A RESTAURAÇÃO DE UMA FAZENDA E AS DISTÂNCIAS DA SUSTENTABILIDADE
Jorge Astorga Garro [email protected]
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FACULDADE DE ARQUITETURA EM
URBANISMO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO URBANISMO
ASTORGA CONSULTORIA GERENCIAMENTO DE
PROJETOS
Bruno Sarmento [email protected]
ASTORGA CONSULTORIA GERENCIAMENTO DE PROJETOS
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A Restauração de uma Fazenda e as Distâncias da Sustentabilidade
A restauração da Fazenda Santa Monica em Valença, cidade do interior do Estado do Rio de
Janeiro, é um exemplo que deve ser discutido no intuito de viabilizar a sua sustentabilidade. Hoje
ela é de propriedade da EMBRAPA, e já pertenceu ao Exército Brasileiro, pois nela faleceu o seu
Patrono Duque de Caxias. Trata-se de uma fazenda com planta em forma de “U” de dois
pavimentos, cada um com 1500m². É uma das maiores da região do Vale do Paraíba, tombada
pelo IPHAN em 1973. A questão que se levanta é como determinados monumentos afastados da
cidade e incorporados às atividades que nem sequer são próximas, podem ser conservados.
Como autores do projeto nos deparamos com diferentes fatores, que parecem auxiliar na
inviabilidade das soluções. Neste caso, parte dos danos que havia no edifício foi sanada com
muito esforço entre os diferentes agentes, como o IPHAN e a EMBRAPA. Os projetos e as obras
emergenciais foram resultado de um projeto PRONAC, apoiado pela Petrobrás. Mas isto não é
suficiente para que o imóvel se mantenha por si só. Do ponto de vista de projeto, o programa
arquitetônico deve ser uma das premissas da intervenção, mas em muitos destes casos não é
levado em conta, por questões emergenciais, por falta de decisões ou por excesso de
possibilidades e assim esta etapa acaba ficando para uma fase posterior, a tal implantação que
nem sempre se concretiza. Aliado a isto temos a distância que o isola do homem e da cidade. Em
paralelo vemos outros monumentos, em áreas tombadas, que também acabam por se mostrar
engessados nos processos de recuperação e de revitalização. É sempre o mesmo diagnóstico, a
falta de uso, que os leva à destruição.
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A Restauração de uma Fazenda e as Distâncias da Sustentabilidade
A restauração da Fazenda Santa Monica em Valença, cidade do interior do Estado do Rio de
Janeiro, é um exemplo que deve ser discutido no intuito de viabilizar a sua sustentabilidade. Hoje
ela é de propriedade da EMBRAPA Gado de Leite, e já pertenceu ao Exército Brasileiro, pois nela
faleceu o seu Patrono Duque de Caxias. Trata-se de uma fazenda de dois pavimentos com planta
em forma de “U”, cada um com 1500m². Ela é uma das maiores da região do vale do Paraíba e é
tombada pelo IPHAN em 1973.
A questão que se pretende levantar é como, em determinados monumentos afastados da cidade e
incorporados a atividades que nem sequer são próximas, neste caso uma instituição de pesquisa,
podem ser conservados.
Como autores do projeto de restauro nos deparamos com diferentes fatores que de modo geral,
parecem auxiliar na inviabilidade das soluções.
Neste caso, parte dos danos que haviam no edifício foram sanados, com muito esforço entre os
diferentes agentes, dentre eles o IPHAN, CEP28 e a EMBRAPA. Os projetos e obras
emergenciais foram resultado de um projeto encaminhado ao Programa Nacional de Apoio a
Cultura do Ministério da Cultura, mas isto não é suficiente para que o imóvel se mantenha por si
só. Ela continua sem uso.
A questão mais simples, que é a outorga de um uso, é algo que parece inviável. Do ponto de vista
de projeto, o programa arquitetônico, usos e atividades, que devem ser uma das premissas da
intervenção e ocupação, em muitos destes casos não são levados em conta, por questões
emergenciais ou indefinições. Esta etapa do projeto, a definição do uso, acaba ficando para uma
etapa posterior, que nem sempre acaba se concretizando.
