Universidade Federal do Rio de Janeiro
A REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO
Letícia de Lima Tupper
2
Faculdade de Letras / UFRJ
2013
A REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO
Letícia de Lima Tupper
Rio de Janeiro
Abril de 201
Rio de Janeiro
Junho de 2013
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito
para a obtenção do Título de Mestre em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientador: Profa. Doutora Leonor Werneck dos
Santos
3
A Referenciação nos Livros Didáticos de Ensino Médio
Letícia de Lima Tupper
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas.
Examinada por:
______________________________________________ - Orientadora
Presidente, Profa. Doutora Leonor Werneck dos Santos – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante
_________________________________________________
Profa. Dra. Rosa Maria Cuba Riche
_________________________________________________ - Suplente
Profa. Dra. Cláudia de Souza Teixeira
_________________________________________________ - Suplente
Profa. Dra. Regina Souza Gomes
Rio de Janeiro
Junho de 2013
4
Tupper, Letícia de Lima.
A Referenciação nos Livros Didáticos de Ensino Médio/ Letícia de Lima
Tupper. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2013.
xiv, 138f.: il.
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas, 2013.
Referências Bibliográficas: f. 133-138.
1. Referenciação 2. Linguística de Texto. I. Santos, Leonor Werneck dos. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas. III. A Referenciação nos Livros Didáticos de
Ensino Médio.
5
SINOPSE
Análise da abordagem
teórica e das propostas de
atividades sobre os processos
referenciais em Livros
Didáticos de Português de
Ensino Médio aprovados
pelo PNLEM/2009 e pelo
PNLD-EM/2012.
6
RESUMO
A REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO
Letícia de Lima Tupper
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas.
Considerando a referenciação como um processo essencial para a produção e
compreensão de textos, esta pesquisa visa investigar de que maneira os livros didáticos
de português, muitas vezes o único material de consulta do professor de língua materna,
abordam o tema da referenciação – amplamente estudado por autores como Koch (2004,
2005, 2007, 2008), Cavalcante (2011), Koch e Elias (2007, 2009), Marcuschi (2008),
entre outros. Observaremos, principalmente, se esses manuais abordam a referenciação
e se a associam à análise linguística, à produção textual e à leitura. Restringimos nossa
análise aos manuais voltados para o Ensino Médio aprovados pelo Programa Nacional
do Livro Didático, comparando as coleções aprovadas em 2009 (PNLEM) e 2012
(PNLD/EM). Essa comparação permitiu verificar alguns avanços na abordagem da
referenciação, o que julgamos ser o reflexo do progresso dos estudos linguísticos,
principalmente aqueles referentes à Linguística de Texto, nosso principal aporte teórico.
Contudo, ainda há muito a ser feito para associar coerentemente esse mecanismo à
organização textual. Por meio desta análise, é possível ter uma amostra da abordagem
da referenciação nos livros didáticos de Ensino Médio, que se reflete,
consequentemente, no trabalho do professor nas salas de aula de Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Referenciação; coesão textual; Linguística de Texto; livro didático de
português; PNLEM 2009; PNLD-EM 2012.
Rio de Janeiro
Junho de 2013
7
ABSTRACT
THE REFERENCIATION IN HIGH-SCHOOL BOOKS
Letícia de Lima Tupper
Guideline: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Abstract of the Master’s dissertation submitted to Programa de Pós- Graduação
em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, as part of requirements for obtaining the title of Master in Vernacular Letters
(Portuguese Language).
Considering the referenciation as an essential process for the production and
comprehension of texts, this research aims at investigating the way that Portuguese
Schoolbooks, which is, most of the times, the only material native language teachers
consult, approach the issue of the referenciation – widely studied by authors such as
Koch (2004, 2005, 2007, 2008), Cavalcante (2011), Koch and Elias (2007, 2009),
Marcuschi (2008), among others. We will observe, mainly, if these manuals approach
the referenciation and make any link with linguistic analysis, writing or reading. We
have restrained our analysis to schoolbooks designed to High-school grades which have
been approved by Programa Nacional do Livro Didático, comparing them with the ones
approved in 2009 (PNLEM) and 2012 (PNLD/EM). This comparison allowed us to
notice some advances related to the referenciation approach, which, we suppose, is a
reflection of the linguistic studies’ progress, especially those concerning the Text
Linguistics, our main theoretical support. Even though, there is still a lot more to be
done to coherently associate this mechanism to the textual organization mechanism.
Through this analysis, it is possible to have a sample of the referenciation approach in
High-school books, which reflects, consequently, in teacher’s work in his Portuguese
lessons.
Keywords: Referenciation; Text cohesion; Text Linguistics; Portuguese Schoolbooks;
PNLEM 2009; PNLD-EM 2012.
Rio de Janeiro
Junho de 2013
8
À minha avó Laurinda e ao meu marido Rodolfo.
9
AGRADECIMENTOS
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas
pessoas.
(Gonzaguinha)
Confesso que, pela primeira vez na vida, cheguei a pensar que teria que deixar
algo pela metade. Em muitos momentos, acreditei que não seria capaz. Contudo, outras
forças me faziam crer que eu estava no caminho correto e que tudo daria certo ao final.
A maior dessas forças foi Deus, que sempre esteve ao meu lado, me oferecendo
potencial físico e intelectual para superar todos os obstáculos desse caminho, por isso a
Ele agradeço primeiramente.
Agradeço aos meus pais, os primeiros responsáveis por me inserirem nesse
maravilhoso mundo das Letras e delas fazer minha profissão.
Aos meus queridos irmãos, Victor, Victória e Luiza, pelos quais eu batalho
para ser uma pessoa melhor, de sucesso e mais bem sucedida.
À minha avó Laurinda, que não imagina o quanto me ajudou a elaborar esta
dissertação, por meio não só de seu amor e carinho, mas principalmente pelos cuidados
cotidianos, os quais me possibilitavam mais tempo para me dedicar a esta árdua tarefa.
Agradeço imensamente à minha orientadora Leonor Werneck dos Santos, que
me ensinou, por diversos meios, a compreender o real sentido de lecionar Língua
Portuguesa. Agradeço pela real confiança depositada em mim, em meu potencial, pelas
muitas oportunidades obtidas ao longo desses anos; afinal, estivemos juntas desde o
início de minha graduação. Agradeço, também, pelo vasto conhecimento transmitido,
que fizeram minhas aulas e minha vida profissional mais prazerosas, mais produtivas; e,
por fim, agradeço por ter, no momento oportuno, me aberto os olhos para enxergar a
realidade e me fazer progredir.
De modo bastante especial, agradeço ao meu marido, melhor amigo e grande
companheiro Rodolfo, que esteve comigo desde o início de tudo, antes de eu sequer
imaginar que chegaria a este patamar da minha vida, antes mesmo de eu sonhar em
estudar numa universidade pública. Obrigada pela paciência em suportar, em certos
períodos, todo o desespero e todas as minhas crises, para não dizer todas as minhas
lágrimas. Obrigada por todos os momentos de afago que abrandaram uma angústia que
insistia em me habitar. Obrigada, principalmente, por acreditar em mim com tanta força,
mais mesmo do que eu mesma. Com toda certeza, o caminho teria sido bem mais
penoso sem você por perto para me fortalecer. Amo você! Obrigada por tudo!
Agradeço à amiga, professora, madrinha de casamento e tia por tabela Sílvia
Rodrigues Vieira, que, configurando esses múltiplos papéis, me proporcionou
contribuições de todos os tipos: conselhos, avisos, empréstimos de livros, conversas,
10
oportunidades, laços acadêmicos, e, principalmente, exemplo de ética, dedicação e
profissionalismo.
A todos os meus eternos amigos, referências de companheirismo e irmandade,
por tornarem meus dias mais alegres e amenos, por compreenderem minha ausência em
momentos importantes e ouvirem meus desabafos.
Em especial, à amiga Fabiana, querida companheira que adquiri em meio à
pesquisa científica, que esteve sempre ao meu lado, principalmente nos momentos mais
conturbados, me ouvindo, tranquilizando, suprindo dúvidas, enfim, sendo tudo o que ela
é: amiga, generosa, paciente e companheira.
Agradeço, de modo particular, à amiga Carolina Alexandre, pela tradução em
inglês do resumo desta pesquisa e, à Pilar, pela generosidade e interesse em me
emprestar parte das obras que compunham meu corpus. Sem a ajuda de vocês, tudo teria
se tornado bem mais difícil.
A meus familiares em geral, em especial tia Simone, madrasta Carol, sogra
Ana, que sabem a força que me deram e souberam respeitar e compreender os
momentos de reclusão em meu quarto.
As professoras Mônica Magalhães Cavalcante e Rosa Maria Cuba Riche,
pela leitura atenta e pelas generosas considerações e sugestões. Obrigada pela
generosidade e delicadeza.
À UFRJ, que me fez abrir muitas portas e conquistar lugares que jamais
imaginei que pudesse alcançar.
Aos meus alunos, que, mesmo sem saber, me motivaram, de alguma forma, a
estar sempre me aperfeiçoando na área da educação e na prática do magistério.
Cada um de vocês fez parte desse instante que ora se finaliza. A todos, o meu
mais sincero agradecimento!
11
SUMÁRIO
ÍNDICE DE QUADROS , GRÁFICOS E FIGURAS...........................................xii
INTRODUÇÃO.........................................................................................................15
1. A LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO.......................................21
1.1 O Ensino de LP: orientações oficiais.............................................................21
1.2 O livro didático de língua portuguesa no ensino médio.................................29
2. LINGUÍSTICA DE TEXTO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA....33
2.1 O percurso da Linguística de Texto................................................................33
2.2 O texto como unidade de ensino.....................................................................37
2.3 Coesão e referenciação ..................................................................................41
2.4 Da referência à referenciação..........................................................................44
3. REFERENCIAÇÃO NOS LDP DE ENSINO MÉDIO...................................58
3.1 Metodologia de pesquisa................................................................................58
3.2 Análise da referenciação nos livros didáticos de ensino médio.....................64
3.2.1 Livros aprovados pelo PNLEM 2009.................................................64
3.2.1.1 Abordagem nula do tema........................................................65
3.2.1.2 Abordagem superficial/generalizada do tema.........................66
3.2.1.3 Abordagem textual-discursiva do tema...................................81
3.2.2 Livros aprovados pelo PNLD-EM/2012.............................................89
3.2.2.1 Abordagem nula do tema........................................................89
3.2.2.2 Abordagem superficial/generalizada do tema.........................90
3.2.2.3 Abordagem textual-discursiva do tema.................................104
3.3 Aprofundando a análise...............................................................................122
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................133
12
ÍNDICE DE QUADROS, GRÁFICOS E FIGURAS
Esquema 1: Mecanismos referenciais (cf. KOCH, 1992)............................................42
Quadro 1: Quadro-síntese dos processos referenciais (cf. CAVALCANTE, 2011a, p.
86)....................................................................................................................................54
Quadro 2: Total de obras analisadas na pesquisa...........................................................59
Quadro 3: Distribuição das obras aprovadas no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012.60
Quadro 4: Resumo da análise das obras do PNLEM/2009............................................87
Quadro 5: Resumo da análise das obras do PNLD-EM/2012......................................120
Gráfico 1: Partes dos manuais em que o tema da coesão/CR/referenciação foi
encontrado (PNLEM/2009).............................................................................................65
Gráfico 2: Partes dos manuais em que o tema da coesão/CR/referenciação foi
encontrado (PNLD-EM/2012).........................................................................................89
Gráfico 3: Tipo de abordagem da coesão/referenciação realizada pelas coleções do
PNLEM/2009 e PNLD-EM/2012..................................................................................126
Figura 1: Esquema gráfico sinalizando as palavras que retomam outras num parágrafo
de texto – coleção Português – Língua e cultura (FARACO, 2004, p. 221, vol.
único)...............................................................................................................................67
Figura 2: Referência aos numerais como recurso expressivo – coleção Novas Palavras
(AMARAL et al., 2004, p. 241, vol. 1)..........................................................................70
Figura 3: Estudo da coesão sob o título de “Estudo da língua padrão” – coleção Língua
Portuguesa – coleção Vitória Régia (TAKASAKI, 2004, p. 84, vol.
único)...............................................................................................................................71
Figura 4: A classe dos artigos na seção “A gramática do texto” – coleção Português
(NICOLA, 2004, p. 44, vol. 2)........................................................................................74
Figura 5: Comentário sobre o uso dos substantivos como forma de garantir coesão
seguido dos exercícios referentes à classe estudada – coleção Português (NICOLA,
2004, p. 38, vol. 2)...........................................................................................................75
Figura 6: Exemplos de alguns recursos coesivos por meio de frases descontextualizadas
– coleção Português (MAIA, 2004, p. 213, vol. único)..................................................76
Figura 7: Exercícios referentes à coesão – coleção Português (MAIA, 2004, p. 215,
vol. único)........................................................................................................................77
13
Figura 8: Relação entre placas de trânsito e os elementos coesivos – coleção
Português: língua, literatura, produção de textos (ABAURRE et al., 2004, p. 135, vol.
3)......................................................................................................................................79
Figura 9: Atividade referente ao estudo da coesão referencial que se limita à superfície
textual – coleção Português: língua, literatura, produção de textos (ABAURRE et al.,
p. 136, vol. 3)...................................................................................................................80
Figura 10: Exercício referente ao uso dos pronomes demonstrativos – coleção
Português: Linguagens (CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p. 96, vol. 2).....................82
Figura 11: Caixa de texto sobre os pronomes e sua relação com a coesão / exercícios
referentes à classe dos pronomes e sua relação textual – coleção Português: linguagens
(CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p. 100-101, vol. 2)...................................................83
Figura 12: Atividade sobre retomada lexical – coleção Língua Portuguesa: projeto e
cidadania para todos (MURRIE et al., p. 186, vol. único)............................................85
Figura 13: Atividade sobre retomadas – coleção Língua Portuguesa: projeto e
cidadania para todos (MURRIE et al., p. 183, vol. único)............................................85
Figura 14: Atividade com a classe dos artigos – coleção Língua Portuguesa: projeto e
cidadania para todos (MURRIE et al., p. 185, vol. único).............................................85
Figura 15: Seção “Sujeito e coesão” – coleção Linguagem em movimento
(TORRALVO E MINCHILLO, 2010, p. 390, vol. 2).....................................................92
Figura 16: Exemplos oferecidos para os mecanismos de coesão não contemplam todos
os mecanismos assinalados – coleção Projeto ECO – Língua Portuguesa (ALVES e
MARTIN, 2010, p. 256, vol. 3).......................................................................................94
Figura 17: Exercícios referentes à seção sobre coesão e coerência textual – coleção
Projeto ECO – Língua Portuguesa (ALVES e MARTIN, 2010, p. 260, vol. 3)............95
Figura 18: Continuação dos exercícios referentes à seção sobre coesão e coerência
textuais – coleção Projeto ECO – Língua Portuguesa (ALVES e MARTIN, 2010, p.
261, vol. 3).......................................................................................................................96
Figura 19: Os substantivos como forma de retomar ou resumir informações – coleção
Língua Portuguesa: linguagem e interação (FARACO et al., 2010).............................98
Figura 20: Exercícios relacionando a coesão ao estudo da classe dos substantivos –
coleção Novas Palavras – Nova Edição (AMARAL et al., capítulo 8 de gramática, vol.
1)....................................................................................................................................101
14
Figura 21: Abordagem da coesão na seção “como estou escrevendo?” – coleção Novas
Palavras – nova edição (AMARAl et al., 2010, p. 445, vol. 1)...................................102
Figura 22: Exercício que destaca a função referencial dos pronomes – coleção Novas
Palavras – nova edição (AMARAl et al., 2010, p. 263, vol. 2)...................................103
Figura 23: Menção à referenciação na abordagem da classe dos artigos a partir de
textos – coleção Ser Protagonista Português (BARRETO, 2010, p. 222, vol. 2)........106
Figura 24: Exercícios referentes à seção “Língua Viva: o artigo e a referenciação” –
coleção Ser Protagonista Português (BARRETO, 2010, p. 223, vol. 2)......................107
Figura 25: Texto motivador para questões sobre coesão referencial – coleção Tantas
Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e Gramática em uso
(CAMPOS e ASSUMPÇÃO, 2010, p. 94, vol. 2).........................................................110
Figura 26: Exercícios sobre coesão referencial referentes ao texto expresso na figura 25
– coleção Tantas Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e
Gramática em uso (CAMPOS e ASSUMPÇÂO, 2010, p. 95, vol. 2)..........................111
Figura 27: Exercício sobre a classe dos artigos – coleção Português contexto,
interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 364, vol. 2)..................................114
Figura 28: A classe dos artigos e a produção de texto – parte I (exemplo) – coleção
Português contexto, interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 386, vol. 2)..116
Figura 29: A classe dos artigos e a produção de texto – parte II (explicação e proposta)
– coleção Português contexto, interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 387,
vol. 2).............................................................................................................................117
Figura 30: A classe dos artigos e a produção de texto – parte III (prática) – coleção
Português contexto, interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 388, vol. 2)..118
15
INTRODUÇÃO
No ensino de Língua Portuguesa (LP), no que se refere à produção escrita e à
compreensão textual, um aspecto que tem merecido bastante atenção é o estudo da
coesão, um dos fatores essenciais que garantem textualidade. Segundo Antunes (2005,
p. 47), a coesão constitui uma “propriedade pela qual se cria e se sinaliza toda espécie
de ligação, de laço, que dá ao texto unidade de sentido ou unidade temática”. Para a
autora, “reconhecer, então, que um texto está coeso é reconhecer que suas partes, das
palavras aos parágrafos, não estão soltas, fragmentadas, mas estão ligadas, unidas entre
si.” (Ibid.). Cabe, portanto, à coesão a função de promover a continuidade do texto, a
sequência interligada de suas partes, para que não se perca o fio de unidade que garante
a compreensão. Além disso, atualmente a coesão não se restringe às amarras textuais
observáveis na superfície do texto, mas também ao acionamento de conhecimentos
variados, que não se limitam ao linguístico. Desse modo, ela apresenta íntima relação
com a coerência, ambas são inter-relacionadas.
A produção e a compreensão de texto dependem, assim, do domínio de
estratégias coesivas; na sala de aula, entretanto, nem sempre a coesão aparece integrada
aos recursos gramaticais que auxiliam o seu estabelecimento (cf. ANTUNES, 2005;
TUPPER, GONÇALO, CORTES, 2009). Sua abordagem, por vezes, aparece como um
conteúdo à parte do ensino de língua, provavelmente um reflexo da própria abordagem
dos Livros Didáticos de Português (LDP), que apresentam essa separação (cf.
SANTOS, 2009). Acreditamos, portanto, que a abordagem pedagógica dos mecanismos
coesivos, principalmente aqueles feitos por meio de referências, precisa ser ampliada.
Especialistas como Dionisio e Bezerra (2005), Rojo (2005), Batista (2001) e
Tagliani (2011), só para citar alguns que discutem questões relativas ao uso dos
manuais didáticos, defendem que o bom livro didático deve garantir um mínimo de
qualidade no ensino, sistematizando o conhecimento e suprindo a falta de acesso a
livros entre os alunos, principalmente os das camadas populares. No entanto, vários são
os problemas encontrados nos LDP, dentre os quais se destaca a falta de integração
entre as práticas de linguagem, o que acarreta uma abordagem artificial da escrita, da
análise linguística e da leitura (cf. ROJO, 2000).
Para os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa, a
seleção dos conteúdos a serem estudados deve levar em conta sua relevância social e
16
sua contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno. O ensino de tópicos
gramaticais, por exemplo, é necessário ao aluno, desde que lhe permita refletir a
respeito de sua própria língua – como vem alertando Travaglia (1996), ao defender um
ensino de língua portuguesa mais reflexivo –, visando à formação da competência
discursiva do aluno.
Os PCN recomendam, portanto, que o ensino de Língua Portuguesa deve ser
orientado para as práticas de uso e as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem.
Em vista disso, a linguagem deve ser concebida “[...] como uma ação orientada para
uma finalidade específica [...] que se realiza nas práticas sociais existentes, nos
diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história” (BRASIL, 1997, p.22).
Esta concepção sociocognitivo-interacional e discursiva de linguagem vem sendo
defendida, atualmente, pela Linguística de Texto (LT). No ensino da língua, essa
concepção promove um repensar sobre a linguagem, sobre o sujeito aprendiz, sobre o
objetivo do ensino de língua e sobre a didática da língua.
Uma dessas reflexões, atualmente, tem sido sobre a referenciação, processo que
conta com variados fatores: (i) textuais, entre os quais se inclui o conhecimento dos
diversos usos de elementos gramaticais e lexicais de que a língua dispõe para fazer
retomadas ou antecipações de objetos de discurso, que, uma vez inseridos no texto,
podem ser mantidos, recuperados e transformados de acordo com os propósitos
comunicativos do produtor textual; e (ii) extratextuais, como a cultura, os
conhecimentos de mundo dos participantes da comunicação, a interação entre eles, entre
outras condições (cf. CAVALCANTE, 2011; KOCH, 2004).
A fim de tornar ainda mais evidente a importância do ensino da coesão e dos
manuais didáticos em sala de aula, decidimos investigar quais recursos coesivos estão
sendo apresentados nesses manuais e de que modo a coesão é abordada, restringindo
nossa investigação a observar a referenciação: processo amplo de organização e
processamento textual em que temos a possibilidade de nos referirmos a elementos
linguísticos ou extralinguísticos.
A importância do tema decorre da necessidade de observarmos como os
elementos de referenciação colaboram na construção do texto e, consequentemente, na
formação de leitores e produtores competentes, capazes de manejar adequadamente os
recursos linguísticos postos a sua disposição nos mais diversos contextos
17
comunicativos, uma vez que a ação de fazer referência, no texto, a elementos textuais
precedentes ou subsequentes, é frequente e naturalmente praticada pelos usuários da
língua.
Para tanto, recorremos ao campo de estudo da Linguística de Texto, que
contribui significativamente para o estudo da referenciação, uma vez que adota o
pressuposto de que o processamento do texto acontece na interação, considerando o
entorno sociodiscursivo, tendo como objeto central “o texto tido como processo, como
atividade sociocognitivo-interacional de construção de sentidos” (KOCH, 2008, p. 11).
Essa concepção construtivista da referência é adotada, aqui no Brasil, por
estudiosos como Koch, Marcuschi e Cavalcante, que serão tomados como base principal
para discussão e reflexão acerca de nossos estudos.
Pretendemos, pois, a partir dos resultados das pesquisas já realizadas sobre o
tema em questão, observar a abordagem da coesão, especialmente a referenciação,
envolvendo suas estratégias e o modo como são ensinadas nos LDP aprovados pelo
PNLD-EM/2012, a fim de verificar se há contribuições significativas para o aluno
conseguir compreender o texto não como algo pronto e acabado, mas sempre num
processo de construção e reconstrução, de que ele próprio participa ativamente (cf.
KOCH, 2004, 2008; KOCH e ELIAS, 2007 e 2009; MARCUSCHI, 1998).
Dessa perspectiva, resultam os principais problemas a serem discutidos nesta
dissertação: (1) os livros didáticos, aprovados pelo PNLEM/2009 e PNLD-EM/2012
abordam os recursos coesivos relacionando-os à análise linguística, leitura e produção
textual, como exigem os Parâmetros Curriculares Nacionais?; (2) Os Manuais do
Professor presentes nos LDP oferecem arcabouço teórico atual para os docentes sobre
os estudos associados à LT e à referenciação?; (3) houve alguma atualização dos
estudos associados à referenciação entre os manuais analisados em 2009 para os
manuais analisados em 2012?
A fim de compararmos, portanto, o resultado de análises anteriores com as
atuais, há algumas hipóteses que pretendemos confirmar: (1) os LDP já apresentam
mudanças que correspondem às exigências dos PCN e que superam as falhas apontadas
nos manuais analisados pelo PNLEM 2009; (2) já há uma abordagem que relaciona
principalmente a análise linguística aos dois grandes fatores de textualidade – coesão e
18
coerência; (3) o Manual do Professor (MP) deve apresentar, em obras mais recentes,
embasamento teórico sobre os estudos da Linguística de Texto para a referenciação.
Acreditamos, assim, que, no decorrer de cerca de 6 anos, isto é, dos livros
avaliados pelo PNLEM/2009, que correspondem às obras publicadas no ano de 2004,
até as obras analisadas pelo PNLD-EM/2012, que se referem àquelas lançadas até o ano
de 20101, tenha havido alguma mudança significativa na abordagem dos mecanismos de
coesão e, consequentemente, do processo de referenciação. Dessa maneira, esperamos
encontrar associação entre coesão, referenciação e a análise linguística, uma vez que as
críticas feitas no catálogo de Livros Didáticos do PNLEM/2009 já alertavam para essa
necessidade – refletindo as teorias defendidas nos PCN desde 1998. Esperamos, ainda,
encontrar o conceito de referenciação e não somente o de coesão referencial tanto no
livro do professor como no do aluno. No Manual do Professor, esperamos também que
haja subsídios teóricos abarcando as mais importantes e atuais pesquisas feitas sobre o
tema.
Norteada por essas hipóteses, esta pesquisa, situada na linha de pesquisa Língua
e Ensino, apresenta os seguintes objetivos: (i) contribuir para a discussão sobre o ensino
da referenciação e da coesão textual; (ii) observar se ocorreram mudanças na abordagem
da referenciação nos LDP de EM entre o PNLEM/2009 e o PNLD-EM/2012 – e, se
houve, em que consistem tais mudanças; (iii) investigar se/como os recursos da
referenciação são mencionados nos LDP de EM, averiguando em qual parte dos
manuais o assunto é abordado e se os exercícios trabalham a questão; (iv) conferir se os
LDP associam os recursos coesivos, especialmente os referenciais, aos processos de
organização e processamento textual, com o objetivo de mostrar que as nossas escolhas
linguísticas não são aleatórias, mas significativas; (v) observar se o Manual do Professor
oferece explanações eficientes aos docentes para o ensino desse processo de progressão
textual.
Optamos por utilizar como corpus os LDP por dois motivos. Primeiramente,
porque nem sempre se dá a devida atenção a esse material didático, que é, na maioria
das vezes, o único objeto de ensino do professor em sala de aula, assumindo, ao mesmo
1 As obras publicadas até 2004 foram analisadas em 2005, mas o Guia do livro didático foi divulgado
somente em 2009, por isso nos referimos a essa edição como PNLEM/2009. Já as obras publicadas entre
2005 e 2010 foram analisadas em 2011, quando a análise dos livros didáticos passou a se chamar PNLD-
EM/2012.
19
tempo, uma perspectiva de “guardião” do que se deve dizer, de como ensinar e do que
fazer. Dessa maneira, estamos contribuindo com um olhar mais crítico e reflexivo sobre
esse material, tão importante na sala de aula. Em segundo lugar, consideramos que a
análise da referenciação em livros didáticos apresenta-se como uma novidade e uma
necessidade nos estudos do tema, uma vez que, embora amplamente estudada por
diversos autores, pouco se relaciona esse processo a questões mais especificamente
ligadas ao ensino.
Vale ainda destacar, no entanto, que não é nosso objetivo (re)avaliar os LDP de
EM, mas fazer um levantamento da abordagem da referenciação, visando a contribuir
para o ensino de gramática, leitura e produção textual.
No que diz respeito à organização e ao conteúdo das partes deste trabalho,
podemos observar que ele está dividido em 3 capítulos. No primeiro, discutimos
especificamente questões ligadas ao ensino da disciplina língua portuguesa no contexto
do ensino médio. Para tanto, relacionamos as diretrizes oferecidas por documentos
oficiais – considerados importantes para a educação nas últimas décadas – ao ensino de
português, dando maior atenção, porém, àquelas fornecidas pelos PCN de Ensino
Fundamental, já que as maiores contribuições teóricas são arroladas no documento
destinado a este nível de ensino, ficando o do ensino médio, assim como as OCN, como
uma complementação do que foi definido para o nível anterior. Além disso, nesse
capítulo, atendo-nos ao ensino direcionado para a última etapa do ciclo básico escolar,
consideramos relevante traçar um breve histórico do livro didático de LP, uma vez que
este constitui nosso objeto de análise e é também um objeto muito valorizado no
contexto escolar.
No segundo capítulo, serão apresentadas as bases teóricas que sustentam nossas
asserções. Nesse momento, realizamos um apanhado teórico sobre a linha de pesquisa
da Linguística de Texto, abordando as principais fases pelas quais passou a concepção
de texto e o conceito de referenciação. Nessa parte, deixamos clara a visão de texto que
adotamos nessa pesquisa. Consideramos relevante, ainda, mostrar de que forma o
processo de referenciação está atrelado aos conceitos de coesão e coerência, assim como
apontar a distinção entre as noções de referência e referenciação. Nesse espaço,
mostramos a importância da referenciação para o ensino mais produtivo de LP,
destacando suas principais estratégias, articulando-as às questões referentes à leitura,
20
análise linguística e produção textual, contribuindo, assim, para capacitar os alunos a
construírem mais adequadamente os sentidos dos textos.
O terceiro capítulo é destinado aos aspectos metodológicos e à apresentação
detalhada dos livros didáticos que constituem o corpus a ser analisado qualitativamente
neste trabalho. Nesse espaço, dedicamo-nos também a assinalar a quais conclusões foi
possível chegar a partir da análise e comparação dos manuais didáticos, aproveitando
para refletir sobre os possíveis desdobramentos que esta pesquisa pode oferecer aos
estudos da Língua Portuguesa.
