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A TRAJETÓRIA INTELECTUAL DO PADRE LUIZ GONZAGA DO MONTE (1919-1944)
Bruna Rafaela de Lima Lopes
Doutoranda PPGH-Unisinos/ IFRN
Este texto pretende analisar, inicialmente, como o padre e, posteriormente, Cônego1, Luiz
Gonzaga do Monte (1905-1944) tornou-se intelectual e, nessa condição, participou da formação e
consolidação de um campo próprio da intelectualidade no Rio Grande do Norte. Apesar de religioso, a
inserção do nome dele entre os “homens cultos” extrapolou os domínios da fé, atingindo as ciências e as
letras. Apesar de ter vivido em Natal desde a sua chegada à cidade, em 1917, até a sua morte, em 1944,
foi reconhecido como possuidor de uma cultura universal. O objetivo do trabalho, a longo prazo, é
produzir uma história biográfica desse padre, enfatizando a sua trajetória intelectual.
Faleceu, aos 39 anos de idade, em Natal, no dia 28 de fevereiro de 1944, às 11 horas da
manhã, vítima de tuberculose, o Cônego católico Luiz Gonzaga do Monte. Para o Cônego Jorge
O´Grady de Paiva, que presenciou o acontecimento, o efeito dessa morte foi desolador sobre a cidade
de Natal. “Sentia-se a orfandade. E, como raras vezes, a opressão do mistério da morte.” (PAIVA, 1996,
p. 331) Segundo Dom Heitor de Araújo Sales, aluno do Seminário São Pedro, naquela ocasião, foi
marcante a repercussão imediata dessa morte: a Igreja Católica local organizou celebrações oficiais; o
bispo, os padres e os seminaristas estavam com vestes de gala; vieram exclusivamente para as
solenidades muitos religiosos e leigos de outras cidades, inclusive de outros estados; formou-se uma fila
enorme de pessoas que beijavam a mão do falecido como um ato de despedida. (SALES, 2015). Os
relatos dos jornais de época informam que durante o sepultamento, no Cemitério do Alecrim, havia uma
grande multidão e que Luís da Câmara Cascudo fez um discurso improvisado exaltando as qualidades
intelectuais, morais e religiosas do morto.
Em 1947, Jorge O´Grady de Paiva – que tinha sido ex-aluno de Monte no Seminário São
Pedro e se considerava um discípulo do falecido – escreveu uma obra, intitulada “Verdade e Vida”,
dedicada exclusivamente ao seu antigo professor. Paiva, que no final de 1934 havia também se tornado
Cônego e, posteriormente, foi desenvolver suas atividades religiosas no Rio de Janeiro, entre elas a de
capelão da Marinha, dividiu a vida de Monte em 7 (sete) partes: predestinação; homem de ciência;
homem de Deus; homem de letras; na intimidade; a obra; e, finalmente, consumação.
No decorrer das décadas de 1950 e de 1960, várias homenagens foram prestadas ao Cônego
Monte. Como ele havia sido sócio atuante da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, essas entidades organizaram eventos específicos para
homenageá-lo. Especificamente na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, entidade de cujo lema
1 Luiz Gonzaga do Monte ordenou-se padre em 1927 e foi elevado à categoria de cônego honorário em 19 de maio
de 1941. Ao longo deste trabalho ele poderá ser tratado por padre ou por cônego.
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(“Ad Lucem Versus” – Rumo à Luz) Monte havia sido o autor, foram realizadas várias sessões
específicas para saudar o Cônego. Nessas oportunidades sempre eram convidados conferencistas
diferentes para falar sobre o homenageado, tais como: Berta Guilherme (da Juventude Feminina
Católica), Maria Gurgel e o intelectual católico mariano Nilo Pereira. No Colégio Atheneu, escola da
qual havia sido professor, se organizou uma solenidade especial para colocar o seu retrato em destaque
na sala da Diretoria. Fato semelhante aconteceu na Associação de professores, que o tinha como
presidente de honra. As entidades católicas de Natal o homenagearam em diferentes oportunidades.
(NAVARRO, 2009)
Em 1961, Aluísio Alves venceu as eleições para o governo do estado do Rio Grande do Norte
e, durante a sua gestão, em várias oportunidades enfatizou a importância da vida do Cônego em seus
discursos. Além disso, o escolheu como nome de duas escolas construídas pelo governo estadual na
cidade de Natal. Aluísio Alves, importante liderança política no cenário local e nacional, tinha sido ex-
aluno de Monte, era seu amigo pessoal e seu admirador desde os anos 1930. Quando Monte foi
internado, Aluísio Alves, então diretor da Legião Brasileira de Assistência (LBA no Rio Grande do
Norte), ficou ao seu lado todo o tempo. Era a Aluísio que o médico de Monte – Milton Ribeiro Dantas –
informava continuamente o estado de saúde do religioso. Foi a Aluísio que o médico informou a morte
de Monte.
Em 1974, o governo do estado, por meio da Fundação José Augusto, encomendou ao
professor Jurandyr Navarro, intelectual local, ligado à Igreja Católica, pertencente aos quadros da
Congregação Mariana, a organização de uma Antologia com os textos de Monte. A Antologia foi
publicada com mais de 261 páginas. Todavia, segundo o professor Jurandyr Navarro – essa publicação
havia reunido uma parcela insignificante dos artigos de Monte. Para Navarro foi a partir dessa obra que
se tornou possível dimensionar a grande produção de Monte que se encontrava dispersa em vários
jornais e nas mãos de algumas pessoas que tinham mantido relações próximas a ele. Assim, entre 1974
e 2007, Navarro organizou dez volumes da “Antologia do Padre Monte”. À ideia inicial de produzir um
volume, foram acrescidos mais nove. Alguns desses volumes foram publicados exclusivamente pela
Fundação José Augusto, outros tiveram a parceria entre a Fundação e a Editora da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, outros foram publicados pela Companhia Editora do Rio Grande do Norte em
parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; os dois últimos volumes foram
custeados por Navarro.
