UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL NO CONTEXTO JURÍDICO SOCIAL BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICA: FRANCIELI PIOVESAN
São José (SC), junho de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL NO CONTEXTO JURÍDICO SOCIAL BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª. Ana Paula Gontijo.
ACADÊMICA: FRANCIELI PIOVESAN
São José (SC), junho de 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL NO CONTEXTO JURÍDICO SOCIAL BRASILEIRO
FRANCIELI PIOVESAN
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, ......... de julho de 2004
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Profª Ana Paula Gontijo. - Orientadora
_______________________________________________________ Prof. – Membro 1
_______________________________________________________ Prof. – Membro 2
DEDICATÓRIA
Dedico este texto...
A Deus, que é o grande responsável pela minha existência e que sob sua proteção e
guarda cheguei a realizar mais um sonho;
Aos meus pais, Darcy e Elena, que mesmo distantes, sempre se encontraram perto de
mim e são exemplo de coragem e integridade e por muitas vezes renunciaram aos seus
próprios sonhos em prol dos meus e que sem sombra de dúvida contribuíram e não mediram
esforços para a realização deste, aos senhores meu respeito e gratidão;
Ao meu amor Edson, meu cúmplice, que compartilha comigo todas as alegrias,
aflições, sonhos e angústias. Saiba que seu amor, companheirismo e paciência me ajudaram a
vencer muitas batalhas, a você meu eterno amor...
E a todos os meus amigos que de uma maneira ou de outra participaram das alegrias
e dos tropeços desta caminhada, a todos vocês meu carinho e amizade.
AGRADECIMENTOS
Á Professora Ana Paula, que com seu imensurável conhecimento sempre me atendeu
com a maior dedicação e presteza, todo o meu respeito e simpatia;
Ao Professor Rogério Dultra dos Santos e ao Professor Leandro do Amaral D. de
Dorneles, que com as suas orientações metodológicas sanaram muitas das minhas dúvidas,
meu sincero agradecimento;
Aos demais professores da Univali, pela paciência e pelo acompanhamento nesta
longa caminhada;
Enfim, a todos que de uma maneira ou de outra me ajudaram na realização de mais
esta etapa.
“Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol, outros nem
conseguem vê-la...”.
(Helena Kolody)
SUMÁRIO
RESUMO...................... ............................................................................................................9
LISTA DE ABREVIATURAS...............................................................................................10
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1. FATO PUNÍVEL PELA TEORIA DO DELITO............................................................ 14
1.1 CONCEITO DE CRIME....................................................................................................14
1.2 TEORIAS DO DELITO.................. ...................................................................................15
1.2.1 Teoria Causalista.... .........................................................................................................15
1.2.2 Teoria Finalista............. ..................................................................................................16
1.2.3 Teoria Social da Ação...................... ...............................................................................18
1.3 O FATO TÍPICO.................................. .............................................................................19
1.4 FATO ANTIJURÍDICO................. ...................................................................................20
1.4.1 Estado de Necessidade................................... .................................................................21
1.4.2 Legítima Defesa............... ...............................................................................................22
1.4.3 Estrito Cumprimento do Dever Legal .................... ........................................................23
1.4.4 Exercício Regular do Direito............................... ...........................................................24
1.5 CULPABILIDADE................. ...........................................................................................25
1.5.1 Imputabilidade.................................................................................................................25
1.5.1.1 A inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado....................................................................................................................................26
1.5.1.2 Semi-imputabilidade ou imputabilidade diminuída.....................................................27
1.5.1.3 Menoridade Penal.........................................................................................................28
1.5.1.4 Embriaguez ..................................................................................................................29
1.5.2 Potencial Conhecimento da Ilicitude...............................................................................30
1.5.3 Exigibilidade de Conduta Diversa...................................................................................31
1.5.3.1Coação Irresistível..........................................................................................................31
1.5.3.2 Obediência Hierárquica.................................................................................................32
2. A DIFERENÇA DA PUNIÇÃO DO CRIME E DO ATO INFRACIONAL.................33
2.1 DO CRIME E DO ATO INFRACIONAL..........................................................................33
2.2 PRISÃO EM FLAGRANTE...............................................................................................34
2.2.1 Prisão em Flagrante no Código de Processo Penal..........................................................34
2.2.2 Prisão em flagrante no Estatuto da Criança e do Adolescente.........................................35
2.3 TIPOS DE AÇÕES.............................................................................................................37
2.3.1 Tipos de Ações no Código Penal e Processual Penal......................................................37
2.3.1.1 Ação Penal Pública.......................................................................................................38
2.3.1.2 Ação Penal Privada.......................................................................................................40
2.3.2 Tipos de Ações no Estatuto da Criança e do Adolescente...............................................41
2.4 PROCEDIMENTO.............................................................................................................43
2.4.1 Suspensão Condicional do Processo na Lei 9.099/95 e Remissão no Estatuto da Criança
e do Adolescente.......................................................................................................................43
2.5 APLICAÇÃO DA SANÇÃO .............................................................................................45
2.5.1 Aplicação das Penas no Código Penal. ...........................................................................45
2.5.2 Aplicação das Medidas Sócio-Educativas no Estatuto da Criança e do Adolescente......48
3. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
RETROCESSO OU A NECESSIDADE DE TAL MEDIDA..............................................51
3.1 POSICIONAMENTO CONTRÁRIO À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL.........52
3.2 POSICIONAMENTO FAVORÁVEL À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL........61
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................70
RESUMO
Este trabalho pretende demonstrar e esclarecer as teses que discutem a respeito da viabilidade da redução da imputabilidade penal para dezesseis anos ou a permanência da idade atual vigente, ou seja, dezoito anos. O tema acerca da redução da maioridade penal vem sendo rotineiramente debatido pela sociedade em decorrência desta se encontrar assustada, indefesa e sem direcionamento devido à violência e criminalidade que assolam a todos igualmente. O trabalho em tela estudará primeiramente o fato típico, antijurídico e culpável, as Teorias do Delito e posteriormente as causas de exclusão de ilicitude e culpabilidade, dentre elas se analisará ainda, a inimputabilidade penal, suas causas, condições e o momento em que se consuma. Além de, em um segundo momento ofertar as semelhanças e as diferenciações decorrentes entre os dois diplomas legais, o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. E finalmente, adentrar na acirrada polêmica que gira em torno da redução da maioridade penal. Tentará se mostrar passo a passo às argumentações da corrente que defende a continuidade da idade de dezoito anos para a responsabilização penal, como se mostrará às argumentações da corrente que apóia o rebaixamento para dezesseis anos de idade. Assim, a pretensão de tal trabalho é a contribuição do amadurecimento das idéias referentes ao tema para que a discussão do mesmo seja esclarecida ou ao menos amenizada e se necessário sejam tomadas atitudes para o melhoramento da sociedade em geral.
ABREVIATURAS
art. Artigo
arts. Artigos
at. Atualizado
CC Código Civil
CF Constituição Federal
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
Dr. Doutor
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ed. Edição
Inc. Inciso
Jun. Junho
LEP Lei de Execução Penal
MP Ministério Público
N.º Número
p. Página
PCC Primeiro Comando da Capital
STF Supremo Tribunal Federal
PEC Projeto de Emenda Constitucional
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância (United Nations Internacional
Children’s Emergency Fund)
v. Volume
INTRODUÇÃO
O ser humano em todo o seu processo de evolução sempre lutou por igualdade,
condição de desenvolvimento, de vida, de trabalho e de justiça. Nota-se no decorrer dos
tempos a luta de cada geração para que seus direitos sejam honrados e seus deveres cumpridos
na proporção de cada cidadão.
Na atual conjuntura, se observa diversas conquistas decorrentes da esperança e do
trabalho do povo. Conquistas que ajudaram na melhoria de vida e condição social da
população. Contudo, entre várias vitórias presenciadas se verificam muitas derrotas
decorrentes de vários motivos, dentre eles a crescente violência e onda de criminalidade que
afeta indiscriminadamente a todos, sem diferenciação de raça, credo, origem ou classe social,
proporcionando de modo geral uma sensação de instabilidade e desconforto.
Para a apresentação e elaboração desta pesquisa a metodologia utilizada sugeriu o
método dedutivo de abordagem, por acreditar-se ser este o mais adequado a uma monografia.
Neste método, o estudo utilizará as técnicas de pesquisa bibliográfica, tais como: livros,
artigos, meios de informação em periódicos, bem como sites da Internet.
O trabalho em tela dividir-se-á em três capítulos que estarão dispostos da seguinte
maneira: em um primeiro momento, se analisará o fato punível pela Teoria do Delito, a
conceituação de crime, o fato típico, o fato antijurídico a culpabilidade e oportunamente se
tratará das causas que geram a inimputabilidade penal, tema que oportunamente se coadunará
com a problemática em questão; posteriormente, se verificará a importante questão da
diferenciação de institutos no âmbito penal e processual penal em confronto com o Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei que tutela como o próprio nome já faz menção, as crianças e
os adolescentes; e finalmente no terceiro e último capítulo será definitivamente abordada a
questão do rebaixamento da imputabilidade penal para dezesseis anos ou a permanência da
idade de dezoito anos para a responsabilização criminal de qualquer cidadão brasileiro.
Os adeptos à redução da imputabilidade penal firmam-se fortemente na
argumentação que caso seja diminuída a idade penal, o jovem se sentirá intimidado a praticar
qualquer ilícito, em virtude de poder ser aplicada ao mesmo medidas penais sancionatórias
cabíveis igualmente como acontece com o adultos nos dias atuais.
Embasam-se ainda, que o adolescente possui grau de discernimento suficiente para
compreender o correto do errado, ou seja, já é capaz de distinguir o que é matar alguém ou
que subtrair coisa alheia é imoral e antijurídico, portanto inexistindo a figura da inocência em
decorrência da idade que possui.
Por fim mencionam, que se este mesmo jovem de dezesseis anos de idade, possui
discernimento para exercer a sua cidadania através do voto praticando desta feita atos
extremamente essenciais, como eleger o Presidente da República do seu país, até o Vereador
da cidade onde mora, merece receber punição condizente como adulto fosse para os atos que
venha a praticar.
Entretanto, os contrários à redução da maioridade penal, que se condensa na grande
maioria dos estudiosos e juristas, aduzem que em nada solucionará a problemática da
violência à adoção da medida, pois somente se aglomerarão jovens juntamente com
criminosos de alta periculosidade em penitenciárias, não havendo a ressocialização do menor
e, outrossim, agravando o número da massa carcerária.
Discute-se nesta corrente que o jovem já é tutelado por uma Lei, qual seja, o Estatuto
da Criança e do Adolescente, e este quando bem aplicado, com as suas medidas sócio-
educativas, integra novamente o jovem infrator ao cerne da comunidade.
Pelo exposto, se verá que as teses contrária e favorável à diminuição da idade penal
chocam-se brutalmente, devendo a pesquisa dissociar os pontos divergentes e demonstrar à
coletividade que há maneiras de amenizar a onda de violência e constrangimento que devasta
o país, se medidas conjuntas e prudentes forem tomadas.
Diante da polêmica gerada em torno da criminalidade juvenil, o presente trabalho
buscará a melhor compreensão acerca da corrente contrária à redução da maioridade penal e
opostamente mostrará a argumentação que embasa a corrente favorável à redução da
maioridade penal, a fim de apresentar e explicar à sociedade alguns dos pontos sólidos e
obscuros de ambos os lados, e, por conseguinte, direcionar a tal questão, ou ao menos
dissolver os equívocos e obscuridades que rondam o assunto que virá ao debate.
Por ser a redução da imputabilidade penal uma questão de suma importância e que
merece a atenção de todas as classes e setores da sociedade, a pesquisa será realizada em
âmbito nacional, trazendo os mais variados embasamentos a respeito da discussão.
1. FATO PUNÍVEL PELA TEORIA DO DELITO
1.1 CONCEITO DE CRIME
A vida em sociedade requer normas que orientem e disciplinem seus agentes para que
os mesmos possam viver em harmonia, sem transgredirem regras essenciais a uma boa
convivência em conjunto.
O complexo de normas e regras que possui a finalidade de estabelecer as condutas a
serem exigidas pelos indivíduos é denominado Direito Positivo. Este direito deve ser
rigorosamente executado e seguido pelos indivíduos que vivem sob as leis comuns, o corpo
social, pois caso estas leis não sejam seguidas corretamente, haverá penas e conseqüências
contra os transgressores que afrontarem e desobedecerem tais conceitos.
O conjunto de princípios e normas disciplinadoras das condutas dos integrantes de
uma sociedade, estabelecidas pelo Estado, que define as infrações, estabelecendo as penas
respectivas a serem cumpridas e o modo de execução das mesmas, pela qual o agente infrator
será submetido, é o ramo do Direito Público, qual seja, o Direito Penal.
O Direito Penal, a fim de nortear e regulamentar a conduta dos indivíduos, descreve e
conceitua suas normas e penalidades, vindo o agente, transgressor de certo comportamento a
ser punido e responsabilizado pelo jus puniendi do Estado.
Para que haja responsabilização e punição do sujeito pela prática de determinado ato
esta ação deve constituir-se em uma ação típica, antijurídica e culpável.
De acordo com o ensinamento do nobre doutrinador Noronha:
A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder
objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem
jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação
social. Considera-se, então, o delito como a ação típica antijurídica e
culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendendo também a
omissão a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao
direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo
ou culpa) (NORONHA, 1998, p. 97).
Conforme se depreende do conceito citado, para que determinada conduta praticada
por um indivíduo, seja considerada delituosa, esta ação deve ser típica, antijurídica e culpável,
sendo este último elemento pressuposto para a imposição da pena e não propriamente
elemento do crime.
Para a existência do crime é necessária uma conduta humana
positiva (ação em sentido estrito) ou negativa (omissão). É necessário,
ainda, que essa conduta seja típica, que esteja descrita na lei como
infração penal. Por fim, só haverá crime se o fato for antijurídico,
contrário ao direito por não estar protegido por causa que exclua sua
injuridicidade. Assim, são características do crime, sob o aspecto
analítico:
a) a tipicidade;
b) a antijuridicidade.
A culpabilidade [...] não é característica, aspecto ou elemento
do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela
reprovabilidade da conduta.
Anote-se, porém, que, para a maioria da doutrina, embora o
juízo de reprovabilidade tenha como destinatário o agente, ele é
construído a partir do fato concreto, que “é o suporte que exprime uma
contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma”, e,
assim, como diz David Teixeira de Azevedo, “não se encontra o juízo
normativo, portanto, desligado do fato, a recair isoladamente sobre o
sujeito”, o que, segundo o jurista, justifica o conceito tri-partido do
crime (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) (MIRABETE,
1999, p. 98).
De acordo com o conceito do Nobre Doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete, em sua obra
acima citada, os elementos primordiais do crime são o fato típico e o fato antijurídico.
Contudo a análise da condição “culpabilidade” faz-se mister em decorrência da estreita
ligação entre o fato típico e a antijuridicidade. Analisando para tanto, necessário se faz o
estudo das Teorias do Delito.
1.2 TEORIAS DO DELITO
1.2.1 Teoria Causalista
A Teoria Causalista, também é chamada de Teoria Naturalista, Teoria Clássica e
Teoria Causal-naturalista, para esta teoria, a conduta vem a ser o procedimento humano que
deriva da vontade espontânea no espaço externo, consistindo em fazer ou não fazer
determinados atos.
Conforme a orientação desta doutrina, a ação é tida como um simples fator de
causalidade, uma produção da conseqüência, em decorrência do emprego de forças físicas.
Desta feita, a conduta é tida como uma exteriorização de atividades ou o não fazimento, a
abstenção de certo comportamento.
Para os seguidores da Teoria Causalista é infrutífero saber se o resultado de um fato
típico fora ocasionado pela vontade do indivíduo ou se fora provocado em virtude de uma
atividade culposa, restando apenas averiguar quem de fato fora o causador material (Cf.
GONÇALVEZ, 1999, p. 34-35).
O entendimento de Eugênio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli acerca da Teoria
Causalista consubstancia-se assim:
No início, o conceito causalista de conduta apoiou-se sobre a base filosófica do
positivismo mecanicista, herdado das concepções da Ilustração e, portanto
tributário das concepções de Newton. Tudo são causas e efeitos, dentro de um
grande mecanismo que é o universo, e a conduta humana, como parte dele,
também é uma sucessão de causas e efeitos. Esta é, em última análise, a base
filosófica do sistema construído por Franz von Liszt e por Ernst von Beling
(sistema de Liszt-Beling).
O segundo momento filosófico tem lugar quando se descarta a filosofia
positivista, o que provocava a destruição do sistema se sua base filosófica de
sustentação não fosse rapidamente substituída. Esta nova base filosófica (o
segundo momento filosófico do causalismo) é oferecida pelo neokantismo de
Baden. Se a primeira foi chamada de estrutura clássica do delito, a segunda
costuma-se chamar de estrutura neoclássica, desenvolvida em sua máxima
expressão por Mezger.
Para o conceito positivista da teoria causal da ação, esta é uma enervação
muscular, isto é, um movimento voluntário – não reflexo, mas no qual é
irrelevante ou prescindível o fim a que esta vontade se dirige. De acordo com
este conceito, haveria uma ação homicida se um sujeito disparasse sobre outro
com vontade de pressionar o gatilho, sem que fosse necessário levar em conta a
finalidade a que se propunha ao fazê-lo, porque essa finalidade não pertencia à
conduta (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 421– 422).
Os Causalistas analisam pura e simplesmente o comportamento do agente, sem a
análise decorrente da ilicitude ou culpabilidade, assim, os mesmos defendem que a ação é a
revelação da espontaneidade, da vontade sem cunho finalístico.