Dessa forma, acreditamos que nosso estudo contribuirá para o ensino de LP,
pois, ao investigar a referenciação, estaremos propiciando uma reflexão mais crítica do
que seja trabalhar o texto em sala de aula, principalmente, aqueles contidos nos LDP,
estimulando uma maior integração entre as práticas de linguagem: leitura, produção e
análise linguística. Nesse contexto, sabendo da importância da produção e compreensão
textual e do LDP, como objetos de ensino do professor em sua prática docente, e da
relevância do processo de referenciação na construção e recepção textual, percebemos a
necessidade da articulação entre esse conjunto de fatores, visando à contribuição para
um ensino mais produtivo de Língua Portuguesa.
21
1. A LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO
1.1. O ensino de LP: Orientações oficiais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – documento com a função de
orientar o ensino de língua materna – têm sido um valioso objeto de debates nos últimos
anos, suscitando uma série de produtivas discussões e reflexões sobre o ensino. De
acordo com Dionisio e Bezerra (2005, p. 96), podemos “situar a orientação desse
documento como predominantemente sociointeracionista de inspiração discursiva, o que
significa a introdução de um novo paradigma no ensino”, em que o aluno é levado a
participar de maneira crítica diante do uso que faz de sua própria língua.
Dessa forma, percebemos que os PCN propõem um distanciamento dos modelos
cristalizados do estudo de LP, desvalorizando o ensino da gramática pela gramática e
propondo que o estudo parta de textos variados, de modo a preparar o aluno para lidar
com as múltiplas situações comunicativas. Nesse sentido, os PCN reafirmam e tornam
evidente a participação crítica e efetiva do aluno nas práticas comunicativas:
Num mundo contemporâneo, (...), a reflexão sobre as linguagens e seus
sistemas (...) e sobre os processos e procedimentos comunicativos é mais do
que uma necessidade, é uma garantia de participação ativa na vida
social, a cidadania desejada. (BRASIL, 2000, p. 6). [grifos nossos]
Assim, a Língua Portuguesa, trabalhada como objeto de reflexão e análise, deve
ter por objetivo a ampliação da competência discursiva do falante, que chega à escola
dominando um tipo de gramática – a internalizada – e fazendo uso de uma variedade
linguística que ele adquire por meio do contato com outros falantes em uma
comunidade de fala, insuficiente para integrá-lo de forma crítica na sociedade,
principalmente quando tratamos do uso da linguagem escrita. Quanto a essa questão,
Ilari (s.d.), salienta que
a tarefa [do professor de língua] é diferente da dos mestres de outras
disciplinas, porque estes últimos respondem por uma verdadeira iniciação da
criança num novo campo, ao passo que as crianças já são falantes de sua
língua quando chegam à escola.
22
Ou seja, o estudo da língua materna não é uma novidade para o falante, por isso
é necessário ir além de apresentação de nomenclaturas e regras, motivando o aluno a
refletir sobre os diversos usos que a língua nos oferece nas diversas circunstâncias
comunicativas, o que
supõe o planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão não
apenas sobre os diferentes recursos expressivos utilizados pelo autor do texto,
mas também sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos reflete as
condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo gênero e
pelo suporte (BRASIL, 1998, p. 27-28).
É nessa perspectiva que os PCN têm colaborado fortemente para o rompimento
da visão tradicionalista de ensino, pois o foco do ensino de LP passa a ser o texto, visto
como um processo em constante elaboração e não mais a frase isolada ou a gramática
com um fim em si mesma. A partir do texto, o aluno será levado a refletir sobre as
possibilidades de uso da língua. Entretanto, quando os PCN e as OCN defendem a
utilização do texto como principal objeto de ensino, muitos professores sentem
dificuldade em pôr essa tarefa em prática devido à falta de conhecimento acerca das
questões defendidas pela Linguística de Texto, que respaldam as postulações desses
documentos, e ao mau uso que se faz dos livros didáticos ou mesmo à falta de qualidade
ou organização desses materiais.
Segundo Santos (2006), o desafio que se apresenta ao professor é, então, mostrar
como trabalhar as três práticas de linguagem apresentadas nos Parâmetros – leitura,
produção e análise linguística – de maneira integrada, uniforme e não isolada como
costumamos ver nos livros didáticos, principalmente de EM, que apresentam uma
fragmentação mais nítida, se comparados aos manuais voltados para o Ensino
Fundamental (EF), em três grandes blocos: gramática (análise linguística), redação
(produção textual) e Literatura. O problema maior ocorre quando essas três partes não
apresentam relação entre si. Conforme advogam os PCN,
As práticas de linguagem são uma totalidade; não podem, na escola, ser
apresentadas de maneira fragmentada, sob pena de não se tornarem
reconhecíveis e de terem sua aprendizagem inviabilizada. Ainda que
didaticamente seja necessário realizar recortes e descolamentos para melhor
compreender o funcionamento da linguagem, é fato que a observação e
análise de um aspecto demandam o exercício constante de articulação com os
demais aspectos envolvidos no processo (BRASIL, 1998, p. 36).
23
Considerando a questão dos LDP, muitos deles têm sido elaborados, conforme
podemos ler nas capas dos manuais, “de acordo com os PCN”. Isso mostra a
importância desse documento para o ensino não só de LP como também das outras
disciplinas. Essa importância é confirmada pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD/PNLEM), criado pelo MEC, responsável por avaliar os livros didáticos e
verificar em que medida eles respondem às orientações oferecidas pelos PCN,
assegurando, assim, maior qualidade desse mediador no processo ensino-aprendizagem.
Os resultados das avaliações são publicados no Guia dos livros didáticos, que serve de
base para os professores escolherem as coleções que pretendem adotar com suas turmas.
A grande questão do ensino de LP está mesmo em articular uniformemente as
competências interativa, textual e gramatical, conforme assinalado pelos PCN+
(Orientações Educacionais Complementares aos PCN):
O ensino da língua materna deve considerar a necessária aquisição e o
desenvolvimento de três competências: interativa, textual e gramatical.
Esse tripé, necessariamente inter-relacionado, mesmo não sendo exclusivo da
disciplina, encontra nela [na língua portuguesa] os conceitos e conteúdos
mais apropriados (BRASIL, 2002, p. 55) [grifos nossos].
A primeira dessas competências, interativa, dialoga diretamente com uma das
perspectivas assumidas pela LT, a interacionista, uma vez que, ao usarmos a língua, o
fazemos em contextos que demandam interação entre interlocutores, fato que pressupõe
que todo conhecimento é fruto da relação entre sujeitos: “A interação é que faz ser a
linguagem comunicativa” (BRASIL, 2000, p. 18). Conforme ressaltam os PCN+ (2002),
cabe à escola um importante papel de mediação na aquisição dessa competência, já que
é no diálogo, na troca de experiências que os falantes se constituem. Devido a esse
diálogo entre interlocutores e entre textos é que o texto existe na sociedade e é
considerado produto social e cultural, único em cada contexto. (Ibid., p. 18). Nesses
termos, Ilari (s.d.), em concordância com essas proposições, assevera que “todo texto
real é sempre uma forma de interlocução ou resposta: falamos, no mais das vezes,
reagindo a outra fala.”
A segunda das competências citadas, a textual, remete aos conhecimentos sobre
a estrutura e composição dos textos, materializados em gêneros textuais, que
apresentam características temáticas, composicionais e estilísticas específicas, as quais
devem ser consideradas tanto no processo de leitura quanto no de produção textual. A
24
competência textual apresenta íntima relação com a primeira, já que é na interação que
os sujeitos percebem os elementos determinantes na escolha adequada dos gêneros.
Assim, o texto, materialização de um gênero textual, deve ser a unidade básica de
ensino.
Nesse sentido, os PCN propõem que se abandone a tradicional separação dos
textos em narrativos, dissertativos/argumentativos e descritivos como ponto de partida e
se levem em conta os gêneros que circulam socialmente – iniciativa que tem por
propósito tornar o ensino de LP muito mais significativo. Além disso, os PCN+
sugerem uma lista de mecanismos que, em conformidade com as possibilidades
oferecidas por cada gênero, podem ser empregados; entre eles, os primeiros a serem
citados são os “mecanismos de coesão referencial (retomada pronominal, repetição,
substituição lexical, elipse).” (BRASIL, 2002, p. 80). Em pesquisas anteriores, Santos e
Tupper (2011, p.3) assinalam que “para seguir os PCN, a abordagem [ou competência]
textual tem sido privilegiada nos livros didáticos, mas nem sempre de maneira coerente,
como ocorre com a abordagem do tema referenciação”.
Por último, os PCN citam a competência gramatical, que se refere à
compreensão e uso do sistema linguístico como instrumento de construção/organização
da realidade, ou seja, das articulações que regem esse sistema. De todos os recursos
linguísticos mencionados, é dada fundamental importância aos processos coesivos,
dentre os quais destacamos aqui a referenciação. Visando estimular esse tipo de
competência, os PCN+ sugerem que se avalie, dentre outros procedimentos, “a
propriedade do uso dos recursos lexicais (jogos metafóricos e metonímicos, expressões
nominais definidas, hiponímia, hiperonímia, repetição) em função das estratégias
argumentativas do leitor” (BRASIL, 2002, p. 83).
Ser um produtor e leitor ativo de textos falados ou escritos requer, portanto, a
congruência dessas três competências, que devem ser desenvolvidas de forma
progressiva e nunca de maneira estanque, como ainda se vê em sala de aula e em alguns
livros didáticos.
Concluímos, assim, que
Os objetivos da nova educação pretendida são certamente mais amplos do
que os do velho projeto pedagógico. Antes se desejava transmitir
conhecimentos disciplinares padronizados, na forma de informações e
procedimentos estanques; agora se deseja promover competências gerais, que
25
articulem conhecimentos, sejam estes disciplinares ou não (BRASIL, 2002,
p. 12).
Essa articulação pode ser feita, por exemplo, a partir do trabalho com a coesão
textual e os mecanismos referenciais, que, conforme apontam os PCN e as OCN,
colaboram tanto para estimular a competência interativa, quanto a textual e a gramatical.
Documentos como os PCN e as OCN têm sido de extrema importância para o
ensino, contudo apenas delineiam diretrizes, propostas de ensino, atuando como um
material de apoio para o professor e para o projeto político pedagógico da escola;
portanto, o modo como proceder em sala de aula fica a cargo do corpo docente que,
levando em consideração o perfil do alunado e sendo auxiliado por um bom livro
didático, deverá adequar as propostas para realizar um trabalho mais produtivo a cada
situação. Considerando essa necessidade da adequação, Dionisio e Bezerra (2005, p. 47)
chamam atenção para o fato de que “textos bem escolhidos, mas com abordagens
inadequadas podem não favorecer a aprendizagem da leitura, escrita e análise
linguística”.
Os PCN, assim como as OCN, oferecem subsídios na esfera educacional e,
principalmente, auxiliam os alunos a prosseguirem os estudos e participar de modo
crítico na sociedade. Portanto, como afirma Koch (2008, p. 187), esses documentos
traçam diretrizes gerais, não lhes cabendo aprofundar questões da esfera educacional,
tarefa esta que cabe aos professores de cada área. Assim, apesar de algumas críticas
feitas sobre esses documentos, eles constituem e constituirão por muito tempo, uma
importante e significativa referência para a educação.
O Ensino Médio (EM), considerado a última etapa da educação básica pela LDB
(Art. 36), corresponde ao “período de consolidação e aprofundamento de muitos dos
conhecimentos adquiridos ao longo do Ensino Fundamental (EF)” (BRASIL, 2006),
devendo atuar de maneira que garanta ao aluno a preparação básica para continuação de
seus estudos, a fim de que ele seja inserido no mundo do trabalho, bem como no
exercício cotidiano da cidadania. Assim,
o EM deve ser encarado tanto como sequência coerente do EF — e, portanto,
como sua continuidade — quanto como uma ruptura, dadas as
especificidades de seu alunado e das demandas sociais que a ele estão
associadas (BRASIL, 2011, p. 7).
26
Conforme salienta o guia do PNLD (Ibid., p. 8), isso implica, dentre outras
questões, “retomada e aprofundamento das capacidades de reflexão sobre a língua e a
linguagem” e “sistematização progressiva dos conhecimentos metalinguísticos
decorrentes da reflexão, com o objetivo de levar o aluno a construir uma representação
cientificamente plausível da língua (...)”.
As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCN) (BRASIL,
2006, p. 32) preveem, ainda, que, no decorrer da formação do EM, o “alunado” deva
“conviver, de forma não só crítica, mas também lúdica”, com diferentes tipos de
situações de produção e leitura de textos, com o intuito de perceber a “multiplicidade de
linguagens que ambientam as práticas de letramento (...) em nossa sociedade”, para,
então, ser possível refletir sobre os usos da língua. Além disso, o documento acrescenta
que o convívio com essas diferentes situações auxilia a inserção do aluno em práticas
linguageiras “em que são colocados em funcionamento textos que exigem
conhecimentos distintos daqueles usados em situações de interação informais (...)”
(ibid.).
Em outras palavras, as recomendações assinaladas apontam para a necessidade
de os alunos finalizarem o EM sentindo-se preparados para lidar com diferentes
situações comunicativas, as quais devem ser constantemente simuladas no espaço
escolar, principalmente na disciplina Língua Portuguesa. Só assim, por meio dessas
simulações, em que o aluno será estimulado a interagir por meio da linguagem escrita
ou oral, é que eles poderão refletir sobre o real funcionamento da linguagem.
É, pois, dentro dessa perspectiva que o ensino e a aprendizagem da língua
materna devem procurar desenvolver no aluno do ensino médio uma
competência linguística, cuja essência não se pauta na exclusividade do
domínio técnico do uso da língua “padrão”, mas, sobretudo, no saber
empregar a língua na sua diversidade, em que se leva em consideração o
contexto interativo. (SILVA, 2011, p. 7)
Para tanto, conforme salienta Silva é necessário que o aluno seja capaz de
perceber “a oralidade e a escrita como modalidades de emprego da língua
complementares e interativas nas práticas sociais”, tornando-o produtor e leitor de
textos de diversos gêneros, nas diversas situações de interação comunicativa que exigem
recursos adequados para a consecução de seus objetivos comunicacionais. Em outras
palavras, “pensar o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio significa dirigir a
27
atenção não só para a literatura ou para a gramática, mas também para a produção de
textos e a oralidade” (BRASIL, 2002, p. 70). Contudo, como o EM é a etapa final da
educação básica, concordamos com Silva (2011, p. 7) quando afirma que “as práticas
sociais do emprego da língua escrita devem ser enfatizadas na orientação de atividades
escolares”, pelo fato de apresentarem grande valor social e histórico em nossa
sociedade.
Com base nesses pressupostos, acreditamos que o ensino de língua deve partir de
uma concepção sociointeracionista e discursiva da linguagem, o que significa
compreender que toda atividade humana é mediada pela linguagem e que toda forma de
linguagem não é construção individual, mas coletiva: é uma prática social. Assim sendo,
a língua se constrói no discurso, e não em sílabas, palavras, frases soltas e
descontextualizadas. É consequência natural dessa proposta definir, como objeto de
ensino e ponto de partida, o texto empírico, ou seja, um gênero textual específico.
Será preciso, ainda, “reconhecer que o aluno do EM, pela faixa etária em que se
situa, pela escolarização já vivida e pelo tipo de inserção social que o caracteriza, é um
sujeito social bastante diferente do aluno do EF” (BRASIL, 2011, p. 8). Nesse sentido, o
jovem do EM é um ator social que, entre outros traços, conforme aponta o Guia do
PNLD 2012 (Ibid, p. 8), caracteriza-se por:
(i) ser alvo de um discurso mercadológico e publicitário específico,
configurando-se, assim, como um “segmento” do mercado e como um
destinatário particular da indústria cultural; (ii) representar um segmento da
população socialmente identificado a valores culturais opostos e, em certos
aspectos, contraditórios (...).
Levar em conta essa condição juvenil, como denomina o Guia do PNLD, na
organização da vida escolar e nas diferentes instâncias de planejamento do ensino, é,
portanto, um requisito indispensável para o funcionamento adequado e eficaz do EM.
Ainda de acordo com o Guia, no que diz respeito ao que há de particular à disciplina de
LP, esse (re)conhecimento do perfil do alunado deve traduzir-se na definição de
objetivos de ensino-aprendizagem compatíveis, assim como na seleção de conteúdos
adequados e nas orientações metodológicas correspondentes.
Nessa perspectiva, o ensino de Língua Portuguesa deve “desenvolver o potencial
crítico do aluno e, dessa forma, o seu entendimento de mundo, por intermédio do uso
adequado da língua e da linguagem” (SILVA, 2011, p. 10). Por esse motivo, o trabalho
28
com a língua materna deve ser desenvolvido “para além da memorização mecânica de
regras gramaticais” (Ibid.), sendo possível fazer um trabalho com a gramática, mas sem
dispensar uma reflexão sobre ela. Somente a partir dessa reflexão é que será possível
“conduzir o aprendizado de modo a promover, junto ao alunado, as qualificações
humanas pretendidas pelo novo ensino médio”. (BRASIL, 2002, p. 9).
Nesse contexto, consideramos que o estudo de regras e categorias tradicionais
tem seu interesse adequado às necessidades do aluno de EM, à medida que contribui
para seu desempenho linguístico, tanto na recepção quanto na produção de textos
escritos e orais. Isso significa que “as atividades de leitura, produção e interpretação de
texto e exercício com a oralidade, em situações reais de uso, devem ser, também neste
grau, prioritárias no ensino-aprendizagem da área.” (BRASIL, 2011, p. 10).
Não à toa, os PCN, com uma proposta inovadora, que considera as
transformações pelas quais passou e tem passado a educação, defendem que
num mundo como o atual, de tão rápidas transformações e de tão difíceis
contradições, estar formado para a vida significa mais do que reproduzir
dados, denominar classificações ou identificar símbolos, significa saber se
informar, comunicar-se, argumentar, compreender e agir através da
linguagem (BRASIL, 2002, p.9).
Somente indo além desses limites, o discente conseguirá ampliar e articular
conhecimentos e competências que o habilitem a atuar nessa diversidade de situações da
vida em sociedade.
Assim, os PCN salientam que o Ensino Médio, dentro desses novos moldes da
educação, deixa de ser apenas profissionalizante ou um preparatório para o curso
superior e passa a ter o objetivo e responsabilidade de completar a educação básica,
fazendo do aluno um cidadão que saia preparado para a vida, qualificado para a
cidadania e capacitado para o aprendizado permanente, “seja no eventual
prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho” (Ib., p.8).
Devemos atentar, entretanto, para o fato de que, para que tudo o que foi debatido
acima seja colocado em prática, é fundamental o papel do professor, que, como
principal mediador do processo educacional, deve
adquirir paulatinamente a consciência do público a quem dirige seu discurso
[alunos do EM], levando em conta o fato de serem adolescentes, trazerem
uma bagagem de conhecimentos adquirida ao longo de seu processo anterior
29
de escolarização, serem parte de um grupo social dotado de características
próprias, que eventualmente os diferencia de outras comunidades (Ibid., p.
75).
O ensino de Língua Portuguesa deve, portanto, tornar os alunos dos anos finais
da educação básica atores sociais, ou seja, um cidadão crítico atuante, com voz própria e
com recursos para expressá-la. Em outras palavras, é necessário tornar o aluno um
crítico dos discursos em circulação, uma vez que sua inserção social se faz por meio da
linguagem.
1.2. O Livro Didático de Língua Portuguesa no Ensino Médio
O livro didático (LD) para o Ensino Médio (EM) ocupa um papel central no
cotidiano escolar, mesmo coexistindo com diversas outras ferramentas, como a internet
e os recursos audiovisuais (cf. RODRIGUES e FREITAS, 2008), e participa de um
contexto de ensino-aprendizagem cujos objetivos vêm sendo delineados, cada vez com
mais precisão, por um conjunto de iniciativas de políticas públicas. Um marco
significativo desse processo foi a promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, que inclui o Ensino Médio na Educação Básica. Neste mesmo
ano, o MEC, preocupado com a qualidade dos livros didáticos, lançou o PNLD,
programa que, como já foi dito, tem por objetivo subsidiar os alunos e professores das
escolas públicas, oferecendo livros de melhor qualidade didática, já que estes têm que
passar por uma avaliação crítica e trabalhosa realizada por profissionais competentes na
área.
Após a promulgação da LDB, outros fatos marcaram o contexto educacional.
Em 1999/2000 publicaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (PCNEM); em 2002, divulgaram-se as Orientações Complementares aos
PCNEM, conhecidas como PCN+, entre outros documentos importantes, como as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCN). Simultaneamente à publicação
desses documentos, também se instituíram importantes iniciativas em direção a uma
sistemática de avaliação para o EM, como o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), realizado a partir de 1997, e a ampliação do Programa Nacional do Livro
Didático para obras de EM, a partir de 2003/2004. Dessa forma, percebemos uma série
30
de acontecimentos que marcaram de vez a história da educação no Brasil, modificando
progressivamente os rumos do ensino no país.
Como vimos na seção anterior, o EM, segundo os PCN, é o momento para o
aluno retomar e aprofundar conteúdos e competências, tanto gramaticais quanto
textuais, apreendidos no EF, uma vez que “graves são os problemas oriundos do
domínio básico instrumental, principalmente da língua escrita” (BRASIL, 2002, p. 17).
Além disso, como postula Santos (2006, p. 59), o objetivo primordial do ensino de LP é
a formação de alunos como coautores do conhecimento e não meros reprodutores. Para
tanto, é necessário – e mais produtivo – levar os alunos a refletirem sobre os usos que
fazem e podem fazer da própria língua. Fica a cargo do EM, portanto, “oferecer aos
estudantes oportunidades de uma compreensão mais aguçada dos mecanismos que
regulam nossa língua” (BRASIL, 2002, p. 55).
Em Santos e Tupper (2011), apontamos que uma das bases essenciais no ensino
de LP é a utilização de elementos coesivos que visem a contribuir para a identificação
de estratégias importantes na hora de ler ou escrever textos, tarefa essa a que estamos
expostos diariamente. Além disso, ressaltamos que, durante esse nível, a preocupação
com vestibular e ENEM é cada vez maior, e os alunos atribuem maior importância à
escrita. Por isso,
(...) é de extrema importância a formação de alunos capazes de produzir
textos coerentes, coesos, expressando sua identidade e mediando sua
intervenção na realidade (ibid., p. 7).
Observamos, por meio do trecho acima, além da importância da construção de
textos com coesão e coerência, um convite ao aluno a participar de forma ativa nesse
processo, devido à necessidade de mobilização de uma série conhecimentos, de ordem
linguística, pragmática ou interacional.
O catálogo do PNLEM/2009 (BRASIL, 2008, p. 19) destaca como devem ser os
LDP direcionados ao EM:
O livro destinado ao ensino médio tem múltiplos papéis, entre os quais se
destacam: (i) favorecer a ampliação dos conhecimentos adquiridos ao longo
do ensino fundamental; (...); e (iii) oferecer informações atualizadas, de
forma a apoiar a formação continuada dos professores, na maioria das vezes,
impossibilitados, pela demanda de trabalho, de atualizarem-se em sua área
específica.
31
Em relação ao que foi exposto no excerto acima, temos observado (cf. SANTOS,
2009; SANTOS e TUPPER, 2011) que escolas já podem adotar livros didáticos que não
enfatizem apenas exercícios mecânicos, elaborados segundo a concepção estruturalista
de linguagem. Os LDP de EM publicados atualmente e aprovados pelo PNLD procuram
dar mais voz aos alunos, incentivando a reflexão e o posicionamento pessoal diante de
certos questionamentos, possibilitando ao aluno, portanto, ampliar os conhecimentos
adquiridos na etapa anterior, conforme ressalta o primeiro item da orientação oficial.
De acordo com o terceiro item, ressaltamos a necessidade de os livros didáticos
constituírem mais que um manual de consulta para o professor, mas uma possibilidade
de aprofundamento e contribuição das pesquisas desenvolvidas nos meios acadêmicos,
tornando-as compreensíveis e acessíveis ao docente.
Quanto a isso, Antunes (2003, p. 120) já ressaltava a necessidade de o professor
criar oportunidades (oportunidades diárias) para o aluno construir, analisar,
discutir, levantar hipóteses, a partir da leitura de diferentes gêneros de textos
– única instância em que o aluno pode chegar a compreender como, de fato, a
língua que ele fala funciona.
Cabe ao professor, portanto, “pensar nos usos diferenciados que um LD pode
permitir, como alterações de sequências, atividades complementares, aspectos diversos
da realidade local etc.”, ou seja, o trabalho com os compêndios “não pode prescindir do
professor” (TAGLIANI, 2011, p. 137). Entretanto, conforme asseveram Dionisio e
Bezerra (2005, p. 35),
O LDP [...] constitui-se, senão o único material de ensino aprendizagem, o
mais importante, em grande parte das escolas brasileiras. Essa importância é
tal, que o interlocutor dos alunos não é mais o professor, mas o autor do
LDP: interlocutor distante, dificultando a interação com os alunos, e porta-
voz presente (professor) quase sem autonomia, seguindo página a página a
proposta do autor.
O livro didático não deve inibir o professor, deixando-o sem oportunidade de
criar seu próprio curso; em outras palavras, não deve dizer o que e como fazer,
dispensando um trabalho mais autônomo e reflexivo. Além disso, é necessário que o
docente não veja o LD como um depositário de verdades absolutas, apresentando um
trabalho autônomo e complementar a esse objeto de apoio.
32
Fica relegada, então, ao professor a tarefa de considerar a experiência cotidiana,
a experiência real em sala de aula, percebendo os problemas e reformulando
constantemente seu trabalho a fim de torná-lo adequado a cada turma. Para isso “basta o
professor explorar sua própria capacidade de pensar, de criar, de inventar para ver como
as oportunidades surgem.” (ANTUNES, 2003, p. 124). Rangel (2005, p. 26) vai além,
defendendo que é também o aluno responsável pelo bom uso do livro didático em sala
de aula:
por melhor e mais especializado que seja um material, parte significativa de
seu caráter didático decorre dos usos que professor e aluno, envolvidos numa
situação de ensino/aprendizagem particular, fazem dele. Podemos dizer,
então, que a eficácia desses recursos resulta da correta formulação de uma
equação entre o seu grau de especialização, o perfil dos sujeitos envolvidos e
as características da situação.
Apesar das críticas, dos erros, do mau uso que, por vezes, se faz do livro didático
na escola, consideramos sua presença como fator fundamental para o ensino, uma vez
que ele faz parte da cultura de muitas gerações e, além disso, representa, em muitos
casos, a única possibilidade de leitura nos ambientes por onde circulam os alunos, como
o escolar e o familiar, por exemplo. Concordamos que “os materiais didáticos, se bem
escolhidos e usados, se de qualidade e adequados ao planejamento do professor, são
grandes instrumentos de apoio no processo de ensino-aprendizagem” (ROJO, 2005, p.
3) e, ainda, permitem a realização de diversas atividades sociais de linguagem.
33
2. LINGUÍSTICA DE TEXTO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
2.1. O percurso da Linguística de Texto
A Linguística de Texto tal qual a conhecemos hoje passou por diversos
momentos até chegar ao seu atual estágio, em que o texto é considerado numa
perspectiva sociocognitiva. Neste capítulo, serão arroladas as principais etapas por quais
passou o estudo da língua, com o objetivo de mostrar que nem sempre o texto foi visto
com toda essa importância no ensino de língua materna, refletindo, ainda nos dias de
hoje, problemas de toda ordem: confusão entre as noções de coesão e coerência, o texto
sendo utilizado como pretexto, erros conceituais dos fatores de textualidade – como a
coesão e coerência – e a dificuldade em considerá-los numa esfera mais ampla.
Na primeira metade do século XX, o estudo da língua era realizado,
principalmente, por filólogos e gramáticos, que se importavam, de modo particular com
a análise transfrástica, devido à preocupação com as relações estabelecidas entre as
frases e os períodos. O texto, assim, era visto como signo linguístico mais alto na
hierarquia da língua e o contexto como o entorno verbal (cotexto). Nessas
circunstâncias, desenvolveu-se a Linguística Estrutural, que tinha como referência
principal o linguista suíço Ferdinand de Saussure, que se dedicava a depreender a
estrutura da língua, a partir dos dados linguísticos observáveis.
A partir da década de 1960, porém, surgiu, na Europa, a Linguística de Texto
com expressão máxima na Alemanha, como proposta teórica para tentar solucionar
certas problemáticas do texto, que a gramática normativa não conseguia explicar, por se
restringir ao nível da frase.
Nessa época, o percurso de análise partia da frase para o texto, pois o texto não
era considerado um objeto autônomo, nem um objeto de análise. Assim, o estudo
centrava-se nos mecanismos interfrásticos, isto é, “no estudo das relações que se
estabelecem entre enunciados” (KOCH, 2004, p. 3). Desse modo, deu-se uma maior
atenção às relações referenciais e aos recursos de coesão textual, que, por consequência,
era confundida com a coerência, entendida “como mera propriedade ou característica do
texto” (Ibid., p. 5). Quanto a essa questão, Koch (2004, XIII) assevera que
34
o que se pode verificar é que, na época do surgimento da Línguística Textual,
(...), em função do conceito de texto então majoritário, a maioria dos
estudiosos estava debruçada sobre a análise transfrástica e/ou a construção de
gramáticas do texto, de modo que o objeto privilegiado de estudo era a
coesão, ou seja, a prioridade de cohere (hang together), muitas vezes,
equiparada à coerência, já que ambas eram vistas como qualidades ou
propriedades do texto.