Segundo o próprio Navarro, ele foi convidado2 para organizar as antologias em razão das
pesquisas que tinha feito sobre Monte ao longo da vida. Navarro afirma que desde os 14 anos admirava
o padre Monte, apesar de não ter desfrutado da sua intimidade. Monte foi professor do Colégio Marista
2 Foi convidado por Sanderson Negreiros, então presidente da Fundação José Augusto na época.
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e do Atheneu e Navarro foi seu aluno nas duas escolas. Mesmo adolescente, os discursos e as atitudes
de Monte sempre o atraiam. Posteriormente, nos anos 1950, quando leu a obra “Verdade e Vida”
(escrita por Paiva) passou a colecionar os textos do Cônego publicados em vários lugares. Por ter sido
professor do Curso de Direito da UFRN e Secretário de estado, Navarro se tornou conhecido na cidade
de Natal. Na medida em que ele conversou com as pessoas que estudava as ideias de Monte,
rapidamente se passou associar o seu nome ao do religioso. Dessa forma, ao procurar publicar uma
Antologia, o nome mais adequado para reunir os textos do Cônego era realmente o de Navarro.
(NAVARRO, 2008)
Em 2005, a médica Helenita Yolanda Monte de Holanda, sobrinha de padre Monte, publicou
uma biografia sobre o tio – intitulada “Ad lucen versus (o luminoso destino de um homem): uma
biografia do servo de Deus padre Luiz Gonzaga do Monte”. Nessa biografia, que tem como fonte
principal a memória dos familiares, foi mantido o estilo laudatório presente nos demais textos que se
dedicam a Monte.
Contemporaneamente o nome de Monte permanece vivo no Rio Grande do Norte. Em 24 de
outubro de 2005, a Arquidiocese de Natal nomeou uma Comissão (coordenada pelo Monsenhor
Francisco de Assis Pereira, então postulador da Arquidiocese de Natal) encarregada de, por um lado,
reunir documentos para fundamentar o pedido da canonização do Cônego Luiz Gonzaga do Monte e,
por outro, escrever o texto que será enviado à Santa Sé solicitando a canonização do religioso. Em razão
do falecimento do coordenador da Comissão, o processo deixou de ter os trâmites habituais. Todavia,
em 2013 a Comissão foi reformulada e os objetivos de 2005 permanecem vivos. Além da Igreja, várias
entidades locais continuam rememorando Monte e os valores que ele representa.
A trajetória de padre Monte, antes do seu ingresso no Seminário São Pedro, é muito
semelhante a vida de outras famílias pobres que viviam no Nordeste nas primeiras décadas do século
XX. Duas biografias – uma escrita pelo cônego Jorge O´Grady de Paiva e outra por Helenita Monte de
Hollanda (sobrinha de Luiz Monte), narram essa história de forma muito similar. Com base nesses
textos, podemos afirmar que Luiz Gonzaga do Monte nasceu, em 3 de janeiro de 1905, no município de
Vitória de Santo Antão (Pernambuco). Em 1907, Pedro Monte, pai de Luiz Monte, em razão das
difíceis condições financeiras em que vivia a família, empregou-se nas obras de construção da estrada
de ferro que faria a ligação entre Pernambuco e Rio Grande do Norte. Paralelamente ao vínculo
empregatício, Pedro Monte, instalou um pequeno barracão de “secos e molhados” à margem dos trilhos
que construía. Em função do trabalho na estrada de ferro, a família mudou-se primeiro para Pesqueira
(ainda em Pernambuco, onde permaneceu pouco tempo), em seguida para a cidade da Paraíba (então
capital da Paraíba, local da primeira escola de Luiz Monte), depois, em 1914, para Recanto (pequeno
distrito do município de Currais Novos / Rio Grande do Norte) e finalmente, em dezembro de 1917,
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para Natal, onde se fixou. A decisão de vir morar em Natal obrigou Pedro Monte a deixar o emprego na
estrada de ferro. Entretanto, seria a única solução para que os filhos pudessem estudar, pois em Recanto
não havia escola, nem professor, que ensinasse à população local. (PAIVA, 1996, p. 18-42);
(HOLANDA, 2005, p. 31-35)
Quando chegou para morar Natal, Monte estava com 12 anos de idade e – com o apoio da
família – queria ingressar em um Seminário para se tonar um padre. Naquela época, Natal estava sem
bispo e não tinha um Seminário para a formação de religiosos. Isso porque, o primeiro bispo da cidade -
Dom Joaquim Antônio de Almeida – havia tomado posse em 1910, mas renunciou ao bispado em 1915,
em razão de um derrame cerebral. Na gestão de Dom Almeida houve a formação da única turma de
padres na cidade. Assim, até maio de 1918 a cidade ficou sem bispo e sem Seminário, nessa condição,
Luiz Monte estudou, durante todo o ano de 1918, no Colégio Santo Antônio, disciplinas preparatórias
para o Seminário. (PAIVA, 1996, p. 18- 42); (HOLANDA, 2005, p. 31- 35)
Em 30 de maio de 1918, Dom Antônio dos Santos Cabral assumiu o bispado e criou, nesse
mesmo ano, a Congregação Mariana de Nossa Senhora da Apresentação e São Luiz Gonzaga e a
Sociedade de São Vicente de Paulo. Luiz Monte tornou-se congregado fundador de ambas e se
empenhou nas atividades de ambas. Em razão das atividades que exercia nessas congregações, Monte
pôde conhecer os diversos espaços da cidade e se aproximar do Clero. Nessa conjuntura, quando o
Seminário foi fundado, em 15 de fevereiro de 1919, Monte tornou-se seminarista, apesar das inúmeras
dificuldades financeiras para ingressar e manter-se na instituição. (PAIVA,1996, p. 18-42);
(HOLANDA, 2005, p. 31-35)
Esta trajetória linear da vida de Monte, construída por seus biógrafos, nos permite situar
brevemente o percurso trilhado pelo religioso até a sua chegada ao Seminário São Pedro, marco inicial
deste trabalho. Apesar de não apresentar uma problemática histórica, nem usar fontes para o
cotejamento das informações, essa trajetória permite que o leitor tome conhecimento minimamente
sobre esse padre no período anterior ao que será privilegiado neste trabalho.
Postas essas considerações, torna-se importante deixar evidente que a preocupação central
deste trabalho é analisar como Luiz Monte se tornou um intelectual e nessa condição participou da
formação e consolidação de um campo intelectual no Rio Grande do Norte, que se distinguia por reunir
uma elite letrada e por apresentar-se como guardiã da memória local e condutora do futuro da cidade.
