A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
AS REALIZAÇÕES DO NÃO
Caio Cesar Castro da Silva
Faculdade de Letras Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: AS REALIZAÇÕES DO NÃO
Caio Cesar Castro da Silva
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou
Faculdade de Letras Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
A prosódia da negação no português brasileiro:
as realizações do não
Caio Cesar Castro da Silva
Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra
Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
______________________________________________________________________ Presidente, Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra (orientadora – UFRJ)
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou (co-orientadora – UFRJ)
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Flaviane Romani Fernandes-Svartman (USP)
______________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Schwindt (UFRGS)
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Valéria Neto de Oliveira Monaretto (UFRGS)
______________________________________________________________________ Prof. Dr. João Antônio de Moraes (UFRJ)
Suplentes:
______________________________________________________________________ Prof. Dr. Gean Nunes Damulakis (UFRJ)
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Claudia de Souza Cunha (UFRJ)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
CASTRO DA SILVA, Caio Cesar.
A prosódia da negação no português brasileiro: as realizações do
não/ Caio Cesar Castro da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de
Letras, 2016.
xxvi, 230f.:il.; 31cm.
Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra
Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou
Tese (doutorado)/ UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2016.
Referências bibliográficas: f.217-230.
1. Cliticização fonológica. 2. Redução dos ditongos nasais. 3. Palavras
funcionais. 4. Palavra prosódica. I. SERRA, Carolina Ribeiro. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de
Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. A prosódia da negação no
português brasileiro: as realizações do não.
RESUMO
A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
AS REALIZAÇÕES DO NÃO
Caio Cesar Castro da Silva
Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Investigamos, nesta tese, as realizações do item de negação com ditongo nasal
pleno (não) e com ditongo nasal reduzido (num), com o objetivo de definir o estatuto
fonológico das variantes e sua prosodização no português brasileiro. Temos por base a
hipótese de que ocorre um processo de cliticização fonológica que faz com que as
palavras funcionais não e num tenham comportamentos prosódico e entoacional
distintos.
A variação entre as duas formas é percebida na fronteira inicial do sintagma
entoacional e também em posição interna, enquanto na fronteira direita do mesmo
constituinte é categórica a manutenção da variante plena. A hipótese de que o
processo de redução envolva a perda do acento lexical é baseada na frequência com
que o operador de negação ocorre no discurso e na própria caracterização do processo
de cliticização em várias línguas naturais. Para analisar essa consideração, utilizamos
dados de fala espontânea retirados do Projeto Concordância e baseamos nossas
assunções teóricas na Teoria da Variação e Mudança, na Teoria da Hierarquia
Prosódica e na Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica. Propomos que num
tenha status de clítico e sua prosodização seja adjungida ao verbo (que funciona como
hospedeiro fonológico), formando um grupo de palavra prosódica; o item não, por sua
vez, é analisado como uma palavra prosódica, que pode ocorrer no mesmo sintagma
fonológico que o verbo, ao final do enunciado, ou isoladamente, como uma resposta a
uma questão total.
A observação de condicionamentos fonológicos, como a distância entre sílabas
acentuadas, a análise acústica das médias de duração, a ocorrência de eventos tonais e
a comparação com outras palavras prosódicas que tenham estrutura fonológica
semelhante contribuíram como indícios para a confirmação da hipótese de haver uma
cliticização fonológica, e não sintática.
Palavras-chave: realização dos itens de negação; redução dos ditongos nasais;
cliticização fonológica
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
ABSTRACT
A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
AS REALIZAÇÕES DO NÃO
Caio Cesar Castro da Silva
Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
In this thesis, we investigate the realizations as the full nasal diphthong (não)
and as the reduced nasal diphthong (num) of the negation item, aiming to define the
phonological status of the variants and its prosodization in Brazilian Portuguese. We
take the hypothesis that a phonological cliticization process occurs making that the
function words não and num have distinct prosodic and intonational behaviors.
The variation between the two forms is perceived on the initial boundary of the
intonational phrase and also in internal positions, while on the right boundary of the
same constituent the preservation of the full form is categorical. The hypothesis that
the reduction process involves the loss of the lexical stress is based on the frequency
that the negation operator appears in speech and on the properties of the cliticization
process described in different languages. In order to analyze this assumption, we take
data of spontaneous speech extracted from Projeto Concordância and we support our
premises in the Linguistic Variation and Change Theory, in the Prosodic Hierarchy
Theory, and in the Autosegmental-Metrical Theory of Intonational Phonology. We
propose that num is a clitic and its prosodization is dependent on the verb (which
functions as a phonological host), forming a prosodic word group; the variant não,
therefore, is analyzed as a prosodic word, which may occur in the same phonological
phrase as the verb, at the end of the utterance, or in isolation, as an answer to a
yes/no question.
The observation of phonological conditionings, such as the distance between
stressed syllables, the acoustic analysis of duration values, the occurrence of tonal
events (pitch accents and edge boundaries) and the comparison with other prosodic
words that have similar phonological structure contributed as evidences to the
confirmation of the hypothesis that there is a phonological cliticization, and not a
syntactic one.
Key words: realization of negation items; reduction of nasal diphthongs; phonological
cliticization
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
RESUMEN
A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
AS REALIZAÇÕES DO NÃO
Caio Cesar Castro da Silva
Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra
Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Investigamos, en esta tesis, las realizaciones con diptongo nasal pleno (não) y
con diptongo nasal reducido (num) de la partícula de negación, a fin de definir el
estatuto fonológico de las variantes y su prosodización en portugués brasileño. Nos
basamos en la hipótesis de que ocurre un proceso de cliticización fonológica el cual
establece que las palabras funcionales não y num tengan comportamientos prosódico
y entonacional distintos.
Se percibe la variación entre las dos formas en la frontera inicial de la frase de
entonación y también en posición interna, al paso que, en la frontera a la derecha del
propio constituyente, es categórica la manutención de la variante plena. La hipótesis
de que el proceso de reducción envuelve la pérdida del acento lexical se basa en la
frecuencia con la que el operador de negación ocurre en el discurso y también en la
propia caracterización del proceso de cliticización en diversas lenguas naturales. Para
analizar tal consideración, utilizamos datos de habla espontánea disponibles en el
“Projeto Concordância” y basamos nuestras premisas teóricas en la Teoría de Variación
y Cambio, en la Teoría de la Jerarquía Prosódica y en la Fonología Entonacional
Autosegmental y Métrica. Proponemos que num posee estatus de clítico y que su
prosodización depende del verbo (que funciona como hospedero fonológico), lo que
forma un grupo de palabra prosódica; se analiza la partícula não, por otro lado, como
una palabra prosódica, que puede ocurrir en la misma frase fonológica del verbo, al
final del enunciado, o aisladamente, como una respuesta a una pregunta.
La observación de condicionamientos fonológicos, como la distancia entre
sílabas acentuadas, el análisis acústico de las medias de duración, la incidencia de
eventos tonales y la comparación con otras palabras prosódicas que poseen
estructuras prosódicas semejantes contribuyen para confirmar la hipótesis de que hay
una cliticización que no es sintáctica, sino fonológica.
Palabras-clave: realización de las partículas de negación; reducción de diptongos
nasales; cliticización fonológica
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
SINOPSE
Realizações do advérbio de negação não.
Redução dos ditongos nasais. Cliticização
fonológica e comportamento de palavras
funcionais.
Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Aos meus pais, Carlos e Regina, que me
ensinaram o antídoto contra todos os problemas:
a confiança.
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo.
Alberto Caeiro, em O guardador de rebanhos
AGRADECIMENTOS
Há um provérbio chinês – puro clichê, é verdade – que diz que atravessar
grandes mares traz novos horizontes. Posso dizer, francamente, que os mares
atravessados nos últimos quatro anos foram quase impossíveis de desbravar. Escrever
estes agradecimentos foi algo impensável durante várias e duras etapas. Ainda bem
que, quando a esperança parecia desaparecer, uma força me impulsionava e me fazia
acreditar que o esforço valeria a pena. E valeu!
O mundo à nossa volta rodeia, rodeia e prega peças pelas quais nem sempre
esperamos. Parafraseando Camões, comigo não poderia ter sido diferente: imerso em
um mundo inconstante, a incerteza foi a constância mais certa na minha vida. Ainda
bem que, apesar da inconstância, houve fatos que me fizeram querer continuar
seguindo: a crença, o acolhimento, a história, a amizade e o porto seguro.
A crença na capacidade do outro é um ato altruísta e difícil, pelo simples e
óbvio fato de o outro ser o outro. O outro sempre pode nos decepcionar, sempre pode
não corresponder às nossas expectativas, sempre pode nos frustrar, mas mesmo assim
não devemos deixar de acreditar. O outro sempre pode nos mostrar que pode ser
diferente. Dessa forma, à Carolina, aquela que foi minha orientadora sem ter sido
durante um bom tempo, só tenho que agradecer por ter acreditado em mim. Minha
admiração pela seriedade com que desenvolve seu trabalho, pela dedicação que tem
com todos a sua volta e pela boa disposição em ajudar nunca será o bastante. Um
muito obrigado por tudo, sobretudo pelos chopes, pelas dicas de passeios lisboetas e
pela agradável companhia!
Acolher também é um risco. Um risco talvez ainda maior, porque, além de
acreditar no outro, é preciso trazê-lo para si. E nesse movimento, um não se torna o
outro, mas se torna um novo sob a guarida do outro. Recebi a oportunidade de me
tornar um novo duas vezes nesses anos. A primeira vez foi pelas mãos da Dinah, que
me recebeu no meu pior momento e me deu todo o apoio de que precisava. Foi sem
dúvida um grande alicerce para que eu voltasse a acreditar em mim e voltasse a
acreditar na vida acadêmica. Seu senso de justiça, seu raciocínio rápido e sua
humildade em ensinar me deram e me dão esperança. A segunda vez foi por meio da
professora Marina Vigário, que me acolheu em seu grupo de pesquisa, em sua
instituição, em seu país, e me ensinou muito além do que eu imaginava. Sua
generosidade e sua inteligência incontestável foram marcantes para mim. Às duas, um
agradecimento profundo!
A história também mostra que é preciso ter claro de onde saímos para que
possamos nos reconhecer em nós mesmos no lugar aonde chegamos. Sem dúvidas, é
preciso um agradecimento ao Carlos Alexandre por ter me acompanhado durante boa
parte da minha vida acadêmica, por ter me aberto às portas para o mundo da pesquisa
e por ter sido meu primeiro mestre.
Há muito também o que agradecer a inúmeras pessoas que fizeram e fazem
parte da minha vida. Elas estiverem presentes com um sorriso farto, com um abraço
aberto ou apenas com um gesto simples de cumplicidade em diversos momentos. Seja
numa boa conversa em algum restaurante, seja numa mensagem do Whatsapp, essas
pessoas me fizeram caminhar. Pelo encorajamento que me deram em pequenos, mas
significativos, momentos, ficarão registradas na minha memória afetiva.
À minha fiel escudeira e irmã não sanguínea, Érica, agradeço pela fidelidade de
sempre; à Ana, minha outra irmã não sanguínea e parceira desde os trabalhos em
dupla da graduação, agradeço pela amizade sincera; à Elaine, a quem perturbo
constantemente, agradeço pela paciência.
Bruno e Carol, meus amigos quase hispanos, poder contar com vocês é um
alívio, mesmo que nem sempre possamos estar juntos. Vany e Luana, nossas histórias
dos forninhos que temos que carregar merecem uma série de TV. Obrigado pelas
risadas e pelas empanadas! Douglas, Érika e Erica, esses anos sem vocês e sem nosso
tradicional encontro no Outback não teriam sido os mesmos. Valeu pela parceria!
Aos meus ex-alunos da UFRJ e da FACIG, desejo toda a sorte na profissão que
escolheram. Agradeço por terem me ensinado também a ser um melhor profissional.
Aos meus alunos do CEFET, dedico todo o meu carinho. Vocês são sensacionais e me
fazem ter esperança em um futuro melhor! Obrigado por me ensinarem que dar aula é
um constante aprendizado.
Aline, Vitor e Ingrid, nossas conversas impublicáveis e as inúmeras tardes de
bate-papo precisam continuar. Vocês fizeram me sentir em casa na F312! Obrigado por
tudo (sobretudo pelas imitações)! Duane, Márcio, Aline e Solange, como não lembrar
de vocês e ter a certeza de que o período em que vivemos em Portugal foi um dos
mais especiais da minha vida?! Obrigado por terem sido minha família durante todo
esse período! Beatriz, com quem divido diariamente meus sonhos, minhas alegrias,
minhas agruras, merece meu profundo agradecimento pelo companheirismo e pela
parceria. Ter muitos ciclos de felicidade, diálogo e implicâncias é o que desejo para o
nosso futuro.
Nestes anos, o que me motivou também a persistir foi saber que meu porto
seguro estava garantido em casa. Como estou inclinado aos clichês, posso tentar
resumir minha família em três imagens: a base da minha edificação, o degrau que me
ajuda a subir e a força que me impulsiona para frente. Sem eles, certamente, nada
disso estaria acontecendo. Então, sou profunda e eternamente grato aos meus pais,
que me ensinaram a honestidade, a justiça e a honra – três coisas que foram
fundamentais para mim nestes quatro anos de curso. Obrigado por terem me ensinado
que não preciso passar por cima de ninguém para atingir meus objetivos; obrigado por
terem me mostrado que as conquistas aparecem para aqueles que trilham o caminho
da honestidade; obrigado por terem me aconselhado a rebater as injustiças com
trabalho e dedicação; obrigado por terem me ensinado a amar. Amo vocês, pai, mãe,
irmã e irmão! Sem vocês, meu riso frouxo e meu sorriso largo não teriam prevalecido
durante esses anos.
Neste momento de fechamento de ciclo, é uma alegria, por exemplo, ver que
minha irmã, Thainá, inicia seu próprio ciclo com o mestrado. Desejo que tenha o dobro
de sucesso que eu tive e que as realizações da sua vida acadêmica sejam somadas
àquelas da vida pessoal. Gustavo, meu cunhado, obrigado também pelo
companheirismo e amizade! É bom saber que pessoas de bom coração passam a fazer
parte do nosso convívio. Contem comigo!
Devo à Thainá também o suporte com a parte de “exatas” da tese. Ninguém
melhor do que uma bacharela em Estatística para me socorrer com o R, com os
gráficos, com as tabelas, com os cálculos. Muitíssimo obrigado, Mute! À Carol e ao
Vitor, agradeço profundamente pela ajuda nos resumos em espanhol e em inglês.
Agradeço às professoras Silvia Rodrigues e Silvia Brandão por terem
gentilmente cedido os áudios do corpus do Projeto Concordância. Agradeço também
aos meus colegas professores do Colegiado do Ensino Médio do CEFET por terem me
incentivado a fazer o doutorado sanduíche e por terem sido sempre tão camaradas
comigo!
Muitas outras pessoas passaram por minha vida nesses últimos anos e
merecem meu reconhecimento. Sintam-se agradecidas! Cada uma foi fundamental
para que eu atravessasse o grande mar chamado doutorado. Agora, metaforicamente
chegado à margem, aguardo os novos horizontes dos quais fala o ditado chinês. Espero
que sejam todos L+H. Como citarei em algum momento nesta tese, não importa muito
se serão L*+H ou L+H*. Importa mesmo é que sejam todos uma curva ascendente,
como deve sempre ser a vida.
Aos fatos, portanto.
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: layout de uma janela do programa Excel com as informações relativas aos dados produzidos em posição inicial ................................................................................................... 107 Figura 2: curva melódica do enunciado Não sou metida, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 225) ............................................................................................. 108 Figura 3: curva melódica do enunciado não merece presente, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 45) ................................................................................. 110 Figura 4: curva melódica do enunciado não consigo abandonar ele, produzido por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 88) ................................................................................. 139 Figura 5: curva melódica do enunciado não é mole, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 84) ................................................................................................................. 140 Figura 6: curva melódica do enunciado num tem tantos estudantes, produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 8) ................................................................................... 141 Figura 7: curva melódica do enunciado não se forma, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 13) ............................................................................................... 155 Figura 8: curva melódica do enunciado não acharam meu carro, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 22) ......................................................................................... 156 Figura 9: curva melódica dos enunciados num tem luz, num tem nada, produzidos por informante homem, jovem, culto (COP A 3 H 90) .................................................................... 158 Figura 10: curva melódica do enunciado não dependem de mim, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG C 3 M 62) .......................................................................................... 159 Figura 11: curva melódica do enunciado não conseguiram fazer instalações, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 27) .................................................................... 160 Figura 12: curva melódica do enunciado não tem muito emprego não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 12) .............................................................. 161 Figura 13: curva melódica do enunciado alunos que não respeitam assim o colégio, produzido por informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 42) ............................................................... 169 Figura 14: curva melódica do enunciado porque num dá, produzido por informante mulher, jovem, não culta (COP A 1 M 85) .............................................................................................. 169 Figura 15: curva melódica do enunciado que eles não roubaram dinheiro, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 154) .................................................................. 186 Figura 16: curva melódica do enunciado aí num gosto não, produzido por informante mulher, jovem, não culta (COP A 1 M 34) .............................................................................................. 187 Figura 17: curva melódica do enunciado mas num tem como, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG B 3 M 75) .......................................................................................... 187 Figura 18: curva melódica dos enunciados não, mas num atrapalharia também não, produzidos por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 1) ............................................... 194 Figura 19: curva melódica do enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 124) .................................... 195 Figura 20: curva melódica do enunciado não, produzido por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 178) ................................................................................................................ 196 Figura 21: curva melódica dos enunciados eu num lembro não, e até hoje também num sonho não produzidos por informante mulher, jovem, culta (NIG A 3 M 124) ................................... 197
Figura 22: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 80) ................................................................................................................... 198 Figura 23: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 90) ................................................................................................................... 199 Figura 24: curva melódica do enunciado num é culpa da na/ da globalização não produzido por informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 174) ................................................................... 200 Figura 25: representação hierárquica da prosodização de num ............................................... 209 Figura 26: representação hierárquica da prosodização do não pré-verbal .............................. 210 Figura 27: representação hierárquica da prosodização do não em fronteira direita de IP ...... 211 Figura 28: representação hierárquica da prosodização do não isolado ................................... 211
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: redução dos ditongos nasais em relação à variável escolaridade ............................... 40 Tabela 2: distribuição das estratégias de negação por escolaridade (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9) ........................................................................................................................... 66 Tabela 3: distribuição de negação canônica e negativa dupla por faixas etárias ....................... 69 Tabela 4: distribuição de num em relação ao fator faixa etária (retirada de Ramos, 2002: 161) ..................................................................................................................................................... 70 Tabela 5: valores médios de duração e intensidade dos itens de negação (adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis, 2004:149) ............................................................................................................... 71 Tabela 6: distribuição das amostras de Copacabana do Projeto Concordância ....................... 106 Tabela 7: distribuição das amostras de Nova Iguaçu do Projeto Concordância ....................... 106 Tabela 8: a relação entre homens e mulheres em Koasati (adaptado de Haas,1944: 144) ..... 126 Tabela 9: ocorrência de sujeito nulo de acordo com a faixa etária dos informantes (adaptado de Duarte, 1995: 80) ................................................................................................................. 130 Tabela 10: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição inicial de IP ................................................................................................................................ 145 Tabela 11: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição inicial de IP ............. 147 Tabela 12: variável social escolaridade e posição inicial de IP .................................................. 149 Tabela 13: variável social sexo e posição inicial de IP ............................................................... 150 Tabela 14: variável social localidade geográfica e posição inicial de IP .................................... 151 Tabela 15: variável social faixa etária e posição inicial de IP .................................................... 151 Tabela 16: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP .......................... 153 Tabela 17: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP .......................... 154 Tabela 18: percentuais dos acentos tonais associados à primeira sílaba acentuada do IP em posição inicial ............................................................................................................................ 157 Tabela 19: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição inicial de IP ................................................................................................................................................... 158 Tabela 20: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição inicial de IP .................. 161 Tabela 21: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição inicial de IP ................................................................................................................................................ 163 Tabela 22: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição inicial de IP ................................................................................................................... 164 Tabela 23: variável tipo de elemento antecedente e posição medial de IP ............................. 172 Tabela 24: variável tamanho do elemento antecedente e posição medial de IP ..................... 172 Tabela 25: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição medial de IP ............................................................................................................................... 173 Tabela 26: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição medial de IP ............ 175 Tabela 27: variável social escolaridade e posição medial de IP ................................................ 176 Tabela 28: variável social sexo e posição medial de IP ............................................................. 177 Tabela 29: variável social localidade geográfica e posição medial de IP .................................. 177 Tabela 30: variável social faixa etária e posição medial de IP................................................... 177 Tabela 31: médias de duração dos itens num e não e posição medial de IP ............................ 178
Tabela 32: médias de duração do item num nas posições inicial e medial do IP ..................... 180 Tabela 33: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição medial de IP ................. 181 Tabela 34: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 182 Tabela 35: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição medial de IP ................................................................................................................. 183 Tabela 36: médias de duração dos itens num e não em posição medial de IP ......................... 184 Tabela 37: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição medial de IP ................................................................................................................................................... 185 Tabela 38: contexto fonético subsequente em posição final de IP .......................................... 190 Tabela 39: médias de duração dos itens num e não em posição final de IP ............................. 191 Tabela 40: comparação das médias de duração do item não nas posições inicial, medial e final de IP ........................................................................................................................................... 192 Tabela 41: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição final de IP 193 Tabela 42: variável tipo de estratégia de negação ................................................................... 202 Tabela 43: distribuição das variantes nas três estratégias de negação .................................... 204
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1: gráfico de dispersão da duração dos dados de num em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms) ....................................................................................................................................... 137 Gráfico 2: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms) ......................................................................................................................... 138 Gráfico 3: distribuição de dados na posição inicial do enunciado ............................................ 142 Gráfico 4: distribuição de dados com base na variável distância até a próxima sílaba tônica . 148 Gráfico 5: distribuição de dados com base na variável tamanho do verbo subsequente ........ 148 Gráfico 6: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de num em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 167 Gráfico 7: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 168 Gráfico 8: distribuição de dados na posição intermediária do enunciado ............................... 170 Gráfico 9: distribuição dos acentos tonais no enunciado ......................................................... 186
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
PB: português brasileiro
PE: português europeu
L: low (tom baixo)
H: high (tom alto)
F0: frequência fundamental
Ms.: milissegundos
σ: sílaba
Σ: pé métrico
ω: palavra prosódica
C: grupo clítico
PWG: grupo de palavra prosódica
ɸ: sintagma fonológico
IP: sintagma entoacional
U: enunciado
Fnc: palavra funcional
W: weak (fraco)
S: Strong (forte)
Spec: especificador
NegP: Negation Phrase (sintagma de negação)
NEG: negação
TP: Tense Phrase
AgrP: Agreement Phrase
VP: Verbal Phrase (sintagma verbal)
V: verbo
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 27
2.PONTO DE PARTIDA ................................................................................................................. 34
2.1. Sobre a redução dos ditongos nasais ............................................................................... 35
2.1.1. Sobre os estudos anteriores sobre redução dos ditongos nasais ............................. 43
2.2. Sobre a negação ............................................................................................................... 51
2.2.1. Sobre a negação no PB .............................................................................................. 62
2.2.2. Sobre a prosódia da negação no PB .......................................................................... 71
2.3. Resumindo ........................................................................................................................ 74
3.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................................... 76
3.1. A Teoria da Variação e Mudança ..................................................................................... 76
3.2. A Teoria da Hierarquia Prosódica ..................................................................................... 79
3.3. A Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica ....................................................... 83
3.4. Palavras funcionais: entre palavras prosódicas e palavras clíticas .................................. 86
3.4.1. Palavras prosódicas ................................................................................................... 87
3.4.2. Palavras clíticas ......................................................................................................... 89
3.5. Resumindo ........................................................................................................................ 94
4.APORTE METODOLÓGICO ........................................................................................................ 97
4.1. Hipótese ........................................................................................................................... 97
4.2. O corpus ......................................................................................................................... 104
4.3. Os programas computacionais ....................................................................................... 107
4.4. Descrição da variável dependente ................................................................................. 111
4.5. Descrição das variáveis independentes: fatores linguísticos ......................................... 112
4.5.1. Posição do advérbio no sintagma entoacional ....................................................... 113
4.5.2. Tipo de estratégia de negação ................................................................................ 115
4.5.3. Contexto fonético subsequente .............................................................................. 117
4.5.4. Forma verbal ........................................................................................................... 120
4.5.5. Distância em sílabas até a próxima sílaba acentuada ............................................. 121
4.5.6. Número de sílabas do verbo subsequente .............................................................. 122
4.5.7. Tipo de elemento antecedente ............................................................................... 123
4.5.8. Número de sílabas do elemento antecedente ........................................................ 125
4.6. Descrição das variáveis independentes: fatores sociais ................................................ 125
4.6.1. Sexo ......................................................................................................................... 127
4.6.2. Faixa etária .............................................................................................................. 129
4.6.3. Localização geográfica ............................................................................................. 131
4.6.4. Escolaridade ............................................................................................................ 132
4.7. Resumindo ...................................................................................................................... 134
5.RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 135
5.1. Posição inicial do sintagma entoacional ........................................................................ 136
5.1.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas ............................................... 142
5.1.2. Análise acústica ....................................................................................................... 151
5.2. Posição intermediária do sintagma entoacional ............................................................ 166
5.2.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas ............................................... 170
5.2.2. Análise acústica ....................................................................................................... 177
5.3. Posição final do sintagma entoacional ........................................................................... 189
5.4. Resultados da variável tipo de estratégia de negação ................................................... 201
5.5. Prosodização das variantes e cliticização ....................................................................... 204
5.6. Resumindo ...................................................................................................................... 211
6.CONCLUSÃO........................................................................................................................... 214
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 217
CAPÍTULO UM
INTRODUÇÃO
Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
– Machado de Assis
Ao contrário do que Machado de Assis afirma, há mais de uma forma de negar.
Os expedientes utilizados pelos falantes para negar uma ideia variam desde a
anexação de um prefixo a uma palavra livre, como em (1), passando pela escolha de
uma palavra com valor de negação, como em (2), chegando à negação frásica,
propriamente dita, como em (3).
(1) João desconvidou o cunhado para a festa.
(2) Ninguém viu o roubo no ônibus.
(3) O estagiário não chegou a tempo da reunião.
A respeito do advérbio de negação não, há inclusive mais de uma possibilidade
de realização. Pode ser produzido no português brasileiro (PB) com ditongo nasal
pleno, como [nãw], pode ser produzido com a redução do ditongo nasal, como em
[nu], pode ser produzido com a redução do ditongo nasal e o desaparecimento da
ressonância nasal, como em [nu], e pode também ocorrer apenas com (quase)
completo apagamento da vogal, como [n]. Nesta tese, investigaremos a variação entre
a realização plena do operador de negação e sua realização com ditongo nasal
reduzido.
Acreditamos que esta redução seja motivada por razões de frequência de
ocorrência e condicionada por fatores prosódicos e entoacionais. Em primeiro lugar, é
válido notar a frequência com que negamos proposições (HORN, 2001), o que torna o
uso dos expedientes de negação bastante recorrentes e suscetíveis a modificações de
INTRODUÇÃO 28
ordem fonética. A literatura (HOPPER & TRAUGOTT, 1993; BYBEE, 2010) tem
demonstrado que itens linguísticos mais frequentes estão sujeitos mais facilmente a
sofrer mudanças fonéticas do que itens menos frequentes, o que parece ser o caso do
advérbio não.
Fizemos um levantamento nas entrevistas de fala espontânea de quatorze
informantes do corpus do Projeto Concordância, a fim de observar a recorrência do
operador de negação (ocorra tanto a realização não, quanto a realização num) no
discurso de indivíduos de diferentes grupos sociais (separados por sexo, faixa etária,
escolaridade e localidade). Conforme pode ser visto no quadro a seguir, o item de
negação se mostrou bastante frequente, tendo sido uma das dez palavras mais
utilizadas por todos os falantes. Sua frequência, em geral, só não é maior que a de
palavras funcionais como o artigo a e os conectivos que e de, e de palavras lexicais,
como eu (o que é esperado em uma amostra de entrevista oral) e a forma verbal é.
Informante Oco de não/ total de palavras da amostra
Posição da palavra na amostra
Antes das palavras
COP A 3 H 222/12097 (1,8%) 8ª que, e, a de, eu
COP B 3 H 295/12420 (2,4%) 5ª que, e, a de, eu
COP B 1 H 248/8812 (2,8%) 2ª que
COP B 1 M 213/6217 (3,4%) 2ª que
COP C 3 M 240/9102 (2,6%) 5ª que, é, de
NIG A 1 H 190/8520 (2,2%) 5ª que, a, eu, é
NIG A 1 M 96/5317 (1,8%) 10ª que, a, de, eu, você, é
NIG A 3 H 445/11887 (3,7%) 2ª que
NIG A 3 M 426/12296(3,4%) 2ª que
NIG B 1 H 327/12456 (2,6%) 5ª que, eu, o a
NIG B 1 M 460/14044 (3,3%) 3ª que, eu
NIG B 3 M 284/12931 (2,1%) 4ª que, a, de
NIG C 1 M 254/9909 (2,5%) 5ª que, eu, é, a
NIG C 3 M 217/8682 (2,5%) 5ª que, eu, de, o, a
TOTAL 3917/144690 Quadro 1: frequência de ocorrência do advérbio de negação na amostra
INTRODUÇÃO 29
Há, porém, ao menos três divergências com relação ao que relatam os demais
trabalhos sobre a redução dos ditongos nasais no PB. O processo de redução em
palavras que não sejam não tem baixa taxa de aplicação (VOTRE, 1978; BOPP da SILVA,
2005), ocorre apenas em sílabas átonas (BATTISTI, 2002) e parece sofrer julgamento
pejorativo por parte dos falantes de grupos sociais diferentes (NASCENTES, 1953;
AMARAL, 1955).
A primeira diferença, e talvez a mais fundamental, diz respeito à frequência dos
dois tipos de redução. Enquanto a redução que ocorre em palavras como viage
(~viagem) e correru (~correram) é considerada pouco frequente e difundida
diferentemente na fala dos grupos sociais, a taxa de redução que ocorre na palavra de
negação não é alta e atinge a fala de todos os grupos sociais. Inclusive, Guy (1981)
relata que a inclusão da palavra não nos dados do trabalho de Votre (1978) pode ter
enviesado parcialmente seus resultados, uma vez que a alta recorrência do item teria
levado a interpretações equivocadas.
A segunda diferença entre os dois tipos de redução é a respeito do domínio de
aplicação da regra. Battisti (2002) chega à conclusão de que o caráter átono da sílaba
pode ser o gatilho para a variação do processo, uma vez que os ditongos nasais teriam
sido preservados em sílabas tônicas. Todavia não apresenta uma sílaba pesada, o que a
torna forte candidata a ser uma palavra funcional portadora de acento lexical.
Considerar, portanto, que o domínio de aplicação da regra de redução seja a sílaba
átona não parece acomodar a análise que se pretende desenvolver neste trabalho.
Por fim, a terceira diferença que se pode apontar sobre os dois tipos é sobre a
percepção que os falantes têm do processo. Amaral (1955) e Nascentes (1953)
afirmam que a redução dos ditongos nasais é um fenômeno marcado e estigmatizado
no PB, caracterizando, sobretudo, a fala de indivíduos com menor taxa de
escolarização.
Realizamos um teste informal com falantes nativos do PB, para identificar se
havia algum tipo de julgamento pejorativo às formas de negação com ditongo nasal
reduzido. Os resultados apontaram para o fato de que todos os falantes consideravam
natural a produção de num, em vez de não. Isso pode ser devido ao fato de a redução
INTRODUÇÃO 30
do item de negação ser consequência da alta frequência do mesmo e a variação se
encontrar abaixo do nível de consciência dos falantes, em termos labovianos.
A partir dessas observações iniciais, consideramos mais apropriado analisar a
redução do ditongo nasal no advérbio de negação como um fenômeno à parte,
inserindo-se apenas em um plano mais genérico no grupo de estudos que pesquisam a
redução dos ditongos nasais no PB. Há importantes diferenças com relação aos seus
condicionamentos e ao julgamento dos falantes sobre sua variação.
Conforme argumentaremos neste trabalho, a redução do ditongo nasal no
operador de negação se justifica pela alta taxa de ocorrência do item no discurso
(HORN, 2001; FURTADO da CUNHA, 2001). Sendo bastante frequente, a redução pode
ocorrer em domínios fonológicos não esperados, como a sílaba acentuada, e perde
também a marcação que faz com que o processo seja considerado característico da
fala de indivíduos menos escolarizados.
Do mesmo modo, observamos que a distribuição entre as variantes plena e
reduzida do advérbio de negação não se comportava da mesma maneira que as outras
situações de redução de ditongo nasal, como as que ocorrem nas palavras garage ~
garagem, homi ~ homem e fizeru ~ fizeram, por exemplo. No caso de não e num, há
restrições de contextos em que podem ocorrer, como foi demonstrado por Ramos
(2002). O item num sempre ocorre diante de um verbo, como em (4), pode co-ocorrer
com a realização plena não, como em (5), e nunca pode aparecer no fim de um
enunciado, como em (6).
(4) O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião.
(5) O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião não.
(6) * O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião num.
No entanto, Ramos (2002) apresenta essas restrições como efeito de
condicionamentos sintáticos, quando, na verdade, acreditamos que as razões que
levam ao diferente comportamento das formas sejam fonológicas. A hipótese central
desta tese é a de que há um processo de cliticização fonológica, que atua na redução
da forma não em num, fazendo com que as palavras tenham, na estrutura de
INTRODUÇÃO 31
superfície, estatutos fonológicos diferentes e, por consequência, prosodizações
diferentes.
Consideramos que a palavra não seja, no PB, uma palavra funcional portadora
de acento lexical, cujo estatuto deveria ser definido como o de uma palavra prosódica
(ω). A palavra num, ao contrário, seria uma palavra funcional com propriedades de
clíticos, o que a tornaria não acentuada. Além disso, o fato de ser um clítico, faz com
que num tenha restrições fonológicas a respeito do domínio em que pode ocorrer. Por
exemplo, é consenso na literatura (ANDERSON, 2005; PEPERKAMP, 1997) que clíticos
sejam fonologicamente dependentes de hospedeiros, que podem ser uma ω, um
sintagma fonológico (ɸ) ou até mesmo um sintagma entoacional (IP). Essa
dependência envolve uma adjunção ao hospedeiro em função de ser um item
fonologicamente forte, i.e., prosodicamente proeminente. Consideramos que num
seja, de fato, um clítico também por ocorrer sempre diante de um verbo, mas nunca
em posição final da sentença, como demonstrado nos exemplos (4-6). Como
demonstraremos, essas posições estão relacionadas às fronteiras dos domínios
prosódicos, e não propriamente ao posicionamento sintático na frase.
A fronteira inicial de IP, por exemplo, é marcada pela ocorrência de um evento
tonal associado à primeira proeminência. Esse evento, que é descrito por um
movimento ascendente na curva de F0 (MORAES, 1997; CUNHA, 2000; FROTA &
VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; SERRA, 2009; SILVESTRE, 2012;
TONELI, 2014; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), pode
condicionar a ocorrência de mais formas não reduzidas nessa posição.
Igualmente, a fronteira direita do IP é caracterizada no PB por receber um
acento tonal descendente na proeminência do último ɸ e um tom de fronteira baixo.
Além disso, alguns correlatos duracionais, como a pausa e o alongamento silábico,
podem ocorrer nessa posição, mostrando-se decisivos na identificação e percepção
dessa fronteira (SERRA, 2009). Todos esses fenômenos tornam a fronteira direita do IP
uma posição fonologicamente forte e menos suscetível à ocorrência de formas
reduzidas. É esperado, portanto, que sejam percebidas mais realizações da variante
não nesse caso, assim como na fronteira inicial do IP.
INTRODUÇÃO 32
Em um plano geral, buscamos observar o encaixamento da variação na
estrutura prosódica, visto que pretendemos demonstrar o condicionamento
prosódico/ entoacional do processo variável. Em um plano mais específico, nosso
principal objetivo é investigar os indícios que confirmem a hipótese de que não e num
têm estatutos fonológicos diferentes no PB, fruto de um processo de cliticização
fonológica. Para tanto, pretendemos encontrar evidências que sustentem a hipótese e
nos permitam caracterizar não como uma ω e num como um clítico.
Esta tese está dividida em seis capítulos. No capítulo dois, realizamos uma
revisão da literatura sobre a redução dos ditongos nasais, buscando nos apropriar de
considerações que sejam importantes para a análise. Abordamos também os trabalhos
que foram feitos a respeito da negação na perspectiva pragmática e na abordagem
funcionalista. Descrevemos, ao fim do capítulo, dois importantes trabalhos sobre a
negação: um que analisa o comportamento acústico da variante reduzida num
(CIRÍACO, VITRAL & REIS 2004) e outro que verifica o contorno entoacional das
sentenças negativas do PB (ARMSTRONG, BERGMANN & TAMATI, 2008; SOUSA, 2012).
No capítulo três, discutimos os principais postulados das teorias que utilizamos
para desenvolver a análise das variantes de negação, a Teoria da Variação e Mudança
(WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968 [2006]; LABOV, 1994), a Teoria da Hierarquia
Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) e a Fonologia Entoacional Autossegmental e
Métrica (LADD, 1996 [2008]; FROTA, 2000).
No capítulo quatro, descrevemos a metodologia empregada e os princípios que
nortearam a seleção do corpus. Além disso, apresentamos a variável dependente e os
grupos de fatores que foram considerados na análise.
Os resultados das variáveis linguísticas e sociais são descritos no capítulo cinco.
Tendo por pressuposição o fato de que o acento lexical é um importante indício para
descrever as variantes, verificamos as médias de duração dos itens, visto que a
duração é um dos correlatos acústicos do acento no PB (MORAES, 1995). Analisamos
também as curvas melódicas, a fim de buscar indícios entoacionais que confirmem a
hipótese de cliticização fonológica.
Finalmente, apresentamos no capítulo seis as conclusões a que chegamos a
partir da interpretação dos resultados e da análise entoacional dos dados.
INTRODUÇÃO 33
CAPÍTULO DOIS
PONTO DE PARTIDA
A negação tem sido apontada como uma propriedade humana que distingue
nossa espécie das demais, justamente pela capacidade cognitiva que temos de opor
coisas, de mentir ou de ser irônicos, por exemplo (HORN, 2001). Apesar disso, muitos
pensadores, filósofos e linguistas a consideram uma forma menos informativa e
específica que as proposições afirmativas (HORN, 2001).
O tema tem despertado a atenção de estudiosos desde a antiguidade clássica,
como as discussões de Platão, em O Sofista, ou de Aristóteles, que promoveu, em
quase todas as suas obras, um intenso estudo sobre a negação que perdura até hoje.
As relações lógicas, as condições de verdade de proposições negativas ou a atuação da
negação em quantificadores, por exemplo, tornaram o pensamento aristotélico
necessário para qualquer estudo semântico, filosófico ou pragmático da negação.
De outro lado, Platão discute o conceito de negação como o outro, aquilo que
não é o mesmo, e não como o oposto, que é a maneira como geralmente se pensa algo
negativo. Citando como exemplo a expressão algo não grande, o Estrangeiro de Eleia
argumenta que se trata de alguma outra coisa, mas que não é necessariamente
pequena; pode ser igualmente grande, mas é outra, o que parece ser fundamental na
sua classificação.
São tão resistentes os pensamentos aristotélicos associados à negação que a
maioria das definições sobre o assunto fazem alguma referência à questão lógica que
foi incorporada aos estudos filosóficos ou linguísticos, como é o caso da definição
apresentada por Castilho (2010) em sua gramática:
Operador* utilizado quando consideramos falso o conteúdo sentencial ou o conteúdo lexical. São operadores de negação não, nunca, jamais. A negação do conteúdo sentencial, ou proposição*, é chamada negação de re. A negação de um constituinte sentencial é chamada negação de dicto. (CASTILHO, 2010: 685)
PONTO DE PARTIDA 35
Além desses aspectos lógicos, como a condição de verdade do conteúdo da
sentença, conforme declara Castilho, há outros aspectos pouco estudados sobre a
negação. Um desses é o ponto de vista que utilizaremos nesta tese para abordar o
assunto: a relação entre estrutura prosódica e variação fonética.
Como descrevemos no capítulo anterior, a negação pode se realizar no PB
como um elemento pleno, não, ou como um elemento reduzido, num. Defendemos a
hipótese de que essa realização variável depende do domínio prosódico em que
ocorre, visto que a regra de redução parece ser bloqueada na fronteira de
constituintes mais altos na hierarquia prosódica, como o IP, mas é licenciada em
fronteiras mais baixas, como uma posição interna a um ɸ.
Revisaremos, neste capítulo, os trabalhos mais significativos sobre o tema e
que podem trazer contribuições relevantes para sustentar nossas hipóteses. Faremos
uma descrição geral sobre a pragmática da negação, que pode nos ajudar a
compreender a distribuição das estratégias de negação (negação canônica, dupla
negativa e negativa final) nas situações de comunicação. Em seguida, descreveremos
os resultados dos principais trabalhos feitos sobre a negação do PB. A maioria desses
estudos se dedicou à questão sintática do tema, mas há alguns poucos que se
preocuparam com os aspectos da variação fonética entre não e num (RAMOS, 2002;
CIRÍACO, VITRAL & REIS 2004), e com os padrões entoacionais das três estratégias de
negação (ARMSTRONG, BERGMANN & TAMATI, 2008; SOUSA, 2012).
Antes, iniciamos com uma revisão sobre o fenômeno da redução dos ditongos
nasais na literatura sobre o PB. Embora seja um processo bastante amplo – por
envolver tanto verbos, como os casos de ausência de marca de concordância verbal
(GUY, 1981), nomes terminados por -gem (BOPP da SILVA, 2005), ou até mesmo
preposições e advérbios, como são os casos de com e ontem, respectivamente –,
parece ser um consenso o fato de que atinge sílabas átonas. Como veremos, o
processo que ocorre no advérbio não é um caso excepcional de redução em sílaba
tônica, dada à alta frequência do item.
2.1. Sobre a redução dos ditongos nasais
PONTO DE PARTIDA 36
A passagem do advérbio não a num se insere em um processo mais amplo e,
aparentemente, mais difuso, que é a redução dos ditongos nasais. Este fenômeno, que
já foi largamente estudado na literatura do PB (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI,
1997, 2002; BOPP da SILVA, 2005; SCHWINDT e BOPP da SILVA, 2009; SILVA, FONSECA
& CANTONI, 2012; GOMES, MESQUITA & FAGUNDES, 2013), apresenta-se
estavelmente variável, atingindo, predominantemente, sílabas finais átonas (BATTISTI,
1997: 15).
A redução dos ditongos nasais é caracterizada como um processo de
monotongação de um ditongo, seguido ou não de cancelamento da nasal em coda, em
sílabas átonas finais (BATTISTI, 1997). Há um aparente consenso em tratar o fenômeno
como um caso de variável binária nos trabalhos relacionados ao tema (VOTRE, 1978;
LEE, 1995; BATTISTI, 2002; BOPP da SILVA, 2005). A oposição discreta que se
estabelece é entre manutenção ou redução do ditongo nasal. De um lado, podemos
citar como exemplo as palavras fizeram, órgão e homem que teriam preservado, na
sílaba átona final, o ditongo seguido de apêndice nasal. De outro, há a variante com o
apagamento por completo do apêndice nasal e a simplificação do ditongo, como em
fizeru, órgu e homi.
Os autores citam ainda um terceiro tipo que se caracterizaria pela manutenção
do apêndice nasal, apesar de o ditongo ser reduzido à vogal simples, como em fizerum
e órgum. Nos estudos de Battisti (2002) e Bopp da Silva (2005), esse seria um caso de
manutenção do ditongo nasal, visto que há apenas uma simplificação na vogal-núcleo.
A descrição de Pontes (1972) evidencia que um desmembramento dessa última
variante permitiria considerações mais precisas a respeito do fenômeno em português.
Embora em casos como fizerum e órgum a nasal seja mantida, há, nesses exemplos,
uma modificação na estrutura da rima silábica que não há em fizeram e órgão.
Naqueles, o núcleo da sílaba é simples (1b), enquanto, nestes, é ramificado (1a), como
se observa nas representações da palavra órgão a seguir:
PONTO DE PARTIDA 37
(1a) δ δ 1 A R 1 R N C 1 1 / ˈᴐ R g ã w N/
(1b) δ δ 1 R A R 1 1 /ˈ ᴐ R g u N/
Seguindo essa perspectiva, o processo passa a ser interpretado de modo
escalar, e não como variantes discretas. A argumentação desenvolvida está alinhada a
um comentário de Votre (1978), que, embora não faça a distinção de três variantes,
reconhece a possibilidade de suas produções na variedade carioca. Segundo o autor
(VOTRE, 1978: 109, 110), a desnasalização dos ditongos seria resultado da operação de
duas regras ordenadas:
A primeira [regra] (/VN/ /V/) é uma regra variável de supressão total da nasalidade, isto é, tanto da articulação consonântica como do traço de nasalidade da vogal. A segunda regra variável (/VN/ /V/(n)) é de acréscimo de um traço de nasalidade para a vogal, com a presença, em certos casos, de uma articulação consonântica de transição
Parece-nos bastante claro, sobretudo a partir da observação dos dados
retirados do corpus, que casos de simplificação no núcleo silábico sem alterações
robustas do apêndice nasal são, não apenas licenciados, como também frequentes na
fala carioca. Conforme ponderou Battisti (1997: 12), esse fenômeno talvez seja
característico de algumas variedades do português brasileiro, o que reforça a
interpretação de que haja três variantes.
A variação não ~ num aponta para os casos em que a nasalidade é mantida,
mesmo que a vogal-núcleo tenha sido alterada. Ainda que possa ser apontado na
literatura (VITRAL, 1999; RAMOS, 2002; CIRÍACO, VITRAL e REIS, 2004) que a forma
plena não seja reduzida a nu, não fizemos essa distinção na amostra com que
trabalhamos. Se considerássemos, como faz a maioria dos pesquisadores, que os casos
em que há tão-somente simplificação da vogal-núcleo são tipos de preservação do
ditongo nasal, não haveria distinção entre não e num, o que não parece ser verdade,
até mesmo por conta de sua disposição na sentença, como veremos mais adiante.