Em paralelo vemos que outros monumentos, apesar de estarem em áreas urbanas tombadas,
também acabam por se mostrar engessados nos processos de recuperação e de revitalização. É
sempre o mesmo diagnóstico, a falta de uso, que os condena à ação do tempo e os leva a
destruição.
“Existe um cem número de objetos importantes para as artes e para a história que não podem ser
transportados e que logo serão fatalmente destruídos ou adulterados. São estes monumentos
preciosos que pretendemos subtrair da foz destruidora do Tempo”. 1
Após meses de trabalho na Fazenda Santa Mônica para preparar o projeto executivo de
restauração da Fazenda, verificou-se que o edifício estava sofrendo com a ação das intempéries,
infiltrações, e com ataques biológicos. Estas ações de deterioração, como as infiltrações e os
ataques dos térmitas, criaram outras situações decorrentes, dentre elas o apodrecimento de
1 Naturalista Aubin Lois Millin - Alegoria do Patrimônio de Françoise Choay UNESP 2001
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peças de madeira, maior parte do edifício, e as deformações destes elementos causavam
alterações em paredes e pisos, alem de danos nos revestimentos, pisos e forros dentre outros.
Sendo assim, com este breve diagnóstico, nos pareceu claro recomendar que o edifício fosse
tratado visando estancar em caráter emergencial estas patologias.
Poderíamos apenas cobrir o edifício como uma redoma de vidro e nela introduzir algum gás letal e
com isto salvá-lo das pragas, mas na realidade estaríamos apenas conservando-o, e ele não teria
e nem poderia ter algum tipo de vida humana.
A restauração do monumento na visão contemporânea deve propiciar que ele seja utilizado já que
neste, assim como em outros casos, a situação de abandono é que os levou a estes graves
diagnósticos. O homem deve se apoderar e estreitar os laços com o seu patrimônio.
O monumento reinterpretado 2
“Restaurar um edifício não significa conservá-lo, repará-lo ou refazê-lo e sim obter a sua
forma prístina (inicial), inclusive mesmo que nunca tenha sido assim. É necessária uma
discrição religiosa, uma renuncia completa a toda idéia pessoal e nos problemas novos,
quando se fizer necessário acrescentar partes novas, mesmo quando estas nunca tenham
existido é preciso se situar ou se colocar no lugar do arquiteto primitivo e supor o que faria
ele se voltasse ao mundo e tivesse diante de si o mesmo problema.”3
Uma outra opção, seria combater apenas uma das patologias e tentar retardar ou estancar a
outra, assim poderíamos apenas cobrir a cobertura com uma grossa lona e agir contra o ataque
biológico. Neste caso as funções mecânicas e estéticas das telhas se perderiam sob uma coberta,
algo como os empacotamentos do búlgaro Christo Valdimirov Javacheff. Após este ato de cobrir,
seriam tratados os térmitas.
2 Desenho dos autores. 3 Eugène Viollet Le Duc, Dictionnaire raisonnée de l´Architecture Française.
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Wrapped Reichstag, Berlin 1971-95 - Christo and Jeanne-Claude
“Num contexto discursivo e público mais amplo, o velamento de Christo funcionou na verdade
como uma estratégia para tornar visível, desvelar, revelar o que estava oculto enquanto era
visível.”4
Esta opção não é descabida, mas sem dúvida que é uma espécie de muleta, uma escora, a pré-
consolidação (ação provisória que salvaguarda) que aguarda uma consolidação (ação definitiva
de restauro). Mas há que recordar que muitas destas ações com caráter provisório, temporário,
acabam se tornando permanentes.
“Umas poucas folhas de chumbo, postas a tempo sobre o telhado, umas poucas folhas
mortas e gravetos varridos a tempo salvarão tanto o telhado como as paredes da ruína.
Olhe para o velho edifício com um cuidado ansioso, guarde-o o melhor que você puder e a
qualquer custo de qualquer influência de dilapidação. Conte as suas pedras como se você
contasse as jóias de uma coroa, coloque guardas em torno dele como você colocaria para
guardar uma cidade sitiada, grampeie com ferro onde estiver cedendo, sustente com
escoras onde estiver caindo, não se importe sobre a invencibilidade da ajuda: melhor uma
muleta do que um membro perdido, e faça isto ternamente e reverentemente e
continuadamente e muitas das gerações ainda por vir e para passar desfrutarão da sua
sombra.” (RUSKIN)
Sendo assim, favoráveis aos escoramentos que cita Ruskin e que ocorrem em grandes centros
históricos do mundo, como em Salamanca e Buenos Aires, não acreditamos que se possa
selecionar esta opção neste caso de tamanha emergência.