Para compreender a construção de Monte como intelectual é importante associar o seu ingresso no
Seminário São Pedro, em 1919, com três elementos conjunturais: o papel que os intelectuais brasileiros
atribuíam a si próprios; a formação e consolidação de uma elite intelectual em Natal e a mobilização da
Igreja Católica brasileira em torno da adoção de princípios e práticas relacionadas à neocristandade.
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A historiadora Monica Pimenta Veloso, em seu clássico texto sobre a intelectualidade
brasileira, afirmou, com base no pensamento de Foucault e Deleuze, que os intelectuais, em diferentes
momentos da história, se atribuíram a função de agentes da consciência e do discurso. Ainda segundo a
historiadora, no Brasil, esse tipo de prática ganhou maior expressividade, em razão tanto da nossa
estrutura patriarcal e autoritária, quanto da dificuldade de acesso à cultura letrada por parte da maioria
da população. Assim, os intelectuais têm, ao longo da história nacional, se auto representado como guia
dos rumos do país e falado em nome das pessoas comuns, consideradas, por eles, incapazes tanto de
refletir sobre as condições que caracterizam a sua sobrevivência, quanto de propor alternativas para o
futuro. Essa atuação dos intelectuais na história pode ser melhor explicitada em três momentos
específicos: na transição do Império para a República (quando os intelectuais se apresentaram como os
condutores do processo de modernização da sociedade brasileira, usando o cientificismo para lutar
contra a incapacidade dos políticos); na década de 1920 (quando buscam as raízes da brasilidade em
oposição ao cosmopolitismo) e depois de 1930 (quando passam a atuar no seio do Estado). (VELOSO,
1987, p. 1-3)
Assim, pode-se afirmar que Monte se formou e atuou como padre num momento em que os
intelectuais se diferenciavam do conjunto da população por se apresentarem como guia do futuro. À
intelectualidade cabia o estabelecimento de diretrizes a serem adotadas pela nação. Nesses termos, a
construção de Monte como intelectual se relaciona com uma característica que o distingue dos outros.
O papel dos intelectuais na sociedade ganhava contornos específicos na cidade de Natal. Em
1919, ano de ingresso de Monte no Seminário, Natal possuía em torno de 30.000 habitantes3, o que a
tornava uma das menores capitais do Brasil e a menor das capitais nordestinas. Entretanto, desde as
duas primeiras décadas do século XX, a pequena cidade começava a respirar ares de mudança, o que foi
tratado pelos primeiros intelectuais locais – como Manoel Dantas, Eloy de Souza e Henrique
Castriciano – que passaram a saudar, em seus textos, a chegada das inovações (como por exemplo, o
bonde) e o ritmo novo que elas introduziam na cidade. Em geral, esses intelectuais passaram a registrar
uma cidade que se transformava.
Nos anos 1920, Câmara Cascudo, inspirado no pensamento desses intelectuais, atribuiu a si
mesmo a função de escrever sobre tudo o que acontecia na cidade e a reconstruir as memórias dela.
Cascudo e outros intelectuais contemporâneos a ele passaram a firmar a posição do papel essencial que
os intelectuais deveriam desempenhar diante dos problemas concernentes à cidade. Diante dessa
conjuntura, é possível afirmar que existia uma atmosfera que favorecia o surgimento de intelectuais
3 De acordo com o Censo de 1920, a população de Natal era de 30.696 habitantes. Fonte: IBGE, Censo
Demográfico 1920. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=6&uf=00
Acesso em 06 nov. 2015.
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capazes de suprir a carência de pessoas que refletiam sobre alterativas para a humanidade em geral e
para acidade em particular.
Paralelamente a essa carência de intelectuais modernos, os anos 1920 também foram palco do
redirecionamento das concepções e práticas da Igreja Católica no Brasil. Em 1916, Dom Sebastião
Leme foi nomeado como arcebispo de Olinda e Recife. Nessa condição escreveu uma Carta Pastoral na
qual chamava atenção para alguns problemas que afetavam o catolicismo no Brasil naquele momento e
apresentava uma proposta de ação para reverter a situação. Entre esses problemas, a Carta enfatizava: a
fragilidade institucional da Igreja e a sua difícil situação financeira; a precariedade das práticas
religiosas populares e da educação religiosa; a carência de padres; a ausência de intelectuais católicos.
Considerando essa conjuntura, a Carta propunha cristianizar as instituições sociais e estimular a
formação e a consolidação de um quadro de intelectuais católicos. Embora essa Carta expresse uma
concepção de problemas e alternativas para a Igreja, os postulados nela apresentados só foram
efetivados no período entre 1921 e 1942, quando Dom Sebastião Leme era o arcebispo do Rio de
Janeiro. (MAINWARING, 1989, p. 42). As concepções proclamadas e as práticas adotadas por Leme
faziam parte de uma neocristandade, entendida como um movimento voltado para a ampliação da
presença dos valores cristãos nas principais instituições sociais.
Postas essas considerações é possível analisar que a formação e a atuação sacerdotal de Monte
estão associadas: à lógica que considera o intelectual como um guia da sociedade; a necessidade de a
Igreja católica formar intelectuais (para a implementação dos princípios da neocristandade) e a
emergência de uma intelectualidade em Natal. Preliminarmente pode-se inferir que Monte emerge em
um momento em que os intelectuais de Natal ainda estão tateando na experimentação científica e no
pensamento reflexivo, ou seja, começavam a aparecer às primeiras experiências de um campo
científico. Provavelmente, a ideia construída sobre Monte de que ele era um sábio que dominava todos
os campos do saber está relacionada com a ausência de outras pessoas que desenvolvam ações
semelhantes. A lógica era a de que a existência de um primarismo científico fortalecia a imagem
intelectual de alguém que de “tudo” fazia e sabia.
Entretanto, a questão da intelectualidade de Monte merece maior aprofundamento. O que seria
um intelectual nas primeiras décadas do século XX? Quais os rituais de saberes eram adotados por esses
intelectuais? Considerando que à intelectualidade estavam associados diversos elementos, tais como, o
bem falar, o bacharelismo, o ser agressivo na defesa das ideias, quais dessas características estavam
presentes nas concepções e práticas desenvolvidas por Monte? Para refletir com maior profundidade
sobre essas questões, poderemos nos valer das reflexões de Bauman, que analisa o papel dos
intelectuais no seu tempo.