Critica-se essa posição clássica. Nos termos propostos pelos
causalistas, o conceito jurídico penal da conduta humana difere do
conceito real. Está-se cindindo um fenômeno real, separando-se a ação
voluntária de seu conteúdo (o fim do agente ao praticar a ação) e
ignorando-se que toda ação humana tem sempre um fim. Isso implica
dificuldade, por exemplo, na conceituação da tentativa, pois a
tipicidade desta exige que se verifique de imediato a finalidade da
ação. Também não se pode explicar convenientemente pela Teoria
Tradicional a tipicidade quando o tipo penal contém elementos
subjetivos (finalidade da ação, ânimo do agente, etc.), que fazem parte
da própria descrição legal e onde a vontade final do agente está
indissoluvelmente ligada a sua ação (MIRABETE, 1999, p. 102).
Conforme vislumbrado, a Teoria Causalista sofre imensas críticas em decorrência da
não análise da finalidade da conduta, pois se porventura uma pessoa guiando o seu automóvel,
com cuidado e presteza, viesse a atropelar um suicida que se jogara em cima do carro, vindo o
mesmo a falecer, o condutor do veículo, que não pretendeu o resultado morte do indivíduo,
responderia pelo crime capitulado no artigo 121 do Código Penal, sendo responsabilizado pela
prática do crime de homicídio.
1.2.2 Teoria Finalista
A Teoria Finalista da Conduta ou Teoria da Ação Finalista argumenta que toda a ação
praticada por qualquer indivíduo tem finalidade.
Esta Teoria é totalmente contrária à Teoria Causalista, pois esta como já fora mostrado
anteriormente, alega que para se analisar a conduta do agente não é necessário a visualização
da finalidade do ato praticado. Cometido determinado ato, independente da vontade, ou
conduta do agente, o mesmo sofrerá as devidas sanções.
Para os finalistas, em decorrência de todo o comportamento do homem possuir uma
finalidade propícia à prática de certo comportamento, a conduta é tida como um exercício
humano, e não meramente um comportamento causal como pregam os causalistas.
Na lição de Mirabete:
A conduta realiza-se mediante a manifestação da vontade
dirigida a um fim. O conteúdo da vontade está na ação, é a vontade
dirigida a um fim, e integra a própria conduta e assim deve ser
apreciada judicialmente.
Em suma, a vontade constitui elemento indispensável à ação
típica de qualquer crime, sendo seu próprio cerne. Isso, entretanto, não
tem o condão de deslocar para o âmbito da ação típica, igualmente o
exame do conteúdo da formação dessa vontade, estudo que há de se
reservar à culpabilidade (MIRABETE, 1999, p. 103).
Exemplificando o entendimento da Teoria Finalista, se em virtude do manejo de
arma de fogo, para a limpeza da mesma, o agente A sem as cautelas necessárias a tal prática,
atinge o agente B, vindo este a falecer; o agente A será responsabilizado pela prática de
homicídio culposo, em virtude de não ter tornado a circunstância segura e não ter agido com a
cautela necessária. Enquadramento diverso seria, se o agente A premeditadamente dispara o
gatilho da arma de fogo, vindo a atingir B, que vem a falecer, aquele estará incorrendo no
crime de homicídio doloso. Não haveria como cogitar a hipótese de haver fato típico, quando
determinado indivíduo praticando o esporte de tiro ao alvo em um clube acerta sem querer
uma pessoa que se encontrava escondida atrás das placas de alvo, pois neste caso, houve culpa
exclusiva da vítima (Cf. MIRABETE, 1999, p. 103).
Para a Teoria Finalista [...], não se pode dissociar a ação da
vontade do agente, já que a conduta é precedida de um raciocínio que
o leva a realizá-la ou não. Em suma, conduta é o comportamento
humano, voluntário e consciente (doloso ou culposo) dirigido a uma
finalidade. Assim, o dolo e a culpa fazem parte da primeira conduta
(que é o primeiro requisito do fato típico) e, dessa forma, quando
ausentes o fato é atípico.
Percebe-se, portanto, que para a Teoria Finalista o dolo e a
culpa se deslocaram da culpabilidade (Teoria Clássica) para a conduta
e, portanto, para o fato típico (GONÇALVEZ, 1999, p. 36).
Posto a Teoria Finalista expressar melhor a logicidade da análise do crime, é a teoria
atualmente adotada, em virtude de considerar necessária a análise da vontade do agente em
praticar determinado crime.
1.2.3 Teoria Social da Ação
A Teoria Social da Ação, também denominada Teoria da Ação Socialmente
Adequada, ou Teoria da Adequação Social ou Normativa tentou ser um meio termo entre a
Teoria Causalista e a Teoria Finalista.
Para a Teoria Social da Ação, que não é adotada pela legislação brasileira, o cerne da
questão é a análise da relevância social da vontade humana e também a relevância de
determinado crime perante a sociedade.
A Teoria Social da Ação [...] baseia-se na afirmação de que
não é qualquer ação que pode ser proibida pelo Direito Penal, mas
somente aquelas que têm sentido social, isto é, que transcendem a
terceiros, fazendo parte do interacionar humano; apenas as ações que
fazem parte desta interação podem interessar ao Direito Penal, e não
aquelas que não transcendem o âmbito individual (escovar os dentes,
barbear-se, etc.).
Um pouco mais adiante, dentro desta concepção, chega-se a
sustentar que somente podem ser ações com relevância penal as que
perturbam a ordem social e que por definição, devem formar parte
desta interação.
No seio desta teoria (cuja origem está em Eberhard Schmidt),
move-se um sentimento liberal: a pretensão de que não é ação aquilo
que não transcende do indivíduo e não é socialmente perturbador
implica uma limitação ao legislador.
Em nosso direito vigente, como nas legislações de todos os
Estados de Direito, acha-se proibida a tipificação de ações que não
transcendam o sujeito, mas não porque não sejam ações, e sim porque
não se admite a tipicidade de qualquer conduta que não afete bens
jurídicos.
Em síntese, o que esta teoria faz é colocar problemas de
tipicidade no nível pré-típico, raciocínio que iniludivelmente leva à
conclusão de que o conceito de conduta é elaborado de acordo com os
requisitos típicos (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 425-426).
Os seguidores da Teoria Social da Ação valorizam tão somente a relevância social da
conduta, assim, se a ação praticada por determinada pessoa for lesiva à sociedade e
moralmente condenável, a ação terá importância para o Direito Penal.
Exemplo característico para o entendimento da Teoria Social da Ação ocorre quando,
um médico com o intuito de salvar determinado paciente para resguardar sua vida, faz incisão
no mesmo. Apesar da ocorrência de uma lesão corporal (artigo 129 do Código Penal), esta
ação não é relevante para o Direito Penal, posto não afetar o senso de moralidade e justiça da
sociedade.
Assim, na Teoria em análise, desde o princípio da prática da conduta, a ação
socialmente relevante está afastada do tipo penal, em virtude de estar em conformidade com
as normas sociais.
A Teoria Social da Ação sofre críticas em decorrência da objeção criada no momento
da conceituação do termo relevância social da conduta, pois este conceito é altamente
maculado de subjetivismo, ou seja, deveria sempre ser usado o juízo de valor.
1.3 O FATO TÍPICO
Tendo adotado o Código Penal, a Teoria Finalista, o crime é tratado como
fato típico e antijurídico.
Para haver fato típico deve existir a prévia previsão legal da conduta caracterizada
como crime, conforme se depreende do artigo 1º do Código Penal, “não há crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Deflagra-se neste dispositivo, o chamado princípio da legalidade ou da reserva
legal que também encontra escopo jurídico em nossa Constituição Federal de 1988 no artigo
5º, XXXIX, nestes moldes, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”.
Assim, o fato típico é o procedimento humano, que desafia, geralmente, um
resultado e é previsto como infração penal. Podemos exemplificar o fato típico da seguinte
maneira: o indivíduo A desfere tiros no indivíduo B, vindo este a falecer. Houve no caso em
tela, um fato típico, ou seja, a prática de uma conduta que se enquadra num tipo penal previsto
abstratamente no artigo 121 do Código Penal.
Tal princípio a muito faz parte no mundo jurídico, veja-se:
O princípio da legalidade ou reserva legal, cujo antecedente histórico mais citado é o artigo
39 da Carta Magna do Rei João Sem Terra (1215), surgiu, no Direito Penal Moderno, como fruto do
pensamento liberal da época do Iluminismo. Proclamou-o Beccaria, em seu famoso livro Dos Delitos e
das Penas (1764). Adotaram-no o Bill of Rights da Filadélfia (1772), a Declaração de Direitos da Virgínia
e a Constituição de Maryland (1776). Consagrou-o a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, e a Constituição Francesa de 1791. Aparece nas legislações penais da Áustria (1787), da Prússia
(1799) e da França (1810), estendendo-se depois para todo o mundo.
O princípio foi sintetizado por Feuerbach, no início do Século XIX,
com a conhecida fórmula latina nullum crimen nulla poena sine lege.
No Brasil independente, acolheram-no todas as Constituições e
Códigos Penais. Na Carta de 1988 está inscrito no inciso XXXIX do
artigo 5º.
São desdobramentos do princípio da legalidade: a exigência de lei
anterior ao fato (lex praevia); a exclusão do direito consuetudinário
(lex scripta); a proibição da analogia (lex stricta); e a
inadmissibilidade de leis indeterminadas (lex certa).
O princípio da reserva legal se reflete na tipicidade.
Tipo é a descrição da conduta contida na lei.
Diz-se típico o fato que coincide com o tipo penal, ajustando-se à
conduta nele descrita. Se não há essa coincidência, trata-se de fato
atípico, a salvo de qualquer sanção penal a despeito de sua eventual
imoralidade (BASTOS JÚNIOR, 1998, p. 13).
Desta feita, ocorrendo o cometimento de certa conduta por um agente, há a
necessidade que a mesma esteja definida legalmente como crime, havendo adequação do fato
ao tipo penal, assim, o princípio da legalidade estará preservado.
Além da tipicidade, compõe o fato típico:
a) conduta (ação ou omissão);
b) o resultado e
c) a relação de causalidade ou nexo causal.
O fato concreto deve apresentar todos os elementos mencionados, pois caso contrário,
o fato não é típico, portanto não pode ser considerado como crime. Ressalva acontece no caso
da tentativa, em que o resultado naturalístico não ocorre (Cf. MIRABETE, 1999, p. 101).
A composição e a estruturação do crime sofrem estreita diferenciação em decorrência
da teoria do delito adotada, em relação ao primeiro elemento do fato típico, ou seja, a conduta.
Portanto, adotada a Teoria Causalista, a Teoria Finalista ou a Teoria Social da Ação, haverá
sintomáticas divergências em virtude dos temas que abordam a conduta, o dolo, a culpa e a
culpabilidade. O estudo das teorias ora mencionadas torna-se de extrema importância, não
obstante já haver entendimento quase pacífico no sentido de que a Parte Geral do Código
Penal, que fora reformulada em 1984, tenha adotado a Teoria Finalista da Ação (Cf.
GONÇALVEZ, 1999, p. 34).
1.4 FATO ANTIJURÍDICO
Para a caracterização do crime, é imprescindível a aparição da
antijuridicidade. A ação delituosa deve ser antijurídica, isto é,
contrária ao direito, e desta forma para que esteja caracterizada é
indispensável que sobre o delito recaia a reprovabilidade do
ordenamento jurídico.
Sabemos que a antijuridicidade, como elemento estruturador
do fato punível, representa a oposição do comportamento a uma
norma legal (antijuridicidade formal). E que, sob o aspecto material,
representa contrariedade do fato às condições vitais de coexistência
social. Seu conceito é obtido por exclusão: será antijurídica toda ação
típica que não encontrar uma causa, na própria lei, que a justifique.
Logo, a tipicidade não é certeza de antijuridicidade, mas apenas
indício (SALLES JÚNIOR, 1998, p. 60).
A antijuridicidade é a contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento
legal. Todavia, em algumas hipóteses mencionadas na lei, apesar de ocorrido determinado
fato típico, o mesmo não será considerado antijurídico, em virtude da existência das
excludentes de ilicitude expressas no ordenamento legal, especificamente no artigo 23 do
Código Penal. São elas: “ I - o estado de necessidade; II - a legítima defesa; III - o estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito”.
Portanto, conforme a previsão do artigo 23, não há crime quando o indivíduo
pratica a conduta em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do
dever legal ou em virtude do exercício regular do direito, pois nestes casos a lei autoriza a
prática das condutas abstratamente previstas como crime em determinadas circunstâncias e
desta feita, não havendo a antijuridicidade faltará um dos elementos componentes do crime.
Conforme ensina Damásio de Jesus: A antijuridicidade formal é a simples contradição entre o fato praticado pelo sujeito e a
norma de proibição. A antijuridicidade material é a existente na conduta humana que fere o interesse
tutelado pela norma. Prender um perigoso bandido sem mandado e sem flagrante é formalmente
antijurídico e materialmente jurídico. Não se justifica um conceito de antijuridicidade formal em
contradição a um conceito material de ilicitude. A primeira confunde-se com a tipicidade. Portanto, não
existe ilicitude formal. Existe um comportamento típico que pode ou não ser ilícito em face do juízo de
valor. A antijuridicidade é sempre material, constituindo a lesão de um interesse penalmente protegido
(JESUS, 1999, p. 86).
Na antijuridicidade formal há uma diferenciação entre o comportamento do
indivíduo e a ordem da norma, emergindo da própria definição legal da ação delituosa. A
antijuridicidade material refere-se à valorização da conduta frente ao interesse da Sociedade,
exteriorizado, representado pelo conjunto do ordenamento jurídico (Cf. BASTOS JÚNIOR, p.
87).
1.4.1 Estado de Necessidade
O estado de necessidade é a primeira causa excludente da antijuridicidade
elencada no artigo 23 do Código Penal e subordina-se a certos requisitos que se encontram
elencados no artigo 24 do Código Penal.
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,
cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o
dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito
ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terço.
O estado de necessidade se configura pela conduta de determinado agente em atingir
bem jurídico de terceiro inocente, com o intuito de resguardar bem próprio ou alheio, de
perigo certo, atual. Possui os seguintes requisitos, quais sejam: a) a existência de perigo atual;
b) que o perigo existente não tenha sido provocado pelo agente; c) que o dano seja inevitável,
ou a qualquer custo o agente não poderia evitar; d) a proporcionalidade entre os bens em
conflito; e) inexistência do dever legal em enfrentar o perigo (§ 1º). Desta feita, preenchidos
os requisitos do artigo 24 do Código Penal, o agente, apesar de típica sua ação, encontra
licitude na mesma (Cf. REALE JÚNIOR, 2002, p. 161-162).
Conforme leciona Miguel Reale Júnior:
No estado de necessidade o agente, para salvar direito próprio ou de outrem, sacrifica direito de terceiro inocente, desde que não haja outro meio, menos ou não prejudicial, e idôneo a evitar o dano. Se havia outro meio idôneo a evitar o dano, não prejudicial ou menos prejudicial que o último, devia o agente ter pelo menos optado. Não fica ao livre arbítrio do agente, por encontrar-se na iminência de sofrer um dano, a escolha do meio mais conveniente. O direito é que determina a escolha: o meio deve ser o não prejudicial e, se apenas houver vários prejudiciais, o que menos o é. Se houver meio não prejudicial, é lógico que a este deve recorrer o agente, deixando de haver, evidentemente, comportamento necessitado. A inevitabilidade refere-se ao meio não ao comportamento em si, pelo que a expressão “nem pode de outro modo evitar” não se refere ao poder do agente de evitar o comportamento sofrendo do dano, pois esta questão constitui um juízo de valor. A expressão tem um sentido exclusivamente objetivo: a exigência de ser o único meio, ou o meio menos prejudicial para evitar o dano. Seria preferível usar a expressão “evitar o dano”, pois o perigo já existe, não cabendo, portanto, ao agente evitá-lo, mas sim a sua conseqüência (REALE JÚNIOR, 2002, p. 166-167).
Conforme se entende, a conduta do agente na prática do fato necessitado só é tida
como legítima e nos moldes da lei, quando no momento da ação do mesmo, não havia outro
meio possível para se evitar o dano.
Para que opere o efeito de excludente de ilicitude, o estado de necessidade deve ser
provado no curso de uma ação penal, pois a simples alegação não opera nenhum valor. Assim,
em decorrência do ônus probatório incumbir a quem alegar, se a acusação na denúncia,
imputa ao acusado a pratica de determinado ato, ao autor da devida ação, caberá a prova.
Contudo, se o réu se defende, alegando o estado de necessidade, a ele incumbirá a prova do
fato extintivo, numa verdadeira inversão do ônus probatório (Cf. SALLES JÚNIOR, 1998, p.
63).
1.4.2 Legítima Defesa
A legítima defesa é a segunda excludente de antijuridicidade descrita no artigo 23, II,
do Código Penal, sendo seus requisitos regulados e descritos no artigo 25 do Código Penal.
O artigo 25 do Código Penal conceitua o que vem a ser a legítima defesa e descreve os
seus requisitos para que a mesma se configure, assim, “entende -se em legítima defesa quem,
usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem”.
Os requisitos vislumbrados no artigo 25 do Código Penal são: a) agressão injusta, atual
ou iminente; b) a defesa de um direito próprio ou alheio e c) a moderação no uso dos meios à
repulsa.
Segundo De Plácido e Silva, agressão é a ofensa física contra pessoa, como a ofensa
decorrente de palavras e gestos, com intenção injuriosa (Cf. SILVA, 1999, p.49).
A agressão para ser considerada, no caso da legítima defesa, é a proveniente do ser
humano, pois a reação ao ataque de um irracional caracteriza o estado de necessidade.
Contudo, se determinado animal é utilizado por um agente com o intuito de agressão ao
oponente (pessoa humana), ocorrerá caso de legítima defesa. Em regra, manifesta-se através
de uma ação positiva, mas há casos em que se materializa pela omissão, como o exemplo de
um convidado que, recusando-se em atender ordens do dono da casa, retira-se em razão do
inconveniente sofrido (Cf. BASTOS JÚNIOR, 1998, p. 95).
Além de a agressão ser injusta, a mesma deve ser atual ou iminente, assim, está agindo
conforme o Direito, quem repele agressão sofrida no momento atual, isto é, aquela agressão
que está acontecendo no exato momento da ação. Da mesma forma, está amparado
legalmente, aquele que repele agressão iminente, tida como aquela que está preste a
acontecer.