4 HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória. Aeroplano Editora. 2000.
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Escoramento de um edifício no centro histórico de Salamanca e outro na Igreja de San Ignácio de
Loyola em Buenos Aires.
“Hace cuatro años que el frente de la Iglesia de San Ignacio está apuntalado por una
estructura que cruza la calle Bolívar. Se la pusieron por temor a un derrumbe, poco
después de que el párroco saliera a impedir el paso de los colectivos, para evitar que las
vibraciones comprometieran aún más la estabilidad de la construcción más antigua de la
Ciudad. Hoy el templo sigue jaqueado por fisuras. Pero todavía se está a tiempo de
salvarlo. Ya se elaboró un master plan y el martes se lanzará una campaña para recaudar
los $ 7 millones necesarios para financiar las obras.”5
Também há outra questão clara que permeia este trabalho, a de não se tentar intervir
reconstruindo o edifício, a restauração aliada ao tempo segue os princípios de Cesare Brandi
onde tentamos entender a passagem do tempo registrada no monumento. A idéia, tendo o
monumento como obra de arte, é restituir a sua unidade potencial como obra.
“A restauração deve visar o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte desde que isso
seja possível, sem cometer um falso artístico ou falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da
passagem da obra de arte no tempo.” 6 (BRANDI, 1963)
“O bem cultural é assim reintegrado dentro da sua dimensão estética e histórica. Esta
consciência crítica que se apóia sobre a percepção do tempo escolhido entre a época da
criação e o dia da restauração é característica das nossas sociedades industrializadas e se
opõe à consciência dita comum das sociedades então artesanais, onde a conservação das
obras do passado (reparos, reconstrução) com os mesmos materiais, os mesmos gestos
dentro do mesmo espírito tende a se chamar restauração: ou trata-se de uma imitação ou
do resultado de extrapolações e de suposições”.7 (BRANDI, 1963)
5 http://www.clarin.com/diario/2007/07...ad/h-06615.htm 6 Teoria da Restauração , Cesare Brandi. 7 Teoria da Restauração, Cesare Brandi.
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Todo entendimento que se possa alcançar no sentido de salvaguardar e preservar o monumento é
o esforço que reforçara os laços entre os homens e sua história contada nas suas construções.
Fotografia sem autoria, Arquivo do Exercito Brasileiro.8
O projeto executivo embasa o proponente do projeto e o IPHAN com dados técnicos para que
possam ser contratadas, executadas e acompanhadas as Obras de Restauração Completa da
Fazenda Santa Mônica. E que, se possível, após estas obras se possa prosseguir um Plano de
Conservação Preventiva que em etapas mantenha o monumento e esta intervenção, conservando
este valioso patrimônio nacional e impedindo a sua deterioração.
Durante as etapas da restauração, o edifício deve ser visitado de algum modo para que as
pessoas se apropriem dele aos poucos e para que assim ele não seja esquecido como muitos
outros.
“...assim como do ciclo do café.
Os deste último suscitam menor interesse entre os apreciadores de arquitetura antiga, não
só naturalmente por serem obras menos raras e de época mais próxima, como por
possuírem de fato menor valor plástico e característico. Por tais motivos, a despeito do
numero das edificações rurais importantes do século XIX ser ainda muito considerável, elas
permanecem mal conhecidas e, algumas das mais significativas, totalmente ignoradas. Há
que fazer, sem tardar, um estudo sistemático e cuidadoso a seu respeito, a principiar é
claro, do Vale do Paraíba, tanto no território do estado do Rio, quanto no de são Paulo.” 9
8 Fotografia que consta em publicações do Exercito Brasileiro, sem autoria – Deste conjunto de edificações estranhamente nada se descobriu, é como se a memória tivesse se esquecido de armazenar estes dados. 9 Rodrigo de Mello Franco -1995.