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Em linhas gerais, pode-se afirmar que este trabalho almeja verificar, a partir de um sujeito
concreto, tanto as estratégias usadas pela Igreja Católica para consolidar o seu poder no âmbito do
campo intelectual, quanto na autonomia desse sujeito diante da instituição. O trabalho produzirá uma
biografia intelectual do padre Luiz Gonzaga do Monte. Levando-se em consideração as investigações
prévias que foram realizadas, foi possível perceber que a imagem consolidada sobre esse religioso é de
que ele cumpriu com dedicação, ao longo da vida, 7 (sete) atividades associadas à intelectualidade: a
formação sacerdotal; a atuação como padre; a leitura permanente de livros (relacionados à religião, a
filosofia, à ciência e às letras); o exercício do magistério; a militância junto a entidades intelectuais
religiosas e leigas; o desenvolvimento de pesquisas na área de análise química de minerais; a escrita
contínua de artigos para jornais. A partir dessas atividades intelectuais, uma série de questões podem ser
formuladas acerca de cada uma delas.
Sobre a formação sacerdotal, sabe-se que Monte iniciou sua formação de padre no Seminário
São Pedro, em Natal, no ano de 1919, aos 14 anos de idade. Todavia, é necessário indagar uma série de
questões: quais os requisitos exigidos pelo Seminário São Pedro para receber um aspirante a padre?
Quais os requisitos para ser um padre? Que cursos deveria realizar? Que diretrizes intelectuais
orientavam a formação de um padre? Como foi a formação de Monte? Qual o currículo ministrado?
Quais as disciplinas? Essas disciplinas eram anuais? Qual o conteúdo das disciplinas? Quem ensinava?
Quem foram os seus professores? De onde vinham esses professores? Onde eles tinham sido formados?
O que se ensinava nos seminários? A formação de padres no Brasil variava de um Seminário para
outro?
No tocante à atuação como padre, indaga-se: que atribuições religiosas foram delegadas a
Monte? Como ele desempenhava essas atribuições? Como ele articulava as informações da fé, com as
ciências e as letras? Que relações mantinha com a estrutura hierárquica da Igreja, com os outros padres
e com os leigos?
No que concerne à leitura permanente de livros, sabe-se que Monte tinha uma leitura
extremamente abrangente, abarcando temas como religião, filosofia, ciências e letras. Sabe-se também
que ele dedicava muitas horas do dia à leitura. Sabe-se ainda da enorme4 biblioteca particular que ele
mantinha no Seminário São Pedro. Segundo Penha e Sales, a biblioteca de Monte era um espaço
exclusivo dele, ninguém podia entrar no ambiente (PENHA FILHO, 2009; SALES, 2015). Todavia,
indaga-se: quem orientava Monte sobre as leituras que deveriam ser realizadas? Que leituras eram
privilegiadas? Como a sua biblioteca era organizada? Que livros compunha o seu acervo? Que
4 A enorme biblioteca é dimensionada a partir das informações colhidas nas entrevistas com Penha Filho e Sales.
Segundo esses religiosos, na biblioteca existiram 11 estantes. Cada estante media, aproximadamente, 3 (três)
metros de altura, por 2 (dois) metros de largura. Todas as estantes eram completamente preenchidas por livros.
Levando-se em consideração as dificuldades de acesso a livros em Natal naquela época, juga-se que a biblioteca
de Monte deveria reunir um dos maiores acervos de obras existente no Rio Grande do Norte.
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anotações existiam nos livros? Quais os autores e os títulos que compunham essa biblioteca? Havia
privilégio a algum tipo de leitura? Como Monte dialogava com essas obras? Que autores da sua
biblioteca são citados nos seus textos?
No que se refere ao exercício do magistério, sabe-se que Monte foi professor de várias
instituições: Seminário São Pedro; Colégio Atheneu e Colégio Santo Antônio (que passou a ser dirigido
pelos irmãos Maristas a partir de 1929). Nessas instituições, ele ministrava disciplinas diversas: Latim,
Filosofia, Teologia, Psicologia, Biologia e Matemática. Além disso, nas férias escolares ele ministrava
cursos sobre formação moral e ética para jovens pertencentes à Congregação Mariana. Acerca do
magistério, indaga-se: qual o conteúdo das suas aulas? Como era a sua atuação na condição de docente?
O que dizem os alunos sobre as suas aulas? Como ele usava os livros? Que relação mantinha com seus
alunos?
No que diz respeito à militância junto a entidades intelectuais religiosas e leigas, pode-se
afirmar que Monte mantinha uma forte relação com instituições leigas (destacadamente o Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras) e
religiosas (Congregação Mariana e Sociedade São Vicente de Paulo). Que relações Monte mantinha
com essas entidades? Como participava dos debates no seio dessas entidades? Que ideias expressava?
Que práticas adotava?
Acerca do desenvolvimento de pesquisas na área de análise química de minerais, sabe-se que
Monte mantinha no Seminário São Pedro um laboratório equipado para analisar minérios. Segundo
Sales, o laboratório de Monte era referência no Rio Grande do Norte, recebendo pessoas que vinham
para que Monte realizasse análises. (SALES, 2015) Como Monte se qualificou para trabalhar com
análise de minérios? Quem financiava os seus estudos?
Sobre a escrita de Monte, caracterizada pela produção de muitos artigos e poucos livros,
indaga-se: quais os temas por ele abordados? A cronologia dos textos é associada a discussão de temas
específicos?
Sabe-se de polêmicas escritas (publicadas no jornal A República) entre Monte e personagens
da cidade. Sabe-se da existência de pelo menos 3 debates públicos, que giraram em torno de três temas
e envolveram três personagens diferentes: a imortalidade da alma (com um médico), o protestantismo
(com um pastor presbiteriano) e a tolerância da Igreja (com um Capitão do Exército). Entretanto, sobre
essas polêmicas, indaga-se: Que debates intelectuais foram travados por Monte? Como ele participava
desses debates?