Nesse sentido, como lembra a autora, “os estudos das relações referenciais
limitavam-se, em geral, aos processos correferenciais (anafóricos e catafóricos),
operantes entre dois ou mais elementos textuais” (Ibid., p. 4).
Num segundo momento, a Linguística passou a incorporar os ensinamentos da
Gramática Gerativa, de Noam Chomsky, promovendo um deslocamento do estudo da
língua para a esfera psicológica e biológica. Nessa etapa de investigação, considerava-se
que todo falante conhece o que seja um texto – ato de fala complexo; produto que
mobiliza operações e processos cognitivos. Essa competência textual apontava para a
construção de uma gramática de texto, que visava refletir sobre fenômenos linguísticos
inexplicáveis por meio de uma gramática da frase.
Segundo essa tendência, o texto constituía a unidade mais elevada e se
subdividia em unidades menores, igualmente passíveis de classificação. Essa nova
concepção representou um grande avanço em relação à anterior, uma vez que
considerava o texto como um todo dotado de unidade própria e objeto passível de
análises: “Abandona-se, assim, o método ascendente – da frase para o texto” (KOCH,
2004, p. 6). Contudo, o texto era concebido como um produto pronto e finalizado.
Além disso, percebeu-se, que o texto não deveria ser compreendido apenas como
resultado de processos cognitivos. Para Koch (2004), por exemplo, as operações de
natureza mental não ocorrem somente na mente do indivíduo, isto é, não devem ser
vistas apenas como resultado de processos cognitivos, e sim como o resultado da
interação de várias ações conjuntas praticadas por ele. Nesse sentido, Koch (2008, p.
30) salienta ainda que:
Uma visão que incorpore aspectos sociais, culturais e interacionais à
compreensão do processamento cognitivo baseia-se no fato de que grande
parte dos processos cognitivos acontece na sociedade e não exclusivamente
nos indivíduos.
35
Foi necessário, portanto, propor uma teoria de texto que discutisse a
constituição, o funcionamento e a produção de textos numa situação real de interação
verbal, já que o sentido não se encontra unicamente no texto, mas surge na interação
entre o escritor/falante e o leitor/ouvinte. Nas palavras de Koch (2004, p. 14), “já não se
trata de pesquisar a língua como um sistema autônomo, mas sim em seu funcionamento
nos processos comunicativos de uma sociedade concreta”. A língua é vista, assim, como
um tipo de ação conjunta, e o texto como uma unidade em permanente construção.
Dentro dessa concepção, consequentemente, amplia-se a noção de contexto,
correspondente, inicialmente, a cotexto (segmentos textuais precedentes e subsequentes
ao fenômeno em estudo). Assim, com a introdução da Pragmática, o contexto passou a
abranger primeiramente a situação comunicativa imediata e, posteriormente, o entorno
sócio-histórico-cultural, representado na memória por meio de modelos cognitivos, e,
em seguida, passou a constituir a própria interação e seus sujeitos: o contexto constrói-
se, em grande parte, na própria interação. Por tudo isso, podemos afirmar que “texto e
discurso se relacionam de maneira interdependente e imbricada, então não podemos
desvincular o contexto linguístico da situação” (CIULLA E SILVA, 2008, p. 48).
Na etapa atual dos estudos linguísticos, tem-se ainda a interface entre a
Linguística de Texto e Análise do Discurso (AD), duas áreas da Linguística
correntemente confundidas ou colocadas em relação de oposição. Na verdade, trata-se
de duas vertentes que, nos termos de Adam, requerem “ao mesmo tempo, (...) uma
separação e uma complementariedade, nas suas relações mútuas nas ligações com outras
áreas do saber.” (ADAM, 2008, apud CAVALCANTE et al., 2010, p. 228).
Ao mesmo tempo em que apresentam características singulares que justificam
sua separação, por não serem contraditórias, permitem uma aproximação no estudo de
fenômenos da linguagem. Por isso, consideramos necessário tentar estabelecer uma
relação de proximidade entre essas duas ciências, que, juntas, são capazes de contribuir
para uma abordagem mais minuciosa em relação à análise linguístico-discursiva dos
textos,
Para Beaugrande (apud KOCH, 2009, p. 154), “hoje, a Linguística de Texto é
provavelmente melhor definida como subdomínio linguístico de uma ciência
transdisciplinar do texto e do discurso.” Marcuschi (1998) complementa, mostrando que
hoje a LT se configura como “uma disciplina de caráter multidisciplinar, dinâmica,
36
funcional e processual (...)”. Isto é, a Ciência ou Linguística de Texto sente necessidade
de intensificar sempre mais o diálogo que já há muito vem travando com as demais
ciências, procurando, dessa forma, explicar a entidade multifacetada que é o texto –
“fruto de um processo extremamente complexo de interação e construção social de
conhecimento e de linguagem” (KOCH, 2009, p. 157).
Cavalcante et al. (2010, p. 228) apontam: “texto e discurso são pensados de
forma contextualizada, articulada”. Assim, ainda segundo os autores, “qualquer sentido
toma como pilar um determinado posicionamento sociodiscursivo de quem o construiu,
e é, por isso mesmo, passível de reformulações, recategorizações.” (ibid., p. 231). Isso
torna evidente a necessidade de não separar “as noções de linguagem e contexto, pois
que se mostram inevitavelmente imbricadas” (SALOMÃO, 1999, apud
CAVALCANTE et al., 2010, p. 231).
Percebemos, desse modo, que, de seu surgimento até os dias de hoje, a
Linguística de Texto percorreu um longo caminho e continua ampliando e modificando
seus estudos sobre o texto. Ou seja, antes uma disciplina de caráter gramatical (análise
transfrástica, gramáticas textuais), passou pelos estudos pragmático-discursivos até se
transformar em disciplina com tendência sociocognitivista e interacional. Devido,
portanto, ao grande interesse por essa perspectiva sociointeracional-discursiva da
linguagem, no limiar do século XXI, surgem diversos desdobramentos que passam a ser
(re)analisados especificamente na LT, como as formas de progressão textual
(referenciação, progressão referencial, formas de articulação textual, progressão
temática, progressão tópica), o processamento sociocognitivo do texto, os gêneros, a
intertextualidade e muitos outros.
37
2.2. O texto como unidade de ensino
A LT passou por diversas transformações antes de chegar ao estágio atual.
Acompanhando essas transformações, o conceito de texto também precisou ser revisto.
Atualmente, o texto tem sido considerado “não mais como uma estrutura acabada
(produto), mas como parte de atividades mais globais de comunicação.” (BENTES,
2001, p. 268). Nesse sentido, a produção textual passa a ser vista como uma atividade
interacional e, desse modo, podemos perceber que são consideradas as condições de
produção e recepção de textos. Assim, nas aulas de Língua Portuguesa, o texto deve ser
tomado como unidade de ensino para o desenvolvimento da competência comunicativa,
isto é, o texto, conforme já apontava Geraldi (1997), deve ser o ponto de partida, já que
é nele que os alunos devem descobrir os modos de construção, e o ponto de chegada,
porque se espera que, a partir da reflexão sobre textos alheios, os alunos sejam capazes
de construir textos próprios.
Salientamos, porém, como faz Santos (2006, p.1-2), que
Quando se defende o ensino de língua portuguesa numa abordagem textual,
entra em questão o uso de textos como unidade de ensino, e não como mero
pretexto – para destacar dígrafos, substantivos abstratos ou sujeito composto,
por exemplo.
Conforme chama a atenção Bentes (2001), esse ensino atrelado a textos parece
ser pouco questionável, ou mesmo constituir uma real necessidade, apesar de nem
sempre ter sido bem aceito. A grande questão consiste em como instituir, de forma
pertinente e eficiente, o texto como objeto de ensino.
Segundo a Linguística de Texto, deve-se tomar como unidade básica, ou seja,
como objeto particular de investigação, não a palavra ou a frase, mas o texto, já que o
que as pessoas têm a dizer umas às outras não são palavras nem frases isoladas. Ou seja,
o texto compreende a forma específica de manifestação da linguagem. (cf. FAVERO e
KOCH, 1988). Essa concepção de texto norteia os PCN:
Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e interpretar textos, não é
possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem
a palavra, nem a frase que, descontextualizada, pouco tem a ver com a
competência discursiva, que é a questão central. Dentro desse marco, a
unidade básica do ensino só pode ser o texto. Priorizar o texto não significa
que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas
que o exijam (BRASIL, 2000, p. 35-36).
38
Vemos, assim, que há lugar para trabalhar o léxico, a ortografia, questões
gramaticais, por exemplo, mas tudo isso pode e deve partir do objeto maior de ensino,
que é o texto, para fazer sentido. Um dos objetivos dessa abordagem textual, em que o
texto atue como principal objeto de ensino, é desenvolver no aluno o seu potencial
crítico e reflexivo, fazendo-o perceber as múltiplas possibilidades de se expressar nas
mais diversas situações linguageiras, ultrapassando a habilidade de memorizar regras e
apontar categorias. Em relação a este fato, Antunes (2003, p. 121) destaca que a
exploração das categorias gramaticais deve ocorrer
conforme cada texto em análise, sem perder de vista, no entanto, que não é a
categoria em si que vale, mas a função que ela desempenha para os sentidos
do texto. Ou seja, mesmo quando se está fazendo a análise linguística de
categorias gramaticais, o objeto de estudo é o texto [grifos da autora].
Portanto, não basta saber, por exemplo, o que é uma conjunção ou um pronome
e saber classificá-los; é preciso saber os efeitos que conseguimos com o uso dessas
categorias dentro do texto, levando em consideração uma série de outros fatores, como
o contexto de produção “para que se garanta seu uso com coerência e adequação
comunicativa” (ANTUNES, 2003, p. 121). Dessa forma,
Praticar o uso de textos, como estudar o texto, é, inevitavelmente, praticar e
estudar gramática.” (...) Só que esse estudo deve ser feito numa perspectiva
eminentemente interacional, o que significa dizer na dimensão de se perceber
como as categorias e regras gramaticais, na verdade, funcionam na
construção dos textos, orais ou escritos, curtos ou longos. (Ibid., p. 124-125)
Segundo Koch (2008, p. 189), não se trata, porém, de eliminar a metalinguagem
e a nomenclatura, nem muito menos “inculcar, na mente dos alunos, complicados
conceitos linguísticos recém-aprendidos na Universidade”, mas de utilizá-los com o
objetivo de subsidiar o desenvolvimento de competências de leitura e competências de
produção textual. A gramática, nesse sentido, não deve ser vista como algo inútil e que
não deva ser ensinado. A grande questão consiste em “ensinar gramática dentro de
práticas concretas de linguagem” (ibid.).
Logo, o deslocamento do foco na gramática normativa para o foco no texto
significa levar o aluno a uma reflexão sobre como se produzem sentidos na interação
por meio da língua, ou seja, por intermédio de textos (cf. KOCH, 2002a, p.3). Dessa
forma, o foco da atenção passa a ser o valor semântico-discursivo das estruturas
39
linguísticas (e não seu aspecto meramente formal), o uso que se faz dos elementos
linguísticos e os efeitos de sentido que eles podem produzir e a sua funcionalidade em
diferentes contextos de produção.
Nessa perspectiva, o texto não serve de pretexto, para identificar e classificar
elementos gramaticais. No lugar dessa abordagem, o estudo do texto como unidade de
ensino preconiza a integração entre as três principais práticas de linguagem defendidas
pelos PCN: prática de leitura, produção e análise linguística. Em relação a essa última
instância, na avaliação de Geraldi (1997, p.74),
O uso da expressão “Análise Linguística” não se deve ao mero gosto por
novas terminologias. A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre as
questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do
texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos
expressivos utilizados (metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discursos
direto e indireto, etc.); organização e inclusão de informações etc.
Essencialmente, a prática de análise linguística não poderá limitar-se à
higienização do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos,
limitando-se a “correções”. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto
para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina.
Defendendo também essa visão, o Guia do PNLD-EM/2012 ressalva, no que diz
respeito à reflexão sobre a língua e a linguagem, que o ensino de língua portuguesa deve
ser capaz de “privilegiar, em função de tomar o uso como objeto de reflexão,
abordagens discursivo-enunciativas da língua, não se atendo, portanto, ao nível da
frase” (BRASIL, 2011, p.15). Para tanto, conforme ressalva Koch (2008, p. 187), cabe
oferecer ao professor “subsídios que lhe permitam trabalhar o texto em sala de aula, de
maneira não intuitiva. E esses lhe serão, em grande parte, fornecidos pela Linguística
Textual”.
Acreditamos, assim, que o tratamento do texto em sala de aula deva englobar
aspectos variados, que necessitam ir além do que está escrito ou do que foi falado. É
imprescindível que locutor e interlocutor levem em conta fatores como o suporte onde
circula o texto, o gênero textual a que pertence, a tipologia textual que predomina, os
elementos verbais e os não verbais que constituem esse texto, assim como a interação
entre os participantes do discurso. Como destaca Cavalcante (2011a, p. 17),
Partimos, assim, de uma noção de texto como fenômeno comunicativo, o que
supõe uma visão de coerência/coesão e de textualidade que não depende
exclusivamente de propriedades inerentes à organização dos elementos no
cotexto, mas de um contexto sociocultural mais amplo, o que inclui uma série
de atividades interpretativas dos co-enunciadores.
40
Dessa forma, percebemos que o texto deve ser considerado como elemento
interacional, marcado pela coesão entre seus elementos e pela coerência interna/externa.
A coesão confere legibilidade ao texto, mas não é quesito indispensável para
caracterizá-lo como tal, como se acreditava no início, e a coerência não depende apenas
da relação de significado entre os componentes textuais, mas é definida, principalmente,
pela interação com o leitor/ouvinte.
Em outras palavras, defendemos que a interação pela linguagem ocorre entre
sujeitos num espaço a que denominamos texto e, dessa forma, assumimos a concepção
interacional de língua, vista como prática social. Assim, “os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais” (KOCH, 2008, p. 188) e o texto como o próprio lugar onde
interagem esses atores. Cavalcante vai além dessa concepção, ressaltando ser o texto
uma “unidade funcional que não somente permite a interação, como também viabiliza
diversas formas de representar o mundo” (CAVALCANTE et al. 2010, p. 228).
Dessa forma, consideramos imperativo levar o aluno a perceber que “o texto não
tem um único significado e não é só o autor que sabe o que o texto diz” (ALMEIDA,
2005, p. 16); os sentidos dos textos vão sendo construídos a cada leitura, inclusive de
um mesmo leitor, não sendo possível impor um único sentido preestabelecido pelo
autor. “Por isso, o papel ativo do leitor é essencial na construção de sentidos de textos,
orais ou escritos” (Ibid., p. 17), ou seja, é mais que necessário que o professor ponha o
aluno numa posição ativa, de interação com o texto.
Entretanto, por mais que essa visão se mostre consensual entre pesquisadores e
especialistas em ensino, na sala de aula nem sempre o estudo pautado no texto tem sido
considerado sob essa dimensão interacional. De acordo com Antunes (2003, p. 19),
ainda persiste o ensino de língua sob uma “perspectiva reducionista do estudo da
palavra e das frases descontextualizadas”, de regras gramaticais e nomenclaturas, que,
apesar de importantes em determinados momentos, não deve ser o foco das atenções,
uma vez que o crucial é que o aluno seja capaz de, por exemplo, optar por uma
construção que seja mais adequada a determinado contexto e não a outro. Dessa forma,
os PCN consideram mais significativo que
o aluno internalize determinados mecanismos e procedimentos básicos
ligados à coerência e à coesão do que memorize, sem a devida apreensão de
sentido, uma série de nomes de orações subordinadas ou coordenadas
(BRASIL, 2002, p. 71).
41
Acreditamos, assim, como Geraldi (1997, p. 135), que o texto é o ponto de
partida e o ponto de chegada de todo processo de ensino/aprendizagem de língua, uma
vez que compreende a totalidade do processo de enunciação, revelando-se tanto quanto
forma quanto discurso. É, portanto, na percepção das situações discursivas,
materializadas nos textos, que o aluno poderá se constituir como cidadão e exercer seus
direitos como usuário da língua.
2.3. Coesão e referenciação
A referenciação é uma das formas de estabelecimento da coesão “entendida
como a operação que responde, do ponto de vista textual, pela organização das unidades
linguísticas do texto e pela conservação/progressão das informações nele contidas”
(ALMEIDA, 2005, p. 4). É a coesão, portanto, uma das principais propriedades
responsáveis em conferir textualidade a um conjunto de enunciados. (cf.
BEAUGRANDE e DRESSLER, 1981).
Segundo Antunes (2005, p. 50), ao tratarmos de coesão, não devemos nos referir
apenas às ligações observáveis na superfície textual,
os termos se vão ligando em sequência exatamente porque se vão
relacionando conceitualmente. (...) a continuidade que se instaura pela coesão
é, fundamentalmente, uma continuidade de sentido, uma continuidade
semântica (...).
Dessa forma, a coesão é responsável não só por instaurar os elos da superfície
dos textos como também por apontar onde se encontram esses elos e que partes eles
articulam. Assim, devemos perceber a coesão como um mecanismo intimamente
relacionado à coerência textual, uma vez que o encadeamento dos elementos
linguísticos, artifício básico da língua, também exige que o leitor opere relações várias
que não somente aquelas observáveis na superfície textual, auxiliando, portanto, a
compreensão textual.
Quanto a essa dimensão do fenômeno da coesão, concordamos com Koch
(2002a, p. 89) em dizer que
(...) o fenômeno da coesão é muito mais amplo: não se trata apenas do
estabelecimento de relações entre enunciados ou parte de enunciados, mas de
operar remissões e retomadas referenciais; de criar ou recategorizar objetos-
42
de-discurso; de sumarizar, rotular, muitas vezes estabelecendo orientações
argumentativas; de introduzir recorrências produtoras de sentido
(paralelismos, paráfrases, repetições, etc.); de presidir a seleções lexicais
adequadas ao tema, ao estilo, ao gênero; e assim por diante.
Desse modo, tratar da referenciação é também trabalhar com os conceitos de
coesão e coerência. Em trabalhos mais antigos, porém, a coesão era observada no nível
superficial, apenas por sua capacidade em realizar ligações e estabelecer algumas
relações entre as partes de um texto ou retomadas de elementos textuais. Essa prática –
muito comum ainda em livros didáticos, nos quais predomina a nomenclatura “coesão
referencial” e “coesão sequencial” – não corresponde ao processo da referenciação
sobre o qual nos debruçamos.
Vale lembrar que, antes de efetuar essa repartição da coesão – em referencial e
sequencial – realizada, principalmente, devido a questionamentos sobre a distinção
apontada por Halliday e Hasan (1976) entre referência e substituição, houve muitos
estudos sobre os processos coesivos. Para os autores, havia cinco categorias de fatores
coesivos: (i) referência, (ii) substituição, (iii) elipse, (iv) conjunção e (v) léxico.
A Referência pode ser textual (endófora), à medida que retoma (anáfora) ou
antecipa (catáfora) um termo linguístico textual (presente no cotexto) quanto
extratextual/situacional (exófora), ao passo que se refere a algo que se encontra fora do
texto.
Esse mecanismo pode ser sintetizado pelo seguinte esquema:
REFERÊNCIA
Esquema 1: Mecanismos referenciais (cf. KOCH, 1992)
SITUACIONAL
EXÓFORA
TEXTUAL
ENDÓFORA
Ao que precede
Anáfora
Ao que segue
Catáfora
43
Halliday e Hasan destacavam, ainda, três ramificações para a referência: a
pessoal, realizada por pronomes pessoais e possessivos; a demonstrativa, em que se
utilizam pronomes demonstrativos e advérbios indicativos de lugar; e a comparativa,
quando ocorre por identidades ou similaridades.
A segunda categoria, a substituição, refere-se à troca de um item lexical por
outro e pode ser nominal, quando é obtida por meio de pronomes pessoais, indefinidos,
numerais ou nomes genéricos, ou verbal.
A elipse, por sua vez, consiste na omissão (na substituição por uma categoria
vazia [Ø]) de elementos nominais, verbais ou mesmo oracionais, facilmente
recuperáveis, seja pelo contexto ou mesmo pelas desinências morfológicas da língua.
A conjunção, diferentemente das outras relações coesivas apontadas, não se
refere a uma relação anafórica, sendo considerada um elemento coesivo por excelência.
Ela é realizada por uma diversidade de conectivos, que estabelecem múltiplas relações
semânticas, como aditivas, adversativas, causais, etc.
Por último, o léxico (ou coesão lexical) obtém-se por meio da reiteração, que
equivale à repetição de uma mesma palavra, ou ao uso de sinônimos, hiperônimos,
nomes genéricos, e da colocação, que consiste na utilização de vocábulos pertencentes a
um mesmo campo semântico.
Esse desmembramento da coesão em cinco categorias suscita dois
questionamentos. O primeiro é quanto à separação entre referência, substituição e
elipse, uma vez que esta não deixa de ser uma espécie de substituição por Ø de um
elemento já citado, além de também poder atuar como um mecanismo referencial. Além
disso, consideramos que as formas substitutivas são também uma maneira de
estabelecer referência. O segundo refere-se à separação entre referência e coesão
lexical, pois os itens lexicais funcionam como termos que fazem referência “a
elementos do mundo textual” (KOCH, 1992, p.27).
Em relação à separação entre substituição e referência, Halliday e Hasan alegam
que nesta há compatibilidade referencial e naquela ocorre redefinição, ou seja, uma
nova especificação a ser adicionada. Contudo, Segundo Koch (1992, p. 26), essa visão
se mostra inconsistente, uma vez que considera que “os itens referenciais, vistos como
simples substitutos do referente, poderiam ser sempre trocados por ele”. Diante da
44
problemática, consideramos mais conveniente considerar a referência, a elipse, a
substituição e o léxico como processos referenciais.
Assim, Koch, levando em consideração a função que esse mecanismo exerce na
configuração textual, propôs uma nova classificação da coesão e a dividiu em dois
grandes grupos: (i) referencial e (ii) sequencial.
A coesão sequencial, segundo Koch (1992) e Fávero (1991), é aquela
responsável por fazer o texto progredir à medida que se realizava por elementos
recorrentes (paralelismo, paráfrases, recursos fonológicos segmentais e supra-
segmentais), por isso propõe-se uma sequenciação parafrástica, ou por operadores
discursivos que sinalizam diversas relações semânticas entre os enunciados, apontando
para um outro tipo de sequenciação, a frástica. Em geral, não há, nesse tipo de coesão,
retomada.
Além disso, como o texto não se faz apenas de informações novas, mas também
de remissões a informações já mencionadas, Koch considera outro tipo de coesão: a
coesão referencial (ou remissiva), que corresponde ao mecanismo que permite ao
produtor do texto remeter, por meio de um elemento linguístico, a outros elementos
textuais, anteriores (anáforas) ou subsequentes (catáforas). Koch (1992, p. 30) chama de
coesão referencial “aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a
outro(s) elemento(s) do universo textual.” Ao primeiro, a autora denominava forma (ou
expressão) referencial ou remissiva e ao segundo, elemento de referência ou referente
textual. Nesses termos, a coesão legitimava-se apenas por sua característica remissiva e
antecipatória de informações cotextuais.
2.4. Da referência à referenciação
A visão dos mecanismos coesivos da língua como elementos facilmente
identificáveis na superfície textual apontada no capítulo anterior supõe uma concepção
de língua como representação objetiva da realidade, em que os seres do mundo
apresentam rótulos pré-estabelecidos.
Essa compreensão, conforme aponta Cavalcante (2010, p. 21), gerava uma
confusão entre referência e denotação, como se fossem termos intercambiáveis, uma vez
que a ação de realizar referências seria o mesmo que escolher palavras que refletiriam
uma realidade posta, palavras que seriam encontradas facilmente num dicionário, numa
45
espécie de “relação de espelhamento”, como se a linguagem fosse o reflexo da realidade
em si.
Dentro desses moldes, a língua teria a função de “descrever e representar o real”
(ZAMPONI, 2003, p. 6), a ação de referir compreenderia “tratar de uma relação entre
palavras isoladas e os objetos do mundo real que elas podiam etiquetar”
(CAVALCANTE, 2011a, p. 20) e os referentes seriam, nesse contexto, analisados como
se já estivessem prontos para “classificar” as coisas do mundo. Contudo, conforme
salienta Koch (2004, p. 57):
Nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico do mundo, nem como
um sistema de espelhamento, ou seja, nossa maneira de ver e dizer o real não
coincide com o real. Ele reelabora os dados sensoriais para fins de apreensão
e compreensão.
Como percebemos, essas concepções de língua e de referência mostram-se
bastante limitadas, pois não dão conta da maleabilidade na construção dos referentes no
discurso, conforme podemos confirmar com as palavras de Cavalcante (2011b, p. 183):
não se pode falar de referentes [...] como entidades estáticas, congeladas,
registráveis em dicionário, tal como se faz com os significados, senão apenas
como algo que, durante uma interação, podemos imaginar, conceber,
apreender, e que não será igual para todas as pessoas que participam dessa
interação naquele momento (...)
Em outras palavras, dizemos que os elementos referenciais não podem ser
interpretados isoladamente, fora do contexto em que se inserem, pois estarão sempre
relacionados a outros elementos – sociais, culturais, discursivos e cognitivos –
imprescindíveis para a interpretação adequada desses referentes. Além disso, cabe
ressaltar que cada falante construirá uma referência única, particular, que pode se
diferenciar de outras a depender dos conhecimentos de mundo de cada um.
Compreendemos que a atribuição da referência deve, fundamentalmente,
considerar a situação comunicativa na qual os referentes são fabricados. Assim,
conforme apontam Apothéloz e Reichler Béguelin (apud CORTEZ, 2003, p. 24),
a referência é antes de tudo um problema que concerne às operações de
categorização e identificação dos referentes efetuadas pelos sujeitos falantes,
à medida que se desenvolve no discurso, e por isso essas operações
46
dependem muito mais do ponto de vista de um enunciador e do contexto de
interação, do que de uma apreensão estritamente cognitiva da realidade.
Os autores deixam claro que o mais importante para a recuperação de um
elemento referencial é a situação de interação, a análise do enunciado, do referente no
seu contexto de produção. Dessa forma, além do conhecimento de mundo necessário
para a interpretação da referência, recorremos também ao conhecimento interacional.
Para tanto, conforme salienta Custódio Filho (2010, p. 120), cabe aos participantes do
ato comunicativo uma cooperação, ou seja, “aceitar entrar [nessa] interação e
reconhecer a pertinência e a validade dos referentes construídos”.
Em outras palavras, os objetos do mundo não devem ser considerados estáveis e
imutáveis, já que dependem da forma como são percebidos e modelados pelos sujeitos
nas práticas sociais, ou seja, a maneira como percebemos o mundo fabrica os referentes,
que deixam de ser concebidos como objetos de mundo, expressão que não caracteriza a
dinamicidade atinente à questão, e passam a ser vistos como objetos de discurso.
No que diz respeito à concepção de língua, entendemos, dentro desses moldes,
que ela atua como uma ferramenta para agir sobre o mundo, não se limitando à sua
simples correspondência. Conforme aponta Cortez (2003, p. 15),
A língua é, assim, essencialmente, “ação pública realizada e negociada
discursivamente no âmbito das relações sociais que se constituem pelo
partilhamento, refutação, desqualificação e modificação de sentido,
experiências e conhecimentos de várias ordens, para que possa opinar,
interferir, rejeitar, chamar atenção e persuadir, entre outras ações, nesse
mundo verbal polifônico.
Portanto, dizemos que os referentes são reelaborados no discurso – eles podem
ou não estar realizados no cotexto por expressões referenciais – com base em inúmeras
pistas deixadas no conjunto do texto e nos conhecimentos que os participantes da
enunciação compartilham. Mas deixemos claro, assim como faz Custódio Filho (2010,
p. 115), que essa reelaboração da realidade
não significa dizer que o papel dos recursos linguístico-semióticos é o de
“ludibriar”, “disfarçar” a verdade. Não se trata disso porque, no fundo,
quando se assume a perspectiva da instabilidade constitutiva, assume-se
também que não há uma verdade absoluta, não há algo “normal”, “fiel” que
precise ser escondido. Significa apenas que é uma função inerente às
linguagens a (re)elaboração das práticas sociais (...).
47
Sob essa perspectiva, defendemos, reiterando as palavras de Koch, que não se
tomará aqui a referência no sentido que tradicionalmente lhe é atribuída – “como
simples representação extensional de referentes do mundo extramental” (KOCH, 2004,
p. 57), em que o homem, através da linguagem, reproduz as coisas do mundo, sendo a
função da língua representar (refletir) seu pensamento e seu conhecimento de mundo –,
contudo, “a realidade é construída, mantida e alterada não pela maneira como
nomeamos o mundo, mas, principalmente, pela maneira como interagimos com ele”
(KOCH, 2009, p. 79).