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Atualmente no Brasil se vive um momento no qual a Restauração do Patrimônio Arquitetônico de
quase todos os monumentos com algum grau de preservação (municipal, estadual ou nacional)
está sendo incentivada e financiada por programas do Ministério da Cultura. Isto se faz possível
graças à legislação vigente, a Lei n° 8.313 de 23.12.1991, Lei Rouanet, que restabelece os
princípios da Lei n° 7.505 e institui o Programa Nacional de Apoio a Cultura - PRONAC, além de
resgatar o Fundo Nacional da Cultura - FNC.
“...com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a também preservar os
bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro”.10
Por se tratar de um imóvel tombado em nível federal, IPHAN, e por fazer parte de um período da
nossa cultura, o ciclo do café no Rio de Janeiro, já se justifica a sua restauração.
É preciso que se façam pesquisas mais aprofundadas, pois este trabalho não pretende findar os
estudos. Desta forma se poderá chegar às soluções mais adequadas, ou seja, não basta
prospectar tecnicamente ou se embasar apenas nos dados históricos, a restauração precisa de
uma nova interpretação, onde até as intervenções ditas não adequadas, acréscimos e
modificações, possam ser avaliadas e levadas em conta.
“...Resulta disso, um primeiro corolário: "qualquer comportamento em relação à obra de
arte, nisso compreendendo a intervenção de restauro, depende de que ocorra o
reconhecimento ou não da obra de arte como obra de arte". A própria restauração deverá,
pois, articular seu conceito "não com base nos procedimentos práticos que caracterizam a
restauração de fato, mas com base no conceito da obra de arte de que recebe a
qualificação pelo fato de a obra de arte condicionar a restauração e não o contrário".11
Também, como medida de segurança, foi solicitada a interrupção de energia elétrica do edifício
para evitar um possível sinistro.
10 Lei n° 8.313 de 23.12.1991, Lei Rouanet. 11 Giovanni Carbonara. Apresentação do Livro de Cesare Brandi, 2003.
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Localização e Histórico
A Fazenda Santa Mônica, fica na cidade de Valença, cidade serrana que dista 162 Km
(aproximadamente 2 horas) da cidade do Rio de Janeiro e 40 Km da cidade de Vassouras. Ela
está próxima à cidade de Juparanã, fica na antiga região do Desengano, que é de origem
indígena, e seu nome significa Rio Grande em tupi-guarani. Esta homenagem foi feita ao Barão de
Juparanã, que veio a ser o maior benfeitor local. Filho do Marquês de Baependy era proprietário
de várias fazendas nas margens valencianas do Rio Paraíba do Sul. A principal propriedade, onde
a família viveu seus áureos tempos do café, foi a Fazenda Santa Mônica.
A Fazenda pertenceu ao Marquês de Baependi cujas iniciais "MB" estão na bandeira de ferro
batido da porta principal interna. O nome "Santa Mônica" é uma homenagem à sua esposa dona
Francisca Mônica, filha do casal Barão de Santa Mônica.
“O Marquês de Baependi (1765, MG /1847, RJ) era dos mais ilustrados homens do ciclo do
café: doutor em matemática e filosofia pela Universidade de Coimbra; lente da Real
Academia de Marinha de Lisboa (1791/1801); Inspetor das nitreiras e fábricas de pólvora
em Minas; Marechal de Campo; Conselheiro de Estado em 1823; Deputado Constituinte;
Presidente do Senado e Ministro da Fazenda.”12
Vista do portão lateral, Fotografia do arquivo do IPHAN.
12 http://www.revistaalmanaque.jor.br
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Fotografia de evento na Fazenda, Marc Ferrez (final Século XIX e inicio do Século XX) – Arquivo Nacional.
Próximo ao centro do distrito de Juparanã encontra-se outra construção histórica, que é o solar da
antiga Fazenda Monte Scylene que chegou a pertencer, em relatos, à Princesa Isabel. Por volta
de 1886, à princesa e seu marido o Conde D'Eu criaram nesta propriedade um internato de
menores que funcionou até pouco tempo. Adquirida pelo Estado, a propriedade está adaptada
para clínica pública de recuperação de dependentes químicos do Estado.