Além dessas indagações, há uma observação de outra ordem a ser feita nesse trabalho: todas
as imagens construídas sobre Monte, após a sua morte, estão vinculadas a celebrações. Nos estudos
prévios realizados não foi encontrado nenhum trabalho que apresente pelo menos um elemento crítico
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sobre Monte. Todos os trabalhos são laudatórios. Apesar da quantidade de escritos tanto do próprio
religioso (só os 10 volumes de Antologia do Padre Monte totalizam mais de 4.000 (quatro mil)
páginas), quanto de pessoas que escreveram sobre ele; apesar da disponibilidade de fontes para estudar
a temática, nenhum estudo crítico – acadêmico ou não – foi realizado sobre o tema. Diante dessas
constatações, indaga-se: por que o Cônego Monte nunca foi estudado criticamente, ou seja, como um
personagem com dilemas próprios do seu tempo nunca foi objeto de investigação? Por que só existe
uma memória laudatória sobre ele?
A partir desse conjunto de indagações, o problema central deste trabalho pode ser definido nos
seguintes termos: Como um intelectual, religioso e provinciano participa da formação de um campo
próprio da intelectualidade local? A formulação desse problema se associa com uma importante
discussão histórica: a Igreja Católica no século XIX perdeu o poder que tinha na sociedade, em razão do
fortalecimento do socialismo e o liberalismo. Para reverter essa situação, a cúpula da Igreja empreendeu
esforços para recompor o seu prestígio a partir de medidas que possibilitassem a inserção da instituição
no mundo moderno. No Brasil a partir das primeiras décadas do século XX, sobretudo, com as ações de
Dom Sebastião Leme, houve um grande esforço da Igreja para se inserir na intelectualidade. Nessa
conjuntura, ocorreu o fortalecimento de uma intelectualidade católica leiga. Todavia, Monte necessita
de atenção diferenciada, por ser um intelectual católico religioso.
Definido o problema de investigação, torna-se importante explicar a delimitação temporal do
estudo: de 1919 a 1944. A escolha por 1919 está relacionada com o fato de que nesse ano Monte iniciou
sua formação para se tornar um padre, ingressando no Seminário São Pedro; a opção por 1944 diz
respeito ao fim da sua vida sacerdotal, em razão do seu falecimento.
Apesar de Monte e dos autores que sobre ele escrevem estarem espacialmente vinculados ao
Rio Grande do Norte, este trabalho não pretende produzir uma história limitada a esse espaço
geográfico. Ao estudar Monte almeja-se compreender como homens e mulheres em um tempo/espaço
determinado monumentalizam personagens; articulam religiosidade, moral e política; santificam
sujeitos; exaltam ações e concepções específicas.
Dois aspectos são exaltados sobre Monte: a sabedoria e a santidade. No tocante à sabedoria é
possível afirmar, a partir das fontes previamente consultadas, que os escritos sobre Monte afirmaram a
genialidade dele em duas áreas: as ciências naturais e as letras. Para o seu biógrafo, o Cônego Jorge
O´Grady de Paiva, “Monte culminou em plenitude de conhecimentos. Perlustrando todos os
departamentos do saber chegou a dominar toda a ciência de seu tempo. Não havia fronteiras para a sua
inteligência” (PAIVA, 1947, p. 77), dominando com profundidade Física, Química, Matemática,
Geologia, Mineralogia, Biologia, Psicologia, História (especialmente a Antiguidade e a Idade Média),
Literatura e Direito. Além disso, tinha conhecimentos sólidos de Hebraico, Latim, Inglês e Alemão
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(PAIVA, 1947: 83). Essa interpretação de Paiva sobre a genialidade de Monte também está explicitada
nos textos de outros autores (como Cascudo e Navarro) e se fizeram presentes em entrevistas
exploratórias, realizadas para este trabalho, com dois personagens que foram alunos de Monte no
Seminário São Pedro: Dom Heitor de Araújo Sales e Monsenhor João Penha Filho.
A sabedoria de Monte também é exaltada – pelos seus estudiosos – em razão da capacidade
demonstrada por ele para desenvolver tantas coisas em um curto tempo. Nesse sentido, esses estudiosos
enfatizam que entre 1927 (ano da sua ordenação como Padre) e 1944 (ano de sua morte), Monte redigiu
três livros e escreveu mais de 1.000 (mil) artigos5. Todavia, nesse período, ele não se dedicava apenas a
escrever textos. Com a atividade de escritor ele conciliava outras funções tais como: Capelão e
professor de Matemática no Colégio Marista; Professor de Latim no Colégio Atheneu; professor de
Latim, Filosofia, Psicologia e Teologia no Seminário São Pedro; Capelão do Colégio Imaculada
Conceição; Capelão da Igreja do Rosário; Secretário Geral da Diocese; sócio atuante – com presença
assídua e participação constante - da Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte (IHGRN); Diretor espiritual da Juventude Feminina Católica; pesquisador empenhado
nos estudos químicos sobre os minerais, estudos esses desenvolvidos no seu próprio laboratório6, que
contava com muitos equipamentos sofisticados; estudioso profundo passava horas estudando em sua
biblioteca; religioso ficava quase todas as noites rezando sozinho na Capela do Seminário.
Esse conjunto de atividades desenvolvidas ao mesmo tempo é rememorada pelos alunos de
Monte no Seminário São Pedro. Segundo o Padre João Filho e Dom Heitor de Araújo Sales, uma das
coisas que favoreceu a doença de Monte foi a sobrecarga de trabalho. Para seu ex-aluno, o padre sempre
dormia pouco e comia fora dos horários. (PENHA FILHO, 2009; SALES, 2015). Posteriormente outros
autores que escreveram sobre Monte também retomaram essa ideia e associaram essa situação - de
muito trabalho e capacidade intelectual aguçada e sacrifícios – ao fato de Monte ser um homem
santificado.
No que se refere particularmente à santidade de Monte, os autores também a justificam.
Segundo Navarro, a Igreja Católica considera santo aqueles que operaram milagres e outros que tiveram
uma vida marcada por sofrimentos e os superaram com a força da fé. Nesse caso, Monte “teve o seu
calvário, bebendo no cálice da existência o fel do sofrimento de uma vida voltada para servir. [...] Fez
penitências ao estudar no martirizar-se para elevar o nome da Igreja. O seu calvário não foi outro senão
5 Os artigos eram publicados, entre outros lugares, nos periódicos da Diocese de Natal (jornal “A ordem”, jornal
“Diário Natal” e jornal “A verdade”), no jornal “A República” (órgão oficial do governo do estado); nas plaquetes
escritas para os alunos do Seminário; em plaquetes e Revistas da Academia Norte-rio-grandense de Letras e do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. 6 Segundo Dom Heitor, Monte foi quem descobriu a scheelita no Rio Grande do Norte. Essa foi uma das
descobertas dele no seu laboratório. Pessoas vinham de diferentes lugares com amostras de minérios (SALES,
2015)
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o de sacrificar a sua mocidade numa luta contra o mal”. (NAVARRO, 1979: 15) O pensamento de
Navarro também é partilhado pelos outros autores que escreveram sobre Monte.