Aquele que repelir injusta agressão, atual ou iminente, defendendo a si próprio ou a
outra pessoa, com moderação dos meios empregados, estará amparado pela excludente de
ilicitude em tela.
Podem ser objetos da legítima defesa todos os bens jurídicos e não apenas a
integridade física ou a vida. Assim, a liberdade física ou sexual, a privacidade do lar e no
trabalho, o patrimônio e até mesmo a honra podem ser objetos da legítima defesa em
decorrência de exigirem imediata repulsa contra o agressor (Cf. REALE JÚNIOR, 2002,
p.158).
1.4.3 Estrito Cumprimento do Dever Legal
Conforme dispõe o artigo 23, III, do Código Penal (1a parte), quando o indivíduo age
em estrito cumprimento do dever legal não há crime, por tratar-se de uma excludente de
ilicitude.
A excludente de ilicitude descrita no artigo ora mencionado requer que a execução da
conduta seja feita por um funcionário ou agente público que age por ordem da lei, também é
admitida a conduta do particular que exerce função pública, como o jurado, o mesário da
Justiça Eleitoral, etc (Cf. MIRABETE, 1999, p.189).
Somente existe a caracterização da excludente quando há um dever imposto pelo
direito objetivo. As obrigações de natureza social, moral ou religiosa, não determinadas pela
lei, não se inserem na justificativa. O dever pode estar expresso em um regulamento, decreto
ou qualquer ato emanado do Poder Público, desde que possua caráter geral (Cf. JESUS, 1999,
p. 89).
A lei impõe a certos agentes a prática de condutas típicas, porém estas não se
apresentam revestidas de antijuridicidade: como a autoridade policial que priva alguém de sua
liberdade, cumprindo ordem de prisão (CPP, art. 301); a autoridade judiciária que adentra em
residência alheia, sem autorização de quem de direito, com o intuito de efetuar determinada
busca (CF, art. 5º, XI, última parte, CPP, arts. 240 e 293); o oficial de justiça que executa
ordem de despejo; os fiscais sanitaristas e bombeiros, que em decorrência das suas atividades
de inspeção, são obrigados à violação de domicílios; o policial que usa força necessária para
evitar fugas de indivíduos legalmente detidos (Cf. BASTOS JÚNIOR, 1998, p. 103).
A excludente exige a total atuação do agente executor dentro dos estritos limites do
dever legal, pois caso extravase tais limitações, a conduta será considerada ilícita [...]. A
execução da conduta sofre limitações na própria lei, e, portanto, tudo o que ultrapassar o seu
limite representa excesso de poder e sendo assim, não estará juridicamente amparado,
havendo a necessidade de punição (Cf. SALLES JÚNIOR, 1998, p.67-68).
1.4.4 Exercício Regular do Direito
O exercício regular do direito é a última causa de exclusão de ilicitude contida no
artigo 23, III, do Código Penal e sendo assim, não constitui ilícito.
O exercício regular do direito consiste no poder do agente em praticar determinadas
condutas conferidas pelo ordenamento legal, desta maneira, o agente possui a faculdade de
agir conforme o direito. Cometidas determinadas ações, estas não serão consideradas ilícitas,
em virtude do agente somente estar exercitando uma prerrogativa a ele conferida pela lei (Cf.
GONÇALVEZ, 1999, p.81).
Podemos exemplificar a excludente de ilicitude em tela com os seguintes casos: a
prisão em flagrante por particular (CPP, art. 301); o desforço incontinente, isto é, a
manutenção ou restituição da posse, desde que imediata, pela própria força, em caso de
turbação ou esbulho (art. 1.210, § 1º, CC); o penhor legal (art. 1.470, CC); a retenção da coisa
pelo depositário de boa-fé, como garantia do pagamento de benfeitorias (art. 644, CC); a
correção dos filhos por parte dos pais, etc (Cf. MIRABETE, 1999, p.190).
1.5 CULPABILIDADE
Para que a pena seja devidamente imposta, além do fato ser típico e antijurídico, é
necessária uma avaliação acerca da culpabilidade, se o agente deve ou não responder pelo fato
praticado (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 76).
Conforme o ensinamento de Fernando Capez:
culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito (CAPEZ. Apud. MIRABETE, 1999, p.197)
A culpabilidade é a reprovação da conduta típica e antijurídica. Assim, toda pena
supõe culpabilidade, de modo que não pode vir a ser punido aquele que atua sem
culpabilidade, e ainda, a pena não pode ser superior a medida da culpabilidade. Desta
maneira, há entendimento que em nenhum caso se pode admitir uma pena superior ao que
permite a culpabilidade, nem por motivos de ressocialização, nem por proteção à sociedade
frente ao delinqüente (Cf. MIRABETE, 1999, p.197).
A teoria adotada pelo Código Penal é a Teoria Limitada da Culpabilidade. Esta teoria
considera que o erro sobre circunstância de fato (discriminante putativa) é erro de tipo,
enquanto aquele que incide sobre a existência ou limites de uma causa de justificação é erro
de proibição (Cf. REALE JÚNIOR, 2002, p. 203-204).
Para esta teoria, a culpabilidade, que não é requisito do crime, mas sim pressuposto da
pena, possui os seguintes elementos:
a) imputabilidade;
b) potencial conhecimento da ilicitude e
c) exigibilidade de conduta diversa (Cf. GONÇALVEZ, 1999, p. 86).
1.5.1 Imputabilidade
Existe a imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de seus
atos e de agir de acordo com esse entendimento. Somente é reprovável a conduta se o sujeito
possui certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do
fato e ainda, de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de
discernimento e de determinação é inimputável, havendo a eliminação da culpabilidade (Cf.
MIRABETE, 1999, p.210).
Para Cezar Roberto Bitencourt:
a imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável. Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações. Aliás, também nesse particular, foi feliz a Reforma Penal de 1984, ao abandonar a terminologia responsabilidade penal, equivocadamente utilizada pela redação original do Código Penal de 1940 (BITENCOURT, 1997, p. 323-324).
Assim, tem-se a imputabilidade como o conjunto de condições pessoais que fornecem
ao agente a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo
com esse entendimento, para que desta forma, seja juridicamente possível atribuir-lhe a culpa
por um fato punível (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 80).
O Código Penal não define a imputabilidade penal, contudo, por exclusão define as
causas que a afastam, mostrando em seu artigo 26 os motivos em que o agente é considerado
inimputável (Cf. BITENCOURT, 1997, p. 324).
Para estabelecer a inimputabilidade existem três critérios:
a) o biológico ou etiológico;
b) o psicológico;
c) o biopsicológico.
O critério biopsicológico foi adotado pelo Código Penal e consiste na junção dos dois
anteriores. Segundo este critério, para que o indivíduo seja considerado inimputável é preciso
que, em virtude da enfermidade ou deficiência mental, não possua ele no momento do fato o
entendimento ético-jurídico e autodeterminação que o faça suporte da reprimenda prevista na
legislação repressiva (Cf. SALLES JÚNIOR, 1998, p. 71).
1.5.1.1 A inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado
O artigo 26 anteriormente mencionado define as situações em que o agente é tido
como inimputável perante a lei, veja-se:
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O caput deste artigo menciona a primeira hipótese de exclusão da imputabilidade
penal, a doença mental. Apesar de vaga e sem maior rigor científico, a expressão “doença
mental”, abrange todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental, tais
como: a esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva, a paranóia, a demência senil, a psicose
alcoólica, a paralisia progressiva, a histeria, a arteriosclerose cerebral, etc (Cf. MIRABETE,
1999, p. 211).
O artigo 26, caput, ainda menciona que são inimputáveis aqueles que possuem o
desenvolvimento mental incompleto, sendo que este item será objeto de dispositivo
oportunamente exposto.
Também estão submetidos a este artigo, os surdos-mudos que não obtiveram instrução
adequada, pois o isolamento do surdo-mudo pode obstar o desenvolvimento mental e afetar a
capacidade de discernimento no campo intelectual e ético do mesmo. E finalmente, o
desenvolvimento mental retardado, que é o estado mental dos oligofrênicos (os débeis
mentais, os imbecis e os idiotas), que não possuem entendimento e por muitos são
equiparados aos doentes mentais (Cf. MIRABETE, 1999, p. 212).
1.5.1.2 Semi-imputabilidade ou imputabilidade diminuída
O parágrafo primeiro do artigo 26 do Código Penal descreve casos de imputabilidade
diminuída, assim deflagra-se em tal parágrafo:
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Os agentes que se encontram em tais situações são os chamados fronteiriços. Os
fronteiriços são denominados como sendo aqueles que se situam entre dois campos: o da
sanidade psíquica e o da doença mental. Para estes, o Código prevê a imposição de pena,
contudo, facultada a redução de um a dois terços. Temos como exemplo de imputabilidade
diminuída: formas menos graves de debilidade mental, certos intervalos lúcidos e o grupo das
chamadas personalidades psicopáticas (Cf. SALLES JÚNIOR, 1998, p. 72).
Para os inimputáveis e para os semi-imputáveis, há a imposição da medida de
segurança. Sendo que, os primeiros são isentos de pena, e os segundos, são objeto de punição
reduzida. Todavia, todos apresentam periculosidade, fundamento da medida de segurança (Cf.
SALLES JÚNIOR, 1998, p. 72).
A redução da pena é facultativa e não obrigatória. Isso se dá pelo fato da menor
culpabilidade poder se conformar, durante a realização do ato típico, com a própria conduta
do sujeito que, em hipótese alguma, pode ser tido como uma reprovação menor, e sim
decorrência natural de sua própria atuação (Cf. ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 634).
1.5.1.3 Menoridade Penal
A imputabilidade, por presunção legal, tem início aos dezoito anos e é absoluta, não
admitindo prova em contrário. A legislação brasileira, para definir a maioridade penal, adotou
o sistema biológico, ignorando o desenvolvimento mental do menor de dezoito anos,
considerando-o inimputável, independentemente do mesmo já possuir plena capacidade de
entendimento da ilicitude do fato ou de guiar-se segundo esse entendimento (Cf.
BITENCOURT, 1997, p. 326).
Desta maneira, segundo a Teoria Biológica, a meia noite e um minuto do aniversário
de dezoito anos de certa pessoa, a mesma, já é considerada imputável por qualquer ato ilícito
que venha a cometer, igual caso acontecerá, se determinado indivíduo inicia conduta típica
(seqüestro, por exemplo, ação que se perpetua no tempo), nos últimos dias dos seus dezessete
anos, porém torna-se imputável aos dezoitos anos quando ainda esta praticando tal conduta,
pois ainda não cessou a consumação do delito descrito.
Segundo dispõe o artigo 27 do Código Penal, “os menores de 18 (dezoito) anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Da mesma forma expressa o artigo 228 da Constituição Federal de 1988, “são
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial”.
Os fatos praticados por tais agentes podem ser típicos e antijurídicos, contudo,
despidos de culpabilidade, por carência do elemento imputabilidade. Os menores não
respondem por crimes, pois estão sujeitos à legislação especial, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n.º 8.069/90), que regula as sanções aplicáveis aos jovens infratores e prevê
a aplicação de medidas sócio-educativas. A menoridade penal não sofre influência alguma da
lei civil, de maneira que uma pessoa emancipada, menor de dezoito anos, caso pratique
determinado fato típico, continuará a ser tratada na esfera penal como inimputável (Cf.
SALLES JÚNIOR, 1998, p. 72).
A prova da menoridade penal, a princípio, se faz mediante a verificação do termo do
registro civil, já que se impõe a restrição à prova estabelecida na lei civil quanto ao estado das
pessoas, conforme expressa menção do artigo 155 do Diploma Processual Penal. O STF
editou a súmula 26, dispondo que “para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do
réu requer prova por documento hábil”. Todavia, existindo imensuráve l dúvida acerca da
idade de um sujeito que praticara determinado ilícito e não havendo nenhuma prova que
constate a sua idade, vigorara o princípio in dubio pro reo, impondo-se a absolvição ao agente
(Cf. MIRABETE, 1999, p. 218).
A punição, o regime jurídico aplicável, os procedimentos inerentes a ressocialização
do menor infrator e a viabilidade da redução da maioridade penal, serão objeto detalhado de
estudo dos capítulos seguintes desta monografia.
1.5.1.4 Embriaguez
Dentre as causas que podem diminuir ou excluir a culpabilidade penal, está a
embriaguez, desde que, seja completa ou acidental. A embriaguez é uma intoxicação
transitória e aguda causada pelo álcool ou substâncias análogas, tais como, a cocaína, a
maconha, etc., que impedem o sujeito da capacidade normal de entendimento (Cf.
BITENCOURT, 1997, p. 337).
O artigo 28, caput, II, § 1º e § 2º do Código Penal expressa:
Não excluem a imputabilidade penal: II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Há em nossa doutrina, a descrição das seguintes espécies de embriaguez: a) a
embriaguez não-acidental, que se subdivide em: a.1) embriaguez não-acidental voluntária e
a.b) não-acidental culposa; b) a embriaguez acidental advinda de caso fortuito; c) a
embriaguez acidental advinda de força maior; d) a embriaguez patológica e finalmente e) a
embriaguez preordenada (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 83).
Assim, para efeitos de imputabilidade as conseqüências referentes a cada espécie de
embriaguez são as seguintes:
a.1) embriaguez não-acidental voluntária: independente de ser completa ou incompleta, não
exclui a imputabilidade (art. 28, II);
a.2) embriaguez não-acidental culposa: da mesma forma que a anterior, seja completa ou
incompleta, não exclui a imputabilidade (art. 28, II);
b) embriaguez acidental advinda de caso fortuito: caso seja completa, exclui a imputabilidade
(art. 28, § 1º), se incompleta, o indivíduo responde pelo crime com diminuição da pena (art.
28, § 2º);
c) embriaguez acidental advinda de força maior: se a embriaguez for completa, exclui a
imputabilidade (art. 28, § 1º), caso seja incompleta, o indivíduo responde pelo crime com a
devida diminuição da pena;
d)embriaguez patológica: neste caso adentramos nos limites do art. 26 do Código Penal e seu
parágrafo, haja vista o mesmo versar sobre a capacidade de entendimento e determinação,
havendo, dependendo da ocasião, exclusão da imputabilidade ou diminuição da pena;
e) embriaguez preordenada: neste caso existe a responsabilidade do indivíduo acrescida de
uma agravante genérica (art. 61, II, l), pois o indivíduo se embriaga propositadamente para
cometer certo crime. Aqui há prevalência da teoria da actio libera in causa, isto é, quando o
sujeito deliberadamente se coloca em estado de inimputabilidade para cometer o delito (Cf.
SALLES JÚNIOR, 1998, p. 73).
1.5.2 Potencial Conhecimento da Ilicitude
O Código Penal em seu artigo 21, caput, expressamente dispõe que “o
desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de
pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.
O artigo em tela versa sobre a ignorância a respeito da lei penal. O sujeito supõe que
sua conduta seja lícita, pois desconhece a existência da lei penal que o proíbe. Há a figura do
princípio ignorantia legis neminem excusat, sendo que, promulgada e publicada uma lei,
torna-se ela imperiosa e obrigatória em relação a todos, sendo impossível que dentro do
mesmo Estado, as leis tenham validade para alguns em detrimento de outros (Cf.MIRABETE,
1999, p. 201).
Nestes moldes, o Diploma Penal estabelece que o desconhecimento da lei é
inescusável, presumindo a mesma, portanto, que todos são culpáveis. Acontece, todavia, que a
segunda parte do artigo em tela, determina que o erro sobre a ilicitude do fato se for
inevitável, isenta o indivíduo de pena, e, caso o fato possa ser evitado, a pena poderá ser
diminuída de um sexto a um terço (Cf. GONÇALVEZ, 1999, p. 92).
O erro sobre a ilicitude do fato nasce de uma equivocada compreensão da lei, levando
o sujeito erroneamente a pensar que o fato é permitido. Caso o erro seja inevitável, haverá
causa de isenção de pena. Contudo, se o erro puder ser evitado, ou seja, caso haja
possibilidade do agente em virtude das circunstâncias na ocasião, ter o discernimento da
ilicitude, a pena será diminuída. O simples desconhecimento da lei não isenta ninguém da
aplicação de pena (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 69).
O erro de proibição não tem relação com o desconhecimento da lei, pois se trata de
erro sobre a ilicitude do fato e não da lei, assim, não há erro no fato, mas sim erro sobre a sua
ilicitude. Podemos exemplificar da seguinte maneira: um indivíduo conhece a lei, porém se
equivoca, apreciando que determinada conduta não está inserida pela mesma. Neste contexto,
há uma falsa compreensão acerca do significado da norma, pois o indivíduo compreende o
fato, porém entende que este é lícito (Cf. GONÇALVEZ, 1999, p. 92).
Contrariamente, no erro de tipo, descrito no artigo 20 do Código Penal, há erro
decorrente do próprio fato, isto é, imaginar que objeto alheio é próprio, que mulher casada é
solteira, etc. Vê-se que o erro evitável não exclui a culpabilidade, porém diminui a pena (Cf.
GONÇALVEZ, 1999, p. 92).
1.5.3 Exigibilidade de Conduta Diversa
Em decorrência da exigibilidade de conduta diversa, o Código Penal prevê duas
situações onde há exclusão da culpabilidade: a coação irresistível e a obediência hierárquica,
sendo as duas disciplinadas no artigo 22 do mesmo diploma, ressalta-se que “se o fato é
cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestadamente
ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.
1.5.3.1Coação Irresistível
Coação irresistível é tudo aquilo que pressiona a vontade do agente impondo
determinado comportamento, subtraindo ou reduzindo o poder de escolha do mesmo, devendo
a irresistibilidade da coação ser medida pela gravidade do mal ameaçado (Cf. BITENCOURT,
1997, p. 331-332).
A coação irresistível pode ser dividida da seguinte forma: a) coação física irresistível
(vis corporalis ou vis absoluta) e b) coação moral irresistível (vis compulsiva).