Nesse sentido, os segmentos da realidade, concebidos como construtos culturais,
deixam de existir como algo a priori e passam a ser construídos no e pelo discurso –
“atividade linguística e sociocognitiva, ligada, acima de tudo, à interação e à
intersubjetividade” (ZAMPONI, 2003, p. 173) – motivo pelo qual passam a ser vistos
como objetos discursivos (ou objetos-de-discurso).
Inserimos, assim, os referentes numa dimensão interacionista e sociodiscursiva,
em que “os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, [e] o texto passa a ser
considerado o próprio lugar da interação” (KOCH, 2002a, p. 90). De acordo com essa
perspectiva, acredita-se que o discurso constrói aquilo a que faz remissão, assim como é
construído por ele.
Dessa forma, concluímos que a interpretação/recuperação de um referente, ou
melhor, um objeto-de-discurso, configura-se como um fenômeno complexo, em que se
necessita considerar a negociação entre os falantes, a recuperação de informações
“armazenadas” na memória discursiva e não somente decodificar significados de
palavras pré-estabelecidos pela língua, o que requer dos envolvidos nesse processo uma
atitude muito mais ativa, interativa e dinâmica, ou seja, uma colaboração mútua entre
eles.
A referência resulta, portanto, de uma ação colaborativa dos parceiros da
interação e, desse modo, saímos do aspecto estático da referência e partimos para o
processo dinâmico de análise linguística, considerando que há dois grandes processos
de coesão (e não mais mecanismos): a sequenciação e a referenciação. Essa diferença
de terminologia é importante porque esses termos destacam mais adequadamente o
processo que representam, por referirem-se a uma atividade discursiva e interacional de
construção de sentido. É, portanto, dentro de uma enunciação mais ampla, incluindo a
48
dimensão discursiva da linguagem, que situamos nosso ponto de vista sobre a
referenciação.
Considerando todo o percurso traçado até o momento, iniciamos nossas
considerações sobre o processo da referenciação propriamente dita, assumindo que
Ela não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas a relação
intersubjetiva e social da qual as versões do mundo são publicamente
elaboradas, avaliadas em termos de adequação às finalidades práticas e às
ações em curso dos enunciadores (MONDADA , 2001, apud KOCH, 2009,
p. 61).
Mais adequado, dentro dessa concepção, é dizer que a referenciação consiste na
(re)construção de objetos-de-discurso, categorias cognitivo-discursivas alimentadas pela
atividade linguística e que sofrem transformações na memória discursiva dos
interlocutores ao longo da enunciação.
Durante a interação verbal, portanto, o sujeito utiliza-se do material linguístico
de que dispõe, efetuando escolhas significativas para representar estados de coisas,
visando à concretização da proposta de sentido (KOCH, 2004). Por esses motivos, Koch
e Elias (2007, p. 124) afirmam que “o processo de referenciação são escolhas do sujeito
em interação com outros sujeitos, em função de um querer-dizer”. Segundo Koch (2004,
p. 61), os objetos-de-discurso (re)constroem a realidade extralinguística no processo de
interação, porém com ela não se confundem.
A competência de ler, interpretar e escrever textos requer a ativação de vários
conhecimentos: inferenciais, coesivos, cotextuais e contextuais. Dessa forma, ao
desenvolver no aluno essas habilidades, os professores estão trabalhando a
referenciação:
mesmo quando os professores de Língua Portuguesa não estão tratando de
processos referenciais em sala de aula, inevitavelmente, estão recorrendo a
eles, ainda que não o saibam, para compreender um texto, verbal, não verbal
ou multissemiótico (CAVALCANTE, 2011b, p. 184).
Acrescentamos, ainda, que os elementos referenciais de uma língua têm, assim,
muito a revelar sobre os pontos de vista dos sujeitos, pois refletem não a realidade, nua
e crua, mas as impressões, a ideologia dos envolvidos nessa interação. Ou seja, a
realidade passa por uma transformação cognitiva inerente à natureza humana.
49
Para Koch e Elias, (2007, p. 124), a referenciação constitui uma “atividade
discursiva”, um processo sociocognitivo e constitui-se pela introdução, no texto, de
novos elementos/referentes, que, por serem retomados, transformados e recategorizados,
atuam na orientação da construção de sentido dos textos, sejam eles orais ou escritos,
contribuindo para a progressão referencial. Esses referentes, como vimos, nunca serão
iguais para todos os envolvidos na enunciação, já que cada indivíduo compreende o
mundo de um modo particular.
Para Cavalcante (2011a, p. 53), em relação à introdução de referentes no texto,
há dois grandes processos referenciais: a introdução referencial e a anáfora. Aquela se
refere à introdução formal dos referentes no texto e esta é estabelecida com a retomada
de referentes, contribuindo, significativamente, para a progressão do texto. Quando essa
retomada recupera um mesmo referente, gerando uma relação correferencial, tem-se
uma anáfora direta. Nem sempre, porém, a retomada é do mesmo referente, podendo
ocorrer por meio de âncoras, isto é, um elemento de relação/associação com o qual se
pode estabelecer uma ligação. Nesse sentido, não encontramos um antecedente explícito
na superfície do texto, como ocorre com a anáfora direta, mas uma associação com
algum termo por meio de inferências múltiplas. Nesse caso, falamos em anáforas
indiretas, ditas como não-correferenciais por não recuperarem um termo específico
anteriormente citado no cotexto. Esse tipo de anáfora exige do aluno um maior esforço
cognitivo, por mobilizar conhecimentos variados e, por esse motivo, constitui um ótimo
recurso a ser explorado nos textos levados para a sala de aula.
A notícia abaixo, por exemplo, retirada do site do jornal O Globo, poderia servir
para introduzir o estudo de alguns processos referenciais, vejamos:
Menor de 12 anos é detido por tráfico de drogas em Jundiaí, SP
Plantão | Publicada em 22/10/2010 às 12h12m
SÃO PAULO - Um menino de 12 anos foi detido nesta quinta-feira ao vender drogas
em Jundiaí, a 65 km da capital paulista. Segundo a polícia, ele estava com 17 tubetes
de cocaína, 37 pedras de crack e 54 porções de maconha. Com ele também foram
encontrados R$ 70. O menor foi levado para o plantão policial e liberado com a
chegada do pai, mas (0) deve ficar à disposição da Vara da Infância e Juventude.
Segundo a polícia, a droga estava em um saco plástico. Investigadores observaram o
menino vendendo o entorpecente. Um deles se aproximou de carro da criança,
fingindo estar interessado na compra. O investigador agarrou o menino e o apreendeu.
Um olheiro dos traficantes chegou a apontar uma arma para o investigador, mas (0)
fugiu quando viu que havia vários policiais no local.
A droga era vendida sob uma árvore, dia e noite. O local tem vários pontos de fuga e
fica próximo a uma escola e um local de formação de obra.
http://oglobo.globo.com/cidades/sp/mat/2010/10/22/menor-de-12-anos-detido-por-trafico-de-drogas-
em-jundiai-sp-922844702.asp
50
Nesse texto, há a introdução de vários objetos-de-discurso: menor, droga, São
Paulo, investigadores, olheiro, etc., que não estão relacionados/ancorados a nenhum
elemento anteriormente mencionado e que são retomados anaforicamente ao longo do
texto.
A palavra “menor” é retomada formalmente no cotexto por outras palavras ou
expressões formadas por classes gramaticais diferentes: artigo indefinido + substantivo
(um menino); pronome pessoal reto (ele); artigo definido + adjetivo (o menor),
substantivo (criança) e pronome oblíquo (o). Além desses, contamos também com a
retomada pela elipse, marcada no texto pelo morfema zero (0). Porém, mostrar aos
alunos como são feitas essas retomadas não basta para um ensino que se deseja
produtivo e reflexivo; é necessário – além de apontar como elas colaboram para a
coesão, contribuindo para a progressão textual –, mostrar que, no caso dos textos
jornalísticos, as retomadas tentam evitar a manifestação de juízos de valor. Por meio
dessa verificação, o aluno passa a perceber que o uso dessas classes de palavras não se
restringe a regras e classificações, passando a ter mais significação na vida do aluno,
que passa a compreender como tais elementos atuam na comunicação.
Como consideramos que a língua é inerentemente argumentativa (cf.
CHARAUDEAU, 1983), e que, portanto, todo produtor de um texto possui uma
intenção no seu discurso, é interessante fazer os alunos perceberem que a escolha das
palavras “menor” e “criança”, por exemplo, tentam demonstrar certa imparcialidade,
tendo em vista o gênero em questão: uma notícia de jornal.
Como tarefa, o professor poderia pedir aos alunos que utilizassem outras
palavras enfatizando uma posição negativa a respeito do menino detido por tráfico de
drogas. Certamente, encontraríamos palavras como “delinquente”, “pivete”, “moleque”,
“traficante”, entre outras, que surtiriam novos efeitos de sentido no texto.
Além dessa questão, seria possível trabalhar o uso de hipônimos e hiperônimos
como palavras que indicam ao leitor uma informação nova, que só pode ser assimilada
por meio de sua bagagem cultural, social e histórica. No texto analisado, a expressão “o
entorpecente”, funciona como um hiperônimo do termo “droga” por enquadrá-la numa
categoria mais geral. Contudo, para que o leitor recupere o referente desse termo, é
necessário que ele tenha o conhecimento de que o vocábulo pode se referir a qualquer
substância química que cause sensações inebriantes.
51
Considerando esses aspectos, cabe ressaltar a necessidade de redimensionar a
noção de coesão, considerando-a como um processo que envolve não só o emprego de
elos na superfície textual, mas também a manifestação de inferências múltiplas. O uso,
por exemplo, de hipônimos ou hiperônimos, pode oferecer pistas de leitura. O aluno
deve perceber que saber utilizar palavras mais genéricas ou mais específicas nos textos
pode persuadir o leitor a partilhar do seu ponto de vista. Essa questão do trabalho com o
léxico vem sendo defendida, inclusive, pelos PCN, que, para a prática de análise
linguística, sugerem a
Ampliação do repertório lexical pelo ensino-aprendizagem de novas palavras,
de modo a permitir: escolha, entre diferentes palavras, daquelas que sejam
mais apropriadas ao que se quer dizer ou em relação de sinonímia no
contexto em que se inserem ou mais genéricas/mais específicas (hiperônimos
e hipônimos) (BRASIL, 1998, p. 62).
Em relação às anáforas indiretas, Marcuschi (2000) as relaciona a um processo
de referenciação implícita, já que não depende da necessidade de reativar referentes já
explicitados. Para compreender um pouco mais o fenômeno, vejamos o texto abaixo:
A expressão referencial “o jovem” não retoma nenhum referente explícito no
texto (no cotexto), mas é apresentada como se já fosse conhecida, o que é comprovado
pelo fato de ser introduzida por um artigo definido. Contudo, dizemos que o referente é
inferível a partir de pistas cotextuais/âncoras, isto é, “por conta do processamento
sociocognitivo do texto” (CAVALCANTE, 2012, p. 125): o fato de se estar numa
universidade, auxiliadas pelo conhecimento de mundo de que numa universidade, em
geral, os estudantes são jovens. E é justamente por contar com esse tipo de inferência
por parte do leitor, que o enunciador insere esse referente fazendo uso do artigo
definido, apresentando o anafórico indireto “como se já fosse conhecido, dado, velho”
(CAVALCANTE, 2011a, p. 61), o que pressupõe retomada de informação.
Internacionalização da Amazônia
Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do
DF, ex-ministro da educação e atual senador CRISTÓVAM BUARQUE, foi
questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem
americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista
e não de um brasileiro. (...)
Retirado de: http://inimigo-imaginario.blogspot.com/2010/02/algo-para-se-orgulhar.html
52
Há, ainda, um tipo especial de anáfora indireta, que, de acordo com Cavalcante
(2011a, p. 71), “não retoma nenhum objeto de discurso pontualmente, mas se prende a
conteúdos espalhados pelo contexto”. É chamada encapsuladora por sua característica
principal de sumarizar informações difusas no texto, diferenciando-se, assim, das
anáforas indiretas.
As anáforas encapsuladoras constituem um recurso bastante comum,
principalmente, aos textos de natureza argumentativa por apontarem o ponto de vista do
enunciador a respeito das informações dadas. Assim, no trabalho com o ensino médio –
período em que os alunos são colocados quase que exclusivamente a lidar com variados
gêneros da esfera argumentativa – refletir sobre a orientação argumentativa apontada
pelos encapsuladores no texto constitui uma importante tarefa. Além disso, por
recuperarem um conjunto de informações, devem ser apontados, também, como
importantes para o estabelecimento da coesão na tessitura textual.
Os professores e livros didáticos têm, indiretamente, ensinado esse artifício aos
alunos quando abordam os pronomes demonstrativos, por exemplo, mas é preciso ficar
claro que o encapsulamento não se faz só por esse tipo de pronome, mas também por
outros tipos de pronomes, como os indefinidos e outras classes gramaticais, em especial
os substantivos, sendo necessário, portanto, ampliar a abordagem da questão.
O texto abaixo, retirado de uma das coleções do nosso corpus, aparece no
capítulo “A argumentação causal: a importância dos exemplos”, servindo, basicamente,
para identificação de argumentos contrários e de pontos de vista. Contudo,
consideramos que este artigo de opinião é bastante oportuno para trabalhar uma série de
questões associadas à referenciação, entre elas o encapsulamento.
NOVA HUMANIDADE? (Adaptado)
por Flavio Lobo
Notícias de possíveis bebês clonados esquentam o debate sobre os riscos e promessas da
genética, uma ciência que faz sonhar e tremer.
Numa possível visão do futuro, em breve, a divisão das pessoas em meras
classes sociais será apenas uma doce lembrança. No lugar delas haverá, no mínimo, três
grandes grupos: os super-humanos, os infra-humanos e, em número cada vez menor, os
“só humanos”. A separá-los, não apenas diferenças socioeconômicas ou culturais, mas
características biológicas tão evidentes e intransponíveis quanto as que diferenciam um
pequinês de um dobermann (ambas raças caninas “fabricadas” pelo homem).
53
Seremos uma sociedade repleta de seres humanóides (os “infra’) incompletos,
limitados, obedientes ou vegetativos, criados com a única finalidade de servir, como
escravos ou fornecedores de órgãos, tecidos e células, a seus senhores (os “super”).
Entre os dois extremos, uma nova “classe média” composta de pessoas como você e eu,
ávidos por uma possível, mas improvável promoção à casta superior e sob a constante
ameaça de rebaixamento ao nível subumano. Os seres humanos “tradicionais” ou
“orgânicos” (como os alimentos não transgênicos e sem agrotóxicos) entraram em
processo de extinção, contaminados por características genéticas decorrentes de
manipulação, adquiridas através de terapias e medicamentos gênicos e pela inevitável
miscigenação entre os três grupos biossociais.
Como não há progresso científico sem acidentes de percurso, monstros e
aberrações vão surgir em quantidades crescentes. No início, eles serão gerados e
destruídos ou confinados nos laboratórios, mas, com o tempo, ganharão as ruas e
acabarão por contaminar toda a humanidade ou “pós-humanidade” com seus defeitos e
mutações genéticas incontroláveis.
Outros enxergam um cenário futuro completamente diferente. Uma humanidade
livre de doenças e defeitos genéticos, composta por pessoas orgânicas e
psicologicamente equilibradas que viverão cada vez mais e melhor. Um mundo tão
harmônico e aprazível que até as mais graves lesões e mutilações causadas por acidentes
serão facilmente remediadas por meio da substituição de partes do corpo sem risco
algum de rejeição imunológica ou de falta de estoque. Benefícios estes que seriam
estendidos a parcelas cada vez maiores da população do planeta, como a luz elétrica e o
telefone.
O inferno e o paraíso geneticamente fabricados: duas visões delirantes?
Provavelmente. Mas que são frequentemente evocadas ou sugeridas no debate mundial
sobre as oportunidades e os riscos da ciência genética.
Revista Carta Capital. São Paulo: Confiança, 223, 15 de jan. 2003. In: Amaral et al. Novas Palavras,
nova edição, 2010, p. 458-459, vol. 3.
Trata-se de um texto essencialmente argumentativo, em que o autor apresenta
duas posições antagônicas sobre a clonagem: a contrária – tradicional divisão da
sociedade em classes, no futuro haverá a divisão das pessoas em três grandes grupos (os
super-humanos, os infra-humanos e os só humanos); a favorável – a humanidade do
futuro será “livre de doenças e defeitos genéticos, composta por pessoas orgânicas e
psicologicamente equilibradas que viverão cada vez mais e melhor”.
Marcando seu ponto de vista sobre essas duas posições, na conclusão do texto
esses dois argumentos são encapsulados sob a forma das expressões nominais “o
inferno” e “o paraíso”. A primeira, que sumariza os três primeiros parágrafos – que
argumentam sobre um progresso científico que só prejudicaria os seres humanos, que
seriam limitados a uma condição passiva e servil, – agrega um juízo de valor negativo
do autor; já a segunda, que encapsula todo o quarto parágrafo – que argumenta sobre os
54
prováveis benefícios de uma sociedade transformada pelos avanços genéticos –,
manifesta um ponto de vista positivo acerca do possível modo de vida a ser instaurado.
Por essas características, dizemos que o encapsulamento constitui uma “estratégia
anafórica, na qual uma expressão referencial resume um conteúdo textual, e inclui
outros conhecimentos que temos sobre o que está sendo referido” (CAVALCANTE,
2012, p. 127).
Os processos referenciais acima mencionados são, portanto, importantes na
tessitura textual e podem ser sintetizados da seguinte maneira:
Introdução
referencial
Anáfora (continuidade referencial)
Anáforas diretas
(correferenciais)
Anáforas indiretas
(não correferenciais)
AI (propriamente
dita)
Anáforas
encapsuladoras
Quadro 1: Quadro-síntese dos processos referenciais (cf. CAVALCANTE, 2011a, p. 86).
Cabe mencionar, ainda, certas expressões linguísticas cuja interpretação depende
exclusivamente de relações temporais, espaciais ou situacionais: as expressões dêiticas,
que existem de modo paralelo aos casos de introdução referencial e de anáfora. Para
Bosh (1983, apud CAVALCANTE et al, 2003, p. 68), a anáfora deve se diferenciar da
dêixis, pois aquela apenas mantém “o referente no campo da atenção”, enquanto esta
tem por objetivo “deslocar o campo de atenção para um referente”. Em outras palavras,
é necessário que “o meio utilizado para identificar o referente se apoie nos parâmetros
de lugar, tempo, ou pessoa da situação de enunciação”.
No texto “Nova Humanidade”, reproduzido anteriormente, os termos “eu” e
“você” no trecho: “Entre os dois extremos, uma nova “classe média” composta de
pessoas como você e eu, ávidos por uma possível, mas improvável promoção à casta
superior e sob a constante ameaça de rebaixamento ao nível subumano”, identificam os
interlocutores da situação comunicativa e para interpretá-los adequadamente,
precisamos seguir algumas pistas como saber “quem fala” e “para quem fala”, por
exemplo, que faz com que o leitor vá além do que está explícito na superfície textual.
55
Percebemos, portanto, que, para estabelecermos sentido para os textos com os
quais nos deparamos, não só devemos nos ater aos elementos coesivos, dispostos na
materialidade linguística, como também necessitamos considerar um conjunto amplo de
conhecimentos partilhados pelos interactantes – linguísticos, enciclopédicos e
interacionais. Trabalhar a referenciação significa fazer o aluno perceber, por exemplo, a
importância dessas âncoras, que constituem, inclusive, um ótimo recurso para trabalhar
questões semânticas, como campo lexical e semântico.
Estimular a reflexão sobre esses processos referenciais constitui uma real
necessidade nas aulas de compreensão e produção de texto. Para tanto, é preciso que os
professores não se limitem ao uso dos livros didáticos, que, na maioria das vezes, não
fazem esses desdobramentos.
Cabe ainda pontuar o funcionamento da recategorização referencial, que diz
respeito a uma avaliação da enunciação realizada, atuando como mais do que uma
sumarização. Conforme salienta Cavalcante (2012, p. 106), o fenômeno corresponde à
possibilidade de um referente passar, ao longo do texto, por mudanças intimamente
relacionadas ao direcionamento, não só argumentativo como expressivo, emotivo,
poético, etc, que o produtor pretende dar a seu texto. O texto abaixo exemplifica esse
mecanismo tão comum nos textos que recebemos e produzimos diariamente:
De que lugar do mundo vem o sorvete?
Essa delícia gelada que todos nós apreciamos e que combina com a estação
[verão] vem de uma parte muito distante do mundo: o Oriente.
A guloseima surgiu na China, assim como o macarrão e a seda. O primeiro
relato de que se tem notícia sobre o consumo do sorvete data de 3 mil anos atrás.
Naquela época, como ainda não existiam geladeiras, ele era feito com uma
matéria-prima natural, a neve, e misturado a suco de frutas e mel.
Quem levou a iguaria refrescante para a Europa foi Alexandre, o Grande, rei
da Macedônia. No século 13, o veneziano Marco Polo voltou de uma de suas muitas
viagens à China (ele era fascinado por aquele lugar) e trouxe na bagagem de volta a
receita (0) para os cozinheiros italianos. Sabe o que eles fizeram? Adicionaram um
ingrediente que deixou o sorvete ainda mais cremoso, o leite.
A partir daí, o quitute virou uma febre no Ocidente e passou a ser consumido
na mesa dos nobres, por ser considerado um alimento raro. (...)
(TAKAIAMA, Shaonny. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 fev. 2006. Estadinho). In:
SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. São Paulo: Moderna, 2009, p.
106.
56
Num primeiro momento, no título do texto, o enunciador informa sobre o tópico
central do texto, “o sorvete”, mas, à medida que a narrativa progride, percebemos que
esse termo vai sendo retomado e modificado, principalmente, a partir das expressões
“essa delícia gelada”, “a guloseima”, “a iguaria refrescante” e “o quitute”, adquirindo
novas feições. Essas expressões são anáforas recategorizadoras e apontam uma posição
positiva e elogiosa sobre o sorvete. Vemos, assim, “que o fenômeno da recategorização
referencial é um elemento fundamental para a tessitura textual” (CAVALCANTE, 2012,
p. 108).
Todos esses exemplos mostram como os textos que lemos e produzimos contam
com o aparato da referenciação para a construção de objetos discursivos. Além disso, a
utilização de recursos linguísticos referenciais auxilia na construção de sentido e na
(re)construção da coesão, tornando oportuna, por consequência, a coerência textual.
Neste sentido, o trabalho com a referenciação, como um processo que envolve intenção
e interação, constitui aspecto crucial nas atividades de produção e, principalmente,
compreensão textual, à medida que permite aos estudantes refletirem de modo mais
satisfatório sobre os textos que leem e/ou escrevem.
Por todas essas características, a referenciação é definida amplamente por
Cavalcante (2012, p. 113) como o
conjunto de operações dinâmicas, sociocognitivamente motivadas,
efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve, com o intuito
de elaborar as experiências vividas e percebidas, a partir da construção
compartilhada dos objetos de discurso que garantirão a construção de
sentido(s) [grifos da autora].
Utilizar o texto como o eixo condutor das aulas de língua portuguesa tem sido
uma tarefa pouco questionada pelos professores de português. Contudo, o trabalho com
o texto, principalmente no que tange ao ensino de leitura e produção textual, deve
colaborar para a formação de leitores críticos, que sejam capazes de refletir sobre as
especificidades que a nossa língua compreende, o que não tem sido adequadamente bem
trabalhado em muitos livros didáticos.
A referenciação, como prática discursiva é de grande importância nas atividades
de produção textual e, por consequência na leitura de diversos textos, formando leitores
e produtores que, refletindo sobre os mecanismos e usos da língua, tornam-se capazes
57
de melhor utilizar/compreender os recursos linguísticos postos a sua disposição nos
variados contextos comunicativos.
Assim, a referenciação não deve ser trabalhada apenas por sua característica em
evitar repetições num cotexto. Nas palavras de Cavalcante (2011b, p. 186), ela se presta
a “organizar o texto, a argumentar, a resumir, a introduzir novas informações, a definir,
a veicular diferentes vozes ou pontos de vista discursivos, a chamar atenção do leitor”.
Considerando tudo o que foi exposto neste capítulo, percebemos que recursos
referenciais configuram estratégias discursivas essencialmente relevantes para a
construção de um texto, seja ele de qualquer natureza. Por esse motivo, dizemos que os
mecanismos de referenciação presentes num texto colaboram fortemente para a
construção de seu sentido, e, consequentemente, para a construção da coerência.
Percebemos, então, que a referenciação, como atividade ao mesmo tempo textual e
discursiva, “é um processo em permanente reelaboração, que, embora opere
cognitivamente, é indiciado por pistas linguísticas e completado por inferências várias.”
(cf. CAVALCANTE et al., 2010, p. 234). Além disso, todas essas afirmações servem
para confirmar que não se pode dicotomizar as noções de linguagem e contexto,
inevitavelmente imbricadas.
É de suma importância os elementos de referenciação na construção de sentido
dos textos e, por consequência, na formação de leitores e produtores competentes, que,
conscientes das estratégias de que podem lançar mão, selecionam com maior adequação
os recursos linguísticos capazes de atingir os objetivos pretendidos em cada situação
comunicativa: familiar, escolar, profissional e social.
58
3. REFERENCIAÇÃO NOS LDP DE ENSINO MÉDIO
3.1. Metodologia de pesquisa
Nesta seção, apresentaremos de forma mais detalhada as obras aprovadas pelas
duas análises que nos serviram de base (PNLEM/2009, PNLD-EM/2012) e que
constituem nosso corpus, bem como pontuaremos as etapas da nossa pesquisa.
Como já foi dito, esta dissertação é continuação de pesquisas realizadas
anteriormente, durante nossa Iniciação Científica. De início, à época da pesquisa de
graduação, foi feito um levantamento da abordagem da referenciação nos manuais
didáticos publicados em 2004 analisados pelo PNLEM/2009, considerando as 11
coleções aprovadas. Nesse momento, contávamos com um total de 21 livros didáticos,
já que 6 obras eram dispostas em volumes únicos e 5 obras eram divididas em três
volumes.
Numa segunda etapa, que coincidiu com o início dos estudos da pós-graduação,
foi lançada uma nova listagem, em 2011, com as coleções aprovadas pelo PNLD-
EM/2012, que deu margem para ampliarmos as pesquisas já realizadas sobre o assunto,
sendo possível estabelecer uma comparação de ambas as análises, investigando quais
foram as mudanças, os progressos referentes ao tema em estudo. Nesta nova listagem,
novamente tivemos 11 coleções aprovadas; desse número, 3 coleções haviam
permanecido da análise anterior e 8 novos livros entraram nessa nova relação de livros
didáticos aprovados pelo PNLD-EM/2012. No total, portanto, tivemos mais 33 volumes
de livros didáticos, já que todas as obras dessa segunda análise apresentam-se em três
volumes.
Esperamos encontrar nos LDP aprovados mais recentemente alguma atualização
em relação à abordagem da referenciação. Além disso, por meio dessa comparação, será
possível verificar quais foram os principais ganhos obtidos e se as falhas apontadas,
tanto pelos Guias quanto pela nossa análise feita durante a IC, foram corrigidas em
função de um ensino mais produtivo de análise linguística, leitura e produção textual no
que concerne à referenciação.
Somando as coleções analisadas nas duas análises, trabalhamos com um total de
22 coleções, distribuídas em 54 livros didáticos, incluindo nessa soma as três obras que
permaneceram, já que elas tiveram que passar por uma nova análise, como observamos
no quadro 2:
59
PNLEM
2009
PNLD 2012 Obras
Anteriores
Novas
Obras Total
Nº TOTAL DE COLEÇÕES
APROVADAS 11 11
22
Nº total de obras distribuídas em três
volumes 5 3 8
Nº total de obras distribuídas em
volume único 6 0 0
TOTAL de livros didáticos analisados
(obras x volumes) 21 33 54
Quadro 2: Total de obras analisadas na pesquisa.
Para ilustrar a distribuição dessas obras pelas duas edições do PNLEM/PNLD,
relacionamos, no quadro 3 abaixo, todas as coleções, mostrando as obras referentes a
cada análise.
Em relação às três obras que se mantiveram em ambas as análises, nossa
intenção era analisá-las de modo mais específico, a fim de observar mais atentamente se
ocorreram mudanças na abordagem da referenciação/CR/coesão ou algum progresso –
e, se tivesse havido, verificar em que consistiriam tais mudanças. Essas obras poderiam
servir de amostragem do que tem sido levado em consideração pelos autores de livros
didáticos no que se refere ao ensino de língua portuguesa, já que entre uma publicação e
outra esperamos que haja atualização, não só de textos, mas de teorias, acompanhando a
constante evolução dos estudos linguísticos. Contudo, observamos que apenas a coleção
Novas Palavras – Nova Edição, de Amaral et al. elaborou uma nova edição; as outras
obras, Português: Língua e Cultura, de Faraco, e Português: Linguagens, de Cereja e
Magalhães, foram quase uma reprodução da publicação anterior, com algumas pequenas
alterações de textos, sendo os exercícios os mesmos. A coleção de Faraco pareceu
apenas ter sido dividida em três volumes. Ou seja, não houve nenhuma mudança
significativa nessas duas coleções, por isso não as consideramos nessa nova análise,
atentando-nos às 8 coleções novas e à de Amaral et al.
60
Quadro 3: Distribuição das obras aprovadas no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012.
