / surda.
Engelbert (2011) comprova, em uma pesquisa comparando entre a pronúncia do
nativo de PB e nativo falante da língua inglesa, que o proferimento das vogais finais
pelos brasileiros nas palavras inglesas terminadas em /i/ são bastante curtas. Isso põe em
evidencia que o brasileiro não tem tendência de acrescentar /i/, mas, no máximo, um /ɪ/.
O [e] tradicionalmente ensinado como pronúncia de /i/ ou, na pior das hipóteses,
como /e/ porquea fala imite a escrita, tem refletido equívoco ortográfico comum como:
Tapeti por tapete
Piriti por pirite
Iorqui por Iorque
Caiqui por Caique
Filipi por Filipe
Essa f ul a e e fere ar u a o soa te “suave” (emprestando o termo da
língua russa novamente) com uma consoante seguida de vogal manifesta-se também no
uso de línguas estrangeiras. Isso porque palavras que têm pronúncia terminal em /i/ ou
/ɪ/, tendem a ter compreendidas sua última vogal como mera palatalizadora pelos
nativos do PB em vez de vogal longa propriamente. De outra maneira, a coda é
acreditada ser palatalizada, por conseguinte, insere-se um grafema a mais na palavra.
I’m read por I’m ready
Punk por punky
Doroth por Dorothy
Thirty por thirth
Sweet por sweety
Shop/shopping por shoppy
Em suma, o PB está inclinado a palatalizar ou a transpor a coda da sílaba átona
com /ɪ/, reduzindo a quantidade do /i:/ do inglês ou acrescentando a vogal palatal onde
não existe. Na língua francesa, passa-se semelhante havendo paragoge o /ǝ/ a últ a
coda da palavra: shining /ʃajˈ .ɲǝ/. Isso ev o à l ação esse o a e ter ar
em /ǝ/, ou /ɵ/ ou /œ/.
4. O papel de [e] como agente de mutação consonantal e de [i] de câmbio
tônico
O [e] terminal no PB teoricamente equivaleria ao grafema russo [ь], que sempre
aparece no final da palavra para indicar que a consoante que ele sucede é palatalizada.
Tal ação no PB transmuda a consoante a igualando a outras já existentes na língua.
a) Nasal /n/ para /ɲ/
Dominar: / o. ’ aʁ/
Domine a vida: /dʊ’ . ɲa.v . ɐ/
b) Líquido /l/ para /ʎ/
Valer: /vaˈleʁ/
Vale um real: /ˈva. ʎũˈʁe.aw/
Desse modo, explicita-se que o alveolar nasal, que poderia ser um dental nasal
também, transformou-se em palatal nasal, correspondente ao [ñ] do espanhol; a
aproximante líquida de lateral alveolar para lateral palatal, como se ele é fosse grafado
“elh’é”.
Seja qual for a leitura do [e], semivogal lassa agente de palatalização ou
semivogal, o granema ele e o lexema domine permanecem oxítona, esse tendo duas
sílabas e aquele uma apenas; essas palavras são, portanto, oxítonas tal qual como na
língua portuguesa europeia, pro u a as respe t va e te /eɫ/ e / uˈ ɳ/. Não obstante,
considerando as variações topográficas, é possível que essas palavras sejam
pronunciadas com uma sílaba adicional, isto é, do modo tradicional de contar as sílabas
do léxico segregado de enunciado. Na última sílaba, pronuncia-se um /e/, mormente nos
dialetos sulistas. De outro modo, em outros dialetos, é improvável que ocorra esse
aparecimento da vogal, sobretudo depois de oclusivas surdas. Por exemplo, no
fluminense, dente é pouco provável que sua pronúncia seja como /ˈ ẽn.t e/, as / ẽtʃʲ/.
Nem mesmo em uma língua muito polida isso poderia ocorrer em razão de soar
espanhola a pronúncia, no entanto, pode aparecer o /j/ ou /ɪ/ ressaltado ou, no máximo, a
inserção da vogal alta /i/ para que desacelere o ritmo da fala.