Pelas investigações realizadas até o momento não encontramos nenhum texto de Monte que se
refira a uma escrita de si próprio. O Cônego nada deixou sobre si. Não há diários, cartas ou textos auto
reflexivos. Seus textos sempre se referem aos outros. Aliás, é importante destacar que Monte se
caracterizou por produzir poucos livros e muitos artigos. Obras propriamente ditas, ele só escreveu três
livros (“Fundamentos Biológicos da Castidade”; “Compêndio de Biologia”; “Livros das Revisões”
(sobre o espiritismo) e uma tese (intitulada “Lexiologia e Sematologia – Teses Latinas”), escrita para
concorrer a Cadeira de Latim do Atheneu Norte-rio-grandense.
A partir desse conjunto de considerações é possível afirmar que Monte é um tema que suscita
inúmeras questões. Assim, muito mais do que as certezas sobre esse religioso, este texto conseguiu
formular dúvidas. Portanto, traça-se aqui o ponto de partida para muito trabalho investigativo.
Objetivos:
Geral
Reconstituir a trajetória do padre Luiz Gonzaga do Monte, com o propósito de verificar como esse
padre se tornou e foi considerado um intelectual, e, por essa condição, participou da formação e da
consolidação de um campo próprio da intelectualidade no Rio Grande do Norte.
Específicos:
Conhecer a trajetória individual de Monte, captando os lugares de sua formação, de sua atuação
profissional e de sua atuação pública e privada;
Mapear a produção escrita por padre Monte e a produção escrita sobre ele, com o intuito de construir
um quadro analítico de temas e referenciais que constituem o conjunto de sua obra;
Associar a produção de Monte com as outras produções locais ocorridas no período em que seus
textos eram produzidos;
Identificar os autores e as instituições que escreveram e homenagearam Monte, detectando os
interesses e as caraterísticas comuns/divergentes presentes nessas ações;
Comparar a trajetória de Monte com a trajetória de outros padres que viveram no período,
enfatizando as mudanças e permanências com relação às práticas e as concepções humanas,
científicas e tecnológicas.
Embasamento Teórico-metodológico:
Do ponto de vista teórico este trabalho está ancorado em um eixo histórico e em três
conceitos: história biográfica, história intelectual e campo intelectual.
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O eixo histórico é o primeiro elemento teórico deste trabalho. Nesse sentido, este trabalho
fundamenta-se historicamente nos argumentos que analisam os esforços desenvolvidos pela Igreja
Católica para se inserir na vida intelectual do Brasil, nos termos apresentados por Scott Mainwaring.
Nesse sentido, é importante destacar que a ação intelectual de Monte ocorreu concomitantemente às
atividades, desenvolvidas por Dom Sebastião Leme, para construir um quadro de intelectuais católicos.
Entre as ações que contribuíram para a formação desse quadro intelectual destacam-se a criação da
revista “A Ordem” (1921) e do “Centro Dom Vital” (1922). Esses dois organismos empreenderam,
conjuntamente, esforços para que fosse desenvolvida uma produção intelectual com a forte participação
dos católicos leigos. Nesse sentido, “A Ordem” e o “Centro Dom Vital” abrigaram estudos e reflexões
que expressavam o posicionamento da Igreja em relação a temas em pauta na sociedade, tais como:
sexualidade, família, moda, moral. (GOMES, 1993)
Esse histórico permitirá entender como Monte, na condição de religioso e intelectual, se
inseriu nas ações empreendidas pela Igreja. A partir de Ângela de Castro Gomes (1993) – que
demonstra como se deu a ampliação das bases da Igreja – será possível analisar como um homem
formado para transmitir a fé, passou a se inserir em um campo que discute temas do mundo acadêmico
e laico.
Cândido Rodrigues (2005), que distinguiu as matrizes inspiradoras da Revista A Ordem, nos
auxiliará a compreender as matrizes inspiradoras do pensamento de Monte. Partindo da constatação de
que, os intelectuais dessa Revista Católica se consideravam o único segmento da sociedade capaz de
compreender os problemas do Brasil e oferecer alternativas para solucioná-los, Rodrigues investigou as
bases para a construção desse pensamento e identificou que duas matrizes teóricas orientavam os
intelectuais que escreviam os textos da Revista: a político-ideológica e a teórico-filosófica. Os textos
vinculados à matriz político-ideológica eram fundamentados no pensamento de Edmund Burke, Louis
Ambroise de Bonald, Joseph de Maistre e Juan Donoso Cortés. Os textos vinculados à matriz teórico-
filosóficas eram inspirados em Oscar Scmitt, Henri Bergson e Jacques Maritain. Com base em
Rodrigues, pretende-se mapear todos os textos de Monte e identificar as suas influências teóricas.
(RODRIGUES, 2005, p. 16)
Esses estudos históricos nos ajudarão a compreender como a ação intelectual de um religioso
ajudou a configurar o campo intelectual. Eles certamente fornecerão pistas para que a partir de uma
biografia compreenda-se a formação do campo intelectual; fornecerão elementos que expliquem como
um homem formado pela Igreja, passou a discutir conteúdos estudados pelos bacharéis; trarão luzes
para o entendimento das diferenciações entre a formação singular proporcionada pela Igreja e a
formação dos bacharéis e dos homens de Letras.
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A noção de história biográfica é essencial para a construção deste trabalho. Tomando por base
as ideias de Sabina Loriga, pretende-se construir uma biografia de padre Monte. Todavia, é importante
destacar que não se busca a biografia como alternativa de apreensão de uma totalidade histórica. O
estudo sobre Monte busca compreender, por um lado, o que acontecia na sociedade nas primeiras
décadas do século XX e, por outro, a contribuição pessoal dele, naquele momento histórico. Assim,
buscar-se-á compreender o livre arbítrio do sujeito em uma dada conjuntura.