PONTO DE PARTIDA 38
Retomando as operações fonológicas apontadas por Votre (1978), deve-se
observar que há dois tipos de redução das formas plenas: um que admite dois
estágios, ou seja, passa por duas regras ordenadas, que é o caso de fizeram ~ fizerum ~
fizeru; e outro que passa por apenas uma regra, como não ~ num.
A partir desses fatores, consideramos que seria mais adequado interpretar que
há dois tipos possíveis de redução dos ditongos nasais. De fato, Guy (1981) não
distinguia os casos em que havia apenas simplificação do ditongo daqueles que tinham
apagamento da nasal. De acordo com o autor (GUY, 1981: 202), “it [a regra de elisão
da nasal] applies variably to unstressed final monophtongs, including those which arise
from underlying diphthongs by a process of reduction or contraction”1 [grifo meu].
Essa perspectiva traz consequências imediatas ao objeto de estudo desta tese,
uma vez que a variação entre não e num diz respeito à segunda regra de redução,
como postulada por Votre (1978).
Além do mais, como pretendemos ter demonstrado ao fim do capítulo, a
etiqueta ditongos nasais em sílabas átonas é tão genérica que engloba casos que
parecem obedecer a condicionamentos diferentes. Para restringir a argumentação a
apenas dois exemplos, observemos que há dois tipos de ditongos nasais em sílabas
átonas, [ãw] e [ey]. Percebe-se que o ditongo [ey] pode aparecer em palavras como
ontem e homem, mas também em passagem e politicagem. Estas palavras – derivadas
– podem sofrer condicionamentos morfológicos que aquelas não sofrem, uma vez que
não há sufixo em sua formação. Além disso, de acordo com o dicionário Houaiss, o
sufixo –agem pode ter origem no francês –age ou no provençal –aitge, sendo que em
nenhuma das duas línguas a partícula apresentava apêndice nasal. Muito
provavelmente, razões históricas podem motivar a desnasalização desses sufixos. Os
resultados encontrados por Battisti (2002) e Bopp da Silva (2006) reforçam essa
hipótese, porque, em suas amostras, os nomes terminados em –gem foram um dos
principais condicionadores da redução. Em outras palavras, a maior probabilidade de
palavras terminadas em –gem passarem por redução pode estar relacionada a fatores
1 “Aplica-se variavelmente a monotongos finais não acentuados, incluindo aqueles que surgem de
ditongos por um processo de redução ou contração.” (tradução minha)
PONTO DE PARTIDA 39
morfológicos, e não apenas fonológicos (SCWINDT, 2014; SCHWINDT, BOPP da SILVA E
QUADROS, 2012).
Já o ditongo [ãw], que, de acordo com a análise de Bisol (1989), deve ser
descrito como um ditongo verdadeiro (embora possa sofrer redução), pode ocorrer em
substantivos, como órgão e órfão. A autora explica que essa redução em órgu e órfu se
deve a dois fatores: o ditongo pesado não recebe acento por razões de
extrametricidade do pé métrico e há uma reanálise dos falantes que permite a
mudança na vogal-núcleo. Além disso, esse mesmo ditongo também pode aparecer
em formas verbais de 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito, como fizeram e
chegaram. Nesse caso, há um falso ditongo2, segundo a análise de Bisol.
Por serem ditongos verdadeiros, os encontros vocálicos de órgão e órfão
deveriam receber acento, visto que, na estrutura subjacente, a rima é ramificada, logo,
pesada. O condicionamento para sua possível redução, como aponta Battisti (1997:
54), é distinto do que leva à redução em falsos ditongos, como os que se encontram
nas formas verbais. Como, então, analisar dados diferentes entre si sob a mesma
designação?
Assim, verificamos que o título genérico redução dos ditongos nasais, atrai
processos que (i) são distintos entre si e (ii) são resultantes de diferentes
condicionamentos (morfológicos, fonológicos ou sintáticos). Seria interessante um
desmembramento dos diferentes casos de redução, a fim de que pudesse ser
analisado de modo mais acurado cada um deles.
Os trabalhos a respeito do fenômeno costumam apontar que a redução é um
traço das variedades ditas menos cultas. Nascentes (1953), em estudo sobre o falar
fluminense, sugere que falantes cultos tenderiam a realizar os ditongos em sua forma
plena, ao passo que os falantes menos cultos apresentariam maior frequência de
redução. Esse dado é reforçado por Amaral (1955) para a fala de indivíduos do interior
do país. Entretanto, dados recentes demonstram que não há uma tendência exclusiva
entre os indivíduos mais escolarizados de ditongarem.
2 Os ditongos verdadeiros correspondem a duas vogais na estrutura subjacente, enquanto os falsos
ditongos correspondem a apenas uma vogal.
PONTO DE PARTIDA 40
Em um estudo piloto (CASTRO et alii, 2014), apresentamos os resultados de um
levantamento de dados feito com base em entrevistas de falantes cultos e não cultos
do Rio de Janeiro. Foram coletados, na ocasião, dados de doze entrevistas do Projeto
Concordância (distribuídos entre homens e mulheres de três faixas etárias diferentes).
Os resultados, como mostramos na tabela a seguir, ajudam a compreender o porquê
de (i) a redução não ser exclusiva das variedades mais populares e (ii) a realização
plena não ser predominante nas variedades cultas.
Escolaridade Oco./ Total % de redução
Fundamental 166/ 642 26
Superior 61/ 456 13
Total 227/1098 21
Tabela 1: redução dos ditongos nasais em relação à variável escolaridade
Os resultados apresentados na Tabela 1 permitem algumas considerações. Em
primeiro lugar, o que se observa é a baixa porcentagem de aplicação da regra de
redução na amostra (21% de um total de 1098 dados). Outros estudos (VOTRE, 1978;
GUY, 1981) também constataram que se trata ainda de um processo pouco produtivo
no português brasileiro. Além disso, percebe-se que entre os falantes não cultos a
frequência de redução chega a 26%, enquanto entre os cultos fica em 13%. Embora
seja mais frequente nas variedades populares, esses índices mostram que o fenômeno
não é um traço que as caracterize, pois sua aplicação continua sendo baixa se
compararmos aos 74% de manutenção do ditongo nasal. Por esse lado, ambas as
variedades deveriam ser caracterizadas pela preservação dos ditongos nasais em
sílabas átonas, o que vai de encontro às descrições feitas por Nascentes (1953) e
Amaral (1955).
Relativizado, então, o peso das variedades mais populares como favorecedoras
da redução, é preciso destacar que não há subsídios que relacionem o processo como
uma marca do português brasileiro, visto que há uma vasta literatura relatando a
perda da nasalidade e a monotongação de ditongos (NASCENTES, 1953; CASTRO, 1991)
no percurso de formação da língua portuguesa.
PONTO DE PARTIDA 41
Outro ponto que merece destaque é a correlação entre sílabas átonas e
redução. Votre (1978: 158), ao discutir os resultados obtidos para a variável
tonicidade, afirma que é uma tendência universal a preservação da consoante nasal
em posições tônicas, ao passo que as átonas teriam propensão ao apagamento. Guy
(1981: 202) adota uma postura mais categórica em relação à acentuação ao afirmar
que a regra da perda da consoante nasal não se aplica em sílabas finais acentuadas,
como nas formas verbais do futuro do presente farão e chegarão, nem em nomes,
como coração e mão. Segundo o autor, casos como homem e viagem revelam um
monotongo na estrutura de superfície, fruto do processo de redução do ditongo, e, por
isso, esses exemplos podem ter a perda da nasal.
Do mesmo modo, Battisti (2002: 183) enfatiza que os ditongos nasais “sempre
se mantêm” em sílabas acentuadas. Para tanto, cita como exemplo as palavras jargão,
falarão, também e amém, cujas sílabas finais são tônicas e, portanto, não permitiriam
a aplicação da regra variável de redução. Bopp da Silva (2005) partilha a mesma ideia
de que sílabas acentuadas sempre preservam o ditongo. Entretanto, deve-se observar
que o advérbio não é um monossílabo tônico que admite a aplicação da regra variável
de redução (VOTRE, 1978; VIGÁRIO, 1998).
Cabe destacar o fato de que não é um item com elevada frequência de
ocorrência, o que o torna mais suscetível à atuação de processos como a redução.
Inúmeras palavras nas línguas naturais exemplificam a possibilidade de redução em
função da alta frequência (HOPPER & BYBEE, 2001; BYBEE, 2007).
Conforme retomaremos no capítulo 3, há também estudos que mostram,
especificamente, que monossílabos tônicos (e não apenas palavras maiores) podem
sofrer redução em outras línguas, como no inglês. Selkirk (1995) aponta que essa é
uma propriedade de certos verbos modais e preposições do inglês que são instâncias
de palavras funcionais. Sendo assim, levantamos a hipótese de que o não
representaria uma palavra funcional no português, de modo que em alguns contextos
pode ser produzido como a variante num. Assumimos também que os contextos estão
relacionados à posição que ele ocupa na sentença:
(2) João não/num1 apareceu aqui não/*num2.
PONTO DE PARTIDA 42
Na sentença em (2), verificamos que o advérbio de negação pode aparecer em
duas partes da sentença: precedendo um verbo, posição marcada pelo índice subscrito
1 no exemplo; e no fim da oração, posição marcada com o índice 2. Apenas a posição 1
admite variação, enquanto, na posição 2, o ditongo se mantém categoricamente.
Esses fatos trazem novas perspectivas de análise do processo de redução dos
ditongos nasais, uma vez que os trabalhos anteriores restringiam o nível de análise a
constituintes mais baixos da hierarquia prosódica – mais especificamente, restringiam
à sílaba e à palavra (GUY, 1981; BATTISTI, 1997; BOPP da SILVA, 2005; BOPP da SILVA e
SCHWINDT, 2006). Battisti (1997) inclui o pé como domínio de operação da regra de
redução, porque, segundo sua análise, a redução atuaria em favor de uma má
formação estrutural de certas palavras. Como foi apontado por Bisol (2005), é um
problema de descrição e de análise o fato de o ditongo em vocábulos como órgão ou
órfão não receber o acento. O estudo de Bisol tenta explicar o porquê de o ditongo ser
átono (questões relacionadas à extrametricidade do pé, como discutimos acima). Já o
estudo de Battisti se propõe a explicar a razão de os ditongos serem apagados nestas
palavras, e não em palavras como coração ou mão. Além da tonicidade, naqueles
casos, a possibilidade de redução dos ditongos corrige a má formação do pé,
transformando um pé pesado em leve.
No entanto, o enunciado do exemplo (2) parece sugerir que nem a sílaba, nem
o pé métrico, nem a palavra sejam o escopo da aplicação da regra de redução. Se a
operação desta regra variável estivesse limitada a um desses domínios, não haveria
bloqueio na posição marcada com o índice subscrito 2. O mesmo acontece numa
resposta absoluta a uma pergunta total do tipo sim/não:
(3) O João apareceu aqui? Não/ *Num.
Os enunciados dos exemplos (2) e (3) nos fazem perceber que o domínio de
aplicação para a regra de redução do ditongo nasal pode estar relacionado a fronteiras
mais baixas da estrutura prosódica, como a palavra, uma vez que parece ser
bloqueado em fronteira de IP. Analogamente, Serra & Callou (2013, 2015) têm
PONTO DE PARTIDA 43
demonstrado que o cancelamento do rótico em coda silábica também parece ser mais
frequente em níveis mais baixos da hierarquia prosódica. Desse modo, tentaremos
encontrar indícios que confirmem nossa hipótese de que a fronteira de IP inibiria a
realização da variante reduzida.
2.1.1. Sobre os estudos anteriores sobre redução dos ditongos nasais
Alguns estudos têm proposto uma descrição sistêmica e uma análise
variacionista da redução dos ditongos nasais (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI, 1997,
2002; BOPP da SILVA, 2005; SCHWINDT e BOPP da SILVA, 2009). Ainda que exista a
hipótese de que o fenômeno é uma marca da fala popular (NASCENTES, 1953;
AMARAL, 1995), nem todos concordam com essa interpretação.
Nesse conjunto, os trabalhos de Votre (1978) e Guy (1981) se destacam não
apenas por serem os primeiros a dar um tratamento sociolinguístico ao fenômeno,
mas por não tratarem estritamente de redução dos ditongos nasais. Votre buscou
observar a manutenção das vibrantes e das nasais em coda silábica em contexto de
final de palavra, enquanto Guy investigou a interação variacionista entre sintaxe e
fonologia na queda da marcação de plural em exemplos de concordância nominal e
concordância verbal.
Votre (1978: 15) sublinha a necessidade de uma pesquisa que investigue os
fenômenos variáveis que ocorrem na fala de analfabetos adultos, uma vez que
descobrir o funcionamento e os condicionamentos das regras que atuam em suas
produções pode trazer contribuições para o ensino. Para tanto, o autor utilizou um
material de gravações espontâneas com treze informantes do Rio de Janeiro, dentre os
quais nove estavam em estágio de alfabetização. Há um estudante do ensino médio e
três não alfabetizados que são utilizados apenas como grupo de comparação.
A metodologia utilizada pelo autor se baseia no tratamento quantitativo de
análise de dados, conforme elencado nos pressupostos da sociolinguística
variacionista. A variável dependente opõe realizações que retém a nasalidade final de
vocábulos a realizações que apagam esse segmento final. Embora a hipótese do autor
parta da assunção de que a tonicidade desempenharia um papel favorecedor à
PONTO DE PARTIDA 44
preservação da nasal em coda final, os dados da amostra não foram limitados a sílabas
átonas. A tonicidade, ao contrário, foi uma das variáveis linguísticas controladas na
análise, opondo palavras que tenham a última sílaba tônica, como assim e alguém, a
vocábulos em que a última sílaba é átona, como ássim e viagem (VOTRE, 1978: 113).
As outras variáveis independentes do estudo, além da tonicidade, foram
número de sílabas do vocábulo, classe morfológica, vogal do ditongo, contexto
fonológico precedente, contexto fonológico subsequente e aspecto suprassegmental.
Essa última variável diz respeito à distância da sílaba com nasal em coda para a
próxima tônica; controla também se há uma pausa após a nasal. De acordo com o
autor (1978: 113), “esperava-se que quanto mais próximas estivessem as duas sílabas,
mais alta deveria ser a probabilidade de a nasalidade manter-se, por uma espécie de
‘saliência de enunciação’”. Esse grupo é especialmente relevante para o nosso
trabalho, pois seus resultados identificam que a pausa é um fator de retenção da
nasalidade. Conforme abordaremos no capítulo 5, a pausa é uma importante pista
acústica da fronteira de IP no PB (SERRA, 2009), contexto que bloqueia alguns
processos fonológicos. Esse, aliás, é um dos indícios que pode ajudar a explicar a
inibição da forma reduzida num na fronteira de IP (ver capítulo 5).
Os dados foram submetidos a tratamento estatístico sequencialmente, de
modo que se pudessem refinar essas variáveis linguísticas. Foram três procedimentos
estatísticos, chamados de categorização inicial, em que eram testados dados de
apenas cinco informantes; categorização intermediária, em que foram incluídas
variáveis sociais (sexo, idade e escolaridade) para o controle dos dados de todos os 13
informantes; e categorização final, em que apenas os fatores significativamente
relevantes de cada variável foram testados.
Além disso, o autor apresentou dados ao longo do texto de como teria se
comportado cada um dos informantes da amostra em relação a cada grupo de fatores,
o que já permite uma generalização sobre o papel que os falantes, isoladamente,
desempenham no processo.
Na categorização inicial, interessa-nos o resultado dos advérbios, que tiveram
probabilidade de .26 de preservar a consoante nasal, ou seja, de não ter redução. Esse
resultado foi um dos mais baixos dentre as classes de palavras investigadas e ainda
PONTO DE PARTIDA 45
assim pode ter sido uma influência da forte redução que atinge o não. O contexto de
pausa, dentro do grupo Contexto Fonológico Subsequente, também se mostrou
favorecedor à manutenção da nasalidade, com .63 de probabilidade.
Chama ainda atenção a propensão ao apagamento da nasal que as vogais com
o traço [+ alto] apresentam, em oposição ao favorecimento da preservação em
contexto de vogais com traço [- alto]. Aquelas têm probabilidade de .87 de manterem
a nasal, enquanto estas, de .13. Entretanto, cabe uma ressalva a respeito desses
valores: são incluídas no grupo de vogais altas, as vogais /i/ e /u/, como em assim,
dizim, num, e fórum. Todos os dados com /i/ são tônicos, o que enviesa os resultados,
já que esse é um contexto francamente favorecedor da manutenção da nasalidade,
conforme hipótese do autor (1978: 113). Além disso, dos quase 13.000 dados de que
dispõe a amostra, mais da metade (6535) são dados de num. A partir desses fatos,
percebe-se que os valores apresentados são poucos confiáveis, frutos de um problema
metodológico, que, apesar de não invalidarem a análise, merecem questionamentos,
como os feitos por Guy (1981: 207).
Na categorização intermediária, as rodadas são apresentadas amalgamadas em
função do grupo social específico (alfabetizandos jovens ou alfabetizandos idosos, por
exemplo). Foram também incluídas as variáveis sociais sexo, idade e escolaridade.
Quanto ao gênero dos informantes, os resultados demonstraram que os
homens jovens e as mulheres idosas preservam mais que os homens idosos e as
mulheres jovens. Há, portanto, uma tendência de troca de papéis conforme se
observam faixas etárias diferentes. Quanto à idade dos informantes, percebeu-se que,
no grupo de alfabetizandos, os mais velhos mantêm mais a nasal que os mais jovens.
Finalmente, a respeito da escolaridade, o autor conclui que a escola é fundamental na
preservação da nasal, uma vez que os falantes não alfabetizandos tiveram índices de
probabilidade superior aos alfabetizandos.
Na categorização final, as rodadas são apresentadas por indivíduo, e não mais
por variável social. As considerações que os resultados possibilitam fazer são as de que
os alfabetizandos retêm menos a nasal em coda que os não alfabetizandos, bem como
a tendência de que se a desnasalização em coda final é um processo “relativamente
uniforme, sem flutuações drásticas” (VOTRE, 1978: 155).
PONTO DE PARTIDA 46
Outra conclusão apresentada é a de que monossílabos tendem a manter as
nasais mais que polissílabos. A explicação, de acordo com o autor, poderia estar
relacionada ao Princípio da Saliência Fônica (NARO e LEMLE, 1976), pois em vocábulos
menores a nasalidade teria maior saliência, o que dificultaria seu cancelamento. O
resultado também confirma que o item num é responsável por enviesar os valores dos
alfabetizandos em relação aos não alfabetizandos. Também se concluiu que a
nasalidade pode ser mais facilmente suprimida nos casos em que não tem valor
morfêmico e em formas verbais não pretéritas, o que também pode ser explicado a
partir do nível de saliência fônica que essas formas apresentam. É muito mais saliente
a marcação do pretérito, por meio da desinência de modo e tempo, como em comeu-
comeram, que a marcação do presente, como em come-comem. Isso ajuda a explicar
por que formas não pretéritas tendem ao apagamento da marca de concordância mais
que as formas pretéritas.
Guy (1981), por sua vez, investiga a perda da marca de concordância nos casos
de plural de nomes, por meio do morfema –s, e ligação verbo-sujeito, por meio do
morfema –m. É, especificamente, este último caso que nos interessa, visto que
envolve o processo variável de perda ou manutenção da nasalidade.
O autor retoma o trabalho de Williams (1975) e percebe uma semelhança entre
a regra variável de apagamento da nasal no estágio sincrônico do português brasileiro
e o processo de desnasalização ao longo da história da língua portuguesa. Segundo o
panorama descrito por Williams, a desnasalização teria raízes na síncope do /n/
intervocálico. Se fosse gerado um monotongo átono final, o processo de apagamento
da nasalidade ocorreria. Um caso relatado é a passagem de homen (< homine) para
home. Se fosse gerado um ditongo átono final, o processo poderia ocorrer em alguns
dialetos, enquanto em outros seria preservado. É o caso de órfão (< orphanus) para
órfu. Ainda, segundo a descrição de Williams, se o resultado da síncope do /n/ fosse
um monotongo ou ditongo em sílaba acentuada, haveria manutenção da nasalidade.
Guy (1981: 202) afirma que o apagamento da nasal ocorre variavelmente
apenas em monotongos finais não acentuados, enquanto, categoricamente, a regra
não se aplica a ditongos ou sílabas portadoras de acento. A novidade, segundo o autor,
PONTO DE PARTIDA 47
seria o apagamento na desinência número-pessoal de 3ª pessoa do plural –m, por vir
de marca flexional –nt do latim, e não da síncope da nasal.
Guy parte das variáveis independentes propostas por Votre (1978), bem como
de seus resultados, para fundamentar suas hipóteses e estruturar a metodologia de
análise. De acordo com Guy, há evidências de que vogais acentuadas não sofrem o
apagamento da nasalidade, por isso não foi incluído na análise o grupo de fatores
tonicidade, ao contrário do trabalho de Votre (1978).
Os contextos precedentes e subsequentes também foram investigados pelo
fato de o português ter um histórico de assimilação regressiva e progressiva no que
tange à nasalidade. Assim, a nasal poderia ser retida ou suprimida mais facilmente por
conta do ambiente fonético. Também por considerar uma perspectiva fonética do
processo, o autor não credita relevância à influência que a classe gramatical da palavra
teria na atuação da regra, uma vez que esta variável é morfológica. Por isso, essa
variável é utilizada como forma de controle com vistas à confirmação desta hipótese.
O autor inclui ainda grupos de fatores sociais, como a idade e o sexo dos
falantes, bem como o estilo de fala.
Como citamos anteriormente, Guy (1981: 208) discute alguns resultados
obtidos por Votre, como o do contexto fonético precedente. Segundo suas hipóteses,
é esperado que a nasal seja retida quando houver uma consoante nasal na posição de
ataque silábico, porque poderia haver atuação da regra de assimilação progressiva,
como em muito, que pode ser pronunciado [ˈmuytʊ]. Nos dados de Votre, ao contrário
do que se esperava, esse contexto desfavoreceu a manutenção da nasal, com
probabilidade de .70. Entretanto, o valor percentual para o fator é de 21,7%. Esse
descompasso entre taxa de probabilidade e percentual poderia ser explicado, segundo
Votre, pelo fato de aproximadamente 80% dos casos de consoante nasal no contexto
fonético precedente ser de num. Guy (1981: 208) destaca que o problema é considerar
num um caso de palavra acentuada, quando, na realidade, deveria ser tratado como
vocábulo átono com alta probabilidade de preservação da nasal. Assim, Guy opta por
excluir do corpus os monossílabos que podem ter variação na tonicidade, como não e
bom.
PONTO DE PARTIDA 48
Um ponto importante que Guy cita brevemente é a ocorrência de não junto a
um verbo, posição em que se cliticiza (1981: 208). Nessa posição, segundo o
julgamento que o autor fez dos dados do seu corpus, é frequente que não apareça em
sua forma átona num. Cabe citar o trecho para demonstrar que a observação dos
dados que fazemos é uma tendência do português brasileiro, como demonstram
também Ramos (2002) e Ciríaco, Vitral & Reis (2004): “one often hears sentences like
num vai não ‘don’t go’, less often não vai; but não vai num is certainly impossible”3
(GUY, 1981: 208).
Quanto ao aspecto social, os resultados apontam que as mulheres tendem a
apresentar menos dados de desnasalização que os homens, com uma distribuição
probabilística de .61 de apagamento da nasal para os homens e .39 para as mulheres.
Para o grupo de fatores idade, não foram encontrados resultados significativos de
mudança, mas de uma variação estável.
A análise de Battisti (1997) visa a explicar a redução que pode atingir sílabas
com ditongos nasais, embora trate também da assimilação do ponto nasal-oclusiva e
do surgimento do ditongo ão. Uma das hipóteses da autora é que modelos baseados
em regras ordenadas ou regras que atuam em níveis diferentes não conseguem
descrever os casos de nasalização. Para tanto, vale-se de uma teoria que substitua
regras por princípios e aplicação/não aplicação por restrições hierarquizadas violáveis,
a Teoria da Otimalidade (PRINCE e SMOLENSKY, 1993).
A variação entre uma forma plena e uma forma reduzida é condicionada pela
interação entre as restrições na hierarquia proposta. O português apresenta um
sistema trocaico, que é sensível ao peso silábico e chamado troqueu moraico. Para
uma palavra ser considerada bem-formada, deve, entre outros motivos, ter acentuada
a sílaba pesada, que pode ser um núcleo ramificado ou uma coda preenchida, por
exemplo. O ditongo nasal constitui, logo, uma sílaba pesada, embora não seja
acentuado em casos como jovem ou órgão. Esse caso é uma exceção ao padrão rítmico
da língua.
3 “Pode-se ouvir frequentemente sentenças como num vai não, menos frequente não vai, mas não vai
num é certamente impossível” (tradução minha)
PONTO DE PARTIDA 49
Sabe-se ainda que esse ditongo pode aparecer em sua forma plena,
preservando o ditongo nasal, ou reduzida. Há, na escolha de uma forma reduzida como
candidato ótimo, o alto ranqueamento de restrições prosódicas, como as de Pé, que
atuam na formação do sistema rítmico das línguas naturais.
A emergência de jovi, em vez de jovem, por exemplo, é explicada por uma
tentativa de que troqueus bem-formados sejam as formas de output. Em outras
palavras, a língua retira o peso moraico da sílaba que é pesada, mas não é acentuada,
como jovem e órgão que tem ditongo e coda preenchida. Dessa forma, emergem
palavras com boa formação, como o troqueu bimoraico jovi e órgu.
É, inclusive, por esse motivo que Battisti (1997) não pode assumir que sílabas
com monotongação e manutenção da nasal, como órgun, sejam casos de redução. Em
órgun, a sílaba continua sendo pesada, visto que a nasal ocupa a coda final. Considerar
esses casos como redução de ditongos nasais seria um problema para a confirmação
da hipótese de seu trabalho.
Bopp da Silva (2005) toma a análise variacionista feita por Battisti (2002) como
ponto de partida para ancorar suas hipóteses e comparar os resultados. O objetivo
geral da autora é controlar variáveis sociais e linguísticas, de modo que se identifiquem
quais fatores condicionam a redução dos ditongos nasais. Já o objetivo específico
refere-se ao peso que o fator bilinguismo tem na aplicação da regra variável, se a
favorece ou a desfavorece. Para tanto, o corpus utilizado contempla falantes bilíngues
do português e do alemão, residentes de Panambi, cidade do interior do Rio Grande do
Sul, e, também, falantes monolíngues, moradores de Porto Alegre.
O estudo de Battisti (2002) revelou um favorecimento da variável localização
geográfica como condicionadora da redução dos ditongos nasais. Com base nisso,
Bopp da Silva propõe que o bilinguismo, encontrado em certas colônias de imigrantes
europeus no Rio Grande do Sul, possa influenciar também o processo. Descobriram-se,
do mesmo modo, indícios de que há uma maior preservação dos ditongos nasais em
localidades de bilinguismo, como Panambi, por meio do Atlas Linguístico-Etnográfico
da Região Sul do Brasil (ALERS).
A partir desses referenciais, a autora levanta a hipótese de que o sistema
linguístico do alemão, que não apresenta vogais nasais, pode ter um papel decisivo na
PONTO DE PARTIDA 50
manutenção dos ditongos nasais em contexto e sílaba átona final. Os falantes
bilíngues, ao aprenderem o português, tenderiam a reforçar a nasalidade desses
ditongos, evitando, assim, que se reduza.
A amostra do estudo foi organizada a partir das gravações de 24 informantes,
selecionados de acordo com o bilinguismo/monolinguismo, a idade e a escolaridade.
Utilizaram-se três faixas etárias para distinguir os falantes, bem como dois níveis de
escolaridade (até quatro anos de estudos e de nove a doze anos de frequência
escolar). A variável sexo, cuja relevância não foi identificada por Battisti (2002), não foi
controlada na pesquisa, visto que não permitiria o preenchimento adequado das
células de informantes.
A variável dependente do trabalho é a redução da nasalidade em ditongos no
contexto de sílaba átona final, podendo ter duas variantes: perda total da nasalidade
ou manutenção da nasalidade. Os casos em que há alteração na qualidade vocálica do
núcleo com preservação da nasalidade, como ontim ou órgum, são considerados pela
autora exemplos de não aplicação da regra de redução. Vale observar o trecho em que
isso é afirmado:
Nesses casos, o que se altera é o ditongo, que se reduz, mas a nasalidade continua preservada na sílaba em questão. Em surgindo em nossos dados ocorrências deste tipo, estas serão contempladas no grupo preservação, ou seja, serão consideradas casos de não-aplicação da regra, visto que o traço de nasalidade é mantido e o que nos interessa, no âmbito da variável dependente, é a redução da nasalidade, e não alterações nas vogais do ditongo (BOPP DA SILVA, 2005:104).
As variáveis linguísticas controladas por Bopp da Silva (2005) na análise
multidimensional dos dados foram as seguintes: vogal do ditongo, se média (viagem)
ou baixa (cantam); consoante do onset (anterior, posterior, nasal ou vazio); contexto
seguinte (consoante nasal, consoante não nasal, vogal ou pausa); tonicidade do
contexto seguinte (tônico ou átono); e classe de palavras. Já as sociais, como citamos,
foram idade, escolaridade e bilinguismo.
Foram reunidos 1728 dados, dos quais 31% correspondem à redução dos
ditongos nasais, enquanto 69%, à não aplicação da regra variável. Dentre os resultados
obtidos na pesquisa, destacam-se os da variável bilinguismo e de classe de palavras.
PONTO DE PARTIDA 51
No primeiro caso, ficou confirmado que falantes monolíngues tendem a reduzir
mais os ditongos nasais que falantes bilíngues. A distribuição probabilística ficou em
0.41 para falantes bilíngues e 0.61 para os monolíngues, o que pode ser explicado
(BOPP da SILVA, 2005: 120) pela aprendizagem do português via escolarização. Os
bilíngues aprenderam, de acordo com Bopp da Silva, o português através da
frequência escolar, enquanto os monolíngues o teriam feito no uso cotidiano. Sendo a
escola ainda uma instituição formal, que trabalha, em muitos casos, com o conceito de
língua mais próxima à modalidade escrita, é provável que os bilíngues preservem mais
os ditongos nasais que os demais.
A autora assume que os mais velhos tenham maior influência da língua alemã e
que os mais jovens teriam menor contato com a língua e, portanto, apresentariam
menor interferência do alemão. A explicação para a hipótese é que os mais jovens
teriam sido criados em novas condições sociais (maior acesso aos meios de
comunicação, aumento da mobilidade, e interferência direta da escolarização regular),
o que reduziria o contato com a outra língua. Essa generalização é confirmada pelo
cruzamento das variáveis idade e bilinguismo, pois entre os falantes bilíngues os mais
idosos têm 17% de redução, enquanto os mais jovens, 30%.
O outro destaque dos dados da pesquisa de Bopp da Silva foi o grupo classe de
palavras, que se dividia nos seguintes fatores: nomes em -gem, nomes (adjetivos e
substantivos), verbos na forma pretérita e verbos na forma não pretérita. Foi
confirmada, na amostra, a tendência que a terminação -gem tem à redução, com peso
de relativo de 0.70. Embora não tenham sido considerados dados que admitem duas
entradas lexicais, como garagem e garage, a maior probabilidade de reduzir o ditongo
pode estar, portanto, relacionada a um fator histórico da própria terminação.
Na próxima subseção, descreveremos os principais trabalhos elaborados sobre
a negação, do ponto de vista semântico-pragmático, e sobre o operador de negação e
a sua distribuição em três diferentes tipos de construção, do ponto de vista sintático-
fonológico.
2.2. Sobre a negação
PONTO DE PARTIDA 52
A negação padrão, enquanto universal linguístico, pode se manifestar nas
diferentes línguas naturais fonológica, morfológica, lexical ou sintaticamente (PAYNE,
1985; MIESTAMO, 2007). Chama-se negação padrão todo tipo de proposição que tem
seu valor de verdade revertido por um operador negativo, que pode ser, entre outras
coisas, um afixo, como na língua letã (exemplo em 4), uma partícula não flexionada,
como no francês, ou um verbo auxiliar, como no finlandês (exemplo em 5)
(MIESTAMO, 2007: 553, 554).
(4) (adaptado de Miestamo, 2007: 553)
a. tēv-s strādā pļava
pai-NOM trabalhar
3ªp.sg.
prado LOC.
‘Pai está trabalhando no prado’
b. tēv-s ne-strādā
pai-NOM NEG-trabalhar 3ªp.sg.
‘Pai não está trabalhando’
(5) (adaptado de Miestamo, 2007: 554)
a. koira-t haukku-vat
cachorro-PL latir-3ªp.pl.
‘Cachorros latem’
b. koira-t ei-vät haukku-vat
cachorro-PL NEG-3ªp.pl latir-3ªp.pl.
‘Cachorros não latem’
No PB, os expedientes utilizados para negar um enunciado declarativo são
frequentemente lexicais, embora possa também ocorrer algum prefixo com valor de
PONTO DE PARTIDA 53
negação, como des-. A manifestação lexical da negação envolve pronomes (nada e
ninguém) e advérbios (nem e nunca), como é demonstrado nos exemplos de (6) a (10).
Contudo a negação padrão é expressa, majoritariamente, no PB pelo advérbio não
(MOURA NEVES, 2000), que pode se realizar com o ditongo nasal, [nãw], ou em sua
forma reduzida [nu]. Dos outros expedientes lexicais citados nos exemplos de (6) a
(10), os únicos que admitem a co-ocorrência com não na mesma oração são nada e
ninguém, como no exemplo (11):
(6) João desfez o nó da gravata.
(7) João viu nada na estrada.
(8) Ninguém viu o acidente na estrada.
(9) Ele nem viu o acidente na estrada.
(10) Ele nunca foi ao Japão.
(11) João não viu nada/ ninguém na estrada.
Destaca-se que os pronomes nada e ninguém em (11) estão em posição de
argumento interno do verbo ver. Caso esses pronomes ocupassem a posição de
argumento externo, o enunciado se tornaria agramatical, como atestam os exemplos
em (12)4:
(12) a. * Ninguém não viu o acidente na estrada.
b. * Nada não aconteceu na estrada.
De acordo com Negrão et alii,
Se um item negativo, como nada, nenhum, ninguém, nunca, jamais, ocorre em posição pré-verbal, ele não só dispensa o uso do não (evidenciando uma distribuição complementar entre o operador negativo e itens negativos de uma maneira geral), mas também funciona como um elemento que autoriza a eventual presença de outros itens negativos em posição pré-verbal (NEGRÃO et alii, 2002: 364)
4 Vitral (1999) afirma que, em alguns dialetos, essas frases seriam bem formadas.
PONTO DE PARTIDA 54
Alguns exemplos de co-ocorrência de itens negativos em posição anterior ao
verbo são os que aparecem nos enunciados em (13), pois, no exemplo a, as palavras
nenhum e jamais antecedem o verbo voltar e, no exemplo b, são os vocábulos
ninguém e nunca que aparecem antes do verbo encontrar:
(13) a. Nenhum político jamais volta aos bairros depois das eleições.
b. Ninguém nunca encontrou o tesouro.
A ocorrência de elementos negativos é permitida, desde que não envolva o
operador negativo não, que parece ser bloqueado quando ocupa a posição pré-verbal
(NEGRÃO et alii, 2002), mesmo que o item negativo ocupe a posição de Spec de TP e o
operador de negação ocupe NegP (POLLOCK, 1989). Caso o item não seja deslocado
para o fim do enunciado, as frases são licenciadas, como é demonstrado abaixo nos
exemplos em (14), que são uma releitura de (12).
(14) a. Ninguém viu o acidente na estrada não.
b. Nada aconteceu na estrada não.
Esse tipo de construção, conhecida como negativa dupla (RONCARATI, 1997;
FURTADO DA CUNHA, 2000; SWENTER, 2004; SOUSA, 2012), é frequente no PB e pode
ocorrer com todos os elementos de negação apresentados nos exemplos de (6) a (10).
Alguns autores relacionam seu uso à expressão da ênfase ou reforço da negação.
Negrão et ali (2002: 357) afirmam que não foram encontrados no corpus do trabalho
dados de co-ocorrência de itens negativos com não adjacente ao verbo, mas a
ocorrência de não no fim da sentença funciona como uma “reafirmação da negação”,
como seriam os exemplos em (14). Mesmo assim, alguns exemplos demonstram que o
realce entoacional não é uma característica exclusiva da construção dupla negativa.
Podemos imaginar uma situação em que um suspeito é interrogado por autoridades
policiais e, ao ser questionado reiteradamente sobre sua participação em uma
atividade ilícita, responde: “eu NÃO tenho participação no caso!”. O dado tem por
base uma estrutura canônica de negação e configura um caso de ênfase, através da
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qual o falante reforça a negação do pressuposto (ter participação no caso ilícito).
Sendo assim, como questiona Swenter (2004), parece que a ênfase não serve como
argumento único para explicar o surgimento e o uso contínuo das estruturas de
negativa dupla no PB, já que também pode ocorrer em estruturas de negação
canônica. Ao contrário, esse tipo de construção parece ser sensível à informação
semântica e pragmática, como a noção de informação nova e informação velha no
discurso. As noções de escopo e de foco tornam-se, dessa maneira, relevantes para
entender os contextos em que a construção de dupla negativa pode ocorrer no PB.
A negação pode ter como escopo uma oração ou apenas algum constituinte da
oração (MOURA NEVES, 2000), embora o foco possa incidir sobre um constituinte
específico. Essa diferenciação se faz necessária, porque o escopo se refere ao nível
sintático-semântico do enunciado, enquanto o foco diz respeito ao destaque
entoacional dado a uma porção do enunciado. Entretanto, o foco pode interferir no
escopo da negação, particularizando-o ao constituinte destacado, como demonstrou
Jackendoff (1972). Em um enunciado como aquele expresso em (15), o escopo da
negação é apenas o constituinte [o livro], porque não se nega o valor de verdade da
proposição, mas sim uma parte específica da proposição. De acordo com a análise
elaborada por Frota (2000), pode-se considerar este exemplo um caso de foco
contrastivo, em que um constituinte específico é focalizado e apresenta um contorno
melódico distinto do de uma declarativa neutra. A retificação do enunciado de (15) em
(15a) só é possível, porque existe um foco individualizado da negação no constituinte
[o livro]. Do contrário, se o enunciado tivesse sido produzido como uma asserção
neutra, seria impossível obter o mesmo significado de correção ou retificação.
(15) O menino não encontrou O LIVRO na estante.
(15a) O menino não encontrou O LIVRO na estante; encontrou o caderno.
(15b) * O menino não encontrou o livro na estante; encontrou o caderno.
Independente de o foco da negação recair sobre a oração ou algum
constituinte, o advérbio não tem sido identificado como um operador enfático por
alguns trabalhos (MIOTO, 1991; MARTINS, 1997; MOURA NEVES, 2000; FURTADO DA
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CUNHA, 2001, entre outros). Contudo, conforme pretendemos evidenciar nesta tese,
nem todos os casos de não (ou num) estão relacionados a um acento de ênfase; ao
contrário, estes casos constituem um grupo bastante reduzido e com características
entoacionais e prosódicas muito particulares (para mais informações, ver capítulo 5).
Do ponto de vista pragmático, Swenter (2004) analisa que a ênfase não pode ser
caracterizadora da negação no PB, porque não explica em que condições cada tipo de
negação pode ser aplicada, ou seja, a ênfase não distingue em que contextos um
falante prefere uma construção de negação padrão e em que contextos a preferência é
pela negativa dupla. O autor (2004: 1434) exemplifica um contexto em que a produção
enfática parece ser natural, mas a ocorrência da dupla negativa não é licenciada: um
indivíduo, andando pela rua, se lembra de que havia se esquecido de desligar o fogão e
profere “Nossa, eu não desliguei o fogão (*não)!”. A impossibilidade de ocorrer uma
negativa dupla reforça o fato de que a ênfase não particulariza, nem distingue os tipos
de negação, visto que, em “Nossa, eu NÃO desliguei o fogão (*não)!”, um acento
enfático pode estar associado ao operador de negação pré-verbal, mas não pode
aparecer um não ao fim do enunciado. Esse caso revela, semanticamente, uma quebra
na expectativa do falante, que acreditava ter desligado o fogão. Segundo Swenter, a
negativa dupla não pode ocorrer quando as expectativas do falante são novas, o que
sugere que este tipo de negação é sensível à estrutura informacional do discurso, e
não à ênfase. Se alterarmos o contexto proposto anteriormente, de modo que a
informação sobre “desligar o fogão” seja uma informação velha, a negativa dupla é
licenciada. Neste novo contexto, dois indivíduos conversam na rua e um deles
pergunta “você desligou o fogão, né?”, ao passo que o outro responde “Nossa, não
desliguei não!”. A negativa dupla se torna possível justamente pelo fato de a
informação sobre desligar o fogão já ter sido introduzida no discurso pelo primeiro
interlocutor, o que faz com que a expectativa do falante não seja nova. Esse caso
revela que as três estratégias de negação sentencial no português não são
funcionalmente equivalentes, mas se distribuem de acordo com restrições semânticas
e/ou pragmáticas.
Uma dessas restrições se refere à negação de um pressuposto, em que apenas
a negação canônica pode ser aplicada (SWENTER, 2004). Nesses casos, é negada uma
PONTO DE PARTIDA 57
pressuposição que se faz sobre o enunciado, mas não a declaração em si. Vejamos os
exemplos em (16) e (17), adaptados de Swenter (2004):
(16) A: O João parou de fumar.
B: Ele não parou de fumar (*não). Ele nunca fumou.
(17) A: O João parou de fumar.
B: Ele não parou de fumar (não). Ele ainda fuma.
Em (16), a negação no enunciado de B é sobre a pressuposição de que João
fumava, e não em referência ao fato de ele ter parado de praticar tal ato. Isso fica
evidente pela continuação do enunciado, negando a possibilidade de ele ter fumado
algum dia. Nesse caso, apenas a negação canônica é licenciada. Ao contrário, em (17)
tanto a negação canônica como a dupla negativa podem ocorrer, visto que a negação é
feita sobre a declaração de ter parado de fumar. Com isso, percebe-se que a dupla
negativa é permitida apenas para negar a asserção, mas não a pressuposição. Os
exemplos em (18) e (19), adaptados de Geurts (1998), reforçam a impossibilidade de
uma dupla negativa ocorrer em um contexto de negação do pressuposto.
(18) A: O João percebeu que chovia?
B: Não, o João não percebeu que chovia (não).
(19) A: O João percebeu que chovia?
B: Não, o João não percebeu que chovia (*não), porque não chovia.
Em (18), nega-se o fato de João ter percebido a chuva, enquanto, em (19), é
negado que chovia. Logo, se não chovia, o João não podia ter percebido a chuva.
Entretanto, neste exemplo, justamente por a negação incidir sobre a pressuposição do
enunciado, a dupla negativa é estranha. Como pode se observar, há mais de um tipo
de negação que reflete, segundo Geurts (1998), os mecanismos pelos quais a
denegação pode ser operada, desde a negação de uma proposição, que é a forma
clássica já assinalada por Aristóteles, passando pela negação de pressupostos,
implicaturas e formas linguísticas. Swenter (2004) verificou que as restrições que
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atuam na escolha do tipo de estrutura de negação estão diretamente relacionadas a
essas classes de denegação. Assim, a operação de negar uma proposição parece não
restringir a seleção entre negativa canônica, dupla negativa ou negativa final, já que
negar uma declaração é a classe mais genérica. As demais, ao contrário, bloqueiam
(SWENTER, 2004) o uso de uma negativa dupla, conforme os exemplos em (16), (18) e
(19) demonstraram. O uso da negativa dupla pode também apontar para desambiguar
a interpretação de dois enunciados semelhantes:
(20) A: O João votou no Lula?
B1: O João não votou (não).
B2: O João não votou (*não).
O exemplo em (20), adaptado de Swenter (2004), torna bastante clara a
rejeição entre a negação de um pressuposto e a dupla negativa. A resposta de B2 a
uma pergunta geral do tipo sim/ não encaminha a leitura de que João não votou, seja
no Lula, seja em qualquer outro candidato; ele simplesmente não compareceu para
realizar o ato de votar. Já a resposta de B1 deve ser interpretada como uma negação
da proposição, que é votar no candidato Lula. Neste caso, o pressuposto “votar” é
afirmado.
Deve ser registrado ainda o fato de que a negação canônica pode ser usada em
qualquer uma das interpretações, seja no caso em que João não votou apenas no
candidato Lula, como em B1, seja no caso em que João não votou em ninguém, como
em B2 do exemplo em (20). Esses dados reiteram o fato de que a negação canônica
pode estar associada a informações novas no discurso, bem como a informações
velhas menos facilmente recuperadas, que é o caso do pressuposto do verbo votar.
A negativa dupla, por sua vez, deve se vincular às informações discursivas
velhas, porém apenas àquelas que forem facilmente acessíveis. Assim como ocorre no
exemplo do fogão, em que a expectativa do falante é quebrada pela inserção de uma
informação nova, há restrição para a estrutura de negativa dupla nos casos em que a
informação velha não estiver ativa.
PONTO DE PARTIDA 59
Com relação às negativas finais, que são as construções em que o operador de
negação aparece apenas na posição posposta, Swenter (2004) afirma que atuam sobre
elas restrições discursivo-pragmáticas mais rigorosas. Diferentemente dos outros dois
tipos de construção negativa, a que envolve uma negação do fim do enunciado não é
licenciada em situações que envolvem a inferência de uma informação. Por exemplo,
essa construção não pode ocorrer em uma situação cuja informação seja inferível no
contexto discursivo, como em (21), adaptado de Swenter:
(21) A: Você pegou o dinheiro no banco?
B: *Fui não.
