A Revelação Anunciada
como nos Dias Apostólicos III
Este é um trabalho de tradução e adaptação
feito pelo Pr Silvio Dutra, de obras publicadas
nos séculos XVI a XIX, por um processo de
eximia seleção de arquivos em domínio
público de homens santos de Deus que
tiveram uma vida piedosa e real, que é tão
raramente vista em nossos dias. Estas
mensagens estão sendo traduzidas
pioneiramente para a língua portuguesa,
dando assim oportunidade de serem lidas e
conhecidas em países da citada língua.
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Sumário
O Conhecimento do Bem e do
Mal..................................................................
03
O Contentamento do Amor...............
32
O Cristão e a Política..............................
57
O Deleite Espiritual dos Santos........
74
O Engano do Coração............................
114
O Espírito de Amor, de Poder e de
Moderação..................................................
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O Conhecimento do Bem e do Mal
Título original: The Knowledge of Good and Evil
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
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"Pois não faço o bem que quero, mas o
mal que não quero, esse faço." (Romanos
7:19)
Às vezes, as dúvidas irão atravessar a mente
quanto à verdade e à inspiração das Escrituras;
mas as dúvidas cruzarão mais frequentemente a mente quanto à verdade e à realidade de nossa
própria experiência. Agora, há certas
considerações que são calculadas para atender
a essas dúvidas, se elas surgem da infidelidade, ou se elas brotam da incredulidade. Por
exemplo, se descobrimos que vários filhos de
Deus em lugares distintos e em circunstâncias
diferentes, todos dão testemunho dos mesmos sentimentos, e se encontramos nos nossos
corações os mesmos sentimentos, temos até
agora uma evidência de que as Escrituras são
genuínas. Assim, se acharmos a experiência dessas pessoas e nossa experiência, semelhante
à delas, registrada na Palavra de Deus, é uma
confirmação, não apenas da verdade da
Escritura, mas também a da nossa experiência.
Vou ilustrar isso pelo que me ocorreu desde que estive em Londres. Pouco tempo atrás, fui ver
uma pobre mulher que ficou acamada há mais
de quatro anos, e durante esse espaço de tempo quase nunca esteve livre de dor por um quarto
de hora. Agora, ela me disse que todas as dores
corporais que ela sofreu foram como nada em
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comparação com o conflito interno produzido
por um corpo de pecado e morte lutando contra
a vida de Deus em sua alma. Posso dizer o
mesmo. Eu tive minhas provações; provas de corpo, provas de circunstâncias, provações de
mente, provações de diferentes tipos; mas
nunca encontrei nenhuma provação igual ao conflito interno causado por um corpo de
pecado e morte. Pouco tempo depois, fui ver
outra mulher acamada, que estava confinada a
um leito de dor no mesmo espaço de tempo. Falando de seus sofrimentos corporais, sem que
eu mencionasse o que sentira, ela disse: "toda
essa dor e languidez não é nada em comparação
com a dor que sinto pela ação do pecado na minha mente carnal". Havia a mesma evidência
independente distinta, e a mesma resposta em
meu peito.
Quando vejo a Palavra de Deus, vejo o apóstolo Paulo expressando exatamente os mesmos sentimentos: "Ó homem miserável que eu sou,
quem me livrará do corpo dessa morte?"
Quando ele estava sofrendo sob perseguição,
não houve nenhum grito tão lamentável. Quando as pedras vieram grandes e rápidas em
direção à sua cabeça, nós não lemos de tal
gemido lamentável. Sim, ele nos diz, que "tinha
prazer em fraquezas, em perseguições, em angústias por amor de Cristo". Isto não arrancou
nenhum grito de seu peito. Na prisão de Filipos,
com as costas doloridas de feridas, e os seus pés
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amarrados no tronco, ele e seu companheiro de
prisão cantavam louvores a Deus (Atos 16:25).
Mas a ação do pecado na sua mente carnal, a
oposição da sua natureza depravada à graça de Deus - foi isso, e só isso, que o fez sentir-se
verdadeiramente um "homem miserável".
Agora não é esta uma confirmação dos dois pontos a que aludi? Não é, primeiro, um
impressionante testemunho da verdade da
Escritura, quando encontramos nela nossa
própria experiência traçada? E não é, em segundo lugar, uma confirmação da verdade e
genuinidade da nossa experiência, quando a
encontramos consistente, não só com a
Escritura, mas também com a experiência daqueles em quem vemos distintamente a graça
de Deus?
E isso, creio eu, é a grande bênção que a igreja retira do sétimo capítulo da Epístola aos
Romanos. Deus, tendo inspirado seu santo
Apóstolo para escrever sua própria experiência
pessoal, e retratar em cores vivas a obra interior da lei e a pressão do corpo do pecado e da morte,
encontrou um tal eco e encontrou tal resposta
no seio da família de Deus, como para provar-
lhes uma e outra vez uma rica mina de conforto e força.
Ao considerar as palavras do texto, procurarei falar sobre elas de acordo com as duas frases,
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como estão diante de nós: "Pois não faço o bem
que quero, mas o mal que não quero, esse faço."
I. "Pois não faço o bem que quero." Quando o
homem caiu, caiu completamente. Ele não caiu no meio do caminho, mas caiu completamente.
E, de fato, uma criatura que cai completamente
da justiça nunca pode cair de outra maneira que senão completamente. Quando os anjos caíram,
caíram até a extensão da natureza angélica; e
quando o homem caiu, ele caiu ao mais
profundo da natureza humana. A queda dos demônios e a queda do homem só diferiram
nisto - que um caiu em toda a extensão da
natureza angélica, e o outro em toda a extensão
da natureza humana. Porque não há meio, nem compromisso, nem meio caminho; mas o
homem em queda, caiu para o ponto mais
profundo ao qual a natureza humana poderia
cair.
Quando o Senhor se alegra, por uma obra da graça no coração, para levar seu povo ao
conhecimento de si mesmo, ele concede a eles
o que é comunicável de sua própria natureza, como lemos "participantes da natureza divina".
Agora, quando o Senhor comunica à alma esta
nova natureza, dá-lhe um novo entendimento;
uma nova consciência, uma nova vontade e novas afeições. A compreensão do coração do
homem por natureza é escura, depravada,
obscurecida e aborrecida; portanto, necessita
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de um novo entendimento, de um novo
entendimento espiritual, para perceber as
coisas espirituais; pois "o homem natural não
percebe as coisas do Espírito de Deus". Nenhuma compreensão natural, por mais
elevada ou refinada que seja, pode jamais
receber, conhecer ou apreciar coisas espirituais. Tendo "Os olhos de seu
entendimento sendo iluminados." Isso é
chamado na Escritura de, "a abertura dos olhos".
Mas, além disso, a consciência do homem, por natureza, é cauterizada; não pode distinguir
entre o bem e o mal; é incapaz de sentir a
espiritualidade da lei de Deus, ou de distinguir
coisas que diferem; é incapaz de acreditar que o que Deus ordenou deve ser obedecido, e o que
Deus tem ameaçado deve ser realizado.
Mas, ainda mais; a vontade do homem por natureza é tão depravada quanto sua
compreensão e sua consciência. Este homem
carnal escolherá e se deleitará no mal, e não tem
nenhum desejo exceto na gratificação do ego e na indulgência de suas concupiscências. O
homem, portanto, precisa de uma nova vontade,
para que sua nova vontade possa escolher o que
Deus aprova, e se afastar daquilo que ele proíbe; que sua nova vontade possa ser alistada do lado
de Deus e da verdade, para amar as coisas que
ele ama e odiar as coisas que ele odeia.
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As afeições do homem também, por natureza, são terrenas, carnais e sensuais, totalmente
voltadas para a gratificação do eu. Ele precisa,
pois, da comunicação de afeições novas, santas e espirituais, segundo as quais a sua vontade não
apenas escolhe o que é bom, mas também as
afeições, as ternas afeições do coração fluindo para isto, desejando-o e centrando-se nisto.
Ora, esta nova natureza que o Senhor cria assim na alma, constituída por este novo
entendimento, nova consciência, nova vontade
e novas afeições, é sempre alistada do lado de Deus e da verdade. Ela deve sempre aprovar o
que Deus aprova; e sempre deve abominar o que
ele odeia. Mas, enquanto estivermos neste
tabernáculo, teremos nosso velho entendimento, nossa velha consciência, nossa
velha vontade e nossos velhos afetos. E sendo
estes não suscetíveis de melhoria, não sofrerão
qualquer processo pelo qual eles são refinados, purificados e melhorados, sempre estarão
inclinados para o mal em que caíram quando
nosso primeiro progenitor caiu da pureza
original. Nossa compreensão natural será sempre escurecida, nossa consciência natural
sempre será dura, nossa vontade natural
sempre será para o mal, e nossas afeições
naturais sempre se ligam ao mundo e à carne. (Nota do tradutor: Não há qualquer exagero da
parte do autor em afirmar que em tudo em nós
se inclina para o mal, pois o que se enfoca aqui
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não é meramente o bem moral ou natural, do
qual se encontram resquícios mesmo em nossa
natureza caída, mas a referência é àquela vida
espiritual e sobrenatural que existe em Deus e que dele procede, da qual estamos natural e
completamente destituídos, e podemos
começar a recobrar somente por nossa associação com Jesus Cristo. Então é correto
afirmar que somos inteiramente inclinados
para o mal, pois de nós mesmos não podemos
topar com o bem que procede da natureza de Deus, quando não a temos em nós por um novo
nascimento espiritual.)
Daí nasce o conflito. Minha compreensão iluminada e minha compreensão escurecida; minha nova consciência e minha velha
consciência; minha vontade renovada e minha
vontade não regenerada; meus afetos celestiais
e minhas afeições terrenas, sempre lutarão um contra o outro - "porque a carne luta contra o
Espírito e o Espírito contra a carne, e estes são
contrários um ao outro, de modo que não
possais fazer o que seja de vosso querer."
O Apóstolo sentiu o conflito que brota do funcionamento interior destes dois princípios
distintos no seu seio, quando disse: "Pois não
faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço." Se você observar, ele fala da vontade
como alistada ao lado de Deus; seu coração, seu
novo coração, estava inclinado para Deus -
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sincera, fervorosa e espiritualmente, desejando
conhecer a vontade de Deus e fazê-la. Havia seu
novo coração, sua compreensão iluminada, sua
consciência espiritual e seus afetos celestiais todos alistados ao lado de Deus; e ainda assim,
pela depravação de sua natureza caída, ele foi
continuamente desviado do caminho pelo qual caminharia alegremente, e continuamente
desviado para aquele caminho tortuoso no qual
ele sempre temia cair.
Mas vamos, com um pouco mais de clareza e distinção, traçar alguns dos detalhes em que "o
bem que quero não faço."
1. ADORAMOS a Deus em espírito e em verdade. Isso é uma coisa boa. É um dos bons dons que descem do Pai das luzes; é o que todo homem
regenerado deseja sentir e seguir; é o que toda
alma vivificada ama executar. Mas, quando
desejássemos adorar a Deus em espírito e em verdade, quando desejássemos que seu olho
estivesse sobre nós, quando derramássemos
nosso coração diante dele em simplicidade e
sinceridade santa, quando oferecêssemos sacrifícios espirituais e fizéssemos adoração
aceitável, "O bem que queremos não fazemos."
Algo baixo, carnal, sujo, ou autojustiça brota de
nossa natureza depravada que nos torna totalmente incapazes de fazer as coisas que nós
desejamos. Não podemos adorar a Deus como
queremos em espírito e em verdade. É uma
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misericórdia ser capaz de oferecer o culto
espiritual por cinco minutos - sim, devo limitá-
lo ainda mais? - um minuto! Uma verdadeira
adoração espiritual, um sensível sentimento de presença de Deus, uma prostração sincera do
espírito diante dele, o derramamento de nossa
alma, simples e espiritualmente, em seu seio - um minuto de adoração espiritual desta
natureza vale a pena um dia inteiro de oração
sem isto. Mas não podemos fazer isso; é
somente até onde o Senhor opera em nós a vontade e o efetuar de seu próprio prazer que
podemos oferecer esses sacrifícios espirituais.
2. Nós ACREDITAMOS no Senhor da vida e da glória. Nós o recebemos em nosso coração como nosso Senhor e nosso Deus. Vivemos de seu
sangue expiatório como nosso único sacrifício.
Confiamos em sua propiciação pelo pecado,
como nosso único perdão e paz. Nós olhamos para a sua gloriosa justiça, como a única túnica
em que podemos ser aceitos diante de Deus.
Mas ,não podemos fazê-lo. Assim que o desejo
de fazê-lo brotar no coração; tão logo não mais existe a simplicidade infantil de uma alma
crente, que olha, confia e se apoia unicamente
no seio do Senhor da vida e da glória, e brotam
alguns ímpios, incrédulos, blasfemos, obscenos, ousados, presunçosos pensamentos
vis que atravessam nossa mente, e somos
absolutamente incapazes de olhar para o
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Senhor Jesus e adorá-lo da maneira que
espiritualmente desejamos.
3. Teríamos um só olho para a glória de Deus em
tudo o que fazemos. Consultaríamos sua vontade. Agiríamos simplesmente como o
Senhor ordenou em sua palavra. Teríamos
motivos puros, espirituais e ternos. Teríamos tal sinceridade e honestidade da alma de Deus, que
tudo o que dissermos, tudo o que pensarmos, e
tudo o que fizermos, brotará da unicidade dos
olhos voltados para a glória de Deus. Este é um bem no qual a nossa alma às vezes está
empenhada. Mas, "o bem que nós queremos não
fazemos". Um motivo sensual, algum
pensamento vago e vanglorioso, algum desejo orgulhoso, algum desejo secreto de si mesmo,
por sua própria exaltação, brota. Nosso olho se
obscurece; a glória de Deus é posta fora de vista;
e não podemos fazer as coisas, não podemos falar santamente, não podemos viver nem agir
para a glória de Deus como gostaríamos.
4. Nós faríamos da Palavra de Deus o nosso governo e guia em todas as coisas. Nós a colocamos como um padrão ao qual nossas
vidas devem ser conformadas; desejamos
obedecer aos seus preceitos e seguir
implicitamente seus mandamentos com fé infantil. É uma coisa que desejamos fazer; uma
conquista pela qual aspiramos nos movimentos
de nossa alma para Deus. Mas, a vontade própria
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muitas vezes cruza a santa Palavra de Deus; a
vontade própria luta contra o motivo puro que
funciona na mente espiritual, desejando que a
vontade de Deus seja nossa vontade. A tentativa é derrotada; a flor é esmagada no botão antes
que desabroche.
5. Nós sentiríamos a presença do Senhor em nossa alma. Teríamos dado o testemunho de
que somos do Senhor. Teríamos sorrisos e
beijos do Senhor da vida e da glória. Teríamos
sinais de que estamos interessados em seu precioso amor e sangue. Isto é uma coisa boa. É
bom que o coração seja assim estabelecido com
graça. Mas, não podemos fazer as coisas que
gostaríamos; não podemos adquirir esses sorrisos de amor, beijos de amor e testemunhos
de amor. Às vezes, nosso coração é tão duro,
nossa mente tão escura, e nossas afeições tão
afastadas do Senhor, que nem sequer temos o desejo de sentir em nossas almas a presença
daquele cujo amor é o céu iniciado aqui
embaixo.
6. Desejamos ter a mente e a semelhança de Jesus estampada em nossa alma. Desejamos ser
levados a uma comunhão com seus
sofrimentos, e sermos conformados à sua
morte. Teríamos em nós a sua santa imagem. Seríamos revestidos de humildade segundo seu
padrão. Caminharíamos em seus passos - que
era manso e humilde de coração. Mas não
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podemos fazer o bem que gostaríamos. Não
podemos, como gostaríamos de fazer, ter
impresso em nossa mente a semelhança e a
imagem de Jesus; e se o temos por alguns instantes, carimbado em nossos corações, é
como uma criança escrevendo seu nome na
areia junto à praia; a primeira onda que vem apaga o nome, e não deixa um traço sequer para
trás. Assim, se por alguns momentos nos
sentimos gentis, humildes, quietos, mansos de
coração, e temos comunhão com o Senhor da vida e glória nos seus sofrimentos; se uma
lágrima escorrendo às vezes destila do olho
chorando; se houver alguma sensação de
quebrantamento em relação ao sofrimento, do cordeiro sangrante de Deus – tão logo tenha o
Espírito traçado a escrita em nosso coração,
uma onda de corrupção vem sobre as marcas de
seus dedos graciosos, de modo que mal podemos ler a impressão que seu toque deixou.
"O bem que queremos não fazemos."
7. Para viver em todos os aspectos agradáveis ao evangelho; de modo que, quando injuriado, não
devolver a injúria sofrida; quando ferido em uma face, oferecer a outra; viver uma vida de
comunhão com Deus, de separação do mundo,
morrer para as coisas do tempo e do sentido, de
olhar e viver verdadeiramente para o Senhor da vida e da glória, de modo a viver uma vida de fé
e de oração operada pelo poder do Espírito no
coração - isto é uma coisa boa; gostaríamos de
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fazê-lo; gostaríamos de senti-lo; nós desejamos
que isto fosse realizado em nossa vida e
conversa. Mas, infelizmente! Disso também
devemos dizer: "O bem que quero não faço".
8. Que nossas palavras pudessem ser tais que fossem consistentes com nossa profissão; que
nossas ações não devessem ser tais que os inimigos do evangelho, e até mesmo os amigos
do evangelho, pudessem justamente apontar
como impróprias – isto é um bem que às vezes
desejamos; especialmente quando temos sido perfurados pela picada de culpa, ou quando
tivemos algumas visões do Senhor da vida e da
glória, e tínhamos alguns ardores de coração
para que pudéssemos conhecê-lo, e o poder de sua ressurreição. "Mas o bem que queremos não
fazemos." Ego, orgulho, vanglória, pecado,
corrupção em várias formas, se entrelaçam com
cada pensamento, falam em cada palavra e correm como em um fluxo através de cada ação.
Comparei às vezes o pecado ao fio que marca a corda dos navios em serviço de Sua Majestade.
Cada corda e cada vela tem um fio vermelho correndo através dele; você pode cortar a corda
ou cortar a vela em mil partes, ainda há o fio
vermelho para servir como uma marca para
detectá-lo caso seja saqueado. Assim é espiritualmente. Corte seu coração em pedaços,
rasgue-o em fios, mutilando-o em mil
fragmentos - o fio do pecado permanece
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entrelaçando-se e misturando-se com cada
pensamento, cada desejo e cada imaginação. Lá
está; você pode cortar o coração em pedaços,
mas você não pode colocar esse fio para fora.
Agora é isso que torna o povo do Senhor um povo tão sobrecarregado; que os torna tão
oprimidos em suas almas que clamam diariamente, e às vezes de hora em hora, que são
o que são; que eles seriam espirituais, ainda que
carnais; que eles seriam santos, mas são ímpios;
que eles creem no Senhor, mas muitas vezes são incapazes de levantar qualquer fé em seu nome;
que teriam comunhão doce com Jesus
ressuscitado, e ainda assim teriam tal união
sensual com as coisas do tempo e do sentido; que eles seriam cristãos em todas as partes, em
palavras, pensamentos e ações, mas, apesar de
tudo, sentem sua mente carnal, sua miserável
depravação entrelaçando, jorrando, contaminando com seu fluxo poluído tudo no
exterior e interior, de modo a fazê-los suspirar,
gemer, e chorar sendo sobrecarregados. "Que
homem miserável eu sou, quem me livrará deste corpo de morte?" (Romanos 7:24)
II. "Mas o mal que eu não quero, esse faço." Mas há outra parte nessa imagem. Podemos virá-la, e
olhar para o outro lado do quadro. "O mal que eu não quero, esse eu faço." Pode ser esta a
experiência de um cristão? Isso pode ser um
filho de Deus? O Espírito Santo pode habitar em
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tal coração? Isso está sendo conformado à
imagem de Cristo? É este ser um peregrino
viajando pelo deserto? Esta é uma ovelha do
rebanho de Cristo? É este um membro do corpo de Cristo? Esta é a Esposa do santo Cordeiro de
Deus? Bem, os homens podem dizer que o
Apóstolo não descreveu sua própria experiência, se eles não sentiam nada do
mesmo tipo em suas próprias almas. Se eles
nunca gemiam, como Paulo, estando
sobrecarregados, não me admiro que eles digam que "esta foi a sua experiência antes de se
converter".
Certamente, tal descrição como esta - "O bem que eu quero, eu não faço, e o mal que não
quero, esse eu faço" – “certamente essas palavras não são as palavras de um cristão, de
um Apóstolo, de quem esteve no terceiro céu,
que conheceu a Jesus, e o poder de sua
ressurreição, seguramente esta devia ter sido a inclinação de sua mente antes de ser vivificado
pela graça divina." Assim argumenta o livre-
arbítrio e a santidade da carne no coração de um
fariseu. Mas, que misericórdia é para você e para mim, que conhecemos a praga do nosso
coração, que suspira e geme cotidianamente
sendo carregado por um corpo de pecado e
morte, e às vezes nos sentimos como o mais sujo dos sujos, o mais vil dos vis e culpado dos
culpados - que misericórdia é para esses pobres
vermes contaminados, tais répteis rastejantes,
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tais pecadores autocondenados, descobrirem
que o Apóstolo Paulo tinha esse conflito no seu
seio e foi comissionado pelo Pai das Luzes para
escrevê-lo, para que você e eu possamos sugar neste peito de consolação, tendo-o aberto na
experiência da nossa alma.
"O mal que eu não quero, esse eu faço." Se você observar, a vontade é alistada do lado de Deus; e
esta é a diferença entre um morto no pecado, e
aquele que tem a vida de Deus em sua alma. "O
teu povo estará disposto no dia do teu poder". Um povo disposto! A vontade para o bem, a
vontade para com Deus, a vontade para com as
coisas que Deus ama; e tudo o que pode
acontecer a um filho de Deus, porém o pecado habita nele, essa vontade permanece inalterada.
Se for levado ao pecado, é atraído contra a sua
vontade. Se ele não faz o que ele deseja fazer,
ainda assim sua vontade é fazê-lo; sua vontade permanece inalterada. Ele pode cair no pântano
mais profundo do pecado; mas ainda a vontade
de sua nova natureza é Deus, embora ele possa
ser mergulhado na lama.
Vamos, então, como tentamos descrever "o bem que faríamos, e não o faremos", agora inverta-o
e olhe para o outro lado, "o mal que nós não faríamos, e que fazemos".
1. Estar continuamente descrente e duvidar da verdade da palavra de Deus, e da obra da graça
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sobre a alma; para ficar cheio de infidelidade e
incredulidade - isso não é um mal? Não é isto
como algum mal quase contínuo? Não é sentido
como uma lepra, uma mancha de praga no coração de muitos da família vivificada de Deus?
Agora, por nossa vontade não faríamos isso.
Aqui está a diferença entre o piedoso e o ímpio; o verdadeiro infiel, e o filho de Deus que carrega
a infidelidade em seu seio. O incrédulo real
gosta de descrer; ele não tem vontade de
acreditar na verdade. O ímpio duvida e adora duvidar; ele nunca quer conhecer a verdade; ele
nunca quer se livrar de suas blasfêmias, mas
sim busca coisas para confirmá-las; qualquer
argumento, qualquer livro, qualquer pessoa que fortaleça sua infidelidade e confirme sua
incredulidade, mas ele não tem nenhum desejo
para vencê-lo, destruí-lo e removê-lo.
Agora, o filho de Deus tem um conflito de infidelidade trabalhando em sua mente. Ele sente a incredulidade e a infidelidade lutando
em seu coração; mas busca as coisas para
fortalecê-las ou superá-las? Ele procura
argumentos para confirmar sua fé, ou suas suspeitas e descrenças? Esta é a diferença entre
um incrédulo morto e (devo usar a expressão?)
Um incrédulo vivo. Ter um princípio em sua
carne que se apega à incredulidade é um mal, e é considerado um mal. Os filhos de Deus não se
gloriam e se regozijam de suas corrupções; eles
não alimentam a sua incredulidade, ou a
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acariciam como um bebê nos braços de sua
mãe; eles não se orgulham disto, e pensam que
a incredulidade é maior quanto cristãos mais
amadurecidos eles sejam. O que é atribuído a eles por seus inimigos é uma calúnia, pois é a
sua tristeza e sua angústia tal condição; tire esse
corpo de morte deles e você conferiria a eles uma bênção.
2. Ser de mente carnal, e incapaz de levantar nossas afeições para as coisas celestiais, mas,
pelo contrário, ir rastejando aqui embaixo, enterrado sob um monte de estrume de
carnalidade e sujeira, é um "mal".
Os filhos de Deus sabem por experiência dolorosa que ser carnal é a morte; que isto traz trevas em suas mentes, esterilidade em suas
almas, dureza em sua consciência, dor em seus
corações. Mas, eles são carnais de espírito,
apesar de todos os seus desejos de serem espirituais. Eles sentem a carnalidade como um
mal que lhes aflige diariamente. Compare os
momentos em que estamos espiritualmente
ocupados com os momentos em que somos carnais; pese-os em uma balança; quantos são os
momentos durante o dia em que somos carnais?
Como cada inclinação da natureza; como tudo
sobre nós; cada visão que temos; cada som que ouvimos; cada objeto que tocamos; o mundo
inteiro com o qual estamos cercados; como
todos alimentam nossas mentes carnais! Eu não
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posso ir para a rua, sem alimentar a minha
mente carnal; eu mal consigo ouvir um som,
sem alimentar minha mente carnal; eu mal
consigo abrir meus olhos, sem alimentar minha mente carnal; não posso entrar numa loja, nem
pegar um livro, não posso falar, ou ouvir os
outros falarem, sem que mais ou menos alimente minha mente carnal. E, no entanto,
estou continuamente atormentado, aflito e
perturbado por isto. "O mal que não quero, esse
faço."
3. Que devemos buscar a exaltação do ego é um mal, um mal amargo, conhecido por ser assim
para o povo de Deus. Em nossas mentes
corretas, pisaríamos o ego sob os pés; teríamos Cristo exaltado em nossos próprios corações;
não faríamos coisas religiosas para agradar a
nós mesmos; eu, como um pregador, para
exaltar a mim mesmo; você como um ouvinte, para gratificar a si mesmo. Acima de tudo, que
um ministro nas mesmas coisas que são ditas
serem para a glória de Deus, deve fazer essas
mesmas coisas para a glória de si mesmo; que este insaciável redemoinho deveria sugar tudo
de bom; que este redemoinho deveria engolir
em sua gargalhada tudo que é gracioso; que este
vórtice no fundo do coração deveria estar bebendo em autoexaltação, em detrimento de
tudo o que ele ama - faz uso de um Deus santo,
de um Cristo santo, de uma santa Bíblia - tudo o
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que é divino e sagrado para alimentar o maldito
ego – isto não é um mal?
Às vezes, quando tenho pregado a uma grande congregação, como costumo fazer em Londres,
longe de ser levado em meus sentimentos ao ver tantas pessoas reunidas, tive que enterrar a
cabeça na almofada do púlpito com vergonha e
aborrecendo a mim mesmo, porque o eu egoísta tão intruso apresentou sua cabeça amaldiçoada,
e eu não poderia ser sincero e espiritual - não
poderia sentir um desejo real pela glória de
Deus - mas o sujo e contaminado ego queria ter sua porção. Este miserável deve ter sua parte, e
muitas vezes se apossa das verdades sagradas de
Deus, buscando um bocado para satisfazer a si
mesmo, o diabo e o orgulho. E quando voltei para casa depois de pregar, em vez de ficar
satisfeito com a popularidade, rompi num
dilúvio de lágrimas, porque meu coração era tão
vil, que procurava sua própria graça amaldiçoada em detrimento de tudo o que
minha mente espiritual considerava sagrado e
querido. Essa autoexaltação e gratificação na
religião é um mal que não faríamos; e no entanto é um que se intromete diariamente.
