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5/11/2018 A Vida do Jos do Telhado - slidepdf.com

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'typo DE A:<ITO:\IO JOSI~ DA SILVA

30, llun do Calvano, 36-1874

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A V I D A D E J O S E D O T E L H A D O · A:~! (

I

o PRIMEIRO CRIME

Em uma dus amenas ncites de agosto, urn homernmal tl·njado, de estatura baixa e athletiea, cnminhava

vagaroso e triste pOl' urn dos muitcs atalhus que ha

na villa de S. Pedro de B IO i de Oahidc.

Saliindo do atalho mcttcu-se r l . esrrada e ao ehe-

gar Il. urn sitio onde ella fHzia uma vo]tn, parou 0 sen-

tou-se n'uma pcdra.

Proximo havia uma casa em construccilo.

- EiB-me no caminho do crime, vro;npto· a as-

Saltar o prirneiro viajante qlle passe ! cxclamou ellc,Ao qne a necossidsde obriga 0 homom !Mas nito! nao

Sao 86 as nccessidades, as priva<;i5cs que nos arrastam

ate a borda do abysmo em que nos preeipitamos n'um

momento pm·a njio mais sahirmos d'clle : s>'o tambem

os homens. Quantas vezes Illes bati ~\.porta mcndigan-

do um Lucado de pao c m'o neg-aram; suppliquei, re-

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pelliram-me ; viram-rno lagr-imas nos olhos, soecnram-

m'as com as suns gm'g'alhudas sarcasticas qlle me quei-

mavarn 0 I;OI'I'.</io! Fizcrnm-me nascer no peito esse

sen ti IIIen to terri vel do orl io , itn au gemeo da vingan-

I,;.a, que de m?ios dadas COIIl n. necesaidade, me foram

impellinrlo par,1 a scndn do crime! Tel'i'io urn dir. de

me accusal', de me expulsar para lunge COulO urn cri-

minoso, que se condernnom a si proprios,

o radar d'uma earnHtgt~m fel-o ca lar. Ergucndo-se,d'onde estavn encauiinhou-ae pnra a. casa que se 1\n-

rlnva a construir e tirando urna das taboas, que em

fr ' irma de X servium dc porta, occultou-se alii_

Dccorridu meia horn, duran te a qual se censer-

vou callado, deitou meio corpo de fora da porta e poz-se

a . escutur.

Ao longo ouvia-se 0 rumor de pa~s()s J'1I1gllcmque tJ'HZ)a. socecs.

o viajciro que aqucllns horns caminhavn s o etranq nillo, no achar-se em frente do predio em cons-

t l'u c s. :llo , tc vc de recuar d i antu do homem que alli so

escondern, 0 qual armada de uma pistola lila dizia em

torn imporioso :

- Precise multo de dinheiro; dd-me 0 que lavas

ou mato-te,

o pobrc homem, trernulo de medo, mctteu a muo

no bol~f)e cstendcndo-n dcpcis, bnlbueiou :

- Aqui tern 0 senhor tudo quanta trago commi-

go; poupe-me no menos a v ida; tenlio mulher e filhos

para quem ]C',':tVlI ossa mcsquinha quantin,

o bandido pegon no dinheiro 0 0 pobre homem,

depois de cnxllgar urna Jagl'illlfl. q 11e a. furto Ih e 1'01011

pelns faces, pcrguntou com timidcz :

- Posso, 30nllOI', rcti rar-rne e seguir 0 meu ca-

minho?

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- P6des, responden seecamcnte 0 bnndido quepareceu illpressionar- ~e com aq uellas pala was.

Quando 0 caminhantc se havia :tffastado alguns

passo~, 0 salteador voltou-se e estendeu 0 brao;;o n11

direct;:ito quc elle ]evilva imas a infeliz tendo presen-

ciado aquelle movirnento e rcceioso de que 0 matas-

sem, comecou uma corrida furiosa, deixando os soc-

cos na c.qmda.

EmquHnto ello fugia 0 bandido rnurmurava :

-1\:1 ulher , ,. filhos", toma , nao fujas . . ,Mns parccin qne mao de ferro 0 collava ao solo,

(Jbrigando-o n nao se mover, 0 dinheiro que tinlJfl l 'OU-

?ado escald ava-ihe n mao que 0 sustinha, So uquello

mfeliz tivesse a corngem do voltnr Mado do seu mal-

feitor, esto ter-lhein restuuido () furto e laneado fl o

sellS pes pedindo-lho pcrdito , Mus 0 medo dava-lhoazas e carla vez fugin mais ate que desapparcceu.

o bandido conSC! 'VOIl-SC n'uquolla posi~ ao pOl' 1 1 1 -

gum tempo, ate quo fazendo um csforco sobre ai mes-Ino, caminhou cahisbaixo pOl' entre UDS campos, Pa-

ron emfim em frente rl'nma cnsinha qne se cscondis

entre urn pinhal, COInO se envorgonhasse de mostrar

as suas dcneg'l'idns paredcs que indieavam a miserin

que reinnva J A pOI ' dentro.

- Dorrnem tranquillos, coitados !considerou elle.