A coação física irresistível acontece quando é empregada a força ou grave ameaça para
impor ao sujeito a pratica de um crime. Na coação física, o coator emprega forças que obstam
o agente de resistir em virtude de seus movimentos corpóreos ou sua abstenção de movimento
estar submetida fisicamente ao coator. São exemplos da coação física irresistível: o coator
amarrar o sujeito, para que o mesmo esteja impedido de atuar em um crime omissivo, como
prestar socorro a alguém que agoniza; o coator segurar a mão do coacto que pressiona o dedo
em arma de fogo que dispara e atinge desafeto (Cf. MIRABETE, 1999, p. 206).
Na coação irresistível moral existe vontade, embora seja viciada. A vontade do coacto
não é livre, embora possa decidir pelo que considere para si um mal menor. Deste modo,
trata-se de circunstância em que se exclui a culpabilidade, por não ser exigível do ameaçado
comportamento diverso. É indispensável que a ameaça seja irresistível, inevitável, uma força
que o coacto não possa se desvencilhar (Cf. MIRABETE, 1999, p. 207).
As condições de resistibilidade da ameaça devem ser analisadas concretamente,
levando-se em conta a gravidade da mesma relacionada com o mal prometido ao coacto (Cf.
MIRABETE, 1999, p. 207).
A ameaça geradora pode ter por objeto outras pessoas além do coacto, como os filhos,
parentes, amigos do mesmo. Sendo que esta coação pressupõe três elementos, quais sejam: o
agente, a vítima e o coator (Cf. MIRABETE, 1999, p. 207).
1.5.3.2 Obediência Hierárquica
A segunda causa excludente da culpabilidade descrita no artigo 22 do Código Penal é
a estrita obediência em ordem, que requer uma relação de direito público, e somente de direito
público. A hierarquia privada não é abrangida pelo dispositivo em questão (Cf.
BITENCOURT, 1997, p. 333).
Em virtude da subordinação hierárquica, o subordinado cumpre ordem do superior,
desde que esta não seja manifestadamente ilegal, podendo, todavia, ser apenas ilegal, pois se a
ordem for legal, o problema deixa de ser da órbita da culpabilidade, caracterizando causa de
exclusão de ilicitude (Cf. BITENCOURT, 1997, p. 333).
O inferior hierárquico ao efetuar a ação ordenada não o cumpre por imaginar que não
seja proibida, mas sim para obedecer à ordem do superior, sendo assim, uma causa de
justificação ou excludente de ilicitude (Cf. REALE JÚNIOR, 2002, p.200).
Em suma, para que o subordinado cumpra a ordem e se exclua a culpabilidade, é
mister:
a) que a ordem seja emanada de autoridade competente;
b) que tenha o agente atribuições para a prática do ato; e
c) não seja a ordem manifestadamente ilegal (Cf. MIRABETE, 1999, p. 208).
Para que a excludente de culpabilidade em tela aconteça é necessário que o agente
pratique o ato em estrita obediência à ordem, sendo responsabilizado pelo ato, aquele que se
excede na prática do mesmo (Cf. MIRABETE, 1999, p. 209).
2. A DIFERENÇA DA PUNIÇÃO DO CRIME E DO ATO INFRACIONAL
2.1 DO CRIME E DO ATO INFRACIONAL
O crime é a conduta praticada por um homem que lesa ou expõe a perigo um
bem jurídico tutelado pela lei penal. Seu cerne é a ofensa ao bem jurídico, porque toda norma
penal tem por finalidade sua proteção (Cf. NORONHA, 1998, p. 97).
Segundo a Teoria Finalista, adotada pelo Código Penal, conforme analisado no
Primeiro Capítulo desta monografia, crime é todo fato típico e antijurídico, sendo a
culpabilidade, apenas uma condição para a imposição da pena (Cf. BENEDETTI, 2002, p.
42).
Crime, nos dizeres de Mirabete se configura de tal forma:
É a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente
com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob
ameaça de pena, ou que se considere afastável, somente através da sanção penal (MIRABETE, 1999, p. 96).
Neste sentido, resumidamente, entende-se que haverá a aplicação de pena a
um crime quando a conduta for praticada por um agente imputável, que expressa com a sua
atitude uma periculosidade social. Esta conduta é considerada reprovável pelo legislador e
oposta a uma norma reconhecida pelo Estado perante a sociedade e que lesa bens jurídicos
sejam eles materiais ou essenciais (Cf. MIRABETE, 1999, p. 96).
No Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente no artigo 103, há a
figura do ato infracional, in verbis: “considera -se ato infracional a conduta descrita como
crime ou contravenção penal”.
No Brasil a maioridade penal é atingida pelos seus agentes aos dezoito anos e havendo
por estes o cometimento de um ilícito penal, haverá a obrigatoriedade da aplicação de uma
sanção imposta pelo Estado. Indivíduos que tenham idade abaixo da idade penal são
considerados inimputáveis e caso cometam uma conduta descrita como crime ou
contravenção haverá um ato infracional.
Em outras palavras, o ato infracional é simplesmente a maneira que o legislador
encontrou para diferenciar a conduta da criança ou jovem que cometem um ilícito
enquadrável como crime ou contravenção penal da conduta do adulto, maior de dezoito anos.
Assim, crianças e jovens infratores, cometem ato infracional, enquanto que adultos, cometem
crimes ou contravenções penais.
O pensamento do jurista Edson Sêda acerca do ato infracional se coaduna da
seguinte maneira:
A prática de ato infracional se dá quando as crianças e os adolescentes
agem como criminosos adultos. Nesses casos, crianças e adolescentes não recebem
pena, mas estão sujeitos a medidas especiais, garantidos direitos e deveres que lhes
são próprios.
A criança (que o Estatuto define como a pessoa até 12 anos) é
encaminhada ao Conselho Tutelar quando pratica ato infracional. O adolescente,
apanhado pela polícia praticando atos que são crimes quando adultos os praticam,
deve ser respeitado em seus direitos (como os adultos também o devem ser) e
chamado aos seus deveres (SÊDA, 1991, p. 29).
Nos moldes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Desembargador do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Napoleão X. do Amarante discorreu que quando o ato
da ação ou omissão tomar perfil dos ilícitos penais descritos no Código Penal, todavia forem
praticados por crianças ou jovens, estes serão considerados autores de ato infracional com
conseqüências perante a sociedade, porém com contornos diversos a respeito da
inimputabilidade e das medidas que serão aplicadas à correção dos mesmos (Cf.
AMARANTE, 2003, p.339).
2.2 PRISÃO EM FLAGRANTE
2.2.1 Prisão em Flagrante no Código de Processo Penal
A prisão em flagrante é uma forma de prisão processual, em virtude de ser decretada
antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, nas situações descritas e
permitidas pela lei (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002, p. 160).
O artigo 302 do Diploma Processual Penal enumera as hipóteses de cabimento da
prisão em flagrante, veja-se:
Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos
ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Em consonância com o inciso I, há o chamado flagrante próprio ou real,
quando determinado indivíduo é flagrado cometendo o crime, e, portanto, deve ser preso por
estar realizando os atos executórios da ação criminosa (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002, p.
160).
Da mesma maneira, há no inciso II, o flagrante próprio ou real, contudo nesta situação,
o indivíduo é flagrado ainda no local do crime, porém a prática da infração penal já está
terminada (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002, p. 160).
No inciso III, há a figura do flagrante impróprio ou quase-flagrante, em
conseqüência da perseguição do agente, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, logo após o cometimento de um crime, onde exista a presunção de autoria daquele.
Em tal hipótese, o sujeito fugira do local do crime, entretanto fora perseguido. Não existe a
necessidade da perseguição ter começado de imediato em decorrência da expressão “logo
após” envolver o tempo suficiente para que a polícia seja informada, tome as informações
acerca do acontecido, das características do envolvido e assim, saia à procura do mesmo. Não
existe prazo para a efetivação desta prisão, todavia a perseguição deve ser ininterrupta (Cf.
REIS; GONÇALVEZ, 2002, p. 160).
E por fim, o inciso IV demonstra a hipótese do flagrante presumido ou ficto. Nesta
esfera, o agente é encontrado, logo depois da prática delituosa, com instrumentos, objetos ou
armas que façam a entender ser ele o autor do crime. Não há perseguição, ocorre à localização
da pessoa, ainda que por acaso, na posse de coisas, que faça aparecer à desconfiança de ser a
mesma autora do delito (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002, p. 161).
Embora as expressões “logo após” empregada no flagrante impróprio e “ logo depois”
empregada no flagrante ficto sejam semelhantes, a doutrina tem entendido que o “logo
depois” comporta um lapso temporal maior do que o “logo após”. Assim, no flagrante ficto, é
dado ao juiz um elastério maior na apreciação, pois não houve fuga e perseguição e sim crime
e encontro, sendo a conexão de tempo muito mais estrita ou íntima (Cf. CAPEZ, 2002, p.230).
Tem-se desta maneira, que a prisão em flagrante é medida restritiva de liberdade, de
natureza cautelar e processual, independentemente de ordem escrita do magistrado
competente, de quem é surpreendido cometendo um crime, ou logo após, ou logo depois, do
cometimento do mesmo (Cf. CAPEZ, 2002, p.229).
2.2.2 Prisão em flagrante no Estatuto da Criança e do Adolescente
O artigo 172, caput, da Lei n.º 8.069/90 in verbis expressa que “o adolescente
apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade
policial competente”.
O dispositivo em tela versa sobre a apreensão de adolescente em razão de
flagrante de ato infracional, aplicando-se à espécie as normas contidas no Código de Processo
Penal referentes à prisão em flagrante, conforme conceito disposto no artigo 152 do Estatuto
da Criança e do Adolescente que menciona que aos procedimentos regulados neste estatuto
serão aplicadas subsidiariamente as normas gerais contidas na legislação processual pertinente
(Cf. MARÇURA, 2003, p. 529).
Nestes moldes, se considerará em flagrante de ato infracional o adolescente
que: a) encontra-se cometendo ato descrito como crime ou contravenção penal; b) acaba de
cometê-lo; c) é perseguido pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, logo após,
em situação que faça presumir ser o autor do ato infracional; d) é encontrado, logo depois,
com objetos, instrumentos, papéis, que façam presumir ser o autor do ato infracional (Cf.
MARÇURA, 2003, p. 529).
Realizada a apreensão, o adolescente deverá imediatamente ser encaminhado à
autoridade policial competente. Em se tratando de criança autora de ato infracional, o
encaminhamento será realizado ao Conselho Tutelar e à sua falta, à autoridade judiciária
competente, devendo a ocorrência ser registrada em uma repartição policial, sendo dispensada
a presença da criança (Cf. MARÇURA, 2003, p. 530).
Não se tratando de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita da
autoridade judiciária competente, a apreensão de criança ou adolescente, constitui crime,
punível com detenção de seis meses a dois anos. Incidirá na mesma pena aquele que procede à
apreensão sem observância das formalidades legais: artigos 106, 107 e 230 do Estatuto (Cf.
MARÇURA, 2003, p. 530).
A ordem de privação de liberdade do infrator deve emanar do juiz da infância e da
juventude ou do juiz que exerça esta função, sendo que a ordem oriunda de autoridade
incompetente materializa o constrangimento ilegal, remediável pelo habeas corpus (Cf.
MARÇURA, 2003, p. 528).
Em seu artigo 173, o Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se ao flagrante de
ato infracional cometido contra pessoa mediante violência ou grave ameaça, assim dispondo:
Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou
grave ameaça à pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos artigos
106, parágrafo único e 107, deverá:
I – lavrar auto de apreensão, ouvidas as testemunhas e o adolescente;
II – apreender o produto e os instrumentos da infração;
III – requisitar os exames ou perícias necessárias à comprovação da
materialidade e autoria da infração.
Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto
poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.
Constatada a prática de ato infracional por adolescente e efetuada a apreensão
em flagrante, a autoridade policial competente deverá, inicialmente, verificar se este ato fora
cometido mediante violência ou grave ameaça contra pessoa. Havendo tal situação, será
obrigatória a lavratura de um auto de apreensão, podendo, todavia ser lavrado um único auto,
dispondo sobre a apreensão e o flagrante caso o ato infracional seja praticado em co-autoria
com um indivíduo maior (Cf. MARÇURA, 2003, p. 530).
Caso o ato infracional não seja cometido mediante violência ou ameaça contra
pessoa é facultativa a elaboração do auto de apreensão, pois poderá ser efetuado um boletim
de ocorrência circunstanciado em substituição daquele (Cf. MARÇURA, 2003, p. 531).
Verificada pela autoridade policial que o ato imputado ao jovem não constitui
ato infracional, o mesmo deverá ser imediatamente liberado, sob pena de incidência do fato
descrito no artigo 234 do mesmo Estatuto. Ainda, deverá haver com o adolescente, a
observância das cautelas descritas nos artigos 106, parágrafo único e 107, pois caso contrário,
haverá os crimes tipificados nos artigos 230, parágrafo único e 231, ambos do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Cf. MARÇURA, 2003, p. 531).
2.3 TIPOS DE AÇÕES
2.3.1 Tipos de Ações no Código Penal e Processual Penal
Por ser o crime um fato que lesa direitos do sujeito e da sociedade é justo que ao
Estado caiba a tarefa de reprimi-lo com o exercício do jus puniendi, isto é, o Estado é portador
do direito subjetivo de punir, que não é ilimitado, posto estar vinculado ao direito objetivo,
tanto na imputação dos fatos típicos, como nas penas que serão aplicadas (Cf. BENEDETTI,
2002, p. 137).
Todavia, para que o Estado possa exercer o seu direito de punição é mister que haja
processo e julgamento, já que o mesmo está proibido de impor arbitrariamente a sanção ao
indivíduo. Desta feita, o Estado investido com o jus persequendi, tem o poder-dever de punir,
mediante uma ação devida, que corresponde ao exercício de um direito abstrato, o direito à
jurisdição (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 137).
Em nosso ordenamento penal existem as seguintes espécies de ações:
a) ação penal pública, que se subdivide em: ação pública incondicionada e ação
pública condicionada;
b) ação penal de iniciativa privada, que se subdivide em: ação penal privada
exclusiva; ação penal privada personalíssima e subsidiária da ação penal pública (Cf. REIS;
GONÇALVEZ, 2002, p. 16).
2.3.1.1 Ação Penal Pública
O caput do artigo 100 do Código Penal oferece as regras pertinentes à ação penal em
torno de sua classificação. Este dispositivo menciona que a ação penal pode ser pública ou
privada, desta forma, “a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara
privativa do ofendido”.
Conforme se depreende do artigo em menção, quando não houver disposição legal
acerca de determinado crime, a ação penal será pública, caso contrário, havendo a declaração
expressa da lei, a mesma será privativa do ofendido.
A ação penal pública sofre duas subdivisões muito importantes como já fora
explanado anteriormente, qual seja, pública incondicionada e pública condicionada.
A ação penal pública incondicionada é intentada pelo Ministério Público,
através da peça exordial da denúncia, bastando, para o seu oferecimento, indícios da autoria e
da materialidade do crime (Cf. NOGUEIRA, 2000, p. 83).
O Ministério Público promoverá a ação independentemente da vontade ou intromissão
de qualquer pessoa, para isso devem concorrer às condições da ação (possibilidade jurídica do
pedido, interesse de agir e legitimação para agir) e os pressupostos processuais (Cf. CAPEZ,
2002, p. 103).
Assim, o Ministério Público iniciará a ação sem a manifestação de vontade de
qualquer indivíduo, em virtude da conduta imputada a certo sujeito ter lesado um interesse
jurídico (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 138).
Da mesma maneira que a ação incondicionada, a ação condicionada é intentada pelo
representante do Ministério Público, entretanto, a ação pública condicionada subordina-se a
uma condição de procedibilidade: a representação do ofendido ou de seu representante legal
ou a requisição do Ministro da Justiça. Havendo a satisfação de tal condição, serão aplicados
os mesmos princípios informadores da ação incondicionada (Cf. COSTA JÚNIOR, 2000, p.
218).
A representação na ação pública condicionada refere-se à manifestação de vontade da
pessoa lesada ou de seu representante legal, autorizando o Ministério Público a desencadear a
persecução penal (Cf. MIRABETE, 1999, p. 372).
O direito à representação somente é tido pelo ofendido ou seu representante legal,
sendo irretratável depois de oferecida a denúncia, nos moldes do artigo 102 e do artigo 25
Código Penal do Código Penal, todavia, conforme preceitua o artigo 24, § 1º do Código de
Processo Penal, se o ofendido estiver morto ou for declarado ausente por decisão judicial, o
direito à representação será transferido ao cônjuge, ascendente, descendente ou seu irmão.
Poderá o ofendido renovar a representação, caso tenha se retratado, se ainda o prazo não tenha
expirado pelo instituto da decadência. Haverá nesta situação, a revogação da retratação,
chamada de retratação da retratação (Cf. MIRABETE, 1999, p. 373).
A representação deverá ser exercida no prazo de seis meses, conforme dispõe o artigo
103, primeira parte, do Código Penal e artigo 38, primeira parte do Diploma Processual Penal,
iniciado da data em que a vítima tomou conhecimento do autor do fato criminoso (Cf.
BENEDETTI, 2002, p. 138-139).
Em contrapartida, a ação é condicionada pela requisição do Ministro da Justiça em
determinados crimes tais como: crimes contra o honra do Presidente da República ou Chefe
de Governo estrangeiro e quando brasileiros estando em território estrangeiro são alvo de
crimes (Cf. COSTA JÚNIOR, 2000, p. 218).
A ação é promovida pelo Ministério Público, mas para que este possa intentá-la é
necessário que haja a requisição do Ministro da Justiça, pois sem este requisito é impossível o
início do processo, conforme o artigo 24 do Código de Processo Penal (Cf. CAPEZ, 2002,
p.116).
De forma semelhante à representação, a requisição não demanda forma especial,
devendo constar à expressão da vontade para o início da ação penal, a narração sucinta do
fato, a qualificação do autor e do ofendido e outras circunstâncias que se façam necessárias ao
caso (Cf. COSTA JÚNIOR, 2000, p. 218).