Corte isto em pedaços por um ministério
espiritual – o ego vai invadir sua cabeça odiosa
no próprio santuário de Deus. Não há lugar, nem tempo, nem postura livre de sua intrusão. Mas é
uma misericórdia odiá-lo, embora não
possamos mantê-lo fora.
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4. A indulgência para com o pecado em nosso coração carnal é um mal, um mal horrível - e, no
entanto, quem se atreve a encarar Deus na face
e dizer que é um mal que nunca praticou? Não estou aqui aludindo à prática externa do mal.
Não estou falando agora de um homem que cai
na embriaguez, no adultério ou em pecados que até os olhos naturalmente iluminados
consideram inconsistentes com a vontade e a
palavra de Deus; mas falo de um homem que
deseja e se deleita no pecado imaginário interior. Quem pode dizer que ele é puro aqui?
Quem pode dizer que ele purificou seu coração
desses males? É um mal; sentimos que é um
mal, a chafurdar em uma imaginação perversa, para alimentar-se do lixo mais vil. Mas, houve
algum pecado que não tivesse uma
contrapartida em nosso coração carnal? Vemos
o carvalho, o carvalho nobre na floresta. Esse carvalho não veio de uma bolota (semente)?
Quantas bolotas de pecado temos em nosso
coração carnal, que se tornaram carvalhos, se é
permitido chegarem à maturidade? A bolota está no coração, e se tivesse sido permitido a ela
crescer, logo teria surgido, expandido seus
braços, e florescido no alto em todas as suas
formas gigantescas.
5. Falta de amor e afeição ao povo de Deus, apontando suas falhas, vendo suas imperfeições
e magnificando-as, e não observando as nossas
próprias - esquecendo a trave em nosso próprio
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olho, e olhando para o cisco no dos outros - não
é isto um mal? Que conflito brota disso? Que
confusão na igreja de Deus? Cada homem vendo
tão claramente os ciscos nos olhos de outros homens, mas tão imperfeitamente olhando a
trave no seu próprio.
6. Como é difícil em todos os momentos e em todos os lugares falar a verdade! Como é difícil
representar uma coisa exatamente como ela é!
Como é difícil não dar uma sombra de cor; não
aumentar, nem diminuir, nem aparar um canto aqui, nem colocar uma proeminência acolá!
Quão difícil é falar com aquela simplicidade,
honestidade, retidão e ternura de consciência
que nos tornam filhos de Deus; e quantas vezes temos que lamentar, que com todos os nossos
desejos de falar a verdade por amor dela, "o mal
que não queremos, esse fazemos."
Agora, aqui está a diferença entre uma alma viva sob o ensino divino, e uma totalmente morta no
pecado - que a alma vivente sabe o que é bom
como revelado na Palavra de Deus; seu
entendimento é iluminado para percebê-lo; sua consciência é tocada para senti-lo; sua vontade
está inclinada a persegui-lo; e suas afeições
fluem para isto. Este é o estado e a condição de
um homem sob ensinamento divino - ele o faria, mas não pode fazê-lo. Há um obstáculo, há
aquilo que cruza todos os esforços, que faz fugir
cada tentativa, que espalha armadilhas no
26
caminho, enlaça os pés e o joga para baixo, por
mais ansioso que esteja inclinado para correr
com paciência a corrida que lhe está proposta.
Ele não estaria enredado nessas armadilhas por dez mil mundos; ele odeia os males de seu
coração e lamenta as corrupções de sua
natureza. Eles fazem cair a lágrima de seus olhos, e o soluço escapar de seu peito; fazem
dele um homem miserável, e o enchem dia após
dia de tristeza, amargura e angústia; ainda assim
ele faz, e não pode mais abster-se de fazer o mal que ele não faria, do que ele pode fazer o bem
que ele faria.
Agora, marque isto - não estou falando aqui de um homem que vive no pecado; não estou
falando de um homem caído em profunda e aberta iniquidade; tal como traz desgraça sobre
a causa e aflige durante sua vida a sua própria
alma; mas estou falando do funcionamento
interior dos males interiores. "O coração é enganoso acima de todas as coisas, e
desesperadamente perverso." Ora, estas coisas
estão ocultas aos olhos dos outros, embora
estejam acontecendo diariamente nas câmaras do nosso próprio coração. Os homens podem
olhar para nós; e eles podem ver, ou não podem
ver, que há um conflito. Eles podem ver pouco
em nossa vida para encontrar falha; contudo todo o tempo o sofrimento interior e a tristeza
de nossa alma serão, o bem que quero, não faço,
e o mal que não quero, esse faço.
27
Agora, você não acha que isso acontece assim? Basta olhar para estes dois pontos. Você tem o
seu entendimento sendo iluminado para ver o
que é bom, e você acredita que a vontade de Deus revelada na Palavra é a única regra do
bem? Você já viu uma beleza e glória no que é do
bem? Você tem visto que este bem é a coisa que toda alma vivente deseja seguir, embora
cortando a carne, embora contrário ao ego,
embora opondo-se à tendência natural de nossa
mente? Será que sua vontade abraçará isto? A sua consciência cairá sob o poder disto? Será
que os seus afetos, algumas vezes, fluirão para
isto, e se estabelecerão sobre isto? Se assim for,
Deus lhe tem renovado no espírito de sua mente (Ef 4.23).
Por natureza, não podemos ver o que é bom, não podemos sentir o que é bom, não podemos
escolher o que é bom, não podemos amar o que
é bom. Que possamos ter o que é bom de nós mesmos – algum padrão próprio – alguma
moralidade própria aprovada por Deus – a nossa
própria virtude moral ou nossa própria religião,
que esteja conformada com a sua verdade divina. Mas, aquilo que é celeste, espiritual,
santo e divino – assim como a mente renovada,
que a vontade renovada abraça, e uma
consciência renovada aprova, as afeições renovadas abraçam - ninguém, senão as almas
que vivem podem ter isto, e sentir o deleite que
disto provém.
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Por outro lado, ninguém, senão uma alma vivificada, sob o ensino divino, pode ver o que é
o mal, e chorar e suspirar sob a depravação, a
corrupção, a incredulidade, a carnalidade, a maldade e a sedução do seu coração maligno
desnudado. Os homens não regenerados
poderão ver o princípio do trabalho do mal no coração dos outros. Homens como Lord
Chesterfield, e outros, que têm estudado a
humanidade, podem ver o funcionamento do
egoísmo e - outros males no coração, e mesmo assim nunca se lamentar, gemer e chorar
debaixo deles.
Homens de observação aguçada podem ver o que é o bem natural, e o que é o mal natural; e podem dizer à distância, o que é um bom
homem e o que é um homem mau - quão
honorável e reto aquele homem é, e quão mau e
depravado é este. Mas, quanto a qualquer íntima convicção interior, sentimento e sensação de
pecado, qualquer luto e gemido sob isto,
qualquer senso de um conflito interno e pesado
fardo, de modo a levá-lo a dizer no fundo de sua alma "Oh que homem miserável eu sou" – para
expor assim a amargura de um coração ferido,
só pode ser produzido por ensinamento divino.
Um homem pode subir ao mais alto pináculo da profissão religiosa, e ainda assim nunca
conhecer o próprio mal do seu coração. Um
homem pode deleitar-se com os pecados mais
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vis, e ainda assim nada saber da corrupção
interior da natureza humana.
Mas, no filho de Deus, há estes princípios - luz para ver, e vida para sentir o bem e o mal, a
vontade de escolher o bem e rejeitar o mal, uma
vontade de escolher o bem e rejeitar o mal, e afetos que fluem para abraçar aquilo que Deus
ama e comanda. Portanto, este conflito interior,
este agravo dolorido, esta carga interna, que
todos na família de Deus estão aflitos com ela, é uma marca e a prova que a vida e graça de Deus
estão em seu seio. Isso vai acabar bem. Os aflitos,
contritos e sobrecarregados filhos de Deus
serão mais do que vencedores, porque o poder se aperfeiçoa na sua fraqueza. Ele está olhando
para o Senhor da vida e glória. Ele sabe que é um
pecador arruinado. Portanto, ele olha e se
inclina sobre o Senhor Jesus Cristo.
Mas, um professante cristão morto negligencia as advertências de uma consciência culpada, os
movimentos de um coração mau, o funcionamento da depravação interior, e todo o
mistério da iniquidade interno. Mas, um dia
será lançado fora para sua confusão. Ele é algo
como uma pessoa que varre toda a sujeira da sala para o canto, onde se encontra oculta e
encoberta; mas, aos poucos isto será arrastado
para fora do esconderijo, para a sua vergonha.
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Enquanto o hipócrita pode manter o exterior limpo, ele é como quem varre toda a sujeira e
lixo da sala para um quarto, em vez de varrê-lo
para a rua, e assim manter a casa arrumada.
Mas, o Senhor virá e procurará Jerusalém com lanternas, e descobrirá o orgulho e hipocrisia, e
depravação que estão escondidos nos cantos do coração. Aqueles, que nunca têm visto e
conhecido esta corrupção interior – que nunca
se entristecem, gemem, lamentam e choram
por causa deste corpo de pecado e de morte- que têm negligenciado, menosprezado e esquecido
tudo isto - que nunca sentiu a necessidade de
uma implementação do sangue expiatório - que
nunca sentiu a necessidade do ensino interior e do testemunho do Espírito Santo, nem a
realidade da presença interior de Deus, estão
descendo nessa cova, e limpando-a - mas estão
lavando meramente o copo da profissão religiosa no seu exterior - eles não são um mero
sepulcro caiado, que está no seu interior cheio
de ossos de homens mortos e impurezas?
Mas, uma alma que vive, que sabe que é um infeliz, um monstro de depravação, tão cheio de
tudo o que Deus odeia, mas que não deseja
entrar em hipocrisia, ter nenhuma profissão
caiada, nenhum envernizamento de duplicidade, que busca ser honesto e sincero,
que vem diante de Deus, e lhe diz aquilo que ele
é, e diz: "Senhor, eu sou vil – e coloco a minha
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boca no pó, eu sou um pecador, purifica-me, e
me ajude, limpa-me, e faça de mim o que o
Senhor quiser.” Ninguém, senão um filho de
Deus pode usar sinceramente tal linguagem como esta; ninguém senão aquele que pode
sentir a lepra do pecado, e a ação da iniquidade
em seus próprios órgãos vitais, e ainda experimentar as operações do Espírito de Deus.
Assim, enquanto um vive e morre como um hipócrita envernizado, com nada senão uma
profissão externa, o ano de lucro nada fora ocupação, o outro, um pobre coitado
desanimado, talvez com a maior parte de seus
dias vivendo duvidando, temendo, angustiado, e
gemendo, suspirando, olhando para cima para, pedir e lutar com o Senhor do mais profundo do
seu coração, será tomado como Lázaro, no seio
de Jesus enquanto aquele que se vestia de
púrpura e linho fino, e se regalava esplendidamente todos os dias, desprezando o
pobre mendigo leproso no seu portão, será
conduzido em última análise para uma perdição
merecida e interminável.
Desejo deixá-los com estas palavras. Raramente sou levado a começar com introdução e,
também raramente, acabar com sermões de
despedida. Portanto, como eu comecei sem introdução, assim eu termino sem uma
despedida. Mas, eu sei isto, que as palavras que
eu tenho dito vão produzir bastante bem todos
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os dias que vivermos. Teremos, mais ou menos,
desse conflito interno, contanto que estamos na
carne. Será nossa experiência, mais ou menos,
de dia para dia. E quanto mais estamos familiarizados com a nossa própria depravação
e corrupção mais devemos desejar, na
simplicidade e sinceridade de Deus, conhecer o Senhor da vida e glória. E assim, iremos viver
tranquilamente todos os dias da nossa vida, na
amargura da nossa alma; embora ainda sejamos
habilitados para alegrar-nos, por vezes, no Senhor Jesus Cristo, a quem "Deus fez para nós
sabedoria, justiça, santificação e redenção."
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O Contentamento do Amor
Título original: The contentment of love
Extaído de: Christian Love,or the Influence of
Religion upon Temper
Por John Angell James (1785-1859)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
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"O amor não é invejoso."
A inveja é aquela paixão que nos faz sentir
intranquilidade na visão das posses ou
felicidade de outro - e que nos faz desagradá-lo por isso. De todas as paixões baixas, esta é a mais
vil. Trata-se de uma malignidade não mesclada,
a pior e mais amarga confusão da depravação
humana - a mais direta contradição do amor.
A inveja é geral ou especial em seus objetos. A
inveja "geral" muitas vezes existe na mente a tal
ponto que seus súditos parecem quase instintivamente opostos à excelência e à
felicidade, onde quer que as vejam, ou onde
quer que as ouçam. Eles não podem considerar
os indivíduos em quem seu olhar invejoso é fixado à luz dos concorrentes ou rivais; eles
podem não ter nada a esperar de seu
rebaixamento - nada a temer de sua elevação;
mas é suficiente para despertar o seu desconforto e antipatia para saber que eles são
em alguns aspectos superiores. Eles não podem
suportar ver a excelência ou a felicidade em
ninguém, ou mesmo ouvir a linguagem de louvor ou elogio. Eles iriam mendigar o
universo para enriquecer-se e monopolizar
todas as posses e toda a admiração; eles
estariam sozinhos no mundo, como os únicos ocupantes de tudo que é valioso, e não podem
suportar nem um superior nem um igual. Isto,
deve-se admitir, é uma altura à qual a inveja
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raramente atinge, em comparação com suas
operações mais especiais e limitadas.
Seria apropriado, antes de delinear longamente
os traços malignos e a deformidade geral desta horrenda paixão, declarar os motivos mais
prevalecentes e as ocasiões de seu exercício. E é
uma prova notável de sua natureza maligna, que raramente é concedida em referência à
santidade ou à virtude. Quase nunca acontece
que alguém é invejado por excelência moral
superior, como tal - muitos são odiados por sua virtude; mas a inveja, enquanto inclui o ódio,
combina com ele um desejo de possuir a coisa
que ocasiona a inquietação. Pode, de fato,
cobiçar indiretamente a virtude de outro - mas isso é apenas por causa da estima, da influência
ou do deleite que ela obtém, e não por causa da
própria virtude; portanto, Satanás, depois de sua
queda, é representado por nosso grande poeta como invejando nossos primeiros pais, não por
causa de sua perfeita retidão - mas de sua
felicidade e de sua herança e honras perdidas.
Essa horrível disposição de inveja é demasiado satânica, demasiado infernal, muito distante de
toda retidão moral, para perceber as belezas da
santidade, ou cobiçá-las por sua própria conta.
O objeto final e o verdadeiro motivo da inveja me parecem ser felicidade ou admiração pública - e
todas as outras coisas são consideradas como
acessórias a estes. Basta que alguém seja mais
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feliz ou mais geralmente notado e estimado
pelos outros - e ele certamente será considerado
com inveja.
E quais são as coisas que em geral adquirem
para seus possuidores prazer ou aplauso, e que são, portanto, ocasiões de inveja?
1. REALIZAÇÕES - tais como gênio, aprendizado, eloquência, ciência, coragem, habilidade - ou
qualquer uma dessas artes que atraem a atenção do mundo.
2. BELEZA física. Quantas vezes a beleza da forma ou das feições - um dom que, em valor,
deve ser classificado como inferior a qualquer
outro que a mão do Criador nos concedeu - foi visto com olhos rancorosos e por alguns
concorrentes menos adornados para admiração
- convertido em uma ocasião de ódio e
inquietação.
3. Superioridade em POSIÇÃO e FORTUNA é uma ocasião muito comum para este vício
detestável da inveja. Daí a má vontade que os
pobres muitas vezes têm para com os ricos,
como absorvendo para si todos os confortos da vida. Daí o mau-olhado com que as pessoas de
nível inferior escrutinam aqueles que estão
acima deles em posição.
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4. SUCESSO superior na busca de objetos mundanos de qualquer tipo causa inquietação e
antipatia por rivais menos afortunados. Que um
cientista seja mais bem sucedido na carreira em descoberta científica - ou um estudioso na da
literatura - ou um guerreiro no campo da glória
- ou um comerciante na acumulação de riqueza - ou um mecânico nos trabalhos da indústria - e
não faltarão aqueles que cobiçam suas
recompensas - e que se desagradam delas por
causa de mais felizes fortunas.
Mas, enquanto estes são os fundamentos gerais da inveja, existem alguns objetos especiais aos quais é comumente dirigida, como por exemplo
os seguintes.
Pessoas que estão quase em nosso próprio nível. Indivíduos que estão muito acima de nós, ou
muito abaixo de nós - não são tão propensos a
excitar inquietação ou antipatia como aqueles que são de nossa própria posição na sociedade.
O comerciante não tem inveja do nobre, mas de
algum outro comerciante; os louros e a fama do
herói não são invejados pelo soldado comum - mas por algum oficial de seu próprio escalão.
Aqueles que, embora muito acima de nós, ocupem uma posição da qual fomos derrubados,
são susceptíveis de serem considerados por nós
com um mau olho, e atrairem a nossa aversão.
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Aqueles que obtiveram uma honra, um lugar, ou uma estima pela qual nós uma vez aspiramos,
são quase certamente invejados por nós; e
também qualquer rival em particular, que mais do que todos os outros nos eclipse, ou seja
susceptível de fazê-lo.
Pode não ser errado especificar aqui, aqueles que estão mais em perigo de cometer o pecado
da inveja -
1. O entristecido. A tristeza é egoísta - ela
concentra as afeições em nossos próprios interesses. Isto pode nos ensinar a simpatizar
com os sofrimentos dos outros - mas que outros
sofram é algo como uma consolação para os que
sofrem e aqueles que simpatizariam com os outros em suas tristezas e chorariam com os que
choram, desprezam o maior dever de se alegrar
com os que se alegram. A tristeza não pode simpatizar com a felicidade - e, por conseguinte,
o céu não pode admitir a tristeza - pois a inveja
entraria com ela. A felicidade não será somente
o fruto de santidade em outro mundo - mas a perfeição dele, desde que isto é o assento nativo
somente no qual a alma atinge o pleno
desenvolvimento de seus afetos, de modo a
tomar parte, sem uma fibra agitada, na harmonia universal.
Que os infelizes estejam em grande guarda, pois eles estão eminentemente em perigo de invejar
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aqueles a quem a Providência concedeu um
bem mais feliz do que a si mesmos.
2. As pessoas que descem na vida, e o sofrimento
sob aqueles dolorosos revezes que os rebaixaram da afluência e da publicidade
comparativas, à obscuridade e à pobreza, estão
expostos à tentação de olhar com má vontade e aflição para os prósperos e felizes. O infortúnio,
onde não é santificado pela graça de Deus, é
muito propício para produzir uma disposição
ciumenta, e para gerar inveja no seio dos infortunados. É mesmo difícil, à medida que nos
afundamos na sombra, ver a elevação de
indivíduos mais favorecidos que se elevam ao
sol. Uma pessoa invejosa terá sentimentos de ciúme e antipatia em relação àqueles que estão
tendo sucesso.
3. Os candidatos à fama e aos aplausos populares estão mais frequentemente do que todos os outros - sujeitos a essa paixão da inveja! Pudesse
ser retirado o véu que esconde o coração,
quanto dessa operação de depravação humana
seria detectado! Quanto ódio, inveja, malícia e falta de caridade, algumas vezes se encontram
no escritor. A inveja é também o pecado do
orador. A vaidade, ou a sede por aplausos, é a
mais invejosa das paixões - a avareza em si não é exceção. A razão disto é clara. A propriedade é
uma espécie de bem, que pode ser mais
facilmente alcançada.
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A parte do tempo e da atenção que a humanidade está disposta a dispensar a suas
pretensões e prazeres, para se dedicar à
"admiração mútua", é tão pequena, que todo candidato vencedor é considerado como tendo
prejudicado o hábito comum. O sucesso de um é
o desapontamento das multidões, pois embora existam muitos ricos, muitos virtuosos, muitos
sábios - a fama deve necessariamente ser a
porção de poucos, e por isso todo homem vão,
considerando seu competidor como seu rival, é fortemente tentado a se alegrar em seu
infortúnio, e a invejar o seu sucesso.
4. Os prósperos, aqueles que ganharam muito, ou quase tudo o que procuram, são capazes de
sentir uma má vontade peculiar por qualquer
um que possa estar acima deles . Um homem
que nos mantém na mais alta posição, no principal lugar, é mais provável que seja odiado,
do que todos os outros que realmente nos
feriram! Quão insaciável é a inveja - esse desejo
maligno - como se aplica a procurar por mais, em todas as coisas.
A natureza humana nunca está satisfeita com o bem terreno. Creio que muitos dos que são inconcebivelmente mais miseráveis, e mais
cheios de ódio, estão entre aqueles têm vastas
posses - do que outros que quase nada têm.
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Por outro lado, não há qualquer tipo de superioridade, por mais baixa que seja sua
natureza ou obscurecida sua situação, que não
seja suficiente para provocar a má vontade e o ódio de algum espectador inferior ou
decepcionado. Crianças e adultos, assim como
filósofos, guerreiros e príncipes, estão sujeitos à sua influência. Como a aranha venenosa, a
inveja tece sua teia, e dirige seu olhar mortal,
nas casas da pobreza, nas mansões da riqueza e
nos salões da ciência. A inveja é a epidemia da raça humana, a operação mais comum da
depravação humana. O apóstolo parece
considerá-la como uma descrição geral da
natureza humana, enquanto não renovada pela graça divina - "vivendo em malícia e inveja,
odiosos, e odiando uns aos outros". Todo o
mundo gentio, antes da vinda de Cristo, é
descrito como tendo sido "cheio de inveja". A inveja ocupa um lugar alto entre as obras da
carne; e nas igrejas dos crentes, não havia
nenhum mal de que a proibição fosse mais
frequente ou mais seriamente recomendada do que isso - e o apóstolo Tiago nos diz, que ainda é
parcialmente inerente a cada homem - "o
espírito que opera em nós desejos de inveja".
Esta disposição execrável muitas vezes existe, onde, através do engano do coração humano, não é de todo suspeita! Às vezes é sentida em
referência a um indivíduo que temos sido
acostumados a considerar um inferior, e digno
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apenas do nosso desprezo. Mas, esse mesmo
desprezo é muitas vezes uma operação de inveja
- o nosso olho descobriu, quase sem estarmos
conscientes do fato, alguma superioridade imaginada ou real, e para escondê-la, decidimos
tratá-lo como sendo merecedor de nosso
desprezo. O nosso riso zombeteiro destina-se a esconder a paixão que se esconde no nosso seio
e para depreciar ou destruir na nossa própria
estima e na dos outros, a excelência ou
felicidade que a produz. A inveja, como o diabo, seu pai, tem um riso, bem como um carranca
sob seu comando!
A inveja é frequentemente encontrada em pessoas que são em geral consideradas muito
amigáveis, e realmente são assim, na maioria das coisas. Mesmo as pessoas de caracteres
opostos tais como Caim, Saul e Acabe – mas
pessoas que não têm apenas muita suavidade na
fala - mas muita bondade de disposição – não estão livres do funcionamento desta disposição
em segredo e são por vezes culpados de tais
exposições da mesma, que recai como uma
sombra escura em cima de suas muitas e distintas virtudes. Sim, lamentamos dizer,
tomar emprestado o verdadeiro e justo
sarcasmo de um escritor já citado, "um vício
muito respeitável e ortodoxo, um pecado regular da igreja, que muitas vezes se veste
como virtude e fala como ela. Tem um grande
zelo pela religião, um senso de justiça pública, e
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fica muito chocado com as inconsistências das
boas pessoas, exulta quando um hipócrita é
desmascarado e diz: "Sempre suspeitei dele!" É
também muito benevolente, e quando a adversidade atinge um irmão, ora para que seja
o meio de promover sua humildade e outras
graças cristãs ".
Ah! Quanta inveja há mesmo - mesmo na igreja de Deus. Quanto dessa censura e destruição que
é concedida sob pretexto de lamentar as
loucuras de outros, deve ser rastreado até esta fonte maligna! Quantas vezes é uma "pequena
fraqueza" acossada e deplorada, sem outro
motivo senão o de desacreditar e depreciar
aquela excelência com a qual ela está associada - a "mancha" é apontada e ampliada, talvez com
um olhar de tristeza, e um tom de lamentação –
mas, apenas para atrair a atenção pública para o
brilho que é admirado e invejado! A inveja tem mil dispositivos para praticar contra seu objeto -
sob o véu do respeito enganoso!
Existe algum pecado para o qual mesmo os ministros do evangelho estão mais expostos do que este? Existe algum pecado que cometam
mais frequentemente? Quanta graça se requer
em qualquer homem para ver a popularidade, e
ouvir sobre a utilidade dos outros - e se ver esquecido e negligenciado - sem ser invejoso!
Talvez os indivíduos aplaudidos sejam seus
filhos mais novos em idade, e seus inferiores na
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literatura, e gosto, e ciência - e contudo quando
se encontrar imperceptível - são varridos ao
longo de seu curso com os vendavais cheios dos
aplausos populares. Quão poucos, até mesmo daqueles cujo negócio é pregar o
contentamento, a humildade e o amor, podem
dizer com sinceridade: "Estou bastante satisfeito de que a honra seja negada a mim - e repouse
sobre a cabeça dos outros; e dizer sem um
murmúrio, ele deve aumentar - mas devo
diminuir. "
Esta é, de fato, a virtude do céu - ver os outros ocupando uma esfera mais elevada do que a
nossa, mais acariciados, mais admirados e mais
seguidos - e não sentir nenhuma inquietação
em nosso próprio seio, nem qualquer coisa de má vontade para com eles. Esta virtude é
raramente encontrada na terra. Pois, pelo
contrário, que aflição e aversão são produzidas
em algumas mentes, pelos talentos e pelo sucesso dos colegas ministros, que são apenas
um pouco mais estimados que eles mesmos!
Não há artes de destruição empregadas, para
diminuir, se não sua popularidade, ainda suas reivindicações para a cobiçada palma? Sem
insinuações contra seus motivos? Não procurar
por vícios de estilo, erros de gosto, defeitos de
aprendizagem? Ó, quando a inveja, aquela filha do inferno, será expulsa da igreja de Deus?
Quando é que não mais vai rastejar no banco ou
subir no púlpito?
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Richard Baxter tem algumas observações muito
marcantes sobre este assunto. "Que jamais se
fale de ministros piedosos, que eles estão tão
presos ao aplauso popular e de se sentarem elevados na estima dos homens, que invejam as
habilidades e notoriedade de seus irmãos que
são preferidos antes deles - como se todos dependessem de seus louvores que são dados
aos outros, e como se Deus lhes tivesse dado
seus dons para serem os meros ornamentos de
seu povo, para que eles possam andar como homens de reputação no mundo! Ser um
pregador para Cristo - e ainda invejar alguém
que tem a imagem de Cristo - e amaldiçoar seus
dons para que ele deva ter a glória - e tudo porque eles parecem impedir a nossa glória?
Não é todo cristão verdadeiro um membro do
corpo, e, portanto, participa das bênçãos do
todo, e de cada membro particular? E não deve cada homem dar graças a Deus pelos dons de
seus irmãos - não só como tendo ele mesmo
uma parte neles, como o pé tem o benefício da
orientação do olho - mas também porque os seus próprios fins podem ser obtidos pelos dons
de seus irmãos, bem como pelos seus próprios?