Na língua portuguesa, o [i], quando aparece grafado no final, sem outra vogal
antecedendo-o, é grafado na ortografia não só porque ele é pronunciado como uma
vogal, acrescendo o montante de sílaba, mas também devido a ele fazer sempre parte da
sílaba tônica. E, se o [i] sempre no fim das palavras é tônico, então não há necessidade
de acentua-lo para indicar essa informação. Caqui, jabuti, abacaxi, são palavras
exemplares de que não há acentos, pois são grafados com [i] fazendo parte do padrão
universal de tonicidade aguda. Ao ter conhecimentos aquém do grau rudimentar sobre o
funcionamento das vogais de sua língua, é comum que um aluno de educação básica, ou
até de grau superior, grafe acento no [i] em palavras como vi (do verbo ver), aqui e ali.
Nos casos de braquissemia, costuma-se grafar o [i] na qualidade de atônico no
final de palavras, por exemplo, para a pronúncia de /dɐ ʲ/, cuja vogal tônica é /ɐ /,
transcrever-se-ia Dani por Dane. Não se passa exclusivamente com topônimos, mas
também com substantivos comuns como multi que, aliás, é homofônico a multe (verbo
multar).
5. Apócope por palatalização ou velarização e síncope por morfema
pluralizador
Além do [e], o [o] também se configura, como visto anteriormente, como
aproximante. Neste caso, no entanto; a consoante não é palatalizada, mas velarizada.
Destarte, há distinção fonológica entre publique e publico (/puˈblic/ e /puˈblikw/),
outross e tre e que e e o (/ eˈdic/ e /deˈdikw/). No entanto, deixa-se perder essa
distinção caso sucedido de som vocálico, momento em que há chances da aproximante
não se manifestar. De qualquer maneira, é recuperada a diferença pelo comportamento
sintático em que atuam.
Percebe-se, nos meios de produção midiáticos pelos quais a língua brasileira
passa, que após oclusivas velares a vogal é inexistente, a consoante que precede a última
sílaba tem alterada sua articulação, sendo palatalizada ou velarizada. Com vídeos
analisados no Youtube, pôde-se relatar que a pronúncia da última consoante em sílaba
átona, cuja sílaba termina em [e] ou [o] na grafia, é sempre somente palatalizada ou
velarizada sem pronúncia de uma vogal quando se trata de uma consoante oclusiva velar
surda. Após oclusiva velar sonora, a sílaba final predominantemente permanece sem
vogal, sendo somente palatalizada ou velarizada, como a surda, entretanto, mormente
nos vídeos de História, em que há topologias e termologias cuidadosamente
pronunciadas, e os de narrativas, há a apar ção as voga s /ʊ/ e /ɪ/.
Há preferência de que a vogal seja usada como aproximante, muito corrente
depois das oclusivas e silibantes surdas. Entretanto, em uma pronúncia artificial,
tentando imitar de forma fiel a escrita, não se exclui a hipótese de que a sílaba seja
mantida intacta e que, até mesmo, tenhamos /u/ e /i/ por /ʊ/ e /I/ ou, os asos a s
extremos de artificialidade, /o/ e /e/ respectivamente. Considera-se artificial /o/ e /e/ no
lugar e /ʊ/ e /I/ o o orrido em dialetos que apresentam a redução, não aqueles que não
o fazem.