A lei submete a ação penal pública condicionada a referente requisição, posto
existirem outros interesses a serem atendidos e ainda, razões de cunho político que não podem
ser privadas da conveniência do Ministro da Justiça (Cf. NORONHA, 1998, p. 327).
O Código de Processo Penal não menciona nenhum prazo referente ao
oferecimento da requisição, desta maneira, se entende que o Ministro da Justiça poderá a
qualquer tempo ofertá-la, desde que a punibilidade do agente não tenha se extinguido. Ainda
quanto à requisição, não há retratação do Ministro da Justiça, tampouco vinculação da
requisição por parte do Ministério Público, em virtude deste ser o titular exclusivo da ação
penal pública, seja ela condicionada ou incondicionada (Cf. CAPEZ, 2002, p.117).
2.3.1.2 Ação Penal Privada
Nos moldes do artigo 30 do Código de Processo Penal e 100, § 2º do Código
Penal, a ação penal privada é intentada pelo ofendido ou seu representante legal, mediante a
queixa-crime confeccionada por advogado devidamente habilitado.
Caso o ofendido tenha falecido ou tenha sido declarado ausente por decisão
judicial, o direito de intentar a ação caberá ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão,
conforme dispõe o artigo 31 do diploma processual penal.
Para que o inquérito policial seja aberto é preciso o requerimento escrito da
vítima ou de seu representante legal. Após este procedimento inicial, será ofertada a queixa-
crime, peça semelhante à denúncia. Esta tem cabimento somente na ação penal pública,
enquanto aquela somente na privada, devendo ambas serem exercidas em juízo.
Conforme expressa o artigo 38 do Código Processual Penal, salvo por
disposição em contrário, o ofendido ou seu representante legal, decairão do direito de queixa
ou de representação, se não o exercerem no prazo de seis meses, iniciado tal prazo na data em
que souberam quem era o autor do crime, ou no caso do artigo 29, do dia em que se esgotar o
prazo para o oferecimento da denúncia caso este de ação penal privada subsidiária da pública
(Cf. TOURINHO FILHO, 2001, p.145).
A ação penal privada subdivide-se em três ações: ação penal privada exclusiva;
ação penal privada personalíssima e subsidiária da ação penal pública.
A ação penal privada exclusiva ou propriamente dita é aquela cujo exercício
compete ao ofendido ou seu representante legal. Em caso de morte do ofendido ou se o
mesmo tiver sido declarado ausente mediante decisão judicial, o direito de queixa ou de
prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (Cf. TOURINHO
FILHO, 2001, p.147).
A parte especial do Código Penal e a legislação penal especial detalham quais
os crimes cabíveis mediante ação penal privada exclusiva usando a expressão “só se procede
mediante queixa”, desta maneira, é de fácil identificação os crimes de ação penal privada
exclusiva (Cf. SMANIO, 1999, p.31).
Outra subdivisão da ação privada é a ação privada personalíssima. A
titularidade desta é atribuída única e exclusivamente ao ofendido, sendo vedado o exercício de
seu representante legal, inexistindo ainda a sucessão por morte do ofendido ou ausência deste.
Deste modo, ocorrendo a morte do ofendido ou declarada a sua ausência, nada nem ninguém
poderá intervir, posto ser um direito personalíssimo e intransmissível daquele. Assim, nesta
ação, é inaplicável o artigo 31, que trata do direito de prosseguir na ação em virtude da morte
ou ausência do ofendido e o artigo 34 do CPP que se refere ao exercício do representante legal
no caso do ofendido ser menor (Cf. CAPEZ, 2002, p. 125).
Em nosso ordenamento jurídico penal há somente duas espécies da ação penal
personalíssima, quais sejam, o crime de adultério previsto no artigo 240 do Código Penal,
com prazo decadencial de um mês contado da data da ciência do fato e o crime de
induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento, expresso no artigo 236, parágrafo
único do mesmo código (Cf. CAPEZ, 2002, p. 125). Nestes moldes, havendo a morte do
ofendido, haverá a extinção da punibilidade para o autor do crime, visto ser impossível a
substituição processual no pólo passivo da ação (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002, p. 16).
E por fim, temos a terceira forma da ação penal privada, a ação penal privada
subsidiária da pública. Esta modalidade de ação, disposta no artigo 5º, LIX, da Constituição
Federal, artigo 100, §3º, do Código Penal e artigo 29 do Código de Processo Penal, tem
cabimento nos casos de ação penal pública, quando o representante do Ministério Público não
oferece a denúncia no prazo legal. Nesta moldura, poderá a ação penal ser instaurada
mediante queixa do ofendido ou de seu representante legal (Cf. SMANIO, 1999, p.32).
A ação penal subsidiária somente tem cabimento havendo inércia do
representante do Ministério Publico, isto é, quando o mesmo, no prazo que lhe é concedido
para o oferecimento da denúncia, conforme expõe o artigo 46, caput, do Código de Processo
Penal, cinco dias estando o réu preso e quinze dias estando o réu solto ou afiançado, não a
apresenta, não requer diligências, tampouco pede o arquivamento da ação (Cf. MIRABETE,
1999, p. 379).
2.3.2 Tipos de Ações no Estatuto da Criança e do Adolescente
Os crimes definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente são apurados
única e exclusivamente mediante ação pública incondicionada, conforme o entendimento do
artigo 227 desta lei.
Neste contexto, não havendo a necessidade de postulação do interessado para
que a autoridade pública tome todas as atitudes necessárias à elucidação, apuração e
julgamento do fato ilícito, a autoridade policial, de ofício, tem a obrigação de promover a
abertura do inquérito policial, independentemente de provocação, bastando para tanto, o
conhecimento do fato, de acordo com o artigo 5º, I, do CPP (Cf. PONTES JÚNIOR, 2003,
p.750).
Está esculpido no artigo 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal uma garantia
constitucional de grande valia para o pedido de providências às autoridades competentes, ou
seja, neste dispositivo há a segurança do direito de petição, veja-se adiante, “são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
De acordo com o nobre doutrinador José Afonso da Silva, a garantia inserida
no artigo 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal, se materializa em reclamação, informação
ou aspiração dirigida a uma autoridade competente, cabendo em falta de resposta, mandado de
segurança (Cf. SILVA, 1992, p.388).
Havendo ciência do cometimento de ato infracional por menor, o representante
do Ministério Público, com base no artigo 180, III, do ECA, irá representar à autoridade
judiciária para que haja aplicação da medida sócio-educativa.
O Ministério Público exercita a ação sócio-educativa pública mediante o
oferecimento da representação. Esta peça constitui o início da ação sócio-educativa pública,
sendo o instrumento inicial de invocação da tutela jurisdicional, tendo por base a aplicação
coercitiva da sanção decorrente da prática, pelo menor, de conduta tipificada como crime ou
contravenção penal (Cf. GARRIDO DE PAULA, 2003, p.553).
O artigo 182 do Estatuto assim dispõe acerca da representação do Ministério
Público:
Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não
promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá a representação à
autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para a aplicação de
medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada.
§1º. A representação será oferecida por petição, que conterá breve resumo
dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de
testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela
autoridade judiciária.
§2º. A representação independe de prova pré-constituída da autoria e
materialidade.
Estabelece o artigo em análise, que a representação conterá um breve resumo dos fatos
ocorridos e a classificação do ato infracional e quando necessário, conterá um rol de
testemunhas. O ordenamento jurídico exige a narração dos fatos, para que o adolescente,
conhecendo a atribuição infracional tenha a condição de se defender plenamente. Quanto à
classificação do ato infracional, o artigo 103 do ECA, mencionado anteriormente, define o
mesmo como sendo a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Assim, a lei exige
que na representação haja o dispositivo do Código Penal, legislação penal ou contravenção
penal tipificador da conduta atribuída ao adolescente e acerca do número de testemunhas
descritas no rol da representação, haverá a aplicação subsidiária das normas processuais
penais (Cf. GARRIDO DE PAULA, 2003, p.554-555).
Tais requisitos devem ser observados e atendidos, tanto na representação escrita,
intentada pelo Ministério Público materializada em petição endereçada ao juiz competente,
como na representação oral, efetuada também pelo Ministério Público em sessão diária
estabelecida pela autoridade judiciária (Cf. GARRIDO DE PAULA, 2003, p.555).
Com base no artigo 183, do Estatuto, o prazo máximo e improrrogável para o
encerramento do procedimento judicial de apuração de ato infracional, será de quarenta e
cinco dias, estando o adolescente internado provisoriamente. Trata-se esta internação
provisória de uma privação da liberdade de natureza processual, decorrente da apreensão em
flagrante do menor ou de determinação judicial, tendo por fundamento a gravidade do ato
infracional e sua repercussão social, advindo a necessidade da garantia pessoal do menor e
conseqüentemente da ordem pública (Cf. GARRIDO DE PAULA, 2003, p.556).
2.4 PROCEDIMENTO
2.4.1 Suspensão Condicional do Processo na Lei 9.099/95 e Remissão no Estatuto da
Criança e do Adolescente
Dentro da lei que regulamenta os Juizados Especiais Criminais, está a
suspensão condicional do processo, que vem a ser uma espécie de benefício dado ao acusado
de ter seu processo durante um período de prova e ao término deste sem revogação extinta a
sua punibilidade. Parar tanto o acusado precisa preencher alguns requisitos, tais quais: a) o
crime em tela praticado pelo acusado deve ter a pena igual ou inferior a um ano; b) o acusado
não pode estar sendo processado e nem ter condenação por outro crime e c) devem estar
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena contidos no
artigo 77 do Código Penal.
O artigo 89 é uma inovação da referida lei, constituindo medida
despenalizadora. Este dispositivo de forma alguma afronta os princípios da presunção da
inocência, do contraditório e da ampla defesa, pois no instituto da suspensão condicional do
processo, o réu não é declarado culpado, além do mais, ao mesmo não é imposta nenhuma
pena, mas sim condições que o próprio se disporá a cumprir (Cf. REIS; GONÇALVEZ, 2002,
p. 76).
Os benefícios vislumbrados em circunstância da aplicação do artigo 89 são
evitar a prisão do acusado; não obrigá-lo ao constrangimento de comparecer perante a Justiça
Criminal diversas vezes e diminuir o volume de serviço judiciário, permitindo que a Justiça
cuide com maior presteza de outros casos (Cf. JESUS, 1997, p. 110).
De forma semelhante ao artigo 89 da Lei n. 9.099/95, há no Estatuto da
Criança e do Adolescente o instituto da remissão, disposto no artigo 126 de tal diploma, assim
exposto:
Antes de iniciado o procedimento judicial para a apuração de ato
infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão,
como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências
do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior
ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela
autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
O termo remissão é sinônimo de clemência, misericórdia, perdão. É também
utilizado como falta ou diminuição de rigor, falta de intensidade, de força. Em sintonia com o
artigo 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a remissão é entendida como forma de
exclusão, suspensão ou até mesmo extinção do processo de apuração de ato infracional e
assim como o princípio da oportunidade do processo penal, ela é uma maneira de evitar a
instauração do procedimento, suspendê-lo ou em último caso, extingui-lo, desde que
atendidas às circunstâncias e conseqüências do fato ao contexto social, à personalidade do
adolescente e quanto à sua participação no ato infracional (Cf. MIRABETE, 2003, p.425).
O doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete em seu comentário ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, posicionou-se na seguinte direção:
A remissão por exclusão do processo justifica-se quando o interesse de
defesa social assume valor inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e
eficácia do processo. Reserva-se assim, às hipóteses em que a infração não tem
caráter grave, quando o menor não apresenta antecedentes e quando a família, a
escola ou outras instituições de controle social não institucional já tiverem reagido
de forma adequada e construtiva ou seja provável que venham a reagir deste modo.
Instaurado o procedimento judicial, a remissão pode ser concedida como
forma de suspensão ou de extinção do processo. Nessas hipóteses, a competência
para concedê-la, com ou sem a aplicação das medidas previstas em lei, é da
autoridade judiciária, ouvido o representante do Ministério Público (MIRABETE,
2003, p.426).
Analisando tal artigo, vê-se que a remissão somente pode ser requerida pelo
representante do Ministério Público. Desta maneira, caso concedida, não haverá a instauração
do procedimento de apuração de ato infracional. Todavia, se já existe em trâmite um
procedimento judicial, a remissão poderá ser aplicada em qualquer fase do mesmo, desde que
anterior à sentença e servirá como forma de suspensão ou extinção de tal processo, desde que
para isso concorram alguns elementos, tais como: a análise da personalidade do infrator, como
fora a sua participação no ato infracional, a análise do contexto social, etc.
Como a remissão é medida exclusiva do representante do Ministério Público,
que ao invés de instaurar procedimento para apuração de ato infracional a concede, a mesma,
deverá estar fundamentada e tal pedido deverá ser homologado por autoridade judiciária, que
não concordando com o ato, remeterá os autos ao Procurador-Geral de Justiça, conforme
expressa o artigo 181, § 2º do Estatuto (Cf. MIRABETE, 2003, p.426).
2.5 APLICAÇÃO DA SANÇÃO
2.5.1 Aplicação das Penas no Código Penal
A pena tem um aspecto de reprimenda pelo mal praticado por determinada
pessoa à outra. Desta forma, possui em seu centro um aspecto de sanção e ainda de prevenção,
pois esta visa ao desestímulo de todos à prática do crime e ainda, dirige-se à recuperação do
condenado, procurando a ressocialização e a instrução, para que este não volte novamente à
delinqüir.
O ilustre Cesare Beccaria a muito já dissertava a respeito das penas:
As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se
uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de
uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por
eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranqüilidade. A
soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de
uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não
bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações privadas de
cada homem em particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a
porção que lhes cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se
necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada
homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos
sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores das leis (BECCARIA, 2000,
p. 41).
A pena, de acordo com Luiz Vicente Cernicchiaro possui tais contornos, salienta-se:
substancialmente consiste na perda ou privação de exercício do direito
relativo a um objeto jurídico; formalmente está vinculada ao princípio da reserva
legal, e somente é aplicada pelo Poder Judiciário, respeitado o princípio do
contraditório; e teleologicamente mostra-se, concomitantemente, castigo e defesa
social (CERNICCHIARO. Apud. MIRABETE, 1999, p. 246).
Deste conceito, entende-se que a pena é a sanção imposta àquele que infringe a
lei e aquela, quando bem aplicada devolve o indivíduo recuperado à sociedade, além de
possuir indiscutivelmente um papel preventivo coibindo novos delitos.
Em razão do artigo 32 do Diploma Penal, em nosso ordenamento jurídico há as
seguintes espécies de penas: as penas privativas de liberdade – reclusão e detenção – (arts. 33
e seguintes); as restritivas de direitos – prestação pecuniária, perda de bens e valores,
prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, interdição de direitos e a limitação
de fim de semana (art. 43); e a pena de multa (arts. 49 e seguintes) (Cf. GONÇALVES, 1999,
p.104).
A natureza jurídica da pena privativa de liberdade é a extração do direito à
liberdade do condenado, seja de forma mais ou menos branda. Esta pena impõe ao condenado
a restrição de sua liberdade, deixando-o em algum estabelecimento prisional por determinado
tempo, de acordo com o regime a ele imposto. São duas as penas privativas de liberdade: a
pena de reclusão e a pena de detenção. A pena de reclusão é mais rigorosa e é cumprida em
três regimes: o regime fechado, disposto no artigo 33, § 1º, a; o regime semi-aberto, disposto
no artigo 33, § 1º, b; e o regime aberto, disposto no artigo 33, § 1º, c, ambos do Código Penal.
A pena de detenção comporta somente dois regimes, quais sejam: o regime semi-aberto e o
regime aberto (Cf. NORONHA, 1998, p. 234).
Estarão sujeitos ao regime fechado, cumprido em penitenciária, os condenados
à reclusão reincidentes ou cuja pena a eles imposta seja superior a oito anos, conforme
preceitua o artigo 33, § 2º, a; iniciarão no regime semi-aberto, os condenados reincidentes à
pena de detenção, independente da quantidade, e os não reincidentes condenados à pena
superior a quatro anos e cumprirão tal sanção em colônia agrícola, industrial ou similar; e o
regime aberto, com escopo na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, será
concedido para aqueles condenados que tenham mais de setenta anos, para aqueles que
estiverem com alguma doença grave, ou em se tratando de condenada com filho menor ou
deficiente físico ou mental ou se a mesma for gestante, com base no artigo 117 da Lei n.º
7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), neste caso, somente deveriam retornar a um
estabelecimento adequado para o repouso noturno, contudo, devido a falta de vagas nos
estabelecimentos penais, a jurisprudência manifestou-se em sentido favorável à prisão
domiciliar (Cf. MIRABETE, 1999, p. 255-256-257).
Em face do parágrafo 2º do artigo 33, as penas privativas de liberdade deverão ser
executadas de maneira progressiva, segundo o mérito do condenado e observados alguns
critérios (Cf. MIRABETE, 1999, p. 255).
Seguindo o artigo 112 da LEP, o condenado poderá ser transferido para um regime
menos severo, após a decisão fundamentada do magistrado, precedida de parecer da Comissão
Técnica de Classificação e do exame criminológico, se necessário, desde que para tanto
concorram as seguintes condições: que o condenado tenha cumprido ao menos um sexto da
pena no regime anterior; e que seja reconhecido, por seu mérito, para que assim, seja
premiado com um regime prisional mais benigno (Cf. COSTA JÚNIOR, 2000, p. 132).
Em contrapartida, conforme o artigo 118 da LEP, haverá a transferência do condenado
para um regime mais rigoroso se o mesmo: praticar fato definido como crime doloso ou
cometer alguma falta grave ou sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena somada ao
restante da pena em execução, torne o regime desproporcional ou incabível. Na hipótese do
condenado estar cumprindo a pena em regime aberto, ocorrerá a regressão de regime se não
houver o pagamento da multa cumulativamente aplicada (Cf. BENEDETTI, 2002, p. 97).