Neste exemplo, infere-se que A acredita que B tenha ido ao banco, já que esta
informação não está explícita. A negação de B refere-se a essa inferência, sendo
demonstrada, inclusive, pelo uso do verbo ir em sua forma de 1ª pessoa do singular do
pretérito perfeito. A dificuldade de aceitar a ocorrência de um enunciado como este é
desfeita pelo exemplo (22), em que são possíveis tanto a negação canônica como a
negativa dupla.
(22) A: Você pegou o dinheiro no banco?
B: Não fui (não).
A negativa final é, portanto, mais restrita que as demais construções, na
medida em que admite apenas a negação da proposição explicitamente ativa no
contexto, no caso, a pergunta de A. Desse modo, apenas a resposta à pergunta sobre
pegar dinheiro no banco pode ser relacionada a essa estrutura, como em (23):
(23) A: Você pegou o dinheiro no banco?
B: Peguei não.
A conclusão a que chega Swenter é que a negativa final é restrita a um
subconjunto de contextos em que a negativa dupla pode ser aplicada, sendo ambas
PONTO DE PARTIDA 60
funcionalmente distintas da negação padrão, que pode ser aplicada em todos os
contextos estudados. As estruturas de negação não padrão (negativa dupla e negativa
final) se assemelham por necessitarem de que a proposição negada seja uma
informação velha no discurso. No entanto, a negativa dupla acessa aquelas
informações que são facilmente recuperáveis, ou seja, que são inferidas, ao passo que
a negativa final recupera apenas aquelas informações dadas que são ativamente
explícitas no contexto. Roncarati (1997) apresenta informações relevantes nesse
sentido, pois seus resultados apontam que em contextos de negativa final o verbo da
pergunta frequentemente é retomado na resposta. Em outras palavras, além de exigir
que a asserção negada esteja explicitamente acessível, a negativa final recupera
também o verbo do contexto explicitamente ativo. É o que ocorre no exemplo (23), no
qual o verbo pegar do contexto ativo é repetido na resposta.
O surgimento dessas estruturas não canônicas é frequentemente relacionado a
uma necessidade de a língua marcar a ênfase. Um dos trabalhos seminais sobre o
assunto é o de Jespersen (1917) que trata sobre a renovação de partículas negativas
nas línguas naturais, de modo que a mudança se complete com a substituição do
antigo operador por um novo, ao qual, geralmente, está associado um acento enfático.
Esse processo ficou conhecido como Ciclo de Jespersen, cuja dinâmica envolve um
estágio em que os dois elementos de negação concorram na mesma sentença, ou seja,
um caso de dupla negativa (van der AUWERA, 2008). Essa restrição se faz necessária,
porque, como destaca van der Auwera (2008: 1), operadores de negação podem se
desenvolver diretamente de verbos ou nomes.
Sobre o processo de mudança por que passam as estruturas de negação,
Jespersen afirma que:
The history of negative expressions in various languages makes us witness the following curious fluctuation: the original negative adverb is first weakened, then found insufficient and therefore strengthened, generally through some additional word, and this in turn may be felt as the negative proper and may then in course of time be subject to the same development as the original word5. (Jespersen 1917: 4).
5 A história das expressões de negação em várias línguas nos faz testemunhar esta curiosa flutuação:
primeiramente, o advérbio de negação original é enfraquecido, depois considerado insuficiente para ser, portanto, fortalecido, geralmente, por uma palavra adicional, e esta, por sua vez, é sentida como a
PONTO DE PARTIDA 61
No francês, por exemplo, o advérbio de negação ne é a forma enfraquecida de
non, do qual se origina. A palavra pas, que acompanhava verbos de movimento, passa
a integrar a estrutura de negação, tendo a princípio seu significado original
preservado. A frequência de uso fez com que pas passasse a ser identificado
semanticamente com a negação, podendo, então, seu uso ser expandido para verbos
de outros significados. Com isso, duas construções competiram durante um período: a
estrutura neutra original, que continha apenas o advérbio ne, e a estrutura enfática,
composta de ne V pas. A ênfase, como afirma van der Auwera (2008: 4), é formal e
semântica, visto que, formalmente, há o acréscimo de uma nova estrutura e,
semanticamente, a palavra pas tem, primeiramente, seu significado preservado, que
não é o da negação sentencial. Em outras palavras, a estrutura enfática, a princípio,
necessitava do operador de negação original, pois não estabeleceria a negação
proposicional sem ele.
A negação, que é um universal linguístico (PAYNE, 1985), é recorrentemente
associada à ênfase, porque alguns estudiosos descrevem, desde o século XIX, que os
enunciados negativos pressupõem quase sempre os correspondentes afirmativos
(HORN, 2001). Daí haveria uma necessidade de reafirmar enfaticamente a negação da
proposição. Numa abordagem funcionalista, Givón (1979) afirma que as estruturas
negativas, no geral, são mais marcadas em termos discursivos e pragmáticos que as
proposições afirmativas, pois aquelas pressupõem uma discussão prévia da proposição
afirmativa ou, de outro modo, o falante deve assumir que o seu interlocutor reconhece
o enunciado afirmativo.
Essa hipótese para o surgimento das estratégias não canônicas tem sido
sustentada por alguns pesquisadores para explicar a concorrência de três estratégias
no PB (RONCARATI, 1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; SOUSA, 2007).
Inclusive, poderia se pensar num esquema como o apresentado em (24) para explicar
as etapas pelas quais o fenômeno passou até atingir a forma atual, que ainda é de
concorrência. Entretanto, conforme salienta Swenter (2004), há muitas diferenças
própria palavra de negação e pode, depois, ao longo do tempo, passar pelo mesmo processo da palavra original (tradução minha).
PONTO DE PARTIDA 62
entre o processo que ocorreu no francês ou em outras línguas para o que ocorre no
PB, como o fato de o segundo elemento ser, a priori, o mesmo que o operador original
(não pré-verbal e não pós-verbal), e não ter surgido de um verbo ou um nome. Isso
implica que o significado original do segundo elemento é o de um operador de
negação sentencial, assim como o elemento original. A fim de detalhar essas
discussões específicas ao PB, na próxima subseção, faremos uma descrição dos
principais trabalhos que se debruçaram sobre o tema.
(24) estágio 1: Neg VP
estágio 2: Neg VP ~ Neg VP não
estágio 3: Neg VP ~ Neg VP não ~ VP não
2.2.1. Sobre a negação no PB
Os principais estudos desenvolvidos sobre o tema estão ancorados quer seja
nos pressupostos funcionalistas (RONCARATI, 1997; FURTADO da CUNHA, 2001;
SOUSA, 2007), seja nos gerativistas (MARTINS, 1997; VITRAL, 1999; CAVALCANTE,
2007, 2012; SOUSA, 2012), seja, sobretudo, nos sociolinguistas (ALKMIM, 2002;
RAMOS, 2002; REIMANN & YACOVENCO, 20011; ROCHA, 2013; SEIXAS, 2013;
REIMANN, 2014). Não há entre os trabalhos pesquisados um consenso a respeito do
estágio em que o processo se encontra atualmente no PB. Alguns estudos apontam ser
processo em variação estável em que convivem três estratégias para expressar a
negação: uma pré-verbal, outra pré- e pós-verbal e a última pós-verbal apenas.
Entretanto, outros trabalhos indicam ser um processo de mudança em progresso, com
a estratégia de dupla negativa substituindo paulatinamente a estratégia de negação
canônica. Como são muitos os trabalhos, selecionamos, para uma breve descrição,
apenas aqueles que mais contribuíram para esta tese no que tange à sua principal
hipótese, que é a da redução da partícula negativa.
Martins (1997) relaciona o enfraquecimento do não pré-verbal ao
aparecimento do não pós-verbal, porque aquele não seria mais capaz de negar a
sentença. Com isso, relaciona a existência de construções distintas para expressar a
PONTO DE PARTIDA 63
negação no PB ao processo descrito pelo Ciclo de Jespersen de mudança do padrão da
negação sentencial nas línguas do mundo.
Na proposta, o segundo não funcionaria como um marcador de reforço e teria
diferenças formais, a depender do tipo de construção em que ocorre. Nas sentenças
canônicas, o não gerado em NegP seria movido para adjunção ao núcleo de AgrP, já
que é a posição proclítica para a qual os clíticos são movidos no PB. Como o num
reduzido é incapaz de negar a sentença, seria necessário gerar um segundo operador
negativo, que funcionaria como um advérbio de VP. Assim, nas estruturas de dupla
negativa, [Neg VP não], haveria um núcleo fraco, ocupado pelo clítico num e o segundo
não teria função enfática, além de ser responsável por negar a sentença.
Nas estruturas de negativa final, [VP não], por outro lado, haveria uma forte
relação com a informação implícita da proposição negada, conforme fora apontado
por trabalhos na linha da pragmática (DRYER, 1996; SWENTER, 2004; LIMA, 2013). A
possibilidade de ocorrência em dois contextos, de acordo com Martins (1997), indica
essa necessidade de a informação pressuposta estar semântica e pragmaticamente
ativa no discurso. Os contextos seriam o das perguntas gerais, do tipo sim/não, e de
comandos com verbos no imperativo, como se observam, respectivamente, nos
exemplos (25) e (26) retirados de Martins (1997: 44):
(25) A: O João vai?
B: Vai não.
(26) Bate a porta não!
Perturba não!
Nos dois casos, a informação pressuposta está ativa no discurso e é facilmente
recuperada pelos interlocutores: em (25), a proposição negada é recuperada na
pergunta; em (26), as frases de comando negativo pressupõem que o interlocutor
havia executado aquelas performances; do contrário, não faria sentido dizer para
alguém “Perturba não!” quando esta pessoa estivesse quieta.
Essa restrição discursiva faz com que Martins (1997) proponha que a estrutura
de negação final seja um caso de tópico e a negação um comentário que se faz sobre
PONTO DE PARTIDA 64
essa sentença. Assim, a sentença seria movida para a posição TopP, enquanto o
operador de negação sentencial estaria em ΣP, uma categoria funcional responsável
por checar os traços de partículas negativas ou afirmativas. Esta categoria ocuparia
uma posição mais periférica neste tipo de sentença e no seu núcleo sintático haveria
um traço forte, que caracterizaria as negativas finais.
Para a autora, a estratégia de negação canônica configuraria um resquício na
língua, estando o PB em um estágio intermediário do modelo de mudança proposto
pelo Ciclo de Jespersen. Não concordamos com essa posição, uma vez que, conforme
mostraremos no capítulo 5, a negação canônica ainda corresponde à maior parte dos
dados.
Assim como Martins (1997), Vitral (1999) também demonstra por meio da
análise de dados que o Ciclo de Jespersen pode explicar a distribuição da negação em
três estruturas diferentes no PB. Segundo o autor, são dois os fenômenos que
evidenciam isso: o estatuto clítico de num e certas palavras terem adquirido
significado negativo ao longo da história da língua e, hoje, poderem ser usadas para
negar uma proposição.
Vitral (1999: 9) afirma que num tem as mesmas características que um clítico
pronominal6, pois não aparece junto a adjetivos, não funciona como resposta absoluta
a perguntas gerais, não pode ser topicalizado, nem ser movido para uma posição pós-
verbal. Uma partícula clítica licenciaria, então, o aparecimento de outro operador
funcional ao fim da sentença, como prevê o Ciclo de Jespersen.
O outro fenômeno que relaciona a mudança no padrão da negação sentencial
às três estratégias de negação no PB é o valor semântico que assumem certas palavras
por ocorrerem frequentemente em contextos de negação. No português, o autor cita
como exemplo a palavra nada, que originalmente era usada na locução rem natam
(‘coisa que exista’) do latim. Atualmente, essa palavra pode funcionar como um
operador de negação em posição pós-verbal, inclusive, como mostra o exemplo (27),
uma alternativa a (25).
6 No entanto, mostraremos no próximo capítulo, com base em Vigário (2003), que num não apresenta
todas as características de um clítico pronominal.
PONTO DE PARTIDA 65
(27) A: O João vai?
B: Vai nada.
Essa mudança no significado da palavra nada se assemelha ao processo de
ganho de significado por que passou a palavra pas do francês, embora este caso
envolva uma mudança sintática mais complexa, já que, de fato, passa a ser o operador
de negação sentencial. No português, o operador posposto prototípico é o não, e não
nada.
Sob a perspectiva teórica funcionalista, Furtado da Cunha (2001) analisa as três
estratégias de negação, com o objetivo de identificar como a função de quebra de
expectativa motiva os usos de cada uma das construções. A autora utiliza amostras de
fala e escrita do Corpus Discurso & Gramática. Os sujeitos analisados são de Natal, no
Rio Grande do Norte, e pertencem a diferentes níveis de escolaridade.
Os resultados ratificam a hipótese de que as estruturas não canônicas
tenderiam a aparecer menos na escrita, que é uma modalidade mais conservadora,
uma vez que não foram encontrados dados de dupla negativa, nem de negativa final
nos textos escritos. Na fala, esse tipo de estrutura está mais relacionado a fatores
sociais que apresentam características mais inovadoras, como falantes mais jovens e
menos escolarizados, modalidade oral e estilo coloquial.
Vale destacar os resultados para a distribuição das estratégias de negação na
modalidade oral em função do nível de escolaridade dos falantes. Conforme se
observa na Tabela 2 (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9), há um uso bastante
expressivo da estrutura de negação padrão, com operador de negação pré-verbal, em
todos os níveis de escolaridade. Contudo, esse índice aumenta à medida que o nível de
escolaridade também se eleva.
Escolaridade Total não+SV não+SV+não SV+não
8º ano do ensino fundamental 365 293 (80,2%) 67 (18,3%) 5 (1,3%)
3º ano do ensino médio 562 508 (90,3%) 52 (9,2%) 2 (0,3%)
Universitário 538 497 (92,3%) 39 (7,2%) 2 (0,3%)
PONTO DE PARTIDA 66
Tabela 2: distribuição das estratégias de negação por escolaridade (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9)
Além disso, percebe-se que as estruturas não canônicas apresentam resultados
um pouco melhores, embora ainda sejam valores muito baixos, entre os falantes que
têm apenas ensino fundamental. Conforme se analisam os falantes que têm ensino
superior, há uma maior inibição às estruturas de dupla negativa e negativa final.
As situações comunicativas de cada uma das estratégias são, segundo a autora,
as seguintes: recusa de uma oferta ou sugestão, como no exemplo (28), retirado de
Furtado da Cunha (2001: 10); ou rejeição de uma proposição previamente
mencionada, a que a autora chama de negação explícita (exemplo 29), ou rejeição de
uma proposição pressuposta, chamada de negação implícita (exemplo 30).
(28) ...e teve uma pessoa que chegou para mim e perguntou... “Gerson..
você aceita ficar no cargo e tudo?” num sei o quê.. eu disse.. “não... num
aceito não porque...” (retirado de Furtado da Cunha, 2001: 10)
(29) ... e um motorista dele.. nesse tempo ele.. num era... num era um
motorista dele não... era do hotel... porque ele ficou sem motorista
(retirado de Furtado da Cunha, 2001: 11)
(30) ... a nova regente... ela não tava sabendo reger direito... a regente do
coral.. tava errando lá um monte de coisas.. né.. quando ia dar as notas
pra pessoa... não dividia o coral em vozes.. né.. soprano.. contralto...
esse negócio todo (retirado de Furtado da Cunha, 2001: 11)
Em (28), é feita uma oferta, ficar no cargo, e, em seguida, é dada a recusa; em
(29), a informação de que não era o motorista do sujeito fora mencionada
anteriormente; por fim, em (30), acredita-se que, por ser regente, a ocupante do cargo
saiba o que uma regente deve fazer, porém não é o caso. Neste exemplo, a informante
está relatando as situações vividas no filme Mudança de hábito, em que uma mulher
se finge de noviça e tem de reger o coral de freiras. O pressuposto de que a regente
saiba suas funções é denegado por sabermos não se tratar de uma regente.
PONTO DE PARTIDA 67
Furtado da Cunha (2001: 11) assinala que, a partir da análise dos seus dados, as
três estratégias de negação são funcionalmente idênticas, pois as negativas padrão,
dupla e pós-verbal podem ser intercambiáveis uma vez que são usadas,
prioritariamente, para rejeitar uma asserção ou, secundariamente, para recusar um
convite. No entanto, como afirmou Swenter (2004), essas três estruturas possuem
usos distintos e específicos, sendo umas mais restritas que outras em relação à
estrutura informacional do discurso. Como vimos, uma negativa dupla não pode ser
usada em um contexto em que há quebra de expectativa do ponto de vista do falante.
O exemplo do fogão é ilustrativo dessa restrição: nele, um falante, ao se dar conta de
que não desligou o aparelho, profere “Nossa, não desliguei o fogão!”, mas não “Nossa,
não desliguei o fogão não!”. Da mesma forma, Swenter (2004) demonstrou que a
negativa final apresenta restrições que exigem que a proposição negada esteja
facilmente recuperada no discurso. Essa dependência não significa que as palavras
tenham que ser idênticas, ou seja, não há dependência lexical. No exemplo a seguir,
embora a pergunta apresente o verbo haver, a resposta é licenciada com o verbo ter,
visto que são semanticamente semelhantes (mas não idênticos) neste contexto e a
alteração não interfere na recuperação da proposição.
(31) A: Já houve algum assalto no prédio?
B: Não. Teve assalto não. (exemplo retirado de Swenter, 2004: 1451)
Esses exemplos demonstram, portanto, que a hipótese defendida por Furtado
da Cunha não se sustenta, sobretudo, porque ignora o princípio básico de que
construções diferentes que ativam significados semelhantes têm usos distintos.
Alkmim (2002), analisando as estruturas de dupla negativa, trata de dois
princípios básicos para a Teoria da Mudança Linguística (WEINREICH, LABOV &
HERZOG, 1968 [2006]): o de como uma mudança ocorre em dois estágios de tempo
diferentes, princípio da transição; e o que investiga os fatores que ajudam a uma
mudança se efetivar num sistema sociolinguístico, princípio da implementação.
A autora parte de duas hipóteses levantadas na literatura para o surgimento
das estruturas de dupla negativa, o que nos remete às hipóteses que também são
PONTO DE PARTIDA 68
debatidas para o processo de redução dos ditongos nasais, conforme salientamos na
apresentação deste capítulo. Por um lado, alguns pesquisadores indicam que o uso de
uma estrutura negativa mais marcada é fruto de um processo de crioulização, gerado a
partir do contato de línguas africanas com o PB (BAXTER & LUCCHESI, 1997; HOLM,
2009: 110). Por outro, há estudiosos que veem no enfraquecimento fonético do não a
explicação para o surgimento das estruturas não canônicas (FURTADO da CUNHA,
2001).
Alkmim (2002) não assume nenhuma das duas posições, mas propõe que tenha
havido uma reanálise do item não, que, no início de seu uso posposto, era percebido
como um enunciado e, posteriormente, passou a ser interpretado como parte do
enunciado anterior. Para fundamentar essa hipótese, a autora recorre a textos de
peças teatrais do século XIX e recolhe os dados de dupla negativa. Verificou-se que os
usos de não posposto estavam frequentemente associados à palavra senhor, como
forma de tratamento entre um indivíduo de classe mais baixa e outro de classe mais
elevada. O exemplo (32), retirado de Alkmim (2002: 176), demonstra isso:
(32) Não acho nada barato, não senhor (1ª metade do século XIX)
A partir da segunda metade do século XIX, observou-se uma menor co-
ocorrência de não e senhor, ao passo que aumentou o número de não isolado ou junto
a outras formas lexicais. A autora se apoia nos relatos de Said Ali (1976) para sustentar
a hipótese de que este não não fazia parte da sentença, mas formava outro enunciado
com o pronome de tratamento senhor. Com o uso cada vez menos frequente deste
pronome, o não passou a integrar a sentença anterior, configurando um processo de
gramaticalização (ALKMIM, 2002: 177). A autora não informa o número de peças
teatrais consultadas, mas, de qualquer forma, parece ser uma afirmação carente de
mais dados empíricos. Além disso, só foram consultados autores mineiros e de um
total de 1943 dados de negação, apenas 45 eram de dupla negativa. Como não é nosso
objetivo realizar uma análise histórica da negação, não consideraremos essa hipótese
no trabalho, uma vez que ainda necessita de indícios mais robustos para a sua
confirmação.
PONTO DE PARTIDA 69
Um resultado interessante apresentado por Alkmim (2002) refere-se à possível
origem crioula das estruturas de dupla negativa. Após a constatação de que as três
estratégias de negação configuram um processo de mudança em progresso no PB, a
autora selecionou amostras de fala de habitantes de Mariana, em Minas Gerais, para
identificar o fator social que impulsionaria essa mudança. De acordo com os
resultados, os falantes mais jovens analfabetos ou com segundo grau,
independentemente de serem de etnia afro-brasileira ou não, constituem o grupo
inovador. Entre os indivíduos adultos ou idosos, há maior ocorrência de negativas
duplas entre os analfabetos do que entre os que haviam completado o segundo grau.
Em nenhum dos casos, o fator etnia se mostrou relevante, o que é um argumento
contrário à hipótese de que essas estruturas teriam se originado a partir do contato do
PB com línguas africanas.
A fim de verificar se a etnia, de fato, não interferia nos resultados, a autora fez
uma análise de dados em corpus de entrevistas com indivíduos pertencentes a uma
comunidade isolada de Pombal, também em Minas Gerais, que apresenta
características de etnia afro-brasileira. Os dados, comparados com os de Mariana,
reforçam a não influência do fator etnia, pois nos dois grupos sociais (Mariana e
Pombal) os favorecedores da transição foram os jovens, sobretudo, os analfabetos
(ALKMIM, 2002: 171).
Ao contrário da hipótese adotada por Alkmim (2002) de que a estrutura de
negativa dupla esteja em concorrência com a negação canônica e poderia ser
observado como um processo de mudança em progresso, Ramos (2002) afirma que
não se pode chegar a essa conclusão a partir de seus dados. A seguir, exibimos a tabela
adaptada de Ramos (2002: 164):
Negação canônica Negativas duplas Total
Jovens 73,9% (122) 17,8% (43) 100% (165)
Medianos 78,5% (187) 21,5% (51) 100% (238)
Idosos 82,1% (184) 17,9% (40) 100% (224)
Total 100% (493) 100% (134) 100% (627)
Tabela 3: distribuição de negação canônica e negativa dupla por faixas etárias
PONTO DE PARTIDA 70
De acordo com os dados, observamos que não há uma queda acentuada entre
o grupo dos falantes mais velhos e o dos mais novos, o que configuraria uma mudança
em progresso. Ao contrário, o processo parece bastante estável. Também se percebe
que, ao contrário do que os resultados de Alkmim (2002) mostraram, não parece haver
favorecimento da dupla negativa entre os mais jovens.
Ramos (2002) observa ainda a redução de não em num, sendo este um caso de
clítico. A autora (2002: 157) elenca um conjunto de características que definiriam o
item reduzido, como o fato de não ocupar uma posição final no enunciado; ser
reforçado pela variante não no mesmo enunciado; estar contíguo ao verbo, podendo
ser separado apenas por outros clíticos; e ter a presença de quantificadores, como
nada e ninguém.
Os resultados evidenciaram que essas predições estão corretas, além de indicar
um desfavorecimento do uso de num em orações subordinadas. Dado o caráter
inovador da redução do ditongo no item não, era esperado que num tivesse maior
frequência em orações absolutas ou principais. O peso relativo do fator oração
subordinada foi de 0.41, enquanto foi de 0.58 a probabilidade das orações absolutas
ou principais.
Embora a autora não encontre indícios para afirmar que as estratégias de
negação estejam em mudança em progresso, os dados respaldam a afirmação de que
a implementação de num seja um processo de mudança. Conforme é apresentada na
tabela a seguir, retirada de Ramos (2002: 161), a probabilidade de ocorrência de num
entre os jovens é bem mais elevada que o valor do grupo mais velho. Esse resultado
confirmaria, segundo a autora, o inovadorismo do item reduzido.
No. % Prob.
Jovens 139/ 165 84,2 0.70
Medianos 120/237 50,6 0.48
Idosos 85/225 37,7 0.32
Tabela 4: distribuição de num em relação ao fator faixa etária (retirada de Ramos, 2002: 161)
PONTO DE PARTIDA 71
Na próxima subseção, descrevemos os trabalhos que analisam as estruturas de
negação ou a variação entre os itens de negação à luz da influência de parâmetros
prosódicos ou de pressupostos da fonologia entoacional.
2.2.2. Sobre a prosódia da negação no PB
Até onde vai nosso conhecimento, são poucos os trabalhos que se
preocuparam em analisar a negação a partir de uma perspectiva fonológica.
Armstrong, Bergmann & Tamati (2008) descrevem o contorno das três estratégias,
buscando relacionar os padrões entoacionais que distinguem cada uma delas.
Iniciamos, porém, pela revisão de Ciríaco, Vitral e Reis (2004), que observam os
correlatos acústicos da redução do item num.
Ciríaco, Vitral e Reis (2004) assinalam que as formas pronominais você e eles e
o advérbio não podem sofrer redução, que seria atestada foneticamente através dos
correlatos acústicos da acentuação lexical no português. Esses correlatos, segundo
Moraes (1995), seriam a duração, intensidade e, em determinadas posições, F0.
Foi construído um corpus de fala controlada com quatro informantes
universitários de Belo Horizonte, que realizaram três leituras de seis sentenças. Cada
uma das leituras foi feita numa velocidade de fala diferente, pois os autores
acreditavam que, conforme a leitura fosse feita mais aceleradamente, haveria maior
probabilidade de serem produzidas formas clíticas.
Na tabela a seguir, adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis (2004: 149), encontram-se
as médias de duração e intensidade de num e não em dois contextos diferentes: diante
de sílaba átona e diante de sílaba tônica.
Realização Duração (ms) Intensidade (db)
...não falou... 179,8 51,7
...num falou... 101,7 55,9
... não disse... 171,7 54,9
...num disse... 128,9 56,5
Tabela 5: valores médios de duração e intensidade dos itens de negação (adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis, 2004:149)
PONTO DE PARTIDA 72
Os autores destacam o fato de as formas plenas terem uma maior duração que
as correspondentes reduzidas, sobretudo nos contextos em que ao clítico segue uma
sílaba tônica. Esta seria a principal evidência para a proposta de que as formas
reduzidas estudadas sejam interpretadas como clíticos no PB.
Os valores de intensidade, contudo, não confirmaram a hipótese dos autores,
que dizia respeito a encontrar valores menores em decibéis para formas reduzidas,
assim como foi feito para os valores de duração. Se isso fosse verdade, poderia se
considerar que a intensidade, que é um correlato acústico do acento, serviria de
indício para o estudo da cliticização de formas linguísticas. Como se observa na Tabela
5, porém, os resultados de intensidade são maiores para as formas plenas do que para
as reduzidas. Os autores explicam esse resultado por uma possível compensação: o
valor maior na intensidade dos elementos reduzidos compensaria a perda na duração
dos itens. Acreditamos que esse resultado inesperado tenha sido residual e não reflita
o comportamento das formas reduzidas, em geral. Os próprios autores (CIRÍACO,
VITRAL & REIS, 2004: 155) destacam que se trata de um estudo piloto e assumem que
analisaram poucos dados, o que pode ter influenciado nos resultados, principalmente,
da intensidade. Como nosso corpus é de fala espontânea, torna-se ineficaz a análise da
intensidade, uma vez que ela depende de muitos fatores que deveriam ter sido
controlados durante a gravação das entrevistas. Por exemplo, os informantes
utilizaram microfone de lapela durante as gravações, o que prejudica a observação da
intensidade. O ideal seria o uso de um microfone normal, com o cuidado de haver um
controle entre a distância da boca do interlocutor até o microfone. Entretanto esses
equipamentos inibiriam os falantes e não estariam de acordo com a proposta do
Projeto Concordância, que era a de organizar uma amostra de fala com base em
pressupostos sociolinguísticos. Diante disso, será observado, neste trabalho, apenas o
parâmetro acústico da duração.
O trabalho de Armstrong, Bergmann & Tamati (2008), por sua vez, descreve o
padrão entoacional das três estratégias de negação em sentenças declarativas e
interrogativas. A premissa é de que, além das diferenças pragmáticas, essas
construções podem também se diferenciar prosodicamente. Para tanto, elaboraram
PONTO DE PARTIDA 73
uma amostra de leitura controlada com seis falantes moradores de dois municípios
cearenses (Fortaleza e Aracati). A análise dos dados envolveu, além das três estratégias
de negação, as declarativas afirmativas que puderam ser usadas como contraste à
estrutura de negativa final, principalmente.
Os resultados das sentenças declarativas, os quais nos interessam,
demonstraram que o contorno ascendente inicial é menos frequente entre as
negativas do que entre as afirmativas. Entretanto, se ocorre um acento tonal, há duas
possibilidades: associação à primeira palavra acentuada do enunciado ou ao operador
de negação não pré-verbal. A associação do acento à primeira ω ocorreu em todos os
dados de declarativas afirmativas e em alguns de negativas finais. Contudo, em
negações canônicas e negativas duplas, o acento se associou ao item não, mesmo que
ele não fosse a primeira ω do enunciado. Esse resultado é um importante subsídio
para sustentar nossa hipótese de que não é uma palavra que recebe acento lexical e a
qual pode estar associado um acento tonal, que foi descrito pelos autores como um
L+H*. O padrão acentual ascendente é, de acordo com inúmeros trabalhos (MORAES,
1997; FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; SERRA, 2009;
CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), característico do contorno pré-
nuclear de muitas variedades do PB, embora possa não existir um consenso se o tom
baixo ou o alto está alinhado com a sílaba tônica, ou seja, se é um L*+H ou um L+H*
(FROTA & MORAES, no prelo).
É importante destacar essa distribuição diferente entre declarativas
afirmativas, por um lado, e declarativas negativas, por outro, porque aquelas
apresentaram, segundo Armstrong, Bergmann & Tamati (2008: 492), em todos os
casos, um acento tonal ascendente associado à primeira ω, enquanto as negativas não
(foram poucos os casos de negativas finais que tiveram esse comportamento e o
acento tonal não estava associada à primeira ω nos enunciados de negação canônica e
dupla negativa). Essa distribuição seria uma forma de os falantes anteciparem que se
trata de um enunciado negativo, pois, como não tem o padrão ascendente, o ouvinte
esperaria por uma negação. Justamente por ser um estudo de corpus controlado e
com poucos dados, os resultados podem ter sido enviesados. Entretanto, cabe
destacar que é uma proposta interessante e que merece uma futura observação.
PONTO DE PARTIDA 74
Ainda com relação à proeminência inicial, a análise dos dados de negativa dupla
e final indicou que apenas os enunciados longos apresentaram o acento tonal L+H*
associado ao não. Os enunciados mais curtos não tiveram contorno ascendente inicial.
Apesar disso, em ambas as estruturas, se percebeu um acento tonal descendente
seguido de um tom de fronteira associados ao não final. Sobre isso, os autores (2008:
492) afirmam: a negative particle in non-canonical position receives more intonational
prominence overall and is never unaccented7. Acreditamos, ao contrário, que o padrão
entoacional observado pelos autores não tenha relação com a presença de não em
posição pós-verbal, mas se refere, de fato, à posição de fim de IP, que é marcada no PB
com um acento descendente seguido de tom de fronteira baixo (CUNHA, 2000; FROTA
& VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; MORAES, 2008; SERRA, 2009;
CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo). É relevante o destaque para o
fato de que não sempre é acentuado na proeminência de IP. Um dos indícios que
corroboram essa afirmação é o fato de que ele nunca é reduzido nessa posição, sendo
sempre realizado como não.
2.3. Resumindo
Neste capítulo, assumimos que a variação fonética que ocorre entre não e num
no PB compõe um quadro de fenômenos bastante difusos que se reúnem sob o rótulo
de redução dos ditongos nasais. Em geral, este fenômeno atinge sílabas átonas,
porém, devido à alta frequência de determinados itens, pode também ocorrer em
sílabas tônicas, como é o caso do operador de negação.
As restrições, todavia, para a aplicação da regra de redução parecem se referir
aos domínios prosódicos do qual fazem parte. A proeminência de IP, por exemplo,
bloqueia a regra de redução, como ocorre com o cancelamento dos róticos (SERRA &
CALLOU, 2013, 2015). Além disso, falta investigar mais detidamente o não pré-verbal,
que pode encabeçar o IP ou aparecer após algum material fonético. No primeiro caso,
ele é a primeira palavra do enunciado e, se for acentuado, pode ter um acento tonal
associado ao seu contorno melódico. No segundo, ele não é a primeira palavra do
7 “Uma partícula negativa em posição não canônica recebe mais proeminência entoacional e nunca é
átona” (tradução minha).
PONTO DE PARTIDA 75
enunciado e pode estar diante de um sujeito, um conectivo, ou mesmo um adjunto
curto. É preciso, portanto, verificar se essas duas posições pré-verbais, em que o
fenômeno é variável, apresentam alguma diferença na realização do não ou num. Em
outras palavras, busca-se saber se há diferentes percentuais de frequência de
ocorrência dos elementos de negação nessas posições.
Como explicaremos no capítulo 4, nossa hipótese é que essas posições
apresentam resultados diferentes tanto na realização das variantes não e num, como
na associação de acentos tonais, o que parece ser uma relação de causa e
consequência. Assim, quanto mais formas plenas ocorrerem, mais se espera que a elas
esteja associado um acento tonal; e quanto mais formas reduzidas, menos associação
tonal se espera. Essa associação, de acordo com os resultados de Armstrong,
Bergmann & Tamati (2008), parece não estar restrita ao primeiro elemento do IP,
podendo ocorrer no seu interior. Testaremos essa hipótese com base na análise dos
contornos entoacionais dos dados coletados na amostra de fala espontânea,
considerando todos os fatores que podem influenciar esse tipo de locução.
Em um plano mais abrangente, esses resultados podem corroborar a hipótese
central desta tese, que é a de que num esteja num processo de cliticização, por conta
da redução fonética, mas também pela não associação tonal. A fim de buscar mais
evidências para confirmar a hipótese, analisaremos os valores de duração das
variantes. Espera-se também que elementos reduzidos apresentem valores menores
que os correspondentes plenos.
Antes de tornar mais claras as hipóteses deste trabalho e discutir as motivações
que parecem sustentá-las, acreditamos ser imprescindível discutir o estatuto de
palavras prosódicas e clíticas nas línguas do mundo e nas diferentes variedades do
português. Esse é o objetivo do próximo capítulo.
CAPÍTULO TRÊS
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Esta tese está alicerçada nos pressupostos teóricos e metodológicos da Teoria
da Variação, da Teoria da Hierarquia Prosódica e da Teoria Autossegmental e Métrica.
Assumimos que o sistema linguístico é variável e pode ser condicionado por fatores
internos ou externos à língua, estando esse princípio sociolinguístico encaixado na
estrutura fonológica, com repercussões prosódicas e entoacionais. As diferentes
perspectivas teóricas se complementam, na medida em que explicam (i) a
concorrência de formas linguísticas em uma mesma posição na hierarquia prosódica e
(ii) o bloqueio dessa concorrência em outro domínio da hierarquia. Os fenômenos
entoacionais auxiliam essa explicação, sobretudo, por funcionarem como marcas que
caracterizam os domínios fonológicos das línguas (LADD, 1996 [2008]).
Nas próximas seções, exploraremos alguns postulados importantes para essas
teorias e tentaremos aproximá-los das necessidades deste trabalho. Abordaremos
também a caracterização, nas línguas naturais, das palavras funcionais, que podem ser
divididas em palavras prosódicas e palavras clíticas.
3.1. A Teoria da Variação e Mudança
A Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968])
se interessa por analisar de que modo a sociedade interfere na linguagem ou a
linguagem age sobre a sociedade. O compromisso com a variação é inerente e decorre
da reflexão de que condicionamentos linguísticos, sociais, culturais e comportamentais
atuam na realização dos dados da língua. Se as sociedades, as culturas e os
comportamentos são distintos, haverá, incontestavelmente, reflexos na manifestação
da linguagem.
Para entender as premissas em que se assentam a Teoria da Variação e
Mudança, é preciso remontar ao início dos estudos linguísticos e verificar que a
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
77
associação entre língua e sociedade foi uma etapa necessária para o avanço dos
estudos variacionistas.
O século XX viu surgir o interesse pelo estudo da linguagem como um objeto
científico, cercado de rigor metodológico e fundamentação epistêmica (WEEDWOOD,
2002). Os princípios teóricos decorrem, em grande parte, da tradição objetivista que
dominou os estudos linguísticos dos últimos dois mil anos. Essa doutrina objetivista,
seja na sua esfera metafísica, seja em sua epistemologia, provocou inúmeros
problemas para as concepções do pensamento e da linguagem, sobretudo na
categorização humana (LAKOFF, 1987). De acordo com Putnam (2008), a percepção
cartesiana instaura uma cópia da realidade, quando, na verdade, a categorização
indica que a apreensão do real reflete uma invenção, mesmo que parcial, do mundo.
É esse cenário epistêmico-filosófico que ancora as principais assunções
estruturalistas e gerativistas da linguagem humana, como a dicotomia fundamental
saussuriana de língua e fala, retomada mais tarde sob a oposição chomskiana de
competência e desempenho. A concepção construída em torno do termo língua é
bastante sintomática desse processo, visto que passou a ser considerado um objeto
autônomo e homogêneo. Entretanto, nada parece mais pungente que a noção de um
falante ideal, isolado do contexto real de produção linguística (CHOMSKY, 1975).
A ideia de unidades discretas, como fonemas, morfemas etc, reitera a
concepção categórica que era pretendida para a língua. O espaço para a variação não
existia, por razões claras, nas teorias linguísticas, pois, conforme foi postulado por
Saussure (2006: 271), “a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua
considerada em si mesma e por si mesma”. É o estudo dos fenômenos da linguagem
sem interferência do meio social, o que se aproxima, de certo modo, ao estudo da
competência do falante-ouvinte ideal, i.e., do sujeito universal, indiferente às trocas
sociais que são motivadas pela interação verbal. Chomsky (1975: 83) caracteriza o
falante ideal da seguinte forma:
situado numa comunidade completamente homogênea, que conhece perfeitamente a sua língua e que, ao aplicar o seu conhecimento no uso efetivo, não é afetado por condições gramaticalmente irrelevantes, tais como limitações de memória, distrações, desvios de atenção e de interesse, e erros (casuais e característicos)
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
78
A idealização que as reflexões estruturalistas e gerativistas provocaram fez com
que a linguística incorporasse a premissa da linguagem categórica. A preocupação em
verificar a competência mantinha distante o debate em torno do desempenho, já que
neste surgia a variação do mundo real (CHAMBERS, 1995). Assim, a própria coleta de
dados refletia o distanciamento da variação, pois se contava apenas com a intuição do
pesquisador.
Labov (2008 [1972]: 217, 218) considera que a dicotomia língua e fala acaba
instituindo um paradoxo para os estudos estruturalistas, visto que a parte social da
linguagem, a língua, pode ser observada a partir de qualquer indivíduo, já que todos
apresentariam o conhecimento inato necessário, porém os dados da parte individual
da linguagem, a fala, só podem ser obtidos a partir da observação de um grupo de
falantes. Essas críticas ao aspecto metodológico das teorias linguísticas, aliadas à
inclusão da diversidade na abordagem de língua (Bright, 1966), fizeram com que o
objeto de estudo da linguística passasse a ser a estrutura em seu contexto social.
O axioma da categoricidade foi, então, sendo enfraquecido com a insurgência
do paradigma variacionista, que propõe que as unidades linguísticas são variáveis,
contínuas e quantitativas (LABOV, 1966). De acordo com Chambers (1995: 25), são
variáveis porque admitem mais de uma realização para a mesma unidade; contínuas,
porque podem assumir diferentes significados dependendo da distância entre a forma
coloquial e a padrão; e quantitativas, porque se calcula sua ocorrência em termos de
frequência, e não da presença/ ausência.
A Sociolinguística substitui o axioma da categoricidade pela heterogeneidade
ordenada. Para tanto, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) desatam o nó que
amarrava a estrutura linguística à homogeneidade e assinalam a importância de
compreender a língua como um objeto variável. Por consequência, rejeitam o estudo
da língua do indivíduo, à custa das influências sociais e estilísticas que o meio pode
fornecer. Conforme Trudgill (1974: 21) afirma, foi conveniente, num primeiro
momento, focalizar o idioleto para que a disciplina linguística avançasse. No entanto, a
omissão do fato de que a língua é um fenômeno variável trouxe prejuízos para o
desenvolvimento teórico, porque a língua é, acima de tudo, um fenômeno social.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
79
A Sociolinguística se preocupa em compreender a relação que existe entre
língua, sociedade e cultura, buscando, portanto, observar a língua em seu contexto
social. A importância da empreitada sociolinguística não está só em procurar saber
como e por que as línguas mudam, mas também em identificar maneiras de
desenvolver teorias e hipóteses para entender a natureza da linguagem.
A condição essencial de que a língua seja um fenômeno heterogêneo permite
observar as relações sociais e culturais que são estabelecidas entre diferentes
comunidades linguísticas. Além disso, a premissa de variabilidade linguística possibilita
a realização de estudos sobre a mudança (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968
[2006]), sem que se abandone a funcionalidade da língua. Em outras palavras, a língua
funciona normalmente à medida que passa por mudanças. Daí que a Teoria da
Variação e Mudança se interessa pela transição de uma variante para outra, na
avaliação que os falantes fazem de cada uma das variantes, na implementação de uma
determinada variante no sistema linguístico e no reconhecimento de que qualquer
variação e/ou mudança é encaixada no sistema.
Esse encaixamento é especialmente interessante a este trabalho, porque
procuramos observar como a variação percebida no nível segmental se encaixa na
estrutura fonológica, apresentando, inclusive, indícios prosódicos e entoacionais que
confirmem essa relação.
3.2. A Teoria da Hierarquia Prosódica
As teorias fonológicas de base gerativa sofreram, durante algum tempo, as
críticas por analisarem a cadeia de fala como segmentos organizados linearmente e
por postularem um conjunto de regras fonológicas atuantes em domínios construídos
com base na estrutura morfossintática. A principal crítica surgiu do fato de que o
sistema fonológico não é isomórfico, embora fosse assim considerado pelas
abordagens de base transformacional. Na verdade, o componente fonológico da
gramática é heterogêneo e governado por princípios específicos (NESPOR & VOGEL,
1986: 1).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
80
Um dos subsistemas que compõe o sistema fonológico é a Fonologia Prosódica,
panorama teórico de organização da fala em domínios hierárquicos, cujos princípios
são caracterizados com base nas regras fonológicas que atuam em cada domínio. O
constituinte prosódico é caracterizado, então, por pistas empíricas, o que permite que
seus algoritmos de formação variem de acordo com a língua. Fica claro, então, que os
domínios são analisados como estruturas universais, cujos algoritmos de formação
dependem das manifestações em uma língua específica, por isso são variáveis. Se um
domínio é ignorado em uma dada língua, não significa que não seja universal, mas sim
que ainda não foram encontradas pistas empíricas que validem a manifestação
daquele domínio na hierarquia prosódica da língua. Há vários questionamentos, por
exemplo, a respeito da existência do domínio do pé métrico no Português Europeu,
porém, como afirma Vigário (no prelo: 4), a razão para essa dúvida pode estar na
formulação do algoritmo do pé métrico nesta língua. Acreditava-se também que, no
francês, não havia indícios que sustentassem a existência da palavra prosódica.
Entretanto, foi demonstrado (HANNAHS, 1995; GUSSENHOVEN, 2004) que a formação
de glides e a nasalização de vogais no francês são fenômenos que ocorrem no domínio
da palavra prosódica. Percebe-se, portanto, a relevância da fonologia laboratorial para
formular testes e encontrar indícios que confirmem os domínios prosódicos nas línguas
naturais.
É importante observar, neste ponto, a independência da estrutura fonológica
para os demais componentes da gramática. Já que os domínios que constituem a
estrutura fonológica são definidos com base em regras fonológicas, não se pode
pretender que haja isomorfismo entre a estrutura fonológica e a estrutura
morfossintática, por exemplo. A estrutura sintática é infinita, visto que apresenta a
propriedade da recursividade, enquanto a estrutura fonológica é finita e fixa (FROTA,
2012: 7), ou seja, há um número específico de domínios que interagem e organizam os
dados de fala na estrutura linguística.
Deve ser ressaltado, além disso, o fundamento básico da não autonomia, seja
dos domínios, seja do próprio componente fonológico da gramática. A Fonologia
Prosódica é vista como uma abordagem de interface, na qual ocorre interação entre a
estrutura fonológica e a estrutura morfossintática, de um lado, e a interação entre os
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
81
domínios prosódicos dentro da própria estrutura fonológica, por outro lado. A crítica,
portanto, aos modelos teóricos anteriores não é restrita à análise da relação que existe
entre os diferentes componentes da gramática, mas se estende à natureza dos
princípios que regulam esses componentes.
Na perspectiva da Fonologia Prosódica, a estrutura fonológica, bem como seus
domínios, é governada por princípios e regras de natureza puramente fonológica, e
não sintática. Não se pressupõe, portanto, um isolamento da estrutura fonológica, de
modo que as informações fonológicas bastem a si mesmas, nem uma dependência
completa de outras estruturas, ao ponto de sua constituição depender de regras de
natureza não fonológica; busca-se a interação entre os níveis da gramática e os níveis
da hierarquia prosódica.
Essa hierarquia é constituída com base em condições de boa-formação que
satisfazem a Strict Layer Hypothesis (SELKIRK, 1984), que é a hipótese que estabelece
os critérios para a relação de dominância entre as diferentes categorias prosódicas na
estrutura hierárquica. Por exemplo, uma categoria X na hierarquia domina a categoria
Y, imediatamente abaixo na estrutura, assim como domina todas as categorias que
estiverem sob seu escopo. As vantagens dessa hipótese são a exaustividade e a não
recursividade. Em primeiro lugar, há o fato de que uma categoria está exaustivamente
contida em uma categoria maior na hierarquia; em segundo, o fato de que as
categorias não se repetem indefinidamente na hierarquia, mas são pré-concebidas e
estabelecidas, apesar do enunciado produzido. Conforme afirma Vigário (no prelo), um
enunciado longo como Este é o gato que pegou o rato que roubou o queijo tem a
mesma estrutura prosódica que o enunciado Sim. Essa propriedade da hierarquia
prosódica permite a constatação de que a fronteira de um domínio maior é alinhada
também ao limite de um domínio menor, o que possibilita a interação entre eles.