Pois, se a glória de Deus e a felicidade da igreja
não forem seu fim, ele não é um cristão. Será que qualquer outro trabalhador é maligno
porque ele o ajuda a fazer o trabalho de seu
Mestre? No entanto, infelizmente, quão comum
é este crime hediondo de inveja, entre homens de habilidade e eminência na igreja! Eles podem
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secretamente manchar a reputação daqueles de
maior eminência do que eles mesmos. E o que
eles não podem fazer por vergonha de fazer em
termos claros e abertos, para que não sejam provados mentirosos e caluniadores palpáveis -
eles farão em insinuações maliciosas -
levantando suspeitas onde eles não podem fazer acusações. E até agora estão alguns indo neste
vício satânico, que é sua prática comum, e uma
parte considerável de seus negócios, para
manter a estima daqueles de quem não gostam, e difamar os outros da maneira mais sábia e
mais plausível! E alguns vão tão longe que não
estão dispostos a que qualquer um que é mais
viável do que eles devam entrar em seus púlpitos, para que não sejam aplaudidos acima
de si mesmos! É uma coisa terrível, que
qualquer homem que tem o menor temor de
Deus, deva invejar os dons de Deus e preferir que seus ouvintes carnais permaneçam não
convertidos e não despertados do sono - do que
o que deveria ser feito por outro, que pode ser
preferido antes deles! Sim, até agora este vício amaldiçoado prevalece, que em grandes
congregações - que precisam da ajuda de muitos
professores, dificilmente podemos conseguir
dois pastores em igualdade, vivendo juntos em amor e quietude, e unânimes para continuar o
trabalho de Deus! Mas, a não ser que um deles
fique muito abaixo do outro em habilidades e se
contente em ser menos estimado e governado pelo outro - eles estão lutando por honra
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superior - e invejando uns aos outros - e
andando com indiferença e ciúme um para com
o outro - vergonha da profissão - e o grande erro
da congregação! Tenho vergonha de pensar nisso, que quando eu tenho me esforçado com
ministros para promover uma boa obra, para
convencê-los da necessidade de mais ministros em grandes congregações, eles me dizem que
nunca concordarão juntos. Espero que a objeção
não esteja fundada quanto ao se ter mais
ministros - mas é um triste caso que tantos ministros invejem uns aos outros! Não, alguns
homens estão tão longe em orgulho, que
quando eles poderiam ter um assistente de
habilidades iguais, para promover a obra de Deus - eles preferem levar todo o fardo sobre si
mesmos - embora mais do que eles possam
suportar – do que qualquer um deva
compartilhar com eles na honra - e por medo de que eles possam diminuir a sua estima com o
povo!
Eu confesso que muitas vezes me perguntei que
este pecado de inveja, o mais hediondo, deveria ser feito tão leve e tão coerente com um santo
quadro de coração e vida - quando muitos
menores pecados são por nós mesmos
proclamados para serem tão condenáveis em nosso povo .
Irmãos, sei que esta é uma triste e dura confissão, mas que tudo isso deveria ser assim
entre nós, ministros, é mais doloroso e deve ser
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assim para nós do que para os outros. Mas,
infelizmente, há esta "inveja ministerial" é há
muito tempo aberta aos olhos do mundo - nós
nos desonramos ao idolatrar nossa própria honra - imprimimos nossa vergonha, e
pregamos a nossa vergonha, e digo isso a todos.”
(Richard Baxter, em "O Pastor Reformado". Este é um tratado que, se devidamente lido por todos
os ministros da verdadeira religião, como
deveria ser, seria um sinal de bênção para nós!)
E não são os corpos religiosos às vezes culpados deste pecado? Não tem existência no seio de
professos cristãos de diferentes denominações?
Não há inveja em dissidentes em relação à Igreja da Inglaterra - ou da Igreja da Inglaterra para os
dissidentes? Dos Batistas para os Pedobatistas -
ou destes para os Batistas? Dos Metodistas em
relação aos Congregacionalistas - e destes para os Metodistas? Por que essa disposição de
suspeitar e de se acusar mutuamente - o que é
muito comum entre todas as divisões da igreja
cristã? Se uma denominação prosperar, não são todos os demais aptos a olhar com olhos
invejosos, porque a deles é provável que seja
eclipsada ou diminuída? Não são todas as
pequenas artes da destruição mais empregadas, e cem línguas se tornaram volúveis para
paralisar o progresso, e limitar a prosperidade,
da denominação em ascensão?
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E quanto desse espírito invejoso é frequentemente visto na conduta de
congregações crescentes das mesmas
denominações! Que má vontade é muitas vezes acarinhada pelos membros da causa em
declínio, para com aqueles que estão
prosperando - e só porque eles são prósperos! Eles nunca podem ouvir o sucesso de sua igreja
irmã, sem sentir e parecer inseguros e
desagradados - como se uma lesão fosse feita a
eles; eles professam ser céticos do fato; eles sugerem que é mais para mostrar o exterior, do
que a realidade; eles não têm escrúpulos em
mencionar desvantagens nos talentos, ou talvez
inconsistências, desse ministro; detração, sim, até a calúnia é empregada contra alguns dos
membros desta igreja próspera. Tal coisa,
mesmo nas igrejas cristãs, ou melhor, na mente
de alguns de seus membros, são operações de inveja.
Sua influência também não é excluída das instituições religiosas. Não há santuário tão
sagrado, em que esta paixão diabólica da inveja
não viole - nenhum asilo consagrado à piedade ou à humanidade, em que não se intrometerá.
As Sociedades Bíblicas, as Sociedades
Missionárias, com outras instituições afins, não
estão seguras contra a entrada, operação e malícia da inveja! Sim, quanto mais elevada e
mais santa a terra - mais ambiciosa é a inveja
para ocupá-la! Nascida no céu, embora logo
50
lançado para o inferno, para o céu ela iria subir
novamente se pudesse. A inveja é um vício que,
embora não despreze o lugar mais baixo da
terra, nem despreze aquele que é mais baixo entre os homens - é ambiciosa para se
aproximar o mais possível do templo celestial -
cujas portas se abririam se pudesse - e agitaria e envenenaria a mente do segundo serafim em
glória com má vontade em relação ao primeiro,
e o faria odiar o Deus eterno, porque ele, sua
criatura, não poderia ser mais elevado que o Altíssimo!
Que um homem - ou um corpo de homens - seja notório por suas ações de amor e zelo na causa
do Senhor - que suas ações saiam para os confins do mundo, e seus louvores sejam soados
através da igreja do Deus vivo, e Satanás,
alarmado com o seu sucesso passado e com as
suas vitórias em perspectiva, logo encontrará alguns seios que ele ocupará com sua própria
arte e sua própria inveja - e da qual ele sairá com
todo o engano, e espalhafatosa oposição! E, oh,
de quantos casos nos foi dito que fazer a vontade, buscar a glória e cumprir os propósitos
do Senhor - de fato nada era senão a operação
dessa inveja - que para a sua malignidade,
acrescenta a sutileza da velha serpente!
A inveja, com toda a sua vontade e poder para fazer mal, não é apenas um engano, mas um
vício covarde! Não há nenhum ser tão elevado
51
que ela não vá atacar! Não há lugar tão
fortalecido que não assalte! Não há nenhuma
companhia tão santa em que não se esgueire!
Há ao mesmo tempo vergonha e medo de ser visto como ele realmente é.
O orgulho e a vingança, a embriaguez e a gula, e muitos outros vícios - confessam com audácia seus nomes e lugares de morada e propósitos -
não usam máscaras - não colocam nenhum
manto de disfarce - muito menos vestem-se eles
mesmos no manto da justiça, e falam a linguagem de um santo. Mas, a inveja faz tudo
isso, consciente de que é uma disposição
antinatural, inadequada à constituição humana,
e participando mais do rancor de um demônio do que do temperamento de um homem; é
universalmente odiosa, marcada pelo
consentimento comum da humanidade com
um estigma profundo e imundo - renuncia a seu nome, esconde sua natureza, faz com que seu
professante negue sua morada em seu seio e
obriga-o a chamá-la de "um senso de equidade”,
“um poder de discernimento", "uma preocupação com o bem-estar público", "um
inimigo da ostentação", e como tão longe vão
sua falsidade e impiedade, que ela professa em alguns casos ser "um zelo pela glória de Deus!"
Mas, agora, contemplemos a NATUREZA ODIOSA da inveja.
52
A inveja é um vício da maior deformidade e aborrecimento. Sentir intranquilidade na
felicidade ou excelência de outro, e não gostar
dele por isso, é um pecado que não precisa de nenhuma análise para provar sua natureza
mortal; nenhuma dissecação para expor sua
corrupção; ela apresenta de imediato, para o observador mais superficial, uma aparência
assustadora e nojenta - uma espécie de
superfície leprosa. Ela se opõe diretamente à
natureza de Deus, cujo amor se deleita em excelência e em felicidade, e cuja graça produz
ambos; e por quem este pecado deve ser
considerado com aversão infinita.
A inveja é um segredo murmurando contra as nomeações do céu - uma discussão incessante
com a Providência - uma acusação contra a
sabedoria, a equidade e a bondade da
administração divina. Como é diferente de Deus - assim é a imagem de Satanás - sendo a
disposição, unida ao orgulho, que derruba os
anjos apóstatas de seus assentos no céu, e que
enche e queima seus seios no abismo. A inveja é um espelho do estado do inferno e
incessantemente manifesta as paixões dos
demônios que desesperam por si mesmos e
invejam a felicidade dos homens e dos anjos, mas não podem se alegrar nem no bem nem no
mal que testemunham, embora procurem
impedir o bem, e promover o mal, com toda a
53
inquietação da malícia, e os dispositivos de sua
poderosa astúcia.
A inveja é um "crime de pai", e sua progênie é tão maliciosa e deformada quanto ela mesma - pois
a malícia, o ódio, a falsidade, a calúnia são sua
prole; e não raramente o assassinato - pois,
quando levada ao excesso, dificilmente há uma lesão dentro de seu alcance que não infligirá ao
seu objeto!
A inveja não pode mesmo oferecer as desculpas
para muitos vícios que traz às vezes para a frente. A ira reclama a provocação que recebeu, mas a
inveja não recebeu nenhuma ofensa, exceto o
bem-estar de outro como sendo um insulto. A
luxúria e a intemperança alegam a gratificação que seus objetos produzem, e o roubo sustenta o
seu ganho; mas a inveja não ganha senão a
miséria e converte a felicidade de que é testemunha, em absinto e fel de seu próprio
cálice, e transfere o mel do conforto de outros
homens para o veneno de áspide do seu próprio
seio! A inveja é uma fonte de eterna aflição - um instrumento de autotormento - uma podridão
nos ossos - uma ulceração ardente da alma - um
crime, que participa da culpa, e participa em
grande parte da miséria do inferno. (Jeremy Taylor)
Tal é a inveja! Mas, quem pode descrevê-la com precisão, ou fazer justiça? Se a buscarmos como
54
encarnada em caracteres vivos, vamos
encontrá-la em Caim, o primeiro assassino, que
matou seu irmão por instigação deste vício da
inveja. Vamos encontrá-la no espírito sombrio e vingativo de Saul, que, sob a influência da inveja,
conspirou durante anos para matar Davi. Achá-
la-emos no rei Acabe, quando ele cobiçou a vinha de Nabote, e derramou seu sangue para
obtê-la. Sim, foi a inveja que perpetrou aquele
crime mais atroz já planejado no inferno, ou
executado na terra, sobre o qual o sol se recusou a olhar, e em que a natureza deu sinais de
aversão pelo rasgo das rochas; refiro-me à
crucificação de Cristo - pois o evangelista nos diz
que, por inveja, os judeus entregaram nosso Senhor. (Mateus 27:18, Marcos 15:10)
Como é odioso, então, este crime; e embora não possamos estar em perigo de levá-lo ao excesso,
no entanto, devemos sempre lutar contra o seu menor grau. Os meios de oposição e
mortificação são muitos.
Meditemos muito seriamente sobre sua natureza perversa. Uma constante contemplação de sua deformidade e seu
semblante demoníaco é calculada para excitar o
desgosto e produzir horror. Muitos males, e este
entre os demais, são demasiado indulgentes, porque são muito pouco contemplados. Quanto
mais meditarmos sobre a abominação da inveja,
mais nos convenceremos de que o
55
temperamento tão mau como este sendo o
habitante do seio de um cristão - é como um
demônio que habita no templo do Senhor.
Devemos então formar uma resolução deliberada para a sua mortificação - devemos
estar preparados para suportar as maiores dores, manter os esforços mais decididos, para
que o nosso coração se afaste de uma disposição
tão odiosa.
Consideremos, a seguir, que as circunstâncias que excitam nossa inveja estão entre os arranjos
de uma Providência sábia; e que não gostar de
outro por causa de sua excelência ou felicidade, é um crime de não menor magnitude do que um
desejo de se opor e subverter as dispensações do
céu. Lembremos que, se os outros têm mais do
que nós mesmos - temos infinitamente mais do que merecemos. Uma deliberada e frequente
consideração de nossos pecados numerosos e
agravados, com a libertação de suas
consequências, juntamente com um exame de nossas misericórdias e esperanças como
cristãos, nos ajudaria muito poderosamente no
grande negócio de mortificar a inveja. Porque a
principal diferença entre homem e homem, quanto à felicidade real, reside nas distinções
espirituais; e se temos estas, a ausência de
qualquer outra coisa é de pouca importância.
56
Pode não ser errado também considerar quão comparativamente pequena é a quantidade de
felicidade derivada pelo objeto de nossa inveja,
daquelas possessões com base nas quais nos desagradamos do seu possuidor - imaginando
como em breve, poderíamos transferi-las para
nós mesmos, e elas não cessariam de nos dar qualquer gratificação forte. Nós sempre agimos
sob uma ilusão, quando nos entregamos a essa
paixão odiosa - seus objetos são vistos através de
um meio magnífico de muito poder. As circunstâncias que excitam nossa inveja têm
seus males associados - males que, embora
escondidos da observação geral, são bem
conhecidos pelo possuidor deles.
Devemos trabalhar para nos contentarmos com as coisas que temos - o contentamento é o
segredo da felicidade, quer tenhamos muito ou
pouco. O homem que faz a sua mente desfrutar o que ele tem, é tão feliz quanto aquele que é
possuidor de duas vezes mais.
Mas, ainda assim a grande coisa é esforçar-se, pela ajuda graciosa de Deus, para aumentar em AMOR. Nossa inveja diminuirá então
certamente, como a escuridão se afasta diante
da entrada da luz, ou o frio diante do poder do
calor. Amor e inveja são os opostos um do outro. O amor se deleita na felicidade dos outros. A
inveja é tornada miserável pela felicidade dos
outros. Procuremos cultivar esta disposição de
57
amor e deleitar-nos em testemunhar e difundir
a bem-aventurança. Isto é o que o Apóstolo quis
dizer, quando disse: "Alegrai-vos com os que se
alegram". Que temperamento beatificante e até sublime é o que leva seu possuidor a encontrar
consolo - mesmo em meio a suas próprias
provações, privações e dificuldades - ao contemplar as posses e os confortos dos que o
rodeiam! Que alívio teria essa virtude elevada
para o pranteador, quando pudesse transformar
sua própria órbita escurecida em direção à iluminação da prosperidade de seu próximo!
Feliz é o homem que pode assim tomar emprestado as alegrias dos outros, quando ele
tem nenhuma, ou poucas; e, a partir do deserto
de sua própria situação, desfrutar da bela cena do pátio e casa bem decorados do seu amigo.
Difícil e raro, como tal temperamento, é o
daquele do sujeito da descrição do apóstolo no
capítulo que estamos considerando, e que é dever de todo cristão cultivar. Difícil, na
verdade, é o ditado, e poucos são os que podem
suportá-lo - mas é seguramente a lição que
Cristo ensina aos discípulos, e que todos esses discípulos devem tentar aprender. Muito pode
ser feito pelo esforço. Determinemos, com a
ajuda de Deus, a adquiri-lo, façamos a tentativa
e perseveremos, apesar de muitas derrotas e muitos desânimos - e é surpreendente o que
pode ser feito. Mas, esta casta não vai sair, senão
pelo jejum e oração.
58
O amor não pode ser cultivado, nem a inveja destruída em nossos corações, senão pelo poder
do Espírito Santo. Assim como não podemos
puxar pelas raízes o carvalho de um século de crescimento, ou derrubar uma montanha por
nossa própria força, assim também não
podemos erradicar o vício da inveja de nossos corações, sem a ajuda do próprio Espírito de
Deus – essa ajuda é prometida à fervorosa e
perseverante oração - e se não a temos, a culpa é
nossa.
59
O Cristão e a Política
Título original: The Christian and POLITICS
Por John Angell James (1785-1859)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
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Ao tentar resolver a difícil questão de até que
ponto um cristão pode levar sua preocupação
ativa nos assuntos do governo civil, ou o que é
tecnicamente chamado de "política", duas coisas
devem ser levadas em conta:
Primeiro, que o governo civil e o cristianismo,
embora completamente distintos em sua
natureza e desígnio, não se opõem um ao outro.
Este último nos familiariza com nossos deveres
religiosos, ou em outras palavras, como
podemos servir a Deus aqui, e obter a salvação
eterna além do túmulo; enquanto o governo
civil, apesar de sancionado quanto ao seu
princípio geral pelo Novo Testamento, é
totalmente, quanto a seus arranjos específicos,
uma provisão de habilidade humana, para
garantir tranquilidade e liberdade, durante a
nossa continuação na vida presente. "Entre
instituições", diz o Sr. Hall, "tão diferentes em
sua natureza e objeto, está claro que nenhuma
oposição real pode subsistir, e se elas são
sempre representadas nesta luz, ou
consideradas inconsistentes uma em relação à
outra, isto deve proceder de uma ignorância de
suas respectivas funções." É manifesto, então,
que não há nada na política como tal, que seja
incompatível com a profissão mais rigorosa do
cristianismo.
61
Em segundo lugar, é importante lembrar a
natureza peculiar desse sistema de governo civil
sob o qual nossa porção é lançada, e que é de
natureza composta, incluindo uma mistura
muito grande e influência do envolvimento do
povo. O povo, assim como o Monarca e os seus
súditos, são os depositários do poder político e
têm uma participação no governo do país. Eles,
por seus representantes na Câmara dos
Comuns (equivalente ao Parlamento brasileiro),
ajudam a fazer as leis pelas quais o reino é
governado. Eles têm, portanto, um direito legal
de se envolver, e um direito, que na verdade é na
visão da Constituição, imprescindível. Seu
envolvimento, quando constitucionalmente
exercido, não é sair de sua parte, nenhuma
usurpação, nenhuma invasão dos direitos e
prerrogativas dos governantes.
As coisas eram diferentes quando as epístolas
de Paulo e de Pedro foram escritas. Havia
apenas a sombra da influência popular deixada
no governo romano, o poder tinha passado
longe do povo, e eles tinham pouca ou nenhuma
oportunidade de interferir nos assuntos do
governo, exceto no modo de insurreição e
motim, que, claramente, o cristianismo proibiu,
e ordenou aos que receberam o evangelho, uma
submissão aos poderes que estavam
constituídos. Suas injunções sobre este assunto
são estritas e explícitas, como pode ser visto
consultando Romanos 13 e 1 Pedro 2. Mas,
62
certamente, essas passagens nunca podem ser
justamente aplicadas, em um país livre, e sob
um governo que admite o envolvimento
popular, proibir o exercício dos direitos com que
o sujeito é investido pela constituição. Mesmo
admitindo que a obediência passiva e a
submissão irresistível fossem o dever dos
habitantes de um país que está sob um governo
despótico, não se pode provar que aqueles que
estão em posse legal dos direitos populares
devem renunciá-los e abandonar toda a
preocupação ativa em assuntos civis.
Por mais difícil que seja saber em que medida
seria lícito aos habitantes cristãos da Áustria ou
da Rússia se esforçarem para obter um governo
livre, tornando assim a política uma questão de
solicitude prática; não pode haver tal
dificuldade quanto ao envolvimento lícito e
legal tanto na visão do cristianismo como na
constituição, dos habitantes cristãos da Grã-
Bretanha, pois lhes pertence esse direito.
Mas, talvez se diga, a questão não é sobre o
direito do envolvimento de um inglês, pois isso
é permitido por todos, mas a conveniência de
um cristão se preocupar com essas questões.
Parece-me que, até certo ponto, os direitos
populares são deveres populares. Toda pessoa
emancipada é, por seu representante, não
apenas o sujeito da lei, mas o autor da lei; e não
é apenas seu privilégio, mas seu dever, buscar,
63
constitucionalmente, a revogação de leis ruins,
o aperfeiçoamento das defeituosas e a
elaboração de boas. Como somos assim
governados por leis, e não apenas por homens, é
de imensa consequência que leis sejam
promulgadas; e o país, ou seja, todas as gerações
presentes e futuras, têm um reivindicação
sobre cada cidadão, pois sua influência na
formulação de nosso código legislativo pode ser
tão favorável quanto pode conduzir ao bem-
estar da nação.
Não é nada para um cristão, não deveria ser
nada, que tipo de leis são feitas? A legislação
toma conhecimento de todos os interesses que
ele tem no mundo e, a menos que ele não desista
de tudo o que diz respeito aos seus direitos
individuais e sociais, aos seus confortos
domésticos e ao seu comércio, deveria prestar
alguma atenção aos assuntos do governo civil.
Ele não deixa de ser cidadão, quando se torna
cristão; nem sai do mundo, quando entra na
igreja. A religião, quando se trata de seu coração
em poder e autoridade, encontra-o como um
membro da sociedade, desfrutando de muitos
privilégios civis, e desempenhando muitos
deveres, e para os quais ele não está agora
desqualificado, nem dos quais é libertado pela
nova e maior obrigação sagrada que se
comprometeu a cumprir.
64
Se pudéssemos conceber que os assuntos civis
em geral, são demasiado terrenos para a
natureza espiritual que ele agora assumiu para
atender, há pelo menos uma visão deles de
transcendente importância para ele, mesmo
como um cristão; quero dizer sua conexão com
o grande assunto da liberdade civil e religiosa.
Agora, mesmo admitindo que a liberdade civil
seja um assunto demasiado terreno e excitante,
levando muitas vezes à arena, e desfigurando
nossa piedade demais com o pó da controvérsia
política; um assunto que nos leva muito a
partidos muito distantes da influência da
religião; o que diremos da liberdade religiosa,
uma bênção tão importante para o confortável
cumprimento dos deveres de nossa santa
vocação, e também para o lazer e oportunidade
necessários para a promulgação da religião?
Esta é uma bênção que vale infinitamente mais
para nós do que todas as nossas colônias
insulares ou continentais nas Índias Orientais
ou Ocidentais, na África ou na América. Este
depósito precioso, comprado pelo sangue do
mártir e digno até mesmo do preço que milhões
assim pagaram por ele, está em nossa guarda
sob Deus, e devemos nós não vê-lo bem? Nós
somos depositários deste benefício para todas
as gerações futuras. Mas, podemos mantê-lo na
ausência de liberdade civil? É para ser
abandonado, então por aqueles mesmos
homens que mais precisam da bênção, e são
mais dependentes dela, para o seu gozo e
65
segurança? Enquanto, portanto, um
professante cristão está sob solenes obrigações
de ser um sujeito leal, ou submeter-se ao rei, e
honrá-lo como o ramo executivo da
constituição; ele também é obrigado a ser um
membro patriótico do corpo social, dando seu
apoio prático ao ramo legislativo. Ele deve ser
obediente às leis que são feitas, mas também
deve dar sua ajuda em fazê-las. É seu dever dar o
seu voto consciente para a eleição de seus
representantes em seu próprio ramo da
legislatura; pode se juntar a seus companheiros
para pedir a reparação de queixas civis ou
eclesiásticas; e, na medida de sua influência,
suave e corretamente exercida, sem prejudicar
sua piedade e caridade, ou ferir
desnecessariamente os sentimentos e excitar as
paixões dos outros, ele pode se esforçar para
direcionar a opinião pública em favor do que é
justo e benéfico.
O exercício calmo, desapaixonado, caridoso e
consciencioso dos seus direitos políticos, sem
amargura sectária e animosidade partidária, na
medida em que não interfira com a sua própria
religião pessoal e de tal maneira que não
prejudique injustamente os sentimentos
daqueles que são opostos a você; que não o
afastem de sua família e sua loja; se de fato você
pode exercer seus direitos, isto é bastante
legítimo para você sendo um professante
cristão. Essas regras e restrições, entretanto,
66
devem ser impostas; pois, sem elas, o objeto vai
lhe fazer mal. Um cristão deve levar sua religião
em tudo, e santificar tudo o que faz por ela.
"Tudo o que ele fizer, deve fazer para a glória de
Deus." Tudo deve ser feito religiosamente, feito
de tal maneira que ninguém diga com justiça
que, "isto é contrário à sua profissão". Sua
política não deve ser uma exceção a isso. Mesmo
nesta, ele deve ser guiado pela consciência e sua
consciência pela Palavra de Deus. Ele deve olhar
bem para seus motivos, e ser capaz de apelar
para o Buscador de corações para a sua pureza.
Se a sua atenção nestes assuntos, for tal que
rebaixa seu próprio espírito devocional, e o tira
de seus deveres religiosos, ou diminui
seriamente o poder da piedade e o vigor da fé; se
enche sua imaginação, o torna inquieto e
ansioso, perturbando a calma de sua paz
religiosa e conforto, se interferir mais com seu
negócio do que é bom para sua prosperidade
terrena, ou com sua família mais do que é
consistente com suas obrigações para instruí-
los e beneficiá-los; se ferir sua caridade, e enche
seu peito de má vontade e ódio por aqueles que
diferem de suas opiniões políticas; se o leva a
associações políticas e o coloca em comitês;
fazendo-lhe parecer um líder e um campeão de
um Partido; se faz com que seus amigos
piedosos sacudam a cabeça e digam: "Gostaria
que ele não fosse tão político", podemos ter
certeza, e você também pode estar certo de que,
embora não seja fácil fixar com precisão o limite
67
que separa o certo do errado neste assunto, você
ultrapassou a linha, e está em terreno perigoso
e ilegal.
É nosso dever e interesse permanente, observar
os sinais dos tempos e as características da
época, a fim de aprender os erros particulares
aos quais, em consequência dessas coisas,
estamos mais peculiarmente expostos. Agora,
não se pode duvidar que os perigos dos
professantes na atualidade não sejam pelo fato
de serem muito pouco envolvidos na política,
mas por serem muito envolvidos na política. O
espírito partidário raramente correu tão alto, e a
disputa de facções opostas quase nunca foi mais
feroz, exceto em tempos de agitação interna, do
que é agora. Em tal período, os cristãos de todas
as denominações na religião, e todos os partidos
na política, estão no perigo de serem demasiado
envolvidos pelas perguntas absorventes, que
são os assuntos da agitação nacional. Em tal
momento, e em meio a tais circunstâncias,
todos corremos o risco de sermos arrastados
para o redemoinho, ou varridos pela torrente de
questões partidárias, e tendo nossas paixões
demasiado empenhadas na colisão de facções
opostas.
Estes assuntos políticos, ao lado do comércio,
são susceptíveis de se tornarem o grande
negócio da vida, o tema de todos os círculos, e
todos os lugares. Não poucas pessoas foram tão
68
absorvidas por eles, que negligenciaram seus
negócios e foram arruinadas para a vida, e ainda
mais, perderam sua religião em seu fervor
político, e na miséria de um estado rebelde ou
apóstata amaldiçoaram a hora em que
negligenciaram as preocupações da eternidade,
para as lutas políticas dos tempos.
Seus pensamentos e afeições estavam tão
cheios dessas coisas, que não podiam nem falar
nem pensar em outra coisa; tornaram-se
membros de clubes políticos; mergulhados no
conflito de uma eleição contestada; se tornaram
membros do comitê de um dos concorrentes; e
usaram de todos os tipos de expedientes em tais
ocasiões para garantir o retorno de seu
candidato favorito; foram encontrados em todos
os jantares ou reuniões políticas, e entre os mais
avançados e mais zelosos, em suma, a política
era o elemento em que viviam, se moviam e
tinham seu ser.
Quem pode pensar no resultado? Quem se
surpreende ao ser informado de que tais
homens se tornaram falidos e que seus credores
tiveram que pagar pelo tempo dedicado a esse
assunto sem lucro. Que religião pode viver em
tal estado de espírito como este? O jornal
suplanta a Bíblia; os discursos e escritos de
políticos têm muito mais interesse para tais
pessoas do que os sermões do pregador; e as
atrações da reunião política dominam muito do
69
serviço devocional; a conversa espiritual não é
apreciada nem encorajada, e nada é permitido,
ou, pelo menos, bem-vindo, senão somente o
que se relaciona à política! Mesmo o dia do
Senhor não está isento da profanação de tais
tópicos; se não leem os próprios jornais,
perguntam aos que o fazem, ou conversam com
aqueles que estão tão profundamente
absorvidos quanto eles próprios pelo tema. Nada
de piedade permanece senão o nome, e até
mesmo isso foi, em alguns casos, abandonado.