Outra espécie de pena prevista em nosso ordenamento jurídico e vem disposta a partir
do artigo 43 do Código Penal são as penas restritivas de direitos, que são: a prestação
pecuniária; a perda de bens e valores; a prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas; a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana.
As penas restritivas de direitos consistem na inibição temporária de um ou mais
direitos do condenado, aplicada em substituição e cuja espécie escolhida tem relação direta
com a infração cometida (Cf. NORONHA, 1998, p. 242).
Tal pena é autônoma e substitui a pena privativa de liberdade por certas restrições e
obrigações impostas ao condenado. Desta feita, as restritivas de direitos têm caráter
substitutivo, pois não são previstas em abstrato no tipo penal, não podendo ser aplicadas
diretamente. Neste contexto, o juiz deverá aplicar ao condenado a pena privativa de liberdade
e estando presentes os requisitos legais substituí-la pela restritiva de direito, com base no
artigo 54 do Código Penal (Cf.GONÇALVES, 1999, p.114).
A Lei n.º 9.714/98, devido ao apelo da política criminal dos dias atuais, ampliou as
possibilidades de adoção das penas restritivas de direitos, aumentando as suas espécies e
estabelecendo que essas penas serão aplicadas de maneira autônoma, em substituição às
privativas de liberdade que não sejam superiores a quatro anos, desde que o crime não tenha
sido cometido com o emprego de violência ou grave ameaça, ou independente da pena, nos
crimes culposos; ainda, que o condenado não seja reincidente em crime doloso e por fim,
devem ser analisados os elementos subjetivos do mesmo, como: a culpabilidade, a
personalidade, os antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias que direcionem para a
substituição da pena (Cf. ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p.807-808).
Finalmente, prevista no artigo 32, III, e artigo 49 e seguintes, do Código Penal, temos
a pena de multa.
A pena de multa é uma modalidade de pena patrimonial, onde o condenado paga uma
importância correspondente para o fundo penitenciário, de no mínimo dez e no máximo
trezentos e sessenta dias-multa, baseado no cálculo correspondente a um trigésimo do salário
mínimo vigente à época em que fora sentenciado (Cf. NORONHA, 1998, p. 245).
A pena de multa possui a vantagem de respeitar a personalidade do condenado,
preservando-o do cárcere; não atinge a sua dignidade nem o afasta das suas habituais
ocupações; não acarreta ônus para o Estado, pois este não despende gastos e ainda arrecada
recursos. Entretanto, há na pena de multa desvantagens, como se achar desprovida de eficácia
intimidativa, sendo socialmente injusta, em virtude da pessoa mais pobre sentir o peso da
pena, enquanto uma pessoa mais rica nem saiba tal peso (Cf. COSTA JÚNIOR, 2000, p. 153).
2.5.2 Aplicação das Medidas Sócio-Educativas no Estatuto da Criança e do
Adolescente
As medidas sócio-educativas são instituídas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente em benefício do jovem autor de ato infracional. A finalidade destas medidas é a
reeducação do menor, fazendo com que o mesmo aprenda a orientar-se de acordo com as
normas vigentes na sociedade (Cf. SILVA, 2000, p. 163).
Nesse direcionamento, a proposta do Estatuto é de que no contexto da proteção
integral, o adolescente infrator, receba medidas sócio-educativas e não punitivas, com o
intuito de intervir no seu processo de desenvolvimento objetivando a melhor compreensão da
realidade e efetiva integração no meio social (Cf. MAIOR, 2003, p.378).
As medidas sócio-educativas instituídas pelo legislador encontram-se descritas no
artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente e são as seguintes:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviço à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI;
O rol do artigo em tela é taxativo e não meramente exemplificativo. Desta
maneira, o juiz não poderá aplicar ao adolescente infrator outras medidas além das
expressamente previstas no artigo mencionado (Cf. SILVA, 2000, p. 163).
As medidas sócio-educativas serão aplicadas ao jovem infrator pelo magistrado
ou promotor de justiça da infância e da juventude, sendo que este atuará somente na aplicação
das medidas descritas nos incisos I, II, III, IV e VII, quando o caso se tratar de remissão com
aplicação da medida (Cf. MAIOR, 2003, p.377).
A primeira medida sócio-educativa prevista é a advertência. Esta consiste em
uma admoestação verbal ao menor autor de ato infracional, documentada por meio de um
termo. Esta medida, diferentemente do que acontece com as outras, se esgota por si só com a
simples advertência da falta, entretanto, deverá estar embasada no procedimento descrito pelo
artigo 184 e seguintes do mesmo estatuto (Cf. SILVA, 2000, p. 165).
A segunda medida descrita no artigo em estudo é a obrigação do jovem infrator
em reparar o dano causado. Esta será possível quando da restituição da coisa subtraída;
quando for possível o ressarcimento pelo dano causado e na compensação do prejuízo da
vítima. A obrigação de reparar o dano terá espaço sempre que o ato infracional praticado
afetar à esfera patrimonial. Podemos exemplificar a situação da seguinte forma: um
adolescente furta uma bicicleta do quintal do seu vizinho, a medida sócio-educativa em
questão será aplicada, pois o adolescente infrator poderá devolver o bem ou pagar a
importância correspondente ao prejuízo do lesado. Contudo, havendo impossibilidade
financeira do agente a medida poderá ser substituída por outra que se mostre adequada, de
acordo com o artigo 116, parágrafo único do Estatuto (Cf. SILVA, 2000, p. 165-166).
A prestação de serviço à comunidade, terceira medida sócio-educativa,
corresponde à realização de trabalhos gratuitos de interesse coletivo, por lapso temporal não
superior a seis meses, em hospitais, creches, escolas e outros estabelecimentos semelhantes.
Estas tarefas serão dadas ao infrator, de acordo com as suas aptidões, que as exercerá em dias
úteis, sábados, domingos ou feriados, desde que não prejudique as atividades escolares do
mesmo e ainda, não exceda a oito horas semanais (Cf. SILVA, 2000, p. 166).
A medida sócio-educativa expressa no inciso IV do artigo 112 do Estatuto, é a
liberdade assistida. Consiste tal medida em submeter o autor do ato infracional a uma série de
condições no seu habitat, prévia e judicialmente estabelecidas, cujo cumprimento estará
subordinado a orientação de uma pessoa capacitada, designada pelo Juiz da Infância e
Juventude, chamada orientador. O tempo mínimo que o infrator ficará sujeito a tal medida é
seis meses, prazo que poderá ser prorrogado pela autoridade judiciária, ouvidos
respectivamente: o orientador, o representante do Ministério Público e o advogado do infrator
(Cf. SILVA, 2000, p. 167-168).
A inserção em regime de semiliberdade é a quinta medida e significa que o
infrator será privado parcialmente de sua liberdade permanecendo em uma instituição durante
algum tempo, até que cumpra o que lhe fora imposto. O regime de semiliberdade equivale ao
regime aberto do Direito Penal, em virtude do jovem estudar e trabalhar durante o período
diurno e somente recolher-se ao estabelecimento à noite (Cf. SILVA, 2000, p.168).
A medida de internação disposta no inciso VI é considerada a medida sócio-
educativa com os piores resultados e produz efeitos positivos menores no jovem. Neste caso,
há a segregação do infrator e, por conseguinte o projeto de melhora de vida escapa pelos vãos
dos dedos dos menores. Geralmente, estando privados da liberdade, convivem em ambiente
inadequados e estão propensos ao aprendizado junto a outros jovens infratores (Cf. MAIOR,
2003, p.379).
A internação se efetiva pelo recolhimento do menor, declarado por sentença, a
cumprir a medida em estabelecimento próprio para menores. É uma medida privativa de
liberdade, porque retira do agente o convívio social sujeitando-o a um regime fechado, com a
finalidade de aprendizado e recuperação (Cf. SILVA, 2000, p. 169).
As hipóteses legais que autorizam a internação do menor encontram-se
elencadas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que para aqueles que
já se encontram provisoriamente recolhidos em estabelecimentos juvenis o prazo máximo de
permanência para a conclusão do procedimento é de quarenta e cinco dias, nos moldes do
artigo 183 do mesmo diploma.
E por fim, o inciso VII trata de medidas legais previstas no artigo 101. Estas
medidas serão impostas a crianças, ou seja, menores de doze anos, quando estas forem autoras
de atos infracionais. Assim, quando crianças praticarem atos infracionais, as medidas
pertinentes serão as dispostas no artigo 101 e seus incisos e jamais o artigo 112 do referido
Estatuto.
3. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
RETROCESSO OU A NECESSIDADE DE TAL MEDIDA
Atualmente, vive-se em uma sociedade onde as pessoas se encontram cercadas
pela insegurança e pelo medo em decorrência da violência que assola o país. A violência,
chaga social, consome grandes e pequenos centros, aterroriza ricos, pobres, brancos, negros,
destrói sonhos, afugenta esperanças. Enfim, tornou-se uma epidemia que urgentemente
precisa ser controlada mediante a atitude conjunta do Poder Público e da população, estes
atuando efetivamente nos meios de educação, cultura, criando oportunidades de
desenvolvimento e de forma repressiva no combate à criminalidade.
Em meio a toda esta incerteza causada dentre muitos fatores, pela ausência de
segurança pública e paz social, surge um clamor vindo da população, em virtude desta não
agüentar mais tanta falta de respeito e descaso para com os seus direitos. A população vê seus
últimos segundos de vida se esvaírem pelo ralo da injustiça e indiferença.Tais vozes gritam
por justiça, estas vozes gritam para que a impunidade não impere!
O autor Roque de Brito Alves discorre sobre o tema da violência da seguinte maneira:
a violência é mais resultante da atual sociedade nitidamente criminógena
que, através da predominância de valores materiais – dinheiro, sexo, lucro, busca de
status econômico – sobre valores éticos, religiosos, jurídicos, vai aumentar ou
multiplicar os estímulos criminosos no ser humano, por ser uma civilização material,
plena de fatores favoráveis ou mesmo sensivelmente predisponentes ao delito. Na
sociedade atual, [...] o homem sente-se cada vez mais inseguro, pois a cada
momento está vivendo numa sociedade complexa dirigida por sistemas, ideologias,
sempre sufocado, escravo e coagido, reduzido à ínfima condição, a um simples
número, a um anônimo da grande multidão, sem afetividade ou solidariedade.
Complexo de elementos, de causas, de situações, de pressões que tornam mais fácil
a explosão ou a exteriorização de sua agressividade natural.[...] Então, para a
violação da lei penal será somente mais um passo, em virtude das contínuas pressões
culturais, oriundas da sociedade, que experimenta, não podendo mais resisti-las e
procurando superá-las pelo delito (ALVES, 1998, p. 341).
A respeito do mesmo conteúdo dispõe Edmundo de Oliveira, in verbis:
O mundo moderno coloca o Direito diante da necessidade de restabelecer
a segurança e a paz, sem arranhar a justiça, sem violar os direitos fundamentais da
humanidade. Poderíamos viver bem melhor, se soubéssemos realizar a conciliação
dos valores do indivíduo e da sociedade, no sentido de evitar que a pobreza e a
miséria tornem ilusória a igualdade perante a lei (OLIVEIRA, 1997, p.2).
Dentre muita insatisfação existente em nosso país, gerada por diversas
situações, vê-se todos os dias nos noticiários fatos estúpidos, crimes bárbaros que afligem e
comovem a todos. Diante de mais um noticiário, a nação assistiu estupefata e cobriu-se de
comoção e sensibilidade frente à ciência do brutal assassinato do casal Felipe Silva Caffé, de
dezenove anos e de sua namorada, Liana Friedenbach, de dezesseis anos, ambos assassinados
no mês de Novembro, na cidade de Embu-Guaçu, no Estado de São Paulo.
Tal crime poderia ser visto como mais um a adentrar nas estatísticas criminais, mais
um delito praticado em um grande centro. Contudo, não fora desta forma, dados os requintes
de crueldade empregados ao extermínio das vítimas e mais surpreendente pelo fato do autor
ser menor de dezoito anos.
Dada tal situação, renasceu a polêmica acerca da redução da maioridade penal. Hoje,
tanto a maioridade civil quanto a penal são alcançadas pelos cidadãos, quando estes atingem
dezoito anos de idade. A controvérsia no campo penal surge em decorrência de determinada
porção da sociedade bradar para que a idade de responsabilização dos indivíduos seja
reduzida para dezesseis anos de idade.
Os posicionamentos contra e a favor da redução da maioridade penal são o enfoque
desse capítulo. Assim, a discussão sobre o rebaixamento da imputabilidade penal que ronda a
sociedade, o meio político, jurídico, religioso e tantos outros grupos serão abordados dentro
das argumentações das teses contrárias à redução e favorável a ela.
3.1 POSICIONAMENTO CONTRÁRIO À REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
O posicionamento contrário ao rebaixamento da idade penal para dezesseis
anos se faz à maioria dentre os estudiosos e juristas do Brasil. Estes possuem argumentos
sólidos e robustos que lhes garante a defesa de tal tese.
Alguns pontos que esta grande massa ataca e condena ineficaz é que a redução
da maioridade penal constituir-se-ia em uma falsa ilusão de controle à violência em virtude de
colocar os autores dos delitos em uma punição visível e imediata, porém inócua perante a
comunidade, expondo-os ainda em fase de desenvolvimento ao aprendizado efetivo das
técnicas do crime com marginais de alto grau de periculosidade. Alegam ainda, que os jovens
infratores não saem impunes dos atos que praticam, visto a aplicação das medidas sócio-
educativas constantes no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A explosão da violência e do pânico traz a idéia de que a criminalidade será
vencida através do endurecimento da lei penal vigente. Aqueles que não acreditam que a
simples redução da maioridade penal será a “varinha mágica” solucionadora dos problemas
atuais, devem levantar trincheiras para resistir contra propostas semeadas pelo medo, pois o
agravamento da punição não só é inútil enquanto política criminal, como também na verdade
constitui a punição criminal da pobreza (Cf. SADY, 2003, p. 63).
A abordagem da redução da maioridade penal muitas vezes acontece dada às
falhas do Estado, do Poder Público, da família e da sociedade, que têm por obrigação garantir
os direitos fundamentais dos menores e não o fazem. Nestes moldes, tentam cobrir suas falhas
e deslizes, que se tornam perante todos gritantes e vergonhosas, exigindo que a maioridade
seja reduzida, como “cano de escape” para a dissolução da problemática (Cf. SANTOS,
2004).
O atual Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em discurso proferido na
cerimônia da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente condenou a
redução da maioridade penal, veja-se:
Até entendo que um pai e uma mãe machucados pela morte brutal de um
filho possam reagir emocionalmente. Todos que estamos aqui poderemos reagir
emocionalmente e querer vingança, se acontecer algo com um filho, um parente
próximo ou conhecido próximo. Agora, o Estado, não. Não pode reagir
emocionalmente. O Estado, através de suas instituições, tem de fazer justiça e
precisa julgar sem nenhuma paixão, porque, senão, continuaremos a cometer erros
neste País (MONTEIRO 2004).
É totalmente aceitável a revolta existente nas famílias e nos lares brasileiros
devido ao fato da violência ou marginalidade ter afetado a todos sem distinção e sem freios.
Entretanto, segundo a maioria dos doutrinadores e juristas, torna-se inconcebível tentar
resolver a criminalidade, simplesmente com o rebaixamento da idade penal.
José Heitor dos Santos, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo,
pronunciou-se da seguinte maneira:
[...] pretendem alguns reduzir a maioridade penal, tentando, com a
proposta, diminuir sua culpa e eliminar os problemas da criminalidade, esquecendo-
se, porém, além de tantos outros aspectos, que metade da população é composta de
crianças e adolescentes, os quais, contudo, são autores de apenas 10% dos crimes
praticados. A proposta de redução busca encobrir as falhas dos Poderes, das
Instituições, da Família, da Sociedade e, de outro lado, revela a falta de coragem de
muitos em enfrentar o problema na sua raiz, cumprindo ou compelindo os faltosos a
cumprir com seus deveres, o que é lamentável, pois preferem atingir os mais fracos
– crianças e adolescentes – que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o
auxílio da família (SANTOS, 2004).
Ruth Duarte, Promotora de Justiça no Estado de Goiás e Frederico Duarte,
advogado, sobre o tema da redução dissertaram:
A proposta reducionista paira na contramão dos acontecimentos, na
medida em que propõe meios de penalização e aflição, fomentada pelo calor de
situações estanques, utilizadas como canal de repressão, haja vista que é mais fácil
reprimir do que educar, proporcionar oportunidade. A juventude no Brasil precisa de
escolas, de moradias dignas, de expectativa de vida, de profissionalização e não mais
de leis simbólicas que nada significam, senão descaso político e ignorância social
das causas reais que originam a delinqüência (DUARTE; DUARTE, 2004).
O foco principal do problema que merece e precisa urgentemente ser estancado nasce
no cerne social. Para tanto, precisa-se de uma política social efetiva, um alto investimento por
parte do Governo em educação, saúde e meios que possam gerar oportunidades aos jovens,
para que estes não se sintam tentados a entrar no mundo do crime, e não puramente legal,
bastando para tanto a mudança das leis, pois tal situação, ou seja, a simples mudança de uma
lei com o rebaixamento da idade penal somente traria resultado a curto tempo, gerando após
este lapso, outros possíveis grandes problemas.
De acordo com o artigo 228 da Constituição Federal de 1988, “são penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, de forma
semelhante o artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente expressa que “são
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta
Lei”, e ainda, o artigo 27 do Código Penal declara igualmente que “os menores de dezoito
anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação
especial”.
Note-se que apesar da repetição, ambos os artigos são claros em expressar que, o
menor de dezoito anos é inimputável, porém estará sujeito às normas de sua legislação, qual
seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente e de forma alguma sairá ileso caso tenha
praticado um ato infracional.