Neste caso, o Strict Layer Hypothesis define que a fronteira do constituinte X é
alinhada à fronteira de Y, domínio imediatamente dominado por X, e assim
sucessivamente.
As categorias prosódicas que compõem a hierarquia são sete – na versão
original (NESPOR & VOGEL, 1986) – e se organizam da mais baixa para a mais alta na
hierarquia desta forma: a sílaba (σ), o pé (Σ), a palavra prosódica (ω), o grupo clítico
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
82
(C), o sintagma fonológico (ɸ), o sintagma entoacional (IP) e o enunciado fonológico
(U). A depender da abordagem, a hierarquia pode ser representada por uma árvore
(NESPOR & VOGEL, 1986) ou por uma grade métrica (SELKIRK, 1984). Adotamos, nesta
tese, a representação arbórea:
U 3 IP 3 ɸ 3 C 3 ω 3 Σ 3 σ
Como se percebe, a hierarquia prosódica é uma estrutura n-ária, cuja
proeminência está sempre no nó mais à direita. A vantagem de ser uma estrutura
desse tipo, e não uma binária, de acordo com Nespor & Vogel (1986: 8), é a
simplicidade da n-ária, em razão de ser mais “achatada” (FROTA, 2012) e,
consequentemente, menos profunda. Essa representação mais “achatada” acaba
sendo um reflexo do princípio básico da não recursividade da estrutura fonológica.
Uma representação profunda dá conta de uma estrutura recursiva, como a sintaxe,
mas não é uma boa ilustração da estrutura fonológica, que é finita. Além do mais,
estruturas binárias criam nós intermediários que não encontram referentes na
estrutura fonológica.
A estrutura n-ária representa também a relação de proeminência entre nós
irmãos. Assume-se que o nó mais à direita seja o mais proeminente e, logo, assinalado
com o símbolo s (de strong ‘forte’), enquanto os demais nós dominados pelo mesmo
nó superior são fracos e assinalados com w (de weak ‘fraco’). Esses valores são
importantes, porque ajudam na delimitação dos constituintes por meio das cabeças
nos vários níveis (nós mais proeminentes) e das fronteiras (NESPOR & VOGEL, 1986;
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
83
FROTA, 2012). A cabeça do IP, por exemplo, corresponde à sílaba acentuada do último
ɸ, o que encontra correspondência na associação de eventos tonais. É nesta posição
em que ocorrem o acento tonal que caracteriza o núcleo do IP e o tom de fronteira
que demarca o limite direito deste constituinte. Essa relação entre as estruturas
entoacional e prosódica será mais explorada na próxima seção.
3.3. A Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica
Conforme descrito, o componente fonológico da gramática não é homogêneo,
mas composto de modelos teóricos que interagem entre si, dentre os quais estão a
Fonologia Prosódica e a Fonologia Autossegmental e Métrica (ARVANITI, no prelo).
Essa última teoria prevê o estudo da entoação, ramo da prosódia que abrange os
significados linguísticos e pragmáticos relativos à modulação da curva de F0 (LADD,
1996 [2008]).
Um dos principais postulados da teoria é o de que autossegmentos primitivos
se combinam na cadeia melódica que, por sua vez, se conectam a pontos
proeminentes da cadeia métrica, possibilitando o fraseamento prosódico dos
enunciados. Esses primitivos fonológicos são representados por um tom alto (H de
high) e um tom baixo (L de low), sendo organizados a partir da observação fonética, do
alcance de cada falante e dos outros tons da cadeia melódica (PIERREHUMBERT, 1980;
BECKMAN & PIERREHUMBERT, 1986; ARVANITI, no prelo). Dessa forma, os
pressupostos da teoria pretendem dar conta da interação entre a estrutura rítmica, a
proeminência e o fraseamento dos enunciados.
Segundo Ladd (1996 [2008]), essas proeminências são uma abstração
fonológica realizada foneticamente pelo acento lexical (stress) e pelas proeminências
no nível do enunciado (acentos tonais). Os tons – que, como vimos, são primitivos
autossegmentais – existem, portanto, independentemente da cadeia segmental. Por
isso, muitas vezes, chamam os estudos desses elementos de suprassegmentais.
Entretanto, de acordo com o que têm defendido alguns trabalhos nas últimas décadas
(para mais detalhes, ver BECKMAN & EDWARDS, 1994), o termo suprassegmental
evoca o significado algo que é complementar ao segmento, o que não é verdade. A
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
84
prosódia, segundo Ladd (1996 [2008]), Gussenhoven (2004) e Arvaniti (no prelo), não é
responsável pela complementação do nível segmental, mas pela organização do fluxo
de fala e pela relação entre as cadeias melódica e métrica.
Essa associação ocorre entre os autossegmentos primitivos e as proeminências
ou limites frásicos da estrutura métrica. Disso, decorre a complementariedade da
Teoria Autossegmental e Métrica com a Teoria da Hierarquia Prosódica (FROTA, 2000).
Os tons se associam, basicamente, às cabeças dos domínios prosódicos e às fronteiras
desses mesmos constituintes. Aqueles que se associam (geralmente) às cabeças são
chamados de acentos tonais, enquanto os que se associam aos limites são chamados
de tons de fronteira e são marcados com o símbolo %. É fundamental perceber a
diferença entre esses dois tipos de eventos tonais, uma vez que auxiliam na
caracterização e na percepção de domínios prosódicos distintos.
Os acentos tonais podem ser monotonais ou bitonais. No primeiro caso, o tom
é anotado com um asterisco (L* e H*) e indica a associação a alguma proeminência
relevante da curva de F0. No segundo caso, o acento complexo é composto de dois
tons, sendo que apenas um é marcado com o asterisco. O outro pode anteceder ou
suceder o tom forte e é chamado de leading tone, quando antecede o tom forte, e
trailing tone, quando sucede o tom forte. Em termos práticos, o tom assinalado com
asterisco se associa à sílaba acentuada da cadeia segmental, enquanto os tons fracos
não tem um ponto fixo na cadeia métrica; são considerados autossegmentos
flutuantes (ARVANITI, no prelo).
A figura a seguir, retirada de Pierrehumbert (1980: 29), revela como é
composta a gramática de tons na teoria Autossegmental e Métrica:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
85
Nesta abordagem, os tons são combinados livremente, como mostram as
inúmeras, porém finitas, possibilidades de realização de um evento tonal. Conforme se
percebe, então, acentos tonais e tons de fronteira são requisitos fundamentais para a
boa-formação do contorno entoacional.
Igualmente importante é a observação das diferentes partes que compõem o
contorno entoacional. Há várias propostas para a análise da entoação
(PIERREHUMBERT, 1980; LADD, 1996 [2008]; GUSSENHOVEN, 2004), mas em comum a
todas elas existe a consideração de que o contorno entoacional deve ser analisado por
dois componentes: o núcleo e o pré-núcleo. Os acentos que estão associados a cada
um desses componentes funcionam de formas diferentes. Há relatos de línguas, por
exemplo, que marcam a parte elevada da proeminência, enquanto outras marcam a
parte limite da proeminência (JUN, 2005). Isso reflete a necessidade de observar os
acentos pré-nuclear e nuclear a partir de perspectivas diferentes, uma vez que
apresentam funções diferentes nas línguas naturais. Do mesmo modo, indica a forte
relação entre a Teoria da Hierarquia Prosódica e a Fonologia Entoacional
Autossegmental e Métrica, na medida em que fenômenos entoacionais, como o
acento tonal e o tom de fronteira, por exemplo, são percebidos como evidências para
os domínios prosódicos.
Essa relação entre os pressupostos das duas teorias pode ser medida, por
exemplo, na tipologia linguística com relação à acentuação. Há línguas que apresentam
uma distribuição tonal densa, enquanto outras têm uma distribuição pulverizada de
tons (CRUZ & FROTA, 2013). Isso ocorre, porque o domínio relevante para a ocorrência
do acento tonal varia entre as línguas, podendo ser mais baixo ou mais alto na
hierarquia prosódica. Quanto mais baixo for o domínio de associação tonal, mais densa
é a distribuição do acento; quanto mais alto o domínio, menos densa é a distribuição.
Essa é uma das características que distingue o PB do PE, o que vem sendo relatado em
importantes trabalhos nos últimos anos (FROTA, 2000; TENANI, 2002; VIGÁRIO, 2003;
FERNANDES, 2007; FROTA et alii, 2015). No PB, o domínio para a atribuição do acento
é a ω (TONELI, 2014), enquanto, no PE, o domínio é o IP, o que faz com que o PE tenha
uma distribuição de acentos tonais muito mais esparsa que o PB. Sobre isso, Frota &
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
86
Vigário (2000: 16) afirmam que “no PE, tal robustez entoacional é apenas
caracterizadora do domínio I”.
Neste trabalho, buscaremos explicar a variação entre a variante plena não e a
variante reduzida num a partir da relação de fenômenos entoacionais com as
proeminências ou os limites que caracterizam os constituintes prosódicos. Essa visão
integrada (FROTA, 2000), como se pode perceber, é que a variação segmental tem
condicionamentos prosódicos e entoacionais, e não extralinguísticos (VOTRE, 1978). O
fenômeno da redução do ditongo nasal no advérbio de negação parece estar
circunscrito ao domínio da palavra e, por isso, fazemos, na próxima seção, um
levantamento sobre o que tem sido proposto para definir e caracterizar a ω no PB.
3.4. Palavras funcionais: entre palavras prosódicas e palavras clíticas
Conforme Chomsky (1986) apontou, a diferença entre categorias lexicais e
funcionais desempenha um crucial papel na compreensão da gramática gerativa, visto
que, semanticamente, as categorias lexicais são caracterizadas pela capacidade de
selecionar argumentos, além de poderem atribuir, sintaticamente, caso a eles
(CHOMSKY, 1986: 193), ao passo que as categorias funcionais não apresentam a
propriedade de selecionar argumentos.
Fonologicamente, foi notado que as categorias funcionais também têm
propriedades diferentes daquelas apresentadas pelas categorias de base lexical
(SELKIRK, 1984; NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK, 1995), a começar pela possibilidade
de ocorrerem tanto em uma forma forte, quanto em uma forma fraca. A força de uma
categoria, em termos fonológicos, é medida pelo acento: formas fracas são
consideradas reduzidas e não acentuadas, ao contrário das formas fortes, que são
tônicas.
Selkirk (1995) argumenta que a principal consequência dessa propriedade
fonológica é as palavras funcionais (fnc) poderem ter prosodizações diferentes, a
depender do seu comportamento fonológico. A autora sustenta que, caso seja
realizada como um item forte, a forma funcional deve ser prosodizada como uma ω. Já
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
87
no caso de ser prosodizada como um item fraco, sua prosodização deve ser a de um
clítico.
De acordo com a autora, há apenas dois casos em que a palavra funcional
sempre aparece sob a forma forte: quando é focalizada ou quando aparece isolada –
esta é crucial para a análise que pretende ser desenvolvida nesta tese. Utilizaremos
essa constatação do inglês para confirmar nossa impressão de que a redução de não é
bloqueada na fronteira direita de IP por estar relacionado a fronteiras maiores.
Ocorrendo como forma forte, a prosodização da palavra funcional deve
considerar seu mapeamento como uma ω isolada, cujas fronteiras mais baixas sofrem
influência das fronteiras mais altas, como na representação a seguir, adaptada de
Selkirk (1995: 16):
( ( ( ( ( ( fnc ) σ) Σ) ω) ɸ) IP) U
Desse modo, fica clara a prosodização que a palavra funcional pode assumir:
será considerada uma ω, se ocorrer em sua forma forte, sobretudo, nos contextos em
que estiver focalizada ou isolada; mas será considerada um clítico, se ocorrer em sua
forma fraca, reduzida e dependente de uma palavra lexical.
3.4.1. Palavras prosódicas
O debate sobre a ω tem considerado como central a assunção de que o acento
primário é a principal pista de identificação do constituinte em várias línguas naturais8
(SCHWINDT, 2000; VIGÁRIO, 2003; FERNANDES, 2007; TONELI, 2014). Essa pista está
presente, inclusive, no algoritmo de formação proposto por Vigário (2003: 263) para ω
no PE:
a minimal prosodic word has one and only one (word) primary stress a maximal prosodic word has one and oly one prominent element a unit bearing word stress must be included within a minimal prosodic word
8 Ainda que o acento não seja considerado elemento necessário para a formação de uma ω (cf. NESPOR
& VOGEL, 1986; FROTA et alii, 2012), considera-se um bom parâmetro para delimitar seu domínio.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
88
A partir das descrições de Schwindt (2000) e Fernandes (2007), percebemos
que essas condições de boa-formação propostas por Vigário (2003) também servem ao
PB, uma vez que a ω se organiza em pés métricos que mantêm uma relação de
proeminência entre si: um pé é classificado como forte, enquanto os demais são
fracos, o que ocasiona a presença de apenas um acento primário.
Com base nas funções estabelecidas por Booij (1983), Bisol (2005:165-167)
explora de que modo essa classificação é adequada para as ωs do PB. Segundo a
autora, a ω é domínio de relações de proeminência, de regras fonológicas e regras
fonotáticas. As ωs do PB, por exemplo, não podem ser iniciadas por consoantes
palatais, como /ʎ/ e /ɲ/; as exceções são palavras que entraram no português por
empréstimo, como lhama e nhoque. Ao contrário, os clíticos não estão sujeitos à
mesma restrição fonotática, uma vez que há clíticos iniciados por palatal, como lhe.
Ainda de acordo com Bisol (2000:21), as ωs estão sujeitas a regras lexicais e
pós-lexicais, ao contrário dos clíticos que sofrem modificações apenas das regras pós-
lexicais. Um exemplo de regra fonológica que atinge as ωs mas não atinge os clíticos é
a neutralização da sílaba pretônica, como acontece com sol > solaço e bela > beleza.
Nesses casos, a vogal da sílaba pretônica sofre alteamento de [ɔ] para [o] e de [ɛ] para
[e], respectivamente. Clíticos derivados de palavras lexicais não sofrem o processo no
mesmo contexto, como a forma verbal é no enunciado samba é vida que passa a
samb[ɛ] vida, mas não samb[e] vida.
Outra regra fonológica que caracteriza a ω é a assimilação de nasalidade, como
nos pares banana ~ bãnãna e aranha ~ arãnha. De acordo com Abaurre e Pagotto
(1996), essa regra ocorre apenas no interior de ω, sendo restringida na fronteira deste
constituinte. Isso impede, por exemplo, que haja assimilação do traço de nasalidade
entre um clítico e uma palavra lexical, como em a mamãe ([ɐmɐmɐj]; * [ɐmɐmɐj]) e do
menino ([dumininʊ]; * [dumininʊ]), o que é mais uma evidência de que os clíticos
estão sujeitos apenas a regras do nível pós-lexical.
Há também pistas entoacionais que auxiliam a identificar uma ω no PB. Os
resultados de Fernandes (2007), confirmados estatisticamente por Toneli (2014),
indicam que é opcional (mas muito frequente) a associação de um acento tonal a todas
as ωs de um ɸ no PB. Por isso, a distribuição tonal desta variedade é considerada
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
89
densa (FROTA et alii, 2015), se comparada com a variedade europeia do português.
Além disso, a autora afirma que é praticamente obrigatória a associação de um acento
tonal às cabeças do ɸ em uma sentença declarativa neutra. Aos clíticos, ao contrário,
não pode haver associação de acento tonal, visto não serem portadores de acento
primário. Outros acentos como o enfático, principalemente, ou o inicial (FROTA &
VIGÁRIO, 2000; VIGÁRIO, 2003) podem estar associados aos clíticos por prescindirem
de um acento lexical para sua ocorrência.
A ω se caracteriza ainda por ser diferente da palavra morfológica, visto que os
limites da ω são diferentes dos de uma palavra morfológica. Duas palavras
morfológicas, como no sintagma o amor (uma palavra clítica e uma palavra lexical),
podem constituir apenas uma ω. Por outro lado, Schwindt (2000) mostra que duas ωs
podem formar também uma palavra morfológica. Para tanto, cita a relação entre
prefixo e palavra lexical para mostrar que alguns prefixos podem se comportar como
ω, visto que apresentam acento primário. É o caso do prefixo pré- na palavra pré-
estreia. Nesse dado, há fonologicamente duas ωs e uma palavra morfológica apenas.
Ao contrário, no exemplo prefixo, o prefixo pré- se comporta como sílaba pretônica e
sofre alçamento de [ɛ] para [e].
3.4.2. Palavras clíticas
Há, para Selkirk (1995: 3), três tipos de clíticos, que se diferenciam em função
da dependência de uma palavra lexical adjacente: podem ser clíticos livres aqueles que
formarem um nó irmão à palavra adjacente, sendo ambos dominados por ɸ; podem
ser clíticos internos aqueles cujo nó dominante for o da palavra lexical, ou seja, são
dominados por ω; e podem ser, por fim, clíticos afixais os que forem completamente
integrados à palavra lexical. Como fica implícito, não há para Selkirk (1995) o
constituinte prosódico que abrange especificamente os clíticos – chamado por Nespor
& Vogel (1986) de grupo clítico. Os clíticos são analisados sob o escopo da ω e de ɸ.
O posicionamento contrário ao grupo clítico é defendido por inúmeros
pesquisadores, que não veem evidências robustas para postularem outro nível na
hierarquia prosódica (INKELAS, 1990; PEPERKAMP, 1996, 1997; BOOIJ, 1996; VIGÁRIO,
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
90
1999, 2003, 2007). Booij (1996), a partir dos dados do holandês, propõe que os clíticos
sejam analisados no domínio da palavra, uma vez que os proclíticos e os enclíticos
apresentam comportamentos diferentes entre si e podem se assemelhar,
respectivamente, a prefixos e sufixos. Vigário (2003) também descreveu diferenças na
relação prosódica que o clítico tem com seu hospedeiro no PE. A autora encontrou
indícios de que os proclíticos são adjungidos à palavra lexical, enquanto os enclíticos
são incorporados a ela. Peperkamp (1997) fez críticas ao grupo clítico baseadas no
lugar do constituinte na hierarquia prosódica, que parece não ser universal. Há línguas
em que o grupo clítico deveria estar posicionado mais acima na hierarquia, e não entre
ɸ e ω. Por exemplo, na língua haússa, falada na Nigéria, o grupo clítico pode ter como
hospedeiro uma frase, e não uma palavra lexical. Do mesmo modo, em algumas
línguas bantu, o hospedeiro do clítico pode ser um sintagma entoacional. Dado que a
hierarquia proposta por Nespor & Vogel (1986) é uma categoria que se propõe fixa e
universal, o grupo clítico não pode variar de posição em função das línguas.
Vigário (2007, 2010) propõe como alternativa ao grupo clítico o Grupo de
Palavra Prosódica (PWG – Prosodic Word Group), que não é um novo domínio, mas um
constituinte pensado a partir da ω e necessário para a explicação de determinados
fenômenos fonológicos. Há, no PE, ωs que têm diferentes graus de proeminência
dentro do mesmo ɸ, o que é contraintuitivo. Por exemplo, Vigário (2007: 682) relata
que no PE na estrutura quinta ordem dada pode haver elisão da vogal átona da palavra
quinta. Ao contrário, no exemplo ultra-óbvio problema não pode haver elisão na vogal
átona da forma ultra. De acordo com a autora, este seria um indício de que o
constituinte que domina ultra-óbvio é um PWG, e não um ɸ, como em quinta ordem.
Segundo a autora afirma, o PWG tem a vantagem de conservar o termo grupo
da nomenclatura grupo clítico e de não estar vinculado ao agrupamento de clíticos,
necessariamente, mas de ωs. Parece ser uma alteração simples, mas acarreta grandes
consequências para a teoria, visto que permite analisar satisfatoriamente palavras
compostas e a relação de palavras lexicais com clíticos ou afixos que podem funcionar
isoladamente (SCHWINDT, 2000). Além disso, evita o problema destacado por
Peperkamp (1997) de que, em algumas línguas, o clítico estaria relacionado a ɸ ou ao
IP, uma vez que o agrupamento do PWG é feito em função da ω, e não do clítico.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
91
Dessa forma, o clítico deixa de ser o elemento em torno do qual um domínio prosódico
se organiza e pode, assim, estar relacionado a domínios maiores na hierarquia
prosódica.
O termo clítico, já documentado há muitos anos, se originou da palavra klinein,
do grego, e significa ‘reclinar’ (ANDERSON, 2005). É propriamente essa a função do
elemento: se apoiar em algum constituinte. De acordo com Zwicky (1994), não se pode
assumir que seja uma categoria linguística, visto que funciona mais como um termo
genérico sob o qual vários elementos diferentes são analisados. O comportamento
desses elementos pode se aproximar ao de uma palavra independente até ao de
afixos.
Há uma vasta literatura que descreve e analisa o clítico de formas distintas nas
línguas naturais (ZWICKY, 1977, 1985, 1994; ZWICKY & PULLUM, 1983; KLAVANS, 1985;
HALPERN, 1998; BISOL, 2000, 2005; VIGÁRIO, 2003; ANDERSON, 2005; TONELI, 2014).
Em geral, é bem aceita a definição de que clítico é um construto teórico que se
materializa em uma palavra pequena, prosodicamente dependente da palavra
adjacente, o que é uma consequência do fato de não ter acento ou perder o acento
por razões de redução. Por ser dependente de outra palavra, não constitui um
enunciado isoladamente (ZWICKY, 1985; HALPERN, 1998; ANDERSON, 2005).
A adjunção do clítico a uma palavra sintática é, muitas vezes, observada como
um processo sintático. Nessa perspectiva clássica, ocorrendo adjunção sintática a um
hospedeiro, haverá adjunção fonológica ao mesmo hospedeiro. Entretanto, conforme
advoga Klavans (1985), o processo sintático e o processo fonológico pelos quais o
clítico passa são distintos. A adjunção de um clítico a seu hospedeiro é sempre um
processo fonológico, enquanto o posicionamento do clítico em relação ao hospedeiro
é um processo morfossintático (KLAVANS, 1985: 100).
A autora argumenta que nem sempre um clítico está fonológica e
sintaticamente ligado ao mesmo hospedeiro, o que é chamado de dupla cidadania
clítica (KLAVANS, 1985: 104). Na língua australiana Nganhcara, o verbo ocupa a última
posição do enunciado e pode ter um clítico adjungido a sua direita, como no exemplo a
seguir adaptado de Klavans (1985: 104):
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
92
nhila pama-ng nhingu pukpe-wu kuʔa wa:=ngu
ele.NOM homem ele.DAT criança-DAT cachorro dar = DAT.3sg
‘O homem deu um cachorro para a criança’
No exemplo, o verbo wa: é hospedeiro sintático e fonológico do enclítico ngu.
No entanto, o clítico pode se adjungir fonologicamente a qualquer uma das palavras
do enunciado, mantendo o posicionamento sintático junto ao verbo, como nos
exemplos abaixo:
nhila pama-ng nhingu pukpe-wu kuʔa=ngu wa:
nhila pama-ng kuʔa nhingu pukpe-wu=ngu wa:
nhila pama-ng kuʔa pukpe-wu nhingu =ngu wa:
kuʔa nhingu pukpe-wu nhila pama-ng=ngu wa:
kuʔa nhingu pukpe-wu pama-ng nhila =ngu wa:
A outra possibilidade de adjunção do clítico, como vemos nesses exemplos, é
estar enclítico à palavra que precede o verbo. Desse modo, o clítico continua sendo
dominado pelo mesmo nó sintático que o verbo, mas passa a ser fonologicamente
relacionado a outro constituinte. Há fortes evidências fonotáticas de que o hospedeiro
fonológico do clítico pode ser a palavra que antecede o verbo, pois o clítico pode
assumir, em algumas circunstâncias, as formas ngku e nhcara, que não são elementos
possíveis em início de palavra na língua. Desse modo, Klavans confirma sua hipótese
de que os clíticos são regidos por processos diferentes (sintático e fonológico) e
independentes, embora possam se relacionar.
Zwicky & Pullum (1983) também defendem que os processos têm naturezas
distintas. Para os autores (1983: 504-506), todo processo de cliticização ocorre em
nível posterior ao da sintaxe e segue duas predições: a de que regras sintáticas afetam
afixos, mas não clíticos, e a de que clíticos podem se adjungir a palavras que já
contenham clíticos, mas afixos não. Zwicky & Pullum citam exemplos do inglês para
mostrar que palavras com os clíticos ‘s e ‘ve não são consideradas unidades sintáticas,
enquanto palavras com o afixo de plural ou de passado regular são analisadas
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
93
sintaticamente como uma única forma. Além disso, mencionam o enunciado I’d’ve
done it if you’d asked me a fim de ilustrar que o clítico ‘ve pode se adjungir às formas
I’d, mas a palavra flexionada asked (‘perguntou’) não pode ser adjungida às formas
you’d, que contêm um clítico.
Zwicky (1977) estabeleceu uma distinção fonológica/sintática no que concerne
ao tipo de cliticização que pode ocorrer. Há três tipos de clíticos, os simples (simple
clitics), os especiais (special clitics) e os de ligação (bound words). Os dois primeiros
casos são variantes não acentuadas da forma independente e têm o mesmo significado
que essas formas livres. A diferença entre os dois tipos de clíticos é que os clíticos
simples são definidos estritamente pelo comportamento prosódico, enquanto os
especiais apresentam uma sintaxe diferente. Há ainda os clíticos de ligação, que – além
de não serem variantes de uma forma independente, pois ocorrem apenas na forma
fraca – estão vinculados fonologicamente a uma palavra simples, mas sintaticamente
estão relacionados a uma frase. Interessam-nos, particularmente, os clíticos simples,
pois há semelhanças da sua descrição com o comportamento da variante num no PB.
Anderson (2005: 10) define os clíticos simples como unaccented variants of free
morphemes, which may be phonologically reduced and subordinated to a neighbouring
word. In terms of their syntax, they appear in the same position as one that can be
occupied by the corresponding free word9. De acordo com Halpern (1998), ainda que os
clíticos simples possam aparecer na mesma posição que os não clíticos aparecem
canonicamente, eles não têm a mesma distribuição que as formas livres
correspondentes. O autor (1998: 102) cita como exemplo a contração da forma will,
auxiliar de futuro no inglês, que pode aparecer completamente reduzido diante de
pronomes, mas não diante de nomes – he’ll pode ser pronunciado [hļ], mas Mary’ll
não pode ser produzido como *[mærļ].
Acreditamos que a variante num seja um clítico simples da forma não pelo fato
de poder aparecer na posição canônica pré-verbal, mas não ter a mesma distribuição
sintática que não, porque esta pode ocorrer também após o verbo (João veio não) e
9 variantes não acentuadas de morfemas livres, que podem ser fonologicamente reduzidos e
subordinados a uma palavra vizinha. Em termos de sua sintaxe, porém, podem aparecer na mesma posição que poderia ser ocupada pela palavra livre (tradução minha).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
94
isoladamente. A forma num não pode aparecer no fim de um enunciado (*João veio
num), nem pode aparecer isoladamente como resposta a uma questão total (João
veio? *Num). Além do mais, não há uma sintaxe especial para num, como acontece
com os clíticos especiais, nem é o caso de ser um clítico de ligação, pois concorre com
a variante não na negação sentencial (clíticos de ligação aparecem apenas na forma
reduzida e não acentuada).
Há ainda uma última característica dos clíticos que é fundamental para a
análise que pretendemos desenvolver. Clíticos podem, como ressalta Halpern (1998),
ocorrer simultaneamente às formas não clíticas no mesmo enunciado, o que é
chamado de duplicação clítica (‘clitic doubling’). Há exemplos de várias línguas, como o
hebreu e o espanhol, em que essa possibilidade de co-ocorrência das formas clítica e
livre é permitida. É o caso do advérbio de negação no PB. Levantamos a hipótese de
que num seja um clítico também por conta da possibilidade de a estrutura de negação
aparecer sob a forma de dupla negativa, como no exemplo Maria num foi à festa não.
A ocorrência simultânea de num e não com o mesmo conteúdo semântico na mesma
proposição pode ser um indício de duplicação clítica.
3.5. Resumindo
Como vimos, não há um consenso sobre o tratamento que deve ser dispensado
aos elementos que são considerados clíticos. Parece, contudo, ser patente a
informação de que clíticos são elementos reduzidos que se originam de uma forma
independente da língua. As relações sintáticas e fonológicas entre o clítico e seu
hospedeiro também são diferentes, o que implica compreender que o hospedeiro
pode ser a mesma forma linguística (no caso de o domínio da cliticização sintática ser o
mesmo da cliticização fonológica), mas podem ser formas linguísticas diferentes (no
caso de haver diferença na cliticização). Aliás, a cliticização fonológica diz respeito à
adjunção do clítico ao seu hospedeiro, que pode ser uma ω ou constituintes mais altos
na hierarquia. Já a cliticização sintática se refere ao posicionamento do clítico em
relação ao hospedeiro, ou seja, se o nó que domina o hospedeiro também domina o
clítico.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
95
É também uma generalização a necessidade de observar o clítico como um
construto teórico escalar, que pode assumir características de maior ou menor
dependência ao hospedeiro. Bisol (2000:10) resume essa propriedade:
Clíticos são formativos difíceis de classificar como palavras independentes ou afixos. Diferem da palavra independente, porque não são candidatos a receber acento; diferem de afixos flexionais, pois são formas livres; diferem de afixos derivativos, porque são necessariamente periféricos.
Nosso objetivo é, portanto, verificar o estatuto fonológico das palavras
funcionais não e num no PB. Buscaremos indícios que confirmem nossa hipótese de
que num se comporta como um clítico e não como uma ω. Sendo considerado um
clítico, devemos tentar definir que tipo de clítico é num e qual é sua prosodização em
relação à palavra lexical verbal. Pretendemos mostrar que o clítico pré-verbal é
adjungido a uma ω, ao contrário de alguns prefixos que são incorporados a ela como
uma sílaba pretônica.
Fica evidente, portanto, o pressuposto da hierarquização fonológica que
abrange a análise desta tese. A organização da fala em domínios prosódicos é, sem
dúvidas, um campo fértil ainda a ser explorado para investigar os fenômenos fonéticos
e fonológicos do PB. Do mesmo modo, é igualmente importante para a análise que se
esboça neste trabalho considerar os fenômenos entoacionais que podem revelar
características das variantes pesquisadas. No caso específico desta tese, o acento
inicial de IP pode ser um indício para comprovar a hipótese de que não é uma ω, assim
como a não ocorrência deste acento tonal pode sustentar a hipótese de que num
tenha se cliticizado.
É, com base neste aspecto, talvez, o objetivo mais geral desta tese: mostrar que
a variação fonética pode ser condicionada por fatores fonológicos, cujas evidências
para explicá-la advenham da interação entre a estrutura entoacional e as fronteiras
prosódicas. O pressuposto básico da sociolinguística de que a linguagem se caracteriza
pela heterogeneidade ordenada (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968 [2006]) é
respondido nesse estudo de interface a partir das diferentes realizações que podem
ocorrer em domínios prosódicos diferentes. Aliás, essa é uma das premissas da Teoria
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
96
da Hieraquia Prosódica, ao propor que os domínios sejam postulados e, a partir disso,
evidências empíricas sejam encontradas nas línguas naturais.
Ao longo do texto, faremos alguns apontamentos teóricos que considerarmos
pertinentes ao trabalho, bem como retomaremos alguns pontos discutidos neste
capítulo. Não pretendemos, assim, esgotar o assunto, que é vasto em si próprio, mas
apenas apresentar os principais conceitos das teorias com as quais analisamos os
dados, a fim de situar o leitor.
CAPÍTULO QUATRO
APORTE METODOLÓGICO
A análise pretendida nesta tese está fundamentada nas assunções da Teoria da
Hierarquia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) e nas da Fonologia Entoacional de base
Autossegmental e Métrica (LADD, 2008). Metodologicamente, contamos com o
aparato da sociolinguística de base laboviana (LABOV, 1994), uma vez que
consideramos relevantes os procedimentos adotados para entender a
heterogeneidade ordenada do sistema linguístico (WEINREICH, LABOV & HERZOG,
1968 [2006]).
Neste capítulo, portanto, apresentamos os questionamentos e as hipóteses que
nos motivaram a investigar a variação entre duas formas de negação no PB; o corpus
de fala espontânea utilizado para observar os dados produzidos, bem como a
caracterização sociocultural dos informantes selecionados; e os programas
computacionais que permitiram as análises estatística e acústica dos dados.
Descrevemos também a variável dependente do trabalho e as variáveis independentes
linguísticas e sociais que podem condicionar a realização de uma das duas variantes
em questão – a forma plena não ou a forma reduzida num.
4.1. Hipótese
De acordo com o que já foi exposto nos capítulos anteriores, sabe-se que há
variação fonética entre duas possíveis realizações da negação sentencial no PB10. As
formas variantes não e num ocorrem sempre em posição pré-verbal, enquanto na
posição pós-verbal há um bloqueio à regra de redução, podendo ocorrer apenas a
forma plena não (RAMOS, 2002).
10
Sendo assim, não serão analisados os casos em que a negação incide sobre um constituinte específico
da sentença, ou, negação dicto, como foi chamada por CASTILHO (2010: 685), como a negação de um substantivo, por exemplo.
APORTE METODOLÓGICO
98
A principal hipótese defendida nesta tese busca relacionar a redução fonética
por que passa o advérbio de negação à influência dos fenômenos que caracterizam os
tipos de fronteiras prosódicas. Em outras palavras, a variação entre não e num parece
ser condicionada por fatores prosódicos, como a posição em que ocorrem dentro dos
domínios prosódicos. Assim, em posições inicial e interna ao IP, percebe-se a variação,
que é bloqueada na fronteira direita do mesmo constituinte. A explicação para o
bloqueio derivaria do fato de a cabeça do IP ser uma posição forte, a qual estão
associados eventos tonais e onde podem ocorrer pausas e alongamentos. Nossa
hipótese é que esses fatores exerceriam algum papel para a não redução da forma não
nesta posição.
Como reflexo da redução que ocorre nas posições inicial e internas de IP,
ocorre um processo de cliticização, amplamente estudado na literatura sobre sintaxe
(VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; RAMOS, 2002; SOUSA, 2007, 2012; entre
outros), mas pouco pesquisado do ponto de vista fonético e fonológico (CIRÍACO,
VITRAL & REIS, 2004). O elemento reduzido é, em geral, não acentuado e, com isso,
costuma estar contíguo a uma ω, o que é um comportamento observado para os
clíticos em diversas línguas do mundo (ANDERSON, 2005). Embora seja discutível, em
geral, a característica que define a ω no PB é o fato de ser portadora de um acento
lexical (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; VIGÁRIO &
FERNANDES-SVARTMAN, 2010). No caso da redução do item num, o operador de
negação se apoiaria no verbo que o segue. Esse mesmo verbo é uma ω e passa, assim,
a funcionar como hospedeiro para o clítico.
A hipótese que decorre é, então, que existe um processo de cliticização
fonológica do item num no PB, que tem como principais características (i) a perda do
acento lexical que o caracterizava como ω, (ii) a redução de um ditongo nasal para um
vogal nasal, ou, em alguns casos, uma vogal sem ressonância nasal e (iii) a
impossibilidade de ocorrer em outras posições, que não seja diante de uma ω verbal.
Contudo, acreditamos que ainda não haja elementos suficientes para caracterizá-lo
como um clítico prototípico, à semelhança dos clíticos pronominais do PB, pois, ao
contrário destes, num não tem mobilidade no enunciado e pode co-ocorrer no mesmo
enunciado com outra forma de significado semelhante. Vejam-se os exemplos (1) e (2)
APORTE METODOLÓGICO
99
a seguir, em que as formas num e não na mesma sentença são aceitáveis, mas as
formas lhe e para você parecem estranhas (embora aceitáveis em algumas
variedades).
(1) Ele num foi à festa não.
(2) ? Ele lhe deu o presente para você.
A fim de confirmar a hipótese de que num está em processo de cliticização,
pretendemos observar como se manifestam o correlato acústico de duração e o
padrão entoacional do contorno pré-nuclear.
Partimos das considerações feitas por Ciríaco, Vitral & Reis (2004) de que os
correlatos acústicos do acento no PB (MORAES, 1995) poderiam ser pistas importantes
para determinar o processo de cliticização. Segundo Moraes (1995: 180), em posições
fracas, que são internas a um “grupo prosódico”, os correlatos que importam são a
duração e a intensidade, enquanto em posições fortes, na fronteira de um
constituinte, é relevante observar também a frequência fundamental. Como a posição
que prevê variação entre os itens não e num é interna ao IP, consideraremos apenas a
duração das palavras.
Espera-se que as formas reduzidas, se forem, de fato, não acentuadas, tenham
valores de duração menores que os das formas plenas correspondentes. Será preciso,
então, cotejar os valores de num e não, a fim de confirmar a hipótese de cliticização. É
necessário que esses valores sejam comparados com base no mesmo indivíduo, pois
indivíduos diferentes podem ter velocidades de fala distintas, o que pode influenciar
os valores obtidos para a duração de uma palavra, por exemplo. Desse modo,
apresentaremos as médias de duração de não e de num por cada indivíduo e, ao fim,
analisaremos a média de todos os informantes do corpus, o que permitirá
compreender o panorama do processo.
A outra observação que se faz necessária diz respeito aos eventos tonais que
estão associados ao contorno pré-nuclear. Já que o processo é variável apenas na
posição pré-verbal, constata-se que as variantes podem aparecer como primeiro
elemento de um IP – no caso de orações com sujeito nulo (3) ou sujeito posposto (4),
APORTE METODOLÓGICO
100
por exemplo – ou no interior do IP – no caso de orações com sujeito pleno (5),
iniciadas por conectivos (6) ou adjuntos curtos (7), por exemplo:
(3) as crianças num tinham uma pracinha pra brincar, entendeu? (pausa) num
tinha nada, nada, nada (informante mulher, culta e adulta – NIG B 3 M 26)
(4) eles assaltaram a parte interna do port/ do postinho... e do escritório que
ficava ali também, saíram dali, não aconteceu nada (informante homem,
culto e adulto – COP B 3 H 189)
(5) eu que administro tudo aqui em casa, eles num sabem nem o preço de nada
(informante mulher, não culta e idosa – NIG C 1 M 31)
(6) mas geralmente é alguém que num prestava (pausa) muito raro morrer um
inocente (informante homem, não culto e jovem – NIG A 1 H 8)
(7) mas em termos de crime político, aqui num tem não, entendeu? (informante
homem, culto e jovem – NIG A 3 H 78)
O contorno pré-nuclear das sentenças declarativas no PB é marcado por uma subida
da curva de F0 (MORAES, 2008; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo),
havendo a possibilidade de que um acento tonal se associe à primeira ω do enunciado.
Como o operador de negação pode ser o primeiro elemento do enunciado, como
vimos nos exemplos em (3) e (4), a ausência ou a presença desse evento tonal pode ser
mais um indício para confirmar nossa hipótese de que num esteja em um processo de
cliticização. Se ele se comportar como uma palavra acentuada, poderá haver
associação tonal à estrutura segmental, porém se o comportamento for o de uma
palavra átona, não haverá a associação de um tom à estrutura segmental.
Com relação ao contexto de interior de IP, a primeira posição do IP pode ser
ocupada por um sujeito, um conectivo ou um adjunto, o que pode alterar a
configuração entoacional do enunciado. Nesse caso, se o antecedente for uma ω, por
exemplo, é provável que a ela esteja associado o evento tonal de início de IP, e não
mais ao advérbio de negação não. Em outras palavras, um enunciado como As
angolanas não venderam especiarias aos jornalistas provavelmente (mas não
necessariamente) tem um movimento ascendente relacionado à ω angolanas. Assim, o
APORTE METODOLÓGICO
101
acento tonal de início de IP estaria associado à sílaba tônica desta palavra, e não ao
operador de negação pré-verbal. Pesa contra essa hipótese, o fato de ter sido
formulada com base em fatos teóricos, mas não empíricos. Um fato mais empírico
pode ser encontrado em Armstrong, Bergmann & Tamati (2008: 2), que descreveram
um padrão entoacional em que a subida da curva de F0 está relacionada ao advérbio
de negação. Nesse caso, segundo os autores, houve associação de acento tonal à
variante não, independentemente de ela ser o primeiro elemento do enunciado.
Assim, não importaria haver um elemento à esquerda, pois mesmo assim um evento
tonal estaria associado à variante plena não.
Conforme abordamos no capítulo anterior, Fernandes (2007) propôs que o
domínio para a aplicação de acentos tonais no PB seja a ω, de modo que a cada
palavra acentuada possa estar associado um evento tonal. Frota & Vigário (2000)
demonstraram a relevância dos domínios baixos na hierarquia prosódica para a
atribuição tonal no PB, tendo enfatizado, especialmente, a associação tonal à cabeça
do ɸ. Entretanto, conforme foi detectado por Frota et alii (2015), parece haver, de
fato, a possibilidade de associação tonal a cada ω dos enunciados no PB, com
obrigatoriedade à cabeça do ɸ, o que também foi evidenciado por Toneli (2014). Os
resultados das autoras demonstram uma maior densidade tonal para o PB em
comparação com o PE.
Partindo dessas considerações, tomamos como pressuposto o fato de que um
acento tonal pode estar associado a qualquer ω, mesmo que esta não seja a primeira
ω do IP, nem a mais proeminente do ɸ. Desse modo, pode haver um evento tonal
associado à estrutura segmental de não, mesmo nos casos em que ocorre no interior
do IP e não é a proeminência do ɸ.
Outra questão que investigaremos a fim de confirmar a hipótese de haver um
processo de cliticização da variante não para num é o comportamento prosódico de
outras palavras que tenham estrutura segmental semelhante. Partimos do
pressuposto de que a variante não seja um monossílabo tônico, apresentando uma
configuração fonológica muito parecida com a de palavras também acentuadas, como
os verbos dão, são, vão, tão (forma reduzida de estão), e os nomes cão, chão, mão,
pão. Assim, é possível uma comparação do correlato acústico de duração dessas ωs
APORTE METODOLÓGICO
102
com os resultados obtidos para a variante não. Para tanto, é necessário que sejam
cotejadas as realizações de um mesmo falante e que as palavras estejam no mesmo
contexto prosódico, ou seja, foram comparados itens na mesma posição no enunciado
– início ou interior do IP – e na mesma relação de proeminência no ɸ – foram
observadas apenas as palavras que não eram cabeça de ɸ, pois não geralmente não é
cabeça deste constituinte (VIGÁRIO, 1998). Se nossas hipóteses estiverem corretas,
esperamos encontrar valores em milissegundos para a duração das ωs muito
semelhantes aos da variante não. Com isso, seria possível afirmar que não é um ω no
PB. Alguns exemplos de sentenças com as ωs são, tão e vão são demonstrados a
seguir:
(8) eu tenho alguns amigos que são economistas, que são, é (pausa)
administradores, engenheiros (informante homem, culto, jovem – COP A
3 H 118)
(9) eu falei assim, gente, uma pedra tão pequena que a gente vê
(informante mulher, não culta, jovem – COP A 1 M 16)
(10) essas crianças vão sofrer! Agora não, mas futuramente vão (informante
homem, não culto, adulto – NIG B 1 H 4)
Paralelamente, com o intuito de demonstrar que as variantes de negação não e
num apresentam comportamentos fonológicos diferentes, consideraremos também a
análise da palavra nunca em posição pré-verbal11, como no exemplo abaixo:
(11) e acham a quiche maravilhosa! Eu fico pensando, nunca comeram a
minha quiche! (informante mulher, culta, idosa – COP C 3 M 4)
A observação da ω nunca permite a comparação com a variante reduzida num,
pois (i) a primeira sílaba de nunca apresenta um padrão CVC e os mesmos segmentos
11
Não nos interessam os outros contextos em que nunca pode ocorrer, visto que não são ambientes em que num também possa aparecer. Por exemplo, a palavra nunca pode preceder um sujeito, como em Nunca o prefeito veio aqui, ou isoladamente como resposta a uma pergunta, como O prefeito veio aqui? Nunca; nesses contextos, num não pode aparecer e, por isso, não podemos fazer as comparações necessárias.
APORTE METODOLÓGICO
103
fonológicos que a forma num, a saber, /nuN/; (ii) a sílaba inicial da ω nunca é
portadora de acento lexical, enquanto acreditamos que o operador de negação num
seja átono; (iii) ambos têm a propriedade semântica de negar a proposição da
sentença; e (iv) a ω nunca também pode aparecer em posição contígua ao verbo,
assim como o operador de negação num. Desse modo, acreditamos que o
comportamento prosódico das formas seja comparável12, embora esperemos que seus
resultados apontem uma nítida diferença entre sílaba proeminente de uma palavra
prosódica (nunca), de um lado, e palavra clítica (num), de outro. Se conseguirmos
esses resultados, poderemos apontar a distinção entre não e num, a fim de
caracterizar esta como um clítico e aquela como uma ω.
Já na fronteira direita do IP, por sua vez, temos por hipótese que não há
variação, sendo categórica a ocorrência de não. Essa posição, além de ser marcada por
um contorno da curva de F0 diferenciado a depender da modalidade da frase, é uma
fronteira prosódica e pode também apresentar pausas e alongamentos, o que inibiria a
aplicação de processos fonético-fonológicos em geral (SERRA & CALLOU, 2013, 2015).
Diante das características elencadas para a fronteira direita de IP (SERRA,
2009), espera-se, pois, que o não que ocorre em posição final seja mais longo que as
ocorrências de não no início e no interior do IP e venha, geralmente, seguido de pausa.
Esperamos também que a ele possa estar associado algum evento tonal que
caracterize a fronteira direita de IP. No entanto, pelo fato de os dados do corpus serem
de fala espontânea, não há como prever o tipo de evento que pode ocorrer nessa
posição, haja vista a variação dos contornos dos enunciados (SERRA, 2009).
Além disso, pretendemos verificar a distribuição das variantes pelas três
estratégias sintáticas de negação: negação canônica, como no exemplo (12); dupla
negação, como no exemplo (13); e negação final, como no exemplo (14).