OBRAS /EDITORAS
PNLEM
2009
PNLD
2012 Português – Projetos (Vol. único)
Carlos Emilio Faraco e Francisco Marto de Moura / Ática
Português (Vol. único)
João Domingues Maia / Ática
Português de olho no mundo do trabalho (Vol. único)
Ernani Terra e José de Nicola Neto
Textos: leituras e escritas (Vol. único)
Ulisses Infante / Scipione
Português (Vol. 1, 2 e 3)
José de Nicola Neto
Português: Língua, Literatura, Produção de Textos (Vol. 1, 2 e 3)
Maria Luiza Abaurre, Marcela Regina Nogueira Pontara e Tatiana Fadel
Língua Portuguesa – Coleção Vitória Régia (Vol. único)
Heloisa Harue Takasaki
Língua Portuguesa – Projeto Escola e Cidadania para todos (Vol. único)
Harry Vieira Lopes, Zuleia de Felice Murrie, Jeosafá Fernandez Gonçalves e
Simone Gonçalves da Silva
Língua portuguesa – Linguagem Interação (Vol. 1, 2 e 3) Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura e José Hamilton Maruxo Júnior
/ Ática
Linguagem em movimento (Vol. 1, 2 e 3)
Carlos Cortez Minchillo e Izeti Fragata Torralvo / FDT
Português – Contexto, Interlocução e Sentido (Vol. 1, 2 e 3) Marcela Pontara, Maria Bernadete M. Abaurre e Maria Luíza M. Abaurre /
Moderna
Português – Literatura, Gramática, Produção de texto (Vol. 1, 2 e 3) Douglas Tufano e Leila Lauar Sarmento / Moderna
Projeto Eco – Língua Portuguesa (Vol. 1, 2 e 3)
Roberta Hernandes Alves e Vima Lia de Rossi Martin / Positivo
Ser Protagonista Português (Vol. 1, 2 e 3) Ricardo Gonçalves Barreto (coord.) / Edições SM
Tantas Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e
Gramática em uso (Vol. 1, 2 e 3)
Maria Inês Batista Campos e Nívea Assumpção / Scipione
Viva Português (Vol. 1, 2 e 3)
Elizabeth Campos, Paula Marques Cardoso e Sílvia Letícia de Andrade / Ática
Novas Palavras – Nova edição (Vol. 1, 2 e 3) Emília Amaral, Mauro Ferreira, Severino Antonio, Ricardo Leite / FDT
Português Linguagens (Vol. 1, 2 e 3)
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães /Saraiva
Português: língua e cultura (Vol. único – 2004 e Vol. 1, 2 e 3 – 2010) Carlos Alberto Faraco / Base Editorial
61
Reiteramos que a comparação entre os resultados obtidos pelas duas análises é
bastante válida, pois, ao longo de 6 anos – dos livros avaliados pelo PNLEM/ 2009, que
equivalem às obras publicadas no ano de 2004, até as obras analisadas pelo PNLD-
EM/2012, que se referem àquelas lançadas até o ano de 2010 – deve ter havido alguma
mudança significativa na abordagem dos mecanismos de coesão e, consequentemente,
do processo de referenciação, assim como da abordagem textual, em geral.
Como adiantamos na introdução desta pesquisa, ao analisar a referenciação nos
LDP de EM de ambas as análises, observamos se e como esse processo era trabalhado,
ou seja, quando observado, averiguamos de que modo era feita a sua abordagem:
integrada aos textos, numa dimensão discursiva, ou utilizando o texto como pretexto,
apenas com o foco em nomenclatura e identificação de referentes. Cumpre salientar que,
como a maioria dos livros não aborda o conceito de referenciação, optamos por
investigar se e como eram abordados os conceitos de Coesão Referencial (CR) ou
mesmo como era feito o estudo da coesão de um modo geral, verificando se, quando ela
era abordada, era feita alguma relação, mesmo que indireta, ao fenômeno da
referenciação.
Além disso, observamos em qual parte dos manuais o tema era tratado: Produção
de texto; Gramática, com ou sem associação com elementos gramaticais; nos exercícios
de Leitura; em capítulos avulsos; ou se não havia abordagem do tema. Conferimos,
portanto, se os LDP associam os mecanismos referenciais aos processos de organização
e processamento textual e à análise linguística com o objetivo de mostrar que as nossas
escolhas linguísticas não são aleatórias, mas significativas. Para elucidar os resultados
encontrados nesse item de investigação, optamos por apresentar um gráfico para cada
fase da análise, revelando resultados percentuais sobre o lugar no qual a abordagem da
referenciação/CR/coesão é realizada.
As obras destinadas ao Ensino Médio, geralmente, são dividas em três grandes
partes – Literatura, Gramática e Produção Textual –, porém, não consideramos o bloco
de Literatura, por não termos encontrado nenhum dado significativo para o tema em
estudo. Assim, focalizamos a parte gramatical, onde são estudadas, principalmente, as
classes de palavras, procurando dar maior atenção àquelas que, de certa forma, auxiliam
na atribuição da referenciação, ou seja, observamos mais detalhadamente os capítulos
referentes às classes dos substantivos, artigos, pronomes, adjetivos, numerais e
62
advérbios, verificando se havia alguma relação com a sua contribuição para a
construção da referência e dos sentidos nos/dos textos. Dessa maneira, esperamos
encontrar associação entre esse grande mecanismo e a análise linguística, visto que as
críticas feitas no catálogo de Livros Didáticos do PNLEM/2009 já alertavam para essa
necessidade (cf. BRASIL, 2008) – refletindo as teorias defendidas nos PCN desde 1998.
Enfatizamos na nossa análise o bloco de exercícios de leitura/interpretação,
observando se estimulavam a prática das teorias estudadas. Ressaltamos, porém, que
não foi nosso objetivo analisar as respostas oferecidas pelos autores para essas questões.
Assim, observamos apenas se os exercícios exploravam ou não os recursos referenciais
e de que modo isso era realizado. Eventualmente, apontaremos sugestões de como
proceder com abordagens que julgarmos inadequadas, contudo não faremos dessa
prática algo constante. Verificamos, finalmente, capítulos esparsos nas coleções, pois
em algumas delas o tema é tratado em capítulos/seções isolados.
Cabe reiterar que nosso objetivo não é reanalisar essas coleções nem questionar
o que foi feito nas edições do PNLEM/2009 e PLND-EM/2012, mas investigar a
abordagem do processo de referenciação nos manuais didáticos. Destacamos, também,
que nossa pesquisa adquire um caráter essencialmente qualitativo, mas, em alguns
casos, recorremos a uma análise quantitativa para ilustrar e esclarecer alguns resultados
obtidos.
Como temos interesse em realizar uma análise comparativa entre as publicações
das obras aprovadas, consideramos necessário dividir a análise em duas partes – a
primeira referente à análise das obras do PNLEM/2009 e a segunda referente às obras
do PNLD-EM/2012 –, para em seguida compararmos os resultados obtidos pelas
análises realizadas.
Objetivando tornar os resultados encontrados compreensíveis, resolvemos
agrupar as coleções de acordo com critérios específicos, igualmente utilizados para as
duas análises (PNLEM/2009 e PNLD-EM/2012). Por isso, criamos três blocos para
abarcar as obras no que se refere à abordagem da referenciação/CR/coesão: (i)
abordagem nula do tema, para as coleções que não se referem em momento algum à
questão da coesão; (ii) abordagem superficial ou generalizada do tema, obras que
exploram a coesão ou de modo muito restrito ou de forma generalizada; e (iii)
abordagem textual-discursiva do tema, referindo-se àquelas obras que tratam o tema
63
numa perspectiva interacional e/ou processual da construção da referência, integrando
os mecanismos de coesão à sua dimensão textual e discursiva.
Ao final das análises, apresentamos um quadro-síntese, em que consta um
resumo dos resultados gerais encontrados em cada uma das obras, na ordem em que
foram expostas ao longo da análise. Neste resumo, ressaltamos os principais pontos
negativos e positivos encontrados em cada coleção.
Ressaltamos que a análise do Manual do Professor (MP), que faz parte de tais
compêndios, será feita de modo paralelo à análise do livro do aluno2. Nesse sentido,
observaremos, principalmente, se a teoria defendida no MP é, de fato, colocada em
prática no manual do aluno, já que a experiência obtida pela análise das obras do
PNLEM/2009 permitiu verificar que, algumas vezes, não se encontra relação entre o
que é exposto no MP e o que é efetivamente trabalhado no livro do aluno.
Além disso, observaremos se esses manuais oferecem referências bibliográficas
básicas sobre os estudos linguísticos atuais e também instruções e/ou sugestões para os
docentes, que somente com as informações/instruções contidas no manual do aluno, na
maioria dos casos, não obtêm respaldo suficiente para realizar um trabalho adequado
sobre o tema em estudo. Assim, nessa etapa de investigação, centramos nossa atenção
em três principais aspectos: (i) a postura teórica relativa aos estudos sobre o tema da
referenciação assumida pelo manual destinado especificamente aos docentes; (ii) o
embasamento teórico oferecido para o trabalho com o tema. e (iii) a efetiva relação
entre o que é posto no MP e o que é colocado em prática no livro do aluno.
Recorremos também às resenhas que constituem o Guia do Livro Didático de
2009 e de 2012, procurando observar se nesses documentos, que fazem uma análise
geral dos manuais didáticos, sem focar num determinado tema como fazemos aqui,
havia alguma crítica sobre a questão da coesão ou da referenciação e, por vezes, nos
deparamos com observações relevantes para nossa investigação, contribuindo com um
novo olhar sobre o tema analisado.
Por meio desta análise, será possível ter uma amostragem da abordagem da
referenciação nos livros didáticos de Ensino Médio, que se reflete, consequentemente,
no trabalho em sala de aula. E, dessa forma, o professor de Língua Portuguesa poderá
perceber que repensar o ensino dessa disciplina tem sido um objetivo constante e
2 Dentre todos os MP, não tivemos acesso somente à coleção Língua Portuguesa – coleção Vitória Régia,
de Takasaki (2004), aprovada no PNLEM/2009.
64
necessário, em vez de enfatizar apenas o aprendizado de nomenclaturas e exercícios de
classificação. Afinal, o objetivo central do ensino da língua deve ser o de análise das
funções que os elementos linguísticos desempenham nos textos que lemos e
produzimos, entre eles os processos referenciais, por exemplo.
3.2. Análise da referenciação nos livros didáticos de ensino médio
A presente seção objetiva apresentar os resultados obtidos em cada uma das
etapas de investigação. No que se refere à abordagem da referenciação nos LDP de EM,
faremos, inicialmente, uma breve exposição dos resultados obtidos na análise anterior,
que corresponde aos livros aprovados pelo PNLEM/2009. Após essa etapa,
apresentaremos a análise atual, referente aos manuais listados no PNLD-EM/2012,
elencando as principais mudanças e apontando os equívocos que persistem.
3.2.1. Livros aprovados pelo PNLEM 2009
Em relação à análise dos livros do PNLEM/2009, o primeiro obstáculo que
encontramos nessa etapa de investigação sobre a referenciação foi a ausência dessa
nomenclatura nos manuais. Nenhum dos livros aprovados no PNLEM/2009 usa o termo
referenciação, por isso analisamos de que maneira os LDP abordavam a coesão
referencial (CR).
Além disso, a análise permitiu verificar outros problemas, como a
superficialidade das abordagens sobre a CR. Em dez das onze coleções aprovadas, fala-
se em retomada coesiva, referência, até mesmo em coesão sequencial ou sequenciação,
mas quase nada se menciona sobre a CR explicitamente. Foi necessário, então, observar
o tratamento dado à coesão de modo geral, verificando se, ao abordar esse item, as obras
citavam elementos que auxiliam na CR, fazendo alguma menção, mesmo que
indiretamente.
Além desses problemas, outra questão que dificultou nossa análise foi não haver
um local recorrente, pontual para a abordagem da coesão nos manuais, fazendo com que
tivéssemos que analisar toda a obra em busca de alguma ocorrência que nos servisse de
dado. A maioria dos manuais tratou do tema na seção de Produção Textual ou em
capítulos isolados. Algumas coleções realizaram um estudo da coesão paralelo ao
65
estudo das classes gramaticais que a auxiliavam, como os pronomes, artigos e numerais.
Houve casos em que os autores optavam por abrir um capítulo estanque na seção de
gramática, sem associá-lo ao restante da coleção. Alguns só abordaram tangencialmente
o tema em exercícios de leitura, na maioria das vezes, relacionados ao uso dos
pronomes. E houve também os que não abordaram o tema sob nenhum aspecto. Cumpre
ressaltar que, como algumas obras realizaram uma abordagem fragmentada do tema, a
quantificação a respeito da parte do manual onde o tema é tratado foi repetida, como
comprovamos no gráfico 1:
Gráfico 1: Partes dos manuais em que o tema da coesão/CR/referenciação foi encontrado
(PNLEM/2009).
3.2.1.1. Abordagem nula do tema
Das coleções aprovadas no PNLEM/2009, apenas uma não apresentou o tema da
coesão/CR/referenciação: Português - Projetos, de Faraco e Moura (2004). Nesse
manual, observamos uma dedicação quase exclusiva da Literatura, ficando as partes de
produção e gramática em segundo plano. Confirmamos isso ao observar,
principalmente, que a apresentação dos itens linguísticos é feita de forma bastante
38%
31%7%
8%8%
8%
Produção de Texto
Capítulos avulsos
Não abordam o tema
Exercícios de leitura
Gramática - sem associação às classes gramaticais
Gramática - com associação às classes gramaticais
66
limitada, reduzindo-se à explanação de pontos gramaticais em forma de apêndice, ao
final do manual, sem desdobramentos. Consequentemente, a dimensão textual de tais
elementos linguísticos não é contemplada.
Devido a esses problemas, o MP não apresenta uma base sólida relacionada à
coesão, por isso é necessário que o docente, em relação à abordagem das estratégias de
leitura e produção textual, busque a sua maneira de explorar mais detalhadamente o
efeito dos elementos linguísticos na construção do texto, uma vez que não há uma
sistematização dos conteúdos linguísticos, que aparecem sob a forma de fichamento, e,
consequentemente, não se contempla a relação entre os pontos gramaticais apresentados
e sua dimensão textual.
3.2.1.2. Abordagem superficial/generalizada do tema
Neste bloco, agrupamos 8 coleções que apresentam uma análise superficial e,
por vezes, generalizada da referenciação. Decidimos apresentar as coleções desse grupo
seguindo uma gradação: aquelas que apresentam um maior grau de superficialidade até
chegar àquelas que apresentam uma abordagem menos superficial ou generalizada.
Fazem parte desse grupo as coleções (i) Português – Língua e cultura, de Faraco; (ii) e
Português de olho no mundo do trabalho, de Terra e Nicola; (iii) Novas Palavras, de
Amaral et al.; (iv) Língua Portuguesa – Coleção Vitória Régia, de Takasaki; (v) Textos:
leituras e escritas, de Infante; (vi) Português, de Nicola; (vii) Português, de Maia; e
(viii) Português: Língua, Literatura, Produção de Texto, de Abaurre et al.;
Português – Língua e cultura, apesar de apresentar algumas menções a questões
de ordem semântica, como o uso de sinônimos e antônimos, não relaciona esse tema à
construção da coesão textual. O mesmo ocorre na apresentação das classes de palavras.
No estudo da classe dos artigos, por exemplo, ressalta-se que eles têm a “função de
acompanhar o substantivo, assinalando-o como fazendo referência a um ser já
conhecido ou mencionado” (FARACO, 2004, p. 289, vol. único). No estudo dos
pronomes demonstrativos, há uma breve menção à sua função coesiva, em que se
ressalta a sua possibilidade de fazer “referência a assuntos já tratados sem precisar
repeti-los” (Ibid., p. 415, vol. único), dando como exemplo o uso do pronome “isso” e
pedindo como exercícios a identificação da localização do seu antecedente. Em relação
67
à distinção entre o uso dos pronomes estes/esses, o autor a concebe como artificial
(FARACO, p. 415, vol. único), sem tratar do fato de que, na escrita formal, são eles os
responsáveis, em grande parte, pelo estabelecimento da coesão textual e também pela
eliminação de ambiguidades.
Um ponto positivo foi o tratamento dado à repetição, que, segundo Faraco
(2004, p.64, vol. único)
(na medida certa) pode ser (...) um recurso tão adequado para fazer nova
referência a um elemento já mencionado no texto quanto o uso dos pronomes
ou da elipse. Tudo vai depender da situação e das intenções do autor.
No capítulo que trata do texto informativo, o autor apresenta um esquema de
retomadas bastante relevante para o ensino da referenciação textual, uma vez que
sinaliza as retomadas realizadas por diversas classes de palavras com o objetivo de
“desenvolver a capacidade de percepção da estrutura textual (que é sempre mais que o
ajuntamento de sentenças)” (FARACO, 2004, p. 27, MP). O esquema serve como
exemplo para que o aluno faça o mesmo trabalho com o restante do texto base (ver item
d no esquema abaixo), mostrando todas as palavras/expressões que servem para
estabelecer retomadas, inclusive, a elipse.
Figura 1: Esquema gráfico sinalizando as palavras que retomam outras num parágrafo de texto – coleção
Português – Língua e cultura (FARACO, 2004, p. 221, vol. único).
68
Esse esquema de retomadas, em vez de limitar-se à identificação, poderia
estimular reflexões acerca da função recategorizante dos objetos de discurso, que vão se
construindo e transformando com base nos conhecimentos partilhados dos
interlocutores. Dessa forma, a expressão nominal “um lobo-guará”, introduzida por um
artigo indefinido por se tratar de uma informação nova, é recuperada, por exemplo, pelo
seu hiperônimo “bicho” e pela expressão nominal “o maior canídeo da América do Sul”,
revelando que as retomadas são mais do que uma substituição de referentes, pois
estimula no leitor a recuperação de informações contextuais.
Além disso, outro ponto a destacar em relação a esse esquema consiste na
introdução de objetos de discurso por meio de anáforas indiretas, como, por exemplo, o
termo “embalagens”, associado ao referente “comida” anteriormente mencionado.
Entretanto, os autores não fazem nenhuma relação entre o esquema de retomadas com a
questão da coesão ou mesmo da referenciação.
O MP desta coleção demonstra uma grande preocupação com o ensino da
língua-padrão, deixando em segundo plano a abordagem textual. Nas sugestões
bibliográficas referentes à Linguística de Texto, há somente uma indicação de leitura.
Concluímos, assim, que a coleção, apesar de fixar o texto como objeto central,
restringe-se aos elementos do entorno verbal, não contemplando questões de ordem
interacional ou cognitiva.
A segunda coleção, Português de olho no mundo do trabalho, faz da gramática
mais do que um manual de consultas: um manual de regras a serem seguidas,
priorizando o estudo excessivo da metalinguagem (ver seção “A teoria na prática” ao
final dos capítulos que abordam as categorias gramaticais), apontando categorias e
nomenclaturas e ignorando questões mais discursivas e reflexivas. A resenha do
PNLEM confirma nossa visão, ao afirmar que, “Na seção de Gramática, alguns textos
chegam a servir apenas de ‘pretexto’ à exposição de aspectos gramaticais ou à
formulação de exercícios de identificação, classificação ou (re)escrita” (BRASIL, 2008,
p. 61).
Os autores, de modo bem sucinto, falam sobre coesão e coerência textuais, sendo
a primeira manifestada “no plano da superfície do texto” e a segunda “no plano do
conteúdo” (TERRA e NICOLA, 2004, p. 54, vol. único), o que aponta uma abordagem
atrelada à perspectiva da década de 1980. Ao tratar da coesão, os autores a relacionam
69
às relações lógicas entre os segmentos do texto (os conectivos) e ao estabelecimento de
retomadas a “elementos presentes na estrutura textual” (ibid.). Os exercícios,
relacionados à coesão referem-se, por consequência, ao uso de conectivos e à
identificação de retomadas realizadas por pronomes, mesmo na seção dedicada a
questões de vestibular, como vemos no exemplo a seguir: “Na frase ‘Mas sabemos que
em sua grande maioria eles estão ativos’, as palavras em destaque funcionam como
elementos de coesão textual. Explique por quê” (TERRA e NICOLA, 2004, p. 55, vol.
único).
O MP dessa coleção oferece indicações bibliográficas desatualizadas, que não
contemplam os avanços obtidos pela LT nos últimos tempos, o que parece refletir nos
procedimentos adotados na apresentação das categorias gramaticais, principalmente.
Toda a abordagem da coleção contraria a expectativa que criamos com a leitura do título
da obra, que já demonstra preocupação com a inserção do aluno no “mundo do
trabalho”. Para isso, seria preciso levar o aluno a refletir sobre as várias estratégias que
a língua disponibiliza para adequarmo-nas aos nossos propósitos comunicativos.
Além disso, há divergências entre o que é exposto no MP e o que é, de fato,
posto em prática. Lemos no MP que o caminho ideal nas aulas de LP é o ensino de
gramática “de um modo reflexivo, expondo o aluno a variados tipos de textos e
levando-o a refletir sobre fatos da língua” e também que “os textos (devem ser a
matéria-prima do professor no trabalho com a língua. Eles devem ser o ponto de partida
e o ponto de chegada (...)” TERRA e NICOLA, 2004, p. 6, MP), mas, como
percebemos na análise, não é isso o que acontece.
Na terceira coleção, Novas Palavras, observamos total falta de integração entre
itens gramaticais e sua funcionalidade textual. Ao tratar dos numerais (p. 241, vol. 1),
por exemplo, os autores mostram que eles podem ser usados apenas como recurso
expressivo (ver Figura 2), sem mencionar a possibilidade de também servirem como
recurso coesivo.
70
Figura 2: Referência aos numerais como recurso expressivo – coleção Novas Palavras (AMARAL et al.,
2004, p. 241, vol. 1).
Em contrapartida, no MP desta obra, sugere-se ao docente que, no trabalho com
os pronomes, deve-se dar destaque ao estudo das funções morfológicas devido ao seu
papel no estabelecimento da coesão textual (AMARAL et al., 2004, p. 32, MP). Ou
seja, os pronomes são mostrados como os principais recursos da coesão dos textos, mas
não é citado que outras classes gramaticais também colaboram para a progressão
textual.
Ainda no MP desta obra, vemos no item “Complementação teórica” (Ibid.) uma
rápida explicação sobre a natureza fórica dos pronomes pessoais, ou seja, das funções
anafórica e catafórica, mas como a abordagem é superficial, não há recursos para que o
professor possa se aprofundar, nem mesmo leituras complementares sobre o assunto.
Os autores consideram que “pela maior importância dos demonstrativos e dos
relativos no estabelecimento dos vínculos de coesão e progressão textuais, convém que
a eles seja dada maior ênfase” [grifos dos autores] (p. 35, MP). No livro dos alunos, na
parte dos pronomes demonstrativos, são apresentados alguns exercícios que trabalham,
basicamente, com a identificação de referentes recuperados por esse tipo de pronome,
com o intuito de sinalizar que eles são “fundamentais para estabelecer as relações de
coesão entre partes de um enunciado” (AMARAL, et al., 2004, p. 163, vol. 2).
Na quarta coleção, Língua Portuguesa – Coleção Vitória Régia, encontramos
um fato curioso sobre a abordagem da coesão. A análise total das obras nos permitiu
verificar que não há um local único em que os autores optem para falar sobre coesão:
alguns a exploram na parte de produção textual, outros na parte da gramática, em
capítulos à parte ou mesmo atrelado a algum assunto em estudo. Entretanto, nesta obra,
a coesão é mencionada pela primeira e única vez no capítulo 7 (p. 84) numa seção
avulsa, não recorrente ao longo da obra, sob o título “Estudo da língua padrão” (Figura
3), insinuando que a coesão é encontrada somente nessa variedade da língua. Apesar
71
dessa apresentação inusitada do tema, os exercícios são adequados, embora não sejam
suficientes para o desenvolvimento do tema, que não é retomado nas análises de textos.
Dessa forma, o Guia do PNLEM/2009 sugere que “o professor complemente os
conceitos sobre a linguística textual, que fundamenta a obra, utilizando os textos
específicos referidos na bibliografia.” (BRASIL, 2008, p. 123).
Figura 3: Estudo da coesão sob o título de “Estudo da língua padrão” – coleção Língua Portuguesa –
coleção Vitória Régia (TAKASAKI, 2004, p. 84, vol. único).
Como posto na metodologia (seção 3.1), não tivemos acesso ao MP da coleção
Língua Portuguesa – coleção Vitória Régia, por esse motivo, não teceremos comentário
a respeito do manual dessa coleção.
A quinta coleção Textos: leituras e escritas dedica um pequeno espaço para
tratar da coesão e da coerência na parte de produção de texto (O texto escrito - parte I e
72
II); a abordagem limita-se a teorizar, sem expor exemplos, sobre questões de repetição,
progressão, não contradição e relação. Os exercícios dessa parte (p. 144) não oferecem
muito espaço para reflexão sobre os conceitos tratados, pois se preocupam, quase
exclusivamente, com a identificação de retomadas realizadas por alguns demonstrativos
e com a estrutura do conto – gênero no qual as atividades se baseiam.
O ponto mais positivo nessa obra foi encontrado ao final da abordagem das
classes gramaticais, numa caixa que relaciona as classes gramaticais estudadas a sua
contribuição para a leitura e produção textual. Dentre as classes de palavras utilizadas
para estabelecer a coesão, encontramos observações relevantes na parte dos
substantivos, adjetivos, pronomes e numerais sobre a importância dessas classes para a
construção de sentido dos textos. Destacamos aqui as considerações a respeito dos
substantivos e numerais, que destoam positivamente das demais obras analisadas.
Em relação ao substantivo, o autor advoga que
Os substantivos desempenham um papel importante nos mecanismos de
coesão e coerência textuais. Um substantivo, como vimos, é a ‘palavra com
que se nomeiam os seres, atos ou conceitos’. Devido a essa característica, é
normalmente por meio do substantivo que se apresenta pela primeira vez
num texto o ser, ato ou conceito de que estamos tratando. Depois disso,
utilizam-se substantivos que mantêm com esse primeiro relações variáveis de
significado, num processo de retomada que é parte importante da progressão
textual. Por meio desse processo, delimita-se ou expande-se a abrangência do
sentido dos conceitos analisados. Esse processo pode, ao mesmo tempo,
evidenciar o ponto de vista do produtor do texto sobre o tema tratado
(INFANTE, 2004, p. 284, vol. único).
Já em relação ao numeral, o autor aponta que eles
também podem ser empregados na produção e interpretação de textos
dissertativos escritos. (...) as palavras dessa classe gramatical compartilham
com os pronomes a capacidade de retomar dados anteriormente expostos e de
inter-relacionar partes do texto. Podem ser, por isso, elementos importantes
para a obtenção de coesão textual (INFANTE, 2004, p. 398, vol. único).
Os comentários são extremamente relevantes para a nossa análise, uma vez que
sinalizam exatamente o que esperaríamos de todas as obras: integração entre análise
linguística, leitura e produção textual. Porém, faltam exercícios que explorem essas
questões tão importantes para que o estudo dessas classes faça sentido na vida do aluno.
O MP afirma que são apresentados os principais tópicos do ensino de
gramática da língua padrão e que as atividades de aplicação dos conteúdos gramaticais
73
são meramente “práticas”. Explicita, ainda, a opção pela intersecção entre a Análise do
Discurso e a Linguística de Texto, principalmente na seção Do texto ao texto. De acordo
com o MP, a seção Gramática aplicada aos textos segue a perspectiva das obras de
Luiz Carlos Travaglia (Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramatica
no 1º e 2º graus; Gramática – Ensino Plural). Portanto, há, nesse aspecto, contradição
entre o que se propõe no MP e o que efetivamente é feito na obra: o que é chamado de
“gramática aplicada aos textos”, nesta coleção, tende a reproduzir a tradição gramatical
e não se mostra inovadora sequer nas propostas de atividades, pois a aprendizagem de
aspectos gramaticais está voltada à repetição exaustiva de atividades estruturais não
vinculadas ao uso real da língua.
Já a sexta coleção, Português, de Nicola, no volume 1, ao abordar os processos
de comunicação, aponta alguns “recursos textuais para a montagem da mensagem”,
entre eles a referenciação extratextual, marcada pelo uso de dêiticos, e a textual, feita
por meio de relações anafóricas e catafóricas. Ressaltamos, porém, que, apesar de o
autor citar o termo referenciação e fazer menção a relações extratextuais, a abordagem
se restringe a identificar referentes no texto e a destacar o tipo de estratégia referencial
empregada, se exofórica ou endofórica: “explique o tipo de referenciação do advérbio
lá, que aparece duas vezes, comparando os casos (NICOLA, 2004, p. 156, vol. 1).
Mais à frente, o autor dedica um capítulo exclusivamente ao estudo da coesão e
coerência textuais (capítulo 7, parte 2, vol. 1), destacando mecanismos do que chama
coesão gramatical – realizada por pronomes (pessoais, possessivos, relativos,
demonstrativos, indefinidos), conectivos, advérbios, ordenadores, elipse e pela omissão
– e da coesão semântica (repetição, sinonímia, hiperonímia e hiponímia e campo
semântico), mas não aprofunda a questão, realizando uma abordagem superficial,
principalmente no que se refere aos exercícios sugeridos para essa parte. No volume 3, a
obra apenas retoma todos esses recursos, relacionando-os à organização dos textos.