Aliás, a sensação de impunidade talvez seja sentida de forma errônea, posto a
ignorância e o não conhecimento das regras pertinentes aplicadas aos jovens infratores. O
Estatuto da Criança e do Adolescente, ao usufruir a teoria da proteção integral, olha a criança
e o adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e por isso, oferece
proteção diferenciada, especializada e de modo integral. Tal diploma legal não tem a intenção
de cultivar a impunidade de jovens autores de atos infracionais, tanto que inseriu no corpo de
seu texto diversas medidas que quando aplicadas corretamente, equivalem-se às penas
aplicadas aos adultos (Cf. SANTOS, 2004).
Nos moldes do entendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se omite
perante a impunidade, o Nobre Desembargador Antônio Fernando do Amaral e Silva expôs:
O que precisa ficar claro, de uma vez por todas, é que o Estatuto da
Criança e do Adolescente não compactua com a delinqüência, com a impunidade. É
um sistema justo (científico e jurídico) em que os jovens só podem ser
responsabilizados com a observância das garantias constitucionais e do devido
processo legal, o que ninguém recusa ao pior e mais perigoso dos delinqüentes
adultos (ARAÚJO, 2003, p. 64).
Luiz Augusto Coutinho, ex-professor da Universidade Federal da Bahia e advogado
criminalista no mesmo Estado comenta o mesmo episódio do seguinte modo:
É falsa a sensação de impunidade dos menores afinal o Estatuto da
Criança e do Adolescente foi criado em consonância com o espírito dos organismos
internacionais voltados ao problema da juventude em conflito com a lei. Nunca é
demais anotar que a Carta Política, demonstrou especial preocupação com a criança
e o adolescente, demonstrando a necessidade do Estado em tutelar esse segmento da
população (COUTINHO, 2004).
O legislador, quando da elaboração dos artigos que dispõe a respeito da
inimputabilidade, manteve-se fiel ao princípio de que o indivíduo menor de dezoito anos não
possui discernimento mental completo suficiente para entender o caráter ilícito dos atos que
pratica. Devido a isto, adotou-se o sistema biológico, onde é analisada unicamente a idade do
agente, independentemente de qualquer análise da sua capacidade psíquica (Cf. JORGE,
2004).
Não há dúvida que sob todos os prismas um adolescente não possui maturidade
completa para determinar-se defronte o caráter ilícito de um crime e por este motivo não deve
ser comparado a um adulto criminoso. O jovem ainda possui a sua personalidade em
construção, em desenvolvimento, possui um senso de entendimento parcialmente formado, e
para tanto se encontra em desigual condição quando comparado a um adulto (Cf.
COUTINHO, 2004).
Juiz da Infância e da Juventude no Rio Grande Do Sul, João Batista Costa Saraiva,
dispõe sobre a capacidade de discernimento do jovem e da criança, in verbis:
Considerando o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à
informação, é evidente que qualquer jovem, aos 16, 14 ou 12 anos de idade é capaz
de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Aliás, até mesmo crianças
pequenas sabem que não se pode matar, que machucar o outro é “feio”. O velho
Catecismo Romano já considerava os sete anos como “idade da razão”, a partir da
qual é possível cometer um pecado mortal. Esse raciocínio sobre o discernimento,
levado às últimas conseqüências, pode chegar à conclusão de que uma criança,
independente da idade que possua, deva ser submetida ao processo penal e,
eventualmente, recolhida a um presídio, desde que seja capaz de distinguir o “bem”
do “mal” (SARAIVA, 2004).
Certamente um dos pontos mais discutidos acerca da redução da maioridade
penal é o discernimento do jovem sobre a ilicitude de um fato. Vive-se em uma época
dominada pela tecnologia, acesso rápido à informação, a televisão integrante em quase todos
os lares. Contudo, conforme argumento contrário à redução, não é porque um adolescente
possui variada gama de informações que o mesmo está pronto para enfrentar as situações
cotidianas da mesma forma que enfrentaria um adulto.
Como bem salienta o Juiz da Infância e da Juventude, Dr. João Batista Costa
Saraiva:
O jovem de 1890 teria maior ou menor discernimento que hoje? Se a
matéria evoluiu para uma atenção diferenciada, em um País em que as diferenças
sociais são abissais, isso revela uma evolução política criminal, conceito dissociado
da idéia de discernimento (SARAIVA, 2004).
Apesar do forte ataque ao ponto referente ao discernimento do jovem, se faz mister
salientar que este está em fase de desenvolvimento físico e psicológico e para tanto merece e
precisa se sentir protegido e amparado no seio da sociedade.
Caso a hipótese da redução fosse atendida e virasse a regra em nosso
ordenamento jurídico. Qual idade colocar-se-ia em vigência? Dezesseis anos? Para muitos a
resposta seria esplêndida, mas como não seria empecilho e obstáculo para o impedimento da
crescente violência, a mesma continuaria a aumentar até que certo momento alguém proporia
uma nova redução, e assim em pouco tempo haveria a hipótese de crianças cumprindo pena!
Para Ariel de Castro Alves, presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo:
Uma pesquisa feita pela Organização Internacional do Trabalho
demonstrou que há um grande número de crianças de 8 a 12 anos atuando no tráfico.
É cada vez menor a idade de ingresso no mundo do delito. Para esses casos, o que a
sociedade vai propor? Assim, um dia teremos berçários presídios. A sociedade
precisa enfrentar isso ouvindo especialista, elaborando políticas sociais preventivas,
sem propostas demagógicas. Todos os dias morrem dezenas de adolescentes
assassinados por meninos da mesma idade. Somente quando há casos envolvendo
autoridades ou pessoas da classe média a questão é levantada (NAVES; BASTOS,
2004).
O jovem necessita da proteção integral do Estado, para que este lhe forneça
meios necessários a sua sobrevivência e lhe propicie condições de vida. Porém, caso o
adolescente pratique algum ato infracional, deverá ser tomadas todas as medidas pertinentes
para o cumprimento de sua falta, com o intuito do aprendizado e para que com a experiência
vivida não volte mais a delinqüir.
Ademais, aduzem os estudiosos, que se a hipótese de redução da maioridade
penal fosse aceita em nosso ordenamento pátrio, os jovens condenados pelos seus atos,
aumentariam o número da massa carcerária, agravando ainda mais a situação que hoje já se
encontra caótica e no seu limite.
E estes jovens, talvez condenados por um furto simples como exemplo, seriam
inseridos em um sistema penitenciário “recheado” de in divíduos de má procedência. A sanção
imposta com a finalidade de reeducação e posteriormente a reintegração do jovem detento não
alcançaria mais o seu objetivo, mas sim seria um aprendizado do mesmo voltado a novas
experiências criminais.
Segundo Mário Volpi, do Unicef:
O adolescente incluído mais cedo no sistema carcerário tem cada vez
menor chance de recuperar-se. Ninguém entra no sistema e fica sozinho. Existem
grupos de controle interno e o adolescente certamente terá que se ingressar em
algum deles. Assim, ingressa definitivamente no universo do delito (NAVES;
BASTOS, 2004).
É notório e sabido por todos, que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se
desestruturado e hipossuficiente. A pena perdeu o seu caráter de exemplaridade para com os
demais cidadãos, em virtude de o condenado transformar o presídio em seu território de
superioridade, de mandos e desmandos. As prisões não estão cumprindo a sua função, não
separam mais o joio do trigo, tendo como imperioso a proteção da sociedade (Cf. PORTO,
2003, p. 55).
Tamanha é a desestrutura e precariedade das penitenciárias e
conseqüentemente a desordem proporcionada pelos presos no interior das penitenciárias, que
ocorreu no dia 18 de Fevereiro de 2003, no Estado de São Paulo e fora amplamente mostrada
em diversos canais de televisão e outros meios de comunicação, à bagunça e violência
ocorrida em tal sistema. O Primeiro Comando da Capital (PCC), desencadeou uma
megarrebelião em vinte e nove penitenciárias, onde os presos tomaram todos os setores
reivindicando vários requisitos, o que restou em oito mortos e vinte e dois feridos (Cf.
PORTO, 2003, p. 57).
Observa-se na atual conjuntura um sistema penitenciário desacreditado e
totalmente desprovido de estrutura básica em relação à saúde, ocupação, entretenimento e
higiene dos presos. O setor em tela não oferece aos detentos as mínimas condições de
dignidade e de regeneração à comunidade após o cumprimento da pena em observância ao
delito praticado.
Destarte, com todos os problemas preexistentes nos interiores das celas, a
hipótese de rebaixamento da maioridade penal e posteriormente a punição dos jovens com o
encaminhamento destes às grades seria uma bomba em contagem regressiva, que estourando
afetaria a todos com efeitos irreversíveis.
Priscila Brum tece o devido comentário em relação à inserção de jovens em
centros penitenciários:
O sistema penal encontra-se falido, não obtendo nenhuma eficácia junto
aos adultos. A prisão não reeduca nem ressocializa, perverte e corrompe. Os adultos
ficam nestes espaços privados de liberdade sendo torturados, desrespeitados e
massacrados. Não existe nenhum investimento nessas pessoas. Então, por que
adicionar os adolescentes a esse sistema? Por que ignorar o Estatuto, sistema
pensado exclusivamente para atender as necessidades dos jovens de hoje? Por que
não experimentá-lo quando os poucos Estados brasileiros que o fizeram obtiveram
êxito em suas propostas, como é o caso do Paraná e de Roraima. Encaminhar jovens
a tal sistema seria concorrer para o aumento e não para a diminuição da
criminalidade (BRUM, 2004).
No mesmo sentido posiciona-se João Batista Costa Saraiva:
A criminalidade juvenil crescente há de ser combatida em sua origem – a
miséria e a deseducação. Não será jogando jovens de 16 anos no falido sistema
penitenciário que se poderá recuperá-los. Mesmo aqueles de difícil prognóstico
recuperatório a sociedade tem o dever de investir, máxime porque a porcentagem
daqueles que se emendam – dentro de uma correta execução da medida que foi
aplicada – faz-se muito maior e justifica plenamente o esforço (SARAIVA, 2004).
De acordo com a má estruturação dos sistemas penitenciários brasileiros e
diversos outros fatores concernentes à situação, a corrente contrária à redução da maioridade
penal encontra mais um argumento de peso, visto não achar prudente a inserção de jovens
infratores em condições desumanas e degradantes, quando estes podem encontrar salvação e
um futuro próspero, desde que sejam aplicadas as medidas sócio-educativas pertinentes a cada
caso.
Com base nas teses dos doutrinadores e estudiosos contrários à redução da
maioridade penal discutiu-se até o presente momento alguns pontos referentes ao devido
tema, tais como: os jovens não são responsáveis pela violência crescente no país e que se a
medida da redução da maioridade penal for adotada não reduzirá nenhum fator criminológico,
contudo agravará a situação existente; que os jovens não possuem maturidade mental e
psicológica completa e se encontram em fase de desenvolvimento moral, físico e intelectual,
em virtude disso não adquiriram ainda discernimento razoável para se situarem concretamente
no campo ético e moral dos assuntos concernente à sociedade adulta; que tais adolescentes
mediante o cometimento de atos infracionais ficam submetidos às regras do Estatuto da
Criança e do Adolescente, não havendo impunidade ou sequer omissão do órgão
correspondente à aplicação da medida cabível; que há um perigo gigantesco na tentativa de
inserir os jovens infratores em conjunto com os adultos em penitenciárias, devido ao sistema
se encontrar à margem do descaso e efetividade, além do fator da superpopulação carcerária e
do possível aprendizado dos jovens com os detentos.
Finalmente, um dos últimos argumentos densos referentes à não aceitação da
maioridade penal refere-se à análise da inconstitucionalidade de tal medida, pois segundo seus
defensores, a alteração do artigo 228 da Constituição Federal de 1988 é insuscetível, ante a
mesma ser considerada uma cláusula pétrea.
Conforme mencionado anteriormente, o artigo 228 da Carta Magna dispõe a
respeito da inimputabilidade dos seus agentes, ou seja, os menores de dezoito anos, que não
são passíveis de responsabilização diante da prática de um crime ou contravenção penal
descrito como ato infracional.
Em virtude da matéria relativa à infância e juventude pautar-se nos ditames que
informam a teoria da proteção integral, surge o questionamento, extremamente tribulado e
controvertido a respeito da natureza jurídica do artigo em tela. Apesar de existir muita
divergência na doutrina, com escopo especialmente em argumentações de nível emocional
retiradas da mídia de maneira descriteriosa, a opinião que se julga mais acertada é aquela que
aufere ao artigo em questão um direito e uma garantia fundamental (Cf. DUARTE; DUARTE,
2004).
Em seu artigo 60, § 4º, IV, a Constituição Federal de 1988, descreve como clausula
pétrea os direitos e garantias individuais, havendo o expresso impedimento de modificação ou
abolição, veja-se:
A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º - não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
[...]
IV – os direito e garantias individuais
O termo “tendente a abolir” descrito no parágrafo quarto do artigo em menção,
tem por significado a proibição de modificação de qualquer elemento conceitual dos incisos
considerados cláusulas pétreas. Desta forma, é defeso não só a abolição do Estado Federativo,
mas de igual maneira o atingimento de qualquer de seus elementos, como exemplo, a
distribuição das rendas aos entes federados, com o intuito de resguardar indiretamente a
própria cláusula pétrea (Cf. DUARTE; DUARTE, 2004).
Cabe salientar ainda, que a eventual redução da maioridade penal ofenderia
também o disposto no artigo 41, da Convenção das Nações Unidas para o Direito das
Crianças, onde está implícito que os signatários não tornarão mais penosa a lei interna de seus
países (Cf. DUARTE; DUARTE, 2004).
A referida Convenção faz parte do sistema na figura de lei interna de caráter
constitucional, nos moldes do § 2º, do artigo 5º, da Carta Magna, requerendo para tanto
respeito às suas disposições, em decorrência de tratar igualmente da maioridade penal,
entretanto, não dispondo sobre a distinção entre os termos criança e adolescente (Cf.
DUARTE; DUARTE, 2004).
O requisito de o jovem ser penalmente inimputável consiste em uma garantia
individual que não pode ser desprezada. Conseqüentemente, fazendo-se uma interpretação
sistemática e teleológica do artigo 5º, § 2º, primeira parte, tem-se que “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados [...]”. Destarte, notório se faz que reduzida à idade penal, haverá uma violação
do artigo 60, § 4º, IV, da Constituição, e por conseqüência qualquer modificação será
considerada inconstitucional (Cf. ARAÚJO, 2003, p. 65).
Apesar de toda a argumentação de imutabilidade do artigo 228 da Constituição,
tramitam vários Projetos de Emendas Constitucionais, afim de definitivamente reduzir a idade
de responsabilização dos jovens brasileiros.
Camila Escudero em artigo publicado refere-se às Propostas de Emenda
Constitucional do artigo 228 da Lex Mater:
Desde 1993 existem na Câmara Federal Propostas de Emendas à
Constituição (PEC) – textos feitos por parlamentares para alterar artigos
constitucionais, que são submetidos a debates e votações em comissões e plenário da
Casa – pedindo mudanças no artigo 228, que fixa a maioridade penal em 18 anos
(ESCUDERO, 2004).
Dentre muitas Propostas de Emenda à Constituição para a devida modificação
do artigo 228, duas propostas tomaram maior densidade, porém nenhuma se tornou efetiva, a
título de exemplo: a Proposta número 18 de 1999 do Senador Romero Jucá e a Proposta
número 20 de 1999 do Senador José Roberto Arruda.
A PEC n. º 18/1999 assim dispõe:
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do
art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional.
Art. 1º. O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do
seguinte parágrafo:
Art. 228 [...].
Parágrafo único. Nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio,
cometidos com violência, ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis
apenas os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Art. 2º. Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação (SILVA,
2004).
E a PEC n.º 20/1999 expressa:
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do
§ 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional.
Art. 1º. O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do
seguinte redação:
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos,
sujeitos às normas da legislação especial.
Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos
são penalmente imputáveis quando constatado seu amadurecimento intelectual e
emocional, na forma da lei.
Art. 2º. Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua
publicação (SILVA, 2004).
O Relator das matérias, Senador Amir Lando, votou pela rejeição da Proposta n.º 18 e
conseqüentemente votou pela aprovação da Proposta n.º 20. Contudo, a Comissão de
Constituição e Justiça realizará em momento oportuno audiência pública antes de decidir a
importante questão (Cf. SILVA, 2004).
A proposta n.º 20 condiciona os jovens ao sistema biopsicológico, isto é, os
jovens seriam submetidos a um exame, uma avaliação psicológica e psiquiátrica para que
assim seja constatado o grau de amadurecimento de cada um, de maneira individualizada.
Aparentemente, a proposta n.º 20 mostra-se mais ética e justa, porém
trabalhosa, pois em cada jovem infrator seria necessário a realização de exame pertinente e
sabe-se que na atual conjuntura onde o sistema de saúde é precário, auferir aos profissionais
da saúde mais um encargo seria um tanto perigoso, além do mais, restaria a dúvida se tais
profissionais estariam preparados para o ofício em tela (Cf. SILVA, 2004).
De acordo com forte embasamento acredita-se que o rebaixamento da maioridade
penal de maneira alguma ajudará o País a vencer a criminalidade e as barreiras da injustiça
social. Os referidos problemas podem ser encarados com um sistema educacional forte e uma
eficiente política social voltada para o desenvolvimento dos cidadãos brasileiros com o intuito
de igualar a todos gerando oportunidade e bem social (Cf. SILVA, 2004).
3.2 POSICIONAMENTO FAVORÁVEL À REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
A luta pela redução da maioridade penal é a bandeira defendida por milhares e
milhares de pessoas na sociedade. Apesar de tal tese ser a minoria dentre os estudiosos do
direito, juristas e autoridades políticas, ganha reforço devido à ampla divulgação da mídia,
campanhas defendendo a necessidade da medida e muitos outros argumentos que serão
oportunamente vistos neste tópico.