(12) é que nessa mudança de sistema que eu fiz... gerou uma confusão
danada, porque o pessoal do antigo sistema não queria que eu saísse
(informante homem, culto, adulto – COP B 3 H 63)
12
Deve ser ressaltado, entretanto, o caráter enfático da palavra nunca, o que, ainda assim, não invalida a comparação.
APORTE METODOLÓGICO
104
(13) ele ‘maqueia’ aquilo ali e acaba se dando bem, que tem pessoas que tem
um pouquinho de entendimento, eu acho que num aprova tudo que ele
faz não (informante mulher, não culta, adulta – NIG B 1 M 154)
(14) opção de ônibus tem bastante, tem problema com condução não
(informante mulher, culta, jovem – NIG A 3 M 44)
Ramos (2002) utilizou o argumento de que há uma maior probabilidade de
ocorrência da variante reduzida nas negações duplas como um indício para a hipótese
de que num seja um clítico. Entretanto, a autora não demonstrou esse favorecimento
da estrutura de dupla negativa. Outros trabalhos (VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA,
2001) também advogam o surgimento da estrutura de dupla negação como resultado
do enfraquecimento do operador de negação pré-verbal.
Pretendemos, portanto, observar a distribuição dos dados por essas três
estratégias e verificar se há um favorecimento da estrutura de dupla negação para
ocorrer mais dados da variante reduzida. Se houver o favorecimento, significa que a
estrutura sintática também atua na realização da forma clítica num. Esperamos
verificar que a estrutura canônica favorece a forma reduzida tanto quanto a estrutura
de dupla negação, porque isso fortalece nossa hipótese de que o processo de
cliticização analisado nesta tese é exclusivamente de natureza fonológica.
É preciso observar também qual a frequência da estrutura de negação canônica
e comparar seu resultado aos das estruturas não canônicas. Se houver uma proporção
menor de estrutura canônica, pode ser que haja um processo de mudança em
progresso (ALKMIM, 2002), e não de variação estável (RAMOS, 2002).
Na próxima subseção, apresentaremos a amostra utilizada para este trabalho,
bem como os motivos que nos fizeram adotá-la.
4.2. O corpus
O corpus do Projeto Concordância, utilizado nesta tese, foi escolhido com base
em uma generalização sobre a redução dos ditongos nasais, a de que é uma
característica da fala não culta. Diversos trabalhos (VOTRE, 1978; GUY, 1981; AMARAL,
APORTE METODOLÓGICO
105
1955) utilizam o fenômeno para distinguir a fala dos indivíduos menos escolarizados e
a dos mais escolarizados. Como já assinalamos na revisão da literatura, a redução não
é um fenômeno exclusivo da fala não culta, visto que ocorre também na fala culta,
embora haja maior probabilidade de ocorrência de variantes reduzidas na fala de
pessoas menos escolarizadas (BATTISTI, 2002: 198).
Sendo o processo por que passam as variantes não e num a redução do ditongo
nasal, acreditamos que seria relevante a comparação de dados de fala culta com dados
de fala não culta, para que observemos se há uma maior identificação da fala não culta
também com a realização de num. Considerando essa assunção, definiu-se a análise de
dados de uma amostra que contemplasse a fala espontânea dos dois níveis de
escolaridade.
A princípio, cogitou-se o uso do material disponível nos projetos NURC (Projeto
da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro) e PEUL (Programa de Estudos sobre o
uso da língua) por serem de fácil acesso e de amplo conhecimento na comunidade
acadêmica. Contudo a qualidade das gravações poderia representar um problema
durante a análise acústica dos dados, visto que esses corpora são mais antigos.
Assim, optamos por utilizar o corpus do Projeto Concordância (disponível em
http://www.concordancia.letras.ufrj.br), coordenado pelas professoras Silvia Viera
Rodrigues (UFRJ) e Maria Antónia Ramos Coelho da Mota (Universidade de Lisboa). O
projeto surgiu da necessidade de investigar os padrões de concordância nas
variedades do português, já que a marcação de concordância verbal e concordância
nominal é, frequentemente, apontada como um dos principais diferenciadores de PB e
PE. Foram, então, selecionadas duas localidades no Rio de Janeiro (Copacabana e Nova
Iguaçu) e duas em Lisboa (Oeiras e Cacém), além do português africano, para servirem
como ponto de referência para a seleção de informantes. É um corpus atualizado e
robusto (18 informantes em cada localidade) que cumpre o papel de estabelecer
generalizações sobre as diferenças sintáticas e morfofonológicas das variedades.
O problema de utilizar amostras de fala espontânea relaciona-se ao fato de que
as entrevistas são, geralmente, gravadas nas casas ou locais de trabalho dos
entrevistados. Esses espaços físicos não têm o isolamento acústico necessário, o que
resulta em áudios com muito ruídos e interferências. Com isso, muitos dados tiveram
APORTE METODOLÓGICO
106
de ser eliminados e, em alguns casos, o informante teve que ser excluído da amostra
deste trabalho (cf. capítulo 5).
Inicialmente, havíamos selecionado vinte e quatro informantes do estado do
Rio de Janeiro, distribuídos em igual número em relação ao nível de escolaridade, à
faixa etária e ao sexo. Contudo, após a supressão de dados, restaram quatorze
informantes: seis homens e oito mulheres; sete falantes cultos e sete não cultos; seis
jovens, cinco adultos e três idosos; e cinco moradores de Copacabana e nove de Nova
Iguaçu. Como se percebe, a distribuição não é regular, mas isso não impede a análise,
sobretudo, do fator escolaridade. No estudo preliminar que realizamos com todos os
dados de redução de ditongo nasal (incluindo verbos e nomes terminados com -gem),
os fatores sociais não foram selecionados como relevantes pelo programa Goldvarb X.
Entretanto, consideramos necessário verificar se esse resultado se mantém na análise
apenas das variantes não e num.
Nas tabelas a seguir, são indicadas as referências das entrevistas que foram
selecionadas para este trabalho.
Copacabana Ensino Fundamental Ensino Superior
Homem Mulher Homem Mulher
Faixa 1 COP-A-1-M COP-A-3-H
Faixa 2 COP-B-1-H COP-B-3-H
Faixa 3 COP-C-3-M
Tabela 6: distribuição das amostras de Copacabana do Projeto Concordância
Nova Iguaçu Ensino Fundamental Ensino Superior
Homem Mulher Homem Mulher
Faixa 1 NIG-A-1-H NIG-A-1-M NIG-A-3-H NIG-A-3-Mcomp
Faixa 2 NIG-B-1-H NIG-B-1-M NIG-B-3-Mcomp
Faixa 3 NIG-C-1-M NIG-C-3-M
Tabela 7: distribuição das amostras de Nova Iguaçu do Projeto Concordância
APORTE METODOLÓGICO
107
4.3. Os programas computacionais
Seguimos os procedimentos metodológicos da sociolinguística de orientação
laboviana, a fim de controlar fatores linguísticos e sociais e verificar os
condicionamentos à redução do ditongo nasal. Primeiramente, os dados foram
organizados em planilhas do Excel com a especificação do arquivo de áudio
correspondente, a codificação das variáveis investigadas, o tom associado à estrutura
segmental e os valores de duração. A Figura 1 abaixo ilustra essa etapa:
Figura 1: layout de uma janela do programa Excel com as informações relativas aos dados
produzidos em posição inicial
Utilizamos o programa computacional Goldvarb X (SANKOFF et alii, 2005) para
o tratamento estatístico dos dados a partir dos códigos atribuídos a cada um dos
fatores controlados. Esse programa, bastante usado nas análises sociolinguísticas,
possibilita uma interpretação mais acurada dos dados.
Na análise acústica, havia a necessidade de observar o comportamento da
curva de F0 dos enunciados, para que pudesse ser feita a notação tonal, e obter a
média de duração silábica das variantes não e num. Para tanto, fizemos uso do
programa computacional PRAAT (BOERSMA & WEENINK, 2015), com o qual realizamos
APORTE METODOLÓGICO
108
as anotações em três camadas, a ortográfica, a tonal e a de fronteiras. A figura abaixo
ilustra como foi feita essa etapa.
Figura 2: curva melódica do enunciado Não sou metida, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 225)
No PRAAT, foram obtidos os valores em milissegundos (ms.) da duração silábica
das variantes não e num nas posições pré-verbal e pós-verbal, o que pode ser o
principal indício para confirmar a hipótese de que há um processo de cliticização em
jogo. Formas reduzidas tendem a ser menores do que as correspondentes plenas
(SELKIRK, 1995; CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004), logo, o esperado é que num seja
sensivelmente menor, em termos de duração, do que não. Não se pode desconsiderar
o fato de que, invariavelmente, formas átonas tendem a ter naturalmente duração
menor que formas tônicas. Entretanto, essa tendência não invalida a comparação
entre não e num, uma vez que pretendemos comparar também não com outras
palavras monossilábicas que tenham ditongo nasal, como são, mão e vão, por
exemplo. Da mesma forma, faremos o cotejo dos valores de duração daquela forma
com a sílaba acentuada da palavra nunca. Essas análises visam a diminuir qualquer
APORTE METODOLÓGICO
109
incerteza que a caracterização de não como palavra tônica e num como palavra átona
pode gerar.
Com relação à notação tonal, foram atribuídos tons às proeminências – de
acordo com os postulados de Pierrehumbert (1980), Beckman & Pierrehumbert (1986)
e Ladd (1996 [2008]) – a partir da observação do comportamento da curva de F0 e da
percepção auditiva dos dados. Baseamos nossa análise também no que tem sido
descrito sobre as características melódicas dos enunciados no PB (MORAES, 1997,
2008; CUNHA, 2000; TENANI, 2002; CASTELO, 2011; SILVESTRE, 2012); em especial,
estivemos atentos às conclusões apontadas por Serra (2009) a respeito do
comportamento entoacional desses enunciados, uma vez que seus dados eram, assim
como os nossos, de fala espontânea. Acreditamos que a descrição dos contornos pode
ser, paralelamente ao objetivo principal (investigar o estatuto fonológico e a
prosodização das variantes de negação), uma contribuição para a literatura sobre
entoação no PB, uma vez que há poucos trabalhos que analisem dados de fala
espontânea.
Além de ser uma pista para identificarmos o processo de cliticização, a
atribuição tonal foi relevante para verificar se existia algum comportamento diferente
em relação ao padrão neutro no movimento do contorno pré-nuclear. Seguindo
generalizações de Vigário (1998) e Frota (2000) de que o advérbio de negação seria
marcado por foco no PE, consideramos a possibilidade de haver alguma marcação
tonal diferente associada a não em função do foco. Entretanto, nossa intuição e
também os resultados apontados por Swenter (2004) indicam que não há uma
correlação necessária entre o advérbio de negação e um acento de foco.
É necessário, portanto, que se verifique se os mesmos movimentos melódicos
são registrados no advérbio. Havendo diferença nos acentos, caberá identificar que
tipos de acento ocorrem nesse contexto. Nossa hipótese é que ocorra um acento tonal
L+H associado a não em posição inicial, que é o padrão da primeira proeminência dos
enunciados do PB (MORAES, 1997, 2008; FROTA & MORAES, no prelo), bem como das
outras proeminências do contorno melódico.
Na figura a seguir, mostramos um acento tonal associado à variante não. Como
nosso objetivo era verificar apenas o comportamento do item não, atribuímos, nesta
APORTE METODOLÓGICO
110
imagem, apenas o acento inicial de IP. Podemos perceber que há um movimento
ascendente no advérbio não, cujo pico se realiza na sílaba pretônica da forma verbal
merece. Esse é o movimento característico do início do IP no PB (MORAES, 1997;
TENANI, 2002; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), tendo sido
também encontrado no advérbio não por Armstrong, Bergmann & Tamati (2008) no
corpus analisado pelos autores. Esperamos, assim, que os dados da nossa amostra
apresentem esse tipo de comportamento entoacional.
Figura 3: curva melódica do enunciado não merece presente, produzida por informante mulher,
adulta, não culta (NIG B 1 M 45)
Foi utilizado também nesta tese o R (R Development Core Team, 2011), que é
um software de linguagem de programação para cálculos estatísticos. Especificamente,
pretendíamos calcular as médias de duração e verificar a comparabilidade das
variantes analisadas, como, por exemplo, saber se não e num são, estatisticamente,
iguais ou diferentes. Isso é relevante, porque, se os testes estatísticos apontarem que
são diferentes, há uma confirmação da nossa hipótese, que é a de que as variantes
APORTE METODOLÓGICO
111
têm estatutos fonológicos diferentes. Caso os resultados dos testes indiquem
igualdade entre as variantes, nossa hipótese não se aplica ao fenômeno em questão.
Foi feito, então, o Teste-T com as médias de duração de cada variante. Esse
procedimento estatístico verifica, entre outras coisas, a igualdade ou a diferença das
variáveis em relação à média, retornando um valor p. Caso o valor p seja menor do que
o nível de significância assumido como 5%, rejeita-se a hipótese nula, o que quer dizer
que as médias das variantes são diferentes. Nesse caso, por exemplo, não e num
devem ser considerados elementos fonológicos distintos. Ao contrário, se o valor p for
maior do que o nível de significância, não se rejeita a hipótese nula, ou seja, as médias
das variantes são iguais. Numa possível comparação entre não e num, por exemplo,
isso significaria que as variantes têm estatutos fonológicos iguais.
4.4. Descrição da variável dependente
A variável binária que se propõe investigar, neste estudo, focaliza a
manutenção ou a redução do ditongo nasal no operador de negação no PB. No caso de
manutenção, obtém-se a realização plena do advérbio, [nãw], ao passo que se houver
a redução, a realização percebida é [nu].
Como abordado na introdução da tese, a escolha deste objeto de estudo está
relacionada, sobretudo, à sua alta frequência de ocorrência no corpus. No primeiro
levantamento de dados com redução de ditongo nasal, reunimos 6857 dados, dos
quais 4914 (72%) envolvia uma das variantes do operador de negação. Como
consequência dessa alta frequência, a redução que se aplica, geralmente, a sílabas
átonas, pôde ocorrer em sílabas acentuadas, já que não é um monossílabo tônico.
Alguns exemplos em que concorrem as variantes não e num são apresentados a
seguir:
(15) no interior do Rio de Janeiro ... não precisamos ir para fora do nosso
Brasil não, não precisamos ir para fora do... do nosso estado (informante
mulher, culta, idosa, NIG C 3 M 119)
APORTE METODOLÓGICO
112
(16) ali na praça Arco Verde que tem um... num sei se ainda tem o teatro de
arena, me parece que tinha virado igreja evangélica (informante
homem, não culto, adulto, COP B 1 H 9)
(17) criança tem que ter horário... e as mães pra não se preocuparem, que eu
sempre, eu sempre falo assim, educar dá trabalho, e a maioria das mães
de hoje num querem ter trabalho (informante mulher, não culta, idosa,
NIG C 1 M 59)
Nas próximas seções, detalharemos as variáveis independentes que foram
analisadas neste trabalho. Iniciamos pela apresentação das variáveis linguísticas e, em
seguida, as sociais. Conforme veremos, as variáveis sociais, ao contrário do que era
esperado, não foram selecionadas como fatores relevantes pelo programa estatístico.
4.5. Descrição das variáveis independentes: fatores linguísticos
Em termos labovianos, a variabilidade de um determinado fenômeno
linguístico depende de um conjunto de fatores internos ou externos à língua. A ênfase
que os sociolinguistas deram aos fatores sociais (PAREDES, 2003) se deve a uma
oposição às principais assunções gerativistas13 de concepção da linguagem. Nada mais
natural que, em um primeiro momento, tenham privilegiado a influência das variáveis
sociais, excluindo, inclusive, os casos que pudessem ser explicados por razões
estritamente linguísticas (HUDSON, 2007 [1980]: 169). Contudo, o desenvolvimento
dos estudos, focalizando, sobretudo, os processos fonéticos, fez despontar o interesse
em verificar a influência das variáveis linguísticas.
A sociolinguística merece destaque não apenas por incluir os fatores sociais na
pesquisa científica da área, mas também por seus métodos, que inovaram os estudos
linguísticos por tratar estatisticamente os condicionamentos internos, o que sinaliza
uma posição teórica distinta dos modelos que adotam elementos categóricos.
Neste estudo, definiram-se oito grupos de fatores internos: posição do
advérbio no sintagma entoacional; tipo de estratégia de negação; contexto fonético
13
Formalistas, na verdade, já que as ideias carreadas por Chomsky e seus correlatos têm origem numa longa tradição de estudos da linguagem dissociada do contexto social (HUDSON, 2007 [1980]).
APORTE METODOLÓGICO
113
subsequente; forma verbal; número de sílabas do verbo subsequente; distância em
sílabas até a próxima sílaba acentuada; tipo de elemento antecedente; e número de
sílabas do elemento antecedente. A seguir, são apresentadas as hipóteses que
nortearam a escolha de cada uma das variáveis listadas.
4.5.1. Posição do advérbio no sintagma entoacional
O domínio de IP tem sido caracterizado no PB pela ocorrência de um tom
ascendente associado à primeira sílaba acentuada, pela presença de um contorno
nuclear, pela possibilidade de um alongamento silábico na última sílaba tônica e pela
possível ocorrência de pausa na sua fronteira direita (FROTA, 2000; FROTA & VIGÁRIO,
2000; TENANI, 2002; MORAES, 1997, 2008; TRUCKENBRODT, SANDALO & ABAURRE,
2008; SERRA, 2009).
O nome do constituinte IP deriva do fato de ser o domínio de ocorrência de um
contorno entoacional, que, nas línguas românicas, tem sua proeminência mais à direita
no domínio (FROTA & MORAES, no prelo). Esse contorno, que é formado por uma
sequência de eventos tonais (LADD, 2008: 133), parece ter uma modulação mais
variável no PB do que no PE (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; CRUZ & FROTA,
2013; FROTA et alii, 2015), visto que na variedade brasileira a distribuição de acentos é
mais rica. Essa hipótese de maior densidade tonal vai ao encontro dos resultados de
Fernandes (2007), que propôs que a cada ω (e não apenas à prominência de ɸ), pode
estar associado um acento tonal no PB.
A posição inicial do IP tem sido caracterizada no PB por um movimento
ascendente na curva de F0, com a ocorrência de um acento tonal associado à primeira
ω do constituinte. Há, conforme afirmam Frota & Moraes (no prelo), descrições
divergentes referentes à especificação do alvo (target, na terminologia em inglês).
Essas descrições distintas podem ser reflexo, inclusive, da variação dialetal, já que
alguns trabalhos que analisam a fala do interior de São Paulo optam pelo acento L*+H
(TENANI, 2002) e outros, que analisam falantes cariocas, adotam L+H* (MORAES,
2008).
APORTE METODOLÓGICO
114
Essa descrição sobre as posições inicial e interna de IP é relevante para o objeto
de estudo desta tese por dois motivos que estão estreitamente relacionados. Em
primeiro lugar, ela evidencia que os acentos tonais podem estar associados não
apenas a elementos na fronteira inicial do IP, mas também a ωs no seu interior
(FERNANDES, 2007). Isso possibilita sustentar a hipótese de que um acento tonal possa
estar associado a não, seja ele a primeira ω do enunciado ou não. De igual modo,
permite verificar se ocorre acento tonal associado à variante num, esteja também em
posição inicial ou medial do IP. Nossa expectativa é que não ocorra esta associação,
uma vez que consideramos que num seja uma forma átona, logo, não seria uma ω. Em
segundo lugar, o comportamento entoacional seria indício para confirmarmos a
hipótese de que ocorre um processo de cliticização e também permitiria evidenciar a
prosodização de cada uma das palavras no PB.
Um operador de negação também pode ocorrer na cabeça de IP, porém, ao
contrário das posições inicial e interna do constituinte, é categórica a ocorrência de
não na fronteira direita. Por o processo não ser variável nesta posição, pretendemos
apenas confirmar a nossa intuição de que não há realizações da variante reduzida na
margem direita do IP.
Nesta posição, há pistas acústicas que permitem identificar a fronteira direita
de IP, como a ocorrência de pausa e de alongamento na última sílaba tônica do
enunciado, ou em menor medida na postônica. Serra (2009) investigou a percepção
desses correlatos duracionais, a fim de verificar que estratégias os falantes utilizam
para identificar rupturas. De acordo com seus resultados, ainda que o alongamento
pré-fronteira seja mais perceptível na sílaba tônica, nem sempre é uma pista robusta
para identificar a fronteira de IP, porque pode variar de acordo com o falante. Ao
contrário, a pausa se mostrou um fator decisivo para a percepção de rupturas tanto na
fala espontânea quando na leitura, na medida em que demarcava a fronteira de IP em
88% dos dados de fala espontânea e 96% dos dados de leitura (SERRA, 2009: 181).
Na análise acústica, pretendemos, portanto, observar o papel desses
parâmetros duracionais, visto que podem desempenhar papel inibidor na realização de
formas reduzidas, ou seja, por se tratar de uma posição fonologicamente forte, é
provável que não possa ocorrer ali elementos fracos. Seria, nesse sentido, mais um
APORTE METODOLÓGICO
115
indício para corroborar a hipótese de que num tem comportamento aproximado ao de
um clítico, quando acompanhado de um verbo em outra posição na frase (início ou
meio do IP).
Com base nisso, alguns exemplos dos contextos analisados são expostos a
seguir. Nos exemplos (18) e (19), há um enunciado em que o operador de negação
aparece no início de um IP; em (20) e (21), o operador está no interior de IP; e em (22)
e (23), está na fronteira direita do mesmo constituinte.
(18) faço meu trabalho e vou embora.. num chamo atenção de ninguém
(informante mulher, culta e jovem, NIG A 3 M 45)
(19) na época que eu fui pra fazer o curso, não tinha curso pra iluminador, só
pra ator (informante homem, não culto, jovem, NIG A 1 H 10)
(20) tem as micaretas da vida, mas aí, nas micaretas, eu num vou, porque os
filhos num deixam eu ir, né?! (informante mulher, culta, idosa, NIG C 3
M 14)
(21) às vezes até a pessoa quer se reconciliar, quer continuar, mas num pode,
mas eu vejo muita gente que não quer assumir a vida de casada
(informante mulher, não culta, idosa, NIG C 1 M 55)
(22) fui jogado num canto... não por maldade da minha mãe não, coitada
(informante homem, não culto, adulto, NIG B 1 H 38)
(23) Documentador: você estudou a vida inteira no mesmo colégio?
Informante: não, eu comecei num colégio pequeno no Flamengo... fica
na Paissandu (informante homem, culto, jovem, COP A 3 H 13)
4.5.2. Tipo de estratégia de negação
A distribuição do operador de negação é relativa ao verbo, podendo ser
anterior ou posterior a ele, o que organiza configurações estruturais diferentes de
expressar conteúdos sentenciais negativos. São três as estratégias de negação: pré-
verbal (canônica), pré e pós-verbal (dupla), e apenas pós-verbal (final).
APORTE METODOLÓGICO
116
Conforme relatamos anteriormente, os trabalhos que se debruçaram sobre o
tema (RONCARATI, 1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; ALKMIM, 2002)
apontam um percurso para o surgimento das estratégias não canônicas a partir do
enfraquecimento fonético do operador de negação em posição pré-verbal. Assim, da
negação canônica, primeiramente teria surgido a dupla negação e, posteriormente, a
negação final. Esse processo também se relaciona, segundo os autores, ao Ciclo de
Jespersen, uma vez que pressupõe um processo de enfraquecimento fonético que é
compensado pelo reforço da informação negativa em outra posição sintática/
fonológica. Quase todos os autores pesquisados caracterizaram a implementação do
não pós-verbal como um caso de ênfase para tornar mais clara a informação opaca do
num reduzido.
Como questionamos no segundo capítulo, a ênfase não serve para
particularizar as construções não canônicas, uma vez que a negação canônica também
pode ter uma realização enfática. Citamos como exemplo o caso da pessoa que, ao
andar na rua, lembra que não havia desligado o fogão (SWENTER, 2004). Essa pessoa
pode proferir um enunciado com negação canônica, mas não com dupla negação ou
negação final. Então, algo como Nossa, não desliguei o fogão! é possível, mas frases do
tipo Nossa, desliguei o fogão não! tendem a ser rejeitadas. De acordo com o que
argumenta Swenter (2004), a rejeição de uma estrutura e a aceitação de outra estão
mais relacionadas com a estrutura informacional da sentença (se é uma informação
nova ou velha no discurso) do que com a expressão da ênfase.
De todo modo, consideramos relevante controlar como os operadores de
negação se distribuem entre as três estratégias, pois pode ser mais um recurso para
analisar a hipótese de cliticização. Um possível favorecimento às estratégias de
negação dupla e final pode indicar que há um processo de menor estabilidade e de
(provável) mudança em progresso.
A seguir, são apresentados exemplos de cada uma das estratégias de negação:
em (24), são dados de negação canônica, ou pré-verbal; em (25), de negação dupla; e
em (26), de negação final.
APORTE METODOLÓGICO
117
(24) meus problemas, eu tenho que resolver dentro da minha casa, eu num
posso ir para o meu trabalho, chegar lá e ficar de cara feia (informante
mulher, não culta, idosa, NIG B 1 M 177)
(25) aí ela começou, melhor você não pegar ônibus nesse ponto aí não
(informante mulher, culta, idosa, NIG A 3 M 30)
(26) o cara num fede nem cheira... sei se vocês gostam dele não (informante
homem, não culto, adulto, COP B 1 H 50)
Foram consideradas estratégias de dupla negação apenas os dados em que o
primeiro operador de negação era uma das variantes não ou num, como em (25). Os
casos em que ocorreu o advérbio nunca nessa posição, como em (27), foram
descartados, visto que o objetivo central desta tese é investigar a variação que ocorre
decorrente da redução do ditongo nasal no operador de negação prototípico.
(27) não, nunca parei para sentar para ver negócio de político não
(informante mulher, não culta, jovem, NIG A 1 M 57)
4.5.3. Contexto fonético subsequente
De acordo com o que foi descrito por Duarte e Paiva (2011), o contexto
subsequente desempenha um relevante papel nos estudos de fenômenos fonológicos
variáveis. Alguns processos, como a harmonização vocálica e a palatalização das
oclusivas alveolares são particularmente interessantes, do ponto de vista fonológico,
pois o gatilho para sua realização depende fortemente do ambiente subsequente.
Sobre o primeiro caso, a harmonização, Schwindt (1995) ressalta que o contexto
subsequente se mostrou relevante tanto para a elevação da média anterior [e], quanto
para a média posterior [o]. Ainda sobre a elevação das pretônicas, Bisol (2009) afirma
que a vogal alta em posição subsequente é a principal condicionadora fonética dos
casos de harmonia vocálica, porém não atua nos dados em que a elevação não
apresenta motivação aparente, como cebola.
APORTE METODOLÓGICO
118
Em Brandão (2008), desenvolve-se uma análise descritiva dos elementos que
ocupam a coda em português (R, S e L), tendo por base amostras de fala de
comunidades do Norte e do Noroeste do estado do Rio de Janeiro. Para todas as
variáveis analisadas, o ambiente subsequente se mostrou relevante. Inclusive, no caso
da palatalização do S, há maior aplicação da regra se à sibilante, nos contextos medial
e final, seguir uma africada pós-alveolar ou uma oclusiva dental. Resultados
semelhantes foram encontrados por Brescancini (2003), demonstrando a relevância
desse fator.
A observação dos dados de negação permitiu o levantamento dos contextos
que restringem a redução do advérbio. Note que, nos exemplos em (28) abaixo,
chamados de negação reforçada (RAPOSO et alii, 2013) ou negação dupla (RONCARATI,
1997; FURTADO DA CUNHA, 2000), o enunciado (a) apresenta a possibilidade de o item
aparecer reduzido ou não. Já, no enunciado (b), a redução do item torna a frase
agramatical do ponto de vista fonológico.
(28) a. Ele não/ num telefonou não.
b. * Ele não/ num telefonou num.
Como descrito por Serra (2009), a margem direita do enunciado representa
uma ruptura do ponto de vista analítico e perceptivo. Uma das pistas utilizadas para
identificá-la é a pausa em várias línguas do mundo (SELKIRK, 1984; NESPOR & VOGEL,
1986; FROTA, 2000; FROTA & VIGÁRIO, 2000). No exemplo b de (28) num, ao contrário
de não, ocupa essa fronteira de IP, o que torna o enunciado estranho. Parece haver,
então, uma restrição a elementos fracos em posição final de enunciado. Esse
comportamento foi observado para o inglês por Selkirk (1995: 17), segundo a qual, it is
a fact that, in the absence of pitch accent, the prosodic structure of a Fnc [function]
word correlates with the position in which that Fnc is embedded in the sentence14.
Desse modo, acreditamos que a pausa, aliada a fatores fonológicos (ocorrência de um
acento nuclear) possa bloquear a redução dos itens de negação nesta posição.
14
“É um fato que, na ausência de um acento tonal, a estrutura prosódica da palavra funcional se correlaciona com a da posição que a palavra funcional ocupa na sentença” (tradução minha).
APORTE METODOLÓGICO
119
A mesma restrição ocorre em respostas a perguntas totais (perguntas sim/
não), pois a preservação do ditongo nasal é categórica, como mostra o exemplo em
(29). Neste caso, a palavra funcional é também um IP e um enunciado (Utt),
obedecendo, portanto, a princípios reguladores de domínios mais altos na hierarquia
prosódica.
(29) A: Ele telefonou?
B: * Num.
Esses dados, que trazem importantes questionamentos para os estudos sobre
fraseamento prosódico, parecem indicar que contextos de fronteira de IP
(acompanhados ou não de pausas) não contribuem para a aplicação da regra de
redução no advérbio de negação.
Observaremos também a ocorrência de oclusivas, fricativas, nasais, laterais e
vogais. Com relação à redução dos ditongos nasais em verbos e nomes, os trabalhos
consultados (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI, 2002) são contundentes ao afirmar
que vogais favorecem a redução do ditongo nasal, ao contrário das consoantes. Ainda
que a redução do ditongo nasal no advérbio não esteja relacionada a outros fatores,
verificaremos se há algum favorecimento da redução no caso de vir seguido por uma
vogal e um desfavorecimento se estiver diante de uma consoante. A seguir, são
exemplificados os contextos, podendo o operador de negação estar diante de vogal
(30), oclusiva (31), fricativa (32), nasal (33) e lateral (34).
(30) continua a mesma coisa, gente! A única coisa que mudou é que eles num
andam mais com aqueles aparatos (informante homem, não culto,
adulto, COP B H 19)
(31) às vezes, vou à praia... mas não preciso me vestir pra fazer essas coisas
em Copacabana (informante mulher, culta, idosa, COP C 3 M 6)
(32) se num fosse a família Real vindo pro Brasil, nós seríamos ainda um
Império, creio eu, né? (informante homem, culto, jovem, NIG A 3 H 157)
APORTE METODOLÓGICO
120
(33) eu num entendo muito de política não, ainda mais aqui de Nova
Iguaçu... porque como eu num me ligo muito em política (informante
mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M 137)
(34) ah, eu num lembro não e também até hoje também num sonho não
(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 124)
4.5.4. Forma verbal
Observando os dados do corpus, percebemos que as variantes não e num
podem acompanhar qualquer verbo, seja na sua forma flexionada (finita), seja na sua
forma não flexionada (infinita). Entretanto, as formas não flexionadas apresentam um
comportamento morfológico diferente das demais, na medida em que se aproximam
de nomes.
É importante frisar que dados como a não aceitação foram excluídos da
amostra, uma vez que a palavra aceitação é um substantivo e, nesse caso, o advérbio
de negação funciona como um prefixo. Justamente por ser um prefixo, a forma
reduzida sempre é bloqueada diante de um substantivo, haja vista a estranheza
causada por a num aceitação (?).
Verbos no infinitivo, gerúndio ou particípio, por serem as formas nominais do
verbo, têm comportamento similar ao de nomes. Se com os nomes é bloqueada a
redução, é preciso verificar, então, se com as formas nominais do verbo ocorre a
mesma restrição. Por isso, acreditamos que esse contexto seja menos favorecedor da
redução do ditongo nasal.
Em seguida, são apresentados exemplos com verbo flexionado (35) e com
verbo não flexionado (36).
(35) estão construindo ainda, vai ser muito bom, né? (pausa) Copacabana
num tem essa coisa da cultura, né? (informante homem, não culto,
adulto, COP B H 24)
APORTE METODOLÓGICO
121
(36) apesar de você confiar nos médicos, você fica com medo de chegar lá e
não conseguir uma vaga, num é não confiar no profissional às vezes
(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 22)
4.5.5. Distância em sílabas até a próxima sílaba acentuada
Alguns trabalhos (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007)
têm apontado sistematicamente a relevância de verificar a distância entre sílabas
acentuadas, pois fatores rítmicos, como a disposição das proeminências, podem
interferir na (não) aplicação de fenômenos fonológicos (FROTA, 2000) e na percepção
do fraseamento prosódico (SERRA, 2009). Nas palavras de Tenani (2002: 51),
a alternância entoacional é implementada obedecendo a uma distância ótima, dada em termos de número de sílabas, entre os eventos tonais dentro de ɸ e entre ɸs. Em outras palavras, esses resultados revelam que a configuração entoacional em PB é pautada por um princípio em otimizar a alternância dos tons guardada uma distância mínima entre os elementos proeminentes do domínio prosódico relevante para a organização dos tons.
Essa distância entre sílabas seria uma das estratégias adotadas para evitar
choques acentuais dentro de um mesmo ɸ. Por isso, segundo a autora, é preciso
observar se os eventos tonais dentro do mesmo ɸ são separados por sílabas não
acentuadas. Nos casos em que dois acentos estão contíguos, os resultados
demonstraram haver um alongamento da sílaba a fim de minimizar o choque acentual
(TENANI, 2002).
Com relação ao objeto de estudo da tese, sustentamos a hipótese de que não
seja uma ω, logo, é um domínio candidato à ocorrência de eventos tonais. Espera-se,
portanto, que não ocorra mais frequentemente contíguo a sílabas átonas, para evitar o
choque de acentos. Por outro lado, nossa hipótese é que num seja um elemento
átono, ao qual não está associado um acento tonal. Desse modo, em posição
adjacente à sílaba tônica, há maior probabilidade de ocorrer a variante reduzida. Se
estivermos certos com relação a essas predições, esses resultados podem ser mais um
indício para confirmar a hipótese de cliticização da forma num, pois esta necessitaria
APORTE METODOLÓGICO
122
se adjungir a sílabas mais proeminentes, assim como os clíticos prototípicos, em razão
de ser átona.
A seguir são demonstrados exemplos em que a sílaba que segue o operador de
negação é acentuada (37), ou há uma sílaba interveniente (38), ou ocorrem duas
sílabas átonas entre o não e a próxima sílaba tônica (39), ou, por fim, há três ou mais
sílabas de distância até a próxima tônica (40).
(37) e outra coisa que o casamento num dá certo hoje em dia... é que as
pessoas num estão aceitando a família do outro (informante mulher,
não culta, idosa, NIG C 1 M 42)
(38) porque um dia ele vai chegar lá, ele vai ser idoso, se ele num morrer pelo
meio do caminho (informante homem, não culto, jovem, NIG A 1 H 35)
(39) mas eu também vejo por um lado, enquanto num melhorar a estrutura,
muitas pessoas utilizam isso como... para botar comida dentro de casa
(informante homem, culto, jovem, NIG A 3 H 94)
(40) porque achou que mais uma obra perto, de repente, ele recuperava.
Piorou, não recuperou nada (informante mulher, culta, idosa, COP C 3 M
105)
4.5.6. Número de sílabas do verbo subsequente
Como consequência à variável independente anterior, é necessário verificar o
número de sílabas do verbo que segue o operador de negação. Se a hipótese de que a
forma reduzida ocorra mais frequentemente precedendo uma sílaba acentuada for
confirmada, é de esperar que também esteja atrelada com maior frequência a
monossílabos tônicos. Por outro lado, a forma plena, por ocorrer com menor
frequência próxima a sílabas acentuadas (para evitar o choque acentual), deve
aparecer com menor frequência seguida por monossílabos tônicos.
Os exemplos que mostram o tamanho dos verbos em número de sílabas são os
seguintes: em (41), há um enunciado com monossílabo; em (42), com verbo
APORTE METODOLÓGICO
123
dissilábico; em (43), com verbo trissilábico; e em (44), com verbos com quatro ou mais
sílabas.
(41) e às vezes o cara vai pra uma área que ele não tem conhecimento
nenhum (informante homem, culto, jovem, COP B 3 H 37)
(42) o Collor foi jogado fora, não porque eu defendo o Collor, num tenho
nada contra ele... nem a favor (informante homem, não culto, adulto,
NIG B 1 H 2)
(43) o hospital se torna pequeno... num consegue suportar tudo (informante
mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 28)
(44) mas eu num sei, num vou dizer para você que minha mãe e meu pai
tenha me influenciado não, porque eu num experimentei dentro de casa,
eu experimentei na rua (informante mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M
74)
4.5.7. Tipo de elemento antecedente
Controlamos também o tipo de elemento à esquerda das variantes não e num
nos casos em que elas não são o primeiro elemento do IP. Nessa posição, podem
aparecer constituintes que funcionam sintaticamente como sujeitos ou adjuntos, ou
morfologicamente serem preposições, pronomes relativos ou conjunções: no exemplo
em (45) abaixo, a sequência de enunciados com proposições negativas é sempre
iniciada por um pronome que funciona como sujeito; no dado em (46), o início do IP é
ocupada pelo adjunto adverbial só; em (47), há a forma reduzida da preposição para,
antecedendo o item num; em (48), o pronome relativo ocupa a posição inicial do IP; e,
no exemplo em (49), a conjunção mas antecede o item num.
(45) aí uma pessoa liga pra casa, ah, diz que eu num tou a fim de... diz que eu
num tou aí não... Eu num tou a fim de atender não (informante mulher,
não culta, idosa, NIG C 1 M 70)
APORTE METODOLÓGICO
124
(46) mas em termos de governo eu acho que nós estamos crescendo. Só num
crescemos mais ainda, porque o Brasil precisa melhorar muito na
mudança da sua constituição (informante homem, culto, jovem, NIG A 3
H 84)
(47) o que falta? melhorar o ordenado dos policiais né? Pra num ter tanta
corrupção, tanta coisa horrível que a gente vê por aí (informante
mulher, não culta, idosa, NIG C 1 M 5)
(48) ele é agredido dentro da escola, porque aturar esses jovens de hoje, que
num têm mais limite nenhum, não é mole (informante mulher, culta,
idosa, COP C 3 M 71)
(49) as pessoas acham que hoje oportunidade... é quando você vai pra uma
boa escola, você tem... dinheiro (pausa) e às vezes você não tem uma
família, você tem um pai que tem dinheiro, mas num liga pra você
(informante homem, não culto, adulto, NIG B 1 H 24)
Esse controle é importante, porque elementos variados e de tamanhos diferentes
podem anteceder o operador de negação. As únicas preposições verificadas foram de,
para e a, sendo que todas foram produzidas como reduzidas e átonas. As conjunções
integrantes que e se também foram realizadas dessa forma. Por outro lado, conjunções
como aí, então, ou advérbios como só, ainda são acentuados e também podem
preceder as variantes não e num. Em outras palavras, é preciso verificar se há algum
condicionamento para a realização de uma das variantes (não ou num), caso na
posição anterior esteja um elemento acentuado ou não.
É importante notar que o sujeito também pode apresentar essa variação, pois
podem se realizar como pronomes ou sintagmas nominais. Entretanto, os sintagmas
nominais se organizam em torno de um nome, i.e. uma ω, enquanto os pronomes
podem ser realizados como clíticos ou ωs (CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004. Então, deve
ser feita essa distinção, a fim de analisar a influência de haver ou não um acento lexical
na posição anterior.
APORTE METODOLÓGICO
125
4.5.8. Número de sílabas do elemento antecedente
Esta variável está diretamente relacionada à anterior, pois o controle do
número de sílabas pode responder se esse fator influencia na realização do operador
de negação, ou seja, se ocorre mais uma das variantes e menos de outra em um
contexto de elemento à esquerda com mais sílabas. Nossa expectativa é que haja
maior frequência de não nos contextos em que o elemento antecedente for maior.
A seguir, há exemplos de uma sílaba antecedendo o operador de negação (50),
duas sílabas (51), três sílabas (52), quatro ou mais sílabas (53).
(50) uma vez ou outra que tem uma coisinha ou outra, cê num vê tumulto
aqui, gosto muito aqui (informante mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M
3)
(51) acho que três cinemas funcionando, uma praça de alimentação boa,
então num preciso sair daqui pra ir se divertir (informante homem, não
culto, jovem, NIG A 1 H 46)
(52) sorte é que hoje que foi sexta-feira... e: sexta-feira a gente num precisa
(ir) trabalhar de terno (informante homem, culto, jovem COP A 3 H 32)
(53) tem um hospital que dependendo do diretor, é, o funcionário num vai e
em outros hospitais o diretor já num permite esse tipo de coisa
(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 10)
Na próxima seção, são descritas as variáveis sociais e as hipóteses que
nortearam sua análise.
4.6. Descrição das variáveis independentes: fatores sociais
A introdução da componente social nos estudos linguísticos se mostrou uma
revolução à época, pois o pressuposto de que a linguagem se desenvolve no seio de
uma comunidade de fala não era considerado em correntes teóricas anteriores. O
próprio termo linguística ativa o axioma da categoricidade, herança da tradição
APORTE METODOLÓGICO
126
objetivista que dominou os estudos da linguagem, sobretudo, a partir de Saussure
(CHAMBERS, 1995: 28). No entanto, a insurgência de estudos que pretendiam
investigar o significado social da variação linguística abriu espaço para que fatores
externos fossem contemplados nas análises.
Nesse novo panorama científico, o foco dos estudos empíricos se deslocou do
conhecimento da linguagem para as relações sociolinguísticas construídas através da
fala. Ainda que Saussure a tenha classificado como uma manifestação individual
(SAUSSURE, 2006: 21), as pesquisas sociolinguísticas demonstram que a fala apresenta
tantas restrições sociais quantas forem possíveis num grupo de pessoas. Na
perspectiva estruturalista, o homem necessita apenas ter conhecimento da arquitetura
da língua (as relações entre fonemas, a estrutura interna das palavras, a posição de
cada elemento da sentença) para, de fato, ser um falante daquela língua. Todavia,
conforme demonstra Hudson (2007 [1980]: 107), restrições sociais, aprendidas por
meio da socialização, devem ser levadas em conta nas investigações da fala. Em nossa
sociedade, por exemplo, uma saudação deve ser respondida com outro cumprimento.
A não reciprocidade do ato pode levar a inúmeras interpretações sobre o
comportamento do interlocutor. Em outras sociedades, isso não é, necessariamente,
verdadeiro.
Inúmeras pesquisas têm evidenciado a relevância dos fatores sociais na
realização de fenômenos variáveis. Um exemplo de como esses fatores podem
influenciar a linguagem é o uso diferenciado de algumas formas por homens e
mulheres falantes do Koasati (HAAS, 1944). Nessa língua indígena da Louisiana, estado
norte-americano, um item linguístico terminado por vogal nasalizada, na fala de
mulheres, é desnasalizado e, na fala masculina, recebe a terminação -s.
Mulheres Homens Significado
lakawtakkǫ lakawtakkós ‘eu não o estou levantando’
Lakawwą lakawwás ‘ele o levantará’
ką kás ‘ele está dizendo’
Tabela 8: a relação entre homens e mulheres em Koasati (adaptado de Haas,1944: 144)
APORTE METODOLÓGICO
127
Outro exemplo interessante é o da língua de aborígenes australianos Njamal
(TRUDGILL, 1974). As relações de parentesco são estabelecidas de maneira diferente
das sociedades ocidentais. Um único termo pode servir para designar diferentes
indivíduos da mesma geração, como mama, que indica o pai, o tio, o primo do pai, ou
qualquer homem que seja da mesma geração do pai. Nessa comunidade, a distinção
entre pai e tio não tem o mesmo significado que no nosso grupo social. Além disso,
enquanto, em português, se usa a palavra tio para expressar o irmão do pai ou da mãe
e o irmão do avô ou da avó, em Njamal, o primeiro caso recebe o nome de mama,
enquanto o segundo, de karna. Esses dados, como argumenta Trudgill, fundamentam
a ideia de que a linguagem reflete a sociedade.
Os primeiros trabalhos de Labov caminham na direção de confirmar a influência
das variáveis sociais na variação linguística. Em estudos pioneiros, o autor já havia
ressaltado a interferência que a atitude dos falantes causava na alteração da qualidade
vocálica dos ditongos centralizados (LABOV, 1963) ou como as pessoas de determinada
classe social poderiam apresentar realizações diferentes para a mesma variável
(LABOV, 1972).
Nesta tese, definiram-se quatro grupos de fatores externos: gênero dos
informantes, faixa etária, localização geográfica e escolaridade. Não há trabalhos, até
onde vai nosso conhecimento, que tenham se preocupado com as questões sociais que
envolvem a redução dos itens de negação no PB. Portanto, partiremos dos resultados
alcançados pelos trabalhos realizados sobre o fenômeno mais geral para formular
nossas hipóteses, uma vez que a redução do item não é uma especificação de um
processo mais amplo e diverso, a redução dos ditongos nasais. Certamente, a
observação mais ampla e sistemática dos fatores sociais ajuda a justificar o presente
estudo, além de reforçar a motivação social da variação linguística.
4.6.1. Sexo
Uma vasta literatura tem se ocupado em estudar os efeitos que a diferenciação
entre homens e mulheres causa na linguagem (PAIVA, 2008; HOLMES e MEYERHOFF,
2003). Talvez por presumir que as particularidades que distinguem homens de
APORTE METODOLÓGICO
128
mulheres sejam extremamente naturais, não se percebe que essas marcas se refletem
na linguagem. É certo que os diferentes comportamentos assumidos por cada um dos
gêneros nas sociedades encontram repercussão na língua, porém até que ponto essa
variável pode interferir no discurso é uma pergunta que tem interessado à
sociolinguística.