Apesar de considerarmos superficial o tratamento da coesão e seus mecanismos,
nesta coleção, observamos uma tentativa de relacionar os mecanismos gramaticais e a
sua importância para a construção de sentido dos textos: na maioria das unidades sobre
classes gramaticais, o autor insere um subcapítulo intitulado “A gramática do texto”,
onde sinaliza, principalmente, o caráter fórico dos artigos (p. 44, vol. 2 – ver Figura 4),
pronomes (demonstrativos e pessoais, p. 98-99, vol. 2) e advérbios (p. 159-161, vol. 2),
74
mostrando como essas classes contribuem para a coesão e, consequentemente, para a
produção textual. Essa integração vai ao encontro do MP da obra, que afirma que “saber
lidar com as estruturas gramaticais é o ponto de partida para a produção e leitura de
textos” (NICOLA, 2004, p. 8-9, MP).
Figura 4: A classe dos artigos na seção “A gramática do texto” – coleção Português (NICOLA, 2004, p.
44, vol. 2).
Além de apontar o caráter fórico das categorias mencionadas, ao final do
capítulo dos substantivos, a obra sinaliza o uso desses elementos como estratégia
coesiva, já que eles evitam redundâncias (ver Figura 5), mas falta explorar melhor os
75
exercícios, que, como podemos ver adiante, não contemplam essa estratégia.
Figura 5: Comentário sobre o uso dos substantivos como forma de garantir coesão seguido dos exercícios
referentes à classe estudada – coleção Português (NICOLA, 2004, p. 38, vol. 2).
76
A sétima coleção, Português, de Maia, é dividida em 47 unidades e cada uma
delas é subdividida em 8 capítulos – Texto, Margens do texto, Horizonte do texto,
Intertextualidade, Exame de textos, Literatura, Produção de textos e Gramática –, mas é
apenas nesta última que o autor opta por abordar a coesão e a coerência textuais,
fragmentadas em duas partes (coesão e coerência I – unidade 19 - e coesão e coerência
II – unidade 20). Na primeira, o autor faz uma breve apresentação sobre os conceitos de
coerência e coesão, mostrando que esta “deve-se a uma série de elementos que
permitem os encadeamentos linguísticos, à maneira como são ligados os elementos
gramaticais, semânticos e discursivos do texto (a concatenação das frases)” (MAIA,
2004, p. 202, vol. único). Na segunda parte, a obra direciona a abordagem mais
especificamente para a coesão textual e seus recursos (substituição ou sinonímia;
referência; elipse e conectores), oferecendo exemplificações por meio de frases
descontextualizadas, como podemos observar na Figura 6.
Figura 6: Exemplos de alguns recursos coesivos por meio de frases descontextualizadas – coleção
Português (MAIA, 2004, p. 213, vol. único).
Além disso, o autor menciona que esses recursos linguísticos servem para fazer
“referência às distintas partes de um texto sem a necessidade de repetir as mesmas
77
palavras” (MAIA, 2004, p. 213), o que dá a entender que repetir palavras ou expressões
prejudica a coesão ou é um erro. Por meio da análise dos exercícios apresentados ao
final do capítulo (Figura 7), podemos perceber que, além de superficiais, já que se
limitam ao emprego de conectivos e outros elementos cotextuais ou à identificação de
termos da superfície textual, as funções anafórica e catafórica são mencionadas pela
primeira vez nos exercícios sem a sua devida sistematização.
Figura 7: Exercícios referentes à coesão – Coleção Português (MAIA, 2004, p. 215, vol. único).
Quanto aos exercícios, o Guia do PNLEM/2009 advoga que “boa parte das
atividades propostas na seção Exercícios limita-se a cobrar a aplicação das regras
prescritas pela gramática normativa, frequentemente desarticulada da leitura e da
78
produção de textos.” (BRASIL, 2008, p. 52). Assim, reiteramos que a obra não
apresenta relação entre os conteúdos abordados e a construção de sentido do texto.
O MP dessa obra interessa-se, basicamente, por oferecer o gabarito das questões,
sem nenhum desdobramento ou sugestão de atividades extras. A preocupação com a
gramática fica clara em muitos pontos da apresentação da proposta pedagógica, como
no trecho que destacamos:
Os conteúdos gramaticais são “ensinados” desde o primeiro até o quarto ciclo
do ensino fundamental. No entanto, a maioria dos alunos chega ao ensino
médio sem ter aprendido o suficiente dos conceitos gramaticais. Portanto,
consolidar os conhecimentos gramaticais no ensino médio significa na
verdade ensiná-los bem e de uma vez por todas, para dissipar a frustração que
provavelmente acompanha o aluno que constata não ter aprendido o
suficiente no ensino fundamental. Agora é o momento de aprender. Cabe a
nós professores e autores do ensino médio, resgatar essa dívida da escola para
com os alunos (MAIA, 2004, p. 4, MP).
O trecho acima suscita uma série de questionamentos: o que seria ensinar “bem”
a gramática?; o que seria aprender o suficiente?; por que “agora”, no ensino médio é “o
momento de aprender?” É com essas dúvidas e com muitas outras que o professor pode
se deparar ao consultar o MP dessa coleção.
A última coleção que compõe esse bloco, Português: Língua, Literatura,
Produção de Texto, dentre as onze do PNLEM/2009, é a única que usa o termo coesão
referencial, demonstrando que há três tipos de coesão: lexical, referencial e sequencial
(p. 134-139, vol. 3). Contudo, ao falar desse tipo de coesão, considera que ela se
manifesta apenas por meio da anáfora e da catáfora. Além dessa limitação, as autoras
citam que “são os mecanismos de coesão sequencial que fazem o texto progredir” (p.
139, vol. 3) [grifo nosso], ignorando que a CR também é responsável pela progressão
textual.
Como trabalham com o conceito de CR e não de referenciação, a obra aborda o
assunto dando ênfase às retomadas observáveis na superfície textual, relacionando os
procedimentos linguísticos coesivos a placas de trânsito (Figura 8), a fim de salientar
como algumas palavras orientam a leitura de um texto, fazendo retomadas, acréscimos
ou antecipações:
79
Figura 8: relação entre placas de trânsito e os elementos coesivos – coleção Português: língua, literatura,
produção de textos (ABAURRE et al., 2004, p. 135, vol. 3).
Dessa forma, a maioria dos exercícios limita-se à superfície textual, ao cotexto,
exigindo do aluno apenas que identifique elementos anafóricos ou catafóricos, como,
por exemplo, na atividade demonstrada na Figura 9.
80
Figura 9: Atividade referente ao estudo da coesão referencial que limita-se à superfície textual – coleção
Português: língua, literatura, produção de textos (ABAURRE et al., p. 136, vol. 3).
81
O MP da coleção Português: Língua, Literatura, Produção de Texto oferece,
além de referenciais teóricos para cada unidade (Literatura; Língua e Prática de leitura e
produção), explicações pertinentes sobre a perspectiva pedagógica adotada pela obra, as
quais demonstram uma preocupação em relacionar questões discursivas ao estudo da
língua. Contudo, tal proposta não reflete, em geral, no que é posto em prática no manual
do aluno, que não demonstra essa preocupação. Acreditamos que, se as autoras
seguissem fielmente os pressupostos explicitados no MP, a obra teria um viés mais
textual-discursivo.
3.2.1.3. Abordagem textual-discursiva do tema
Neste grupo, que apresenta um tratamento com um viés mais textual-discursivo
do tema, contamos com duas coleções: Português: Linguagens, de Cereja e Magalhães
e Língua Portuguesa – Projeto escola e cidadania para todos, de Murrie et al.
Na coleção Português: Linguagens, encontramos algumas menções, em
pequenas caixas de texto, sobre a contribuição da coesão para os textos. O volume 1
desta coleção apresenta uma abordagem mais prescritiva. No capítulo que aborda a
classe dos pronomes, por exemplo, os autores ressaltam a contribuição desses elementos
para a síntese, clareza, coerência e coesão, citando que eles “substituem, acompanham
ou retomam palavras e orações já expressas” (CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p.101,
vol. 2). Contudo, apesar de mencionar indiretamente que os pronomes contribuem para
a referenciação, não há exemplos, na coleção, que mostrem a relevância desses
elementos na construção textual, por exemplo. Ou seja, como ressalta a resenha da
coleção, “a análise dos conteúdos propriamente gramaticais é feita fundamentalmente
com base nas gramáticas de cunho mais prescritivo.” (BRASIL, 2008, p. 31), ficando o
trabalho de viés reflexivo acerca dos elementos linguísticos a cargo dos professores.
Além disso, a resenha do PNLEM comenta que
As categorias e os fatos gramaticais são descritos quase exclusivamente com
base em enfoques normativos, o que, (...) dificulta a exploração dos
conhecimentos linguísticos como base para o desenvolvimento das atividades
de leitura e produção. (Ibid, p. 32).
Na sistematização dos pronomes demonstrativos, por exemplo, a obra assinala,
mesmo que indiretamente, a propriedade de sinalizarem relações correferenciais
82
anafóricas e catafóricas, mas, no exercício referente a esse tipo de pronome, prefere a
abordagem prescritiva, já que se preocupa com a imposição de um padrão linguístico. É
o que percebemos por meio do item b na Figura 10, que poderia estimular uma
importante reflexão acerca da referenciação, mas prioriza a verificação do que os
autores chamam de uso padrão da língua.
Figura 10: Exercício referente ao uso dos pronomes demonstrativos – Coleção Português: Linguagens
(CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p. 96, vol. 2).
Ao final dos capítulos referentes às classes de palavras, a obra destina um espaço
para associar o item gramatical abordado à sua contribuição para a construção do texto.
Nesse momento, esperávamos encontrar algo positivo para nossa pesquisa, porém o
compêndio utiliza, na maioria dos casos, o texto como pretexto, pedindo que os alunos
retirem elementos gramaticais do texto e os reproduzam no exercício (ver Figura 11), o
que, de certa forma, contraria o MP, que “afirma que serão privilegiados as abordagens
baseadas na Linguística de Texto, na pragmática e nas diversas teorias do discurso”
(BRASIL, 2008, p. 31).
83
Figura 11: Caixa de texto sobre os pronomes e sua relação com a coesão + exercícios referentes à classe
dos pronomes e sua relação textual – coleção Português: linguagens (CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p.
100-101, vol. 2).
Na Figura 11, percebemos que as questões de número 1 e 4 ilustram a
abordagem tradicional da identificação e classificação de elementos do texto, em lugar
de uma abordagem propriamente discursiva e reflexiva da língua e seus diversos usos.
Além disso, observamos que a caixa Para que servem os pronomes? aponta a
84
importância dessa classe gramatical para a coesão textual. Essa informação poderia ser
dada nas demais classes, principalmente substantivos, artigos, adjetivos, numerais e
advérbios, mas na parte dos artigos (p. 66, vol. 2), por exemplo, aparece a mesma caixa
informando sobre a sua funcionalidade e nada se menciona sobre a sua função coesiva.
No volume 2 dessa obra, encontramos um capítulo dedicado exclusivamente a
tratar de questões textuais e discursivas: “Texto e discurso – intertexto e interdiscurso”.
Nesse capítulo, observamos a seção “Textualidade, coerência e coesão”, em que
encontramos uma abordagem mais discursiva desses dois grandes temas. Contudo, o
foco é o emprego “adequado” de conjunções, pronomes e preposições, que ligam ou
retomam palavras expressas no cotexto.
Já no capítulo 13 (p. 145-147, vol. 3), de produção de texto, faz-se o estudo do
gênero “Carta do leitor” e ao final encontramos a seção “Escrevendo com coerência e
coesão”, que trabalha com a articulação de palavras, associada à coesão e a articulação
de ideias, associada à coerência. Porém, o objetivo da seção, mais uma vez, é o emprego
de conectivos e alguns exercícios abordam a questão das retomadas e antecipações,
pretendendo mostrar que elas “são importantes para que o texto possa ter continuidade e
progressão de ideias” (CEREJA e MAGALHÃES, 2004, p. 147, vol. 3).
A coleção Língua Portuguesa – Projeto escola e cidadania para todos merece
destaque por sua abordagem dos fenômenos coesivos. Embora os autores abordem as
relações coesivas em um capítulo à parte: “Falando de textos: coesão” (p. 177-208, vol.
único) –, o fazem sempre com base em textos prontos ou a serem elaborados pelos
próprios alunos (ver Figuras 13 e 14). Para os autores dessa obra, as retomadas podem
ser gramaticais ou lexicais: no primeiro caso, a coesão é feita por meio de palavras
gramaticais, sem significado próprio (pronomes, artigos, numerais e advérbios); no
segundo, a coesão é realizada por palavras lexicais, que têm um significado próprio,
“ligado às ações que ocorrem no mundo, aos serem reais e imaginados do mundo e às
qualidades de tais seres e ações” (MURRIE et al., 2004, p. 183, vol. único) –
substantivos, adjetivos, verbos. Além das retomadas, fala-se da coesão por repetição
como um mecanismo produtivo.
Os autores chegam a citar outros tipos de expressão, como a fotografia, o
cinema, a dança etc (MURRIE et al. p. 197, vol. único), como forma de estabelecer
coesão, porém não dão exemplo de como isso acontece nesses casos.
85
A coleção acerta ao tratar atividades sobre retomadas numa perspectiva mais
produtiva, como observamos por meio das Figuras 12 e 14, principalmente. Essas
atividades, além de estimular a reflexão sobre a coesão, fazem os alunos exercitarem de
diferentes maneiras os mecanismos coesivos apresentados ao longo da exposição
teórica, ora levando-os a produzir textos, como visto nas Figuras 12 e 14 ora levando-os
a identificar de palavras remissivas (Figura 13), mas sempre tentando mostrar aos
alunos os efeitos de sentido que essas retomadas produzem no texto.
Um aspecto relevante para nossa pesquisa foi encontrado na definição para o
processo da coesão nessa coleção:
mecanismo linguístico, formal, que estabelece relação entre palavras,
expressões e frases no texto. Essa relação pode referir-se tanto à retomada
Figura 14: Atividade com a classe dos artigos – coleção Língua
Portuguesa: projeto e cidadania para todos (MURRIE et al., p.
185, vol. único).
Figura 12: Atividade sobre
retomada lexical – coleção Língua
Portuguesa: projeto e cidadania
para todos (MURRIE et al., p. 186,
vol. único).
Figura 13: Atividade sobre retomadas – coleção
Língua Portuguesa: projeto e cidadania para todos
(MURRIE et al., p. 183, vol. único).
86
de elementos como ao estabelecimento de nexos de significação e
progressão entre eles” (MURRIE et al., 2004, p. 197, vol. único) [grifos
nossos].
A maioria dos autores define coesão como a ligação entre as partes do texto, mas
Murrie et al. vão além, mostrando que a coesão pode ser mais do que encadeamentos
visíveis na planície textual.
No MP dessa obra, os autores elencam dez habilidades específicas para esse
capítulo sobre coesão, listadas a seguir, dentre as quais grifamos as que julgamos mais
se aproximarem das habilidades necessárias para a compreensão do processo de
referenciação:
(i) identificar e compreender os elementos coesivos como garantia de
textualidade; (ii) identificar o caráter polissêmico do léxico, compreendê-
lo e utilizá-lo nas retomadas coesivas; (iii) compreender a função dos
elementos de coesão na progressão textual; (iv) especificar os elementos
coesivos na narração; (v) aplicar os mecanismos de coesão estudados, na
produção de texto; (vi) aplicar os sequenciadores temporais/espaciais e
ordenadores espaciais em texto narrativo-descritivo; (vii) compreender e
analisar os operadores discursivos enquanto elementos de encadeamento
discursivo; (viii) compreender a função textual dos tempos verbais pretéritos
e sua utilização na produção dos textos; (ix) analisar e aplicar os operadores
discursivos na recepção e produção textual e (x) identificar e compreender
os elementos de coesão (MURRIE et al., p. 65-66, MP).
O quadro abaixo apresenta uma síntese das principais questões apresentadas na
análise das obras aprovadas pelo PNLEM/2009, oferecendo um panorama geral dos
resultados obtidos nesta pesquisa. Para tanto, apontamos pontos positivos e negativos
encontrados em cada uma das coleções analisadas nesta etapa da pesquisa, restringindo-
nos a apontar apenas as questões encontradas no manual do aluno.
87
OBRA AUTOR(ES) /
EDITORA
CONSIDERAÇÕESS NEGATIVAS CONSIDERAÇÕES POSITIVAS
Português –
Projetos
Francisco Marto
de Moura, Carlos
E. Faraco / Ática
Apresenta a gramática como um
manual de consulta, sem
desdobramentos sobre questões
importantes que os elementos
linguísticos propiciam para a produção
e compreensão textuais; por
consequência, não aborda o tema da
coesão, tampouco o da referenciação.
Não houve.
Português –
Língua e
Cultura
Carlos Alberto
Faraco / Base
Editorial
Quando se faz alguma menção à
função coesiva de elementos
gramaticais, privilegia a superfície
textual, aproximando-se dos estudos da
primeira fase da Linguística de Texto,
desconsiderando, pois, aspectos
interacionais e cognitivos; preocupação
excessiva com o ensino da norma
padrão.
Apresenta um esquema de retomadas
bastante propício para o estudo dos
mecanismos coesivos, principalmente
aqueles que se fazem por meio de
referências; vê a repetição como um
recurso importante “para fazer nova
referência a um elemento já
mencionado no texto”.
Português – de
olho no mundo
do trabalho
Ernani Terra, José
de Nicola Neto /
Ática
Preocupação excessiva com o ensino
da norma padrão da língua, priorizando
o estudo de nomenclaturas e da
metalinguagem em detrimento das
propriedades textuais.
Não houve.
Novas Palavras Emília Amaral,
Mauro F. do
Patrocínio,
Severino Antônio
M. Barbosa,
Ricardo S. Leite /
FDT
Não faz integração entre as classes
gramaticais que auxiliam na
coesão/referenciação. Mostra o
numeral como recurso expressivo,
ignorando a sua função coesiva nos
textos. Oferece informações muito
limitadas aos professores sobre o que é
anáfora e catáfora.
Destacam alguns tipos de pronomes
como importantes para estabelecer a
coesão, como os relativos e os
demonstrativos.
Língua
Portuguesa –
Coleção Vitória
Régia
Heloísa Harue
Takasaki / IBEP
Associa o estudo da coesão ao estudo
da língua padrão, como se a coesão
estivesse presente apenas nessa
variação da língua. Fala-se em
retomadas, mas não se trabalha com a
referenciação, e os exercícios se
limitam à superfície textual.
Vê a repetição como recurso coesivo.
Textos: Leituras
e escritas
Ulisses Infante /
Scipione
Demonstra poucos recursos que servem
para a retomada, como o uso de
sinônimos, hipônimos e hiperônimos.
No capítulo destinado à produção
textual, cita a repetição, a não
contradição, a relação e a progressão
como formas de “progressão” textual.
Português
Jose de Nicola
Neto / Scipione
Os exercícios propostos são pouco
explorados.
Faz relação das classes gramaticais
com aspectos coesivos na seção
“gramática de texto”; destina uma
boa parte para falar sobre coesão. No
capítulo de produção textual, aborda
o advérbio como elemento dêitico; no
âmbito extratextual, cita a anáfora e
catáfora. No capítulo sobre coesão,
cita alguns mecanismos de coesão
gramatical e semântica, como os
pronomes, advérbios, os hipônimos,
hiperônimos e o campo semântico.
Na parte destinada às figuras de
construção, cita brevemente que as
anáforas servem como recurso
88
Quadro 4: Resumo da análise das obras do PNLEM/2009.
coesivo.
Português João Domingues
Maia / Ática
Aborda a coesão como conteúdo
estanque, na parte de gramática, sem
associá-la aos assuntos relacionados ao
seu estabelecimento e não retoma as
informações posteriormente em
exercícios, relacionando com alguma
classe gramatical ou na parte de
produção textual. Aponta exemplos
com frases descontextualizadas, não
considerando o texto como ponto de
partida. Apresenta a anáfora e a
catáfora pela primeira vez num
exercício.
Cita alguns importantes recursos
coesivos e assinala que a
concordância e a regência também
contribuem para estabelecer coesão.
Português,
Língua,
Literatura,
Produção de
texto
Marcela Regina
N. Pontara, Maria
Luiza M.
Abaurre, Tatiana
Fadel / Moderna
Falta utilizar o texto para pôr em
prática os conceitos estudados. Os
exercícios referentes ao estudo da
coesão referencial priorizam a
identificação de referentes textuais
anafóricos e catafóricos, ou seja,
limitando-se à superfície do texto.
É a única obra que menciona o termo
coesão referencial. Na parte em que
trata dos pronomes, faz algumas
observações quanto a sua função de
fazer referência às pessoas do
discurso. (vol. 2). Compara os
elementos coesivos a placas de
trânsito, com o objetivo de mostrar
como eles encaminham a leitura de
um texto. Faz uma breve explicação
de coesão referencial, sequencial e
lexical e cita como elas se
manifestam (vol. 3).
Português
Linguagens
Willian Roberto
Cereja, Thereza
A. C. Magalhães /
Saraiva
Ao final da apresentação de cada classe
gramatical, há um tópico que relaciona
cada uma dessas classes ao modo como
contribuem para a construção do texto.
Nesse momento, pensa-se que o autor
associará o item como um elemento
importante na construção textual,
relacionando-o a fatores de
textualidade como a coesão, mas faz
uma abordagem mais gramatical,
usando, na maioria dos casos, o texto
como pretexto. Na parte das orações
adjetivas, cita que é possível
subordinar orações por meio de
conjunções e pronomes, o que evita
repetições, contribuindo para um texto
coeso, como se a repetição fosse vista
sempre como algo negativo para os
textos. Preocupação excessiva com o
padrão culto da língua.
Cita o numeral como elemento que
pode substituir um termo. Na parte
dos pronomes, faz uma observação à
parte, dizendo que eles servem como
elementos que substituem,
acompanham ou retomam palavras ou
expressões já expressas. Apresenta
algumas seções relacionadas
diretamente à coesão, como
“Escrevendo com coesão e
coerência” (cap. 13, vol. 3).
Apresenta algumas questões que
contemplam a reflexão sobre os
mecanismos linguísticos, numa
perspectiva mais discursiva da
linguagem.
Língua
Portuguesa –
projeto escola e
cidadania para
todos
Harry Vieira
Lopes, Zuleika de
F. Murrie, Jeosafá
F. Gonçalves,
Simone G. da
Silva / Brasil
Aborda a coesão em capítulo à parte,
sem integrá-la ao restante dos
conteúdos estudados.
Destina uma boa parte do livro para
tratar da coesão. Fala sobre muitos
recursos coesivos, associando-os a
textos. Trata a repetição como
estratégia de coesão, relaciona
elementos coesivos ao encadeamento
argumentativo e estimula a produção
textual como forma de exercitar os
conteúdos estudados no capítulo.
89
9%
37%
9%18%
27%
Produção de Texto
Capítulos avulsos
Exercícios de leitura
Gramática - sem associação às classes gramaticais
Gramática - com associação às classes gramaticais
3.2.2. Livros aprovados pelo PNLD-EM/2012
A verificação dos livros aprovados na última análise do PNLD-EM/2012 nos
permitiu observar alguns progressos na abordagem da referenciação, embora ainda haja
muito a ser feito para associá-la coerentemente aos mecanismos de organização textual.
Nesta análise, no que se refere à observação do local onde a abordagem da
referenciação/CR/coesão foi encontrada, nesta análise, todas as obras abordam o tema:
Gráfico 2: Partes dos manuais em que o tema coesão/CR/referenciação foi encontrado (PNLD-
EM/2012).
3.2.2.1. Abordagem nula do tema
Nesta nova análise, não encontramos nenhuma obra que realizasse uma
abordagem nula do tema em estudo. Todas, de certa forma, trabalham a questão da
coesão referencial/referenciação.
90
3.2.2.2. Abordagem superficial/generalizada do tema
Nesta seção, apresentaremos um total de 6 coleções que realizam uma
abordagem de modo superficial e generalizado do tema: (i) Português – Literatura,
Gramática, Produção de texto, de Sarmento e Tufano; (ii) Linguagem em movimento,
de Torralvo e Minchillo; (iii) Língua Portuguesa – Projeto ECO, de Alves e Martin
(2010); (iv) Língua Portuguesa: linguagem e interação, de Faraco, Moura e Júnior
(2010); (v) Viva Português, de Campos, Cardoso e Andrade; e (vi) Novas Palavras, de
Amaral et al.
Dentre as coleções supracitadas, há três que mantêm um tratamento mais
tradicional à Coesão Referencial: Português – Literatura, Gramática; Produção de
texto; Linguagem em movimento e Língua Portuguesa – Projeto ECO. Além de uma
abordagem superficial, essas coleções destinam capítulos avulsos ao tema sem associá-
los ao resto da coleção, oferecem exemplos descontextualizados e atribuem maior
importância ao estudo da coesão sequencial, isto é, dos conectivos.
A primeira obra que compõe esse bloco, Português – Literatura, Gramática,
Produção de texto, não relaciona as classes gramaticais estudadas à coesão, mas dedica
um capítulo no estudo de produção textual para tratar do assunto (p. 351, capítulo 19,
vol. 1). Os autores reduzem a coesão ao uso dos conectivos que garantem a coesão
sequencial e há, apenas, menção ao termo coesão referencial, mostrando que ela se faz
por meio de retomadas realizadas por pronomes pessoais de 3ª pessoa, pronomes e
certos advérbios, demonstrativos, possessivos, ignorando as remissões feitas por meio
de repetições, expressões lexicais, elipse, etc (SARMENTO e TUFANO, 2010, p. 353,
vol. 1). Entretanto, os autores reconhecem que a coesão referencial colabora na
progressão textual.
No volume 3 dessa coleção, no capítulo referente ao estudo do texto dissertativo-
argumentativo (p. 346-347), em que se relaciona a coesão aos argumentos, os autores
recuperam as informações fornecidas sobre coesão dadas nos volumes anteriores.
Contudo, novamente o foco está no estudo dos conectivos como elementos coesivos, o
que, de certa forma, contraria as indicações fornecidas no MP, que defendem a
importância da reflexão linguística.
As atividades abaixo, baseadas num texto dissertativo-argumentativo, ilustram
91
esse enfoque nos elementos conectivos dos textos:
No desenvolvimento do texto, o emprego dos elementos coesivos mantém a
conexão entre os argumentos, nos parágrafos.
a) No segundo parágrafo, a palavra que funciona como elemento de coesão
em três momentos. Explique como ocorre a coesão em cada caso.
b) Que sentido expressão a locução por isso, no segundo parágrafo?
c) Com base nos itens abaixo, liste nos caderno os elementos coesivos do
terceiro ao quinto parágrafos que estabelecem conexões entre orações e
parágrafos, expressando: acréscimo; oposição; comparação; continuidade ou
progresso; inclusão; conformidade; finalidade (SARMENTO e TUFANO,
2010, p. 346-347, vol. 3) [grifos dos autores].
Na segunda coleção analisada, Linguagem em movimento, encontramos algumas
seções explicitamente relacionadas à coesão textual, como “Função fática e coesão” (p.
42, vol. 1), “Pronomes: coesão e ambiguidade” (p.156, vol. 2), “Sujeito e coesão
textual” (p. 388, vol. 2). Esta última nos chamou especial atenção, uma vez que
apresenta uma relação entre uma função sintática e um fator de textualidade, querendo
mostrar o uso de formas nominais como estratégia para retomar ideias anteriormente
mencionadas. Concluímos isso, principalmente por meio da análise do item 2, ilustrado
na Figura 15.
92
Figura 15: Seção “Sujeito e coesão” – coleção Linguagem em movimento (TORRALVO E
MINCHILLO, 2010, p. 390, vol. 2).
Pelo objetivo do exercício e pelo gabarito oferecido pelo manual, podemos
perceber que os autores trabalham com o encapsulamento, uma vez que exigem do
aluno que construa uma oração que sintetize as informações expressas no parágrafo
precedente. Esse tipo de atividade exige do leitor uma maior reflexão sobre o texto.
Um fato que nos chamou a atenção foi que, no MP (p. 16), ao falar sobre a
produção escrita, os autores, baseando-se em Koch, afirmam se apoiarem numa
93
concepção interacional (dialógica) da língua, mostrando que a escrita é uma atividade
que demanda do escritor a utilização de estratégias variadas, mas não abordam a
referenciação como uma dessas estratégias.
Ressaltamos que, apesar do viés tradicional da abordagem teórica realizada por
essa coleção, os poucos exercícios propostos não possuem esse caráter tradicional, o que
confirma, em parte, a posição expressa pelo MP, que defende que “o estudo da língua
ultrapasse os exercícios de identificação e classificação (que podem aparecer como
etapas do estudo, nunca como objetivo final) e supere a abordagem meramente
prescritiva” (TORRALVO e MINCHILLO, 2010, p. 8 – MP).