Tais são as rochas entre as quais muitos de todos
os partidos, na igreja, se dividiram, e eu aplico
essas observações a todos.
E se não é digno nem mesmo para um cristão
estar tão profundamente imerso na política
partidária, quanto mais para um ministro da
religião, e é impossível negar que muitas das
denominações foram tiradas de suas ocupações
sagradas, muito mais do que era apropriado, por
este tópico enervante. Estou perfeitamente
ciente de que há épocas em que a nação parece
estar na própria crise de seu destino e quando,
portanto, até mesmo o servo do Senhor, pode
sentir que seu país apela ao seu patriotismo e
pede-lhe sua ajuda, e quando ele pode mal
pensar que ele é livre para permanecer calado e
inativo, mas essas temporadas raramente
ocorrem na realidade. É muito raro, porém, que
o púlpito e a política sejam compatíveis um com
o outro, e que o ministro do evangelho
acrescente alguma coisa à sua dignidade ou
70
utilidade, pelo pó que recolhe da arena da luta
política. A arenga da reunião pública dá pouca
ênfase ao sermão, ou mal prepara aqueles que o
ouviram, para ouvir temas muito mais solenes
dos mesmos lábios no santuário.
O ministro do evangelho não deve excitar
nenhum preconceito desnecessário em
qualquer mente, o que ele certamente fará ao se
tornar um partidário político agressivo. A
maioria dos homens de todos os partidos tem
bom senso para ver que o clero está muito mais
em seu lugar junto ao leito dos moribundos, nas
cenas de ignorância, miséria e vício, com o
propósito de dispensar conhecimento,
santidade e bem-aventurança do que na
multidão e clamor, nas paixões e disputas de
uma reunião política. O tempo que é consumido
e, assim, tirado das almas comprometidas com
os seus cuidados, é, talvez, o menor mal
resultante de tais perseguições; o prejuízo mais
sério é a influência de seu exemplo sobre os
outros e a diminuição do respeito público tanto
para o cargo como para o objeto do caráter
ministerial.
Espero que, de qualquer coisa que eu tenha dito,
não possa ser deduzido ou imaginado que desejo
afastar o grande corpo de cristãos de toda a
atenção aos assuntos da nação, ou cooperação
com aqueles que estão se esforçando para lhes
dar uma direção correta. Meu objetivo, nestas
71
observações, não é neutralizar o sentimento
patriótico em absoluta indiferença, nem
paralisar esforços saudáveis e bem dirigidos
para o bem do país; mas simplesmente impedir
que o primeiro se tornasse maligno ou
excessivo, e este último degenerasse na ação
violenta do partidarismo político. A conquista do
mundo que a fé é chamada a realizar não é para
arrancar o patriotismo, essa flor fina da
humanidade, pelas raízes, mas para impedir que
ela alcance uma postura luxuriante tão
selvagem que tiraria todo o vigor do solo de
outras plantas ainda mais importantes, ou iriam
secá-las pela fria influência de sua sombra
demasiada.
Não pergunto, não quero que os cristãos
entreguem o mundo nas mãos dos ímpios, mas
apenas para permitir que seu envolvimento seja
o dos homens piedosos, um patriotismo sereno
e o mais eficaz, por causa de sua moderação e
firmeza, sua consciência e santidade. A opinião
de cada homem deve ser feita, firmemente
realizada, publicamente conhecida, e
consistentemente agida, sem ocultação ou
aparências. A neutralidade não é a glória do
homem, quando grandes interesses estão em
perigo e grandes questões sobre eles estão em
discussão. O cristianismo, o mais precioso
interesse para o coração de cada filho de Deus,
é, em certo sentido, independente de todas as
questões da política partidária e, em outro, é, e
72
em certa medida, e, portanto, exige a atenção de
seus súditos para os assuntos das nações, e
apenas, como é compatível com a suprema
consideração de suas próprias leis puras,
espírito benigno e objeto celeste. Como a
política, portanto, não é pecaminosa em si
mesma, mas somente naqueles excessos de
atenção que toma demais o tempo de um
homem de seus negócios, embrutece seu
coração em relação ao seu próximo que difere
dele no sentimento político ou diminui seu
sentimento religioso; todos devem ter o cuidado
de observar a moderação que o cristianismo
prescreve neste e em todos os outros assuntos
que apelam aos nossos apetites e paixões. Isso é
mau para nós, aquilo que, em espécie ou em
grau, é mau para nossa religião.
Os professantes cristãos então devem estar
cientes de seu perigo, e observar e orar para que
não entrem em tentação. Que nunca se
esqueçam de que pertencem a um reino que
não é deste mundo; que a sua cidadania está no
céu, e que, portanto, devem viver como
estranhos sobre a terra. Como peregrinos,
permanecendo durante um curto período de
tempo em uma cidade estranha, eles devem
estar dispostos a promover o seu bem-estar
durante sua permanência temporária, mas
ainda com seus olhos, e esperança e coração, na
terra de sua herança. Um sentido profundo da
infinita importância da salvação eterna e das
73
realidades invisíveis; uma boa impressão da
brevidade do tempo e da incerteza da vida;
juntamente com uma consideração inteligente
do grande fim de Deus ao nos enviar para este
mundo; reprimirá todo fervor político indevido
e nos ensinará a agir como parte de um patriota,
sem negligenciar o de um cristão; e fazer-nos
sentir que não éramos apenas os habitantes de
um país, ou cidadãos do mundo, mas sujeitos do
universo, e que todo interesse inferior deveria
ser perseguido com uma consideração
adequada à verdadeira religião.
Nisto devemos sempre estar atentos como
nosso trabalho diário, como o único que pode
nos preparar para o céu; de modo que se nos
perguntassem a qualquer momento, o que
estávamos almejando ou o que estávamos
fazendo, poderíamos dar esta verdadeira
resposta: "Estamos nos preparando para a
eternidade". Nenhum pretexto, por mais
ilusório que seja, seja relativo à nossa família ou
ao nosso país, pode ser uma desculpa legítima
para negligenciar este processo preparatório da
imortalidade.
Nada pode ser concebido de modo mais oposto
ao temperamento do céu, a disposição dos
abençoados acima, que é o amor santo não
misturado, do que o espírito político, que
quando visto como é agora visto com demasiada
frequência, na sua forma mais virulenta, é o fel
74
da amargura, e a essência da malignidade. Se a
caridade é a coroação da excelência da piedade,
quão contrário a esta virtude divina está o
espírito presente dos partidos, que, como um
vulcão em chamas, derramam-se
perpetuamente de sua cratera, as erupções
ardentes da inveja, da malícia e de toda falta de
caridade. Melhor, muito melhor, que o
professante cristão, nunca veja um jornal, nem
saiba um único fato político, nem pronuncie
uma sílaba de política, do que entrar no assunto
se ele deve produzir em você tal temperamento
como este! Mas, não precisa produzi-lo. Pode
haver moderação nesta e em qualquer outra
coisa. Um homem pode ser um patriota piedoso,
sem degenerar em um partidário maligno.
Nota do Tradutor: Quanto a este assunto, no que
se refere à forma de governo da igreja, deve ser
dito que nosso Senhor Jesus Cristo afirmou
claramente que os princípios que devem reger a
Igreja são o oposto daqueles que são
empregados pelo mundo.
Veja, como isto está plenamente subentendido
nas seguintes palavras de nosso Senhor Jesus
Cristo quando advertiu os apóstolos, quando
estes pensavam não no modo de como deveriam
dirigir a Igreja, mas quanto ao sentimento de
supremacia, domínio e hierarquia mundana
que eles tinham em mente:
75
“24 Suscitaram também entre si uma discussão
sobre qual deles parecia ser o maior.
25 Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos
dominam sobre eles, e os que exercem
autoridade são chamados benfeitores.
26 Mas vós não sois assim; pelo contrário, o
maior entre vós seja como o menor; e aquele
que dirige seja como o que serve.” (Lc 22.24-26)
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Deleite Espiritual dos Santos
"Mas o seu prazer está na lei do Senhor." (Salmo 1.2)
Título Original: The Saint”s Spiritual Delight
Por Thomas Watson (1620-1686)
Traduzido, Adaptado e Editado
por Silvio Dutra
77
CAPÍTULO I
Mostrando que a Bondade Negativa é Apenas um Título Fajuto para o Céu
Como o livro de Cantares é chamado de Cântico
dos Cânticos por um hebraísmo, por ser o mais
excelente; de igual modo o Salmo 1 pode ser
chamado de Salmo dos Salmos, pois contém em si a própria medula e quinta-essência do
cristianismo.
“1 Bem-aventurado o homem que não anda
segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na
roda dos escarnecedores;
2 antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite.
3 Pois será como a árvore plantada junto às
correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo
quanto fizer prosperará.
4 Não são assim os ímpios, mas são semelhantes
à moinha que o vento espalha.
5 Pelo que os ímpios não subsistirão no juízo,
nem os pecadores na congregação dos justos;
6 porque o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios conduz à
ruína.” (Salmo 1)
O que Hierom diz das epístolas de Paulo, o mesmo pode ser dito deste salmo; é curto em
sua composição, mas cheio de conteúdo e força
em seu assunto. Este salmo carrega a bem-
78
aventurança no frontispício; ele começa onde
todos esperamos terminar: ele pode muito bem
ser chamado de Guia de um cristão, porque ele
descobre as areias movediças, onde os ímpios afundam até a perdição, verso 1, e o solo firme
em que os santos pisam rumo à glória, verso 2.
O texto é um resumo e breviário da religião,
"mas o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite." Cada palavra tem
sua ênfase; Eu começo com a primeira palavra:
“mas”.
Este “mas” é cheio de vinho espiritual, vamos abordar isso e provar um pouco, então
prosseguiremos.
“Mas”. É uma conjunção adversativa que
carrega o significado de oposição. O santo é descrito:
I. Por meio da negação, em três aspectos. (1.) “Ele
não anda segundo o conselho dos ímpios;” ele
não segue o seu conselho; e não dá maus conselhos. (2.) "Ele não se detém no caminho dos
pecadores." Ele não vai ficar entre aqueles que
não serão capazes de ficar de pé no juízo - verso
5. (3.) "Ele não se assenta na roda dos escarnecedores.” Ainda que isto seja uma
cadeira de Estado, ele não vai sentar-se nela,
pois sabe que será muito desconfortável no
final. A palavra “assenta” implica,
1. Um hábito em pecado. Salmo 50. 20 – “Tu te
sentas a falar contra teu irmão; difamas o filho
de tua mãe.”
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2. Sentar implica familiaridade com os
pecadores, Salmo 26.4. - “Eu não tenho
assentado com homens falsos;” ou seja, eu não
ando na sua companhia. O homem de Deus sacode toda a intimidade com os ímpios. Ele
pode trafegar com eles, sem se associar às suas
más obras; ele pode ser civil para com eles, como vizinhos, mas não se misturar à
iniquidade.
II. O homem de Deus é descrito neste Salmo por
meio de posição ou melhor, de oposição, "Mas o
seu prazer está na lei do Senhor. “ A partir desta
palavra, observa-se que a bondade negativa não é suficiente para nos dar direito ao céu. Não ser
escarnecedor, é bom, mas não é suficiente. Há
alguns no mundo cuja religião consiste
somente em aspectos negativos; eles não são alcoólatras, eles não são perjuros, e por isso eles
abençoam a si mesmos. Veja os ares de orgulho
liberados pelo fariseu em Lucas 18.11. "Deus,
graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros," etc.
Infelizmente, não ser escandaloso não vai fazer
um bom cristão mais do que uma cifra vai fazer
uma soma. O homem de Deus vai mais longe, "ele não se assenta no banco do escarnecedor,
mas o seu prazer está na lei do Senhor.” Nós não
estamos prontos somente para cessar de
praticar o mal, como também para fazer o bem. “Aparta-te do mal, e faze o bem: busca a paz, e
segue-a (Salmo 34.14). Será isto uma apelação
pobre, afinal - Senhor, me guardei de ser
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manchado com pecados graves. Eu não fiz
qualquer dano; mas que bem há em ti? Não é
suficiente para o servo da vinha não fazer
qualquer dano contra ela, que ele não quebre as árvores, ou destrua as sebes; pois se não
trabalhar na vinha, ele perde o seu pagamento;
e assim não é o suficiente para nós dizer, no último dia, que não fizemos nenhum mal, que
temos vivido sem qualquer pecado grave; mas
que bem que temos feito na vinha? onde está a
graça que temos obtido? se não podemos mostrar isso, vamos perder o nosso pagamento,
e perder a salvação.
Aplicação: Não se contente com a parte negativa
da religião; aquela que nega simplesmente
determinados atos pecaminosos, porque muitos constroem suas esperanças para o céu sobre
este fundamento rachado, eles não são dados a
qualquer vício, ninguém pode acusá-los de
quaisquer erros e faltas, e estas são as suas cartas credenciais para serem exibidas; a essas
pessoas eu digo três coisas:
1. Você pode não ser exteriormente ruim, e
ainda não ser interiormente bom. Você pode
estar tão longe da graça como do vício; embora ninguém possa dizer, seu olho é negro, mas sua
alma pode ser tingida de preto. Embora suas
mãos não estejam trabalhando em iniquidade, a
cabeça pode estar tramando-a. Embora você não saia para curtir o seu arbusto, você pode
secretamente estar vendendo a sua mercadoria:
uma árvore pode estar cheia de vermes, mas as
81
folhas sadias podem cobri-los para que eles não
sejam vistos; e assim as folhas justas de
civilidade podem escondê-los dos olhos do
homem, mas Deus vê os vermes de orgulho, incredulidade, e cobiça em seu coração: “Vós
sois os, “diz Cristo”, “que vos justificais a vós
mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; porque o que entre os
homens é elevado, perante Deus é abominação."
(Lucas 16.15). Um homem pode não ser
moralmente mau, e ainda não ser espiritualmente bom. Ele pode estar livre da
enormidade grosseira, mas cheio de inimizade
secreta contra Deus; como a serpente, que
apesar de ser de uma cor muito boa, ainda tem seu aguilhão.
2. Se vocês são bons somente no sentido
negativo, Deus não faz cômputo de vocês;
porque são como dígitos na aritmética de Deus,
e ele não anota dígitos no livro da vida. Pegue um pedaço de bronze, embora não seja um metal
tão ruim como chumbo ou ferro, ainda não é tão
bom como a prata ou o ouro, e como há pouco
cômputo nele, ele não vai servir de lastro para a moeda corrente; e assim, embora você não seja
profano, ainda que seja um bom metal,
querendo o carimbo da santidade sobre você,
não pode ser de uso para Deus e ele lhe despreza, porque você é senão um cristão de
bronze.
3. Um homem pode muito bem ir para o inferno
por não fazer o bem, como por fazer o mal;
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aquele que não dá bom fruto é um bom
combustível para o inferno, tanto quanto aquele
que dá frutos maus. "E já está posto o machado à
raiz das árvores; toda árvore, pois que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo.”
(Mt 3.10). Pode-se muito bem morrer por não
comer alimentos, como com veneno, um terreno pode muito bem ser estragado por falta
de boa semente como por ter joio semeado no
mesmo; os que não estavam ativos em obras de
caridade, foram infelizmente condenados: "Então dirá também aos que estiverem à sua
esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno, preparado para o Diabo e seus
anjos; porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;" (Mt
25. 41,42). Não é dito: pegue comida comigo, mas
“não me destes de comer.” Por que foram as
virgens loucas caladas? Elas não tinham feito nenhum dano, não tinham quebrado as suas
lâmpadas, mas elas "não levaram azeite em suas
lâmpadas,“(Mt 25.3). Elas tinham falta de azeite,
foi a acusação: Portanto, que nenhum homem construa a sua esperança para o céu em cima de
negativas. Isto é construir sobre a areia; a areia é
ruim para construir; ela não vai cimentar; mas
suponha que um homem deve terminar uma casa em cima dela, qual é o problema? A
inundação vem - a perseguição - e a força dessa
inundação vai afastar a areia e fazer a casa cair;
e o vento sopra, o sopro do Senhor, como um vento veemente e vai explodir um edifício tão
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arenoso no inferno; tenha temor, então, para
descansar na parte positiva da religião, lance
sua luz e seja eminentemente santo. Então eu
venho para as próximas palavras, mas "o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita
de dia e de noite."
CAPÍTULO II
O Que se Quer dizer com a Lei de Deus, o Que é
se Deleitar na Lei, e Qual é a Proposição Resultante
As palavras dão uma dupla descrição de um
homem piedoso.
Em primeiro lugar, tem prazer na lei de Deus.
Em segundo lugar, Ele medita na lei de Deus.
Eu começo com a primeira, "Seu prazer está na
lei do Senhor:" O grande Deus tem afeto e
carinho por cada criatura; isto tem, pelo instinto da natureza, algo para agradar a si mesmo nisso.
Agora o verdadeiro santo, não por intuição, mas
por inspiração divina faz com que a lei de Deus
seja o seu prazer.
Este é o emblema de um cristão, "Seu prazer está na lei do Senhor.“ Um homem pode trabalhar
em seu comércio, e não deliciar-se com ele,
quer no que diz respeito à dificuldade do
trabalho, ou à pequenez da renda; mas um homem piedoso serve a Deus com prazer; pois é
a sua comida e bebida fazer a Sua vontade.
Para a explicação das palavras, isto deve ser
analisado:
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1. O que se entende por "a lei do Senhor. “ Esta
palavra, Lei, pode ser tomada de forma mais
estrita ou mais ampla. (1) Mais estritamente,
para o Decálogo ou Dez Mandamentos. (2.) Mais amplamente: [1] Para toda a palavra escrita de
Deus. [2] Para aquelas verdades que são
deduzidas a partir da palavra, e que se concentram nela. [3] Para todo o assunto da
religião que é a contrapartida da lei de Deus, e
concorda com ela assim como a transcrição
com o original. A Palavra é um fundamento, algo estabelecido, e a religião é uma mostra, uma
exibição da prática da lei de Deus. Vou
aproveitar esta palavra em toda a sua latitude e
extensão.
2. O que se entende por prazer na lei de Deus. Tanto o original Hebraico quanto a Septuaginta
trazem: “sua vontade está na lei do Senhor; e
aquilo que é voluntário é deleitoso; um coração
misericordioso serve a Deus a partir de um princípio de inocência; ele faz da lei de Deus não
somente a sua tarefa, mas a sua recreação.
Doutrina: Que um filho de Deus, embora ele não
possa servir ao Senhor perfeitamente, mas ele lhe serve de bom grado; sua vontade está na lei
do Senhor; ele não é um soldado pressionado,
mas um voluntário; pelo bater deste pulso
podemos julgar se há vida espiritual em nós, ou não. Davi professou que a lei de Deus era o seu
prazer (Salmo 119,77), ele teve sua coroa para
deleitar-se, teve sua música para animá-lo, mas
85
o amor que ele tinha à lei de Deus fez afogar
todos os outros deleites.
“Tenho prazer na lei de Deus”, diz Paulo, "no
homem interior." (Rom 7,22), a palavra no
original grego é, eu tenho o prazer; a lei de Deus é a minha recreação, e foi um prazer no coração,
isto é, no homem interior. Um homem ímpio
pode ter alegria no rosto ( 2 Cor. 5.12), como o mel de orvalho, que molha a folha; mas o vinho
do Espírito de Deus alegra o coração. Paulo se
encantou na lei no homem interior.
(Nota do tradutor: Deus criou o homem para que
se deleitasse nas coisas criadas mas sobretudo na maior fonte de deleites que é Ele próprio.
Mas o homem não pode ter a devida apreciação
de todo este deleite caso não ande em
conformidade com o caráter de Deus, o qual é revelado na Sua Lei, e daí nos ser ordenado e
indicado não raras vezes nas próprias Escrituras
sobre a necessidade de amarmos e praticarmos
os mandamentos de Deus porque sem isto é impossível agradá-lo, e se Ele não se agradar de
nós, como poderemos, por nosso turno achar
qualquer prazer nEle, ou até mesmo desfrutar
tudo o mais que criou para o nosso aprazimento, com comedimento, sabedoria e com um
coração reto, para um verdadeiro desfrute?
Pode uma má consciência desfrutar a paz? Pode
um viver na imundície conhecer e desfrutar o prazer que há na pureza? E assim por diante,
nada é de real valor e deleite se não houver este
prazer na lei de Deus no coração.
86
A justificação pela graça mediante a fé em Jesus
Cristo pode nos garantir o ingresso no céu, mas
para termos o deleite espiritual aqui referido a
justificação e regeneração que são obtidas na conversão não serão suficientes para termos
este deleite no Senhor, caso não sejam
acompanhadas pela santificação diária, pela qual somos capacitados pelo Espírito Santo a
também amar e guardar os mandamentos de
Deus.)
CAPÍTULO III
De Onde Brota o Deleite Espiritual do Santo?
O deleite do santo procede da lei de Deus.
1. A partir de solidez de julgamento. A mente
apreende uma beleza na lei de Deus; Agora, o
julgamento chama as afeições. "A lei de Deus é
perfeita" (Salmo 19.7). A palavra hebraica para perfeito, parece aludir a um corpo completo,
corpo inteiro, que não tem falta de qualquer
membro ou detalhes. A Lei de Deus deve
necessariamente ser perfeita, pois é capaz de nos fazer sábios para a salvação (2 Tim. 3. 15).
A Septuaginta – versão grega do Velho
Testamento - diz que a lei do Senhor é pura,
como a beleza que não tem mancha, ou o vinho
que é clarificado e refinado. A alma que olha para essa lei, vendo tanto brilho e perfeição não
pode deixar de deliciar-se com ela; a lâmpada do
meio do santuário que era acendida com o fogo
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do altar, acendia todas as demais luzes do
candelabro de sete hastes. Assim, o julgamento
tendo sido iluminado pela Palavra, começa a
arder em seus afetos por ter sido incendiado pela Palavra.
2. Este santo deleite nasce da predominância da graça. Quando a graça vem com autoridade e
majestade sobre o coração, ela o preenche com
prazer; naturalmente, não temos prazer em Deus; "Eles dizem a Deus afaste-se de nós, pois
não desejamos ter conhecimento dos teus
caminhos“; ou melhor, não há apenas uma
antipatia, mas a antipatia; pois pecadores são chamados de aborrecedores de Deus (Rom.
1.30), mas quando a graça entra no coração, que
grande mudança acontece nele! A graça
prepondera, e lança fora a rebelião da vontade, faz um homem ser de outro espírito. Ela
transforma a ferocidade leonina em uma
doçura igual à da pomba, ela muda o ódio em
prazer; a graça coloca um novo viés na vontade, ela opera uma espontaneidade e alegria no
serviço de Deus. “O teu povo será um povo
disposto no dia do teu poder” (Salmo 110,8).
3. Este prazer santo em religião é derivado da
doçura do fim. Bem podemos com alegria lançar
a rede do nosso esforço quando temos um tão excelente projeto. O céu no final do dever traz
consigo o deleite no caminho do dever.
88
CAPÍTULO IV
Mostrando uma Diferença Característica entre
um Filho de Deus e um Hipócrita
Aplicação 1. Isto nos mostra uma diferença
entre um filho de Deus e um hipócrita, o que
serve a Deus a partir de um princípio de prazer,
e outro que não o faz, mas finge que o possui, e por isso dizemos hipócrita, não em sentido
ofensivo, mas em relação a tentar mostrar algo
que não se possui de fato.
"Melhor é para mim a lei da tua boca do que milhares de ouro e prata.“ ( Salmo 119.72).
(Nota do tradutor: além de ter uma aplicação
geral, isto se aplica especialmente aos falsos
pastores e mestres da religião que são enganadores e que fazem um comércio para
explorar os incautos. Estes são lobos em peles de
ovelhas, e nada possuem da verdadeira
santidade. De maneira que o deleite que propõe aos seguidores não é e nem pode ser aquele que
decorre da guarda genuína dos mandamentos
de Deus, senão das vantagens que são
fundamentadas no tráfico de promessas que não são espirituais, celestiais e divinas, mas
todas de caráter mundano e relativas aos
interesses desta vida, conforme são buscadas e
agradam aqueles que vivem e andam na carne e não no Espirito.)
Com que deleite um avarento fala sobre os seus
milhares? Ah, mas a lei de Deus era melhor do
89
que os milhares de Davi; um filho de Deus olha
para o serviço de Deus, não só como seu dever,
mas como o seu privilégio. Um coração gentil
ama cada coisa que tem o selo de Deus sobre ela. A Palavra é o seu prazer. "Acharam-se as tuas
palavras, e eu as comi; e as tuas palavras eram
para mim o gozo e alegria do meu coração; pois levo o teu nome, ó Senhor Deus dos exércitos.”
(Jer 15.16). O dia do Senhor, o Sabath, é o seu
prazer. "Se desviares do sábado o teu pé, e
deixares de prosseguir nas tuas empresas no meu santo dia; se ao sábado chamares deleitoso,
ao santo dia do Senhor, digno de honra; se o
honrares, não seguindo os teus caminhos, nem
te ocupando nas tuas empresas, nem falando palavras vãs; então te deleitarás no Senhor, e eu
te farei cavalgar sobre as alturas da terra, e te
sustentarei com a herança de teu pai Jacó;
porque a boca do Senhor o disse.” (Isa. 58.13,14).
A oração é o seu prazer – “sim, a esses os levarei
ao meu santo monte, e os alegrarei na minha casa de oração (Isa 56.7). A audição da Palavra é
o seu prazer - "Quem são estes que voam como
pombas para as suas janelas?“ (Isa 60.8). A alma
gentil voa como uma pomba para uma ordenança, sobre as asas do deleite. O
sacramento é o seu prazer – “E o Senhor dos
exércitos dará neste monte a todos os povos um
banquete de coisas gordurosas, banquete de vinhos puros, de coisas gordurosas feitas de
tutanos, e de vinhos puros, bem purificados.”
(Isa. 25.6). Um dia de santa ceia é um dia de alma
90
festiva; aqui Cristo toma a alma em sua casa de
banquete, e exibe a bandeira do amor (Cant 2.4).
Aqui estão as iguarias celestiais que nos são
dadas. Cristo nos dá seu corpo e sangue. Este é o pão dos anjos, este é o néctar celestial, aqui está
um copo perfumado com a natureza divina; aqui
está o vinho aromático com o amor de Deus. Os judeus em suas festas derramam bálsamo sobre
seus hóspedes, e os beijam; aqui Cristo derrama
o óleo da alegria para o coração, e nos beija com
os beijos de seus lábios. Este é o banho do rei onde somos lavados e purificados da nossa
lepra: a alma seca, após o recebimento desta
Santíssima Eucaristia, tem sido como um jardim
regado, frutífero e florescente, ou como os campos do Egito, após o transbordamento do
Nilo; e você quer saber como um filho de Deus
se deleita nas coisas santas? Ele precisa ser
voluntário na religião.
Mas não é assim com um hipócrita; ele pode ser forçado a fazer o que é bom, mas não querer o
que é bom; ele não vai servir a Deus com alegria.
"Deleitar-se-á no Todo-Poderoso?” ((Jó 27.10).
Aquele que não tem nada desta complacência e deleite, aparece, assim, porque ele serve a Deus
de má vontade; ele traz o seu sacrifício com uma
mente perversa (Prov. 21.27).
Assim se deu com Caim: foi muito antes de ele
trazer a sua oferta, que não era as primícias; e quando o fez trouxe-a a contragosto; não foi uma
oferta voluntária (Deut 16. 10). É provável que era
o costume da família de seu pai sacrificar; e
91
talvez a sua consciência possa tê-lo confrontado
por tolerar por tanto tempo, e por fim, quando a
oferta foi trazida, veio como uma tarefa em vez
de um dever; como um imposto ou multa em vez de um sacrifício apresentado com amor.