O casal Barão de Santa Mônica era sogro de Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880), o Duque de
Caxias que nasceu na Fazenda da Tuquam, Vila de Porto de Estrela, hoje Baixada Fluminense. O
Duque foi um grande militar e estadista e é o patrono do Exército brasileiro. Ele faleceu na
fazenda Santa Mônica em 1880.
Vista atual da Fazenda Santa Mônica, foto próxima ao local da antiga imagem do Exército Brasileiro.
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A Fazenda Santa Mônica é mais um exemplar da arquitetura que se inicia no ciclo do café no vale
do Rio Paraíba do Sul. Ela foi tombada no Livro Histórico com a Inscrição: 444, datada de 17 de
dezembro de 1973, com número de Processo: 0881-T-73.
A Fazenda Santa Mônica é hoje a sede da EMBRAPA, Centro de Extensão de Santa Mônica e as
atividades de extensão da Faculdade de Medicina Veterinária de Valença.
A sede da fazenda está à margem do Rio Paraíba do Sul, e segue um padrão um tanto urbano,
com uso da casa assobradada de dois pavimentos. A implantação da casa é sobre um grande
platô construído artificialmente próximo ao rio, como um terreiro de café. Ao redor da sede havia
um conjunto de edifícios de grande porte, todos em estilo eclético, provavelmente do final do
século XIX e inicio do século XX, que não existem mais e nem há registros de sua construção e
demolição.
No pavimento térreo, além do vestíbulo de acesso ao primeiro pavimento, encontram-se as
antigas áreas de serviço, depósitos, despensas, cozinhas e cavalariça. Ainda no térreo há relatos
da existência de uma capela que é objeto de estudos da arqueóloga Dra. Marta Fonseca. O
vestíbulo tem tratamento próprio das áreas sociais, onde se encontravam os melhores materiais e
acabamentos, aqui ainda marcando o centro da edificação, bem ao gosto clássico com a escada
de acesso iluminada por clarabóia, elemento a confirmar, demarcando e destacando esse nobre
cômodo. Havia uma escada anterior, que pode ser comprovada através de pinturas e marcas nas
paredes. No primeiro pavimento, à frente, as salas de estar, de receber, sala de música, jantar,
escritório e quartos para hospedagem, comuns no programa rural. A sala central abre-se para
sacada com guarda corpo de ferro que compõe o eixo, com a porta principal do térreo, esta
varanda é uma clara intervenção do século XIX. A casa se desenvolve em duas laterais, formando
o pátio interno, onde estão os quartos de dormir e a área íntima da família.
No texto O Café da jornalista Stella Maris de Mendonça, ela descreve os Caminhos do Ouro
Negro.
“Da janela do quarto da casa grande de onde o barão observava o trabalho dos escravos
que, no quadrilátero funcional, chamado de terreiro, selecionavam, armazenavam,
secavam, torravam e moíam o café plantado e colhido por eles também, hoje o turista pode
apreciar a floresta secundária que se recupera em territórios de antigos cafezais. Por volta
de 1730, chegaram ao Pará as sementes de café, trazidas pelo jovem oficial Francisco de
Melo Palheta. Trinta anos depois, foram levadas para a capital da província do Rio de
Janeiro. Aqui, a plantação inicial do chamado ouro negro ocorreu nos morros da cidade e
do Mendanha, na Baixada Fluminense, e se estendeu, nos séculos XVIII e XIX,
principalmente pelo vale do médio Paraíba, compreendendo os municípios de Barra do
Piraí, Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes, Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do
Alferes, Piraí, Rio Claro, Rio das Flores, Valença, Vassouras e Volta Redonda.
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Fernando Fragoso Pires, prefaciando o livro de Paulo Lamego, O Brasil é o Vale, cita
Agripino Grieco: "Mesmo quando reviviam em suas fazendas as pompas da Europa,
mostravam amar, de amor enternecido, a humilde vida campestre que os rodeava. Justas,
torneio, cavalhadas à moda medieval, alfaias e brocados, damascos e seda, não os
levavam a desprezar as ásperas doçuras deste caridoso ambiente selvagem. As casas
solarengas, as quintas de portões brasonados, as florestas genealógicas que se
ramificavam por aqui, não impediam que as velhas damas fidalgas tivessem os seus
impulsos de ternura confortadora para os humil-des servos da gleba. Certo gosto pelos
estudos clássicos e pelas artes temperava-os no cuidado pelo viço das lavouras tropicais.