Trudgill (1974) relata vários exemplos de diferenças na fala de homens e
mulheres, como na língua Ngala, da Nova Guiné, que tem uma forma de primeira
pessoa do singular específica para o homem /wn/ e outra para a mulher /ñən/. O autor
ainda reporta o caso clássico das Antilhas Menores, nas Índias Ocidentais, onde se
acreditava que homens e mulheres falavam línguas diferentes. Documentos mais
recentes demonstram, todavia, que a diferença residia na variação lexical, já que
mulheres utilizavam, por exemplo, formas que homens não poderiam utilizar, sob
pena de sofrerem preconceito no grupo a que pertenciam. Outro caso é o
impedimento de as mulheres, no Zulu, tratarem o sogro ou seus irmãos pelo nome: a
simples menção pode levá-las à morte.
O estudo de Holmes (1992) sobre as tag questions do inglês mostra que as
mulheres tiveram um uso bastante expressivo (quase 60%) das expressões
facilitadoras, que despertam no interlocutor um ambiente reconfortante (It’s a
wonderful painting, isn’t it? ‘É uma pintura maravilhosa, não é?’). Os homens, ao
contrário, preferem as expressões confrontadoras (I just told you, dind’t I? ‘Já te disse,
não?’) às facilitadoras, que apresentam apenas 25% de ocorrências. Esses resultados
podem ser correlacionados às tendências elucidadas por Lakoff (1975) sobre o
comportamento das mulheres, que seriam inseguras e com pouca confiança.
No português, Scherre (1996) identificou que as mulheres tendem a expressar a
marca de plural mais frequentemente que os homens. Nesse caso, a variante menos
prestigiada, ausência de -s nos elementos do sintagma nominal, é favorecida pelos
homens, confirmando as hipóteses de Labov (1966; 2001) sobre o papel social que os
homens assumem na implementação de formas estigmatizadas. De acordo com
Battisti (2002), pode-se afirmar que os ditongos nasais átonos também se comportam
da mesma maneira, pois os resultados mostram que os homens favorecem a sua
redução com 0.52 de peso relativo, enquanto as mulheres adotam posição contrária,
APORTE METODOLÓGICO
129
com 0.48. Percebe-se, entretanto, que os pesos relativos são praticamente neutros, o
que impede afirmações mais contundentes. Diante disso, decidimos testar essa
hipótese, a fim de identificar o papel desempenhado pelos homens na implementação
desse processo.
Espera-se, portanto, que os homens favoreçam a aplicação da regra, isto é,
apresentem mais dados de num, já que, segundo alguns autores (AMARAL, 1953;
NASCENTES, 1955), a redução dos ditongos nasais, fenômeno mais amplo do qual faz
parte a redução de não e num, é um fenômeno estigmatizado no português brasileiro.
4.6.2. Faixa etária
A metodologia laboviana (1994), empregada em larga escala nas análises
sociolinguísticas, busca compreender os princípios da mudança linguística. Para tanto,
atribui ao fator idade grande relevância no estudo da mudança em progresso. Os
estudos em tempo aparente visam a observar informantes de diferentes idades em um
mesmo intervalo de tempo, porém muitos pesquisadores apontaram falhas na
impossibilidade de definir se a mudança observada trata da implementação de uma
nova variante no sistema ou representa uma variação etária que se repete pelas
gerações. Esse tipo de estudo requer do linguista uma interpretação bastante precisa
dos dados, uma vez que resulta de inferências sobre a mudança. De acordo com
Chambers (1995: 194), a legitimidade dessas predições depende de como será o uso
de determinado fenômeno linguístico para um grupo de indivíduos quando estiver
mais velho, isto é, se eles manteriam os mesmos usos ou se os alterariam. Essa
hipótese subjacente à dimensão de tempo aparente parece ser confirmada no estudo
de Cedergren (1973) sobre o espanhol do Panamá. A autora pesquisou cinco variáveis,
dentre as quais está a lenição do ‘ch’ em muchacho e mucho, por exemplo. No caso,
observou-se que a passagem de uma africada [č] para uma fricativa [š] apresenta
traços marcados de mudança em progresso, pois os idosos realizam muito mais
africadas que os jovens nos contextos investigados.
Há ainda os estudos em tempo real, que selecionam indivíduos em estágios de
tempo apartados. A comparação pode ser entre indivíduos diferentes (estudo de
APORTE METODOLÓGICO
130
tendência) ou entre os mesmos indivíduos (estudo de painel). Como afirmam Paiva e
Duarte (2003: 186), “a vantagem desses dois tipos de estudo é permitir o confronto de
duas sincronias do mesmo foco geográfico”. No Brasil, esse tipo de metodologia
orientou a organização das amostras do NURC-RJ (CALLOU, 1997) e Censo (SCHERRE e
RONCARATI, 2008).
Em alguns fenômenos do português brasileiro, a variável idade tem se
mostrado bastante atuante, como na variação entre os pronomes de primeira pessoa
do plural nós e a gente (OMENA, 2003; LOPES, 1998). O cruzamento dos fatores
gênero e idade (LOPES, 1998) revelou que as mulheres de 25 a 35 anos preferem a
variante inovadora a gente (0.85) e os homens com mais de 56 anos tendem a utilizar
mais a variante conservadora nós (0.81). O comportamento diametralmente oposto
provoca o questionamento se se configura um início de mudança linguística ou se o
processo está ainda num estágio de variação.
Em trabalho clássico sobre o preenchimento do sujeito em português, Duarte
(1995) verifica que a faixa etária dos informantes aponta para uma mudança contínua
em direção à representação pronominal plena. A análise da Tabela 9 a seguir valida a
hipótese de que a representação do sujeito é uma mudança em progresso, já que os
mais jovens tendem a preencher a posição, enquanto os mais velhos a preferem vazia.
Faixa etária Peso relativo
< 46 anos 0.62
36 a 45 anos 0.46
25 a 35 anos 0.41
Tabela 9: ocorrência de sujeito nulo de acordo com a faixa etária dos informantes (adaptado de Duarte,
1995: 80)
Na análise da redução dos ditongos nasais, Bopp da Silva (2005) mostra que os
falantes mais jovens favorecem a regra com 0.54, ao passo que os mais idosos não
atuam nesse sentido com 0.46. Justamente por esses valores de peso relativo estarem
muito próximos ao ponto neutro, acreditamos que não se pode fazer afirmações mais
categóricos sobre o comportamento dos indivíduos pesquisados. Diante disso, testa-
APORTE METODOLÓGICO
131
se, neste trabalho, a hipótese de que os mais idosos assumem uma atitude mais
conservadora frente à variante num, o que vai ao encontro dos resultados de inúmeros
trabalhos sociolinguistas.
Os fatores controlados, neste grupo, são os seguintes: faixa 1, de 18 a 35 anos;
faixa 2, de 36 a 55 anos; e faixa 3, de 56 a 75 anos.
4.6.3. Localização geográfica
A correspondência entre locais mais distantes dos centros urbanos, pessoas de
baixo poder aquisitivo e fala popular parece bastante assentada na literatura
(TRUDGILL, 1974; LABOV, 2001), bem como a relação que existe entre pessoas de
classes sociais mais altas e fala culta. Ainda que essa distribuição não se revele
verdadeira em todos os casos, serve de fundamento para as generalizações que
tentam explicar a variação linguística.
Em artigo sobre a formação sociolinguística do Brasil, Lucchesi (2006) recupera
como se deu o loteamento dos espaços em território brasileiro desde o período
colonial. A elite ocupou os pequenos centros urbanos, enquanto a maior parte da
população, constituída, basicamente, de colonos pobres, índios e escravos, se refugiou
no interior do país. No século XX, a transformação de um país agrário em
industrializado provocou um enorme fluxo de pessoas do campo para as cidades, o
que significa que “no plano linguístico, o êxodo rural promoveu a conversão de uma
ampla variação diatópica em uma profunda variação diastrática” (LUCCHESI, 2006: 93).
É exatamente nesse cenário que se inserem os dois pontos de inquérito selecionados
para a coleta de dados do Projeto Concordância.
O município de Nova Iguaçu surgiu de um pequeno povoado que se instalou às
beiras do rio Iguaçu, principal meio de escoamento das produções dos engenhos da
região. A chegada da Estrada de Ferro no período do segundo Império fez com que o
pequeno arraial se desenvolvesse e fosse elevado à categoria de vila. Desde então,
Nova Iguaçu passou a contar com um polo industrial e viu sua população aumentar,
contando hoje com pouco mais de 800 mil habitantes e um IDH de 0,762 (IBGE, 2010).
APORTE METODOLÓGICO
132
Copacabana é um dos bairros mais conhecidos do Rio de Janeiro, o que atrai
inúmeros turistas e visitantes de outros lugares. Foi local de residência da elite carioca
durante décadas, porém hoje se configura mais como um bairro de classe média. O
bairro tem cerca de 140 mil habitantes, dos quais 1/3 é de idosos. Além disso,
apresenta um dos maiores IDH da cidade com 0,956 (IBGE, 2010).
Essas diferenças sociais entre as regiões podem ter reflexos na língua, porque,
embora não se possa afirmar que se trata de diferenças entre classes sociais,
percebem-se resquícios de uma estratificação social que remonta ao processo de
ocupação dos espaços. Segundo Trudgill (1974: 24), o desenvolvimento de variedades
geográficas pode ser explicado pelas mesmas razões que variedades sociais, cujas
barreiras e distâncias retardam a difusão da mudança linguística. Nesse caso, a
distância física de quase 50 quilômetros entre as duas regiões talvez seja menos
latente que as diferenças sociais.
Como a variação investigada nesta tese se insere num quadro de fenômeno
estigmatizado (a redução dos ditongos nasais), espera-se que Copacabana assuma uma
tendência mais conservadora quanto ao uso de num.
4.6.4. Escolaridade
A escola exerce um papel coercivo sobre o uso linguístico, à medida que
propaga valores socialmente prestigiados, dada a sua característica de instituição
tradicional, e reforça um comportamento linguístico padronizado. Os trabalhos em
sociolinguística vêm demonstrando os claros efeitos dessa pressão escolar na
manutenção de formas conservadoras em sujeitos que frequentaram o ambiente
escolar por um tempo prolongado. Do mesmo modo, os indivíduos com mais
escolaridade são responsáveis pela disseminação de formas mais prestigiadas, o que
parece sustentar a correlação entre frequência escolar e variedades cultas (PAIVA e
SCHERRE, 1999; GONÇALVES, 2008).
Essa relação entre norma culta e alta taxa de escolaridade pode ser observada
nos pressupostos que baseiam alguns projetos de pesquisa sociolinguística no Brasil,
como o NURC e o PEUL. Ao não selecionarem falantes com nível superior para a
APORTE METODOLÓGICO
133
constituição de sua amostra, os pesquisadores do PEUL parecem concordar com a
assunção estabelecida de que só aqueles podem ser considerados falantes cultos. Os
pesquisadores do NURC, cujo corpus é constituído apenas de informantes com nível
superior concluído, estão também alinhados à caracterização de falantes cultos como
aqueles indivíduos que tenham passado por um maior período de exposição à cultura
letrada institucionalizada. Essa generalização, embora tenha sido eficiente para os
objetivos dos estudos sociolinguísticos em seu estabelecimento no Brasil, merece uma
relativização, pois, após mais de trinta anos dos primeiros trabalhos na área, já não
reflete totalmente o cenário heterogêneo da sociedade brasileira (FARACO, 2008;
GONÇALVES, 2008; BORTONI-RICARDO, 2005).
De todo modo, a polarização entre variedades populares e variedades cultas
permite observar a influência da cultura escolar, sobretudo através do contato com a
modalidade escrita no uso linguístico. Segundo Paiva e Scherre (1999), a aproximação
entre escolaridade e classe social, dada à constituição da sociedade brasileira, traz
desdobramentos para aqueles que se encontram à margem do processo educacional:
Se assim for, as consequências são ainda mais perversas: não se modificam variantes linguísticas, mas, sim, se excluem os indivíduos que não possuem determinadas variantes linguísticas.
A atuação da variável escolaridade no reconhecimento de formas não
estigmatizadas levou Votre (2003) a refletir sobre aspectos que interferem no ensino e
na língua. O autor os classificou em quatro domínios: (i) relação entre variantes de
prestígio e variantes neutras; (ii) variantes estigmatizadas e variantes imunes à
estigmatização; (iii) fenômenos que recebem atenção normativa e fenômenos que são
isentos de regulação; e (iv) fenômenos da gramática e fenômenos do discurso.
O segundo tipo engloba os casos de redução dos ditongos nasais, pois as
realizações [‘õmɪ] para homem e [ko’xeɾʊ] para correram são definidas como erros em
manuais normativistas. Segundo Votre (2003: 52),
o modo de comunicação das pessoas desprovidas de prestígio econômico e social tende a ser coletivamente avaliado como estigmatizado. A forma estigmatizada é
APORTE METODOLÓGICO
134
interpretada como inferior, em termos estéticos e informativos, pelos membros da comunidade discursiva.
A premissa desta variável surgiu das proposições feitas por Votre (1978) e Guy
(1981) relacionadas ao peso da variável escolaridade na desnasalização de ditongos em
posição átona. Os resultados dos autores confirmam a identificação do fenômeno com
a fala popular, embora o processo não possa ser considerado uma mudança linguística.
Sendo a transformação do advérbio não em num um exemplo de redução de ditongo
nasal, esperamos que a variante num ocorra mais frequentemente nos dados de
indivíduos não cultos do que entre aqueles que têm nível superior completo.
4.7. Resumindo
Neste capítulo, apresentamos as hipóteses que pesquisamos nesta tese e os
métodos que foram utilizados para responder os questionamentos que surgiram.
Pretendemos identificar o processo de cliticização que atua na variação de não e num,
que está relacionado a fatores fonéticos, como a pausa, fonológicos, como a posição
que ocupa no enunciado, e entoacionais, como a ocorrência de acentos tonais.
Consequentemente, objetivamos encontrar indícios que nos permitam descrever a
variante plena não como uma ω e a variante reduzida num como um elemento com
características mais próximas a das palavras clíticas. Não são esperados resultados
relevantes dos fatores sociais, visto que nossa amostra não apresenta uma distribuição
equilibrada e este não parecer ser um fenômeno estigmatizado na fala carioca do PB.
No próximo capítulo, apresentamos os resultados e as discussões.
CAPÍTULO CINCO
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente, havia 4610 ocorrências de negação, que estavam divididas da
seguinte maneira: 963 em posição inicial (21%), 2640 em posição interna (57%) e 1007
na posição final do IP (22%). Esses dados foram analisados no programa computacional
PRAAT (BOERSMA & WEENINK, 2015), a fim de (i) fazer a oitiva dos enunciados e
identificar acusticamente, verificando qual das variantes (plena ou reduzida) ocorria
naqueles contextos; (ii) identificar os áudios que tivessem problemas na gravação ou
apresentassem ruídos que poderiam inviabilizar a análise acústica; e (iii) observar o
comportamento da curva de F0.
Após essa etapa de análise no PRAAT, os dados com problema foram
descartados da análise e restaram 1570 ocorrências, das quais 222 são de contexto
inicial (14%), 849 de contexto medial (54%) e 499 de contexto final de IP (32%). Os
dados de posição medial correspondem a mais da metade dos casos de negação
sentencial, mas isso não acarretou problemas para a análise, uma vez que o
comportamento entoacional em cada posição foi analisado separadamente.
Os dados que restaram foram, então, codificados e passaram por um
tratamento estatístico no programa computacional Goldvarb X (SANKOFF et alii, 2005),
que retornou valores de frequência e peso relativo relevantes para a análise.
Utilizamos também os valores das médias de duração dos itens não e num, para
controlar estatisticamente sua relevância.
Apresentamos, portanto, neste capítulo, estes resultados, começando pelo
início de IP (posição inicial) em 5.1. Em seguida, na seção 5.2, são apresentados os
resultados da posição interna ao enunciado; e na seção 5.3, os resultados da fronteira
direita do constituinte (posição final). Paralelamente, mostraremos os resultados da
análise dos fatores sociais, como escolaridade, gênero, faixa etária e localidade,
embora não tenham revelado exercer condicionamento favorável à realização das
RESULTADOS E DISCUSSÃO 136
variantes nos dados do corpus. Discutiremos ainda os resultados das três estratégias
de negação e a sua relação com um possível processo de enfraquecimento do
operador de negação, como vem sendo defendido por alguns trabalhos (RONCARATI,
1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; SOUSA, 2007). Por fim,
apresentaremos uma proposta de prosodização para as variantes, tendo por base a
discussão sobre o estatuto do clítico.
5.1. Posição inicial do sintagma entoacional
Conforme dito, havia, inicialmente, 2640 dados de negação na primeira posição
absoluta do IP, ou seja, a ocorrência do operador de negação era também a primeira
sílaba do enunciado. Após a etapa de filtragem inicial que excluiu os dados que
apresentavam ruídos na gravação, restaram 257 dados de negação sentencial nesta
posição inicial. Foi necessário analisar alguns aspectos que poderiam enviesar os
resultados, como a duração dos itens de negação e a manifestação de um contorno
enfático nos enunciados.
Entre os 257 dados em primeira posição, observamos alongamento silábico no
item de negação em 19 enunciados. O parâmetro utilizado para definir se o dado era
um exemplo de alongamento foi observar as médias de duração do corpus e o desvio
padrão.
Com base no que veremos a seguir na Tabela 16, a média geral de duração do
item num é de 118,4 ms., sendo seu desvio padrão de 37,1 ms. Já a média geral do
item não é de 163,6 ms., com desvio padrão de 46,5 ms. Considerando também o fato
de que os valores de duração de uma palavra podem se alterar a depender da
velocidade de fala de cada indivíduo, estipulamos um limite para evitar casos que
tivessem sido produzidos com alongamento silábico. Tendo, portanto, como base
essas duas informações (valores do desvio padrão e diferença na velocidade de fala
dos indivíduos), utilizamos apenas dados de num que tivessem até 200 ms. e de não
com no máximo 300 ms., pois dados produzidos com alongamento poderiam enviesar
os resultados e nos levar a análises incorretas. Sendo assim, decidimos excluir as 22
RESULTADOS E DISCUSSÃO 137
ocorrências que apresentavam alongamento silábico no operador de negação, das
quais 12 eram dados de num e 10 eram ocorrências de não.
Os gráficos de dispersão apresentados abaixo exemplificam esses pontos
desviantes da curva. No eixo vertical, consideramos a duração de cada dado (num, no
Gráfico 1, e não, no Gráfico 2); no eixo horizontal, consideramos a quantidade de
dados em valores de frequência de ocorrência. No Gráfico 1, referente aos dados de
num, foram excluídos todos os itens que estavam acima do limite de 200 ms. Já no
Gráfico 2, foram excluídos todos os dados de não que ultrapassaram 300 ms.
Gráfico 1: gráfico de dispersão da duração dos dados de num em posição inicial de IP (o eixo
horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms)
0
100
200
300
400
0 50 100 150 200
NUM
RESULTADOS E DISCUSSÃO 138
Gráfico 2: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração
em ms)
A permanência das ocorrências com alongamento silábico faria parecer que os
dados analisados são mais longos do que realmente são. É o caso, por exemplo, da
produção da palavra não por uma informante mulher, adulta e não culta na frase não
consigo abandonar ele (exposta na Figura 4). Apenas a palavra não tem 918 ms dos
2307 ms. que o enunciado inteiro apresenta. Como vemos, é um valor muito acima da
média geral (163,6 ms.) e do limite máximo para a variante plena (300 ms.).
0
200
400
600
800
1000
0 20 40 60 80
NÃO
RESULTADOS E DISCUSSÃO 139
Figura 4: curva melódica do enunciado não consigo abandonar ele, produzido por informante
mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 88)
Cabe notar que o alongamento silábico de que estamos tratando ocorre
especificamente na palavra analisada (não ou num). Sendo assim, optamos por excluir
esses dados da amostra, a fim de não prejudicar a análise prosódica. Outro parâmetro
de exclusão dos dados foi a observação de marcação entoacional de foco no item
investigado. Na figura 4, percebe-se um tom baixo alinhado ao fim do item não e o
mesmo ocorre na figura 5 a seguir. Na Figura 5 e na Figura 6, percebem-se também
alongamentos bastante marcados nas palavras não e num, respectivamente.
L-
RESULTADOS E DISCUSSÃO 140
Figura 5: curva melódica do enunciado não é mole, produzido por informante mulher, idosa, culta
(COP C 3 M 84)
No contorno exibido na Figura 5, a variante não é produzida com 431ms., o que
é mais que o dobro da média para esta variante entre todos os informantes (cf. Tabela
16). Da mesma forma, no contorno da Figura 6, a seguir, a variante num tem 342ms., o
que também é um valor acima do dobro da média de todos os falantes da amostra
para a variante reduzida (cf. Tabela 16).
L-
RESULTADOS E DISCUSSÃO 141
Figura 6: curva melódica do enunciado num tem tantos estudantes, produzido por informante
homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 8)
Observamos também o padrão entoacional das curvas melódicas. Com o
objetivo de não enviesar os resultados da análise do padrão entoacional dos
enunciados, foram descartados também dezesseis dados que apresentavam o
contorno melódico de ênfase contrastiva. Conforme afirma Moraes (2008), o padrão
prosódico enfático é caracterizado pela conjunção de fatores de diferentes origens,
como os traços melódicos, a duração e a intensidade. Desse modo, é esperado que os
enunciados enfáticos sejam produzidos com uma duração maior do que os enunciados
neutros, o que poderia enviesar alguns resultados. Decidimos, então, retirar esses
enunciados da análise prosódica.
Ao fim desta nova etapa de filtragem dos dados do corpus, restaram 222
ocorrências de negação sentencial, das quais 69% (153 dados) eram ocorrências da
variante reduzida num e 31% (69 dados) eram ocorrências da variante plena não. O
gráfico a seguir ilustra essa distribuição, que favorece majoritariamente a variante
reduzida.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 142
Gráfico 3: distribuição de dados na posição inicial do enunciado
Apresentaremos, primeiramente, os resultados dos grupos de fatores
linguísticos15 e extralinguísticos, para, em seguida, discutir os resultados dos correlatos
acústicos analisados e a descrição do padrão entoacional dos enunciados do corpus.
5.1.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas
Para compreender a distribuição da variante reduzida e da variante plena pelos
diferentes contextos, observamos a distância entre elas e a próxima sílaba acentuada.
Esse fator é importante, porque a literatura afirma que o operador de negação faz
parte do mesmo ɸ que o verbo que o segue (VIGÁRIO, 1998). Entretanto, essa
assunção é feita com base em dados do português europeu e de realização plena do
item, ou seja, sem redução. Resta-nos, pois, saber se a prosodização de não no PB
seguirá o padrão do PE e se num será prosodizado também como uma ω que integra
um ɸ.
Um dos fatores que devemos levar em conta para compreender a sua
prosodização é a constituição do ɸ no português e a distribuição dos acentos dentro
desse domínio. Há evidências de que o ɸ é bastante importante no PB para a
15
As variáveis linguísticas contexto fonético subsequente e forma verbal não foram considerados relevantes pelo programa computacional Goldvarb X e, por isso, não serão comentadas na seção 5.1.1.
69%
31%
Variante 'num'
Variante 'não'
RESULTADOS E DISCUSSÃO 143
observação de processos acentuais: o choque acentual (SANTANA, 2002; TENANI,
2003) e também a retração do acento (SANDALO & TRUCKENBRODT, 2003).
Acreditamos que o processo de antagonismo acentual (stress clash) ocasionado pela
adjacência de duas sílabas proeminentes pode revelar a diferença no estatuto
fonológico das variantes num e não, visto que temos por hipótese que sejam,
respectivamente, átona e tônica. Sendo átona, não haveria choque acentual; sendo
tônica, haveria uma tendência a aparecer com menor frequência adjacente à sílaba
acentuada do verbo a fim de evitar o choque de acentos.
No PE, como proposto por Vigário (1998), o operador de negação pleno forma
junto com o verbo um ɸ. Até onde sabemos, não há estudos sobre a forma átona da
negação no PE. Podemos, entretanto, tentar sistematizar um padrão para o PB, que
contemple o que tem sido proposto na literatura para a prosodização de palavras
clíticas e palavras prosódicas.
Se um dos operadores de negação (ou ambos) for átono, é muito provável que
seja adjungido ao verbo, como ocorre com muitos clíticos pronominais. Ao contrário,
se for tônico, é provável que seja uma ω e assuma uma posição fraca no ɸ, que terá
sua proeminência no elemento mais à direita (o verbo, na maioria das vezes). Em
outras palavras, esperamos que num se comporte como uma palavra não acentuada,
enquanto não seja uma palavra portadora de acento lexical. Desse modo, suas
prosodizações seriam diferentes. Observemos o exemplo abaixo:
(1) primeiro a gente tem que botar de castigo... não atendeu o castigo, dá uma
advertência. Depois vai com a vara, dá umas varadas num lugar onde não
vai machucar... num pode ser para machucar (informante mulher, idosa,
não culta, NIG C 1 M 58)
No exemplo, há três realizações do operador de negação, das quais duas são
produzidas com o ditongo nasal (não atendeu e não vai) e uma com a redução do
ditongo (num pode). Neste último caso, o operador de negação aparece em posição
imediatamente anterior à sílaba acentuada do verbo, {NEG + pode}, em que a sílaba
[pɔ] é tônica. A ocorrência de num nesse contexto evidencia seu caráter átono, visto
RESULTADOS E DISCUSSÃO 144
que a ocorrência de uma variante tônica nesta posição acarretaria choque acentual
(TENANI, 2002; VIGÁRIO & SANTOS, no prelo). Como consideramos a hipótese de que
não é uma palavra acentuada, esperamos que haja menor ocorrência desta variante na
posição imediatamente anterior à sílaba tônica do verbo. A variante plena e acentuada
não teria maior frequência de uso em contextos cuja distância entre as sílabas
acentuadas seja superior a duas sílabas, como em {NEG + atendeu}, em que a sílaba
tônica do verbo [dew] está separada do operador de negação por duas sílabas
pretônicas.
Entretanto, não é obrigatório que a variante não ocorra adjacente a sílabas
átonas. No exemplo (1), há a produção de não junto à forma verbal monossilábica vai,
ou seja, não ocorre adjacente a uma sílaba tônica. Com isso, percebe-se que não é um
processo categórico, mas intrinsecamente variável.
Nossa hipótese é, então, que haja uma distribuição diferente da realização das
variantes pesquisadas com base no acento. Resumidamente, esperamos que haja mais
realizações de num no contexto em que a próxima sílaba é forte (S de strong), como
em
num (σS . (σW))ω.
É bom reparar que a representação prevê um verbo monossilábico tônico, uma vez
que coloca entre parênteses a sílaba fraca. Já no contexto em que há sílabas
pretônicas, ou seja, necessariamente ocorrem sílabas fracas, evitando o choque
acentual, esperamos que possam ocorrer mais dados de não, como em
não (σW . σW . σS)ω.
Assim, na tabela a seguir, mostramos os resultados para a variável que controla a
distância do operador de negação até a sílaba acentuada do verbo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 145
Distância até a próxima
sílaba tônica Variante NUM Variante NÃO
Sílaba adjacente 74% (133/181) 26% (48/181)
1 sílaba 61% (17/28) 39% (11/28)
2 ou mais sílabas 30% (3/10) 70% (7/10)
Tabela 10: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição inicial de IP
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 10, percebemos que há
uma distribuição praticamente oposta dos contextos favorecedores de num e dos
contextos favorecedores de não. Nos casos em que a sílaba seguinte ao operador de
negação é acentuada, ou seja, nos casos em que o verbo não tem sílabas pretônicas,
há uma probabilidade muito maior de ocorrer num, com 74% (133/181), do que não,
com 26% (48/181). Ao contrário, no contexto em que a sílaba acentuada está duas ou
mais sílabas após o operador de negação, havendo, portanto, sílabas pretônicas no
verbo, o favorecimento é à variante não, que tem 70% (7/10) de ocorrências. É certo
que há uma quantidade limitada de dados, mas isso não invalida o fato de a frequência
ser diametralmente oposta nos dois contextos. O peso relativo, com valor de aplicação
para a variante não, confirma exatamente isso, pois, no contexto de duas ou mais
sílabas, a probabilidade de ocorrer não é de 0.89.
Essa distribuição confirma nossa suposição de haver alguma relação entre a
posição dos acentos dentro do ɸ, e a realização das formas átona e tônica. Conforme
vimos, a forma reduzida é mais frequente no contexto em que o operador de negação
é seguido por uma sílaba acentuada, o que demonstra ser um indício de que num é
uma forma átona no PB. Nesse caso, se o operador de negação fosse realizado como
uma forma acentuada, haveria choque acentual de proeminências adjacentes dentro
do mesmo domínio de ɸ.
A variante não, por sua vez, é mais frequente num ambiente fonológico em que
há sílabas pretônicas intervenientes entre o operador de negação e a sílaba acentuada
do verbo. Essa configuração é uma evidência na tentativa de demonstrar que não é
RESULTADOS E DISCUSSÃO 146
uma palavra acentuada no PB. Há, a seguir, alguns dados que mostram essa
distribuição oposta:
(2) num sei se ainda tem o teatro de arena me parece que tinha virado igreja
evangélica (informante homem, adulto, não culto, COP-B-1-H 9)
(3) nas que geralmente eu ando, num tem tantos estudantes (informante
homem, jovem, não culto, NIG-A-1-H 8)
(4) o meu pai sabe? não abandonei ele por causa disso (informante mulher,
adulta, não culta, NIG-B-1-M 87)
(5) no interior do Rio de Janeiro ... não precisamos ir para fora do nosso Brasil
não, não precisamos ir para fora do... do nosso estado (informante
mulher, culta, idosa, NIG C 3 M 119)
Nos exemplos em (2) e (3), o operador de negação é seguido por verbos
monossilábicos e tônicos. Esse contexto favorece a ocorrência da variante átona num,
a fim de evitar choque acentual. Ao contrário, os exemplos em (4) e (5) mostram a
preferência pela variante tônica não, quando há sílabas pretônicas no verbo.
É relevante notar os percentuais baixos de realização de não no contexto em
que a próxima sílaba é tônica e de num no contexto em que há mais de duas sílabas
pretônicas. Essa distribuição reforça a hipótese de que as variantes estudadas diferem
com relação ao acento, sendo não tônico e num átono.
Controlamos também o tamanho do verbo subsequente em número de sílabas.
Esse grupo de fatores pode ter relação com a variável que verifica a distância até a
próxima sílaba acentuada. Como se verificou maior ocorrência de num próximo a
sílabas acentuadas, espera-se que haja, do mesmo modo, uma maior ocorrência de
num junto a verbos monossilábicos. Ao mesmo tempo, esperamos encontrar mais
dados de não co-ocorrendo com verbos trissilábicos ou polissilábicos, porque esses
teriam mais sílabas pretônicas.
Na tabela a seguir, são apresentados os resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 147
Número de sílabas do verbo
subsequente Variante NUM
Variante
NÃO
1 sílaba 80% (88/110) 20% (22/110)
2 sílabas 65% (50/77) 35% (27/77)
3 ou mais sílabas 43% (15/35) 57% (20/35)
Tabela 11: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição inicial de IP
A partir dos resultados da Tabela 11, percebe-se que há uma predominância de
num nos casos em que o verbo é um monossílabo, satisfazendo, assim, nossa hipótese,
uma vez que esses verbos apresentam uma única sílaba que também é tônica. Dessa
forma, há um favorecimento à ocorrência da variante reduzida, que seria átona, a fim
de que não ocorra choque acentual. Nesse mesmo contexto (verbo monossilábico), há
apenas 20% de ocorrência da variante plena não.
Junto a verbos trissilábicos ou polissilábicos, há uma distribuição mais
equilibrada entre num e não, com ligeira vantagem para a variante plena. O contexto
de verbos dissilábicos favorece também a ocorrência da variante reduzida, embora em
menor grau que o contexto de verbos monossilábicos.
Tanto os resultados da variável tamanho do verbo subsequente (Tabela 11),
quanto os resultados da variável distância até a próxima sílaba tônica (Tabela 10)
parecem sugerir que há comportamentos diferentes das variantes não e num: a forma
reduzida ocorre mais próxima a verbos monossilábicos tônicos e a forma plena, junto a
verbos trissilábicos ou polissilábicos, com três ou mais sílabas de distância até a sílaba
acentuada do verbo. Os gráficos a seguir ilustram esse panorama:
RESULTADOS E DISCUSSÃO 148
Gráfico 4: distribuição de dados com base na variável distância até a próxima sílaba tônica
Gráfico 5: distribuição de dados com base na variável tamanho do verbo subsequente
O Gráfico 4, que apresenta os resultados da distância entre o advérbio de
negação e a sílaba acentuada do verbo, e o Gráfico 5, que revela o comportamento dos
dados com relação ao tamanho do verbo, tornam mais clara a distribuição
complementar em que estão as variantes num e não. Percebe-se que as linhas
descrevem as mesmas trajetórias: quanto menor for o verbo ou menor for a distância
entre o operador de negação e a sílaba tônica do verbo, maior a possibilidade de
0
20
40
60
80
100
sílaba adjacente 1 sílaba 2 ou mais sílabas
NUM NÃO
0
20
40
60
80
100
1 sílaba 2 sílabas 3 ou mais sílabas
NUM NÃO
RESULTADOS E DISCUSSÃO 149
ocorrer num; enquanto os valores da variante não ficam mais expressivos conforme é
maior o tamanho do verbo e a distância até a sílaba acentuada do verbo.
Entre as variáveis sociais, a que mais interessava ao trabalho era a que
controlava o nível de escolaridade dos informantes, porque a principal característica
atribuída pela literatura à redução dos ditongos nasais é a de ser um traço da fala mais
popular, de indivíduos com menor exposição à escolarização (NASCENTES, 1953;
AMARAL, 1955; VOTRE, 1978; GUY, 1981). Sendo a variação de não e num resultado da
redução do ditongo nasal, decidimos considerar essa proposta e verificar até que
ponto isso se confirma nos nossos dados, ainda que nossa intuição nos indicasse que
esse tipo de redução não é um fenômeno estigmatizado no PB.
Na tabela a seguir, são apresentados os resultados dessa variável social.
ESCOLARIDADE Variante NUM Variante NÃO
Ensino Fundamental 71% (67/94) 29% (27/94)
Ensino Superior 67% (86/128) 33% (42/128)
Tabela 12: variável social escolaridade e posição inicial de IP
Os valores da Tabela 12 mostram que tanto os informantes com ensino
fundamental, quanto os que têm ensino superior produzem majoritariamente a
variante reduzida, o que revela não haver estigma em relação à redução nesse caso
específico. Isso pode estar relacionado à alta frequência do operador de negação no
uso cotidiano da linguagem.
Inúmeros trabalhos demonstram que quanto mais comum for uma palavra ou
uma sentença, mais reduzida será sua produção na fala (HOOPER, 1976; WRIGHT,
1979; BYBEE 2000, 2002; PIERREHUMBERT, 2001). A explicação para a maior redução
dessas palavras mais frequentes se deve, segundo alguns autores (PIERREHUMBERT,
2001), ao fato de que os alvos articulatórios se tornam mais automatizados a partir do
uso, o que acelera a redução de vogais ou sílabas; mas há também aqueles (JURAFSKY
et alii, 2001) que defendam que as palavras mais frequentes são mais previsíveis no
contexto do ponto de vista do ouvinte. Então, como o interlocutor é cooperativo e já
espera a ocorrência daquela palavra, não há a necessidade de ser tão clara a produção.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 150
De um jeito ou de outro, a alta frequência da variante reduzida não pode ser explicada
pelo condicionamento do nível de escolaridade dos informantes, nem pelas demais
variáveis sociais, como veremos na apresentação de seus resultados a seguir. Parece
ser mesmo um caso em que a alta taxa de ocorrência do item no corpus provocou um
processo mais acelerado de redução fonética.
Na tabela a seguir, são apresentados os resultados obtidos para a variável sexo
dos informantes.
SEXO Variante NUM Variante NÃO
Homem 66% (62/93) 33% (31/93)
Mulher 70% (91/129) 30% (38/129)
Tabela 13: variável social sexo e posição inicial de IP
Nesta variável, percebemos que ambos os fatores indicam uma preferência
pela variante reduzida, com aproximadamente 70% de ocorrências de num entre
homens e mulheres. Pelo fato de a redução do ditongo nasal ser apontada como um
processo estigmatizado no PB, já que seria característica da fala não culta, o resultado
esperado seria um favorecimento para a variante reduzida entre os homens. Diversos
estudos têm demonstrado o papel que os homens cumprem na implementação de
formas estigmatizadas no PB (SCHERRE, 1996) ou em outras línguas (LABOV, 1966,
2001). No entanto, os resultados apresentados na Tabela 13 reforçam a hipótese de
que a redução do ditongo nasal no operador de negação tem características e
condicionamentos diferentes.
Da mesma forma, os fatores da variável localidade, cujos resultados estão na
Tabela 14 a seguir, são favorecedores da redução do ditongo nasal. Cabe notar que
utilizamos os dados de apenas cinco informantes de Copacabana, o que pode ter
contribuído para que o percentual de num esteja um pouco mais abaixo do que o
esperado. Da localidade de Nova Iguaçu, foram selecionados nove informantes e seus
resultados estão alinhados ao que temos encontrado para outras variáveis, ou seja, há
um forte favorecimento da variante num.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 151
LOCALIDADE Variante NUM Variante NÃO
Copacabana 57% (45/79) 43% (34/79)
Nova Iguaçu 76% (108/143) 24% (35/143)
Tabela 14: variável social localidade geográfica e posição inicial de IP
Já com relação à variável faixa etária, a partir dos resultados apresentados na
Tabela 15 abaixo, podemos observar que entre os jovens e os adultos há uma
possibilidade maior de ocorrer num na posição inicial do IP, seguindo a tendência já
verificada nas demais variáveis. Entretanto, há poucos dados e a distribuição não é
equilibrada, o que nos impede de tecer considerações mais precisas.
FAIXA ETÁRIA Variante NUM Variante NÃO
Jovem 85% (71/84) 15% (13/84)
Adulto 62% (63/101) 38% (38/101)
Idoso 51% (19/37) 49% (18/37)
Tabela 15: variável social faixa etária e posição inicial de IP
Não podemos, assim, explicar a redução dos ditongos nasais a partir de
condicionamentos sociais, visto que nenhum dos fatores analisados foi selecionado
pelo programa computacional como estatisticamente relevante. Isso demonstra que a
redução de não em num não é socialmente estigmatizada no PB. Na próxima subseção,
analisaremos os resultados da duração das variantes, bem como o padrão entoacional
que ocorre na primeira posição do enunciado.
5.1.2. Análise acústica
A análise acústica corresponde à observação dos valores da duração, um
correlato acústico do acento (MORAES, 1995) e à análise das curvas entoacionais dos
enunciados. Pretendemos verificar se os resultados desse parâmetro sugerem aquilo
que foi delineado pelas variáveis linguísticas: as variantes não e num têm estatutos
fonológicos diferentes no PB, sendo a primeira uma ω e a segunda uma palavra clítica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 152
Para a análise da duração, como exposto no capítulo de metodologia,
obtivemos os valores em milissegundos das variantes de negação, após a segmentação
dos enunciados em palavras no PRAAT. Como a duração está relacionada, de certa
forma, à velocidade de fala, foi necessário separar os resultados por informante, para
que pudessem ser observados individualmente. Também calculamos a média geral da
amostra para termos uma medida de parâmetro com a qual pudéssemos comparar os
resultados.
Na tabela a seguir, são apresentados os valores de duração das variantes em
milissegundos. Na última coluna, são apresentados os valores percentuais referentes a
quanto não é mais longo que num. Há também o valor p, que foi o resultado do teste
estatístico T (Student).
Média de
duração Informante Variante NUM Variante NÃO
% de redução
de NUM
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 95,8 ms. 175,5 ms. 45%
NIG A 1 M 99 ms. 120,5 ms. 18%
NIG B 1 M 117,6 ms. 170,8 ms. 31%
NIG C 1 M 114,1 ms. 132 ms. 13%
Mulheres cultas
COP C 3 M 126 ms. 142 ms. 11%
NIG A 3 M 109 ms. 153 ms. 29%
NIG B 3 M 140,4 ms. 172,5 ms. 18%
NIG C 3 M 121,7 ms. 142 ms. 14%
Homens não
cultos
COP B 1 H 121,8 ms. 166,5 ms. 27%
NIG A 1 H 136,6 ms. 159 ms. 14%
NIG B 1 H 117,4 ms. 236,7 ms. 50%
Homens cultos
COP A 3 H 98,3 ms. 139,5 ms. 29%
COP B 3 H 98 ms. 159,9 ms. 39%
NIG A 3 H 76,9 ms. 169 ms. 55%
MÉDIA 118,4 ms. 163,6 ms. 28%
DESVIO PADRÃO 37,1 ms. 46,5 ms.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 153
Média de
duração Informante Variante NUM Variante NÃO
% de redução
de NUM
Teste-T (p-valor) 0,00000000067
Tabela 16: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP
Como podemos observar, a variante reduzida apresenta uma média de duração
menor que a correspondente plena em todos os falantes (homens ou mulheres). No
cômputo total da amostra, a média de duração de num é de 118,4 ms., que é 28%
menor que não, que tem duração média de 163,6 ms. O desvio padrão para a forma
num é de 37,1 ms., enquanto o da forma não é de 46,5 ms. Além do mais, o p-valor,
obtido por meio do Teste-T, mostra que as variantes não e num não são iguais, porque
a hipótese nula foi rejeitada. Em outras palavras, esse valor 0,00000000067 do p-valor
respalda nossa hipótese de que essas variantes tenham estatutos fonológicos
diferentes no PB, na medida em que ambas têm comportamentos prosódicos distintos.
Essa relação entre duração e acento é documentada numa vasta literatura que
aponta que a duração é uma manifestação fonética do acento nas línguas naturais,
como o inglês (FRY, 1958), o japonês (BECKMAN, 1986), ou o português (MORAES,
1995). Os estudos indicam que a correlação entre duração e acento pode ser verificada
na comparação entre sílabas acentuadas e não acentuadas. Em geral, as sílabas não
acentuadas podem ter segmentos vocálicos, consonantais ou até mesmo ambos com
menor duração do que as sílabas acentuadas. Lieberman (1960), por exemplo,
demonstra que as vogais das sílabas acentuadas no inglês tinham duração maior em
66% das ocorrências em relação às vogais de sílabas átonas.
No mesmo sentido, os resultados apresentados na Tabela 16 mostram uma
diferença significativa entre as variantes num e não no que se refere à duração. Em
todos os informantes, foram registrados valores menores para num, que acreditamos
ser uma palavra não acentuada. As várias ocorrências de não, por sua vez, foram
produzidas de forma mais prolongada por todos os falantes. Esses indícios sustentam a
hipótese de que não seja uma ω no PB e num seja uma palavra átona que passa por
um processo de cliticização.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 154
Foi analisada também a associação de eventos tonais nessa primeira posição do
IP. Segundo alguns autores (FERNANDES, 2007; TONELI, 2014), a primeira sílaba
acentuada do IP é caracterizada pela associação à estrutura segmental de um acento
tonal ascendente.
Assim, na primeira posição absoluta do IP, acreditamos que não seja um forte
candidato a receber um acento tonal associado a sua estrutura, visto que levantamos a
hipótese de que seja tônico. Com relação à variante num, por acreditarmos ser uma
palavra não acentuada, esperamos que não haja ocorrência de acento tonal neste
caso. Na tabela a seguir, apresentamos os resultados para a associação tonal às
variantes analisadas.
ASSOCIAÇÃO TONAL Variante NUM Variante NÃO
SEM ACENTO 100% (153/153) 28% (19/69)
COM ACENTO 0% (0/153) 72% (50/69)
TOTAL 100% (153/153) 100% (69/69)
Tabela 17: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP
Por meio dos resultados, observamos que é majoritária a associação de um
acento tonal às ocorrências de não, com 72% de 69 dados. Ao contrário, nenhum dado
de num apresenta ocorrência de evento tonal. Essa distribuição reforça a hipótese
defendida nesta tese de que num é uma palavra átona e não, uma palavra tônica. Um
acento tonal só pode estar associado a uma sílaba acentuada, o que parece ser o caso
de não.
Na figura a seguir, o enunciado se você quer se formar e não gosta, não se
forma pode ser dividido idealmente em três IPs. Interessa-nos o terceiro, cuja primeira
posição é ocupada pela variante plena não. O movimento de subida da curva melódica
ocorre na vogal [ã], atingido o pico no glide [w], revelando a associação de um evento
tonal à primeira sílaba acentuada do enunciado, que, no caso, é a variante não.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 155
Figura 7: curva melódica do enunciado não se forma, produzido por informante homem, adulto,
não culto (NIG B 1 H 13)
Há outro contorno, exibido na Figura 8 a seguir, que evidencia a associação
tonal à variante não. Neste caso, a subida da curva melódica ocorre no início da sílaba
não e atinge o ponto máximo na vogal baixa [ã]. Esse contorno ascendente foi descrito
como L*+H, enquanto o que se apresentou na Figura 7 foi descrito como L+H*.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 156
Figura 8: curva melódica do enunciado não acharam meu carro, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 22)
Com relação ao acento que pode se manifestar na primeira sílaba acentuada do
IP, é majoritária a ocorrência de um acento bitonal que descreve uma curva
ascendente. Vários trabalhos descrevem esse padrão ascendente associado à primeira
sílaba tônica do IP, como Castelo & Frota (2015), Frota et alii (2015), Silvestre (2012),
Moraes (1998; 2008), Frota & Moraes (no prelo) e Tenani (2002). Segundo Silvestre
(2012: 87), foram encontrados dois movimentos característicos do contorno pré-
nuclear nas capitais dos estados brasileiros: um circunflexo e um ascendente. O
primeiro movimento teria sido encontrado apenas nas capitais da região Sul do país,
ao passo que o segundo, mais difundido, seria uma marca do PB. Tenani (2002: 52)
também verifica esse tendência na variedade paulista do PB, ao afirmar que “ocorre
preferencialmente um tom LH* associado à primeira sílaba acentuada de I,
independente de essa sílaba ser ou não a mais proeminente de ɸ”.