Caim trouxe a sua oferta, mas não a si mesmo. O
que Sêneca diz de um presente, posso dizer de um sacrifício; não é ouro e prata que faz um
presente, senão uma mente disposta. Por isso,
não é a oração e a audição da Palavra que faz um
sacrifício aceitável a Deus, mas é um espírito voluntário. Caim não era uma oferta, mas um
imposto, não uma adoração, mas uma
penitência.
CAPÍTULO V
Dois Casos de Consciência Resolvidos
Mas aqui estão dois casos a serem colocados.
Caso 1. Se uma pessoa regenerada pode servir a
Deus com cansaço.
Resposta. Sim; mas 1. Este prazer em Deus não é totalmente extinto. Esta lassidão e cansaço em
um filho de Deus pode surgir, da corrupção
interior, Rom. 7.24. Isto não provém da graça que
há nele, mas do pecado; como o afundamento de Pedro sobre a água não foi decorrente de sua fé,
mas de seu medo; ainda eu digo que a vontade
de uma pessoa regenerada é para Deus, Rom.
92
7.15. Paulo encontrou, por vezes, uma
indisposição para o bem, Rom. 7,23; mas, ao
mesmo tempo, ele professa uma complacência
em Deus, verso 22. “tenho prazer na lei de Deus, no homem interior.”
Uma pessoa pode deleitar-se com música, ou
qualquer recreação, ainda que com cansaço do
corpo, e estando indisposta; um cristão pode amar a lei de Deus, embora às vezes a obstrução
da carne pese para baixo, e ele encontra seu
antigo vigor e agilidade abalados.
Resposta 2. Respondo que esta fraqueza e
cansaço em uma pessoa regenerada não é habitual; não é o seu temperamento constante;
quando a água do mar flui pode ser maré baixa,
mas logo depois de um tempo será maré alta de
novo; de igual modo na vida do cristão há um tempo de maré baixa, ele encontra uma
indisposição para o que é bom, mas dentro de
um tempo há uma maré alta de afeto, e a alma é
levada a cumprir com disposição e alegria os deveres sagrados; dá-se com um cristão o
mesmo que acontece com um homem que está
enfermo, ele não tem prazer em sua comida
como antigamente; ou melhor, por vezes, a simples visão dela o ofende, mas quando ele está
bem, ele volta a comer novamente com prazer e
apetite; por isso, quando a alma é destemperada
através de tristeza e melancolia, não acha deleite na palavra e oração como
anteriormente; mas quando ele retorna ao seu
temperamento saudável novamente, agora ele
93
tem o mesmo deleite e alegria no serviço de
Deus como antes.
Resposta 3. Respondo que esse cansaço em uma
pessoa regenerada é involuntário; ela está preocupada com isso; e não vai abraçar a sua
doença, mas lamentá-la. Ele está cansado de seu
cansaço. Quando ele encontra um peso no
dever, ele vai pesadamente sob aquele peso; e então ora, chora, luta, usa de todos os meios
para recuperar seu entusiasmo no serviço de
Deus como ele estava acostumado a ter. Davi,
quando as rodas de sua carruagem eram quebradas, ele colocava mais peso na religião,
quantas vezes ele orou por vivificação da graça?
(Salmo 119).
Quando os santos encontram seus corações
desmaiados, suas afeições enfraquecendo, e um estranho tipo de letargia apreensiva sobre eles,
eles nunca estão em repouso até que tenham se
recuperado, e cheguem àquela liberdade e prazer em Deus como experimentavam antes.
Caso 2. O segundo caso é, se um hipócrita não
pode servir a Deus com alegria? Eu respondo,
ele pode; Herodes ouviu João Batista de bom
grado (Mt 6.20). e aqueles que jejuaram para contendas e debates, “tinham prazer em saber o
caminho de Deus,” (Isa, 58.2). O hipócrita pode,
por algumas esperanças chamativas do céu,
mostrar um deleite na bondade; mas ainda não é um deleite como é encontrado no regenerado,
porque o seu deleite é prazer carnal. Um homem
pode ser carnal, enquanto ele está fazendo as
94
coisas espirituais: não é na santidade e rigor na
religião que o hipócrita se deleita, mas em outra
coisa; ele se deleita em orar, mas isto é senão
uma exibição de dons, do que o exercício da graça. Ele tem prazer em ouvir a palavra, mas
não é na espiritualidade da palavra que ele se
deleita; não no sabor do conhecimento e da prática, mas no brilho. Quando ele vai ouvir a
palavra pregada, é para que ele possa celebrar a
sua fantasia e não para melhorar o seu coração;
como se um homem devesse ir à farmácia por uma pílula, só para ver o douramento da
mesma, não para a virtude operativa.
O hipócrita vai para a palavra para ver o que há
de dourado em um sermão, e que possa
encantar o intelecto. Os hipócritas vêm para a palavra como quem entra em um jardim para
arrancar e cheirar alguma fina flor; e não como
uma criança que vem ao peito por alimento. Isto
é mais curiosidade do que a piedade. Tais eram os que são citados em Ez 33.32: “E eis que tu és
para eles como uma canção de amores, canção
de quem tem voz suave, e que bem tange;
porque ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra." O profeta sendo eloquente, e
fazendo uma entrega da Palavra de Deus, lhes
era muito doce e agradável, ele soava para eles
como uma música, mas não era da espiritualidade do assunto que eles gostavam,
senão da tonalidade da voz.
Esta foi uma repreensão afiada, ainda aplicável à
nossa época, de Crisóstomo aos seus ouvintes:
95
“Isso é o que”, diz ele, “afunda as suas almas,
vocês ouvem seus ministros como muitos
menestréis, para agradar ao ouvido, e não para
ferir as suas consciências.“ Você vê que o deleite de um hipócrita na religião é carnal; isto não é o
que está sendo criado com as palavras da fé,
senão a eloquência do discurso, a vividez da fantasia, a suavidade do estilo: ele se esforça
apenas para arrancar o conhecimento da árvore
do conhecimento. Ai, pobre é aquele que pode
ter a luz da estrela do conhecimentos e, no entanto, pode ser noite em sua alma.
CAPÍTULO VI
Provação do Deleite de um Cristão em Deus
Aplicação 2. Provação. Deixe que isto seja colocado sob um escrutínio santo, se temos este
deleite na religião? Responder isto é como uma
questão de vida ou de morte.
Questão. Como pode este deleite espiritual ser
conhecido?
Resposta 1. Aquele que se deleita na lei de Deus, está frequentemente pensando nisto; que um
homem se deleita em seus pensamentos que
ainda estão em execução; aquele que se deleita
em dinheiro, sua mente está ocupada com isso; portanto, do avarento é dito que só pensa nas
coisas terrenas (Fp 3.19). assim, se há um prazer
nas coisas de Deus, a mente estará ainda
96
meditando sobre elas. Que tesouro raro é a
Palavra de Deus! Ela é o campo onde a pérola de
alto valor está escondida; quão preciosas são as
promessas? Elas são o canal que contém a água da vida; elas são como aqueles dois ramos de
oliveira - "Segunda vez falei-lhe, perguntando:
Que são aqueles dois ramos de oliveira, que estão junto aos dois tubos de ouro, e que vertem
de si azeite dourado?” (Zac 4.12). Estas selam
perdão, adoção, e glória: “Ó Senhor por estas
coisas vivem os homens,” (Isa 38.16). Onde há um prazer na lei de Deus, a mente está
totalmente ocupada sobre ela.
2. Se nos deleitarmos com a religião, não há nada
que possa nos afastar disso, mas vamos estar
familiarizados com a palavra, a oração, e os sacramentos. Aquele que ama o ouro vai
negociar por ele. O mercador irá cruzar terra e
mar para ganhar dinheiro.
Se há um deleite em coisas santas, não vamos ser detidos por uma ordenança, pois não
estamos traficando para a salvação. Se um
homem estiver com fome, ele não deixará de ir
ao mercado por causa de uma dor em seu dedo. As ordenanças são um mercado evangélico, não
se afastarão por causa de qualquer provação
leve.
(Nota do tradutor: o fardo de Jesus é leve, ou seja,
o seu serviço, e o seu jugo é suave, ou seja, o dever que temos de guardar os seus
mandamentos em obediência à direção do
Espírito Santo que nos guia. Guardar os
97
mandamentos não é, portanto, conforme dizer
do apóstolo João, algo que seja penoso. Não é um
peso mas um prazer para o crente guardar a Lei
de Deus. E quanto às provações da fé que temos neste mundo, elas não podem ser comparadas
em sua leveza momentânea, com o eterno peso
de glória que aguarda por todos aqueles que têm a Cristo como seu Salvador e Senhor.)
“Alegrei-me, quando me disseram, vamos à
casa do Senhor“ (Salmo 122,1). Você que fica feliz
quando o diabo lhe ajuda com uma desculpa
para se ausentar da casa do Senhor, está muito longe deste santo deleite.
3. Aqueles que se deleitam com a religião vão
muitas vezes falar dela; "Então aqueles que
temiam ao Senhor falaram uns aos outros:” (Mal
3.16). Onde há graça infundida, ela será efusiva. “As palavras da boca do sábio são cheias de
graça," (Ecl 12.10). Davi deleitando-se com os
testemunhos de Deus, “iria falar deles diante dos reis,” (Salmo 119,46). A esposa deleitando-se
com seu amado, não conseguia esconder o seu
amor, mas irrompe em expressões não menos
elegantes: "O meu amado é branco e rosado, o primeiro entre dez mil, a cabeça é como o ouro
mais refinado“ etc.
Os discípulos cujos corações estavam sobre
Cristo, fizeram dEle todo o seu assunto quando
eles estavam indo para Emaús (Lucas 24.19). Os cristãos primitivos que foram alimentados com
o amor a Deus, falavam tanto do céu, e do reino
preparado por Cristo para eles, que o imperador
98
suspeitava que pretendiam tomar o seu reino
dele. As palavras são o espelho da mente, elas
revelam o que está no coração. Onde há deleite
espiritual, como o vinho novo, ele exalará o seu aroma; a graça se derramou em seus lábios
(Salmo 45.2). Um homem que é da terra fala da
terra (João 3.,31). Ele pode falar, senão com dificuldade, três palavras, mas duas delas são
sobre a terra. Sua boca, como a do peixe no
evangelho, está cheia de ouro. (Mt 17.27). Então,
onde há um prazer em Deus, “a nossa língua será como a pena de um escritor habilidoso”.
(Salmo 45). Esta é uma escritura que é uma
pedra de toque para provar os corações dos
homens. Infelizmente, revela quão pouco eles se deleitam em Deus, porque são possuídos por
um demônio mudo; eles não falam a língua de
Canaã.
4. Aquele que se deleita em Deus, vai dar-lhe o
melhor em cada serviço. Aquele a quem amamos melhor, terá o melhor. A cônjuge
deleitando-se com Cristo, lhe dará de seus
frutos excelentes (Cant 7,13), e se ela tem um
copo de vinho aromático, e cheio do suco da romã, ele deve beber disto (Cant 8.2).
Aquele que se deleita em Deus dá-lhe a força de
suas afeições, a nata das suas funções; se ele tem
qualquer coisa melhor do que outra, Deus a terá.
Os hipócritas não se importam com isso, pois oferecem a Deus aquilo que jogariam fora ou o
que nada lhes custe. Oferecem orações que não
lhes custam lágrimas ou o derramar da alma. (1
99
Sam 1). Eles não colocam qualquer custo em
seus serviços. Caim trouxe do fruto da terra
(Gên 4.8).
É observável, que o Espírito Santo não menciona qualquer coisa que possa elogiar, ou detalhar o
sacrifício de Caim. Quando ele fala de Abel, ele
coloca uma ênfase sobre isso, "Abel trouxe dos
primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura", versículo 4, mas quando fala de Caim,
somente diz, "ele trouxe do fruto da terra."
Alguma coisa talvez tirada de uma vala; mas
Deus, que é o melhor, será servido com o melhor. Domiciano não teria a sua estátua
esculpida em madeira ou ferro, mas em ouro.
Deus terá o melhor das nossas melhores coisas,
serviços de ouro. Aquele que se deleita em Deus, dá-lhe a gordura da oferta; o mais puro do seu
amor, o mais quente do seu zelo; e quando ele
fez tudo, lamenta que ele não pôde fazer mais, e
vê uma desproporção infinita entre a Divindade e o dever.
5. O que se deleita em Deus, não encontra mais
deleite em qualquer outra coisa. O mundo
parece estar em um eclipse; Paulo deleitava-se na lei de Deus, no homem interior, e como ele
foi crucificado para o mundo? (Gal. 6.14). Não é
absolutamente ilegal deleitar-se com as coisas
do mundo, (Deut 26.11). “Te alegrarás por todo o bem que o Senhor teu Deus te deu. "
Mas ninguém pode usufruir melhor e ter o
conforto dessas coisas que os crentes têm; pois
eles têm um melhor direito a elas, e têm o
100
orvalho de uma bênção destilada, “Pegue dois
talentos, disse Naamã a Geazi,”(2 Reis 5.23).
Assim diz Deus a um crente, tome dois talentos,
para teus confortos exteriores, e toma o meu amor com eles; mas os filhos de Deus, embora
sejam gratos por misericórdias exteriores,
todavia, eles não se ocupam muito com essas coisas; eles apenas as usam como uma
conveniência, para a sua peregrinação, mas
sabem que quando se assentarem no reino dos
céus, e eles próprios descansarem, eles não terão qualquer uso pessoal destas coisas de Jacó.
Crentes não oram muito por essas coisas que
ainda estão passando. Seu prazer está
principalmente em Deus e na sua lei; e isto é assim? Temos esta baixa opinião de todos os
confortos sob a lua?
Disse o astrônomo, que se um homem fosse
levantado tão alto quanto a Lua, a Terra
pareceria para ele, senão como um pequeno ponto. Se pudéssemos ser levantados para o céu
em nossas afeições, todos os prazeres terrestres
pareceriam ser nada; quando a mulher de
Samaria havia se encontrado com Cristo, para baixo foi o cântaro, ela o deixou para trás; aquele
que se deleita em Deus, como tendo provado a
doçura nele, também deixa o cântaro, e o
mundo para trás.
6. O verdadeiro deleite é constante. Hipócritas têm suas dores de desejo, e flashes de alegria,
que são breves. Os judeus se regozijaram na luz
de João Batista por uma temporada (Jo 5,35).
101
Corações doentios podem ter prazer na lei do
Senhor por uma temporada; mas, eles vão
mudar rapidamente a sua nota: "Que canseira é
servir o Senhor!"
O crisólito (pedra de ouro), que é de uma cor
dourada, na parte da manhã é muito brilhante para se olhar, mas ao meio-dia ele fica sem
brilho, e tem perdido o seu esplendor; tais são os
brilhos de hipócritas. O verdadeiro deleite,
como o fogo do altar, nunca apaga; e a aflição não pode extirpá-lo. "Tribulação e angústia se
apoderam de mim, mas os teus mandamentos
são o meu prazer." (Salmo 119,145)
CAPÍTULO VII
Uma Persuasão para Este Deleite Santo em
Religião
Aplicação 1. Exortação. Deixe-me persuadir os
cristãos a trabalharem para este prazer santo;
comentando o texto "Deixe seu prazer estar na
lei do Senhor:" E para que eu possa cumprir melhor a exortação, vou colocar diante de você
várias considerações de peso.
1. Há aquilo que na lei de Deus, pode causar prazer; como aparece em duas coisas. Há nela:
1. Verdade.
2. Bondade.
1. Verdade. A lei de Deus é uma série de verdades
(Sl 119.160). "A tua palavra é a verdade desde o
102
início." Os dois Testamentos são os dois lábios
pelos quais o Deus da verdade tem falado para
nós. Aqui está uma base firme para a fé.
2. Bondade. “Desceste sobre o monte Sinai, do
céu falaste com eles, e lhes deste juízos retos e
leis verdadeiras, bons estatutos e andamentos;” (Ne 9.13).
Aqui está a Verdade e a Bondade; uma adequada para a compreensão, e a outra para a vontade.
Agora, esta bondade e excelência da lei de Deus
resplandece em nove indicações.
1. A presente lei abençoada de Deus é uma carta
enviada a nós do céu, ditada pelo Espírito Santo, e selada com o sangue de Cristo; veja algumas
passagens da carta: Isa. 62.5 "Pois como o
mancebo se casa com a donzela, assim teus
filhos se casarão contigo; e, como o noivo se alegra da noiva, assim se alegrará de ti o teu
Deus “ e Oséias 2.19: “Desposar-te-ei comigo
para sempre em justiça e em benignidade, e em
misericórdias.” Não é agradável a leitura desta carta de amor?
2. A lei de Deus é uma luz "que brilha em lugar escuro“ (2 Pe 1.19). É a nossa estrela polar para
guiar-nos para o céu; foi a lâmpada e a luz para o
caminhar de Davi (Sl 119,105). Agora a luz é doce
(Ec 11.7). É triste a falta dessa luz nos pagãos que não têm o conhecimento da lei de Deus, e que
em sua necessidade tropeçam para o inferno no
escuro.
3. A lei de Deus é um espelho espiritual para
vestir nossas almas. Davi olhou-se neste
103
espelho, e teve muita sabedoria, Salmo 119,104 -
“Pelos teus preceitos alcanço entendimento. "
A lei de Deus é um espelho para nos mostrar
nossos rostos, e uma pia para nos lavarmos.
4. Esta lei de Deus contém em si as nossas evidências para o céu; saberíamos se somos
herdeiros da promessa, se os nossos nomes
estão escritos no céu? devemos encontrá-lo neste livro da lei. 2 Tessalonicenses. 2.13 - "Mas
nós devemos sempre dar graças a Deus por vós,
irmãos, amados do Senhor, porque Deus vos
escolheu desde o princípio para a santificação do espírito e a fé na verdade”. 1 João 2.14 - "Nós
sabemos que já passamos da morte para a vida,
porque amamos os irmãos;“ e não é confortável
esta leitura sobre as nossas evidências?
5. A lei de Deus é um lugar de munição, a qual
devemos buscar para nossa artilharia espiritual
para lutar contra Satanás. Pode ser comparada com a “torre de Davi, edificada para sala de
armas; no qual pendem mil broquéis, todos
escudos de guerreiros valentes. “ (Cant. 4.4). Ela
é chamada de "espada do Espírito” (Ef. 6.16). É observável, que quando o diabo tentou nosso
Salvador, ele correu para as Escrituras para
armar-se, “está escrito”; três vezes feriu Cristo a serpente com esta espada, (Mt 4,4). É bom ter a
nossa armadura sobre nós quando o inimigo
está no campo.
6. A lei de Deus é o nosso livro físico espiritual,
ou um livro de receitas. Basílio compara a
palavra de Deus à loja de um boticário que tem
104
todos as receitas para qualquer doença que
estiver crescendo na alma. Se nos encontramos
mortos no dever, aqui está uma receita, Salmo
119.50. “A tua palavra me vivifica”; "se nossos corações estão frios, aqui está uma receita," Não
é a minha palavra como fogo?” (Jer 23.29).
Isto é capaz de derreter a rocha em ternura. Se
ficar orgulhoso, aqui está uma receita, 1 Pe 5.5 - "Deus resiste aos soberbos”; se há alguma culpa,
temos aqui um remédio soberano para tomar, Jo
17.17. "santifica-os na tua verdade.“ A lei de Deus
é como um jardim de um médico, onde se pode caminhar e recolher qualquer erva medicinal
para expelir o veneno do pecado.
7. A lei de Deus é um tesouro divino para nos
enriquecer; aqui estão as riquezas do
conhecimento, e as riquezas da segurança que deve ser encontrada, Col. 2.2. Nesta lei de Deus
estão espalhadas muitas verdades como
diamantes preciosos para adornar o homem oculto do coração. Davi tomou a lei de Deus
como sua herança, Salmo 119,111. Nesta mina
abençoada está escondida a verdadeira pérola;
aqui nós cavamos até encontrarmos o céu.
8. A lei de Deus é o nosso conforto em tempos difíceis; e é um forte consolo, Heb. 6.18. "Para
que possamos ter uma forte consolação." Elas
são consolações fortes certamente que podem
adoçar a aflição, que podem transformar água em vinho, que podem resistir contra a provação
ardente. “Este é o meu conforto na aflição,
porque a tua palavra me vivifica,” (Salmo 119.50).
105
Os confortos do mundo são consolações fracas;
o homem tem conforto na saúde, mas deixe a
doença vir, onde está o seu conforto, então? Ele
tem conforto em uma propriedade, mas deixe a pobreza vir, onde está o seu conforto, então?
Estas são consolações fracas, eles não podem
suportar problemas; mas o conforto da palavra são consolações fortes, elas podem adoçar as
águas de Mara. Deixe a doença vir, o conforto da
palavra pode acalmar e "o habitante da terra não
deve dizer que está doente,“ (Isa 33,24). Deixe a morte vir, e um cristão pode dizer com coragem:
"Ó morte, onde está o teu aguilhão?” (1 Cor.
15,55). E não é confortável ter tal poder para
expelir o veneno da morte?
(Nota do tradutor: O consolo de Deus nos vem pela Palavra, mas não devemos esquecer que é o
próprio poder emanado da pessoa de Deus Pai,
de Jesus e do Espírito Santo, que com Sua
presença fortalece o coração do crente abatido, quando este coloca a sua confiança na Palavra
de Deus e anda segundo os Seus mandamentos.)
9. A lei de Deus é o maná; um maná celestial que
se adapta ao paladar de todos os cristãos. Qual é o desejo da alma? vivificação? fortalecimento?
ela pode encontrar tudo neste maná.
2. Deleite-se com as coroas da religião e todos os
nossos serviços. Portanto, Davi aconselha seu
filho Salomão, não somente a servir a Deus, mas a servi-lo "com um espírito voluntário“ (1 Cron
28.9). Deleitar-se com o dever é melhor do que o
próprio dever; como é pior para um homem ter
106
prazer em pecado do que cometê-lo, porque não
há mais a vontade em pecar; assim o prazer no
dever é para ser preferido: “Oh quanto amo a tua
lei,” (Salmo 119.97). Não é o quanto fazemos, mas quanto nós amamos; hipócritas podem
obedecer à lei de Deus, mas os santos amam sua
lei; isso leva embora a guirlanda.
3. Deleite-se com as coisas espirituais evidenciadas pela graça; é um sinal de que
recebemos o espírito de adoção. Uma criança
inocente deleita-se em obedecer seu pai; aquele
que é nascido de Deus é enobrecido pela graça, e age a partir de um princípio de inocência; a
graça altera o viés do coração, e faz com que seja
mudado de relutante, para disposto. O espírito
da graça é chamado de espírito voluntário (Salmo 51). não só porque ele funciona
livremente, mas porque torna o coração livre e
alegre em obediência; um coração
misericordioso, que não age por constrangimento somente, mas por livre
consentimento.
4. Deleitar-se na religião vai fazer o assunto da
religião se tornar mais fácil para nós. O deleite
faz cada coisa fácil; não há nada difícil para quem é de espírito voluntário; o deleite transforma a
religião em recreação; é como o fogo para o
sacrifício, como o óleo para as rodas, como o
vento para as velas do navio, ele nos leva ao cumprimento completo do dever; aquele que se
deleita no caminho de Deus, nunca vai reclamar
da aridez do caminho; uma criança que vai à
107
casa de seu pai, não vai se queixar de um mau
caminho.
Um cristão está indo para o céu no caminho do
dever; cada oração, cada sacramento, é um
passo mais próximo da casa de seu Pai; a certeza
de que ele está tão cheio de alegria e que ele está indo para casa, fará com que não reclame do
mau caminho. Obtenha então este prazer santo.
Amados, não temos muitos quilômetros para
percorrer, a morte vai encurtar nosso caminho, vamos então nos deleitar docemente nisto.
5. Todos os deveres em religião são para o nosso bem. Teremos o benefício; "Se tu és sábio, serás
sábio para ti mesmo“ (Prov 9.12).
Deus tem misturado a glória e o nosso bem juntos. "Eu dei-lhes os meus estatutos, que se
um homem fizer, ele viverá por eles," (Ez. 20.11).
Não há nada que o Senhor exija que não tenda à
autopreservação. Deus nos convida a ler a sua palavra, e por quê? esta palavra é a sua vontade
e testamento em que ele faz com que mais de
uma propriedade equitativa seja fixada sobre
nós, (Col. 1.12; 1 João 2.25). "E esta é a promessa que ele nos fez, a vida eterna;" ele nos manda
orar, e este dever transporta alimento em sua
boca, 1 João 5.14. "Esta é a confiança que temos nele, que se pedirmos alguma coisa segundo a
sua vontade, ele nos ouve." Peça o que você
deseja, ele vai assinar suas petições.
Se você tivesse um amigo que lhe dissesse:
Venha a mim quando precisar, que eu vou
fornecer-lhe com dinheiro, você não se
108
deleitaria em visitar esse amigo? Deus lhe dará
mais da metade do reino, e não devemos
deleitar-nos com a oração? Deus nos manda
crer, e há um favo de mel para ser encontrado neste preceito: "Creia e você será salvo." A
salvação é a coroa que está na cabeça da fé. Bem
pode o apóstolo dizer, “os seus mandamentos não são pesados. "Oh então, se a religião é tão
benéfica, e se há tal ouro para ser escavado desta
mina, isto pode fazer-nos ter deleite nos
caminhos de Deus.
6. Como Cristo se deleita com a obra da nossa
redenção? "Eis-me aqui, tenho prazer em fazer a tua vontade, ó meu Deus,“ (Salmo 40.7,8). Nisto
concordam os expositores quando falam
misticamente de Cristo; quando ele veio ao
mundo para sacrificar sua vida por nós, que foi por oferta de uma vontade livre. "Eu tenho um
batismo para ser batizado com ele" (Lucas 12.50).
Cristo deveria ser, e assim foi, por assim dizer,
batizado em seu próprio sangue, e como ele desejava que isto se cumprisse. Cristo deleitou-
se com a obra da nossa redenção, e não vamos
nos deleitar com o seu serviço? Ele sofreu de
bom grado, e oraremos de má vontade? Ele entregou a sua vida por nós tão alegremente, e
não vamos desistir de nossas vidas por ele?
Certamente, se qualquer coisa pudesse fazer
Cristo se arrepender de derramar seu sangue, seria isso, ver os cristãos se saírem tão mal no
dever, fazendo-o antes como uma penitência do
que um sacrifício.
109
7. Deleitar-se no serviço de Deus nos faz
semelhantes aos anjos no céu. Eles servem a
Deus com alegria; assim que Deus fala a palavra,
eles ficam ambiciosos para obedecer. Como eles são enchidos com prazer, enquanto eles estão
louvando a Deus! No céu, seremos como os
anjos; o deleite espiritual deveria nos fazer como eles aqui; porque servir a Deus por
constrangimento, é ser como o diabo; todos os
demônios do inferno obedecem a Deus, mas é
contra a sua vontade, eles aceitam uma obediência passiva; mas o serviço que sai com
prazer é angelical: isto é porque oramos para
que a vontade de Deus seja feita na terra como
no céu; e esta não é feita com prazer lá?
8. Seu prazer na lei de Deus não produzirá
excesso. As coisas carnais muitas vezes causam aversão e náusea; logo se cansam de nossos
deleites; por isso é que mudam de um sentido
para outro. Prazer demasiado é uma dor; mas as
coisas espirituais não enfastiam ou cansam a alma; pois quanto mais estudamos na lei de
Deus, mais prazer encontramos. E a este
respeito Davi podia dizer que as palavras da boca
de Deus eram "mais doces ao seu paladar do que o mel “(Salmo 119.103). porque alguém pode em
breve se enjoar do mel, mas ele nunca pode se
enjoar com a palavra de Deus. Aquele que tem
uma vez, como Jeremias, “encontrado a palavra e a comido" (Jer 15.16). não ficará enjoado com
ela; há um sabor e aroma na palavra, que fazem
um cristão clamar: “Senhor, sempre me dê
110
deste pão.” Há aquela doce comunhão com
Deus, que faz a alma dizer: "Oh que eu possa
estar sempre assim; Oh que eu sinta sempre o
que eu sinto agora!" Aquele que se deleita em Deus, não vai se queixar que tem muito de Deus,
mas muito pouco: ele abre e espalha as velas do
barco da sua alma para ter mais dessas tempestades celestiais, ele anseia por aquele
tempo em que ele estará sempre se deleitando
na visão doce e abençoada de Deus.