Todos se nutriam de boa seiva doméstica e raros os que se deixavam enlear pelos
tentáculos da cidade absorvente."...
...Também no ano passado, o INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), órgão da
Secretaria de Estado de Cultura, a Unesco e o Sebrae/RJ finalizaram o Projeto Inventário
de Bens Culturais Imóveis nos Caminhos Singulares do estado do Rio de Janeiro visando a
proteção e a valorização do patrimônio cultural remanescente dos períodos econômicos
que marcaram a ocupação do território fluminense, como o escoamento da produção do
ouro, vindo de Minas Gerais, a extração do sal e as culturas do açúcar e do café.”
Os caminhos iniciais do café utilizaram a rede dos "caminhos do ouro" na fase de desbravamento
da região serrana, mas com o tempo, novas rotas foram abertas ligando as unidades produtivas
aos núcleos urbanos que davam suporte à atividade. Na segunda metade do século XIX foi
construída a Estrada de Ferro D. Pedro II e, no século XX, a rede de rodovias federais e estaduais
conviveu durante um período com o trem, que desativou o sistema de transporte de passageiros.
Embora tenha havido intensa atividade cafeeira em outras regiões do estado do Rio, como no
noroeste fluminense, o levantamento dos imóveis rurais ou sítios urbanos, construídos no século
XIX, se deu no âmbito do vale do Paraíba. Os proprietários das grandes fazendas de café foram
verdadeiros mecenas, patriarcas da valorização destas regiões, como se pode constatar nos
jardins de Valença semelhantes aos do Campo de Santana, obra do Mestre Auguste François
Marie Glaziou. Constam do Inventário dos Caminhos do Café 165 bens imóveis de valor cultural,
83 referentes a centros históricos e seus imóveis e 82 sedes de fazendas históricas. Cristina
Soares de Almeida, coordenadora dos "caminhos do café"- avalia o impacto ambiental da grande
corrida ao ouro negro:
"O povoamento do Vale do Paraíba no século XIX se deu à custa da impiedosa devastação
da Mata Atlântica que cobria o território daquela região. Na ânsia de dispor de terras para
cultivo, o desmatamento foi impiedoso, ignorando, inclusive, a possibilidade de
aproveitamento econômico das madeiras de lei - tudo era queimado, conforme descreve
Alberto Lamego, no livro O Homem e a Serra, de 1963. Apesar do reconhecimento da
riqueza material herdada do período áureo do café, nos damos conta das perdas – a fruição
das paisagens naturais típicas do ecossistema da Mata Atlântica e o conforto ambiental que
ela poderia nos proporcionar. Naquela ocasião também não se poderia imaginar que os
danos ambientais pudessem, no futuro, produzir impacto na grande provedora de energia e
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de água potável para a população fluminense, a bacia hidrográfica do rio Paraíba do sul.
Hoje, sofremos com a contínua perda da vazão de um novo bem econômico que passou a
ser escasso e valorado no final do século XX - a água."13
Durante a pesquisa histórica efetuada pela historiadora Dra. Roselene Martins, se confirmou que a
cobertura da fazenda já foi completamente substituída como mostra em um de seus relatos e
também em entrevistas com declarações orais onde aparece a afirmação da substituição
completa da cobertura em obras anteriores as que se tem registro documental e fotográfico.
“O texto abaixo transcreve o termo de contrato para obras de restauração na Santa Mônica
com a Empresa Firma Construtora Artiles Ltda, sito à Rua Álvaro Alvim nº 48 – grupo 510 -
Rio de Janeiro. O contrato reza o seguinte:
“Substituição de 150 metros de cimalha externa, correspondentes aos trechos em que se
acha deteriorada, realizada em argamassa de cimento, areia e saibro, traço 1:3:2, aplicada
sobre entaurugamento de madeira, pregados de modo a acompanhar o emoldurado. A
modelagem dos perfis se fará por meio de cambotas cortadas à feição da cimalha existente.