A opção por construir uma biografia que procura o livre arbítrio do biografado é opção de
quem escreve. O historiador francês François Dosse, demonstra que não existe um gênero biográfico,
pois em diferentes momentos históricos prevalecem formas diversas de se elaborar uma biografia. Há
biografias construídas para enaltecer os heróis; há biografias que usam o biografado simplesmente para
descortinar um determinado momento; há biografias que se concentram em demonstrar como o
biografado transita no seu tempo e no seu espaço.
Utilizando como referencial autores como Loriga e Dosse, esta biografia sobre Monte busca
dar centralidade a dimensão individual. Por meio dessa biografia pretende-se responder algumas
questões: como era realizada a formação intelectual dos indivíduos de formação religiosa? Quais as
relações intelectuais que tais indivíduos estabeleciam com as instituições sociais e intelectuais do
período? Como situar os temas e o modo de discussão apresentados por Monte à intelectualidade?
No tocante à “História Intelectual”, pode-se afirmar que essa noção é muito importante para
este trabalho. Todavia, em razão de esse campo de investigação ainda ser pouco definido, necessário
que façamos aproximações em torno desse conceito. Segundo Darnton, na obra O beijo de Lamourette,
a história intelectual compreende
a história das ideias (o estudo do pensamento sistemático, geralmente em tratados filosóficos), a
história intelectual propriamente dita (o estudo do pensamento informal, os climas de opinião e
os movimentos literários), a história social das ideias (o estudo das ideologias e da difusão das
ideias) e a história cultural (o estudo da cultura no sentido antropológico, incluindo concepções
de mundo e mentalités coletivas). (DARNTON, 1990, p. 188)
O fato de considerar a história intelectual a partir desses quatro níveis, implica no
reconhecimento de diferentes enfoques que estão diretamente relacionados. Assim, a história intelectual
pode ser produzida a partir de diferentes correntes de pensamento, de ideias construídas em contextos
distintos, de diferentes matrizes disciplinares. No que se refere, especificamente, as matrizes
disciplinares, a história intelectual pode emergir da História, da Sociologia, da Filosofia. Cada uma
dessas disciplinas pode propiciar uma forma diferente de elucidação de um dado objeto. A história pode
abordar a história política dos intelectuais, enfatizando manifestos e manifestações de sujeitos
históricos; a Sociologia pode se deter nas redes de sociabilidade e na forma como os sujeitos se filiam a
um campo intelectual; a Filosofia pode analisar as obras e as ideias do sujeito.
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Todavia, a história intelectual também pode reunir essas diferentes dimensões na análise de
um objeto específico. Nesse sentido, parece reveladora a percepção de Chartier. Para esse autor,
A única definição atualmente aceitável da história intelectual [...] parece ser aquela dada por
Carl Schorske, na medida em que ele não lhe atribui nem metodologia particular, nem conceitos
obrigatórios, indicando a dupla dimensão de um trabalho: situar e interpretar a obra no tempo e
inscreve-la no cruzamento de duas linhas de força: uma vertical, diacrônica, que relaciona um
sistema de pensamento a tudo o que precedeu em um mesmo ramo de atividade [...]; a outra
horizontal, sincrônica, pela qual o historiador estabelece uma relação entre o conteúdo do objeto
intelectual e o que se faz em outras áreas na mesma época. (CHARTIER, 2002, p. 56-57)
Com essa noção de História Intelectual o estudo de Monte privilegiará diferentes olhares
sobre ele, pois buscar-se-á compreender esse religioso em diferentes dimensões. Nesse sentido, ao
analisar o pensamento de Monte serão realizadas duas operações: uma que comparará as ideias do padre
com as ideias de outros intelectuais que viveram em tempos distintos do tempo vivenciado por ele;
outra que comparará as ideias dele com as ideias de outros intelectuais que viveram no mesmo tempo
dele.
No tocante ao conceito de campo intelectual, as ideias de Pierre Bourdieu serão bastante úteis.
O trabalho desse autor nos ajudará a compreender o discurso de Monte, identificando sua gramática,
suas metáforas e seus significados. Ainda fundamentados em Pierre Bourdieu compreenderemos a
história do pensamento católico no Brasil, enfatizando a análise do campo intelectual. (BOURDIEU,
1996)
Fundamentados em Bourdieu compreendemos que o campo não é uma homogeneidade, e sim,
um espaço de disputas entre vários subcampos que possuem dinâmicas específicas. Assim a produção
de Monte está vinculada a necessidade da construção de um subcampo dentro do campo religioso.
Monte almejava o fortalecimento das suas posições dentro do campo religioso. Nesse sentido, se
identificará os parceiros de Monte na constituição do seu espaço e se identificará também os seus
opositores. Assim, serão mostrados a partir da vida e da obra de Monte, os campos de disputa no seio
do catolicismo.
Fontes de Pesquisa:
As fontes de pesquisa estão associadas a seis tipos documentais: os escritos do padre/cônego
Luiz Gonzaga do Monte produzidos entre 1927 e 1944; os textos elaborados sobre o religioso durante
sua vida e após sua morte; os textos elaborados pelos autores que polemizaram com Monte; entrevistas
orais com pessoas que conviveram com Monte; acervos de instituições; imagens diretamente
relacionadas a Monte.
No mapeamento prévio das fontes só foram identificados textos produzidos por Monte a partir
da sua consagração como Padre. Grande parte desse material está contido nos 10 (dez) volumes da obra
“Antologia do Padre Monte”, todos organizadas pelo professor Jurandyr Navarro. Esses volumes
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reúnem textos que Monte publicou em jornais, para situações específicas em algumas instituições e dois
dos seus livros. Essa “Antologia” não foi organizada para se constituir uma obra de 10 (dez) volumes. É
importante destacar que os volumes 5 e 6 dessa “Antologia” são na verdade dois livros de Monte: no
volume 5 está o “Fundamentos biológicos da castidade” e no volume 6 o “ Biologia”. Nas antologias
existem também textos de intelectuais norte-rio-grandenses que conviveram com Monte e sobre ele
escreveram ou proferiram discursos. Entre esses intelectuais estão: Nilo Pereira, Câmara Cascudo,
Hélio Dantas, Hélio Galvão, José Luiz Silva, Dom José Pereira Alves, Palmira Wanderley, Cônego Luís
Wanderley. Ao todo 10 (dez) volumes reúnem mais de 4.000 (quatro mil) páginas de textos e algumas
poucas fotografias de Monte. Ao longo da atividade de mapeamento das fontes para a construção deste
texto, já consegui para o meu acervo pessoal todos os volumes das “Antologias”.