Conquanto que alguns substantivos permaneçam dissilábicos, apresentando a
vogal reduzida ao final, assim como apresenta Bisol (1986, apud Paula), com a
introdução de uma fricativa, a pronúncia é monossilábica na maioria dos dialetos
brasileiros. Assim como par[ts], me[ts]iná, des[ts]. Outros exemplos:
a) Oclusiva dental -ou alveolar- com agregação de silibante
Todo: /ˈt o. ʊ/ ou /t o /
To os: /t ot s /
Tar e: /taʁ ʲ/ ou /ˈtaʁ.dɪ/; /taʁ ʒʲ/ ou /ˈtaʁ. ʒɪ/
Tar es: /taʁt ʲs /; /taʁt ʃ ʲs /
b) Oclusiva velar com agregação de silibante
Fogo: /Fog / ou /ˈFo.gʊ/
Fogos: /fɔk s/
Jegue: /ʒɛgʲ/ ou /ˈʒɛ.gɪ/
Jegues: /ʒɛ s/
c) Oclusiva bilabial com agregação de silibante
erbo: /vɛʁb / ou /ˈvɛʁ.bʊ/
erbos: /vɛʁp s/
Fica evidente que há câmbio de sonoridade com a introdução da silibante;
mesmo sem a fricativa, é caso comum esse câmbio em idiomas. Por exemplo, no
alemão, a consoante é sempre surda no fim da transmissão da mensagem ou antes de
outras surdas, mas, antes de sonoras e vogais, destas acompanha a sonoridade. Vale a
comparação entre os idiomas:
a) Alemão
Kuchen und Trinkgeld.: /ˈkuːx . ʊ t’tʀɪŋk.gɛlt/
Kuchen und Obst.: /ˈkuːx . ʊ ’o:pst/
b) PB
Fogos para festas: /’fɔks’p ɾɐ’fɛs’tɐs/
Fogos e a versár o: /’fɔ.g z. ʒjɐ. .veʁ’sa. ɾiw/
Em alemão, além de perceber-se o [d] ensurdecido no fim das palavras und e
Trinkgeld, verifica-se que o mesmo ocorre com o [b] em Obst devido às consoantes
surdas imedatas. Em português, ocorre o mesmo: temos o [g] representado como /k/
com a introdução de /s/, morfema pluralizador; contudo, só na língua portuguesa há
perda de sílaba.
6. Conclusão
Conclui-se que se presencia uma considerável flexibilidade nas sílabas pós-
tonicas da língua portuguesa, flexibilidade essa dessas sílabas que sofrem mutismo ou
variação de articulação. As vogais [a], [e] e [o], são reduzidas a articulações autônimas,
diferentes das tônicas, e, comumente, sucedem-se a cambio de articulações [e] e [o] de
/ɪ/ e /ʊ/ para /j/ e /w/. Já em outras línguas, geralmente apenas um fonema de vogal sofre
u ez, geral e te, o huá /ǝ/, o o e fra ês. Entretanto, mesmo existindo esse
chuá, ele é desconsiderado da contagem de sílabas na língua, portanto, cuir e cuire, por
exemplo, têm a mesma quantidade de sílabas, embora essa seja funcionalmente
paroxítona e aquela oxítona. Já em português, o [a] sofre o mesmo efeito que em
francês, porém, na tradição da gramática portuguesa, ele sempre é considerado na
contagem de sílaba. Dessa maneira, toda vida e toda a vida têm, fonologicamente, a
mesma quantidade de fonemas, no entanto, na contagem tradicional a segunda frase tem
uma silaba a mais.
O ensino tradicional, infelizmente, rejeita a análise de metaplasmos da língua
por considerá-lo fenômeno de informalidade e depravar a pureza da língua, já que esse
ensino prestigia a escrita, assim, quaisquer eventos linguísticos que fogem da estrutura
da escrita, seja contagem de sílabas ou câmbio de pronúncia não registrada pelas
gramáticas, são estigmatizados, com exceção da crase de preposição e artigo. Todavia,
vê-se que não se apresenta, tais fenômenos linguísticos comuns, somente na variação
coloquial mas também na culta, tanto modalidade escrita clássica quanto oralidade. O
transcuro desses fatos reais da língua, afeta não só na eficácia da alfabetização, mas
também para leitura competente para que absorva efeitos estilísticos e seus consecutivos
efeitos de ênfase, além da não automatização de segmentos fonológicos de línguas
estrangeiras não condizentes àquela realidade da língua.
Basicamente, O ensino de gramática, que prestigia a escrita, a rigor, negligencia
o que é comum em muitos idiomas, como comparados com vários eventos linguísticos
do PB com outras línguas. A definição da língua ainda foge da sua realidade tentando
ainda imitar o clássico ou se manter num idiotismo para diferenciar-se de línguas com o
francês, cujos fenômenos fonológicos são parelhos ao português. Contudo, o que se
colhe é o aumento da desarmonia da ortografia da língua em equívocos ordinários
substantificados devido a escassos conceitos lógicos do funcionamento fonia x grafia da
língua.
Referências bibliográficas:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa: ampliada e atualizada
conforme o novo Acordo Ortográfico. 37. ed. rev. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 2009.
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Portuguesa. Curitiba: Ibpex, 2011.
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Contexto, 2013.
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Contexto, 2011.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: Rei dos Livros, 2002.
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