Revisão em 1600m2 de telhado com substituição das peças de madeiramento estrutural e
distribuição estragadas ou bichadas; revisão na parte do forro correspondente àquela área
com substituição das partes estragadas; substituição das telhas quebradas, fixação de
capas por meio de ganchos de arame galvanizados nº 12; aplicação de todo o madeirame,
inclusive forro de duas demãos de pentaclorofenol diluído a 5% em óleo diesel.
Recomposição dos beirais sobre os trechos de cimalha substituída, utilizando telhas iguais
às existentes no local.”14
Notamos que em fotografias do IPHAN dos anos 40 e 50, a cobertura já aparece bem alterada
com relação ao que deveria ser uma cobertura deste tipo, com uso de galbo ou contrafeito, beiral
com cimalha em madeira ou cachorros, bebedouros e arremates de andorinha nas quinas com
telhas invertidas sobre os beirais.
Fotografias do Arquivo Noronha Santos IPHAN RJ.
13 Caminhos do ouro negro, o café , na Revista O Prelo , Março/abril/maio 2005 14 PESQUISA EM 05-06-08 Local : Arquivo do IPHAN – CEPEDOC - Roselene de Cássia C. Martins – Historiadora.
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Fotografias do portão principal, Arquivo Noronha Santos IPHAN RJ.
Hoje se desenvolve uma hipótese no IPHAN da qual também compartilhamos, de que a casa
possa ter sido menor e que com varias ampliações tenha chegado até a configuração atual em U,
da mesma forma ela teria sofrido diversas reformas na cobertura.
Foto histórica, colorida, da Fazenda Santa Mônica – Arquivo do IPHAN. Nesta fotografia se observa um
canteiro que segue ladeando a Fazenda. Este caminhão não existe mais.
Foto histórica da Fazenda Santa Mônica – Arquivo do IPHAN.
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Ainda há outra hipótese levantada, de que a capela tenha sido separada da casa sede em algum
momento.
A parte frontal do pavimento térreo sofreu uma clara remodelação, incluindo os ladrilhos
hidráulicos Villeroy & Boch do final do século XIX e a varanda em ferro fundido com avanço em
laje.
Detalhe de um catalogo de azulejos de propriedade do arquivo da Irmandade de Nossa Senhora da
Candelária, Villeroy & Boch,de 1873, onde se observa o mesmo desenho utilizado no piso do térreo.
Da mesma reforma que introduz a varanda, parecem ser estas pinturas decorativas, mas
estranhamente a antiga escada central da Fazenda, acabou sendo modificada e parte dela esta
emparedada. Neste vão aparecem as pinturas decorativas que seguiam a demarcação da escada
original que se observa na parede.
Marcação da antiga escada na parede, que atualmente se encontra enclausurada, emparedada. Detalhe do desenho da escada que se repete em outra parede. Observa-se um morcego.
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Estado atual de um dos salões da Fazenda Santa Mônica
A idéia de que houve dois ou mais tempos de construção se observa olhando para as janelas do
salão sobre o que se designa de Capela, alem de existirem diversas marcas de soleiras no
pavimento térreo, no primeiro pavimento se observa à espessura de uma das paredes que é bem
mais larga do que as outras. Esta é a única parede com esta dimensão e que não é de tijolo
maciço. Ainda no térreo se observa uma espécie de corredor paralelo a Capela que é diferente do
resto do conjunto.
Estado deteriorado da cobertura e da cimalha / beiral em estuque.
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Proposta de Restauração A intervenção teve como objetivo principal a salvaguarda do imóvel, a Casa, e a execução de
todos os projetos executivos para a implantação de um novo uso.
“É importante salientar que esse processo não possui nada de óbvio e é, ao contrario,
procedimento que exige estudos, reflexões e interpretações aprofundadas, não admitindo
aplicações mecânicas de formulas nem simplificações. Ademais, a restauração deve ter em
vista três princípios fundamentais, sempre pensados de forma concomitante:
Reversibilidade; Distinguibilidade; Mínima intervenção.”15
Este projeto de restauração propôs uma intervenção em etapas evitando assim, a grande obra de
restauração, muitas vezes mais danosa do que restaurativa. As recomendações foram para três
grupos de intervenções em três tempos diferentes: curto, médio e longo prazo. Mesmo assim,
algum tipo de uso intermediário, ainda que seja só a visitação, já vai exigir conservação e
inspeção rotineira.