Na terceira coleção mencionada, Língua Portuguesa – Projeto ECO, todas as
unidades dividem-se em três grandes partes: “Literatura”, “A língua em uso” e
“Produção de texto”. A parte de conhecimentos literários apresenta nítido destaque. A
seção “A língua em uso” é destinada a tratar dos aspectos gramaticais e é nessa parte
que os autores optam por abordar questões sobre coesão e coerência. Assim, no capítulo
15 do volume 3 da coleção, dedica-se uma pequena seção para os estudos sobre a
coesão, onde são listados alguns mecanismos, como o uso de pronomes, artigos,
numerais ordinais e advérbios (p. 256-257, vol. 3). Contudo, no capítulo destinado a
essas categorias, nada se menciona sobre a sua função coesiva. Um único ponto positivo
que pode ser destacado nesta coleção é a inclusão dos artigos, numerais ordinais e
advérbios como elementos que servem para retomar ou antecipar ideias (ver item 1,
Figura 16), pois em análises anteriores essas classes pouco eram mencionadas com essa
função. Contudo, o exemplo oferecido contempla apenas o uso dos artigos como
elemento coesivo e nada mais se fala sobre as outras classes.
94
Figura 16: Exemplos oferecidos para os mecanismos de coesão não contemplam todos os mecanismos
assinalados – coleção Projeto ECO – Língua Portuguesa (ALVES e MARTIN, 2010, p. 256, vol. 3).
Os autores apontam outros mecanismos coesivos, como o uso de sinônimos,
nomes genéricos e de conectivos, porém os exercícios dessa parte são mais relacionados
à interpretação de textos e não há nenhuma questão diretamente relacionada ao uso dos
mecanismos apresentados, como podemos verificar nas Figuras 17 e 18.
95
Figura 17: Exercícios referentes à seção sobre coesão e coerência textual – coleção Projeto ECO –
Língua Portuguesa (ALVES e MARTIN, 2010, p. 260, vol. 3).
96
Figura 18: Continuação dos exercícios referentes à seção sobre coesão e coerência textuais – coleção
Projeto ECO – Língua Portuguesa (ALVES e MARTIN, 2010, p. 261, vol. 3).
97
O capítulo 15, referente aos pronomes (p. 217-226, vol. 2), dedica-se
especialmente à questão da colocação pronominal, tanto na parte teórica quanto prática,
o que mostra uma preocupação maior com o ensino da norma padrão da língua do que
com a função coesiva dos pronomes.
Confirmando a nossa visão sobre essa obra, o Guia do PNLD-EM/2012 advoga
que
os conhecimentos linguísticos merecem um tratamento, por parte do
professor, que enfatize a reflexão acerca da natureza e do funcionamento da
língua e da linguagem, deixando-se em segundo plano a preocupação com os
testes do vestibular ou do Enem” (BRASIL, 2011, p. 36).
No MP, lemos que esta coleção “trabalha com os conhecimentos linguísticos (...)
tomando sempre o texto como ponto de partida para a exploração e sistematização das
propriedades da língua e de seu funcionamento.” (ALVES e MARTIN, 2010, p. 11,
MP). Contudo, na seção “Língua em uso”, onde se aborda o tópico “coesão e
coerência”, dois fatores contradizem o mencionado acima: (1) o assunto é abordado em
uma seção à parte, desvinculado, por exemplo, das classes gramaticais e dos recursos
estudados, como pronomes, numerais ou ironia, e que contribuem diretamente para a
coesão e coerência; (2) a análise dos mecanismos coesivos apresentados não parte de
textos, mas de pequenos recortes de textos, e não há atividades referentes a esses
mecanismos. Como sugestão de atividade complementar, são oferecidos, no MP, três
exercícios: um relacionado à coerência e os outros à identificação de retomadas
realizadas na superfície textual.
No volume 1 da quarta coleção analisada desse bloco, Língua Portuguesa:
linguagem e interação, ao final da apresentação da classe dos substantivos, na seção
“Prática de linguagem” (p.125-126), observamos o estudo da “nominalização” como um
recurso que pode garantir a síntese de informações nos textos. Pela análise dos
exemplos reproduzidos na Figura 19, observamos que os termos “cenário” e “número”,
são substantivos que atuam como encapsuladores ou recategorizadores. Apesar de
pouco explorada, a questão pode servir de ponto de partida para a exploração desses
dois mecanismos por parte do professor. Mais à frente, na seção “Língua – análise e
reflexão”, os autores apontam o uso de hipônimos como estratégia para evitar
repetições.
98
Figura19: os substantivos como forma de retomar ou resumir informações – coleção Língua Portuguesa:
linguagem e interação (FARACO et al., 2010).
O volume 2 da coleção apresenta, antes da primeira unidade, um capítulo
introdutório: “Os textos, a coesão e a coerência”. Essa seção de abertura é recorrente em
todos os volumes, mas com enfoques temáticos diferentes. Os exercícios dessa parte,
portanto, exploram mais as retomadas cotextuais. Além disso, o tema não é retomado ao
longo desse volume.
No volume 3 da coleção, na seção “Língua – análise e reflexão”, são
apresentados alguns “mecanismos sintáticos de coesão e coerência linguísticas”. A
apresentação é dividida em três partes: a primeira aborda a questão da concordância; a
segunda trata da regência como processos que indicam a conexão sintática entre os
termos da oração; já a terceira trata da coordenação, destacando as relações obtidas
pelas conjunções coordenativas. Além desses mecanismos, na apresentação dos
pronomes, os autores chamam atenção para o fato de que essa classe contribui para a
coesão com a “criação de redes de referência, por meio da retomada ou da antecipação
referencial” (FARACO et al., 2010, p. 131, vol. 3), mas os exercícios limitam-se a
substituições de termos por pronomes equivalentes.
De acordo com o Guia do PNLD-EM/2012 (BRASIL, 2011, p.28), essa coleção
apresenta como ponto forte “a abordagem dos conhecimentos linguísticos por destacar
as dimensões textual e discursiva da língua”. Entretanto, no que se refere ao estudo da
99
referenciação, a abordagem não se encaixa nessa dimensão. Os exercícios propostos,
por exemplo, na maioria das vezes, apresentam uma abordagem reducionista dos
elementos gramaticais estudados, sem apontar de que forma eles poderiam contribuir
para garantir a coesão e a progressão textuais, como no exemplo: “indique a quem (ou a
que) se referem os termos destacados”. Além disso, a noção de coesão oferecida nessa
obra restringe-se às ligações textuais: “coesão pode ser entendida como ligação”
(FARACO et al., 2010, p. 131, vol. 3).
No que se refere ao MP dessa obra, encontramos pressupostos teóricos
referentes a gêneros textuais, oralidade, mas nada se menciona sobre
coesão/referenciação. Por tudo o que foi pontuado, acreditamos que se faz necessário
uma maior contribuição do professor na tarefa de criar atividades mais consistentes
sobre o tema.
A quinta coleção, Viva Português, no volume 1, faz uma explanação sobre os
tipos de sujeito. Com essa abordagem, os autores mostram a existência de “recursos
linguísticos que permitem evitar a repetição de termos em um texto e, ao mesmo tempo,
acrescentar informações a ele ou revelar o ponto de vista de quem o produz” (CAMPOS
CARDOSO e ANDRADE, 2010, p. 183, vol. 1), como a elipse e a substituição por
pronomes. Essa abordagem é bastante inovadora e vai ao encontro dos estudos sobre a
referenciação.
Porém, no volume 2, de forma totalmente desarticulada com o restante da obra,
apresentam-se alguns recursos “estilísticos” (sic), entre eles o uso de hipônimos e
hiperônimos e a anáfora, apresentada como “recurso linguístico de coesão textual em
que um termo gramatical (pronome, advérbio, substantivo) recupera um outro termo ou
expressão” (Ibid., p. 71, vol. 2). Além do equívoco de considerar recurso estilístico um
mecanismo coesivo, as atividades propostas não contemplam nenhum desses recursos,
focalizando apenas a questão do paralelismo sintático e semântico.
Por fim, no volume 3, nos exercícios referentes ao capítulo destinado ao estudo
da dissertação, encontramos questões que trabalham a repetição como importante
recurso coesivo, “porque retoma elementos para reforçar a argumentação” (Ibid., p. 276,
vol. 3). Logo em seguida, outro exercício aborda a coesão referencial, sinalizando
retomadas realizadas por meio de pronomes, advérbio de lugar, artigo definido,
expressões sinônimas, etc. Em outros termos, podemos dizer que a obra trabalha
100
mesclando exercícios tradicionais de identificação e classificação de formas gramaticais
descontextualizadas com atividades que estimulam a reflexão e inferências.
No que se refere ao MP dessa obra, cumpre salientar que ele apresenta uma
exposição detalhada sobre a inserção da LT nos estudos sobre o texto. As autoras
dedicam uma parte significativa para esclarecer ao professor como surgiu essa linha
teórica, chamando atenção para o fato de se considerar o texto como um processo em
construção, mas nada se menciona especificamente sobre a referenciação.
A sexta e última coleção que pertence a esse grupo, Novas Palavras: Nova
Edição, que também consta na análise anterior – permitiu verificar algumas evoluções
no que tange a abordagem dos aspectos coesivos.
A primeira foi a menção à coesão – antes não trabalhada – inicialmente, na parte
prática referente à classe dos substantivos, em que há um exercício que mostra o uso do
substantivo como recurso textual de retomada. O item B do exercício proposto na
página 353 (ver Figura 20), baseado no trecho de um livro, é bastante coerente com a
proposta reflexiva de análise linguística que defendemos aqui, pois mostra de que forma
a classe dos substantivos contribui na produção e compreensão textual, auxiliando o
produtor/leitor a ampliar as formas de lidar com os textos com os quais se defronta.
101
Figura 20: Exercícios relacionando a coesão ao estudo da classe dos substantivos – coleção Novas
Palavras – Nova Edição (AMARAL et al., capítulo 8 de gramática, vol. 1).
As demais menções à coesão são feitas na parte de “Redação e Leitura”. No final
dos capítulos referentes a essa parte, encontra-se uma seção intitulada Como estou
escrevendo?, em que encontramos questões relacionadas à coesão de forma progressiva.
A primeira informação, por exemplo (p. 445, vol. 1), objetiva auxiliar os alunos a
observarem o uso de elementos coesivos, mostrando que conjunções, pronomes,
sinônimos e elipses podem evitar frases soltas e repetições desnecessárias. Para tanto,
apresentam um exercício de reescrita em que se pede que o aluno utilize elementos
coesivos para fugir a tais tipos de repetições (ver Figura 21).
102
Figura 21: Abordagem da coesão na seção “como estou escrevendo?” – coleção Novas Palavras – nova
edição (AMARAl et al., 2010, p. 445, vol. 1).
Mais à frente, nesta mesma seção (p. 458, capítulo 7, vol. 1), afirma-se que a
escolha vocabular e a criação de uma sequência progressiva de ideias “constituem
importantes fatores de coesão textual”, retomando e ampliando o que foi dito sobre o
assunto anteriormente. Os exercícios apresentados trabalham os dois fatores
mencionados.
Finalizando a abordagem da coesão no volume 1 dessa coleção, no capítulo que
trata da narração (p. 467, capítulo 8, vol. 1), também na seção já mencionada, os autores
sinalizam que alguns elementos coesivos colaboram para garantir a coerência e,
103
principalmente, a progressão temporal. Nos exercícios, pede-se justamente que o aluno
utilize elementos de progressão temporal para tornar o texto mais coeso.
No volume 2, no capítulo dos pronomes (p. 250), aparece uma caixa com o título
Para que saber? sobre a importância dos pronomes para a coesão textual. Adiante,
ainda no capítulo dos pronomes, a obra dedica duas páginas para tratar especificamente
da relação entre pronomes pessoais e a coesão textual (p. 257, vol. 2), chamando
atenção para a referência desses tipos de pronomes às pessoas do discurso. Destaque
semelhante é dado aos pronomes demonstrativos, que “também constituem um grupo de
palavras importantes para a coesão textual, pois seu papel é justamente estabelecer
relações de referência tanto a elementos do próprio texto como a elementos de fora do
texto” (AMARAL et al., p. 270, vol. 2) e aos pronomes relativos, que recebem uma
pequena seção à parte para realçar sua relação com a coesão textual (p. 277-278, vol. 2).
Na parte prática, chamou nossa atenção um exercício (Figura 22) que ressalta a
função referencial dos pronomes, levando o aluno a saber que “para compreender um
texto, é necessário, entre outras coisas, identificar adequadamente as relações de
referência estabelecidas pelos pronomes.” (AMARAL et al., p. 263). Outros exercícios
trabalham desta maneira, de forma menos explícita, mas bastante satisfatória.
Figura 22: Exercício que destaca a função referencial dos pronomes – coleção Novas Palavras – nova
edição (AMARAl et al., 2010, p. 263, vol. 2).
104
Na parte de “Redação e leitura” deste volume, os autores tornam a referir-se à
coesão na seção Como estou escrevendo?, estimulando a reescrita e o uso consciente
dos elementos de coesão já estudados (p. 438-439, capítulo 3, vol. 2).
Pudemos perceber, portanto, que o tema pesquisado foi encontrado basicamente
na seção Como estou escrevendo?, na parte de “Redação e Leitura”, que ganhou
destaque na análise do PNLD, ao salientar que a seção “apresenta critérios de avaliação
e reelaboração a partir dos quais o aluno é estimulado a refletir sobre seu próprio texto”
(BRASIL, 2011, p. 38).
Diferentemente da publicação anterior, esta edição da obra de 2010 apresenta
muito mais informação acerca das funções coesivas dos elementos estudados,
relacionando sempre que possível à produção textual. Se antes não se fazia relação entre
a coesão e as classes gramaticais estudadas, agora essa ligação é mais nítida,
apresentando inclusive seções exclusivas para o assunto. Além disso, o MP, intitulado
Conversa com o professor, traz orientações específicas sobre a coesão, embora sirva,
principalmente, como auxílio aos exercícios propostos.
3.2.2.3. Abordagem textual-discursiva do tema
Das onze coleções analisadas do PNLD-EM/2012, três apresentaram uma
abordagem voltada para a dimensão textual-discursiva: Ser Protagonista – Português, de
Barreto (coord.); Português, contexto, interlocução e sentido, de Abaurre et al. e Tantas
Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e Gramática em uso,
de Campos e Assumpção.
Iniciamos a apresentação deste bloco por uma coleção que nos chamou bastante
atenção pelo fato de trabalhar com o termo referenciação explicitamente: Ser
Protagonista – Português. No volume 1, há o capítulo “As palavras e as coisas” (p.
242-251, vol. 1), dedicado a tratar de questões exclusivamente semânticas, entre elas, a
sinonímia, a antonímia, a hiponímia e hiperonímia. Num primeiro momento, na
introdução da seção, o manual estabelece um forte diálogo com a LT, tecendo
considerações sobre a linguagem na representação do mundo. A obra, aproveitando esse
espaço, poderia explicar mais detalhadamente o processo de referenciação, mas, nem
105
mesmo na subseção “As referências que o sujeito cria na língua” faz menção ao
processo, reservando para outro momento o tratamento do tema em estudo.
Em seguida, o capítulo “As tramas da língua” dedica-se ao estudo da coesão e da
coerência como fatores de textualidade que contribuem para a construção dos sentidos
dos textos, além de tratar da repetição como recurso coesivo, à medida que garante a
progressão textual. Em relação à coesão, a obra apresenta alguns de seus mecanismos,
como a referência, a elipse, as conjunções e a coesão lexical, que consiste na “retomada
de um referente por sinônimos, hipônimos, hiperônimos ou expressões de sentido
equivalente” (BARRETO (coord.), 2010, p. 296, vol. 1), exemplificando com o trecho
de uma reportagem. Os exercícios elaborados para esse capítulo retomam tudo o que foi
apresentado e estimulam a participação mais ativa dos alunos, levando-os a refletirem
sobre as possibilidades de uso da língua.
No volume 2, percebemos uma abordagem mais detalhada da referenciação. As
atividades são elaboradas de modo a desenvolver a capacidade reflexiva e crítica dos
alunos, integrando as classes de palavras, como artigos e numerais, à sua importância
para a construção de sentido do texto. Como ressalta a resenha do catálogo do PNLD-
EM/2012 dessa obra: “As atividades exploram diferentes estratégias cognitivas, tais
como compreensão global, produção de inferências, localização e retomada de
informações” (BRASIL, 2011, p. 62). A integração mencionada acima entre os artigos e
numerais é feita nas seções intituladas “O artigo definido e a referenciação” (p. 222, vol.
2 – ver Figuras 23 e 24) e “O numeral como recurso coesivo” (p. 224, vol. 2), em que
observamos questões desenvolvidas partindo do texto, que destacam a colaboração de
ambas as classes para a referenciação.
106
Figura 23: Menção à referenciação na abordagem da classe dos artigos a partir de textos – coleção Ser
Protagonista Português (BARRETO (coord.), 2010, p. 222, vol. 2).
107
Figura 24: Exercícios referentes à seção “Língua Viva: o artigo e a referenciação” – coleção Ser
Protagonista Português (BARRETO (coord.), 2010, p. 223, vol. 2).
108
Como percebemos pela análise das Figuras 23 e 24, em especial as questões de
número 2, 4 e 5, a abordagem dessa obra é muito mais voltada para análise crítica e
reflexiva da língua, confirmando o posicionamento do MP da obra:
(...) nessa etapa de sistematização de conceitos, não se exige dos alunos uma
simples identificação ou classificação de fenômenos. Aposta-se na fixação
desses conceitos por meios da investigação significativa da sua relação com a
produção de efeitos de sentido (BARRETO (coord.), 2010, p. 19).
E, além dos exercícios de leitura, há propostas de produção textual que
estimulam a prática do que foi estudado – nesse caso, o uso de artigos definidos e
indefinidos para introdução e retomadas de objetos de discurso, como pode ser visto no
bloco “Texto em construção” ao final da página 223 (Figura 24).
Além disso, essas seções, eventualmente, são retomadas ao longo da coleção.
Esse foi o caso da seção “o numeral como recurso coesivo”, que torna a aparecer no
capítulo dedicado ao estudo do gênero “artigo expositivo”, na seção “Entre o texto e o
discurso – a progressão textual”. Nesta parte, objetiva-se demonstrar de que forma o
gênero textual em estudo realiza a progressão textual, destacando a repetição como uma
das importantes estratégias para esse fim.
A proposta pedagógica da obra quanto à referenciação, ressaltada no MP, é
bastante coerente com o trabalho realizado no livro do aluno. Além disso, o MP mantém
um diálogo claro e amplo com o docente, buscando “garantir que o professor se sinta
permanentemente amparado para quaisquer aprofundamento que se façam necessários”
(BARRETO (coord.), 2010, p.18, MP).
A segunda coleção Tantas Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura,
Produção de textos e Gramática em uso se refere aos mecanismos de coesão de forma
interacional, por tratar também da referência aos elementos da situação discursiva,
como poucas coleções fazem.
elementos que auxiliam o leitor a acompanhar a progressão, fazendo referência –
retomadas e antecipações – a palavras, expressões ou segmentos do enunciado
ou da situação comunicativa a que ele se refere.
Antes de iniciar os estudos sobre a CR no capítulo dedicado exclusivamente para
esse fim, as autoras parecem querer antecipar esse tema; no final do estudo sobre a carta
109
opinativa, as autoras trabalham com questões que pedem que os alunos identifiquem, no
gênero textual em estudo, elementos que servem para retomar palavras no texto,
fazendo o aluno perceber qual “a importância do recurso linguístico da retomada na
carta do leitor” (CAMPOS e ASSUMPÇÃO, p. 90, vol. 2).
Apesar de as autoras utilizarem a nomenclatura CR, que não corresponde ao
amplo processo a que se refere a referenciação, e apresentarem o tema em capítulo à
parte, verificamos uma apresentação bastante atualizada, ampla e satisfatória sobre a
questão, principalmente nas atividades sugeridas (ver Figura 25), que exploram a
reflexão crítica do aluno sobre os elementos de retomada e antecipações, fazendo-o
perceber a finalidade dos mecanismos de referenciação, sempre tomando como base o
texto.
110
Figura 25: Texto motivador para questões sobre coesão referencial – coleção Tantas Linguagens –
Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e Gramática em uso (CAMPOS e ASSUMPÇÃO,
2010, p. 94, vol. 2).
111
Figura 26: Exercícios sobre coesão referencial referentes ao texto expresso na Figura 25 – coleção
Tantas Linguagens – Língua Portuguesa: Literatura, Produção de textos e Gramática em uso (CAMPOS
e ASSUMPÇÃO, 2010, p. 95, vol. 2)
112
O texto da Figura 25 trata da dificuldade da sociedade em aceitar o diferente,
partindo do exemplo de um índio que foi o primeiro caso de um estrangeiro a ocupar
uma cadeira na Câmera dos Deputados e que não foi bem aceito pela sociedade, que o
taxava de criança e inferior juridicamente.
As questões expressas na Figura 26 trabalham, basicamente, com a identificação
de retomadas lexicais, que, segundo as autoras, podem ser feitas por meio de
nominalizações, nomes genéricos, sinônimos, expressões nominais explicativas e
rotuladoras ou classificatórias. Porém, em vez de somente pedir a identificação de
palavras que retomam outras, pedem que os alunos reflitam e expliquem o sentido, o
efeito e a finalidade dessas retomadas. Na questão 3 (Figura 26), por exemplo, trabalha-
se especificamente com a reconstrução de objetos de discurso, ao induzir o aluno a
perceber que algumas anáforas são mais do que simples retomadas de termos
anteriormente expressos, uma vez que carregam a intenção e ponto de vista do autor do
texto. Assim, ao mostrar que a palavra “inimigo” foi gradativamente retomada por “o
criminoso em potencial” e “a própria subversão em figura de gente”, o autor revela sua
oposição a tais rótulos, já que considera que o índio não deveria ser rotulado dessa
maneira. A questão 5 trabalha o encapsulamento de palavras, expressões ou porções de
texto ao induzir o aluno a perceber que o vocábulo “caso” retoma toda a situação vivida
pelo índio apontada no decorrer do texto.
Além disso, as autoras apontam as retomadas gramaticais encontradas no texto
de apoio, ressaltando que elas podem ser feitas pela substituição ou acompanhamento de
nomes, com o auxílio das classes dos advérbios, dos artigos, dos pronomes e dos
numerais.
Para finalizar, as autoras apresentam, na seção “Usando os mecanismos
linguísticos-discursivos”, uma subseção: “A coesão referencial em artigo” (p. 103, vol.
2). Essa parte poderia ser dedicada a trabalhar a referenciação como artifício de
argumentação, uma vez que a escolha foi do gênero artigo, propício para o
estabelecimento de pontos de vista; contudo, os exercícios se repetem, pois exigem que
o aluno reflita, identifique, explique as formas de CR encontradas para fazer referências.
Após essa seção, apresenta-se uma série de atividades de vestibulares em que se
trabalham exercícios referentes à questão da CR, que também exigem mais
especificamente a localização de retomadas nos textos.
113
Em resumo, consideramos que, apesar de ser dado maior destaque aos elementos
da superfície textual, essa obra também valoriza a referência a “elementos (...) da
situação comunicativa exterior a ele [o texto]” (CAMPOS e ASSUMPÇÃO, 2010, p.
93, vol. 2), realizando uma abordagem mais discursiva dos elementos referenciais.
Entretanto, concordamos com o Guia do PNLD-EM/2012 que “cabe ao professor
explicitar as habilidades e estratégias necessárias para o estudo dos textos a serem lidos
ao longo da coleção” (BRASIL, 2011, p.71). Uma dessas estratégias é a referenciação.
O Manual do Professor, denominado “Assessoria pedagógica”, amplia as
possibilidades de uso da coleção, trazendo orientações e um conjunto de referências
bibliográficas atuais e significativas para cada unidade dos volumes. Além disso, as
autoras oferecem algumas sugestões sobre como trabalhar os conteúdos desenvolvidos.
Por exemplo, na exploração dos mecanismos linguísticos, sugerem que as atividades
propostas no capítulo destinado a tratar da coesão referencial sejam intercaladas “com
exposição de conceitos e discussões” (CAMPOS e ASSUMPÇÃO, 2010, p.32, MP).
Consideramos que, com essa orientação, o professor possa, por exemplo, ampliar o
conceito de CR, chegando à questão da referenciação.
A terceira coleção, Português, contexto, interlocução e sentido, destacou-se por
apresentar vários pontos positivos na abordagem dos fenômenos coesivos a na
articulação entre análise linguística, leitura e produção textual, conforme sugerem os
PCN. As autoras demonstram uma forte preocupação em considerar o contexto de
produção dos textos e sinalizá-lo para os alunos de forma clara e reflexiva,
principalmente no que tange aos exercícios propostos.
No volume 1, no tratamento da gramática, há uma unidade totalmente voltada
para questões discursivas da linguagem. Assim, a primeira relação com a coesão é
proposta a partir de algumas relações lexicais, como o uso de sinônimos, hipônimos e
hiperônimos, que auxiliam na articulação das frases, dos períodos e parágrafos de um
texto, estabelecendo, assim, a coesão textual. Ao final da apresentação, as autoras
propõem exercícios baseados em textos que estimulam o senso crítico do aluno, que
adquire um papel mais autônomo ao desenvolvê-los.
Na seção destinada à produção de texto (p. 34-69), também há um aporte teórico
embasado nas teorias de texto e discurso. Esse espaço proporciona, tanto para o aluno
114
quanto para o professor, meios para desenvolver e progredir as habilidades textuais-
discursivas.
O volume 3 é o que oferece mais contribuições acerca de nossa pesquisa, pois
fica ainda mais clara a preocupação com uma abordagem centrada nos aspectos textuais
e contextuais das diversas categorias linguísticas. Nas atividades referentes ao estudo
dos substantivos e artigos (Figura 27), por exemplo, dentre as várias questões de fundo
textual-discursivo, escolhemos algumas para demonstrar esse tipo de abordagem:
Figura 27: Exercício sobre a classe dos artigos – coleção Português contexto, interlocução e sentido
(ABAURRE et al., 2004, p. 364, vol. 2).
No item 1, apesar de se explorar a classificação de categorias, o exigido, logo em
seguida, na setinha, é mais do que identificação e classificação de categorias. Para o
aluno responder o que é retomado pelos pronomes demonstrativos usados na tirinha, ele
terá que perceber que o pronome “essa” retoma toda a fala da mãe anterior “estou
procurando o Haroldo” e o pronome “isso” encapsula toda a situação implícita nos
quadrinhos anteriores. Esse mesmo tipo de abordagem se sucede no estudo dos
adjetivos, pronomes, numerais e advérbios.
115
Quanto à análise linguística, o Guia do PNLD-EM/2012 ressalta que
A perspectiva com que os recursos da língua são tratados apoia-se na
dimensão funcional da linguagem, o que implica sua inserção em eventos da
interação comunicativa, o que, ainda, significa dizer, em textos reais, que
circulam nas mais distintas esferas da vida social. Sendo assim, a abordagem
dos fatos gramaticais – mesmo daqueles que remontam à gramática
tradicional – articula-se com os outros eixos do ensino, sobretudo com
aqueles da leitura e da produção de textos. (BRASIL, 2011, p.45)
Além de exercícios que levam o estudante a adquirir uma postura mais
consciente da estrutura da língua e seus usos, há, ainda, atividades que exigem produção
textual, sempre com vista a pôr em prática o que foi estudado. Um exemplo bastante
produtivo disso é percebido na parte dos artigos, como mostram as Figuras 28-30.
Observamos também que essas atividades de produção textual, sugeridas na seção
“Pratique”, são sempre antecedidas de exemplos bem similares às tarefas sugeridas ao
aluno, possibilitando que ele tenha maior “oportunidade de criar textos fazendo uso
intencional e consciente das formas estudadas” (ABAURRE et al., 2010, p. 23, MP).
Diante de tudo o que foi exposto, ressaltamos que o professor, diante de uma
obra como essa e que deseja realizar uma abordagem dos conhecimentos linguísticos
nos moldes da gramática tradicional terá de realizá-la autonomamente.
116
Figura 28: A classe dos artigos e a produção de texto – parte I (exemplo) – coleção Português contexto,
interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 386, vol. 2).
117
Figura 29: A classe dos artigos e a produção de texto – parte II (explicação e proposta) – coleção
Português contexto, interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 387, vol. 2).
118
Figura 30: A classe dos artigos e a produção de texto – parte III (prática) – coleção Português contexto,
interlocução e sentido (ABAURRE et al., 2004, p. 388, vol. 2).
119
As instruções dadas em vermelho auxiliam em muito o trabalho do professor em
sala de aula. Na Figura 30, por exemplo, informa-se ao professor do objetivo da
atividade, que consiste em “levar os alunos a refletirem sobre o efeito que a presença
dos artigos provoca na construção de sentido do texto”. Em relação a essas atividades de
produção textual, o Guia do PNLD-EM/2012 salienta que
os objetivos de produção textual, nessa seção, estão relacionados aos aspectos
linguísticos estudados (...) na parte “Produção de texto”, os conceitos
apresentados estão de acordo com o que têm divulgado os estudos
linguísticos contemporâneos voltados para o texto e o discurso (BRASIL,
2011, p.45-46).