9. Sem este prazer santo nós nos cansamos, e cansamos a Deus também, Isa. 7.13. " Então disse
Isaías: Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é
afadigardes os homens, que ainda afadigareis
também ao meu Deus?”. O nosso prazer em Deus faria com que ele se agradasse de nós; mas
quando começamos a dizer que estamos
cansados de servir ao Senhor (Mal 1.13), Deus
fica tão cansado como nós ficamos. Quando os deveres são um fardo para nós, eles são um
fardo para Deus, e o que devemos fazer com
eles? quando um homem está cansado de um
ardo, ele vai lançá-lo fora. Vamos todos ter este prazer vivo no serviço de Deus.
CAPÍTULO VIII
Mostrando Como um Cristão Pode Chegar a Esse Deleite na Lei de Deus
Aplicação 4. Para atingir este deleite abençoado
na lei de Deus, três coisas são necessárias.
111
Direção 1. Tenha uma alta estima pela Palavra; o
que preza ao julgamento, as afeições abraça;
aquele que valoriza o ouro, irá deleitar-se com
ele; estamos aptos, por meio de um princípio de ateísmo, para entreter ligeiros pensamentos da
religião, portanto, nossas afeições são tão
pequenas. Davi valorizava os estatutos de Deus numa taxa elevada; "Mais desejáveis são do que
o ouro, sim, do que muito ouro fino“ (Salmo
19.10), e, portanto, cresceu nele esse amor
inflamado por eles; “Terei prazer nos teus estatutos" (Salmo 119,16).
2. Ore por um coração espiritual; um coração
mundano não irá se deleitar com os mistérios
espirituais; a terra apaga o fogo. O mundanismo
destrói a alegria santa; obtenha um paladar espiritual, para que você possa saborear a
doçura da Palavra. Aquele que conhece a doçura
do mel, vai se deliciar com ele. "Se é que já
provastes que o Senhor é bom“ (1 Ped 2.3). Não é o suficiente ouvir um sermão, mas você tem que
provar o sermão; não é suficiente ler uma
promessa, mas você tem que provar a promessa;
quando tiver chegado a este paladar espiritual, então a Palavra de Deus estará com você "o gozo
e alegria do seu coração" (Jer 15.16).
3. Se você deseja ter deleite na lei de Deus, lance
fora a alegria pelo pecado; porque o pecado envenenará este deleite espiritual: Se você
deseja ter a doçura da lei de Deus, não deixe que
“o mal lhe seja doce na boca” (Jó 20.12). Quando
112
o pecado for o seu fardo, Cristo será o seu
deleite.
CAPÍTULO IX
O Deleite Santo Deve Causar Gratidão
Aplicação 5. Gratidão.
Que motivo têm para serem gratos aqueles que podem encontrar este deleite espiritual em
Deus? Como Davi bendisse a Deus que moveu os
corações das pessoas para ofertarem tão alegremente para a construção do templo; "Mas
quem sou eu, e quem é o meu povo, para que
pudéssemos fazer ofertas tão voluntariamente?
Porque tudo vem de ti, e do que é teu to damos.”
(1 Cron 29.14). A sua vontade era mais do que a
sua oferta; por isso um cristão deve dizer:
Senhor, quando há tantos soldados servindo,
quem sou eu, que eu deveria ofertar tão voluntariamente? Quem sou eu que deveria ter
teu espírito livre, e servir-te com um coração
voluntário! É uma grande bênção ter esta
prontidão e presteza no serviço de Deus.
O deleite anima o espirito para o dever; agora
nós agimos de acordo com o propósito da
religião. Os cristãos nunca são descritos de forma tão poderosa e docemente, como quando
a cadeia de deleite é presa ao seu coração. Sem
isso tudo está perdido; nossa oração e audição
113
da Palavra é como a água derramada no chão.
Isto perdeu sua beleza e recompensa; então,
bendiga a Deus, cristão, que ungiu as rodas da
tua alma com prazer, e agora tu podes “correr e não se cansar”. Porque teu conforto está
assegurado e não terás falta de qualquer coisa
que teu coração possa desejar - Salmo 37.4: "Deleita-te também no Senhor, e ele te
concederá o que deseja o teu coração."
114
O Engano do Coração
Título original: The deceitfulness of the heart
Extraído de: The Christian Father's Present to
His Children
Por John Angell James (1785-1859)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
115
"O coração humano é enganoso acima de
todas as coisas, e desesperadamente
perverso! Quem realmente sabe o quão
ruim é?" (Jeremias 17: 9)
A detecção do engano, se não é uma coisa
agradável, todavia é certamente uma rentável. O
homem que almeja o bem da sociedade deve se
colocar em guarda contra um impostor
perigoso. O meu objetivo é expor o maior
enganador do mundo, cujo desígnio é lhe
enganar, meus queridos filhos, não em sua
propriedade, nem em sua liberdade, nem em
sua vida, mas no que é infinitamente mais caro
que tudo isto, a salvação de sua alma imortal!
Seu sucesso foi espantoso, além da descrição. A
terra está cheia de suas ciladas, o inferno de
seus despojos. Milhões de almas perdidas
choram pelo sucesso desse inimigo, no abismo,
e a fumaça de seu tormento ascende para
sempre e sempre. Quem é esse impostor, e qual
é o seu nome? É o falso profeta de Meca? Não! O
espírito do paganismo? Não! As manobras da
infidelidade? Não! É o coração humano! É a isso
que a descrição do profeta se refere, "O coração
humano é muito enganoso e desesperadamente
perverso! Quem realmente sabe o quão ruim é?"
Você perceberá que está exposto às ciladas
deste enganador. Deixe-me, então, pedir sua
atenção muito séria, enquanto eu estou abrindo
116
para você alguns de seus dispositivos profundos
e maquinações sem fim.
Pelo engano do coração, devemos entender a
facilidade de nosso julgamento para ser
enganado pela depravação de nossa natureza. E
as seguintes são as provas do fato:
1. Uma prova do engano do coração é a
ignorância surpreendente em que muitas
pessoas permanecem, de seu caráter e motivos.
É com a mente que cada um parece conhecê-lo
melhor como sendo seu possuidor. Agora, isso
não é algo singular? Com o poder da
introspecção, com acesso a nossos corações a
cada momento, não é notável que alguém deve
permanecer na ignorância de si mesmo? No
entanto, não é o caso de miríades? Quantas
vezes ouvimos pessoas condenando os outros
por essas mesmas faltas, das quais todos
percebem que eles mesmos são culpados!
Temos um exemplo notável disso em Davi,
quando o profeta relatou a parábola da ovelha.
É surpreendente com que destreza algumas
pessoas vão afastar as flechas de convicção que
são destinadas a seus corações, e dar-lhes uma
direção para os outros. Quando na pregação ou
na conversação um orador está se esforçando,
de forma secreta, para fazê-los sentir que eles
são destinados como os objetos de sua censura,
117
eles estão mais ocupados em direcionar suas
palavras sobre os outros, e prontos a admirar a
habilidade e a aplaudir a gravidade com as quais
é administrado. E quando finalmente for
necessário despojar-se do disfarce, e declarar-
lhes: "Você é o homem!" É muito divertido ver
que surpresa e incredulidade eles vão
manifestar e como vão sorrir da sua ignorância,
ou franzir a testa na malícia, que poderia
imputar-lhes falhas, de que, por mais culpados
que possam ser em outros aspectos, nesse eles
se consideram totalmente inocentes!
Esse autoengano prevalece, de forma
alarmante, no assunto da piedade pessoal. O
caminho da destruição está cheio de viajantes
que, em vão, supõem que estão caminhando no
caminho da vida, e cujos "sonhos de felicidade"
nada irá perturbar, senão a terrível realidade da
miséria eterna! Como pode esse erro surgir? A
Escritura afirma mais explicitamente a
diferença entre um homem salvo e um ímpio, a
linha de distinção entre conversão e
impenitência é ampla, profunda e clara. Este
autoengano só pode ser explicado na base do
engano do coração.
Então, quando a convicção se impõe à mente, e
o caráter real começa a aparecer, com que grau
de evidência será resistido, e em que meras
sombras de prova os homens chegarão a uma
conclusão em seu próprio favor. Como eles
118
confundem motivos que são aparentes para
cada espectador; e, em alguns casos, até mesmo
se recomendam para virtudes, quando os vícios
correspondentes são abundantes em seus seios!
2. Outra prova do engano do coração reside nos
disfarces que lança sobre os seus vícios.
Chama o mal de bem, e o bem de mal. Quão
comum é que os homens mudem os nomes de
suas faltas e procurem se reconciliar com
pecados que, sob suas próprias designações,
seriam considerados sujeitos a condenação.
Assim, a intemperança e o excesso são
chamados de disposição social e boa comunhão;
o orgulho é chamado de dignidade da mente; a
vingança é chamada de coragem; a pompa vã, o
luxo e a extravagância são chamados de gosto,
elegância e refinamento; a cobiça é chamada de
prudência; a leviandade, a loucura e a
vulgaridade são chamadas de alegria inocente e
bom humor. Mas, será que um novo nome altera
a natureza de um vício? Não! Pode-se vestir um
porco em púrpura e ouro, e vestir um demônio
nas vestes de um anjo de luz, e o primeiro
continua sendo um animal, e o outro um
demônio ainda!
A mesma operação de engano tiraria do vício a
sua deformidade, e roubaria da santidade a sua
beleza. A sensibilidade da consciência é
chamada de precisão ridícula; o zelo contra o
119
pecado é chamado de morosidade e má
natureza; a seriedade da mente é chamada de
melancolia repulsiva; a santidade superior é
chamada de hipocrisia repugnante. Em suma,
toda a religião espiritual é chamada de chatice
nauseante e de entusiasmo selvagem. É, no
entanto, o clímax deste engano, quando o vício é
cometido sob a noção de que é uma virtude; e
isso tem sido feito em inúmeros casos. Saulo de
Tarso pensou que ele estava fazendo o serviço
de Deus enquanto ele estava destruindo a igreja.
Os intolerantes de Roma persuadiram-se de que
estavam fazendo o bem enquanto derramavam
o sangue dos santos. Oh! A profundidade do
engano no coração humano!
3. Que propensão há, na maioria das pessoas,
para arrumar desculpas para seus pecados; e
por quantos pretextos superficiais eles são
muitas vezes levados a cometer iniquidade.
Desde aquele momento fatal em que nossos
primeiros pais se esforçaram para transferir a
culpa de seu crime um para o outro e sobre a
serpente, a disposição de fazer desculpas para o
pecado, em vez de confessá-lo, foi a doença
hereditária de sua prole. Descobre-se cedo no
caráter humano; e é realmente visto quanta
habilidade é manifestada por crianças muito
jovens em desculpar suas falhas; e esta
disposição aumenta e se fortalece com o seu
crescimento.
120
Alguns desculpam seus pecados com base no
costume; outros pleiteiam a pequenez de seus
pecados; outros tentam persuadir-se de que a
força da tentação será admitida como
justificativa de sua conduta; enquanto alguns
alegam o poder do mau exemplo. É a primeira
ofensa, dizem alguns; é a força do hábito,
exclamam outros. Alguns tentam encontrar
desculpa para seus pecados reais na depravação
inerente à sua natureza; outros na peculiaridade
de seu temperamento e constituição; alguns
chegam a lançar todos os seus pecados sobre o
Autor de sua natureza. Estas são apenas algumas
das muitas desculpas pelas quais os homens são
conduzidos primeiro ao pecado; e com as quais
se defendem depois das acusações da
consciência, e que demonstram da forma mais
convincente o profundo engano do coração
humano.
4. O engano do coração, também é provado pela
maneira gradual e quase insensível com que
leva os homens para a prática do pecado.
Nenhum homem se torna perverso de uma só
vez. O caminho de um pecador em sua carreira
foi comparado ao curso de uma pedra por uma
colina íngreme, cuja velocidade é acelerada por
cada revolução. O coração não se ofende e se
choca muito com julgamento solicitado no
início; esconde o fim da carreira, e deixa apenas
para ser visto conforme é exigido para a ocasião
121
imediata. Quando o profeta do Senhor revelou a
Hazael suas futuras perversidades, ele
exclamou: "Seu servo é um cão, para que ele faça
isso?" A exclamação era totalmente honesta.
Naquela época, sem dúvida, ele era incapaz de
tal perversidade, e foi uma repulsa sincera da
natureza que provocou a expressão de seu
aborrecimento. Mas ele não conhecia seu
coração. Pouco a pouco, foi levado adiante no
curso da iniquidade, e, finalmente, ultrapassou
por sua maldade a predição do profeta.
O hábito torna todas as coisas fáceis, e ele não
excetua os crimes mais atrozes. Os homens
muitas vezes fizeram isso sem relutância ou
remorso, que, em um período de suas vidas, eles
teriam estremecido por sequer contemplar!
Muitos cometem perversidades, das quais não
puderam ser persuadidos por argumentos, nem
induzidos por nenhum motivo para não as
praticarem, que teriam, provavelmente alguns
anos ou meses antes, tremido com a simples
ideia de que seriam capazes de fazê-lo. "Quando
o coração do homem é ligado pela graça de
Deus, e amarrado nas faixas de ouro da religião
verdadeira, e vigiado por anjos, e cuidado por
ministros, aqueles enfermeiros da alma, isto
não é fácil para um homem e o mal do seu
coração é vigiado como a ferocidade dos filhotes
de leões. Mas, quando ele quebrou uma vez a
cerca, e entrou na força da juventude, e na
licenciosidade da idade adulta ingovernada, é
122
espantoso observar que uma grande inundação
de mal, num curto espaço de tempo,
transbordará todas as margens da razão e da
piedade. O vício é primeiro agradável, depois
fica fácil, e depois é delicioso, depois é frequente
e habitual, e sendo depois confirmado, o
homem fica viciado e obstinado, e então resolve
nunca se arrepender, depois ele morre, e é
condenado!" (Sermões de Jeremy Taylor).
Tenho lido em algum lugar de um dos primeiros
cristãos, que, ao ser solicitado por um amigo
para acompanhá-lo ao anfiteatro, para
testemunhar os combates de gladiadores com
animais selvagens, expressou sua maior
repugnância ao esporte, e se recusou a
testemunhar uma cena condenável tanto pela
humanidade como pelo cristianismo.
Ultrapassado, por fim, pelas súplicas insistentes
e contínuas de seu amigo, a quem não desejava
ofender, consentiu em ir, mas determinou que
fecharia os olhos assim que se sentasse e os
manteria fechados durante todo o tempo que
ele estivesse no anfiteatro. Em alguma
demonstração particular de força e habilidade,
por um dos combatentes, um grito de aplausos
foi levantado pelos espectadores, quando o
cristão quase involuntariamente abriu os olhos;
sendo aberto, achou difícil fechá-los
novamente; ele se interessou pelo destino do
gladiador, que então estava envolvido com um
leão. Ele voltou para casa, professando não
123
gostar, como seus princípios exigiam que ele
fizesse, desses jogos cruéis, mas ainda assim sua
imaginação revertia para as cenas que ele havia
testemunhado sem querer. Ele foi novamente
solicitado por seu amigo, que percebeu a
conquista que tinha sido feita, para ver o
esporte. Ele encontrou menos dificuldade agora
do que antes em consentir. Ele foi, sentou com
os olhos abertos, e apreciou o espetáculo
sangrento. De novo e de novo, sentou-se com a
multidão pagã, até que finalmente se tornou um
assistente constante no anfiteatro, abandonou
seus princípios cristãos, recaiu na idolatria,
morreu um pagão e deixou uma prova fatal do
engano do pecado!
Quando um jovem que recebeu uma piedosa
educação, começa a ser solicitado a romper as
restrições impostas pela consciência, só pode
aventurar-se em pecados menores; ele talvez só
vá ver uma peça, ou se junte a uma revelação à
meia-noite, mas mesmo isso não é feito com
facilidade; ele ouve a voz de um monitor interno,
se assusta e hesita, mas obedece. Um remorso
pequeno se segue, mas logo desaparece. Na
próxima vez que a tentação se apresenta, sua
relutância é diminuída, e ele repete a ofensa
com menos hesitação quanto à anterior, e
menos compunção subsequente. O que ele fez
uma vez, ele agora sem escrúpulos faz
frequentemente. Sua coragem está
aumentando tanto, e seu medo do pecado está
124
tão distante e abatido, que ele logo se encoraja a
cometer um pecado maior, e a taverna e a
corrida de cavalos são frequentados com tão
pouca relutância como o teatro. A consciência,
de vez em quando, protesta, mas ele adquiriu a
capacidade de desconsiderar suas advertências,
senão para silenciá-las. Com o passar do tempo,
evita a sociedade de todos os que fazem
pretensões à piedade, como problemática e
angustiante, e o jovem despreocupado junta-se
a companheiros perversos mais adequados ao
seu gosto. Agora seus pecados crescem com
vigor sob a influência do fomento da companhia
ímpia, assim como as árvores que são colocadas
em um jardim.
Por esta altura a Bíblia é colocada fora de vista,
toda oração é negligenciada, e o dia do Senhor é
constantemente profanado. Por fim, ele sente a
"força do costume" e se torna escravizado pelo
"hábito arraigado". As advertências de um pai, e
as lágrimas de uma mãe piedosa, não produzem
impressões, senão que são como a "nuvem da
manhã, ou orvalho precoce, que logo passa". Ele
retorna à sociedade de seus maus compnheiros,
onde as advertências dos pais são convertidas
em matéria de brincadeira maligna. O pecador
está assentado agora em um mau caminho; e o
"rebento da iniquidade" fixou as suas raízes
profundamente no solo da depravação. A voz da
consciência é agora, senão raramente ouvida, e
125
mesmo então apenas no fraco sussurro de um
amigo moribundo.
Seu próximo estágio é perder a sensação de
vergonha. Ele não usa mais uma máscara, ou
procura a sombra, mas peca abertamente, e sem
disfarce. A consciência agora está silenciada; e
ele persegue sem um autoexame, a carreira de
pecado. Ele pode encontrar um santo sem um
rubor, e ouvir a voz de advertência com um
desdém. Você acreditaria nisso? Ele se gloria na
sua vergonha, e tenta justificar sua conduta. Não
contente com ser mau, ele tenta fazer outros tão
ruins quanto ele mesmo, atribui ao caráter de
um apóstolo o de Satanás, e, como seu maligno
mestre, anda como um leão rugindo,
procurando a quem possa devorar.
Como ele é condenado em todos os seus
caminhos pela Bíblia, ele se esforça para se
livrar deste juiz incômodo, e persuade-se que o
cristianismo é uma fraude. Com princípios
infiéis e práticas imorais, ele agora se apressa à
destruição, poluído e poluindo. Seus pais, cujos
cabelos grisalhos ele trouxe em tristeza ao
túmulo, entraram em seu descanso, e em
misericórdia não é permitido viverem para
testemunharem sua vergonha. Seus vícios o
levam à extravagância; sua extravagância está
além de seus recursos, e em uma hora má, sob a
pressão de reivindicações que ele é incapaz de
126
cumprir, comete um ato em que perde a vida.
Ele é preso, julgado, condenado, e executado!
Esta não é uma ilustração imaginária; muitas
vezes ocorreu. Meus queridos filhos, vejam o
engano do pecado. Medite, e trema, e ore. Esteja
alarmado com pequenos pecados, pois eles
levam a grandes. Esteja alarmado com atos de
pecado, pois eles tendem a hábitos. Esteja
alarmado com os pecados comuns, pois eles vão
para aqueles que são hediondos. Tenho lido
sobre um servo que entrou em um quarto, com
a intenção de apenas satisfazer seu paladar com
alguns doces, mas percebendo alguns artigos de
prata, ele abandonou a presa menor para estes,
e roubando-os, tornou-se um ladrão
confirmado e morreu na forca! Muitas
prostitutas, que pereceram em um sótão em
cima de palha, começaram seu curso miserável
e repugnante com um mero amor a um vestido.
O pecado é como um fogo, que deve ser
extinguido na primeira faísca, pois se for
deixado a si mesmo, em breve irá se transformar
num incêndio!
5. A última prova do engano do coração que eu
vou mostrar são as perspectivas ilusórias que
apresenta ao julgamento.
Às vezes, elas pleiteiam a comissão do pecado
com base no prazer que ele proporciona. Mas,
enquanto fala do mel da gratificação, elas
127
também falam do veneno da reflexão e do
castigo?
Em outras ocasiões, o engano do coração sugere
que o recuo é fácil na carreira do pecado, e pode
ser usado se seu progresso for inconveniente. É
assim? O contrário é verdadeiro. Cada passo que
avançamos torna cada vez mais difícil voltar.
Então o engano do coração nos encoraja adiante
com a ideia ilusória de que há tempo suficiente
para se arrepender na velhice. Mas, diz, o que
realmente é verdade, que para qualquer coisa
que você conhece, você pode morrer amanhã?
Não! E aqui está o seu engano.
Ele habita na misericórdia de Deus, mas está em
silêncio sobre o assunto de sua justiça.
O que você pensa agora do coração humano?
Você pode questionar o seu engano, ou que é
enganoso acima de todas as coisas? Como então
você vai tratá-lo?
Seguramente, diante de um quadro assim, você
não falará da dignidade moral da natureza
humana; porque isso seria falar da dignidade da
mentira e do engano.
Procure renová-la pelo Espírito Santo. É um
primeiro princípio da religião verdadeira, que o
coração deve ser renovado, e aqui você vê a
128
necessidade disso. Não é só a conduta que é má,
mas o coração, e portanto não é apenas
necessário que a conduta seja reformada, mas a
própria natureza deve ser regenerada. É o
coração que impõe o julgamento, e é o
julgamento que engana a conduta; e portanto a
raiz do mal não é tocada até que a disposição seja
mudada.
Suspeite do coração e examine-o. Trate-o como
se fosse um homem que o enganaria de todas as
maneiras possíveis e, em inúmeros casos,
provaria ser falso. Suspeite continuamente.
Sempre atue sob a suposição de que está
escondendo algo que está errado. Examine-o
perpetuamente. Entre na casa dentro de você;
abra todas as portas; entre em cada cômodo;
procure cada canto; varra cada quarto. Leve
consigo a lâmpada da Escritura e lance luz sobre
cada esconderijo.
Observe o coração com toda a diligência,
sabendo que é a fonte de tudo o que você faz.
Você observaria cuidadosamente cada atitude,
cada movimento, cada olhar de um impostor
que fixou seu olho em seus bens. Assim, trate
seu coração. Que cada pensamento, cada
imaginação, cada desejo, sejam colocados sob a
mais vigilante e incessante inspeção!
Coloque seu coração na mão de Deus para
guardá-lo. "Meu filho, me dê seu coração", é sua
129
própria demanda. Dê a Ele para que ele possa ser
cheio do seu amor e mantido pelo Seu poder.
Que seja a sua oração diária: "Senhor, levanta-
me e serei levantado, guarde-me pelo seu poder,
pela fé, para a salvação".
Nota do Tradutor: Considerando as abundantes
citações que John Angell James faz em seus
escritos de partes do pensamento de Jeremy
Taylor, conforme é o caso no presente livro,
estamos apresentando a seguir a parte inicial de
um sermão de Jeremy Taylor sobre o mesmo
tema e sob o mesmo título, para a apreciação do
leitor da sabedoria que nele havia. (Como em
todas as nossas demais traduções, esta também
se refere a material antigo em domínio público,
vertido e publicado pela primeira vez em língua
portuguesa.)
“O coração é enganoso acima de todas as coisas,
e desesperadamente corrupto; quem pode
conhecê-lo?” (Jeremias 12. 9)
A loucura e a sutileza dividem a maior parte
da humanidade; e não há outra diferença senão
esta; que alguns são astuciosos o suficiente para
enganar, e outros são tolos o suficiente para
serem enganados e abusados: e ainda a balança
também desequilibra; pois aqueles que são mais
espertos para convencer os outros, são os tolos
mais verídicos e, sobretudo, abusaram de si
130
mesmos. Roubam ao seu próximo o seu
dinheiro e perdem a própria inocência;
perturbam seu descanso, e vexam sua própria
consciência; eles o lançam na prisão, e eles
mesmos no inferno; eles fazem da pobreza a
porção de seu irmão, e a sua a da condenação. O
homem entrou no início sozinho no mundo;
mas tão logo que ele recebeu uma companhia,
ele teve três para enganá-lo: a serpente, Eva e ele
próprio – todos estavam unidos para torná-lo
um tolo, e para enganá-lo, e então fazê-lo
miserável.
Mas, ele primeiro enganou a si mesmo, “dando
crédito a uma mentira"; e, desejando ouvir os
sussurros de um espírito tentador, pecou antes
de cair; isto é, ele tinha dentro dele uma
compreensão falsa e uma vontade depravada: e
estes foram os pais de sua desobediência, e este
foi o pai de sua infelicidade, e uma grande
ocasião para a nossa própria.
E então ele entrou, tanto para si quanto para a
sua posteridade, na condição de um ignorante,
crédulo, superficial, obstinado, apaixonado e
impotente; apto a ser abusado, e tão amoroso
para sê-lo assim, que se ninguém mais vai
abusar dele, ele vai se certificar de abusar de si
mesmo, por ignorância e princípios malignos
abertos a um inimigo, e pela obstinação e
sensualidade fazendo a si mesmo as injúrias
mais imperdoáveis em todo o mundo. De modo
131
que a condição do homem, nas rudezas e nas
primeiras linhas de seu rosto, parece muito
miserável, deformado e amaldiçoado.
Porque um homem é impotente e vão; de uma
condição tão exposta à calamidade, que um
inseto peçonhento é capaz de matá-lo; qualquer
soldado do exército egípcio, uma mosca pode
fazê-lo, quando ele vai na missão de Deus; o mais
desprezível acidente pode destruí-lo, a menor
chance dele, toda contingência futura, quando
considerada como possível, pode surpreendê-
lo; e ele é cercado de inimigos potentes e
maliciosos, sutis e implacáveis: e o que esta
pobre e indefesa criatura fará? Acreditar em
Deus? Ele o tem ofendido e teme-o como um
inimigo e, Deus sabe, se olharmos apenas em
nós mesmos e em nossos próprios deméritos,
temos razão demais para fazê-lo. Ele deve contar
com os príncipes?
Deus ajuda reis pobres; eles dependem de seus
súditos, eles lutam com suas espadas, tributam
forças com o dinheiro deles! Aconselham-se
ouvindo com os ouvidos deles, e são fortes,
somente com a sua união, e muitas vezes usam
todas estas coisas contra eles; mas, embora, eles
nada possam fazer sem eles enquanto vivem, e
no entanto, se alguma vez eles podem morrer,
eles não devem ser confiáveis. Ora, reis e
príncipes morrem tão triste e notoriamente,
132
que foram usados para um provérbio na Sagrada
Escritura:
"Vós morrereis como os homens e caireis como
um dos príncipes".
Em quem devemos confiar? Em nosso amigo?
Pobre homem! Ele pode te ajudar em uma coisa,
e te necessita em dez; ele pode puxar-lhe para
fora da vala, e seu pé pode escorregar e fazer cair
nela ele mesmo; ele te dá conselho para
escolher uma esposa, e ele próprio deve
procurar escolher prudentemente a sua
religião; ele lhe aconselha a se abster de um
duelo e, no entanto, mata a sua própria alma
com a bebida; como uma pessoa vazia de toda a
compreensão, ele está disposto a preservar o teu
interesse e é muito descuidado dos seus;
despreza muito trair ou ser falso a você, e no
meio do tempo não é seu próprio amigo, e é falso
a Deus; e então sua amizade pode ser útil a você
em algumas circunstâncias de fortuna, mas de
nenhuma segurança para a tua condição. Mas, o
que fazer então? Devemos confiar em nosso
patrão, como os clientes romanos, que
esperavam cada hora em suas pessoas, e
diariamente em suas cestas, e todas as noites
em suas concupiscências, e se aliançaram com
suas amizades, e contraíram também o seu ódio
e discussões? Esta é uma confiança que nos
enganará. Pois eles podem nos estabelecer,
justa ou injustamente; eles podem se cansar de
133
fazer benefícios, ou suas fortunas podem
mudar; ou eles podem ser caridosos em seus
dons, e pesados em seus ofícios; capazes de
alimentá-lo, mas incapazes de aconselhá-lo; ou
o que você precisa pode ser mais longo do que as
suas gentilezas, estar em tal condição em que
eles não podem dar-lhe nenhuma ajuda e, na
verdade, geralmente é assim, as situações de
fraquezas dos homens.