Em um primeiro momento se estancou o processo de deterioração com as obras emergenciais da
cobertura, descupinização, instalações prediais (parciais) e argamassas das fachadas, além da
pré-consolidação de alguns elementos frágeis. Em uma segunda etapa se restaurará todo o
interior (barrote, forros, pisos e paredes) junto com as instalações prediais e em uma etapa final
se fará a implantação do novo uso, com novos sanitários, acessibilidade, instalações especiais e
um possível anexo aos fundos.
A incompatibilidade das atividades fins da EMBRAPA, pesquisa ligada ao gado de leite, não se
adéqua a uma edificação histórica deste porte, isso nos deixa poucas possibilidades. Talvez um
possível museu da EMBRAPA seria o melhor uso para o local, ou um espaço para seminários
com quartos para alunos e hóspedes, com infra-estrutura para recebê-los. Outra possibilidade
seria um museu dedicado ao Patrono do Exército, ou ainda, um museu sobre o café e seus
barões, que é algo já pensado em outras fazendas do Vale do Paraíba.
No inicio pensou-se na possibilidade de uma pousada escola, mas à medida que se amplia o
leque do programa de atividades se somam mais intervenções e surge a necessidade de um
público maior, próximo ou não, e assim os acessos passam a ser significativos, as vias e a
locomoção. A tudo isso terá que se agregar os custos fixos e principalmente um grupo de
funcionários.
Como se trata de um espaço pertencente à união, não se pode pensar em algum tipo de hotel ou
pousada e a falta de público também impede que seja um espaço cultural com voluntários ou
atividades mais espontâneas de grupos que necessitem de espaço.
15 KÜHL, Beatriz Mugayar. Ética e História na Conservação e na Restauração. Palestra CPC - USP – 30 de março de 2004.
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Desta forma, mais uma vez se fez a intervenção emergencial, salvaguardando o monumento e
não se definiu um uso, a Fazenda guarda o seu interior como na redoma de vidro.
Imagem durante as obras de cobertura e argamassas externas.
Fotomontagem da situação atual, ,em maio 2010.
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Conclusão
Em centros próximos à Fazenda podemos observar que vários imóveis, assim como nos centros
das grandes cidades, muitas vezes permanecem abandonados. E é sempre esta falta de uso que
não é fácil de resolver. Na cidade de Juparanã, por exemplo, vemos uma estação ferroviária
completamente abandonada e o Solar da Princesa Isabel que apesar de ter uso, já necessita de
obras de conservação. O mesmo se observa na cidade histórica de Vassouras, onde vários dos
seus edifícios se encontram sem uso e em estado lastimável de conservação. A Casa do Barão
de Vassouras, o Asilo Barão do Amparo, o Antigo Fórum e a Casa das 14 Janelas. Estes foram
objeto de recente licitação para a sua restauração e requalificação, incluindo novos usos. Muitos
destes edifícios estão com as alvenarias de adobe devastadas pela água. É como se a natureza
vencesse o homem derretendo com a chuva a sua criação de barro.
Podemos concluir que se é difícil resolver problemas de propriedade, programas e usos em
ambientes urbanos e preservados, onde há um grande número de pessoas, aparentemente é
muito mais difícil atender a um monumento tombado isolado, em uma área rural distante.
Temos que repensar as possibilidades e ter certa flexibilidade para que novas atividades possam
se apoderar e preservar o nosso patrimônio. Cabendo a nós a fiscalização pela salvaguarda dos
mesmos.
Ao se terminar este trabalho de restauração emergencial concluiu-se uma etapa vital na
salvaguarda deste patrimônio. Se deve agora perseguir o uso adequado e implantá-lo o mais
rápido possível. Na realidade o uso é o único que poderá geral alguma sustentabilidade. A
história faz parte da nossa cultura, e assim como se apresentam diversas lacunas sobre a história
e as intervenções desta Fazenda, caberá às novas gerações pesquisar e descobrir os porquês
desta falta de documentação e informação, já que é uma edificação imponente e importante.
O estreitar dos laços entre as pessoas e seu patrimônio é a base para garantir a
preservação e criar sustentabilidade em nossos monumentos.
Vista de um dos cunhais expostos da Casa do Barão
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