No tocante aos textos elaborados sobre o religioso durante sua vida e após sua morte, pode-se
afirmar que alguns deles estão contidos – como já afirmamos – nas “Antologias”. Entretanto, já foi
identificada a produção e eu já digitalizei/fotografei esses textos sobre Monte que não fazem parte das
“Antologias”. Nesse caso, merece destaque as produções de Câmara de Cascudo e outros intelectuais
locais. Já existem em torno de 100 páginas de textos digitalizados/fotografados no meu acervo, mas há
possibilidades da existência de outros textos ainda não mapeados. Nesse sentido, o arquivo completo
dos jornais católicos “A Ordem”, “Diário de Natal” e “A Verdade”, estão disponíveis para consulta
pública na Cúria Metropolitana de Natal.
Além desses textos dispersos, existe a biografia (já citada) sobre padre Monte – intitulada
“Verdade e vida” -, escrita pelo Cônego Jorge O´Grady de Paiva. Esse texto é uma obra com 357
páginas, publicada, em 1947, pela Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, com a apresentação de Dom
José Pereira Alves, com a aprovação do censor da Igreja Católica do Rio de Janeiro – na época o padre
José Cabral, norte-rio-grandense e declaradamente anti-comunista -, com a autorização para impressão
assinada pelo Monsenhor Caruzo, então vigário geral do Rio de Janeiro. O autor se propôs a contar
“toda” a história de Monte (do nascimento à morte), articulando os fatos com interpretações teológicas
da bíblia e de textos doutrinários da Igreja. A biografia escrita por Paiva já faz parte do meu acervo
particular.
Ainda não consegui mapear plenamente os textos elaborados pelos autores que polemizaram,
por meio do jornal “A República”, com Monte (a saber: o médico Esmeraldo Siqueira, que debateu com
o religioso sobre a imortalidade da alma; o pastor presbiteriano Duarte, que discutiu com ele sobre o
protestantismo e, finalmente, o capitão do Exército Lourenço Branco que argumentou em torno da
intolerância da Igreja Católica). Todavia, já encontrei parte do material no acervo do jornal “A
República”, disponível para consulta no Arquivo Público do Rio Grande do Norte e no acervo digital da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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Antecedendo a elaboração deste texto, já foram entrevistadas oralmente (com gravação e
transcrição das informações): o professor Jurandyr Navarro, organizador das Antologias do Padre
Monte; o Monsenhor João Penha Filho e o Dom Heitor de Araújo de Sales. O Monsenhor Penha e Dom
Heitor Sales foram ex-alunos de Monte no Seminário São Pedro e desfrutaram da convivência cotidiana
de Monte. Além dessas entrevistas, já fizemos o contato (devidamente aceito) para entrevistar: o
professor de História e intelectual católico Luís Eduardo Brandão Suassuna, que faz parte da Comissão
para formular o pedido de canonização de Monte; o advogado Roberto Monte, que é sobrinho do
religioso e dirige uma ONG sobre a Memória do Rio Grande do Norte; a médica Helenita Monte
Hollanda, sobrinha do padre e (já citada como) autora de uma pequena biografia sobre ele; a sobrinha
de Monte Cristina Monte, que cuidou dos bens e da biblioteca de Dom Nivaldo Monte (irmão de Luiz
Monte) até a sua morte. Dom Nivaldo Monte agregou os livros de Luiz Monte à sua biblioteca, após a
sua morte.
Serão trabalhados os acervos sobre Monte pertencentes à Academia Norte-Rio-Grandense de
Letras, no Instituto Histórico e Geográfico, no Seminário São Pedro, no Colégio Marista e no Colégio
Atheneu. Nesses arquivos serão procurados indícios das práticas cotidianas de Monte e de suas relações
pessoais.
Haverá uma preocupação com as imagens diretamente relacionadas a Monte. Nesse sentido,
tanto serão procuradas e analisadas fotografias individuais de Monte e dele com outros personagens
quanto às fotografias que expressem elementos de sua obra e das suas vivências cotidianas, algumas
delas já possuo em meu acervo particular.
Neste texto, foram apresentadas as ideias iniciais do meu projeto de Tese de Doutorado que
está sendo desenvolvido no PPGH da UNISINOS. A pesquisa está apenas começando e muitas
mudanças ainda serão realizadas.
Referências:
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Posfácio.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
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CASCUDO, Luís da Câmara. Bolsa de estudos eclesiásticos. (04.08.1944, publicado originalmente no Jornal A
Ordem). In: ______. O Livro das Velhas Figuras. Natal/RN: IHGRN. v. 04, 1978.
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo:
EDUSP, 2009.
GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro. n 11,1993.
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SALES, Heitor de Araújo. Natal, 06 de outubro de 2015. Entrevista concedida a Bruna Rafaela de Lima Lopes na
sala do próprio Dom Heitor, bispo emérito de Natal, na Cúria Metropolitana da Catedral da Arquidiocese de
Natal.
LORIGA, Sabina. O pequeno X: da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica. 2011. Coleções: História e
Historiografia.
NAVARRO, Jurandyr. Natal, 30 de junho de 2009. Entrevista concedida a Bruna Rafaela de Lima, na sala de
reunião do IHGRN.
_______. Padre Luiz Monte: “aurora sem crepúsculo”. Natal: IHGRN, 2015 (texto escrito sob encomenda para
atender a uma pergunta de Bruna Rafaela de Lima Lopes).
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PAIVA, Jorge O’ Grady. Verdade e Vida. 2º. Ed. Natal: Ed. Gráfica Nordeste, 1996. (A primeira edição dessa
obra foi publicada no Rio de Janeiro em 1947).
PENHA FILHO, João. Natal, 19 de junho de 2009. Entrevista concedida a Bruna Rafaela de Lima na residência
do padre/monsenhor João Penha Filho no bairro do Alecrim em Natal/RN..
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Letras. Natal/RN, 1971. ano XX. nº.9. p. 134-143.
RODRIGUES, Cândido Moreira. A ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte:
Autêntica/FAPESP, 2005.
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas / Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1987.