Os adeptos da corrente favorável à redução da maioridade penal alegam
principalmente que os jovens de dezesseis anos possuem maturidade e discernimento
suficientes para diferenciar o certo do errado; que a violência e a criminalidade existentes são
frutos da impunidade pelos crimes praticados por aqueles; que o Estatuto da Criança e do
Adolescente é uma fábula, em virtude de não ter seus propósitos alcançados, posto a
ineficiência de tal lei. Defendem ainda, que se os jovens podem exercer o direito ao voto na
idade de dezesseis anos, elegendo os representantes legais do país, podem ser
responsabilizados criminalmente.
No Brasil, o acontecimento de crimes graves e as comoções sociais geradas em
torno de vários delitos, levam a sociedade a lutar para que as leis sejam mais severas. Em
meio à situação de pânico que se encontra população há o crescente alarde a respeito da
redução da idade de responsabilização do adolescente.
Como sempre acontece, quando a sociedade reclama por seus direitos, bem ou
mal o Poder Público atua e exerce algum tipo de providência. Assim, muitas vezes o
legislador pressionado pela opinião pública, aproveita-se da repercussão social e elabora
projetos de leis com o intuito da melhoria social. Como exemplo, tivemos na última década
alguns casos célebres, como: a) o seqüestro de Roberto Medina, que ensejou à edição da Lei
dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90); b) o assassinato da atriz Daniela Perez, que
culminou em alterações tornando mais rígida a Lei dos Crimes Hediondos; c) o caso dos
policiais flagrados por um cinegrafista anônimo agredindo populares na cidade de Diadema
em São Paulo, fato que gerou a Lei de Tortura (Lei n.º 9.455/97), entre outros casos (Cf.
ARAÚJO, 2004).
O clamor pela redução da idade penal para dezesseis anos não é um fato novo.
Muitos já se posicionavam favoráveis antes mesmo da edição do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Portanto, o assassinato do casal de namorados Felipe e Liana
em Embu-Guaçu no Estado de São Paulo apenas reascendeu o assunto, infelizmente servindo
como um alerta para a sociedade para que esta debata o tema e tome posição pela defesa desta
tese ou pela permanência da maioridade penal aos dezoito anos (Cf. ARAÚJO, 2004).
A discussão a respeito da redução da maioridade penal fora objeto de uma
pesquisa feita pela CTN/Sensus em vinte e quatro Estados das cinco regiões brasileiras, nos
dias dois e quatro do mês de Dezembro de 2003. O resultado da pesquisa mostrou que 88,1%
dos entrevistados aprovam a redução da maioridade para dezesseis anos. Apenas 9,3%
afirmaram ser contra a medida. A margem de erro do procedimento gira em torno de três
pontos percentuais para mais ou para menos (Cf. MIGNONE, 2004).
Vê-se pelos resultados apontados, que a grande massa aprova a medida de
redução da idade penal dos seus jovens, porque acreditam que com esta atitude os níveis de
criminalidade e violência diminuam e a penalização aumente.
Indiscutivelmente, o primeiro ponto defendido pelos favoráveis à redução da
maioridade diz respeito ao discernimento intelectual e moral de um jovem de dezesseis anos.
A maioridade penal, fixada legalmente aos dezoito anos pelo artigo 228 da
Constituição Federal e pelo artigo 27 do Código Penal fora definida puramente como um
critério biológico. Os artigos ora mencionados gozam de presunção legal. Desta forma,
entendeu o legislador a época da elaboração destes artigos, que os jovens menores de dezoito
anos não sabiam o que estavam fazendo quando da prática de qualquer ato criminoso, pois lhe
faltava à capacidade plena e o entendimento de saber diferenciar e definir o certo do errado.
A falta de entendimento na prática de uma conduta criminosa talvez há tempos
atrás podia ser encarada como real, verossímil, fato que na atualidade não o é mais. Com a
evolução da sociedade, da educação, dos meios de comunicação, o adolescente que possui a
faixa etária de dezesseis anos, não pode mais ser visto como inocente, bobo, que vive a jogar
vídeo game e a brincar de esconde-esconde e playmobil (Cf. ARAÚJO, 2004).
Conforme o entendimento do Dr. Éder Jorge, Juiz da Infância e da Juventude
no Estado de Goiás:
É inegável, o jovem deste milênio não é mais aquele ingênuo de meados
do Século XX. [...]. Atualmente o acesso à informação é quase compulsivo. Novas
tecnologias fazem parte do dia-a-dia das pessoas, inclusive dos jovens (telefone
celular, Internet, correio eletrônico, tv aberta e fechada, etc.). São tantos os canais de
comunicação que se torna impossível manter-se ilhado, alheio aos acontecimentos.
Não há espaço para a ingenuidade, e com maior razão no que concerne aos
adolescentes. Aliás, estes estão mais afetos a essas inovações. Em algumas
situações, há inversão da ordem natural. É comum, por exemplo, filhos orientarem
os pais sobre informática. Nesse contexto, o menor entre 16 e 18 anos precisa ser
encarado como pessoa capaz de entender as conseqüências de seus atos, vale dizer,
deve se submeter às sanções de ordem penal (JORGE, 2004).
Nestes moldes, entendem os defensores da redução, que o adolescente possui
discernimento moral e intelectual no tocante as suas atitudes. Sabe definir com clareza e
precisão situações lícitas e dirigir-se no caminho destas.
Quanto se discute a maturidade do jovem no campo penal, o intuito não é
descobrir se o mesmo tem uma inteligência avançada ou como se porta frente a decisões
complexas. É importante salientar que tal adolescente deve possuir uma formação mínima de
valores humanos, podendo discernir o certo do errado, entre o crime e a atipicidade. Para o
grau de compreensão exigível na ceara penal bastam inteligência e amadurecimento
medianos, fatores encontrados nos jovens da atualidade (Cf. JORGE, 2004).
Outro argumento da tese favorável à redução da idade penal concerne na
impunidade dos autores dos atos infracionais e posteriormente a má condução por parte do
Estatuto da Criança e do Adolescente em sancionar os infratores. Com base no fato do ECA
não ser eficiente e não corresponder com as suas finalidades e objetivos, os infratores
adolescentes ficam a mercê da sanção dos seus atos criando a sensação de fortalecimento e
continuidade na vida delitiva.
Além dos jovens menores possuírem plena convicção dos atos que praticam,
estes se utilizam conscientemente da menoridade que os ampara e diariamente são autores de
toda a gama de injustos penais possíveis, valendo-se inclusive da certeza que nada lhes
acontecerá em decorrência da freqüente impunidade e da particular condição em que se
encontram (Cf. ARAÚJO, 2004).
No caso dos menores de dezoito anos, pessoas conscientes dos seus atos, as
medidas sócio-educativas e o tratamento brando do Estatuto da Criança e do Adolescente a
eles imposto não tem sido suficiente para intimidar a prática de novas condutas criminosas
como as que estão sendo praticadas a todo instante e mostradas quase diariamente nos
noticiários brasileiros. Infelizmente, quase não há chance de o adolescente sentir-se
intimidado em praticar algum ato infracional, por temer que lhe seja aplicada alguma medida
sócio-educativa, prevista no artigo 112 do ECA, ainda mais se o delito lhe trouxer lucro,
como o roubo, o furto, o seqüestro, dentre outros (Cf. ARAÚJO, 2004).
Segundo a corrente favorável à redução, a baixa punição dos infratores,
mediante a pouca eficiência do Estatuto da Criança e do Adolescente gera a sensação de que o
mundo do crime pode trazer vantagens acarretando a inserção e o aliciamento de novos jovens
na esfera criminal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é claro quando se refere que as medidas sócio-
educativas deveriam ser implantadas no sentido de recuperar o jovem que cometeu algum ato
infracional e resgatá-lo recuperado ao seio da sociedade. Entretanto, o que se verifica é que na
maioria dos casos crianças e adolescentes infratores não recebem nenhum tipo de auxílio ou
acompanhamento, voltando a reincidir na prática infracional.
Desta forma, não há confiabilidade no Estatuto da Criança e do Adolescente, em
decorrência deste não lograr com êxito pelo bem estar da criança e do adolescente. O ECA
por ser benevolente, não intimida os jovens infratores. Neste direcionamento, como forma de
ajustamento à realidade social e de criar novos meios para enfrentar a criminalidade com
rapidez e eficácia, impõe-se seja considerada imputável a pessoa que atinja dezesseis anos de
idade (Cf. JORGE, 2004).
É totalmente aceitável a resistência quanto ao rebaixamento da maioridade
penal. As pessoas contrárias à medida defendem na maioria das vezes um lado romântico da
vida do jovem, sua fragilidade e o seu baixo discernimento quanto aos fatos delituosos.
Porém, tal defesa se encontra divorciada da realidade do país, pois os jovens impressionam
pela rapidez e nível de aprendizado e ainda, assustam pelo envolvimento na delinqüência e
marginalidade que aumentam e espantam a cada dia vivido (Cf. JORGE, 2004).
Apesar de filiar-se contra a redução da maioridade penal, o advogado
criminalista e ex-professor da Universidade Federal da Bahia Luiz Augusto Coutinho trouxe
em seu artigo, a título de curiosidade, como outros países tratam em suas legislações a
maioridade penal e o critério adotado para tal fim, salienta-se:
A maioria dos países adota legislações específicas para evitar a
impunidade. Não existe uniformidade de procedimentos, dependendo do grau de
tolerância de cada nação para fixar parâmetros para a determinação da idade penal.
Na França a maioridade penal é de 18 anos, mas jovens a partir dos 13 e até os 18
podem ser penalizados. Na Inglaterra, a maioridade penal é de 21 para crimes
comuns. Tratando-se de crimes hediondos o infrator é penalizado a partir dos 10
anos. Já nos Estados Unidos, se verifica divergência nas legislações dos seus 50
estados, sendo que em 18 deles os jovens que cometerem crime grave podem ser
responsabilizados a partir dos 14 anos. Em Portugal o jovem pode ser condenado a
partir dos seus 16 anos, o mesmo ocorrendo na Argentina, Espanha, Bélgica e Israel.
Na Alemanha e Haiti, a partir dos 14 anos (COUTINHO, 2004).
Conforme vislumbrado no trecho acima, os países se comportam de maneira
diferente frente à questão da maioridade penal. Alguns se valem de maior rigidez, como é o
caso da Inglaterra, que julga infratores a partir de dez anos caso tenham cometido algum
crime considerado hediondo, porém atuam com maior proteção ao jovem, na idade base da
maioridade penal, qual seja, vinte e um anos. Outro país, como a potência do primeiro mundo
Alemanha, considera que a partir de quatorze anos, um jovem pode ser condenado pela
prática de um crime independente de ser o mesmo hediondo ou não.
No mesmo direcionamento, grande parte da sociedade busca que o Brasil tome
a mesma iniciativa de alguns países desenvolvidos, a fim de reduzir a idade de
responsabilização penal e resguardar a população dos atos de vandalismo destes jovens
violentos, que aterrorizam e posteriormente se escondem por trás da idade que possuem.
Outro item de argumentação favorável à redução da imputabilidade penal dos
adolescentes, versa na questão eleitoral, pois estes, segundo as opiniões positivas a adoção da
medida, já se encontram plenamente capazes de eleger todos os representantes da nação,
como: o Presidente da República, os Senadores, Governadores de Estados, Deputados Federal
e Estadual, Prefeitos e Vereadores.
Dispõe o artigo 14, § 1º, inc. II, alínea c, da Constituição Federal de 1988 da
seguinte forma:
A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei mediante:
[...]
§ 1º. O alistamento eleitoral e o voto são:
[...]
II – facultativos para:
[...]
c)os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Conforme se depreende do artigo em menção, o próprio legislador constituinte
reconhece o direito ao voto aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, dando-lhe a
capacidade eleitoral ativa, conforme expressa previsão constitucional. Tal legislador
considerou que os jovens maiores de dezesseis e os menores de dezoito estão investidos de
lucidez e discernimento na hora da escolha de seus representantes (Cf. JORGE, 2004).
Assim, se um jovem possui discernimento para votar e eleger o Presidente do
seu país, porque não tem o mesmo discernimento no momento de diferenciar o que vem a ser
um crime (Cf. JORGE, 2004)?
Ressalta-se que o menor conhece mediante ampla divulgação dos meios de
comunicação à importância da escolha dos integrantes do Poder Legislativo e Executivo e
neste direcionamento porque não consegue ter consciência da prática de condutas delituosas?
O que é mais complexo? Evidentemente o processo eleitoral é mais complexo do que a
simples diferenciação entre o certo e o errado, entre saber que determinado bem não é de
minha propriedade, portanto, não posso tê-lo comigo (Cf. JORGE, 2004).
Diante de toda a argumentação dos adeptos à redução da maioridade penal
resumidamente os pontos atacados por estes foram: que há discernimento completo e
suficiente dos jovens menores de dezoito anos; que os altos índices de violência e
criminalidade são gerados devido à falta de punição dos jovens infratores em decorrência da
pouca efetividade do Estatuto da Criança e do Adolescente e finalmente, que se há
responsabilidade suficiente para o jovem eleitor decidir a respeito do futuro do país onde
habita, também há responsabilidade para o mesmo arcar com as suas responsabilidade no
âmbito criminal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a incansável motivação pelo ideal de justiça e aprimoramento do direito,
o que se analisou neste trabalho fora às discussões atuais, oriundas do confronto de teses a
respeito da redução da maioridade penal principalmente esta utilizada como forma e
instrumento de contenção à criminalidade decorrente dos jovens.
A violência que importuna e fere a sociedade deve ser enfrentada, ao contrário
de muitos posicionamentos, com uma política social rígida voltada igualmente para o bem de
todos, havendo educação de boa qualidade, direito à saúde, à habitação adequada, à
alimentação. Enfim, todos os requisitos básicos que um indivíduo necessita para poder viver
honesta e integramente sem privar-se do básico nem tampouco se apropriar do alheio.
Nestes moldes, as moléstias sociais como o aliciamento de menores ao tráfico, a fome,
a falta de moradia, a falta de emprego, o consumo de drogas e o analfabetismo, em muitas
vezes contribuem para que haja o corrompimento dos menores de dezoito anos e estes, devido
aos tropeços adentram no mundo da marginalidade, em virtude de terem se sentido
desprotegidos, à margem da sociedade, que muitas vezes os renegaram e obstaram a batalha
pelo crescimento moral.
A grande maioria dos jovens do Brasil conhece desde a mais tenra idade a triste
realidade do meio onde se encontram. Habitam na mais farta miséria e assim, criados no
abandono e descaso, contentam-se dia após dia com a situação vivida.
Devido à falta de estrutura dada a esta grande cota da população, estes jovens,
revoltados pelo abandono sofrido, são vítimas da própria realidade e se submetem as mais
duras tarefas a fim de defender-se dos ataques advindos do próprio meio, onde presenciam
aflitos as sombrias cenas de marginalidade e de agressão.
Em decorrência da inércia do Poder Público em tomar medidas que contenham o
crescimento das injustiças sociais, concomitantemente com a conivência da grande maioria,
há o desestruturamento dos jovens e estes ressentidos pela insignificância da situação acabam
cometendo atrocidades. Tais fatos repercutem na mídia e tomam grande parte da atenção,
havendo a indignação da população que aflita brada aos seus dirigentes para que providências
sejam tomadas, contudo não percebem que lutam pela contramão da solução conveniente.
Procurou-se neste trabalho analisar o cerne das proposições formuladas pelos
defensores do rebaixamento da maioridade penal, mostrando para tanto, o posicionamento, as
argumentações e a base jurídica para o pensamento destes que requerem tal mudança.
Contrariamente, viu-se na corrente que desaprova a medida de redução da imputabilidade
penal, da mesma forma, os argumentos e fundamentações a respeito daquilo que defendem.
O resultado de toda esta grande discussão trouxe a baila o frutífero tema acerca da
redução ou não da idade de responsabilização do jovem infrator brasileiro, trazendo oportunos
debates e uma gama de novas informações.
Com grande respeito a todos aqueles que lutam pela redução da idade penal,
pois a cada um compete lutar por aquilo que achar justo e somente estes sabem os motivos e
os anseios que os movem, talvez pela dor da perda de um ente, perdido nas mãos de um
jovem infrator, ou pelo simples fato de acharem que a impunidade não pode mais prosperar,
chega-se, porém a conclusão, que o rebaixamento da idade penal dos jovens para dezesseis
anos é uma medida desesperada, inconveniente e inoportuna, um verdadeiro retrocesso no
mundo jurídico, que em nada resolveria para a solução da queda dos índices de violência e
marginalidade enfrentados atualmente.
O acolhimento da redução da maioridade penal traria em curto prazo outros
muitos problemas, como o aumento dos presos - os jovens - no sistema penitenciário, que hoje
já se encontra em estado de putrefação moral; a transformação do jovem em um marginal em
potencial, pois inserido no sistema penitenciário precocemente, ao regressar à liberdade estará
contaminado pelas atrocidades vistas e vividas; a desestruturação e o descrédito do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que hoje atua com o objetivo de proteção e regulamentação dos
direitos e responsabilidades dos adolescentes e ainda, cuida da reintegração do adolescente
infrator à sociedade, com as devidas aplicações das medidas sócio-educativas, a fim de este
jovem aprender com o erro e não sair ileso pelos atos cometidos; e por fim, o não
compromisso com as futuras gerações, dado a carência de meios de subsistência dada pelo
Estado ao jovem em oferecer ao este, a estrutura mínima de sobrevivência.
Adotando-se pela redução da maioridade penal, em momento algum se estaria
tratando da causa do problema, mas sim os efeitos sintomáticos da violência. E esta deve ser
combatida veementemente e não o jovem que marginalizado pelas condições em que vive
obriga-se ao pior.
Ao invés da luta pela redução da imputabilidade penal, com argumentos muitas
vezes simplórios e carentes de base jurídica, dever-se-ia buscar a união de todos a fim de lutar
pelos menores, estes sim vítimas do abismo social que hoje afasta brasileiros em face das
melhores condições propiciadas.
Resumidamente essas foram às reflexões a respeito do tema da maioridade penal no
decorrer do trabalho, com o devido respeito a todas as opiniões que se mostraram divergentes
no corpo desta pesquisa.
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