Ao final do capítulo dos pronomes, insere-se uma “Seção especial: coesão e
coerência textuais: a articulação textual” (p. 374-379), em que são expostos dois tipos
de coesão: a referencial e a sequencial. A coesão referencial é definida pelas autoras
como “aquela que cria, no interior do texto, um sistema de relação entre palavras e
expressões, permitindo que o leitor identifique os referentes sobre os quais se fala no
texto” (ABAURRE et al., 2010, p. 375, vol. 2). Percebemos, por meio dessa definição,
uma visão ultrapassada sobre esse mecanismo, já que são considerados apenas os
referentes textuais, desconsiderando, por exemplo, os elementos discursivos. Esse
tratamento contraria, de certa forma, toda a abordagem da obra, que se mostra
preocupada em trabalhar noções de texto e discurso. Além desse ponto negativo, há o de
não haver exercícios sobre esses mecanismos. Apesar de ressaltarmos a necessidade de
atividades mais específicas sobre o tema da referenciação, ressaltamos como ponto
positivo da obra serem quase inexistentes questões de classificação, identificação e
substituição, diferentemente das demais coleções analisadas.
Em relação aos advérbios, a obra ressalta a relação entre esses elementos
linguísticos, o estabelecimento de pontos de vista e a construção de ligações coesivas,
tudo exemplificado a partir do texto. Além disso, pede-se uma atividade de produção
textual, que leva o aluno a colocar em prática essas relações, fazendo-o compreender e
refletir sobre o conteúdo desenvolvido ao longo do capítulo referente a essa classe
gramatical, que passa a ter mais relevância nas situações comunicativas nas quais os
alunos interagem.
Para finalizar, ressaltamos a seção “Montando sua estante” no MP, que apresenta
indicações bibliográficas específicas para cada tema abordado, seguidas de informações
120
resumidas sobre cada um dos livros indicados para aprofundamento do professor.
Entretanto, não há orientações voltadas para o estudo da referenciação.
Assim como fizemos com as coleções analisadas pelo PNLEM/2009, expomos a
seguir um quadro-síntese com a análise das obras aprovadas pelo PNLD-EM/2012,
ressaltando o que encontramos de mais produtivo e também os pontos fracos de cada
coleção analisada, focalizando o manual do aluno apenas.
OBRA AUTOR(ES) CONSIDERAÇÕES
NEGATIVAS
CONSIDERAÇÕES
POSITIVAS
Novas Palavras
– Nova Edição
Emília Amaral,
Mauro Ferreira,
Severino Antonio,
Ricardo Leite /
FDT
Os exercícios ainda são, em
grande parte, superficiais.
Relaciona os aspectos coesivos à
produção de textos de forma
progressiva, apresentando
exercícios sobre o que foi
discutido. Alguns exercícios
destacam a função referencial
dos pronomes. Apresenta mais
informações a respeito do
processo de coesão que na
publicação anterior.
Português –
Literatura,
Gramática,
Produção de
texto
Douglas Tufano e
Leila Lauar
Sarmento /
Moderna
Não relaciona as classes
gramaticais ao estudo da coesão;
dedica um capítulo à parte para
tratar da coesão. A CR é
relacionada apenas ao recurso
das retomadas cotextuais. Foco
no estudo dos conectivos como
elementos de coesão.
Reconhece a CR como
contribuinte da progressão
textual.
Língua
Portuguesa –
linguagem e
interação
Carlos Emílio
Faraco, Francisco
Marto de Moura e
José Hamilton
Maruxo Júnior /
Ática
Não retoma as questões
apontadas no capítulo destinado
ao estudo da coesão. A noção de
coesão reduz-se ao
conhecimento das relações
estabelecidas pelos conectivos.
Exercícios superficiais de
retomadas cotextuais e
substituição de termos por
pronome.
Aponta o substantivo como
forma de resumir informações
textuais; apresenta um capítulo
introdutório para apresentar
noções sobre coesão como fator
de textualidade.
Viva Português Elizabeth
Campos, Paula
Marques Cardoso
e Sílvia Letícia de
Andrade / Ática
Escassez de exercícios que
pratiquem os conteúdos
estudados. Falta de integração
entre teoria e prática e entre as
partes do livro.
Aponta a repetição como
importante recurso coesivo.
Projeto Eco –
Língua
Roberta
Hernandes Alves
Falta de integração entre classes
gramaticais e a coesão.
Incluem os artigos, numerais
ordinais e advérbios como
121
Quadro 5: Resumo da análise das obras do PNLD-EM/2012.
Portuguesa e Vima Lia de
Rossi Martin /
Positivo
Exemplos descontextualizados e
falta de exercícios sobre os
mecanismos coesivos
apresentados. Preocupação com
o uso da língua padrão.
elementos que servem para
retomar ou antecipar ideias.
Linguagem em
movimento
Carlos Cortez
Minchillo e Izeti
Fragata Torralvo /
FDT
Abordagem muito superficial,
quase nula do tema.
Apresenta seções
especificamente relacionadas à
coesão.
Ser Protagonista
Português
Ricardo
Gonçalves
Barreto (coord.) /
Edições SM
Oferece maior parte da atenção
para a parte de Literatura.
A única coleção que usa o termo
“referenciação”. Faz integração
entre a referenciação e algumas
classes gramaticais responsáveis
pelo seu estabelecimento.
Exercícios contextualizados, que
retomam os conceitos estudados.
MP cumpre a função de auxiliar
o professor.
Tantas
Linguagens –
Língua
Portuguesa:
Literatura,
Produção de
textos e
Gramática em
uso
Maria Inês Batista
Campos e Nívea
Assumpção /
Scipione
Trabalha o conceito de CR e não
de referenciação, num capítulo
avulso.
Os exercícios estimulam a
capacidade de reflexão sobre os
usos da língua, indo além de
classificações e identificação de
referentes no texto. Há seções
que dão margem para o trabalho
com a referenciação.
Português –
Contexto,
Interlocução e
Sentido
Marcela Pontara,
Maria Bernadete
M. Abaurre e
Maria Luíza M.
Abaurre /
Moderna
Trabalha o conceito de CR e não
de referenciação.
Observa os elementos
linguísticos em sua dimensão
textual-discursiva. Exercícios
exploram a capacidade crítica e
reflexiva do aluno,
principalmente no que se refere
aos exercícios propostos.
Relaciona as três práticas de
linguagem entre si.
122
3.3. Aprofundando a análise
A partir das análises dos LDP aprovados no PNLEM/2009 e no PNLD-
EM/2012, no que se refere à referenciação, percebemos que a maioria dos LDP não
consegue dar conta da abordagem desse processo de forma a permitir que os alunos
sejam capazes de aprimorar recursos já aprendidos para melhor compreensão do sentido
de textos, pois, na maior parte das vezes, utilizam-se os textos como pretexto.
Entretanto, verificamos que, em geral, os LDP mais recentes vêm melhorando na
abordagem do assunto de forma a garantir um ensino que, conforme a proposta dos
PCNEM+ (BRASIL, 2002, p. 52), busque
(...) desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas
possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo
dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da
memorização mecânica de regras gramaticais.
A obra de Amaral et al. (2010) nos serviu como uma amostragem dessa melhora,
mostrando o que tem sido levado em consideração por parte dos autores de livros
didáticos na reedição de suas obras. Nesta coleção, percebemos um progresso em
relação à abordagem da coesão. Na edição de 2004, este manual apresentou uma
abordagem quase nula do tema, porém, na edição de 2010, mostrou uma preocupação
em apresentar aos alunos noções importantes sobre coesão, auxiliando-os,
principalmente, na produção textual escrita. Apesar do progresso, consideramos que é
necessário avançar ainda mais, fazendo da referenciação uma noção necessária para
percepção das amarras textuais e contextuais nos textos lidos e produzidos pelos alunos.
Muitas coleções analisadas demonstraram não perceberem ou mesmo não se
preocuparem com a importância da referenciação para as atividades de leitura e
produção textual. Conforme defendemos ao longo desta pesquisa, essa questão é mais
do que necessária e quanto a isso não estamos sós. De acordo com Marquesi (2007,
p.216),
no diálogo imprescindível entre escrita e leitura, a abordagem da
referenciação constitui questão prioritária, uma vez que, por meio dela, de um
lado, o escritor constrói seu objeto de discurso, e, de outro, o leitor orienta-se
no exercício da construção de sentidos, imprescindível à leitura de quaisquer
textos.
123
De acordo com Koch (2004), há mecanismos de vital importância para o
estabelecimento da referenciação/CR, representados por mecanismos gramaticais, como
os pronomes, advérbios locativos, numerais e elipse, e lexicais, como a reiteração de
itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e expressões nominais. No
entanto, ao tratar de tais recursos, muitos LDP aprovados no PNLEM/2009 não os
relacionam ao texto, para demonstrar qual sua significância na construção de sentido
dos textos, diferentemente das coleções aprovadas pelo PNLD-EM/2012, que
demonstraram maior preocupação em relacionar análise linguística à coesão.
Dentre as categorias linguísticas relacionadas à coesão, os pronomes constituem
a classe mais relacionada à coesão nas coleções, principalmente os demonstrativos.
Consideramos que isso ocorre, provavelmente, pelo fato de a gramática tradicional ditar
regras de uso dos pronomes em sua dimensão espacial, textual e extratextual. Além da
relação desses pronomes com a coesão como ponto em comum das obras analisadas nas
duas etapas, notamos um grande número de obras que abordam mecanismos coesivos
lexicais, como o uso de hipônimos e hiperônimos.
Outro fato que nos chamou atenção foi o tratamento dado à repetição. Muitas
coleções do PNLEM/2009 ignoravam-na como um recurso coesivo, vendo-a, algumas
vezes, como prejudicial à coesão textual; entretanto, as obras do PNLD-EM/2012
exploram mais a repetição como recurso coesivo, apontando para o fato que ela também
contribui para garantir a progressão textual.
No que se refere aos exercícios propostos pelos manuais, pudemos perceber um
progresso nos compêndios aprovados no PNLD-EM/2012, que demonstraram uma
preocupação maior com os aspectos textual-discursivos. Contudo, ainda encontramos
muitos exercícios apenas de retomadas e identificação de referentes cotextuais. Em
outras palavras, os exercícios priorizam as anáforas diretas, em que o objeto-de-discurso
se encontra saliente no próprio texto, exigindo a habilidade em “apontar” no cotexto os
referentes retomados. Poucos foram os exercícios que exigiam que o leitor retomasse
informações difusas no contexto, como encapsulamento e anáforas indiretas.
Em relação a esse resultado, Gonçalo (2013) revela que também em LDP de
ensino fundamental há predominância de exercícios referentes a anáforas diretas. No
ensino médio, esperávamos encontrar mais atividades que explorassem casos de
anáforas indiretas, já que esse nível de ensino objetiva retomar os conteúdos estudados
124
no ensino fundamental, aprofundando-os e exigindo do aluno uma capacidade mais
reflexiva e não meramente de classificação e/ou identificação de elementos linguísticos.
Entretanto não foi isso que ocorreu.
Consideramos que esse predomínio de exemplos e exercícios com anáforas
diretas talvez decorra do fato de se pensar que essas anáforas são mais fáceis de serem
identificadas. Porém, segundo Morais (2012), que analisou a referenciação em relatos
esportivos, há, muitas vezes, necessidade de inferências complexas para identificar os
referentes cotextuais, corroborando o que defende Ciulla e Silva (2008) sobre os graus
de inferencialidade das anáforas diretas. Enfim, o tema é complexo, mas os LDP de EM
o tratam ainda superficialmente.
Rompendo esses limites, muitas propostas de atividades relacionadas à
referenciação têm sido realizadas em estudos atuais, como as de Cavalcante (2012) e
Santos, Cuba Riche e Teixeira (2012), que propõem uma didática abordagem textual e
discursiva das estratégias referenciais.
Essa abordagem textual-discursiva sociointeracional que aqui defendemos não
ocorre em muitos LDP, que ainda utilizam o texto como pretexto para explorar
superficialmente atividades linguísticas, categorias gramaticais. Comprovamos isso ao
observar as frases descontextualizadas para ilustrar recursos coesivos e a presença de
textos apenas para exemplificação, sem explorar como os elementos linguísticos
aprendidos contribuem para a construção de sentido desses textos. Muitos textos ficam a
serviço apenas de retiradas de pronomes ou conjunções, por exemplo, sem qualquer
integração entre os conteúdos abordados e a sua relação com a compreensão de textos.
A respeito disso dessa construção de sentido dos textos, Custódio Filho (2010, p. 112)
advoga que
(...) produzir sentidos implica construir propostas de entendimento sobre
algo; esse “algo” remete, indubitavelmente, ao mundo (visível ou invisível,
concreto ou abstrato) que nos cerca. É por isso que a missão de investigar as
relações entre linguagens e sentidos passa pela questão da referência.
Confirmando essa visão, Cavalcante et al. (2010, p. 255) ressaltam que
o foco em processos/atividades de construção (...) da referenciação (...) é um
direcionamento necessário para que seja possível melhor compreender a
natureza dos processos de produção textual-discursiva.
125
Vale chamar atenção para o fato de que a coleção Português – Contexto,
Interlocução e Sentido de Abaurre et al., do PNLD-EM/2010 foi quase uma reprodução
da publicação anterior, de 2004. Como uma autora entrou no lugar de outra e o título da
coleção foi trocado, não pudemos reconhecê-las oficialmente como uma mesma
coleção. Além disso, pela comparação entre as edições, percebemos um grande
progresso do tratamento das categorias gramaticais, que adquiriram uma dimensão mais
ampla, incluindo seções que se dedicavam a analisar os usos das classes de palavras
estudadas em diferentes textos, por exemplo.
Assim, a obra de Abaurre et al., apesar de trabalhar com o conceito de CR, o faz
nos moldes mais atuais da LT, integrando os elementos linguísticos a sua dimensão
textual-discursiva e a sua importância para a produção e compressão textual. Na análise
das obras do PNLEM/2009, não encontramos nenhum manual que trabalhasse
efetivamente a questão da referenciação. Nas obras mais atuais, a menção efetiva ao
termo referenciação foi encontrada apenas na obra de Barreto – coord. (2010); as
demais utilizaram, como fez Abaurre et al., o conceito de Coesão Referencial.
Entretanto, cabe ressaltar que essas duas obras destacaram-se das demais por abordarem
os mecanismos de referenciação, apontando como as classes de palavras podem servir
de instrumentos de coesão e persuasão, refletindo mais diretamente os recentes estudos
realizados pela LT.
Há ainda um desencontro quando a questão é o local nos LDP onde se abordam
questões relacionadas à coesão. Comparando os resultados encontrados pelas duas
análises, pudemos observar que tanto nos manuais do PNLEM/2009 quanto nas
coleções do PNLD-EM/2012 preferiu-se abordar a questão da coesão em capítulos
avulsos, dedicados, na maior parte das vezes, a tratar os fatores de textualidade ou
questões semânticas, o que julgamos não ser a opção mais adequada de abordagem, uma
vez que, dessa forma, fica mais difícil fazer o aluno compreender que as classes
gramaticais que ele estuda têm uma função textual e não meramente classificatória.
Além disso, esse fato contraria uma das principais orientações fornecidas pelos PCN: a
integração entre as práticas de linguagem de análise linguística, leitura e produção
textual.
126
Mendonça (2005, p. 113) confirma a pertinência dessa proposta articulada entre
as práticas de linguagem, enfatizando, também, sua contribuição para o
desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre a língua:
Várias pesquisas já apontaram a ineficiência do ensino de nomenclaturas ou
de regras gramaticais desvinculadas de seus efetivos contextos de uso e
funcionamento – o texto – seja como objeto de leitura ou de produção. Nessa
perspectiva, o estudo de tópicos gramaticais só teria sentido se servisse ao
desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita ou, em séries mais
avançadas, como objeto de conhecimento numa perspectiva de reflexão sobre
os fenômenos linguísticos.
Consideramos ideal associar os recursos gramaticais e lexicais ao
estabelecimento da coesão, além de mostrar como ela colabora para as amarras e
progressão textuais, sempre tomando como base as atividades de leitura e produção
textual, o que só percebemos em algumas obras mais atuais. Acreditamos, como foi
ressaltado no primeiro capítulo desta pesquisa, que somente dessa forma o estudo das
categorias gramaticais poderá gerar maior sentido para os alunos, uma vez que estes
passariam a compreender os usos delas dentro do texto. Esse método de ensino de
gramática torna-se mais relevante para o aluno, e o texto passa a ser um lugar de
constante diálogo e interação, deixando de servir apenas para retirar elementos
gramaticais.
Dentre as 20 coleções consideradas nas duas edições do PNLD, – já que não
contamos com as coleções de Cereja e Magalhães (2010) e de Faraco (2010) aprovadas
pelo PNLD-EM/2012, que foram uma reprodução da publicação anterior – 70% das
obras analisadas realizaram uma abordagem superficial/generalizada da
coesão/referenciação:
Gráfico 3: Tipo de abordagem da coesão/referenciação realizada pelas coleções do PNLEM/2009 e
PNLD-EM/2012.
70%
25%
5%
TIPO DE ABORDAGEM DA COESÃO/REFERENCIAÇÃO
Superfial / Generalizada
Textual-discursiva
Nula
127
Observamos, assim, que a maior parte dos manuais didáticos realiza uma
abordagem ainda bastante vinculada às concepções teóricas que embasam as duas
primeiras fases da Linguística de Texto, não considerando o dinamismo e a interação
envolvidos no estudo da coesão e da referenciação.
Vale ressaltar também as definições dadas à coesão, que nos chamaram a
atenção. A maioria dos livros a conceitua como ligação textual, amarração de ideias ou
das partes do texto, conexão linguística etc. Percebemos, desse modo, que todas essas
definições contribuem para a premissa de que os principais elementos de coesão são os
conectivos. Quanto a essa superficialidade, já nos alertava Antunes (2005, p. 43):
Percebo que os professores falam em coesão, em texto coeso, mas não têm
uma ideia muito clara do que seja exatamente essa coesão e de como ela é
conseguida. Falam de coesão como uma coisa meio abstrata e vaga, uma
espécie de zona indefinida que tudo abarca, que comporta tudo o que não
sabem o que é. Tudo o que a gente não consegue explicar bem é,
genericamente, apontado como uma questão de coesão ou de coerência.
A autora também destaca (id, p. 48) que, ao elaborar um texto coeso,
“pretendemos que seja preservada sua continuidade, a sequência interligada de suas
partes, para que se efetive a unidade de sentido e das intenções de nossa interação
verbal”. Não se trata de mecanismo de simples identificação. Por isso, dizemos que a
coesão estabelece profunda relação com a coerência, constituindo fatores essenciais no
processo de leitura e produção de textual.
Assim, conforme postulamos no capítulo 2 desta pesquisa, a coesão deve ser
compreendida não apenas como ligação entre as partes do texto, mas como um recurso
intimamente relacionado à coerência textual, uma vez que, para compreendê-la e
construí-la, é necessário que o leitor ative, não só conhecimentos linguísticos, mas
também conhecimentos inferenciais, culturais, e interacionais, para que seja possível
recuperar referentes, alcançar o estabelecimento de posições nos textos, etc.
Redimensionando a questão, Cavalcante et al. (2010, p. 255) consideram a
coesão como “uma articulação de todos os indícios cotextuais e, ao mesmo tempo, das
inferências engatilhadas por eles, num amplo processo que envolve muito mais que o
mero emprego de elos na superfície textual.” Em outras palavras, a coesão é a
“articulação de relações semânticas, pragmáticas, discursivas, sociocognitivas (...)”.
(Id.). Nesse sentido, percebemos que atualmente se considera a coesão e,
128
consequentemente, a coerência numa perspectiva mais abrangente, considerando
também as inferências, o contexto.
Percebemos que os MP das coleções aprovadas no PNLEM/2009 preocupam-se
em apresentar gabaritos das atividades, em vez de oferecer ao professor informações a
respeito de conhecimentos atualizados e/ou especializados indispensáveis à adequada
compreensão de aspectos específicos de um determinado conteúdo, exercício ou mesmo
de toda a proposta pedagógica da obra. Já as coleções aprovadas pelo PNLD-EM/2012,
de maneira geral, tratam, no MP, de mecanismos linguístico-discursivos, apresentando
uma visão atualizada sobre o tema e procurando trazer um conjunto de referências
bibliográficas atuais e significativas para cada unidade dos volumes.
Assim, a análise dos LDP aprovados no PNLD-EM/2012 permitiu verificarmos
uma evolução referente à problemática da escassez de referenciais teóricos para o
professor, pois essas coleções apresentam mais referências teóricas atualizadas,
confirmando uma de nossas hipóteses.
Por outro lado, alguns compêndios se contradizem ao apresentar uma proposta
de abordagem textual coerente com as orientações dos PCN, mas, na prática, dão
preferência à abordagem normativa dos conteúdos. Ou seja, alguns manuais, como os de
Alves e Martim (2010), apesar de oferecerem um arcabouço teórico atualizado para o
professor defendendo uma abordagem mais reflexiva a respeito do estudo da língua, na
prática ignoram essa orientação; outros, como os de Terra e Nicola (2004), demonstram
diversas incoerências entre o que se impõe no MP e o que, de fato, é cobrado dos
alunos.
Dessa forma, cabe ao professor se atualizar sobre os estudos linguísticos para
poder preencher as lacunas deixadas por alguns manuais didáticos. Contudo,
acreditamos que somente com a colaboração simultânea entre professor, autores de
livros didáticos e pesquisadores, assim como com o auxílio dos estudos dos cursos de
Letras, sobre o ensino de língua portuguesa, será possível avançar no que tange à
abordagem crítica e reflexiva dos fenômenos textuais.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, observamos de que forma os LDP aprovados pelo Programa
Nacional do Livro Didático trabalham com a coesão, dando particular atenção ao
processo de referenciação, procurando verificar se esses manuais abordam esse processo
tão importante para as atividades de análise linguística, leitura e produção textual.
Em resposta ao primeiro dos questionamentos levantados na introdução deste
trabalho, a análise comparativa entre os manuais publicados em 2004 e os publicados
em 2010 nos permitiu concluir que, apesar da constante evolução dos estudos
linguístico-textuais propostos, principalmente pela Linguística de Texto e Análise do
Discurso, e também da maior valorização de documentos oficiais como os PCN e as
OCN, os LDP ainda não absorveram de forma completa questões de grande interesse
para o desenvolvimento e real integração das práticas de linguagens. Esse problema já
vinha sendo posto em foco por Antunes (2005, p. 24). A autora, sete anos atrás, já
ressaltava a necessidade de se considerar a evolução desses estudos por parte dos
autores de livros didáticos: “Os livros didáticos ainda têm concedido muito pouca
atenção às questões mais especificamente textuais, sobretudo em relação a determinados
pontos teóricos”.
Em síntese, os LDP publicados até 2004 e aprovados pelo Programa Nacional do
Livro Didático de Ensino Médio (PNLEM/2009) não apresentam abordagem teórica
consistente, não mostram integração entre a referenciação e análise linguística e não
fazem um trabalho progressivo; ao contrário, apresentam a coesão como conteúdo
isolado da análise linguística ou mesmo do texto, confirmando nossa segunda hipótese.
Assim, dizemos que é precária a menção sobre a contribuição e importância da coesão e
seus desdobramentos quando se apresenta um elemento gramatical que serve para
auxiliar a referenciação, por exemplo. Além disso, muitas vezes, os LDP sequer citam o
processo da referenciação, pois, quando tratam de coesão e coerência, não costumam
relacionar esses fatores de textualidade à construção de sentido do texto.
Desse modo, coube-nos ampliar o escopo da pesquisa, observando se manuais
mais recentes já realizavam uma abordagem mais atualizada e consistente dos recursos
coesivos, entre eles, a referenciação. Como resultado dessa segunda etapa de
investigação, confirmando nossa primeira hipótese levantada, pudemos concluir que
130
houve um avanço na abordagem da referenciação e da coesão nos manuais aprovados
pelo PNLD-EM/2012, superando algumas falhas apontadas na análise anterior, uma vez
que mais obras demonstraram uma abordagem de fundo textual-discursivo e, em certos
casos, um trabalho efetivo com o processo de referenciação, conforme as
recomendações oferecidas pelos PCN.
Os Manuais do Professor, confirmando a nossa terceira hipótese, estão deixando
de ser apenas a parte que oferece os gabaritos das atividades propostas e têm sido mais
embasados teoricamente por estudos atuais na área de Linguística de Texto e Análise do
Discurso, o que tem contribuído para uma abordagem textual-discursiva nos
compêndios mais atuais; entretanto, é necessário um embasamento teórico diretamente
voltado para a formação e atualização do professor, que muitas vezes tem o livro
didático como único ponto de apoio na sala de aula.
Assim, apesar de encontrarmos coleções que realizassem um trabalho adequado
com a coesão e questões afeitas a ela, as obras aprovadas, no geral, ainda apresentam
uma grande deficiência em relação aos estudos da referenciação e tudo o que ela
compreende, carecendo de uma abordagem mais ampla sobre a temática. Por esse
motivo, a análise que, em princípio, se restringiria apenas à referenciação, teve que ser
ampliada para a análise da coesão em geral, observando toda e qualquer menção à
coesão, tanto teórica quanto prática.
Dessa forma, a crítica que fazemos aos LDP consiste, principalmente, no fato de
eles não conseguirem acompanhar a evolução dos estudos linguísticos, desconsiderando
questões atuais e que estimulam uma postura mais crítica e reflexiva por parte de
professores e alunos. Nessa perspectiva, consideramos improdutivas as atividades que
exigem dos alunos apenas identificação e classificação de elementos coesivos nos
textos, muito frequentes em grande parte dos manuais analisados, uma vez que não
estimulam a leitura mais atenta e crítica dos textos assim como não colaboram com a
construção do aluno como protagonista no processo de produção e recepção.
Nesse sentido, a crítica aos manuais é válida quando acusa uma postura de tratar
o estudante como um depósito de informações, um sujeito passivo, que deve memorizar
conhecimentos discutíveis, sem a capacidade de compreendê-los em uma perspectiva
pessoal e contextualizada. Há, portanto, a necessidade de reflexão, por parte de
professores e autores de LDP, acerca das ferramentas utilizadas para a construção de
131
textos diversos.
Como proposta de desdobramento para este trabalho, poderíamos sugerir novas
análises dos livros a serem aprovados nos próximos anos e distribuídos às escolas de
nosso país, verificando em que medida eles têm acompanhado ou não a evolução dos
estudos linguísticos. Outra possibilidade seria a analisar os gabaritos das atividades
referentes à coesão/referenciação sugerido pelos MP, observando quais os objetivos
propostos pelos autores e verificando em que medida esses objetivos correspondem aos
estudos da LT e da AD. Além disso, também seria produtivo propor trabalhos que
desenvolvessem/ampliassem essas atividades textuais encontradas nas coleções de LDP,
principalmente, nas mais atuais, já que se mostram, muitas vezes, oportunas para essa
exploração, como vimos, por exemplo, no obra de Faraco (2004), entre outros exemplos
expostos ao longo das análises das coleções. Outro possível desdobramento seria
analisar a ficha de avaliação do PNLD, objetivando observar os critérios para aprovação
dos manuais para perceber se há algum que incentive os manuais a trabalharem com os
recursos coesivos, entre eles, os referenciais.
Em resumo, a análise da referenciação em livros didáticos de português nos
permitiu verificar que:
- o foco na prescrição de regras tem sido gradativamente substituído pela
tentativa em articular as três práticas de linguagens – análise linguística, produção de
texto e leitura;
- por consequência, o texto vem cada vez mais ganhando espaço nos estudos da
língua, sendo, muitas vezes, o ponto de partida para os estudos linguísticos. Contudo,
ainda há muito caminho a percorrer para que ele tenha, de fato, o seu lugar na sala de
aula;
- a coesão e a coerência, como fatores fundamentais que garantem textualidade,
têm recebido mais destaque nos manuais didáticos, mas ainda é preciso mais esforço
para relacioná-las aos itens gramaticais e lexicais;
- o conceito de referenciação ainda não tem recebido o merecido destaque nas
obras distribuídas para as escolas do país. Ainda se fazem necessários muitos avanços,
que têm sido percebidos por meio da iniciativa em substituir, em alguns manuais, o
conceito de CR pelo de referenciação, ou seja, trocando a mera identificação de
132
referentes no cotexto por uma abordagem que se volta para a compreensão mais
reflexiva dos itens linguísticos presentes no texto ou no contexto discursivo;
- as atividades sugeridas pelos LDP merecem mais atenção por parte dos autores
de livros didáticos, que devem compreender que a proposta da referenciação só pode ser
plenamente compreendida se incluída num panorama mais amplo, em que se percebam
as relações entre este fenômeno e o(s) conceito(s) de texto;
- os Manuais do Professor têm contribuído mais efetivamente com o trabalho do
professor em sala de aula, já que estão mais preocupados em oferecer um embasamento
teórico que auxilie o docente a ampliar seus conhecimentos sobre conteúdos, não se
restringindo somente a apontar os gabaritos dos exercícios.
Diante de tudo o que aqui foi exposto e discutido, julgamos que este trabalho
pode contribuir para tornar evidente a importância de associar a referenciação às
práticas de leitura, produção e análise linguística, auxiliando o professor a encontrar
caminhos para explorar, de forma mais autônoma, os textos com os quais se depara nos
livros didáticos, que, muitas vezes, não trabalham questões relacionadas à coesão ou o
fazem de forma superficial. Só assim, como mediador do processo de ensino-
aprendizagem, o professor será capaz de levar o aluno a construir adequadamente os
sentidos dos textos, a sua orientação argumentativa e a sua intencionalidade. Por isso,
ressaltamos que o estudo dos processos referenciais se faz mais do necessário na escola,
principalmente no ensino médio, uma vez que requer conhecimentos variados: culturais,
contextuais e linguísticos.
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