Temos um amigo que é sábio; mas eu não
preciso de seu conselho, mas de sua comida: ou
meu patrono é generoso ao extremo; mas estou
perturbado com um espírito triste; e o dinheiro
e os presentes não me fazem mais confortável
do que os perfumes fazem com uma urna
quebrada. Buscamos a vida e saúde em um
médico que está morrendo, e que não pode
curar sua própria respiração ou gota; e assim se
tornam vãs as nossas imaginações, abusadas em
nossas esperanças, inquietas em nossas
paixões, impacientes em nossa calamidade, sem
apoio em nossa necessidade - inimigos
expostos, errantes e selvagens, sem conselho e
sem remédio. Afinal, depois de amarrar o laço e
enganar todas as nossas confidências, não
temos nada que nos deixe senão voltar para casa
e morar dentro de nós mesmos: temos um
estoque suficiente de amor próprio, se
pudermos confiar em nossas próprias afeições,
podemos confiar em nós mesmos com certeza;
para que aquilo que nos falta em habilidade nós
134
compensaremos em diligência, e nossa
indústria suprirá a falta de outras
circunstâncias: e nenhum homem compreende
meu próprio caso tão bem como eu mesmo, e
nenhum homem julgará tão fielmente como
farei para mim mesmo; pois estou muito
preocupado em não abusar de mim mesmo; e se
eu fizer, eu serei o perdedor, e, portanto, posso
melhor confiar em mim mesmo. Infelizmente! E
Deus nos ajude! Nós acharemos que não há tal
coisa: porque não nos amamos bem, nem
entendemos nosso próprio caso; somos parciais
em nossas próprias perguntas, enganados em
nossas frases, descuidados de nossos
interesses, e as mais falsas e pérfidas criaturas
para nós mesmos em todo o mundo; até mesmo
porque o "coração de um homem, é enganoso
acima de todas as coisas, e desesperadamente
perverso, quem pode conhecê-lo?” E quem pode
escolher corretamente se não conhecer isto?
E não há maior argumento do engano de nossos
corações do que este, que nenhum homem pode
conhecê-lo totalmente; ele nos trai no próprio
número de seus enganos. Mas, ainda podemos
reduzir tudo a dois pontos principais. Dizemos, a
respeito de um homem falso: não confie nele,
pois ele vai enganá-lo; e dizemos a respeito de
uma equipe fraca e quebrada: não se apoiem
sobre ela, pois isso também lhes enganará. O
homem engana porque é falso, e o bastão
porque é fraco; e o coração porque é ambos. De
135
modo que é "enganoso acima de todas as coisas";
isto é, fracassado e incapacitado para nos
sustentar em muitas coisas, mas em outras
coisas, onde pode, é falso e "desesperadamente
corrupto". O primeiro tipo de engano é a sua
calamidade, e o segundo é a sua iniquidade; e
que é a pior calamidade dos dois.
1. O coração é enganoso em sua força; e quando
temos o crescimento de um homem, temos as
fraquezas de uma criança: mais ainda, e é uma
consideração triste, quanto mais avançamos na
idade, mais fracos somos em nossa coragem.
Aparece nas carreiras e em avanços de novos
convertidos, que são como as grandes emissões
de relâmpagos, ou como enormes incêndios,
que queimam sem medida, mesmo tudo que
eles podem; até que das chamas eles descem
para fogueiras, de lá para fumaça, de fumaça
para brasas, e de lá para cinzas; frios e pálidos,
como fantasmas, ou as fantásticas imagens da
morte. E a Igreja Primitiva era zelosa em sua
religião até o grau de querubins, e correria
avidamente à espada do carrasco, para morrer
pela causa de Deus, como fazemos agora com a
maior alegria e entretenimento de um espírito
cristão - até ao receber do santo sacramento. Um
homem acharia razoável que a primeira
infância do cristianismo fosse, segundo a
natureza dos primórdios, negligente, gentil e
inativa; e a experiência cotidiana, e conforme o
136
objeto ou evidência da fé cresceu, o qual em
todas as épocas tem um grande grau de
argumentação superado à sua confirmação,
assim deve suceder também ao hábito e à graça;
pois quanto mais tempo dura, e quanto mais
objeções ela atravessa, ainda deve mostrar uma
luz mais brilhante e mais certa para descobrir a
divindade de seu princípio; e que, depois de
mais exemplos, de novos acidentes e
estranhezas da providência, de multidões de
milagres, ainda o cristão se tornaria mais certo
na sua fé, mais refrigerado em sua esperança e
fervoroso em seu amor; com a própria natureza
destas graças crescendo e inchando sobre a
própria nutrição da experiência, e a
multiplicação de seus próprios atos. E ainda,
porque o coração do homem é falso, sofre os
incêndios do altar, e as chamas diminuem pela
multidão de combustível. Mas, na verdade, é
porque colocamos fogo estranho e apagamos o
fogo em nossas lareiras, deixando entrar um
raio de sol, o fogo da luxúria ou o calor de um
espírito de raiva, para apagar o fogo de Deus e
suprimir a doce nuvem de incenso. O coração do
homem não tem força suficiente para pensar
um bom pensamento de si mesmo; não pode
dirigir suas próprias atenções a uma oração de
dez linhas de comprimento, mas, antes de seu
fim, vagará depois de algo que não serve para
nada; e não admira, então, que ele se canse de
uma santa religião, que consiste em tantas
partes como fazer o negócio de uma vida inteira.
137
E não há maior argumento no mundo de nossa
fraqueza espiritual e da falsidade de nossos
corações em matéria de religião do que o atraso
que a maioria dos homens tem sempre, e todos
os homens às vezes têm de dizer suas orações;
tão cansados de seu comprimento, tão alegres
quando as terminam, tão espirituosos para
desculpar e frustrar uma oportunidade; e ainda
não há nenhuma maneira de problema no
dever, nenhum cansaço dos ossos, nenhum
trabalho violento; nada além de implorar uma
bênção e recebê-la; nada mais do que fazer a nós
mesmos a maior honra de falar à maior Pessoa e
maior Rei do mundo, e que não devemos fazer
isso, tão incapazes de continuar nele, tão
atrasados para voltar a ele; não pode haver
motivo visível na natureza da coisa, mas algo
dentro de nós, uma doença estranha no coração,
uma náusea espiritual ou repugnância do maná,
algo que não tem nome; mas temos a certeza de
que ela vem de um coração fraco e falso.
E, no entanto, este coração fraco é forte em
paixões violentas, em desejos irresistíveis em
seus apetites, impaciente em sua luxúria,
furioso em raiva: aqui estão forças suficientes,
deve-se pensar. Mas, eu vi um homem com
febre, doente e mal-humorado, incapaz de
andar, menos capaz de falar com sentido, ou de
fazer um ato de conselho; e, no entanto, quando
a febre tinha chegado a um delírio, era forte o
suficiente para espancar seu enfermeiro e seu
138
médico também, e resistir à violência amorosa
de todos os seus amigos, que o vinculariam à
razão e à sua cama. E ainda assim dizemos: Ele
está fraco e enfermo até a morte. Pois essas
forças da loucura não são saúde, mas fúria e
doença. É a fraqueza de outra maneira."
E assim são as forças do coração de um homem:
elas são grilhões e algemas; fortes, mas são a
corda da prisão; tão fortes, que o coração não é
capaz de se mover. E, no entanto, não pode
deixar de ser uma tristeza enorme, que o
coração deve perseguir um interesse temporal
com inteligência e diligência, e uma indústria
incansável; e não terá força suficiente, em uma
questão que diz respeito ao seu interesse eterno,
para responder a uma objeção, para resistir a
um ataque, para derrotar uma arte do diabo;
mas cairá certamente e infalivelmente, sempre
que for tentado a um prazer.
Isto, se for examinado, provará ser um engano,
na verdade uma pretensão, em vez de
verdadeiro sobre uma causa justa: isto é, não é
uma fraqueza natural, mas uma moral e viciosa.
Podemos expor isto em um ou dois casos
familiares. Uma das grandes forças, deveria eu
chamar isto? Ou fraqueza de coração é – aquilo
que é forte, violento e apaixonado em luxúrias
doentias, e fraco e enganoso para resistir a
qualquer fala à pessoa tentada, que se ela agir
conforme a sua luxúria, desonra seu corpo, e se
faz um servo da loucura, e que se faz uma só
139
carne com uma meretriz; que ele "profanou o
templo de Deus, e aquele que profanou o
templo" Deus o destruirá. Mas eles não têm
poder para resistir à tentação, e muito menos
para dominá-la; seu coração lhes falha quando
encontram sua amante; e são levados como
tolos aos troncos da execução, ou como um
touro ao matadouro. E, no entanto, o seu
coração os engana; não porque não possam
resistir à tentação, mas porque não irão fugir
dela; porque é certo que o coração pode, caso se
incline a isto. Pois, se um menino entra no teu
quarto, e descobre a tua loucura, a tua luxúria se
desfaz, e a tua vergonha a esconde; pois não o
atreveria a fazê-lo diante de um estranho; e, no
entanto, ousas fazê-lo perante os olhos do Deus
que tudo vê; isto é impudência e loucura, e uma
grande convicção da vaidade de tua pretensão e
da falsidade de seu coração.
Faça com que sua castidade e temperança sejam
tão fáceis, que um homem pode ser trazido a
ambas como sendo instrumentos tão prontos e
fáceis; não deixemos que o nosso coração nos
engane pela fraqueza de seus pretextos e pela
força de seus desejos; quanto à impossibilidade
de alcançá-las, porque nós fazemos mais por um
menino do que por Deus, e por vinte libras do
que pelo próprio céu.
Mas, assim é em tudo o mais; tome um herege,
um rebelde, uma pessoa que tem um mal para
140
gerenciar; o que quer que seja, na força da sua
razão, ele deve fazê-lo com diligência e uma
pessoa que tem a noção do que é direito está ao
seu lado, é fria, diligente, preguiçosa e inativa,
confiando que a bondade de seu uso vai fazê-lo
sozinho. Porém, tão erradas pretensões,
enquanto as pessoas perversas são zelosas na
matéria doentia, e outras são negligentes em
boa vontade, a mesma pessoa será sempre
industriosa, quando tiver as menores razões.
Esse é o primeiro particular, o coração
enganoso no manejo de suas forças naturais; é
natural e fisicamente perseverante, mas
moralmente fraco e impotente.
2. O coração do homem é enganoso ao julgar os
seus próprios atos. Não sabe quando é satisfeito
ou desagradado; é irritadiço e insignificante; e é
em muitos casos impossível saber se o coração
de um homem deseja determinada coisa ou não.
Ambrósio tem um estranho provérbio: "É mais
fácil encontrar um homem que viveu
inocentemente, do que aquele que realmente se
arrependeu", com uma dor e cuidado grande de
acordo com o tamanho de seus pecados.
Suponha agora que um homem que passou os
seus anos mais jovens na vaidade e na loucura, e
pela graça de Deus, ficando apreensivo disto,
pensa em voltar a conselhos sóbrios; este
homem encontrará seu coração tão falso, tão
sutil e fugitivo, tão secreto e não discernível, que
141
será muito difícil discernir se ele se arrependeu
ou não.
Pois, se ele considera que odeia o pecado e,
portanto, se arrepende; ai! Ele odeia tanto, que
não se atreve, se é sábio, tentar-se com a
oportunidade de agir; porque no meio do que
chama de ódio, ele tem tanto amor pelo pecado
deixado, que se este pecado vier de novo, ele se
considera justo, e ele fica perdido novamente,
ele beija o fogo, e morre em seus abraços.
E por que outra razão seria necessário que
orássemos, para que "não sejamos induzidos à
tentação", senão porque odiamos o pecado e
ainda o amamos muito; amaldiçoamo-lo, e o
seguimos; estamos com raiva de nós mesmos, e
no entanto não podemos ficar sem ele; sabemos
que isso nos destrói, mas achamos agradável. E
quando tivermos de enfrentar a ira feroz do
Senhor sobre nossos pecados, ainda assim
somos bondosos, e poupamos este Agague, o
pecado reinante, a esplêndida tentação.
Estes são apenas sinais desta fraqueza. Como
saberei, por algum sinal infalível, que eu sou um
verdadeiro penitente? E se eu chorasse por
meus pecados você não iria então me dar
licença para concluir que meu coração está na
luz com Deus, e em inimizade com o pecado?
142
Pode ser assim. Mas, há alguns amigos que
choram ao se despedirem; e não é o seu choro
uma tristeza de afeto. É uma coisa triste separar-
se do nosso companheiro. Ou, talvez, você
chore, porque acha que teria assim um sinal
para lhe convencer; porque alguns homens
estão mais desejosos de ter um sinal do que a
coisa significada; farão algo para mostrar o seu
arrependimento, para que eles mesmos possam
crer em si mesmos que são penitentes, sem
razão, entretanto de acreditar assim. E eu vi
algumas pessoas chorarem de coração pela
perda de seis pences, ou por quebrar um copo,
ou em algum acidente insignificante; e os que o
fazem, não podem fingir ter suas lágrimas
valorizadas a um ritmo maior do que quando
chorarem ao confessarem o seu pecado.
De modo que um homem não pode avaliar o seu
próprio coração por suas lágrimas, ou a verdade
de seu arrependimento por essas rajadas de
tristeza. Como então? Suponhamos que um
homem ore contra seu pecado? Assim fez
Agostinho; quando, na sua juventude, foi
tentado à concupiscência e à impureza, e orou
contra elas, e secretamente desejou que Deus
não o ouvisse; porque aqui o coração é esperto
para enganar a si mesmo. Pois, nenhum homem
orou de todo o coração contra o seu pecado em
meio a uma tentação, se em qualquer sentido ou
grau ouviu a tentação. Orar contra um pecado, é
ter desejos contrários a ele, e isto não pode
143
consistir em qualquer amor ou bondade para
com ele. Oramos contra ele, e ainda assim o
praticamos; e depois oramos novamente, e o
praticamos novamente: e nós desejamos, e
ainda oramos contra os desejos; e isto é quase
uma contradição.
Agora, porque pode ser suposto que nenhum
homem deseja contra a sua própria vontade, ou
escolha contra os seus próprios desejos; está
claro que não podemos saber se queremos dizer
o que dizemos quando oramos contra o pecado,
mas se nunca o praticamos, nunca o
entretemos, sempre lhe resistimos, e lutamos
contra ele, então finalmente prevaleceremos; e
enfim, podemos julgar nosso próprio coração
como tendo sido honesto naquele particular.
Não, nosso coração é tão enganador nesta
questão de arrependimento, que os senhores da
vida espiritual estão dispostos a inventar artes
de suplemento e estratagemas para garantir o
dever. E nós somos aconselhados a chorar,
porque não choramos, para ficarmos tristes,
porque não ficamos tristes. Agora, se ficarmos
tristes na primeira fase, como acontece que nós
não o conhecemos? Nosso coração é tão secreto
para nós mesmos? Mas, se não estivermos
tristes no primeiro período, como estaremos
nós, ou saberemos no segundo período? Pois
bem podemos duvidar da sinceridade do
segundo, ou do ato reflexo de tristeza. E, por
144
conseguinte, também podemos estar tristes
pela terceira vez, por falta da medida justa ou do
significado cordial da segunda tristeza, como
nos entristecemos pela segunda vez, por falta de
verdadeira tristeza na primeira; e assim por
diante até o infinito. E nunca estaremos seguros
neste artifício, se não estivermos certos de
nossa paixão natural e calorosa em nossas
primeiras apreensões diretas.
Assim, muitas pessoas pensam estar em uma
boa condição, e não se questionam de sua
salvação, sendo confiantes apenas porque eles
estão confiantes; e eles são assim, porque eles
pensam ser assim; e no entanto eles não estão
confiantes em tudo, mas extremamente
temerosos. Quantas pessoas existem no mundo,
que dizem que estão seguras da sua salvação, e
ainda assim não ousam morrer? E, se algum
homem fingir que agora está certo de que será
salvo e que não pode cair da graça; não há
melhor maneira de confundi-lo, do que
aconselhando-o a mandar buscar o cirurgião e
sangrar até a morte. Pois o que o impediria; não
o pecado; pois não pode tirá-lo do favor de Deus:
não a mudança de sua condição; porque ele diz,
que está certo de que irá para uma condição
melhor. A razão é claramente essa, eles dizem
que estão confiantes, e ainda são extremamente
temerosos; eles professam crer nessa doutrina,
e ainda assim não ousam confiar nela; não, eles
pensam que acreditam, mas não o fazem; tão
145
falso é o coração de um homem, tão enganador
em seus próprios atos, tão estranho para a sua
própria sentença e opiniões.
3. O coração é enganoso em suas próprias
resoluções e propósitos. Por muitas vezes os
homens fazem a sua resolução apenas na sua
compreensão, não na sua vontade; eles
resolvem que é apropriado para ser feito, mas
não decretam que eles vão fazê-lo; e em vez de
começarem a ser reconciliados com Deus pelos
renovados e calorosos propósitos da vida santa,
eles são avançados até agora apenas para serem
convencidos e aptos a serem condenados por
sua própria sentença.
Mas, suponha que nossas resoluções
avançaram mais além, e que nossa vontade e
escolhas também são determinadas; veja como
nossos corações nos enganam.
1. Resolvemos contra os pecados que não nos
agradam, ou onde a tentação não está presente,
e pensamos, por um zelo superestimado contra
alguns pecados, dando indulgência a outros. Há
algumas pessoas que serão bêbadas; na
companhia ou no discurso, ou no prazer da
loucura, ou com uma natureza superficial e uma
alma sedenta, algo errado, que não pode ser
ajudado: mas eles fazem remendos, e no dia
seguinte oram muito. Ou, pode ser, que eles
devem satisfazer uma luxúria bestial; mas eles
146
não serão de todo tragados pelo mundo; e
esperam, por sua temperança, comutarem isto
por sua falta de castidade. Mas, não atendem ao
ofício de seu inimigo secreto - seu coração;
porque não é amor à virtude; se fosse, amariam
a virtude em todos os casos; porque a castidade
é tanto uma virtude quanto a temperança, e
Deus odeia a luxúria tanto quanto odeia a
embriaguez. Mas, este pecado é contra a minha
saúde, ou, isto pode ser, é contra a minha cobiça,
pois me faz impotente, impaciente; cheio de
desejo, e vazio de força. Ou então faço um ato de
oração, para que minha consciência não fique
inquieta, enquanto ela não está satisfeita, ou
enganada com alguns intervalos de religião.
Eu me considerarei um maldito se eu não fizer
nada para minha alma; mas se o fizer, chamarei
o único pecado que permanece, nada além de
minha fraqueza; e, portanto, é minha desculpa;
e minha oração não é minha religião, mas
minha paz, minha pretensão e minha falácia.
2. Nós resolvemos contra o nosso pecado, ou
seja, não vamos agir nessas circunstâncias
como antigamente. Não serei bêbado nas ruas;
mas eu posso dormir até que eu seja
recuperado, e depois saio sóbrio; ou, se eu for
passar dos limites, será em companhia civil e
gentil. Ou pode não ser tanto; vou deixar minha
intemperança e minha luxúria também, mas
vou lembrar com prazer; eu vou girar a ação do
147
passado em minha mente, e entreter a minha
fantasia com um deleite moroso nele, e, por
uma ficção de imaginação, e assim ficarei
satisfeito com um pouco de prazer imaginário
fantástico. Amados, não façam sofrer seus
corações para lhes convencer; como se
qualquer homem pode ser fiel no muito, quando
é infiel no pouco.
148
O Espírito de Amor, de Poder e de Moderação
Título original: The Spirit of Power, of Love, and of a Sound Mind
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
149
"Porque Deus não nos deu o espírito de temor,
mas de poder, de amor e de moderação". (2
Timóteo 1: 7)
Todo cristão que está familiarizado com seu
próprio coração está consciente de possuir dois
conjuntos distintos de sentimentos. Ele sente,
por exemplo, que nele habitam a ira, o orgulho,
a justiça própria, a carnalidade, a mentalidade
mundana, com uma série de outros males; e que
estes não estão nem morrendo nem mortos,
mas estão vivos para sua tristeza, pois ele tem
cotidianamente, mais ou menos razão para
gemer sob seu fardo, e sentir seu poder e
influência miseráveis.
Por outro lado, na medida em que a luz e a vida
lhe são dadas para ver e sentir, ele não pode
deixar de estar consciente de que possui outro
conjunto de sentimentos bem distintos; como a
fé, a esperança, o amor, a paciência, a
humildade, o arrependimento , tristeza piedosa
pelo pecado, oração e espiritualidade de mente,
com afetos celestiais que muitas vezes levam
sua alma a se elevar para Deus. E, embora esses
sentimentos graciosos e divinos possam ser
obscurecidos e enterrados por um tempo em
nuvens e escuridão, ainda assim eles são
revividos e trazidos à luz. Agora, como ele está
consciente de que possui esses dois conjuntos
150
distintos de sentimentos em sua alma, então
tem pouca dificuldade em decidir de que
natureza esses sentimentos são e de onde eles
tomam sua ascensão. Ele sabe que um conjunto
deles é completamente mau, e o outro é
completamente bom; que um conjunto procede
inteiramente do pecado e do eu, e o outro
totalmente e exclusivamente da graça e poder
de Deus.
Mas, há certos sentimentos em sua alma de que
ele é duvidoso quanto a qual seja a sua fonte, a
que influência são atribuídos e em que conta ele
deve colocá-los. Por exemplo, tais sentimentos
como culpa de consciência, angústia de alma,
escravidão de espírito, medo servil,
perplexidade e escuridão, com muitos
exercícios que surgem na mente por tentação e
provação; o que dirá deles? Que nome lhes dará?
Eles são maus ou são bons? Eles vêm do céu ou
do inferno? Eles brotam da graça ou estão
enraizados na natureza? Como pode chamá-los
de mal, quando não os tinha em estado de
natureza, e quando parecem, se não a graça,
pelo menos acompanhar a graça? Ele deve
chegar a esta conclusão, pois que se não tivesse
religião, não teria tais provas.
Por outro lado, como pode dizer que eles são
bons? Não são fé, nem esperança, nem amor,
nem nada semelhante a estas graças celestiais.
151
Eles não comunicam prazer presente à sua
alma, nem parecem trazer alguma glória a Deus.
Então não sabe o que fazer deles, nem onde
colocá-los. Ele os chamará de bons ou maus? Ele
os colocará na carne, ou os atribuirá ao Espírito?
Ele está pendurado na incerteza de onde os
colocará e o que pensará deles; e ainda mais, o
que pensará de si mesmo como sob seu poder e
influência.
Acho que as palavras diante de nós podem
contribuir, com a ajuda de Deus e Sua bênção,
para lançar um pouco de luz sobre esses pontos
desconcertantes.
O apóstolo declara, da maneira mais clara e
positiva - "Deus não nos deu o espírito de medo".
Aqui ele estabelece com autoridade divina, que
um certo espírito, que chama de "espírito de
temor", Deus não nos deu; e estabelece a seu
lado certas bênçãos que ele diz, com a mesma
autoridade decisiva, que Deus nos deu.
Agora, que diremos de algo no coração, que
Deus não nos deu? Podemos dizer que é bom,
espiritual, celestial, salvador ou divino? Não
podemos dizer isso, pois se “toda a boa dádiva e
o dom perfeito vem de Deus", então o que Deus
não nos deu não é nem bom, nem perfeito. Por
outro lado, o que diremos das coisas que Deus
nos deu, como "um espírito de poder, e de amor,
152
e de moderação?" Devemos dizer que essas são,
na verdade, bênçãos; dons escolhidos do Deus
de toda graça.
Tentarei, com a bênção de Deus, abrir as
palavras do nosso texto, para lançar um pouco
de luz, como o Senhor possa me permitir, sobre
aqueles sentimentos de que tenho falado tão
intrigante e desconcertantemente para os filhos
de Deus, e esforçar-me-ei por traçar a sua fonte,
como eles surgem, e para o que tendem; por que
são permitidos, que bem eles trazem; e como,
embora não de Deus, eles são feitos ainda para
trabalhar para o bem da alma. Isso formará com
a bênção de Deus, o primeiro ramo do meu
discurso.
Em segundo lugar, como o Senhor me
capacitará, passarei a mostrar o que Deus
realmente deu pela sua graça aos que temem o
seu nome, onde eu encontro o apóstolo
estabelecendo sob três divisões distintas: "Um
espírito de poder, de amor, e de moderação."
I. O que Deus não nos deu. O medo, tal como é
falado na Escritura, e sentido na experiência dos
santos de Deus, é duplo: há um temor santo e
piedoso; e um medo servil e carnal. De gracioso
temor, lemos assim "Porei o meu temor em seus
corações, para que eles não se apartem de mim".
153
Que é "uma fonte de vida, para se afastar das
armadilhas da morte", e "o princípio da
sabedoria". Na verdade é, como um velho santo
o chamou, "uma graça da maior importação",
pois contém em seu seio todas as outras graças;
e é desta natureza peculiar, que quanto mais
florescem as outras graças do Espírito, mais esta
graça floresce igualmente. Vive na mais
próxima união com a fé, prospera com uma
esperança crescente, e floresce com um amor
crescente.
Quanto mais o Senhor aparece em sua graça,
mais o temor filial (pois esse é seu melhor e mais
verdadeiro nome) floresce e abunda na alma;
mais fundo afunda no coração a raiz mais firme
que carrega, e quanto mais firme for a raiz, o
tronco mais nobremente se levanta, os ramos
maiores mais se espalham, e mais férteis para
todos os lados. Não é, portanto deste santo, esse
temor filial que o Espírito Santo fala pela pena de
Paulo, quando declara que Deus não no-lo deu,
porque o Senhor nos dá esse espírito de piedoso
temor - é uma de suas graças mais elegantes; é
eminentemente bom para Ele dar e receber,
como sendo essa a graça pela qual somos
preservados de nos afastarmos dEle.
Mas, há um temor que não vem da mesma
maneira de Deus, que não é uma nova graça da
aliança, e ainda está no coração daqueles que
154
temem a Deus. Onde pois, esse medo, tem
origem? Porque brota de um sentimento de
culpa, e é encontrado para existir onde a graça
de Deus não está. Vemos isso em Adão
imediatamente após a queda. Quando Adão
estava em sua condição não caída, ele poderia
encontrar seu Criador alegremente, andar e
conversar com Ele como um homem conversa
com seu amigo. Mas, quando Adão pecou e caiu,
o temor e o medo servil tornaram-se
imediatamente manifestos, ele se escondeu da
presença do Senhor entre as árvores do jardim.
E por que fez isso, senão porque temia encontrá-
lo?
Quando Caim matou seu irmão, este temor caiu
sobre ele, porque temia que todo aquele que o
encontrasse, o matasse. Assim aconteceu com
Saul, quando "caiu imediatamente sobre a terra,
e teve grande medo por causa das palavras da
pitonisa". Assim aconteceu com Acabe; com
Herodes, com Judas; e assim será até o fim do
mundo para a maioria dos homens; a morte é o
rei dos terrores. E o que é isso, senão um medo
servil? Deus não tem dado um temor que tem
tormento, mas tal é sempre a marca desse
espírito servil de medo.