Nos nossos dados, obtivemos um percentual de 84% (187/222) de evento tonal
ascendente (L+H* ou L*+H) associado à primeira sílaba acentuada do IP, o que
confirma as generalizações apontadas pelos demais estudos. Foi majoritária a
RESULTADOS E DISCUSSÃO 157
descrição L+H*, que é, de acordo com Moraes (1998), o padrão da variedade carioca
do PB. Esse tom ocorreu em 69% (153/222) dos enunciados, enquanto o tom L*+H foi
registrado em 15% (34/222) dos IPs.
Na Tabela 18 a seguir, são apresentados os resultados para os eventos tonais
que foram registrados associados à primeira sílaba acentuada do IP.
TOM % (Oco./Total)
L+H* 69% (153/222)
L*+H 15% (34/222)
H* 8% (18/222)
L* 4% (8/222)
Sem acento 4% (9/222)
TOTAL 100% (222/222)
Tabela 18: percentuais dos acentos tonais associados à primeira sílaba acentuada do IP em posição inicial
Em nove dados, não se conseguiu atribuir um acento, devido a alguns
problemas na visualização do contorno entoacional, como a ausência da curva de F0.
Os outros tons verificados foram o tom baixo e o tom alto; este último, geralmente,
ocorre nos casos em que há IPs intermediários, ou seja, um IP sucede o outro.
A primeira sílaba acentuada do IP pode também ser a sílaba tônica do verbo
que sucede o operador de negação. Isso acontece, sobretudo, quando o operador de
negação é realizado como a variante num, que é átona. No exemplo a seguir (
RESULTADOS E DISCUSSÃO 158
Figura 9), há dois enunciados produzidos pelo mesmo informante do sexo masculino.
Ambos os enunciados são iniciados pela variante reduzida num, que está contígua à
forma verbal tem. Por ser um monossílabo tônico, à forma verbal pode estar associado
um acento, que, nos dados em questão, descreve uma curva de F0 ascendente.
Figura 9: curva melódica dos enunciados num tem luz, num tem nada, produzidos por informante homem, jovem, culto (COP A 3 H 90)
RESULTADOS E DISCUSSÃO 159
Controlamos também os acentos tonais que estão associados especificamente
à variante não, como demonstraram os exemplos das figuras 7 e 8. Nesses casos, não é
a primeira palavra acentuada do IP, podendo, então, um tom estar associado a sua
estrutura segmental. Os resultados são apresentados na tabela a seguir:
TOM % (Oco./Total)
L+H* 82% (41/50)
L*+H 8% (4/50)
H* 10% (5/50)
TOTAL 100% (50/50)
Tabela 19: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição inicial de IP
É predominante a ocorrência de um tom ascendente associado à variante não,
o que corrobora as considerações feitas por Frota & Moraes (no prelo) de que há, nas
variedades do PB, uma variabilidade com relação ao formato da curva melódica no
contorno pré-nuclear (se o tom asterisco se realiza como alto ou baixo,
especificamente). Isso evidencia a possibilidade de ocorrência de L*+H ou L+H*, com
predominância do segundo tipo de evento tonal em nossos dados de fala espontânea.
De qualquer modo, os resultados parecem ser bastante contundentes no
sentindo de caracterizar um padrão ascendente para o início do contorno melódico
dos enunciados da amostra de fala espontânea. Descreveu-se um acento ascendente
em 90% dos dados, tendo sido, porém, o tom L+H* o mais registrado com 82%.
A seguir, são apresentadas as curvas de três enunciados, cuja primeira posição
é ocupada pela variante não. Em todos os casos, manifesta-se um acento bitonal
ascendente no início do IP. Na Figura 10, há um aumento dos valores de F0 entre o
operador de negação e a sílaba pretônica da forma verbal dependem, caracterizando
um acento L*+H, uma vez que o pico da curva só é atingido na sílaba pretônica do
verbo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 160
Figura 10: curva melódica do enunciado não dependem de mim, produzido por informante mulher,
idosa, culta (NIG C 3 M 62)
Na Figura 11, a seguir, a curva tem um movimento de subida que atinge seu
pico alinhado ao final da semivogal do ditongo nasal, por isso, foi descrita como L+H*.
Após essa subida, a curva descreve uma trajetória de declínio, mantendo um padrão
baixo a partir da sílaba tônica do verbo até a fronteira direita do IP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 161
Figura 11: curva melódica do enunciado não conseguiram fazer instalações, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 27)
A seguir, há uma estrutura de dupla negativa, em que a variante não ocorre nas
fronteiras inicial e final do IP. O movimento de subida da curva de F0 na primeira sílaba
acentuada se estende até a forma verbal monossilábica tem, onde atinge seu pico.
Descrevemos, pois, este acento inicial como L*+H.
Antecipando a discussão que será delineada na seção 5.3, cabe ressaltar o
declínio na curva de F0 na última sílaba acentuada do IP. A palavra não, como se
percebe, se comporta como uma ω no PB, estando a ela associados acento tonal e tom
de fronteira.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 162
Figura 12: curva melódica do enunciado não tem muito emprego não, produzido por informante
homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 12)
Fizemos também um levantamento das palavras monossilábicas que
contivessem o ditongo nasal /auN/, a fim de poder comparar o valor da duração com o
da variante plena não, que também apresenta o ditongo nasal. Foram encontrados 31
dados em primeira posição absoluta de IP, dentre os quais houve ocorrências das
formas verbais são, vão, tão (forma reduzida de estão) e do substantivo pão. A tabela
abaixo mostra o percentual e as ocorrências dessas formas.
Palavras com ditongo nasal % (Oco./Total)
São 52% (16/51)
Tão 26% (8/31)
Vão 19% (6/31)
Pão 3% (1/31)
TOTAL 100% (31/31)
Tabela 20: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição inicial de IP
RESULTADOS E DISCUSSÃO 163
Como se pode ver, foram encontrados na amostra menos dados de ωs com
ditongo nasal (31 ocorrências) do que dados da variante não (69 ocorrências). Além
disso, esses dados de ωs com ditongo nasal não foram produzidos por todos os
falantes, pois cinco entrevistados não produziram nenhum item. Já a variante não
apareceu no discurso de todos os quatorze informantes da amostra. Para que a
comparação seja possível, analisaremos apenas as médias de duração dos nove
informantes que produziram dados de são, vão, tão e pão. Por isso, há na tabela a
seguir algumas células vazias.
Na próxima tabela, apresentamos, portanto, os valores de duração de outras
ωs com ditongo nasal e os comparamos com as médias de duração da variante não,
que já foram discutidos na Tabela 16 acima. Informamos na terceira coluna da tabela
as médias de duração das ωs com /auN/ e na quarta coluna as médias de duração do
item não. Nosso objetivo é verificar se há comportamento prosódico semelhante entre
as formas.
Média de
duração Informante
Outras palavras
com ditongo nasal
(são, vão, tão e
pão)
Variante não
Mulheres não
cultas
COP A 1 M - -
NIG A 1 M - -
NIG B 1 M 130,5 ms. 170,8 ms.
NIG C 1 M 167 ms. 132 ms.
Mulheres cultas
COP C 3 M - -
NIG A 3 M 158 ms. 153 ms.
NIG B 3 M 149,4 ms. 172,5 ms.
NIG C 3 M 145 ms. 142 ms.
Homens não
cultos
COP B 1 H 151,7 ms. 166,5 ms.
NIG A 1 H - -
NIG B 1 H 195 ms. 236,7 ms.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 164
Média de
duração Informante
Outras palavras
com ditongo nasal
(são, vão, tão e
pão)
Variante não
Homens cultos
COP A 3 H 158,4 ms. 139,5 ms.
COP B 3 H 124 ms. 159,9 ms.
NIG A 3 H - -
MÉDIA 154 ms. 166,7 ms.
DESVIO PADRÃO 41,8 ms. 46,4 ms.
Teste-T (p-valor) 0,213
Tabela 21: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição inicial de IP
As ocorrências de não são maiores que as ocorrências das demais ωs com
ditongo nasal na fala de cinco informantes (NIG B 1 M, NIG B 3 M, COP B 1 H, NIG B 1 H
e COP B 3 H), e na média total essa diferença é de 8%. Ao nível de significância de 5%,
o p-valor obtido através do Teste-T indica que, apesar da diferença entre as médias ser
diferente de zero, as médias são consideradas estatisticamente iguais.
A não rejeição da hipótese nula, ou seja, a confirmação de que as médias são
estatisticamente iguais, permite considerar que não seja uma ω no PB, uma vez que é
comparável às ωs são, tão, vão e mão, analisadas na amostra.
Seguindo essa mesma proposta, comparamos também as ocorrências de num
com as ocorrências da sílaba acentuada da palavra nunca. Visto que a sílaba inicial de
nunca é acentuada, esperamos que a comparação aponte para uma diferença em
relação ao operador de negação num, que propomos ser átono. Havendo diferença
nos valores de duração entre as duas formas, poderemos encontrar indícios que
fortaleçam a hipótese de que num tenha deixado de ser acentuado em função do
processo de cliticização.
Excetuando-se um informante (COP B 1 H), todos os demais produziram, ao
menos, um dado de nunca. Há também um número significativamente menor de
ocorrências da ω nunca (33 dados) em comparação com o item reduzido num (146
RESULTADOS E DISCUSSÃO 165
dados). Apesar disso, julgamos relevante cotejar as médias de duração da sílaba
acentuada da ω nunca com os valores da palavra de negação num.
Na tabela a seguir, são apresentados os resultados das médias da sílaba inicial
da palavra nunca (terceira coluna) e das médias da variante reduzida num. As células
referentes ao informante COP B 1 H encontram-se vazias, pois não foram encontradas
produções da palavra nunca no seu discurso oral.
Média de
duração Informante
Variante num Sílaba /nuN/
da ω nunca
% de redução
de NUM
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 95,8 ms. 255 ms. 62%
NIG A 1 M 99 ms. 167 ms. 41%
NIG B 1 M 117,6 ms. 188 ms. 37%
NIG C 1 M 114,1 ms. 142,5 ms. 20%
Mulheres cultas
COP C 3 M 126 ms. 191 ms. 34%
NIG A 3 M 109 ms. 186,5 ms. 42%
NIG B 3 M 140,4 ms. 186 ms. 25%
NIG C 3 M 121,7 ms. 268 ms. 55%
Homens não
cultos
COP B 1 H - -
NIG A 1 H 146,2 ms. 281 ms. 48%
NIG B 1 H 117,4 ms. 229 ms. 49%
Homens cultos
COP A 3 H 98,3 ms. 112 ms. 12%
COP B 3 H 98 ms. 219,2 ms. 55%
NIG A 3 H 76,9 ms. 186,5 ms. 59%
MÉDIA 117,3 ms. 182 ms. 35%
DESVIO PADRÃO 39,4 ms. 66,1 ms.
Teste-T (p-valor) 0,00000575
Tabela 22: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição inicial de IP
Os resultados apresentados na Tabela 22 demonstram que há uma diferença
significativa entre a sílaba /nuN/ da palavra nunca e a palavra reduzida num. As médias
RESULTADOS E DISCUSSÃO 166
da sílaba acentuada de nunca são maiores que as do operador de negação nas
realizações de todos os falantes do corpus. Na média geral, num, palavra reduzida, é
35% menos longa que /nuN/, de nunca.
O p-valor, obtido através do Teste-T, também reforça que há uma diferença
significativa entre as médias das variáveis, porque a hipótese nula foi rejeitada. Ao
nível de significância de 5%, o p-valor menor que 0,0001 indica a diferença entre /nuN/
de nunca e num de negação sentencial. Em outras palavras, foi negada a possibilidade
estatística de as variáveis serem iguais. Sendo assim, a variante reduzida num pode ser
considerada átona.
Ao fim desta seção, podemos sumarizar as constatações que foram feitas sobre
o comportamento fonético e fonológico das variantes, na posição inicial do IP:
a. há um favorecimento para a ocorrência da forma reduzida num em 69% dos
dados;
b. verificou-se que, no contexto de adjacência do advérbio de negação à sílaba
tônica do verbo, é favorecida a forma reduzida com 74% de ocorrências;
c. a forma reduzida é igualmente favorecida junto a verbos monossilábicos;
d. na média geral, a forma reduzida é 28% menos longa que a forma plena;
e. não se verificou associação de acento tonal à forma reduzida, mas sim à forma
plena;
f. há uma semelhança estatística entre os valores de duração da forma plena e de
outras palavras que contenham o ditongo nasal /auN/, como são ou vão;
g. há uma diferença estatística entre os valores de duração da forma reduzida
num e da sílaba acentuada da palavra nunca.
Os resultados obtidos permitem considerar num uma palavra átona e não uma
palavra tônica. Como dissemos, essa generalização traz consequências importantes
para a prosodização dos itens, bem como para a definição do estatuto fonológico que
têm no PB.
Na próxima seção, abordaremos os resultados encontrados para a posição
intermediária do IP. A maior diferença entre esta posição e a posição inicial é a
RESULTADOS E DISCUSSÃO 167
existência de um elemento antecedente (um sujeito, um adjunto ou ainda um
conectivo) que pode atuar de forma distinta com relação à ocorrência de formas
reduzidas.
5.2. Posição intermediária do sintagma entoacional
Antes de fazer uma segunda filtragem necessária no corpus, havia 935 dados
em posição interna ao IP. Nesse contexto, as variantes investigadas não ocupam as
fronteiras do sintagma entoacional, visto que são precedidas por algum elemento e
sucedidas por um verbo. O elemento antecedente pode ser um sujeito – representado
por um pronome (exemplo 6) ou por um sintagma nominal (exemplo 7) –, um adjunto
adverbial (exemplo 8), um conectivo (exemplo 9) ou um pronome relativo (exemplo
10):
(6) tá sendo bom? Tá, eles num tão andando mais armados em favela, cê
num vê mais aquele aparato de armas (informante homem, adulto, não
culto, COP B 1 H 18)
(7) e outra coisa que o casamento num dá certo hoje em dia... é que as
pessoas num estão aceitando a família do outro (informante mulher,
idosa, não culta, NIG C 1 M 42)
(8) porque cinema, aqui num tem cinema, mas é lá pra Nova Iguaçu, é...
festas, assim, de rua boas... eu num vejo show também assim gratuito,
também num vejo (informante mulher, jovem, culta, NIG A 3 M 48)
(9) o salário aumenta, mas as coisa aumenta também, então num tem
condições da gente viver bem (informante mulher, jovem, não culta, NIG
A 1 M 30)
(10) então, tem que assaltar carro, assaltar pedestre, fazer... outras coisas que
num seja tráfico de drogas (informante homem, jovem, culto, COP A 3 H
65)
RESULTADOS E DISCUSSÃO 168
Do mesmo modo que foi feito no contexto em que as variantes de negação
ocorrem na posição inicial do IP, retiramos do corpus todos os dados que
apresentaram alongamento silábico. Foi utilizado o mesmo valor limitador para a
duração de num (máximo de 200 ms.) e de não (máximo de 300 ms.). Vale lembrar que
esses valores foram estabelecidos com base no desvio padrão obtido a partir da média
geral de duração de cada uma das variantes. Também consideramos para estabelecer
esse valor a velocidade de fala de cada indivíduo, o que pode ocasionar que a mesma
palavra seja produzida com tamanhos diferentes por falantes diferentes.
De acordo com os resultados que serão apresentados na tabela X, na posição
intermediária, a média geral de duração do item num é de 110,6 ms, com um desvio
padrão de 29,2 ms. Já a média geral de duração do item não é de 183, 6 ms., sendo seu
desvio padrão de 32,9 ms. Acreditamos que os valores máximos estabelecidos de 200
ms. e 300 ms. para num e não, respectivamente, deem conta de controlar as
ocorrências que possam enviesar os resultados.
Com base nesse critério, foram excluídos 36 dados produzidos com
alongamento silábico. Mostramos nos gráficos de dispersão a seguir esses itens que
apresentaram desvio do limite estabelecido.
Gráfico 6: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de num em posição medial de IP
0
200
400
600
800
1000
0 200 400 600 800
NUM
RESULTADOS E DISCUSSÃO 169
Gráfico 7: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição medial de IP
A seguir exemplificamos dois casos desse tipo, nos quais os operadores de
negação foram produzidos com duração mais longa que a média. Na Figura 13, há um
caso de hesitação, em que a variante não, que ocorre no enunciado alunos que não
respeitam assim o colégio, registrou uma duração de 939 ms. Já a Figura 14 ilustra o
exemplo de alongamento na variante num que ocorre no IP porque num dá. Nesse
caso, o item de negação foi produzido com 418 ms., o que é mais que o dobro da
média geral de 110 ms. para a variante nesta mesma posição (cf. Tabela 29).
0
100
200
300
400
500
0 50 100 150 200
NÃO
RESULTADOS E DISCUSSÃO 170
Figura 13: curva melódica do enunciado alunos que não respeitam assim o colégio, produzido por
informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 42)
Figura 14: curva melódica do enunciado porque num dá, produzido por informante mulher, jovem,
não culta (COP A 1 M 85)
RESULTADOS E DISCUSSÃO 171
Foram excluídos também da análise 50 dados que apresentaram um contorno
típico de sentenças com ênfase. Como afirmamos anteriormente, é comum que haja
uma duração maior nesse tipo de contorno melódico, o que poderia modificar os
resultados e nos levar a uma interpretação incorreta dos dados.
Assim, na posição intermediária, restaram 849 dados de negação sentencial,
sendo que 83% (701/849) foram realizados como num e 17% como não (148/849).
Resumimos estas informações no gráfico abaixo.
Gráfico 8: distribuição de dados na posição intermediária do enunciado
Constatamos, portanto, que a posição intermediária favorece fortemente a
redução do ditongo nasal. Na próxima subseção, apresentamos os resultados
referentes às variáveis linguísticas e extralinguísticas.
5.2.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas
Neste contexto em que o operador de negação ocorre no interior do IP, e não
em uma de suas fronteiras, é relevante verificar se o elemento que o antecede
desempenha algum papel na redução do ditongo nasal. Esse elemento, que pode ser
um sujeito, um adjunto, ou ainda um conectivo, pode ter diferentes prosodizações, a
depender das suas características fonológicas. Independentemente de sua
83%
17%
Variante 'num'
Variante 'não'
RESULTADOS E DISCUSSÃO 172
prosodização, acreditamos que isso não influencie na realização da negação, porque se
o antecedente for uma ω, será prosodizado em outro ɸ. Nossa hipótese é, portanto,
que a ocorrência desse elemento antecedente não altere a probabilidade, já verificada
na posição inicial, de haver maior frequência de itens reduzidos do que de itens
plenos.
Observemos o exemplo abaixo para compreender melhor essa hipótese:
(11) tenho uma irmã que ela falava coisas, que ela num sabe o que que é, e
aquela palavra num casou com o assunto... você acaba pagando mico
(informante mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 209)
A organização do enunciado aquela palavra num casou com o assunto se dá
com base em três sintagmas fonológicos:
((aquela palavra)ɸ (num casou)ɸ (com o assunto)ɸ) IP.
O elemento antecedente, o sujeito aquela palavra, é prosodizado em um ɸ à parte
daquele que é composto pelo operador de negação e o verbo. O mesmo se verifica no
exemplo a seguir:
(12) há dez anos atrás nós víamos pessoas usando bandana ... blusa dos
Estados Unidos ... todo mundo queria ir para Disney, todo mundo tinha
bandeira, ou seja, nós não conseguimos ainda criar uma identidade
(informante homem, jovem, culto, NIG A 3 H 164)
Neste caso, o pronome nós é prosodizado em um ɸ, enquanto o advérbio não, em
outro: não há, portanto, choque de acento. Na verdade, o fator que parece licenciar a
ocorrência de não é haver duas sílabas pretônicas na forma verbal conseguimos. Isso
faz com que haja uma distância mínima entre as sílabas acentuadas do mesmo ɸ, o
que evita um choque acentual.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 173
O elemento antecedente e o operador de negação podem também ser
prosodizados no mesmo ɸ, caso aquele seja uma palavra funcional, já que os
sintagmas fonológicos se organizam em torno de núcleos lexicais (NESPOR & VOGEL,
1986). No exemplo abaixo, o advérbio só é prosodizado no mesmo constituinte que a
variante num:
(13) o cara era sociólogo, vendeu quase o país inteiro. Só num vendeu mais,
porque o Lula foi eleito (informante homem, adulto, não culto, COP B 1 H
63)
Propomos a seguir a representação da prosodização dos elementos do
enunciado só num vendeu mais. Cabe reparar que o ɸ [num vendeu mais] está
organizado em torno do núcleo vendeu, que é uma cabeça lexical.
(((só)ω) ɸ ((num (vendeu)ω)C (mais)ω) ɸ) IP
Os resultados das variáveis que controlam o elemento antecedente são
apresentados nas tabelas 23 e 24 abaixo:
Tipo de elemento antecedente Variante NUM Variante
NÃO
Sujeito 83% (467/560) 17% (93/560)
Adjunto 92% (90/98) 8% (8/98)
Conectivo 75% (144/191) 25% (47/191)
Tabela 23: variável tipo de elemento antecedente e posição medial de IP
Número de sílabas do
antecedente Variante NUM
Variante
NÃO
1 sílaba 79% (265/334) 21% (69/334)
2 sílabas 82% (210/257) 18% (47/257)
3 ou mais sílabas 88% (226/258) 12% (32/258)
Tabela 24: variável tamanho do elemento antecedente e posição medial de IP
RESULTADOS E DISCUSSÃO 174
Na Tabela 23, estão os resultados para o grupo de fatores tipo de elemento
antecedente. Destacam-se o favorecimento de num em todos os contextos
pesquisados e a quantidade robusta de dados antecedidos por sujeito – 66% (560
ocorrências) dos 849 dados de negação no interior do IP. Quanto à variável número de
sílabas do elemento antecedente (Tabela 24), também se verificou um forte
favorecimento à ocorrência da forma reduzida num em todos os contextos.
Como se vê, portanto, a hipótese que sustentamos – a de que o material fônico
antecedendo o operador de negação não acarreta menor frequência da variante
reduzida – foi confirmada, inclusive porque, no geral, estão em ɸs diferentes.
Parece ter maior peso a variável linguística que verifica a distância do operador
de negação até a sílaba tônica do verbo. Nesse caso, em função de o item de negação
e o verbo estarem no mesmo ɸ, há a possibilidade de ocorrer choque acentual. Já que
acreditamos que não seja uma palavra acentuada e num, átona, esperamos que haja
menor frequência da forma plena junto à sílaba tônica do verbo.
Na tabela a seguir, estão os resultados para o grupo de fatores distância até a
próxima sílaba tônica.
Distância até a próxima
sílaba tônica Variante NUM Variante NÃO
sílaba adjacente 83% (493/594) 17% (101/594)
1 sílaba 83% (151/182) 17% (31/182)
2 ou mais sílabas 78% (57/73) 22% (16/73)
Tabela 25: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição medial de IP
Como se percebe, há um favorecimento generalizado à ocorrência de num em
todos os contextos. Por exemplo, no contexto em que a sílaba subsequente ao
operador de negação é tônica, é majoritária a ocorrência da variante reduzida, com
83% dos 594 dados. Desse ponto de vista, os resultados da posição intermediária do IP
se aproximam aos da posição inicial, com um forte favorecimento à ocorrência de num
RESULTADOS E DISCUSSÃO 175
próximo à sílaba acentuada do verbo. Conforme já afirmamos, essa estratégia evitaria
o choque acentual que poderia ocorrer da contiguidade de duas proeminências no
mesmo ɸ.
A variante plena não foi favorecida em nenhum dos contextos analisados, o que
é uma diferença em relação aos resultados da posição inicial do IP. Naquela posição, o
contexto de duas ou mais sílabas do operador de negação até a sílaba tônica do verbo
favorecia o item não. Há duas possíveis explicações para a forma plena não ter sido
favorecida na posição interna ao IP. A primeira razão está relacionada ao número
reduzido de dados no contexto de duas ou mais sílabas na posição inicial do IP. Nesse
caso, só há dez ocorrências do advérbio de negação, das quais sete são da variante
plena não (cf. Tabela 10). Por sua vez, como se vê na Tabela 25, o mesmo contexto na
posição intermediária tem 73 dados, dos quais apenas 22% são de não. Há, portanto,
um desequilíbrio no número de dados nesse contexto fonológico.
A segunda possível explicação para haver um maior favorecimento a num em
todos os contextos analisados é referente à atribuição tonal na primeira sílaba
acentuada do IP. Por ser uma posição marcada em termos entoacionais e por ter uma
distância maior até a sílaba tônica do verbo, haveria condições favoráveis à maior
realização de não na posição inicial do IP, conforme vimos na Tabela 10. Na posição
interna do IP, não há necessidade de preservar a informação acentual, pois é opcional.
Neste caso, não é obrigatória uma proeminência, o que desobriga a ocorrência da
variante acentuada não. Com isso, conforme demonstraram os resultados da Tabela
25, há um maior favorecimento à variante reduzida na posição intermediária do IP.
Foi observado o mesmo fato com a variável que controla o tamanho do verbo
que está contíguo ao operador de negação (Tabela 26), pois todos os contextos
analisados favoreceram a redução do ditongo nasal na posição intermediária do IP.
Verificar o tamanho desse verbo, conforme já expressamos, é necessário para a
confirmação das hipóteses defendidas nesta tese. Se um verbo é monossilábico,
logicamente, sua única sílaba é também acentuada. Nesse caso, o esperado é haver
mais realizações do operador de negação como átono (num), para evitar o
antagonismo acentual que ocorreria se a negação fosse realizada como tônica (não).
RESULTADOS E DISCUSSÃO 176
Na próxima tabela, mostramos os resultados da variável que controla o tamanho dos
verbos.
Número de sílabas do verbo
subsequente Variante NUM
Variante
NÃO
1 sílaba 85% (263/311) 15% (48/311)
2 sílabas 80% (273/340) 20% (67/340)
3 ou mais sílabas 83% (165/198) 17% (20/198)
Tabela 26: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição medial de IP
Houve um favorecimento a num em todos os contextos pesquisados. Junto a
verbos monossilábicos, verifica-se a maior taxa de frequência da variante reduzida,
85% (263 ocorrências de 311 dados). Já a variante não manteve baixa taxa de
frequência, não importando a quantidade de sílabas do verbo. Não houve tampouco o
favorecimento de não no contexto em que ocorre junto a verbos trissilábicos ou
polissilábicos, ao contrário do que ocorreu na posição inicial do IP (cf. Tabela 11).
Como dissemos acima, esse resultado pode ter duas explicações.
Pode ser um efeito da pouca quantidade de dados que foi verificada na posição
inicial do constituinte, visto que obtivemos apenas 35 dados de negação junto a verbos
com três ou mais sílabas, dos quais 20 eram realizados como não (57%). Na posição
intermediária, há, contrariamente, 198 dados de negação seguidos por verbos com
três ou mais sílabas, dos quais apenas 20 são ocorrências de não, o que representa
17% do total (cf.Tabela 26).
Pode ser também efeito de uma não marcação entoacional na posição
intermediária, que licencia a maior ocorrência da variante átona. Na posição inicial do
IP, há uma preservação da informação sobre o acento pré-nuclear; basta compararmos
que, no mesmo contexto (verbos trissilábicos ou polissilábicos), houve 57% de
ocorrências de não na posição inicial e 17% na posição interna do IP. A ocorrência de
uma variante ou outra parece ser, neste caso, dependente de fatores fonológicos.
Todos os fatores das variáveis sociais também favoreceram a variante reduzida
na posição intermediária do IP, assim como havia sido observado para a posição inicial.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 177
Por exemplo, supúnhamos que o grupo de fatores escolaridade, cujos resultados estão
na tabela abaixo, seria relevante por se tratar de um processo de redução de ditongos
nasais. Contudo, não houve seleção da variável pelo programa GoldvarbX, porque a
frequência de realização de num é alta tanto entre falantes com ensino superior
completo (81% de 469 dados) quanto entre os falantes que têm apenas o ensino
fundamental (84% de 380 dados). Era esperado que o grupo dos que têm maior
escolaridade desfavorecesse a variante reduzida, já que a redução seria um fenômeno
estigmatizado, porém isso não foi verificado.
ESCOLARIDADE Variante NUM Variante NÃO
Ensino Fundamental 84% (319/380) 16% (61/380)
Ensino Superior 81% (382/469) 19% (87/469)
Tabela 27: variável social escolaridade e posição medial de IP
Em relação às variantes sexo e localidade, percebemos que a variante reduzida
apresenta alta frequência de realização em todos os fatores também. Pelo fato de a
redução do ditongo nasal ser considerada um fenômeno estigmatizado na literatura
(NASCENTES, 1953; AMARAL, 1955), nossa hipótese era que os homens favorecessem
a produção de num, o que não ocorreu.
Esses dados mostram que a redução que atinge o operador de negação no PB
não é condicionada por fatores sociais, mas sim por frequência. De fato, a elevada
frequência da negação no discurso possibilita a erosão fonética pela qual passa o item.
No nosso corpus, por exemplo, o operador de negação, seja não, seja num, ficou entre
as dez palavras mais recorrentes na fala de todos os informantes. Esse número é
bastante expressivo, se levarmos em conta que cada informante produziu uma média
de dez mil palavras durante a entrevista.
Nas tabelas 28 e 29 a seguir, são apresentados os resultados das variáveis sexo
e localidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 178
SEXO Variante NUM Variante NÃO
Homem 85% (289/338) 15% (49/338)
Mulher 81% (412/511) 19% (99/511)
Tabela 28: variável social sexo e posição medial de IP
LOCALIDADE Variante NUM Variante NÃO
Copacabana 82% (151/184) 18% (33/184)
Nova Iguaçu 83% (550/665) 17% (115/665)
Tabela 29: variável social localidade geográfica e posição medial de IP
A seguir, na Tabela 30, estão os resultados do grupo de fatores faixa etária.
Embora os jovens tenham uma taxa de redução mais elevada, com 93% de ocorrência
de num, os informantes adultos e velhos também apresentam índices robustos de
variante reduzida (75% de 373 dados e 78% de 141 dados, respectivamente).
Confirma-se, então, o fato de que a redução do ditongo nasal na palavra de negação
não é condicionada por fatores extralinguísticos, mas por fatores prosódicos e
entoacionais. Não é, portanto, um fenômeno estigmatizado no PB.
FAIXA ETÁRIA Variante NUM Variante NÃO
Jovem 93% (313/335) 7% (13/335)
Adulto 75% (278/373) 25% (38/373)
Idoso 78% (110/141) 22% (18/141)
Tabela 30: variável social faixa etária e posição medial de IP
Na próxima subseção, serão discutidos os resultados obtidos a partir da
mensuração da duração dos itens e da notação acústica tonal.
5.2.2. Análise acústica
RESULTADOS E DISCUSSÃO 179
Registramos, por meio do programa PRAAT, a duração dos dados que
ocorreram em posição medial, a fim de encontrar subsídios que confirmem a hipótese
de cliticização do item num. Os resultados estão na tabela a seguir:
Média de
duração Informante Variante NUM Variante NÃO
% de redução
de NUM
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 103,4 ms. 182,3 ms. 43%
NIG A 1 M 122,1 ms. 200,6 ms. 39%
NIG B 1 M 104,4 ms. 175,8 ms. 40%
NIG C 1 M 104,5 ms. 186,6 ms. 44%
Mulheres cultas
COP C 3 M 121,1 ms. 185,1 ms. 34%
NIG A 3 M 107,5 ms. 179,6 ms. 40%
NIG B 3 M 119,6 ms. 194,3 ms. 38%
NIG C 3 M 127,4 ms. 167,7 ms. 24%
Homens não
cultos
COP B 1 H 110,6 ms. 127 ms. 12%
NIG A 1 H 103,6 ms. 216 ms. 52%
NIG B 1 H 117,6 ms. 189,2 ms. 38%
Homens cultos
COP A 3 H 96,1 ms. 166 ms. 42%
COP B 3 H 120,4 ms. 194 ms. 37%
NIG A 3 H 111,4 ms. 157,5 ms. 29%
MÉDIA 110,6 ms. 183,6 ms. 40%
DESVIO PADRÃO 29,2 ms. 32,9 ms.
Teste-T (p-valor) 0,00000000000000022
Tabela 31: médias de duração dos itens num e não e posição medial de IP
Independentemente da velocidade de fala de cada falante, percebe-se que há
uma diferença na duração do item reduzido para o item pleno em todos os falantes. A
variante num tem uma média geral de 110,6 ms., enquanto a variante não tem uma
média geral de 183,6 ms., sendo num, em média, 40% menor que não. Cabe notar que
o valor p é muito menor que 0,0001, o que significa que a hipótese nula é rejeitada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 180
Em outras palavras, o valor p indica que as médias de não e num são estatisticamente
diferentes.
Neste ponto, pode-se apontar outra evidência que reforça a hipótese de que
num seja um elemento em processo de cliticização. Essa evidência diz respeito à
duração do item reduzido nas posições inicial e medial. De acordo com Fonseca (2012)
e Fonseca & Vigário (2011), em dados do PB e do PE, a duração de um clítico é maior
quando este é o primeiro elemento do IP do que quando o item ocupa uma posição
não marginal. Esses resultados, segundo as autoras, confirmam as afirmações de que
há um reforço duracional no início do IP (FOUGERON & KEATING, 1997).
Observando as médias duracionais de num na posição inicial, na qual é o
primeiro elemento do IP, e na posição medial, podemos verificar que num exibe o
comportamento de um clítico, porque sua duração é maior no início do que no interior
do IP. Na tabela abaixo, reunimos os valores das médias que foram apresentadas
anteriormente para a variante reduzida.
Média de
duração Informante
Variante NUM em
posição inicial
Variante NUM em
posição medial
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 95,8 ms. 103,4 ms.
NIG A 1 M 99 ms. 122,1 ms.
NIG B 1 M 117,6 ms. 104,4 ms.
NIG C 1 M 114,1 ms. 104,5 ms.
Mulheres cultas
COP C 3 M 126 ms. 121,1 ms.
NIG A 3 M 109 ms. 107,5 ms.
NIG B 3 M 140,4 ms. 119,6 ms.
NIG C 3 M 121,7 ms. 127,4 ms.
Homens não
cultos
COP B 1 H 121,8 ms. 110,6 ms.
NIG A 1 H 146,2 ms. 103,6 ms.
NIG B 1 H 117,4 ms. 117,6 ms.
Homens cultos COP A 3 H 98,3 ms. 96,1 ms.
COP B 3 H 98 ms. 120,4 ms.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 181
Média de
duração Informante
Variante NUM em
posição inicial
Variante NUM em
posição medial
NIG A 3 H 76,9 ms. 111,4 ms.
MÉDIA 118,4 ms. 110,6 ms.
DESVIO PADRÃO 37,1 ms. 29,2 ms.
Tabela 32: médias de duração do item num nas posições inicial e medial do IP
Percebe-se que, ainda que sejam próximas, as médias de duração de num em
posição inicial são maiores que as de num em posição intermediária. No início do IP, a
média geral de num é 118,4 ms., enquanto no interior, 110,6 ms. Há, então, como
verificado por Fonseca (2012), um reforço duracional que atinge os clíticos no início do
IP.
Assim como foi visto na posição inicial, confirmou-se, na posição medial, a
relevância da análise das médias de duração dos itens, pois trouxe evidências robustas
de que não e num têm comportamentos fonológicos distintos. Essa relevância pode
ser vista, inclusive, na análise comparativa entre a forma num e a sílaba tônica de
nunca, por um lado, e entre a forma não e palavras acentuadas com ditongo nasal, por
outro. Os resultados, como são descritos a seguir, demonstram que a duração é o
correlato mais relevante para a identificação de formas átonas e tônicas neste
trabalho.
Iniciamos a análise pelo cotejo entre a palavra não e outras palavras
monossilábicas acentuadas que tenham o ditongo nasal /auN/. De acordo com o que
afirmamos anteriormente, nosso objetivo em comparar tais formas é verificar se o
comportamento da variante plena é semelhante ao de palavras lexicais que são
portadoras de acento.
Vale lembrar que foram comparadas apenas palavras acentuadas que não
fossem o elemento mais proeminente do ɸ, já que a variante não também não é o
elemento mais proeminente do constituinte. Como a proeminência do ɸ ((não)W
(verbo)S)ɸ recai no verbo, não poderíamos comparar outras ωs com /auN/ que
estivessem mais à direita do ɸ. Abaixo há um exemplo desses casos que foram
retirados da amostra para não comprometer os resultados:
RESULTADOS E DISCUSSÃO 182
(14) era bem pequenininha, meus irmãos que eram grandinhos.. e a minha
mãe dando a mão pra eles e eu no colo (informante mulher, jovem, não
culta, COP A 1 M 7)
No exemplo anterior, o substantivo mão é o elemento mais proeminente do ɸ
e, por isso, não tem comparabilidade com o advérbio não que antecede verbos e não é
proeminente.
Todos os falantes do corpus produziram, ao menos, uma palavra com ditongo
/auN/, totalizando 166 dados. A palavra mais encontrada foi a forma verbal são, que
representa 39% dos dados analisados. Foram registradas outras seis palavras (as
formas verbais tão, vão, dão e os substantivos são, mão e pão). A distribuição de cada
uma dessas palavras está na tabela abaixo.
Outras palavras com ditongo
nasal % (Oco./Total)
São (verbo) 39% (63/166)
Tão 31% (52/166)
Vão 17% (28/166)
São (substantivo) 5% (9/166)
Dão 3% (5/166)
Mão 3% (5/166)
Pão 2% (4/166)
TOTAL 100% (166/166)
Tabela 33: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição medial de IP
Essas palavras são praticamente as mesmas que se verificaram na posição
inicial do IP (cf. Tabela 20). As médias de duração que foram obtidas para cada uma
delas estão na próxima tabela, bem como também estão os valores das médias de
duração do item não em posição intermediária do IP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 183
Média de
duração Informante
Outras
palavras com
ditongo nasal
Variante não
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 193,5 ms. 182,3 ms.
NIG A 1 M 168,3 ms. 200,6 ms.
NIG B 1 M 135,5 ms. 175,8 ms.
NIG C 1 M 158,6 ms. 186,6 ms.
Mulheres cultas
COP C 3 M 172 ms. 185,1 ms.
NIG A 3 M 128,5 ms. 179,6 ms.
NIG B 3 M 146,2 ms. 194,3 ms.
NIG C 3 M 141,4 ms. 167,7 ms.
Homens não
cultos
COP B 1 H 181,7 ms. 127 ms.
NIG A 1 H 210,6 ms. 216 ms.
NIG B 1 H 176,4 ms. 189,2 ms.
Homens cultos
COP A 3 H 188,9 ms. 166 ms.
COP B 3 H 178,4 ms. 194 ms.
NIG A 3 H 213,3 ms. 157,5 ms.
MÉDIA 174,3 ms. 183,6 ms.
DESVIO PADRÃO 81,2 ms. 32,9 ms.
Teste-T (p-valor) 0,661
Tabela 34: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição medial de IP
De um modo geral, a variante não tem uma média de duração maior do que
outras palavras com ditongo nasal na fala de seis informantes. A média da amostra
reflete esse comportamento, pois não tem uma média geral de duração de 183,6 ms. e
as demais ωs com /auN/, 174,3 ms. No entanto, o valor p (0,661) do Teste-T Student é
bastante significativo ao apontar que as variantes são iguais do ponto de vista
estatístico. Já que as médias das variantes são iguais, podemos confirmar que, na
posição intermediária, não apresenta comportamento prosódico semelhante ao de
palavras acentuadas no PB. A mesma evidência foi observada no início do IP, em que
RESULTADOS E DISCUSSÃO 184
não é a primeira palavra acentuada do constituinte. Esses resultados validam, então,
nossa hipótese de que não seja uma palavra funcional acentuada no PB.
Realizamos também a comparação entre a variante num e a sílaba acentuada
da palavra nunca. Conforme demonstramos na seção anterior, nosso objetivo era
verificar se essas duas sílabas teriam comportamento duracional diferentes, uma vez
que acreditamos que num seja átono.
Não foi registrada ocorrência de nunca na fala de dois informantes homens não
cultos (COP B 1 H e NIG A 1 H), motivo pelo qual esses informantes não foram
considerados nesta análise. Os valores das médias de duração estão na tabela a seguir.
Média de
duração Informante
Variante num Sílaba /nuN/
da ω nunca
% de redução
de NUM
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 103,4 ms. 142,3 ms. 27%
NIG A 1 M 122,1 ms. 227 ms. 46%
NIG B 1 M 104,4 ms. 145,8 ms. 28%
NIG C 1 M 104,5 ms. 147,2 ms. 31%
Mulheres cultas
COP C 3 M 121,1 ms. 191,3 ms. 36%
NIG A 3 M 107,5 ms. 143 ms. 24%
NIG B 3 M 119,6 ms. 225,5 ms. 47%
NIG C 3 M 127,4 ms. 191,5 ms. 33%
Homens não
cultos
COP B 1 H - -
NIG A 1 H - -
NIG B 1 H 117,6 ms. 183,9 ms. 36%
Homens cultos
COP A 3 H 96,1 ms. 158,4 ms. 39%
COP B 3 H 120,4 ms. 205,3 ms. 41%
NIG A 3 H 111,4 ms. 81 ms. 35%
MÉDIA 110,5 ms. 165,2 ms. 33%
DESVIO PADRÃO 29,7 ms. 46,7 ms.
Teste-T (p-valor) 0,00000000000067
Tabela 35: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição medial de IP
RESULTADOS E DISCUSSÃO 185
Pode-se verificar que a sílaba acentuada /nuN/ da palavra nunca tem uma
média de duração maior que a realização reduzida do operador de negação em todos
os falantes. A média geral do corpus aponta que a variante de negação num tem 110,5
ms. e a sílaba inicial de nunca tem 165,2 ms., ou seja, aquela é 33% menos longa que
esta. Além disso, o valor p menor que 0,0001 indica a rejeição da hipótese nula, que
estatisticamente significa que as médias das variantes são diferentes. Sendo assim, a
diferença entre a sílaba inicial de nunca e o item de negação num nos mostra que a
duração é, de fato, um correlato importante para apontar que num seja uma palavra
reduzida átona no PB.
A fim de comprovar nossa hipótese, fizemos também a notação tonal dos
dados e averiguamos a relação que os tons estabelecem com a variante plena não. Por
acreditarmos ser tônica, esperamos que à variante não possam estar associados
acentos tonais. Os resultados para a associação tonal às variantes reduzida e plena
estão na tabela a seguir.
ASSOCIAÇÃO TONAL Variante NUM Variante NÃO
SEM ACENTO 100% (701/701) 24% (35/148)
COM ACENTO 0% (0/701) 76% (113/148)
TOTAL 100% (701/701) 100% (148/148)
Tabela 36: médias de duração dos itens num e não em posição medial de IP
Os resultados confirmam a hipótese de que a associação de um acento tonal só
ocorreria ao operador de negação caso fosse realizado com a manutenção do ditongo
nasal, pois há associação às ocorrências de não em 76% dos dados (113/148). Ao
contrário, não foram verificadas ocorrências de acento tonal associado à variante num.
Observamos também qual é o movimento que a curva melódica descreve
quando o acento tonal está associado à variante não em interior de IP. É majoritária a
ocorrência de um contorno ascendente, com 91% (104/113), sendo que este pode ser
descrito de duas formas: um tom baixo alinhado à vogal do ditongo, que caracteriza o
acento L*+H; ou um tom alto alinhado a essa vogal, caracterizando o acento L+H*.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 186
Como se vê na Tabela 37, houve também o registro dos tons H*, L* e H+L*, porém o
percentual de ocorrência de todos eles é baixo.
TOM % (Oco./Total)
L+H* 38% (43/113)
L*+H 53% (61/113)
H* 3% (3/113)
L* 3% (3/113)
H+L* 3% (3/113)
TOTAL 100% (113/113)
Tabela 37: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição medial de IP
Conforme dissemos, na posição interna, o acento tonal não é obrigatório. Por
isso, é mais frequente a ocorrência de um acento tonal associado ao início do IP, que,
neste caso, é ocupada pelo elemento antecedente (sujeito, adjunto ou conectivo).
Foram registradas 432 ocorrências (51%) de acento tonal de um total de 847 dados.
Podem, contudo, receber o evento tonal na posição interna o advérbio de
negação (desde que seja realizado tônico) e a sílaba tônica do verbo. Dos 847 dados,
houve 239 casos (28%) de associação tonal à sílaba tônica do verbo e 113 casos (13%)
de associação ao advérbio de negação. Esses resultados estão representados no Gráfico
9, a seguir, que mostra também que não foi possível fazer a notação por problemas na
curva de F0 em 8% dos 847 dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 187
Gráfico 9: distribuição dos acentos tonais no enunciado
A seguir, mostramos exemplos das três posições mais relevantes às quais um
acento pode estar associado: ao operador de negação não, como na Figura 15; à
conjunção aí que antecede o operador de negação num, como na Figura 16; e ao verbo
tem que ocorre contíguo à forma de negação reduzida, como na Figura 17. Em todos
os casos, o contorno descreve um movimento ascendente, registrado como L+H*.
Figura 15: curva melódica do enunciado que eles não roubaram dinheiro, produzido por informante
homem, adulto, culto (COP B 3 H 154)
51%
28%
8% 13%
Associação tonal
Antencedente Verbo Não foi verificado Variante não
RESULTADOS E DISCUSSÃO 188
Figura 16: curva melódica do enunciado aí num gosto não, produzido por informante mulher,
jovem, não culta (COP A 1 M 34)
Figura 17: curva melódica do enunciado mas num tem como, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG B 3 M 75)
RESULTADOS E DISCUSSÃO 189
Antes de descrever os resultados da posição final na próxima seção, podemos
resumir as principais considerações a que chegamos com relação à ocorrência das
variantes de negação na posição medial:
a. há um forte favorecimento à redução do ditongo nasal;
b. o elemento que antecede o operador de negação não se mostrou relevante
para a análise;
c. a variante reduzida ocorre mais frequentemente junto a sílabas tônicas, pois,
apresentando comportamento semelhante ao de clíticos, precisa se ancorar
fonologicamente em algum elemento forte;
d. as variantes sociais não foram consideradas relevantes para a análise;
e. a duração funciona como uma pista robusta para identificar o comportamento
distinto da variante com ditongo nasal pleno e da variante com ditongo nasal
reduzido, pois não apresenta médias de duração maiores que num em todos os
falantes e a diferença é estatisticamente significativa;
f. do mesmo modo, não apresenta médias de duração semelhantes às de ωs com
o ditongo nasal /auN/, como são, vão, tão e mão, por exemplo;
g. por outro lado, a forma de negação reduzida num tem médias de duração
estatisticamente distintas das médias de duração da sílaba acentuada da
palavra nunca, ou seja, a forma reduzida não é acentuada.
h. foi predominante a ocorrência de um acento tonal ascendente (L+H* ou L*+H)
associado à palavra não.