Mas, não somente há pessoas, como eu aludi,
com este medo servil, mas os santos de Deus
também estão muito sob a sua influência, pois
155
como muitas vezes estão sob a influência da
incredulidade, também estão frequentemente
sob a influência de seu amigo e parceiro.
1. Mas de onde brota, qual é a origem desse tipo
de medo? Evidentemente, surge da culpa da
consciência. Se a consciência não fosse culpada,
não haveria lugar para esse medo no coração. A
consciência culpada é produzida pela lei,
portanto a lei tanto gera como alimenta esse
medo servil. A lei sempre nos diz para "fazer e
viver"; e quando ela nos propôs uma tarefa que
nunca poderíamos executar, então começa a
nos amaldiçoar por não fazer tudo o que ela
exige, dizendo sempre "Maldito todo aquele que
não continua em todas as coisas que estão
escritas no livro da lei para fazê-las."
Não sendo capazes então, de cumprir o que a lei
exige, caímos sob a ira que a lei revela, sob a
maldição que a lei imputa e, assim, caímos em
escravidão, escuridão e medo servil diante de
Deus.
2. Mais uma vez, este espírito de medo servil que
Deus não nos deu está muito misturado com
incredulidade, como de fato está muito
fundamentado nela. Diante de nossos olhos e
em nossas mãos está o Evangelho; há Jesus
Cristo em seu sangue e justiça; e todas as
promessas cheias de misericórdia, graça e
156
verdade. Aqui está tudo isso na mesa, por assim
dizer, espalhado com iguarias e luxos. Por que
não vem e come? Por que não se aproximar e
banquetear-se com o banquete do evangelho?
Por que não sentar à sombra de Jesus com
grande prazer e achar seu fruto doce ao seu
gosto?
A incredulidade proíbe. A incredulidade faz a
alma retroceder. A incredulidade diz "Não se
difunde por vós, não vos interessa este precioso
sangue, é verdade que "purifica todo o pecado",
mas não vos purifica dos vossos pecados, nem
tendes parte nem sorte no assunto. Portanto,
embora você possa ver a justiça de Jesus
revelada na palavra da verdade, você não pode
ficar debaixo dela; embora veja o sangue
expiatório, você não pode sentir sua aplicação à
sua consciência; embora veja a misericórdia e a
graça brilhando na gloriosa pessoa de Cristo,
contudo não pode trazer essa misericórdia e
graça com poder divino em sua própria alma; e
enquanto não pode obter perdão e paz, você
sente sua mente cheia de incredulidade. Agora
onde quer que haja a presença e o poder da
incredulidade, haverá um espírito de medo,
deste medo escravo e culpado, que mantém a
alma em escravidão, escuridão e morte.
3. Mas, esse espírito de medo muitas vezes está
muito ligado ao retrocesso e ao afastamento dos
157
caminhos corretos do Senhor. Não há um
indivíduo sob a influência da graça que não
retroceda mais ou menos no coração, nos lábios
ou na vida; na verdade, cada passo que não der
para a frente, nós realmente rumamos para trás,
e a cada momento que não estamos desfrutando
a doce presença de Deus, estamos vivendo para
o pecado e o ego. Porque fazer isso é apostatar.
Sempre que deixamos de chegar à Fonte das
águas vivas e começamos a cavar por nós
mesmos "cisternas quebradas, que não podem
conter água" - isto é retroceder. Podemos não
ser entregues a grandes, dolorosas, e abertas
apostasias; o Senhor pode e geralmente guarda
os pés de seus santos, e os preserva da comissão
de pecados que podem ferir gravemente seu
caráter, ferir a causa e trazer muita aflição sobre
suas próprias almas. Mas, além disso, todos
fazem mais ou menos vagar ou retroceder em
seus sentimentos de Deus. Esse sentimento
produz culpa de consciência, e dessa culpa vem
o medo servil.
4. Mais uma vez, o mundanismo da mente,
ocupada demais nos negócios, ou levada
indevidamente pelos cuidados e ansiedades da
vida, produz uma negligência em buscar o rosto
do Senhor, invocar seu nome, e obter como
consequência necessária um rio sem vida;
estado estúpido da alma, quando toda a vida e
158
poder da piedade parecem por um tempo
enterrado e perdido - todas estas coisas
produzem culpa de consciência, de modo que
abrem a porta para este espírito de medo servil.
Nesse estado há pouco ou nenhum acesso a
Deus; a Bíblia é um livro selado, a companhia
dos santos de Deus pouco procurada, o próprio
Senhor muito abandonado, sua presença
raramente sentida e seu amor raramente ou
escassamente derramado no exterior. Muitos
dos santos de Deus parecem continuar por
grande parte de suas vidas sob a contínua
influência deste espírito de medo, e raramente
sentem qualquer gozo das coisas de Deus. E
assim, continuam às vezes ano após ano sem
qualquer liberdade, doçura ou consolo
espiritual; pressionado e mantido pelo medo
servil que neles opera e produz frutos para a
morte.
Agora, Deus não nos deu este espírito de medo.
Não procede de sua graça. Não é o fruto do
Espírito. Ele não é operado por sua própria mão
divina na alma. No entanto, embora não seja
uma graça ou um dom, o Senhor de uma
maneira maravilhosa o anula e faz com que ele
funcione para o bem espiritual. É o mesmo com
este, como com alguns outros sentimentos
afins. Quem pode dizer que não tirou proveito da
culpa da consciência? O que fez você primeiro
159
orar, buscar o rosto do Senhor e clamar por
misericórdia através do sangue de um Salvador?
Culpa de consciência.
O que fez você primeiro vir para ouvir o
evangelho, ou pelo menos receber a verdade
contida nele como adequado para seus desejos e
aflições? O que fez você lamentar e suspirar em
segredo, e pendurar sua cabeça esmagada pela
tristeza e aborrecimento? O que fez da vida um
fardo para você, que despojou o mundo de todos
os seus encantos imaginados, dissolveu toda sua
magia e mostrou-lhe em suas cores verdadeiras
o que essa cena era, e que felicidade poderia
dar? Culpa de consciência.
O que impedia você de descansar sobre um
nome para viver, numa profissão vazia, em um
simples conhecimento doutrinário com a
verdade? O que fez você desejar algo que nunca
sentiu, experimentou, testou ou conheceu? O
que fez você se sentir insatisfeito com sua
própria experiência e tudo com que os outros
pareciam estar tão bem satisfeitos? Por que
havia em sua mente uma condenação secreta de
toda a sua religião; no início e no fim? Por que,
às vezes, você estava com medo de ser um
hipócrita que tinha enganado os outros, ou a si
mesmo? E por que se sentiu miserável, de modo
que pensou que ninguém poderia ser
160
sobrecarregado como você? Culpa de
consciência.
O que também, lhes fez dar ao Senhor nenhum
descanso até que ele começasse a aparecer com
amor e misericórdia para com sua alma, e o que
o levou a vir ao trono da graça, com suas
próprias promessas, com fervorosos desejos,
para mostrar misericórdia para você? Culpa de
consciência.
Então você vê que a culpa da consciência,
embora seja o pai deste medo servil, ainda
produz nas mãos de Deus bons efeitos; e você
teve a evidência disto em seu próprio coração.
Da mesma forma, o temor servil, embora torne
um homem que está sob sua influência muito
miserável, lhe dispensa muito conforto e paz, e
rouba-o de muito daquilo que outros cristãos
parecem desfrutar, mas esse guardião da falsa
liberdade tem este bom efeito. Há uma grande
liberdade presunçosa em nossos dias - uma
liberdade que Deus nunca deu e jamais dará -
uma liberdade da carne, decorrente de um
mero conhecimento teórico e doutrinário da
verdade de Deus. Ora, o temor servil, embora
produza escravidão e escuridão dominará o
homem que está sob a sua influência, tomando
esta liberdade presunçosa, porque a falsa
liberdade e o medo servil nunca podem reinar e
161
governar juntos no coração. A liberdade
presunçosa lançará o medo servil para fora da
casa, ou o medo servil será a morte da liberdade
presunçosa. Não podem ambos viver como
amigos e irmãos no mesmo coração; eles não
podem ser mestres. Se você está sob a influência
do medo servil, não pode estar sob a influência
da liberdade presunçosa. Se a liberdade
presunçosa governar e reinar em seu coração,
ela nunca tolerará a presença e o poder do medo
servil. De modo que se você foi mantido na
liberdade presuntuosa, pode ter sido em boa
medida, devido a esse miserável medo que
trabalhou tal escravidão, escuridão e morte em
sua alma.
No entanto, o apóstolo nos diz: "Deus não nos
deu o espírito de medo". Então, como podemos
ver o espírito do medo como um benfeitor ou
amigo se ele não vem de Deus? Bem, você acha
que Deus lhe deu incredulidade? Deus lhe deu
tentações? Deus lhe deu infidelidade? Deus lhe
deu a escuridão da mente? Deus lhe deu
escravidão de espírito?
Nenhuma dessas coisas Deus lhe deu; e ainda,
no modo misterioso de Deus, essas coisas são
continuamente dominadas por sua graça e
feitas para trabalhar grandes benefícios na
alma. Quem enviou a Jó suas tentações? Foi
Deus? Foi realmente com a permissão de Deus,
162
mas elas não foram enviados diretamente ou
imediatamente de sua mão. Elas vieram de
Satanás, como encontramos nos capítulos 1 e 2.
E ainda assim, elas foram feitas uma grande
bênção a Jó. Assim, um espírito de medo - a
escravidão servil sob a qual sua alma pode talvez
estar agora - os medos da morte com os quais
você pode estar sendo aterrorizado - os terrores
e apreensões da ira eterna - o seu temor de que
seja um hipócrita nas coisas de Deus, pois Ele
não revelou estas coisas como misericórdias e
bênçãos que fluem de seu evangelho, nem o seu
Espírito operou em vocês pela sua graça. Mas
elas estão ali, o Senhor operará por meio delas,
e deste mal produzirá o bem, como faz de mil
outras coisas.
Aqui está a terrível rebelião na Índia. No
momento tudo está escuro. A tempestade ainda
está rugindo, e não podemos ver claramente
através da tempestade, mas depois que ele
faleceu, podemos ver grande bem sair dela.
Podemos ver o poder da Inglaterra estabelecido
lá como nunca foi antes. Podemos ver a idolatria
derrubada numa extensão surpreendente e o
diabo derrotado. Eu não digo que será assim.
Não podemos profetizar em assuntos desta
natureza. Mas, se não podemos profetizar no
que diz respeito às coisas temporais, podemos,
no que diz respeito às espirituais. Você pode ter
163
tido um pouco de Índia em seu próprio coração.
Guerra, incêndio e massacre podem ter
acontecido lá; e você pode ter pensado "Que bem
pode sair de toda esta cena de confusão e
problemas?" No entanto, o bem já o tem feito,
você poderia vê-lo sair dele, e um bem ainda
maior sairá, pois a prerrogativa de Deus é tirar o
bem do mal. Por isso, embora Deus não lhes
tenha dado pelo seu Espírito e graça, o temor
servil de que fala o texto, contudo existe e Deus
pode e trabalha por ele, tirando proveito dele.
É chamado, posso apenas observar, "o espírito
de medo", porque é tão sutil, tão enérgico, e tão
penetrante em todos os cantos do coração;
sendo isso o caráter do espírito em oposição à
carne. A carne é rude e pesada, não se move
facilmente, mas o espírito, como o vento, termo
pelo qual é chamado, age e se move em toda
parte. Assim, o espírito de medo é usado para
denotar essa energia sutil e aquela atividade
penetrante que o medo servil exerce em um
homem, possuindo-o, por assim dizer, e
penetrando em todos os recantos secretos,
trazendo-o sob sua influência direta e poderosa,
como o vento age sobre as velas de um navio.
II. Mas passo a considerar o que propus a falar
em segundo lugar - O que Deus nos deu. Três
coisas são faladas em nosso texto, todas são
significadas pelo apóstolo para estarem em
164
oposição ao espírito de medo. As três bênçãos
que Deus nos deu, que são opostos diretos ao
espírito de medo que temos considerado, são:
poder, amor, e moderação. Estes vamos ver
separadamente.
A. "PODER" é a grande característica distintiva
do evangelho da graça de Deus. Portanto, é
declarado ser "o poder de Deus para a salvação
de todo aquele que crê"; e do reino de Deus, que
é o reino de Cristo administrado aqui embaixo
no e pelo evangelho. É dito "não em palavra, mas
em poder". "Eu sei", diz o apóstolo, "não o
discurso daqueles que estão inchados, mas em
poder". O apóstolo era muito zeloso quanto a sua
própria pregação, como ele nos diz que estava
com os coríntios "em fraqueza, e em temor, e em
muito tremor"; e isso era uma parte de seu zelo
piedoso, para que sua fé pudesse "permanecer
no poder de Deus".
Mas, você vai perguntar: "O que é poder?" Para
responder a esta pergunta, podemos colocar
outra - O que é poder, como geralmente
entendemos o termo? É algum movimento,
força ou influência, colocado por um agente,
qualquer que seja esse agente. Falamos, por
exemplo, do "poder da água". Correr no vale é o
fluxo de água; mas quando se aproxima da
cidade é encerrado, e uma roda é colocada em
certa direção para atender à corrente. A água
165
agora age sobre a roda que gira; e chamamos a
causa móvel de "poder aquático". Ou, vemos
uma locomotiva se mover sobre a ferrovia.
Nossos pais teriam olhado com assombro por
ver um trem se movendo, por assim dizer, de si
mesmo. Eles pensariam nisso como pouco mais
que um milagre. Nós sabemos a causa. Sabemos
que o vapor foi controlado e colocado sob a
direção do homem para exercer certo poder,
que se manifesta ao arrastar um peso enorme a
uma velocidade enorme. Isso chamamos de
"poder do vapor". Agora, se a água nunca girou a
roda - se o vapor nunca moveu a locomotiva,
como poderíamos dizer que havia poder na água
ou no vapor?
Tome a ideia em relação à graça. Aqui diante de
nossos olhos e em nossas mãos está a Escritura,
a pura Palavra de Deus. Ora, se a Palavra de Deus
não age sobre o coração de um homem como a
água age sobre a roda, ou o vapor sobre a
locomotiva, não há nada feito. Esse é o caso de
centenas e milhares. Eles leem ou ouvem a
Escritura, mas nada é feito, pelo menos no que
diz respeito à salvação. Não há poder divino
posto adiante; e nenhum poder sendo
apresentado, nada é produzido de uma natureza
divina. Mas, Deus age por sua Palavra sobre os
corações de seus santos, e age com poder, pois
seu trabalho é uma obra poderosa, que produz
166
efeitos poderosos e leva a resultados poderosos.
Isto, então, é o que Deus disse aqui ter nos dado
- "o espírito de poder".
Agora, com a bênção de Deus, examinaremos
um pouco mais de perto como esse poder atua,
pois é o poder do Espírito de Deus - a operação
de sua graça, ou para falar mais corretamente, é
o poder de Deus sobre o coração do homem.
Pois, como a água atua sobre a roda, como o
vapor age sobre a locomotiva, assim também
Deus, por meio da palavra de sua graça, age
sobre a alma do homem. "De sua própria vontade
nos gerou pela palavra da verdade." "A palavra de
Deus é viva e poderosa". "A voz do Senhor é
poderosa, a voz do Senhor é cheia de majestade".
Vamos aplicar isso.
1. Aqui está um pobre pecador culpado, em seus
próprios sentimentos, justamente condenado a
morrer. Atormentado pela culpa, ele está sob a
influência desse medo escravo do qual eu tenho
falado, pois você deve tomar os dois em oposição
um ao outro como o apóstolo os coloca; poder e
medo. Ele não pode crer no Senhor Jesus Cristo,
ou em seu próprio interesse salvador nele.
Embora Ele o faça com prazer, ele não pode
levantar-se ou sair desse estado afundado em
que foi lançado por culpa de consciência. Ele
treme com a ira vindoura, teme a morte e o
167
inferno, mas não pode livrar-se dos medos que
trabalham em sua consciência culpada.
Agora, o que esse homem precisa? Ele é
impotente e quase sem esperança, portanto,
precisa do Senhor para apresentar um poder em
sua alma que ele não pode exercer; e quando o
Senhor se alegra com a palavra da sua graça para
pôr em prática este poder e suscitar uma fé viva
no coração desse homem, então ele pode crer.
Nem pode acreditar em nenhum propósito
eficaz até que o Senhor dê poder, porque se a sua
fé é genuína, deve "permanecer no poder de
Deus", pois não pode estar no poder de Deus, a
menos que se esteja primeiro em Deus. Deus dá
a essa alma o poder de acreditar, e então ela crê;
e isso é poder.
2. Mas, os seus temores servis quase o
impediram de esperar que as coisas seriam
assim um dia com ele; de ter esperança na graça
de Deus. Nem pode, enquanto estiver no medo
servil, levantar "uma boa esperança através da
graça" em sua alma; porque se ela vem pela
graça, e ele não tem nenhuma comunicação
sensível da graça, não pode ter uma boa
esperança. Ele pode ter uma esperança, mas
dificilmente se pode dizer que tenha uma boa
esperança; assim enquanto sob a influência do
medo servil, muitas vezes ele não se atreve a
esperar. Embora não esteja desesperado, está
168
desanimado; de modo que não pode ir além de
uma esperança escura e distante de que sua
alma possa ser salva. Mas, quando o Senhor dá
poder aplicando uma promessa à sua alma, ou
dando-lhe forças para crer no Senhor Jesus, ele
levanta uma boa esperança para a graça, isto é, o
livre favor de Deus entra em seu coração, e ele
tem poder de esperança no Senhor da vida e da
glória. Ele agora é capaz de afrouxar a âncora do
navio e lançá-lo em terra firme. A âncora estava
lá antes, mas ele não tinha poder para deixá-lo
ir; e assim não poderia segurar as feridas de
Jesus ou entrar dentro do véu.
3. Nem tinha o poder de amar. Ele adoraria, mas
não podia. Não podemos amar o Senhor até que
saibamos que o Senhor nos ama; nem podemos
amá-lo com todo o nosso coração e alma até que
ele nos diga que nos ama. Quando ele diz: "Eu
amei você com um amor eterno", e derrama seu
amor na alma, isso dá poder para amá-lo.
Quando ele também se coloca diante de nossos
olhos, em sua beleza divina e bem-aventurança,
isso nos faz cair no amor por ele, porque a beleza
acende o amor. Isso ocorre tanto em relação ao
amor natural, como em relação ao amor
espiritual e divino.
4. Nem podemos nos submeter à vontade de
Deus, se a nossa colidir com a dele. Muitos
santos queridos de Deus seriam reconciliados
169
com a vontade de seu Pai Celestial, mas não
podem, porque eles sentem um coração
rebelde; e enquanto seu coração está cheio de
rebelião, não há poder para se submeter. Esse
poder deve ser dado por Deus; e às vezes o
Senhor o dá em rica e terna misericórdia. Ele
tem apenas que falar e é feito; apenas tocar o
coração, que ele amolece; só tem que aparecer e
a alma se derrete ao vê-lo. Assim é o poder dado
para se submeter à vontade de Deus, em
oposição à nossa.
Assim, eu poderia percorrer toda a lista de
graças divinas, com um espírito de oração e
súplica, espiritualidade da mente e celestial de
afeições, lutando contra o pecado e Satanás,
crucificando os desejos da carne, removendo o
velho, colocando o novo, e com ele toda a
armadura de Deus, permanecendo fiel até o fim,
porém não temos habilidade para fazer
nenhuma dessas coisas, a não ser que Deus nos
dê o poder interior; e esta força ele aperfeiçoa
em nossa fraqueza.
Quando chegamos ao fim do nosso próprio
poder, chegamos ao princípio do de Deus.
Quando vemos o fim da nossa própria perfeição,
somente então começamos a ver o início da
beleza e glória de Cristo. E quando toda a beleza
da criatura e toda a bondade natural se
desvanecem e se tornam em nada, então a
170
beleza e a bem-aventurança da Pessoa, do
trabalho, do amor e do sangue de Jesus
começam a abrir-se para a nossa visão
admiradora.
B. Mas, passo a mostrar a segunda coisa que o
apóstolo nos diz que Deus nos deu em oposição
ao Espírito do medo; e esse é o espírito do
AMOR. Ora, o amor é uma graça que pode ser
falsificada, como todas as outras graças, mas dar
um verdadeiro espírito de amor e carinho divino
está tão além do poder de Satanás como está
além de sua vontade.
1. Não há nenhuma marca mais doce ou mais
segura de estar interessado salvificamente no
sangue de Jesus do que amá-lo fervorosamente
com um coração puro, pois certamente nunca
poderemos verdadeira e espiritualmente amá-
lo, a menos que ele nos tenha amado primeiro.
Esta é a declaração expressa do Espírito Santo -
"Nós o amamos porque Ele nos amou primeiro"
(1 João 4:19). Isto fez Paulo dizer "Quem me amou
e se entregou por mim".
Tampouco nossas afeições fluirão para sua
gloriosa pessoa, sangue e trabalho, até que
tenhamos tido alguma descoberta divina dessas
bênçãos para nosso coração e nossa
consciência.
171
Podemos tentar amá-lo; podemos pensar que é
nosso dever fazê-lo, e pode exercer
perplexidade em nossa mente por esta falta.
Podemos estar secretamente envergonhados de
nossa frieza miserável e lamentar nossa
esterilidade nessa graça abençoada, mas
nenhum poder nosso pode suscitar o verdadeiro
amor a Jesus e ao que ele é em si mesmo. O
espírito de amor e afeição ao Senhor vem do
poder de Deus gerado imediatamente das
comunicações de sua graça, especialmente das
visitas de Cristo à alma. Ele sempre vem com
amor em seu coração e em suas mãos, e nunca
parte sem que deixe seu amor de onde partiu.
Lemos: "Por causa do aroma dos vossos bons
unguentos, o vosso nome é como o unguento
derramado, por isso as virgens vos amam". Uma
vez que o unguento é derramado, a caixa que o
prendia pode ser retirada, mas o cheiro do
unguento ainda permanece, como foi no caso da
mulher que ungiu os pés do Redentor, quando a
casa estava cheia do aroma do unguento. Assim,
onde quer que Jesus tenha vindo em seu Espírito
e graça, quando parte ainda deixa para trás o
aroma de sua presença, como o unguento
derramado. Se, portanto, as virgens o amam
porque seu nome é "como unguento
derramado", quando ele as visita com sua
presença, elas o amam não menos pela doçura
que deixa para trás quando parte.
172
2. Nem podemos amar os filhos de Deus, a
menos que o Senhor os coloque em nossas
afeições. Nossos corações são por natureza frios
e egoístas; não temos conhecimento de quem
são os santos de Deus, nem temos simpatia por
eles, nenhum prazer em sua companhia,
qualquer sentimento para com eles em sua
angústia, ou qualquer união em sua alegria.
Devemos amar primeiro aquele que os gerou, e
então amaremos aqueles que são gerados por
Ele. Nós amamos o Mestre e então amamos o
servo; nós amamos a cabeça e então amamos os
membros; nós amamos Jesus e então amamos
aqueles a quem Jesus ama e que o amam.
Assim, amar é pela graça, o dom especial de
Deus como o texto declara; por isso como uma
prova segura "sabemos que passamos da morte
para a vida, porque amamos os irmãos." “O que
não ama seu irmão, permanece na morte".
Você pode pensar que é um grande cristão; pode
gabar-se de sua profunda experiência, mas se
não ama os santos de Deus, não há marcas
presentes da graça de Deus estar em seu
coração. E, se você ama os santos de Deus,
manifestá-lo-á em suas palavras e ações, bem
como demonstrará que os ama manifestando
essa afeição fraterna, ternura, tolerância e
simpatia, sem a qual o amor cristão é apenas um
nome.
173
3. Nem pode amar a Palavra de Deus, a não ser
que ela seja preciosa para sua alma. Você não
pode amar a pregação do evangelho, a menos
que seja recomendada à sua consciência, a
menos que esteja cheia de doçura e unção, e
caia como o orvalho sobre seu coração. Se a
pregação do evangelho traz paz à sua alma,
enche seu coração de sentimentos doces e
abençoados, derrete seu espírito em humildade
e amor, faz Cristo precioso, dissipa suas dúvidas,
remove seus medos e derrama um pequeno céu
dentro de você, então o amará porque o poder de
Deus faz tudo isso por você. Caso contrário, você
será frio e indiferente a ele. Será para você como
para centenas; um mero som de palavras que
não santifica nem salva.
Da mesma forma na leitura das Escrituras. Se
você ama a Escritura, estará lendo-a; se ama as
promessas estará procurando como pode
encontrar mais e mais poder, doçura e vida
nelas. Se você ama a oração, estará orando
muito; se ama a meditação e a comunhão
secreta com o Senhor, escapará de tudo o mais
para que possa desfrutar cada vez mais dela.
Você pode conhecer um homem por seus
amigos; um homem manterá a companhia que
ama. E assim, você pode conhecer um santo de
Deus pela companhia que mantém, pelos livros
que lê, pelas pessoas que ama e pelos frutos da
174
justiça que só são encontrados no ramo do
evangelho.
C. A última coisa mencionada em nosso texto
como o dom especial de Deus, é o espírito de
"moderação". Que misericórdia é naturalmente
ter moderação! É uma das maiores bênçãos
temporais que Deus pode conceder a um
homem. É muito melhor do que o intelecto, a
imaginação, o dom poético ou o poder de
raciocínio. E quão miserável é ter uma mente
errada! Uma mente no mínimo grau doente,
excêntrica, ou de qualquer forma manchada
com essas fantasias ilusórias que mancham
todo conforto, e muitas vezes levam à pior das
consequências.
"Uma moderação em um corpo sadio", os
pagãos costumavam considerar, em um de seus
provérbios, as maiores bênçãos que seus deuses
podiam dar. Por maior que seja a bênção de um
corpo saudável, uma mente saudável o excede
tanto em valor, como é superior a ele na
natureza.
Como você vê homens arruinando-se todos os
dias por falta de moderação! Que extravagância,
que insensatez estão cometendo diariamente!
Que desordem trazem sobre suas famílias, suas
propriedades, e sobre outros também; que
estragos e ruína por ser enlouquecido com
175
alguma ilusão ou fantasia selvagem! Mas o
apóstolo não está falando aqui de uma
moderação em coisas naturais, porque embora
este seja um dom temporal muito valioso, não é
graça espiritual - é uma moderação nas coisas
de Deus que ele une com poder e amor. E devo
dizer que vejo este dom do céu como uma
misericórdia inestimável para a igreja de Deus.
Muitas vezes somos reprovados por sermos
fanáticos, entusiastas e pessoas de uma
imaginação selvagem levadas por voos aéreos,
sem qualquer sobriedade de juízos ou de
firmeza mental. Considero que nenhum
encargo fosse cada vez mais falso ou mal
dirigido. Eu considero que aqueles de nós que
conhecem a verdade de Deus pelo ensinamento
divino são eminentemente pessoas de uma
moderação eminente, livre de superstição,
fanatismo, entusiasmo, ou imaginações
selvagens e fantasias ilusórias. Eu nunca tive
uma mente mais sensata na minha vida do que
tenho neste momento, e estou certo de que
minha religião não fez minha mente pior. Isso
fez com que minha mente funcionasse tanto
naturalmente quanto espiritualmente, pois me
curou de mil fantasias e desejos ambiciosos e
selvagens, e me deu sobriedade nas coisas
naturais e espirituais.
A pergunta que nos devemos fazer é: até que
ponto somos participantes desta religião divina?
176
Podemos ter medo servil, culpa, escravidão,
escuridão e morte; porém, embora sejam
sentidos por muitos filhos de Deus e por todos
durante diferentes períodos de sua vida
espiritual, contudo não são evidências de que
somos participantes da graça? Temos "o espírito
de poder, de amor e de moderação?" Temos
alguma razão para crer que Deus, pela sua graça
tem feito alguma coisa em nossos corações de
natureza salvadora? Se tivermos, será provado
como tal. Nós teremos o prazer aqui, e a ele será
prestado aqui e no futuro, todo o louvor, honra e
glória devido ao seu glorioso e bendito nome.