Esses resultados evidenciam que não e num são palavras com estatutos
fonológicos diferentes no PB. A variante plena é uma ω e a variante reduzida, uma
palavra com traços semelhantes aos dos clíticos. Essa configuração em posição medial
é comparável àquela percebida na posição inicial do IP (que são os locais em que os
itens apresentam variação). Como sustentamos, o fato de a redução do ditongo nasal
ser mais recorrente em posição interna ao IP é explicado pelo fato de o acento tonal
ser obrigatório na proeminência inicial do IP, mas não no seu interior. Isso faz com que
haja mais dados de não no início do IP do que em outras posições. Em outras palavras,
RESULTADOS E DISCUSSÃO 190
a redução ser mais robusta em posição interna que em posição inicial pode ser
explicada pelo fato de as fronteiras do IP serem posições fortes, nas quais há maior
restrição para ocorrer reduções fonéticas (FONSECA, 2012). Os resultados dos dados
do corpus com o qual trabalhamos evidenciam esse comportamento, pois há 83% de
redução no interior do IP e 69% do processo no início do IP. Além disso, como
discutiremos na próxima seção, a fronteira pode desempenhar papel inibidor da regra
de redução, justamente por conta de sua característica prosodicamente forte.
5.3. Posição final do sintagma entoacional
A última posição analisada em que o operador de negação pode ocorrer é a
fronteira direita do IP. São os casos típicos de duas estratégias de negação do
português: a dupla negação, em que um operador de negação aparece antes do verbo
e outro, no fim do enunciado; e de negação final, em que o operador de negação
ocorre apenas no fim do enunciado. Nossa intuição apontava para a não ocorrência da
variante num nesses dois casos, o que foi confirmado pela análise.
Foram analisados 499 dados, nos quais a manutenção do ditongo nasal foi
categórica. É preciso, pois, observar que condicionamentos podem impedir a redução
do ditongo nesta posição. Baseados na literatura sobre as pistas que permitem a
identificação da fronteira direita do IP no PB (SERRA, 2009), levantamos a hipótese de
não haver favorecimento à redução do ditongo nesta posição por ser um contexto
prosódica e entoacionalmente robusto (marcado pela ocorrência do acento nuclear e
de pausas e alongamentos silábicos). Conforme abordamos na metodologia, os
trabalhos sobre a redução do ditongo nasal (VOTRE, 1978; BATTISTI, 2002; BOPP da
SILVA, 2005) apontam a pausa como um fator condicionador que preserva o ditongo
nasal16, o que nos leva a intuir que, em um contexto caracterizado pela inserção de
pausa (um dos principais correlatos acústicos para a percepção da fronteira direita do
IP), haja mais dados de não do que de num.
16
Votre (1978: 169) não analisa especificamente a preservação dos ditongos nasais, mas a manutenção da
consoante nasal no fim dos vocábulos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 191
Na tabela a seguir, apresentamos o resultado para a variável contexto fonético
subsequente.
Contexto subsequente % (Oco./Total)
Pausa 81% (403/499)
Vogal 6% (32/499)
Fricativa 4% (18/499)
Oclusiva 5% (25/499)
Nasal 4% (21/499)
TOTAL 100% (499/499)
Tabela 38: contexto fonético subsequente em posição final de IP
Os valores da tabela refletem o comportamento geral que é descrito para a
redução dos ditongos nasais (VOTRE, 1978; BATTISTI, 2002; BOPP da SILVA, 2005), pois
os contextos menos favorecedores para a redução são os que têm uma pausa ou uma
consoante como elemento subsequente. As consoantes (fricativa, oclusiva e nasal)
representam 13% (64 ocorrências de 499 dados) dos contextos, e a pausa ocorre em
81% dos casos. De acordo com o que Serra (2009) indicou, essa é uma pista acústica
relevante para a identificação e percepção do domínio do IP no PB.
As vogais, embora sejam consideradas pela literatura um fator favorecedor
para a redução do ditongo nasal, atuaram também na sua manutenção, tendo ocorrido
em 6% dos casos. Provavelmente, outros fatores atuam também no bloqueio da regra
de redução nessa fronteira, como contorno nuclear e a ocorrência de alongamentos no
final do IP. Para tanto, observamos a duração da variante que ocorre nessa posição,
cujos valores das médias estão na próxima tabela.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 192
Média de
duração Informante
Variante não
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 290 ms.
NIG A 1 M 406 ms.
NIG B 1 M 306 ms.
NIG C 1 M 212 ms.
Mulheres cultas
COP C 3 M 314 ms.
NIG A 3 M 284 ms.
NIG B 3 M 276 ms.
NIG C 3 M 236 ms.
Homens não
cultos
COP B 1 H 242 ms.
NIG A 1 H 262 ms.
NIG B 1 H 293 ms.
Homens cultos
COP A 3 H 238 ms.
COP B 3 H 260 ms.
NIG A 3 H 239 ms.
MÉDIA 278 ms.
DESVIO PADRÃO 118 ms.
Tabela 39: médias de duração dos itens num e não em posição final de IP
As médias duracionais revelam uma semelhança entre quase todos os
informantes, com exceção de uma mulher não culta (NIG A 1 M) que tem valores mais
elevados. Apesar dessas particularidades que estão também relacionadas à velocidade
de fala de cada falante, obteve-se uma média de 278 ms., o que é significativamente
maior que as médias obtidas em outras posições. Se compararmos a média geral de
não em posição inicial com não em posição final, percebemos que aquele é 41%
menos longo que este. Já na comparação com o não que ocupa a posição
intermediária, este é 34% menor que o não de posição final. Com isso, podemos
afirmar que o alongamento silábico, característico da posição final do IP (SERRA, 2009),
também ocorre nos dados do corpus com o qual trabalhamos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 193
Esse alongamento ocorre, de forma mais expressiva, na última sílaba acentuada
do IP (SERRA, 2009), o que é mais um indício para postular que não seja uma variante
tônica. A seguir, cotejamos os valores das médias de duração do item não nas três
posições pesquisadas (inicial, medial e final). É interessante observar que, na fronteira
direita do IP, ou seja, no fim deste constituinte, a palavra não é mais longa na
produção de todos os informantes.
Média de
duração Informante
Variante não no
início do IP
Variante não no
meio do IP
Variante não no
fim do IP
Mulheres não
cultas
COP A 1 M 175,5 ms. 182,3 ms. 290 ms.
NIG A 1 M 120,5 ms. 200,6 ms. 406 ms.
NIG B 1 M 170,8 ms. 175,8 ms. 306 ms.
NIG C 1 M 132 ms. 186,6 ms. 212 ms.
Mulheres
cultas
COP C 3 M 142 ms. 185,1 ms. 314 ms.
NIG A 3 M 153 ms. 179,6 ms. 284 ms.
NIG B 3 M 172,5 ms. 194,3 ms. 276 ms.
NIG C 3 M 142 ms. 167,7 ms. 236 ms.
Homens não
cultos
COP B 1 H 166,5 ms. 127 ms. 242 ms.
NIG A 1 H 156 ms. 216 ms. 262 ms.
NIG B 1 H 236,7 ms. 189,2 ms. 293 ms.
Homens
cultos
COP A 3 H 139,5 ms. 166 ms. 238 ms.
COP B 3 H 159,9 ms. 194 ms. 260 ms.
NIG A 3 H 169 ms. 157,5 ms. 239 ms.
MÉDIA 163,6 ms. 183,6 ms. 278 ms.
DESVIO PADRÃO 46,5 ms. 32,9 ms. 118 ms.
Tabela 40: comparação das médias de duração do item não nas posições inicial, medial e final de IP
Com relação à descrição do padrão entoacional, registramos a associação de
um acento tonal associado à variante não em todos os enunciados, o que é um indício
robusto de que não é sempre uma ω nessa posição.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 194
O acento predominante (H+L*) descreve um movimento descendente – típico
dos enunciados declarativos na variedade carioca (MORAES, 1997; CUNHA, 2000;
MORAES, 2008; SILVESTRE, 2012; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no
prelo), bem como dos enunciados declarativos de outras variedades do PB (TENANI,
2002; FERNANDES, 2007) – que ocorre em 77% dos dados (389 ocorrências de 499
dados). Esse acento, que está associado à sílaba mais proeminente do último ɸ do IP,
pode vir acompanhado por um tom de fronteira baixo em 76% dos casos (382
ocorrências de 499 dados). Na Tabela 41 a seguir, estão os resultados para os acentos
e tons de fronteira que ocorrem na posição final do IP.
TOM % (Oco./Total)
H+L* L% 76% (382/499)
H+L* 1% (7/499)
L+H H%17 7% (36/499)
H+L* H% 2% (8/499)
H* H% 3% (13/499)
L* L% 11% (53/499)
TOTAL 100% (499/499)
Tabela 41: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição final de IP
Como se vê, há uma variedade de acentos que podem estar associados à sílaba
tônica do último ɸ, desde os bitonais até os monotonais. Também foram registrados
dois tons de fronteira, um alto e um baixo, embora tenha predominado o baixo, que é
típico das declarativas no PB.
A seguir, apresentamos as curvas de três enunciados que apresentam o não em
fronteira de IP. Na Figura 18, há o contorno melódico referente a dois enunciados
produzidos por uma informante culta de Copacabana. O primeiro enunciado (não) é
uma resposta à pergunta da entrevistadora e é imediatamente seguido pelo enunciado
num atrapalharia também não. Este segundo enunciado é um caso de dupla negação,
17
Deixamos subespecificado se foi anotado como um acento nuclear L*+H H% ou L+H* H%, visto não
serem muitos dados e haver, na literatura, uma possibilidade de variação com relação à especificação do
alinhamento do pico de F0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 195
por isso tem um operador de negação ocupando a posição final do IP. Verificam-se em
ambos um contorno descendente e um tom baixo junto ao fim da produção vocal da
informante.
Figura 18: curva melódica dos enunciados não, mas num atrapalharia também não, produzidos por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 1)
Na figura a seguir, está o contorno do terceiro exemplo, que também é um caso
de dupla negação. O enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não
foi produzido por um informante de Copacabana e tem o padrão das declarativas
neutras do PB: um movimento descendente a partir da última sílaba tônica
culminando em um tom de fronteira baixo. Vale destacar que a palavra não que está
na fronteira direita do IP é produzida com alongamento nos três casos: o primeiro
exemplo, que é uma resposta a uma pergunta, tem 210 ms. (cf. Figura 18); o segundo,
produzido também pela falante mulher, tem 270 ms. (cf. Figura 18); já o terceiro tem
220 ms (cf. Figura 19).
RESULTADOS E DISCUSSÃO 196
Figura 19: curva melódica do enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 124)
O não é simultaneamente uma sílaba, uma palavra prosódica, um sintagma
fonológico e um sintagma entoacional nos casos em que ocorre como resposta a uma
questão total. Com o exemplo da Figura 20 a seguir, ilustramos essa prosodização do
operador de negação que o distingue da variante reduzida num. Por estar em fronteira
de IP, é alongado, tendo duração de 445 ms., e a ele estão associados um acento tonal
H+L* e um tom de fronteira L%, típico das declarativas neutras no PB.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 197
Figura 20: curva melódica do enunciado não, produzido por informante mulher, adulta, não culta
(NIG B 1 M 178)
Foi encontrado também um acento ascendente associado a essa última sílaba
tônica do IP. Esse acento, invariavelmente, é acompanhado de um tom de fronteira
alto, que, de acordo com Cunha (2000: 202), é o padrão para a realização de contornos
declarativos não finais. A autora representa o contorno continuativo – ou seja, quando
um IP segue imediatamente outro – pelo acento nuclear L+H* H%. Nos nossos dados, o
acento tonal foi representado, em alguns casos, por L*+H, já que o tom alto se
manifesta no fim da sílaba, cujo contorno é caracterizado por uma subida gradativa, e
não abrupta. Na figura a seguir, apresentamos um exemplo desse contorno
continuativo, no qual a informante produz dois IPs: o primeiro é eu num lembro não e
o segundo, e até hoje também num sonho não. Os dois enunciados são finalizados pelo
operador de negação, sendo que o primeiro é imediatamente seguido por outro IP e o
segundo é seguido por pausa. O movimento da curva de F0 no primeiro não mantém o
contorno suspensivo, com pequena variação nos valores da F0, enquanto o movimento
da curva no segundo não é descendente com queda acentuada na vogal [ã] e
manutenção de um tom baixo até o fim do registro da fala.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 198
Figura 21: curva melódica dos enunciados eu num lembro não, e até hoje também num sonho não
produzidos por informante mulher, jovem, culta (NIG A 3 M 124)
Nota-se que o tom suspensivo que caracteriza os contornos continuativos foi
registrado em 9% dos dados (44/499), somando os casos que foram anotados como
L*+H H% e H+L* H%. O primeiro acento nuclear, que pode ser descrito como um
acento tonal ascendente e tom de fronteira alto, foi anotado em 7% dos dados,
enquanto o segundo, descrito pela combinação de um acento descendente com uma
subida no limite do IP, caracterizando um tom de fronteira alto, foi registrado em 2%
dos dados (cf. Tabela 40).
Na próxima figura, há o contorno do enunciado não, que tem uma curva
também ascendente cujo pico, porém, ocorre alinhado à vogal [ã]; por isso, anotamos
a representação fonológica L+H* H%. Como é um IP continuativo, o tom de fronteira
que ocorre no limite do constituinte é alto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 199
Figura 22: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto
(NIG A 1 H 80)
Foram anotadas mais duas representações fonológicas para as camadas
melódicas associadas à estrutura segmental do não. A primeira prevê um contorno
alto que não apresenta variações no valor da F0 até o seu limite. A Figura 23, a seguir,
exemplifica esse acento tonal que, ao contrário dos demais, não é bitonal, mas
representado por um tom alto H* e um tom de fronteira também alto H%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 200
Figura 23: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto
(NIG A 1 H 90)
Já a segunda representação descrita é a dos contornos que se realizam baixos,
com um acento tonal L* associado à última sílaba tônica e um tom de fronteira L%.
Esse acento nuclear já foi registrado por Castelo & Frota (2015) em sete variedades
faladas em regiões litorâneas do Brasil (Paraíba, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), embora tenha ocorrido em pequena
quantidade e seja mais frequente em variedades do norte do país. Na Figura 24, a
seguir, apresentamos um dado de dupla negação (num é culpa da na/ da globalização
não), a cujo não final está associado um acento nuclear baixo, como o descrito pelas
autoras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 201
Figura 24: curva melódica do enunciado num é culpa da na/ da globalização não produzido por
informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 174)
Esse conjunto de dados nos autoriza a chegar às seguintes conclusões com
relação à posição final do IP:
a. é categórica a preservação do ditongo nasal;
b. a pausa, um dos correlatos acústicos que identificam essa fronteira (SERRA,
2009), desempenha papel fundamental no bloqueio do processo de redução,
visto que ocorre em 81% dos dados;
c. outro correlato duracional que permite a identificação dessa fronteira, o
alongamento silábico, é percebido nos dados de todos os informantes.
Corrobora isso o fato de a média geral dos dados de não ter sido 41% menos
longa na fronteira de início do IP e 34% menor na posição intermediária do que
no fim do IP;
d. a análise entoacional indica que os enunciados mantêm o padrão das
declarativas neutras no PB, com um movimento melódico de queda da curva de
F0 na sílaba tônica do último ɸ do IP. Nesse caso, a última sílaba tônica é a
palavra não, que também constitui por si só um ɸ;
RESULTADOS E DISCUSSÃO 202
e. a maioria dos dados também revela a ocorrência de um tom de fronteira baixo
alinhado ao limite da extensão vocal do falante.
Na próxima seção, discutimos os resultados da última variável linguística, que,
de certo modo, contempla todas as três posições analisadas até aqui: o tipo de
estratégia de negação utilizado em cada um dos enunciados.
5.4. Resultados da variável tipo de estratégia de negação
As estratégias sintáticas pelas quais a negação sentencial pode ser expressa no
PB são três: a negação canônica, na qual o operador de negação precede um verbo; a
dupla negação, que tem, além do operador de negação que precede o verbo, outro
elemento que finaliza o enunciado; e a negação final, na qual há apenas um elemento
de negação ao fim do enunciado. Conforme já abordamos, elas têm sido objeto de
estudo de inúmeros trabalhos dedicados à gramaticalização do item de negação
(ALKMIM, 2002), em especial daqueles que procuram identificar na redução do
ditongo nasal o gatilho para o surgimento de novas estratégias de negação (VITRAL,
1999; FURTADO da CUNHA, 2001). Nessa perspectiva, a dupla negação e a negação
final teriam surgido do enfraquecimento fonético e, consequentemente, semântico
por que passou o item não no curso da língua.
Seguindo esse raciocínio, é esperado que haja mais dados da variante reduzida
num nos casos de dupla negação, visto que o não final teria a finalidade de reforçar o
conteúdo de negação sentencial que foi “desbotado” no operador de negação pré-
verbal. Entretanto, esse raciocínio tem o problema de correlacionar a dupla negação à
ênfase, representada no reforço fonético e semântico do não final. Não há, nos nossos
dados, necessariamente, qualquer relação entre enunciados com contornos melódicos
enfáticos e enunciados que se concretizem pela dupla negação, visto que excluímos na
segunda filtragem todos os enunciados que apresentavam ênfase. Além disso, dos 66
dados que foram excluídos da amostra por apresentarem um padrão enfático (16 em
posição inicial e 50 em posição intermediária), nenhum era caso de dupla negação;
eram todos exemplos de negação canônica. Isso já mostra que essa proposta de
RESULTADOS E DISCUSSÃO 203
identificar o surgimento das estratégias de negação não canônicas a uma necessidade
enfática de reforçar um conteúdo proposicional é problemática, conforme apontou
Swenter (2004).
Nossa hipótese é que o surgimento das estratégias de negação não canônicas
não está relacionado à marcação de ênfase. A fim de confirmar isso, analisamos o tipo
de estratégia que ocorre nos enunciados do corpus. Foram excluídos casos de resposta
absoluta a uma questão total, do tipo (15), por não se enquadrarem em nenhuma das
três construções de negação sentencial (negação canônica, dupla negação e negação
final).
(15) Entrevistador: você tem alguma sensação impressão com relação da
maneira das pessoas falarem?
Informante: Não, nunca. (informante mulher, idosa, culta, COP C 3 M
62)
Foram excluídos também os casos em que não aparece isolado em uma oração
encaixada, como em (16), por também não satisfazerem as condições para ser uma das
três estratégias de negação.
(16) então de repente a gente... acha que não, e o nosso vizinho deve tá
surrando o filho (informante homem, jovem, culto, COP A 3 H 99)
Após essas filtragens necessárias, restaram 1167 dados, cuja distribuição está
exposta na tabela a seguir.
Estratégias de negação % (Oco./Total)
Negação canônica 83% (972/1167)
Dupla negação 16% (188/1167)
Negação final 1% (7/1167)
TOTAL 100% (1167/1167)
Tabela 42: variável tipo de estratégia de negação
RESULTADOS E DISCUSSÃO 204
Como se pode observar, é predominante a estratégia de negação canônica na
amostra, tendo ocorrido em 83% dos 1167 dados. Em seguida, aparece a dupla
negação com 16% e, por fim, a negação final com apenas 1%. Essa distribuição é muito
semelhante a que foi encontrada por Seixas (2013) em um corpus de dados de textos
brasileiros produzidos nos séculos XVIII e XIX. Segundo a autora (2013: 86), foram
analisados 2945 dados. Excluímos os casos em que ocorreram advérbios de negação
como nunca, nem ou quantificadores, como nenhum, ninguém, a título de comparação
dos resultados dos dois trabalhos, visto que estamos pesquisando apenas o advérbio
não. Os resultados mostraram um maior número da estratégia de negação canônica,
com 98,6% (2909/2945) dos casos, seguida da dupla negação (1,3% – 32/2945) e da
negação final (0,1% – 4/2945), ou seja, é uma distribuição muito similar a que
encontramos na amostra de fala espontânea do Projeto Concordância.
Os dados de Furtado da Cunha (2001: 8) também indicam a predominância da
estratégia de negação canônica, que ocorreu em 91% (1298 ocorrências) dos 1425
dados da amostra. Houve menor número de ocorrências da negativa final (1% –
9/2945) em comparação à negativa dupla (12% – 158/2945). Esses dados de fala
espontânea foram produzidos por falantes de três faixas de escolaridade (ensino
fundamental, ensino médio e ensino superior) do Ceará.
Diacronicamente ou sincronicamente, nossos resultados são comparáveis com
outros trabalhos e demonstram o comportamento dessas três estruturas de negação
no PB. Não parece haver um processo de mudança em curso, mas sim um estágio de
variação estável, que nos impede de tecer afirmações contundentes a respeito de um
possível processo de gramaticalização. Vai de encontro a essa generalização o
resultado da distribuição das variantes não e num pelas três estruturas de negação,
que está na próxima tabela.
RESULTADOS E DISCUSSÃO 205
Estratégias de
negação Variante NUM Variante NÃO
Negação canônica 78% (761/972) 22% (211/972)
Dupla negação 50% (93/188) 50% (95/188)
Negação final 0% (0/7) 100% (7/7)
Tabela 43: distribuição das variantes nas três estratégias de negação
Na estratégia de negação canônica, é majoritária a ocorrência da variante
reduzida, que ocorre em 78% dos dados. É interessante notar que, nos casos de dupla
negação, metade dos dados se realiza como num e a outra metade como não, o que
mostra que não há correlação entre o surgimento de um não ao fim do enunciado para
compensar a forma reduzida pré-verbal. Se fosse assim, deveria ser predominante a
ocorrência de num, como é na negação canônica. Não há como explicar, via ênfase, o
surgimento do não final para reforçar o mesmo não pré-verbal (sem redução). Por fim,
como esperado, na negação final, todos os dados mantiveram o ditongo nasal do item
não, uma vez que está em fronteira direita de IP.
Esses resultados sugerem que, nesta amostra, não há parâmetros que
permitam afirmar que a estratégia de dupla negação tenha surgido como efeito de um
reforço fonético e/ou semântico da redução do item não em posição pré-verbal. Não
há, portanto, como relacionar no PB a redução do ditongo nasal pela qual passa o
operador de negação à configuração sintática das estruturas de negação, como
proposto no quadro teórico do Ciclo de Jespersen. O processo de cliticização é
exclusivamente de natureza fonológica, já que não foram verificados
condicionamentos sintáticos.
5.5. Prosodização das variantes e cliticização
Conforme vimos a partir dos resultados, as variantes não e num apresentam
comportamentos fonológicos distintos, como consequência do processo de redução do
ditongo nasal. Esses comportamentos distintos se manifestam (i) na possibilidade de
num ocorrer apenas diante de um verbo, (ii) na agramaticalidade de num ocorrer ao
RESULTADOS E DISCUSSÃO 206
fim de um enunciado e (iii) no fato de o item reduzido não poder funcionar como
resposta a uma questão total. Essa generalização já havia sido apontada por outros
trabalhos (VITRAL, 1999; RAMOS, 2002; SOUZA, 2007), porém quase sempre (com
exceção de CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004) a partir de uma perspectiva sintática.
Contudo, esses comportamentos diferentes surgem de um processo fonético (e não
sintático), que é a perda de massa fônica de um elemento nasal. Explicar suas
consequências por parâmetros sintáticos parece contraditório, uma vez que o
processo tem motivações diferentes.
Buscamos evidências que demonstrassem, então, a natureza fonológica da
cliticização do operador de negação. Pareceu-nos inequívoca a ideia de que a diferença
do comportamento dos itens passava pela questão acentual por dois motivos:
elementos átonos com características clíticas costumam estar apoiados em uma
palavra acentuada, a fim de não desaparecer por completo em função da redução
(ANDERSON, 2005); e a não aceitabilidade de num no fim do enunciado,
provavelmente, relacionada às características fonológicas desta posição.
Diante disso, exploramos os indícios que nos permitiriam afirmar que não é
uma palavra acentuada e num uma palavra átona, i.e., seu estatuto fonológico seria
respectivamente o de uma palavra prosódica e o de uma palavra clítica. De acordo
com os resultados que foram expostos neste capítulo, podemos afirmar que há fortes
indícios de que essas hipóteses estavam corretas.
A relação estabelecida entre a palavra num e o verbo que a acompanha indica
ser um caso de adjunção fonológica, porque exibe dependência fonológica. O item
num ocorre apenas diante de verbo e nunca isoladamente como resposta a uma
questão total. A relação de adjunção se deve também ao fato de o item de negação se
posicionar à esquerda do verbo, mas não o integrar. Uma prova de que o item
reduzido não integra o verbo, mas o adjunge, é a possibilidade de ocorrer elisão da
sílaba pretônica do verbo. No exemplo abaixo, a falante produziu o verbo aguentar,
como [gweˈtej]:
(17) Nesse dia num guentei, num deu! (informante mulher, idosa, culta, NIG C
3 M 94)
RESULTADOS E DISCUSSÃO 207
Caso houvesse integração de num ao verbo e o item de negação se
comportasse como uma sílaba pretônica, a elisão seria bloqueada, como são os casos
de *mometano (em vez de maometano) e *bunilha (em vez de baunilha),
demonstrados por Bisol (2000). A elisão que ocorreu no exemplo (17) é de início de ω,
e não interna ao constituinte.
Sendo resultado de um processo de cliticização, a variante num tem estatuto
de clítico. Já que depende do verbo, sua prosodização prevê que esteja adjungida a ω
verbal, formando com o verbo um grupo clítico (NESPOR & VOGEL, 1986). Um primeiro
indício de que num esteja adjungido à ω, mas não seja incorporado como sílaba
pretônica do verbo, é o fato de a sílaba inicial do verbo-hospedeiro continuar sendo
sílaba inicial depois de haver a cliticização do item de negação. Ser sílaba inicial
significa poder passar por todos os processos fonéticos que caracterizam as sílabas
iniciais não acentuadas do PB, como o alteamento (exemplos 18 e 19), a elisão
(exemplos 20 e 21) e a ditongação (exemplos 22 e 23).
(18) Ninguém pegava transporte escolar, porque era tão... tão próximo que
num pr[i]cisava de ônibus ou coisa assim (informante homem, jovem,
culto, COP A 3 H 14)
(19) tem hora que ele fala tão rápido, que tu num [i]ntende nem uma palavra
(informante homem, jovem não culto, NIG A 1 H 101)
(20) como a gente falou, nadianta entrar um prefeito lá, “ah, vou fazer, vou
acontecer!” É toda uma equipe (informante mulher, jovem, culta, NIG A 3
M 235)
(21) eu não era medroso. Fiquei... Olha, eu peguei um medo... que né
brincadeira não (informante homem, adulto, não culto, NIG B 1 H 206)
(22) eu vejo televisão, né? Eu luto pelo que eu quero. Eu nuadmito assim, eu
sei que eu devo satisfação a ele, mas eu num sou escrava dele
(informante mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 43)
(23) vira pra gente e fala assim “quanto você ganha?”... aí você fala pra ele
“ah eu não acredito não, nuacredito que a senhora tá aí enfrentando isso
RESULTADOS E DISCUSSÃO 208
tudo aturando a gente pra ganhar esse/ esse salário merreca (informante
mulher, idosa, culta, NIG B 3 M 126)
Em (18) e em (19), as formas verbais precisava e entende sofrem elevação da
vogal média pretônica; em (20) e (21), ocorre elisão e, posterior, ressilabificação, com
o item de negação se fundindo ao verbo, cuja sílaba inicial (ou única) passa a ter o
onset preenchido. Assim, nos exemplos, num adianta passa a nadianta e num é passa a
né. Certamente, a frequência de ocorrência dessas palavras acelera o processo de
aglutinação, como em né, que já é uma palavra lexicalizada no português (SERRA,
2009). No entanto, conforme assinala Bisol (2000: 27), a elisão se justifica nesses casos
por se tratar de um fenômeno de sândi, que não ocorre no interior de uma palavra. A
autora destaca os exemplos maometano, paetê e baunilha para mostrar que há
bloqueio na regra de apagamento da vogal baixa (vide *mometano, *petê e *bunilha)
em fronteiras internas à ω. Uma vez que pode ocorrer elisão entre num e a sílaba
inicial do verbo-hospedeiro, não podemos considerar que a variante de negação
reduzida seja integrada ao verbo, mas apenas adjungida.
Em (22) e (23), a variante num, que pode perder a nasal que está em coda,
passa por ressilabificação e semivocaliza; forma, então, ditongos com a vogal baixa
pretônica dos verbos admito e acredito. Essa queda da nasal final ocorre também com
a preposição com no PE (VIGÁRIO, 2003) e no PB (TONELI, 2014), que pode
semivocalizar e formar ditongos com as vogais que a seguem. Essa semivocalização
seria, segundo Vigário (2003), um indício do caráter átono da preposição, bem como
pode ser usado como explicação para a variante num no PB.
Esses fenômenos podem ocorrer na sílaba inicial do verbo devido ao fato de
que os clíticos estão sujeitos apenas a regras pós-lexicais (BISOL, 2000), já que são
adjungidos ao verbo (que já está pronto) apenas nesse nível.
Conforme estabelecido por Zwicky (1994), os clíticos devem ser analisados
como um conjunto de dados escalar e heterogêneo, podendo se aproximar ou se
RESULTADOS E DISCUSSÃO 209
afastar dos elementos que são considerados clíticos prototípicos18 nas mais diversas
línguas do mundo. No português, de acordo com Vigário (2003), os pronomes são
clíticos prototípicos e podem ser tomados como referência para a descrição do item
num. Ao que parece, o item de negação ainda parece não ter todos os traços
característicos dos pronomes oblíquos no PB. Esses têm mobilidade na sentença,
podendo ocorrer antes, no interior19 ou depois do verbo e têm aceitabilidade
questionável se co-ocorrerem com outras estratégias de conteúdo semântico igual.
Observemos os exemplos já apresentados no capítulo 4:
(24) Ele num1 foi à festa não1.
(25) ? Ele lhe2 deu o presente para você2.
O índice subscrito nos exemplos mostra que o referente é o mesmo para todas
as formas linguísticas. Em (24), tanto num quanto não fazem referência à negação
sentencial; inclusive, a retirada de uma das duas palavras não altera o conteúdo
proposicional que é o de negação. Já em (25), assim como em (26) e (27) abaixo, os
pronomes lhe, se e nos têm o mesmo conteúdo que as locuções preposicionais para
você, para ela e a nós, respectivamente. Entretanto, essas frases soam estranhas à
maioria dos falantes nativos do PB.
(26) ? Ela se3 olhou no espelho para ela3.
(27) ? Ela nos4 chamou a nós4 para ir à festa.
Apesar desses fatos, num se aproxima dos clíticos por estar ligado a um hospedeiro (o
verbo), ter dependência fonológica, não poder ocorrer como resposta a uma pergunta
e não ocorrer sozinho (sem um verbo) no fim do enunciado. Além do mais, num
apresenta a propriedade de duplicação clítica, apontada por Halpern (1998), que
permite a co-ocorrência da forma clítica e da forma independente no mesmo
18
Clíticos prototípicos são descritos, na literatura, como aqueles itens lexicais, cujo estatuto é difícil de caracterizar, visto que não se apresentam independentes como palavras, nem dependentes como afixos (ZWICKY, 1977). 19
Ainda que no PB a mesóclise seja uma estrutura fossilizada na fala do PB, é possível de ocorrer em textos escritos formais, como os de gênero acadêmicos (VILELA, 2005).
RESULTADOS E DISCUSSÃO 210
enunciado. Os exemplos a seguir demonstram que isso não apenas é possível, como é
recorrente no PB:
(28) “Ah, na minha área num tá dando, eu vou começar a estudar pra
concurso” e ele num faz concurso pra arquitetura não! Faz concurso pra
tribunal, pra trabalhar em área de direito mesmo (informante homem,
jovem, culto, COP A 3 H 116)
(29) mas num é por isso que eu acho que carioca fale feio não (informante
mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 194)
(30) eu não fazia coisa que eu não devia não, eu só beijava na boca
(informante mulher, idosa, culta, NIG C 3 M 84)
Com isso, acreditamos que o processo de cliticização por que passa num, cujo estopim
foi a redução do ditongo nasal, não esteja concluído, o que nos impede de defini-lo
como um clítico prototípico no PB, como os pronomes. É um clítico simples (ZWICKY,
1977), que não apresenta uma configuração sintática especial, nem a mesma
distribuição na sentença que a forma independente não (num ocorre apenas em
posição pré-verbal). Desse modo, propomos a seguinte representação arbórea para a
variante num, um item com estatuto de clítico:
C 3
ω 3
CL ω 4 4 ‘num’ ‘verbo’
Figura 25: representação hierárquica da prosodização de num
Com relação à palavra não, assumimos que seja uma ω no PB. Seguindo a
proposta de Vigário (1998) para o português europeu, consideramos que não forme
um ɸ junto com o verbo, que é também uma ω. A autora defende que a proeminência
dentro do ɸ seja relativa, ou seja, em uma primeira situação o elemento mais
RESULTADOS E DISCUSSÃO 211
proeminente seria o verbo, que é o elemento mais à direita do constituinte; em outra
situação, a proeminência recairia no advérbio de negação, justificando isso através de
uma “alteração de proeminência ao nível de ɸ” (VIGÁRIO, 1998: 123). Essa alteração
pode ser representada da seguinte forma:
[ nãoW VS ]ɸ [ nãoS VW ]ɸ20
A autora afirma ainda que essa proeminência atribuída à palavra não pode
possibilitar que haja a associação tonal à mesma, o que reflete na nossa hipótese,
confirmada pela análise dos dados, de que há presença de um acento tonal associado
à variante não seja em posição pré-verbal, seja em posição final. Vigário afirma
precisamente que:
Relacionada com a atribuição do valor s [strong ‘forte’] à negação, poderá encontrar-se a associação obrigatória de um acento tonal a este elemento. Na realidade, em todas as circunstâncias em que não é percepcionado como proeminente, é-lhe atribuído um acento tonal. (...) Não nos parece possível, ou mesmo necessário, saber se é a presença do valor s, ou a associação do acento tonal, ou ambas, o factor responsável pelo efeito de proeminência. De facto, é possível conceber-se uma análise em que tanto a proeminência como a associação tonal decorram de aspectos mais gerais da gramática. (VIGÁRIO, 1998: 123-124)
Assim, parece bastante justificada a proposição de que não seja uma ω e
constitua um ɸ com o verbo-hospedeiro. Abaixo, apresentamos uma proposta de
representação arbórea para a palavra não pré-verbal, de acordo com os pressupostos
da Teoria da Hierarquia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986).
ɸ 3 ω ω 4 4 ‘não’ ‘verbo’
Figura 26: representação hierárquica da prosodização do não pré-verbal
20
Vigário (1998: 123).
RESULTADOS E DISCUSSÃO 212
A variante não pode ocorrer também no fim do IP, constituindo isoladamente
um ɸ, como na representação arbórea na Figura 27. Pode ainda aparecer
isoladamente, como uma resposta a uma questão total e, nesse caso, é também um IP,
como é demonstrado na Figura 28.
ɸ | ω 4 ‘não’
Figura 27: representação hierárquica da prosodização do não em fronteira direita de IP
IP |
ɸ | ω 4 ‘não’
Figura 28: representação hierárquica da prosodização do não isolado
5.6. Resumindo
Neste capítulo, discutimos o estatuto fonológico de duas variantes de negação
no PB, para as quais se chegou à conclusão de que apresentam comportamentos
distintos. A variante não é uma palavra funcional que tem status de ω, cuja duração é
estatisticamente igual a de outras palavras prosódicas com estrutura fonológica
semelhante, como são, tão e mão, por exemplo. A variante num, por sua vez,
apresenta-se como átona e, assim, não pode ser considerada uma ω; é uma palavra
funcional em processo de cliticização. Sua duração é estatisticamente diferente da
duração da sílaba tônica /nuN/ da palavra nunca, bem como da duração da variante de
negação plena não. Como consequência, a prosodização desses elementos é diferente,
visto que não, uma ω, constitui junto com o verbo um ɸ, mas pode também formar
RESULTADOS E DISCUSSÃO 213
isoladamente um ɸ quando ocorrer em fronteira de IP. Já a variante num não pode
constituir sozinha um ɸ, pois não aparece na fronteira de IP, nem pode se desvincular
do verbo, com o qual estabelece uma relação de dependência fonológica. O verbo, que
atua como hospedeiro fonológico do clítico (por conta de sua sílaba acentuada), forma
junto com num um ω, que está subordinado a C. Vale lembrar que em um contexto em
que a próxima sílaba é tônica ou diante de verbos monossilábicos, há um forte
favorecimento para a ocorrência de num em vez de não. Isso é explicado pelo fato de
num ser átono e não ocorrer choque acentual, bem como pela necessidade de num
estar vinculado a uma sílaba acentuada, o que é uma propriedade dos clíticos
(ANDERSON, 2005).
O padrão entoacional dos contornos melódicos presta grande contribuição na
identificação do estatuto gramatical de cada uma das formas investigadas, visto que
foi percebida a associação de eventos tonais que caracterizam os constituintes
prosódicos do PB à variante que acreditamos ser tônica. Da mesma forma, não foram
observados eventos tonais relevantes nos casos em que ocorreu a variante átona.
Esses são indícios robustos de que a variação percebida no nível segmental encontra
reflexos e explicações no nível prosódico.
Nesse sentido, os resultados também contribuíram no sentindo de descrever
um padrão típico de declarativas neutras para as estruturas de negação sentencial do
PB. O contorno pré-nuclear foi descrito como uma subida na curva de F0, que ocorre
associada à primeira sílaba acentuada do IP, conforme já foi apontado por diversos
trabalhos para o PB (MORAES, 1997; 2008; FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002;
FERNANDES, 2007; SILVESTRE, 2012; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA et alii, 2015;
TONELI, 2014). Já o contorno nuclear foi descrito como um movimento descendente,
que ocorre na sílaba tônica do último ɸ do IP. Como observamos com relação à
prosodização dos itens, quando há um caso de negação não canônica e um não ocorre
na última posição do IP, ele é também o último ɸ desse constituinte. Sendo assim, esse
é o local de ocorrência do acento tonal H+L* e do tom de fronteira L%.
Duas pistas acústicas duracionais de identificação e percepção do domínio de IP
(SERRA, 2009), a pausa e o alongamento silábico, foram verificadas nas estruturas de
dupla negação e negação final. Esses correlatos acústicos, que tornam a fronteira de IP
RESULTADOS E DISCUSSÃO 214
mais forte fonologicamente, atuam no bloqueio da regra de redução dos ditongos
nasais, impedindo a ocorrência de num no fim de frases.
CAPÍTULO VI
CONCLUSÃO
Nesta tese, investigamos o estatuto fonológico das variantes de negação não e
num no PB. As hipóteses levantadas de início foram confirmadas, evidenciando um
processo de cliticização a partir da palavra não. O gatilho para o processo se
intensificar foi a alta frequência de uso da forma de negação. Conforme
demonstramos, no levantamento apresentado no quadro 1 (cf. capítulo 1), o advérbio
de negação está entre as dez palavras mais recorrentes em todas as amostras.
Esse processo de cliticização envolve, em um primeiro momento, a redução do
ditongo nasal da forma plena não que passa a num. Há, de acordo com as evidências
encontradas nesta tese, consequentemente, um processo de perda do acento lexical
que caracteriza não como uma ω. É comum, nas línguas naturais, o enfraquecimento
acentual de palavras funcionais (SELKIRK, 1995), que acabam adquirindo estatuto
fonológico diferente da forma de origem. Conforme percebemos, existe uma
dependência de num a uma ω, diferentemente da independência que caracteriza não.
Esta, como fora exemplificado, pode aparecer isoladamente como resposta a uma
questão total e também pode aparecer ao fim de um enunciado. A palavra num, por
sua vez, não tem a mesma distribuição posicional que a palavra de origem, ocorrendo
sempre em posição pré-verbal – essa propriedade distributiva caracteriza os clíticos
(ZWICKY, 1977, 1994; ANDERSON, 2005).
Esse processo de cliticização, entretanto, não é sintático, mas fonológico, visto
que seus condicionamentos são prosódicos e entoacionais. Em primeiro lugar, não se
pode afirmar que seja um caso de posicionamento sintático do clítico em função de
seu hospedeiro, porque envolve dependência acentual, i.e., é um processo fonológico.
O clítico se ancora na proeminência do hospedeiro, o que configura o processo de
adjunção fonológica, e, por isso, só ocorre em posição pré-verbal. Se fosse um caso de
posicionamento sintático, teria influência no processo o tipo de estratégia de negação.
De acordo com alguns autores, o processo de redução está relacionado ao surgimento
das estratégias de negação não canônicas, como a dupla negação e a negação final. O
CONCLUSÃO 216
surgimento de um não ao fim do enunciado seria devido a um reforço do
enfraquecimento fonético sofrido pelo não pré-verbal. Seria esperado, assim, que a
estratégia de negação canônica registrasse favorecimento à variante plena não,
porque não haveria a necessidade de reforçar um elemento enfraquecido. No entanto,
conforme demonstramos, essa estratégia favorece o item reduzido num, o que indica
não haver condicionamentos sintáticos para a ocorrência de uma das variantes.
Em segundo lugar, a cliticização é, neste caso, um processo pós-lexical, visto
que admite regras pós-lexicais como a ditongação e a elisão (cf. 5.5), mas bloqueia
regras lexicais, como a assimilação da nasalidade e o abaixamento vocálico (cf. 3.4.1).
Sua ocorrência está também atrelada a condicionamentos
prosódicos/entoacionais, visto que certos fatores de natureza fonológica podem
reduzir, ou mesmo bloquear, seu uso em determinadas posições. O início do IP, por
exemplo, é marcada por um evento tonal que se associa à primeira proeminência do
constituinte. Dessa forma, era esperada uma menor ocorrência de num em posição
inicial do que em posição medial, o que, de fato, foi verificado (cf. 5.2.1). Os
fenômenos entoacionais e prosódicos que caracterizam a fronteira direita do IP
também atuam no sentido de bloquear a ocorrência de formas reduzidas, uma vez que
esta posição é candidata a receber um acento nuclear, bem como é domínio para a
ocorrência de pausas e alongamentos silábicos (cf. 5.3).
Além disso, o correlato acústico da duração foi crucial para determinar o
estatuto fonológico das variantes pesquisadas, uma vez que as formas acentuadas têm
sido identificadas nas línguas por apresentarem maior duração se comparadas com as
formas não acentuadas (LIEBERMAN, 1960; BECKMAN, 1986; MORAES, 1995). As
realizações da variante num foram sistematicamente menos longas que as realizações
da variante não em posição inicial e em posição interna. Há nisso um forte indício de
confirmação da hipótese de que as variantes têm estatutos diferentes, porque foi um
resultado verificado em todos os informantes do corpus e confirmado por testes de
relevância estatística.
A comparação das médias duracionais das variantes não e num com as médias
das ωs com ditongo nasal /auN/ e da sílaba inicial da palavra nunca também trouxe
subsídios importantes para a análise. Foi demonstrado haver semelhança estatística
entre as médias duracionais de não e das ωs com ditongo nasal (como são, dão, pão),
CONCLUSÃO 217
e diferença entre as médias de num e da sílaba inicial da palavra nunca, indicando que
não se comporta fonologicamente mais próximo a sílabas acentuadas e num, a sílabas
não acentuadas.
O comportamento entoacional também deu provas de que não é uma ω,
porque a esta variante pode estar associado um acento tonal característico do início
do IP, caso seja o primeiro elemento proeminente do constituinte. Pode também,
como já afirmamos, ser candidato a receber um evento tonal que se associa à sílaba
proeminente do último ɸ do IP. É o caso típico das estratégias não canônicas, em que
o não aparece em posição pós-verbal. Os resultados apontaram um padrão
entoacional de declarativas neutras, com um movimento ascendente da curva
melódica associado à primeira proeminência de IP e um movimento descendente
associado à última sílaba acentuada desse constituinte. A manifestação de um tom de
fronteira baixo também foi majoritária nos dados em que não ocorre na fronteira
direita do IP.
Em um plano geral, esse conjunto de resultados contribui para a descrição do
padrão das sentenças declarativas do PB, na medida em que foram verificados nesses
dados de fala espontânea os mesmos fenômenos entoacionais que ocorrem em
corpora de leitura controlada. Em um plano mais específico, auxilia na confirmação da
hipótese de que não e num têm estatutos fonológicos distintos e, portanto, devem
apresentar prosodizações distintas. A prosodização proposta nesta tese considera que
a palavra clítica num se adjunge à ω do verbo (cf. Figura 25), ao contrário da ω não,
que pode ter três prosodizações diferentes a depender da posição que ocupe no
enunciado. Se estiver diante de um verbo, forma um ɸ com o verbo, que é uma cabeça
lexical (Figura 26); se aparecer no fim do enunciado, constitui o último ɸ do IP (Figura
27); se aparecer isolado, constitui um ɸ e também um IP (Figura 28).
Esperamos, por fim, ter fornecido uma contribuição para os estudos
fonológicos do português ao propor uma análise prosódica e entoacional para um
fenômeno variável. Desejamos que os resultados finais desta tese tenham se revelado
material robusto para a definição do estatuto prosódico do advérbio de negação
frásica, estabelecendo ainda uma metodologia que pode ser estendida a outros casos
em que esse estatuto não tenha sido investigado no PB.
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