Quando acordardcs ja (J V08S0 nome esb!. rnanchado

po~ uma nodoa que j rima is sn-hil'u, Desgl'a~:ado de mimI

'1'l'lste posio;;ao a de um pac que sente partir-so-lhe aa!ma quando v e seus filhos innocontes ainda, end ave-

rJcos, m agl'os, quasi It rnnrrerem de forne e elle sem

pao para Ihes dar! E os homens nao sabem avaliar

esta di'k sem igual. Para vos alimental', para evitar

q~le, a morte vas rnuhasse aos meus brll~os, assaltei urn

VIaJan te, rou Lei, .• mane hei 0 meu n ()me, a minha

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honra! Foi por amor de vos que me tornei um cri-

minoso j nao deviam julgar-me como tal, porque prl-

meiro pedi ...Quando elle terminou estas palnvrn.s OUVil'IUU-SC

os vagidos d'urna crcaneinhn e avo?; cl'uma mulher

que a acalentava.

- La esta Anna call ando a Illho, couti nuau de-

pois de escut.u- pOl' alguni tempo a poi'lu. Sagradu

missao u a mulhcr a quem 0 aUIOI' tornou lilac. Quemcomo ella chega com tanto carinho () iiiho no seio j

quem vigia noites c noites :t cabecon-a do bcr~o, cho-

rando (1uando clle padece, soffrcndo quando eUe sof-

fre, rindo quando nos labios do filho apparece nquelle

riso innocents que as torua delirantcs de felicidade?

Quem como ella traduz aquella linguagem muda que

lhe penetra no funrlo ria alma '{ Ningnem. Anna; minha

boa mulher, que dints tu quand» souberes que eu com-

metti um crime !COl)() te ha-de ser custoso supportaresta nova desp;nlo;n que veio j untar-se (lS muitus que !'

soffria-mos l Mas. ,. vamos". animo... os hornens

sao oulpados , " Nada lite direi : descul po-me bem di-

zendo-lhe que foi urn amigo que me ClII prestou est a

quantiu. Vamos, coragem!

E npproximnndo-so da porta bateu Ievcmonte,

Uma voz de mulher perguntou :

- Quem e? E's tu, Jose?

-Sou,A modest" e pohrissimn casinha para onde en-

trou Jose, que ern a nome do homcm que virnos pra-

tical' um crime, demonstravn elnramente a pobreza em

que vivinrn as seus habitantes,

- Entao, .Iose, trazes algumas boas novas? in-

terrogou Anna.

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- Nao, balbuciou elle cmpallidccendo, Mas umamigo que encontrei omprestou-mo algum dinheiro ...

- Valha-nos isso, Deus nunca so esquece d'aquel-

les que apesltl' de sercm infelizes nao pcrdcram a fc .Olha, ttl deves querer ceiar e en ponco tcnho quo dar-to:

um bocarlo de bacalhau assado que esta nu [arcira, e

uns bocadinhos de borfla que a snr. a Francisca den

aos peq uenos e que estao alIi no pru teleiro, e 0 qne

ha item pacioncia,

- Ell j i i comi algumu causa, balbuciou Jose.Aquclla alma attribulada cotnceava a sentir as

Mires insupportaveis do remorso.

Deixemol-o passar 0 resto da r.oite soffrendo as

pri m e iras c on seq u enei as do cri me.

II

ATENTA9AO

o dia seguinto nppareceu nublado e tr iste,

Jose, qlle se prccipitara na estrada medonha do

crime, scm tel' uma alma boa que lhe dcsse esperan-

~a, qne lho inspirasse fe, que 0 enainasae a soffror

C?1O l'esigna<;1to e tel' eren'ifa em Deus, luctnva com-

Slgo mesmo, pois que uma for<;u superior r i . sua von-

tade 0 fazia sahir de caza para 0 conduz ir quem sabe,aQnde?

Ao entardccer sahiu macliinnlrnente e scm saber

o destino 'que levava. Com os olhos fitos no chao dei-

:tOU-se ir HO acnso pOl' algnm tempo, ate que a noito

o surprehendeu ja muito affastado de easa.

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Parou ern frcnte d'uma cruz de pedra, quo facil-

mente se encontram nas aldcias, Se lhe pCl'guntassern

onde so nchava, nao sabcria dizel-o,

A noito estavn escura e algumas nuvens enco-

hriam 0 brilh« da pallida lun, De rcpento cstn pode

deixar fugil' urn raio cia sua Iuz quo vcio ahnniur a

sileneiosa cruz ,

Jose olhou cm frente, e como sc voltassse i t vida,

tirou () chapeo e exclnmou com feI'V01':

- 0 cruz, symbolo rla fe, quo com tens braces

abertos pnrccos charnar-ine n ti, da-me nm raio da

tua lu» brilhante que vcnha illurninur n nlma d'este

misero peecador, Cl'u~ sagrada e bemdita, onde Deus

foi crucificado para sal val' 0 muudo, ondo EUo expi-

1'011 Iwdindo a Sell Pae que perdonsse aos homcns que

tantos soffrimontos lhe fizerarn passm', rogil-Iho, im-

plora-lhe pdas cbllgas, polo sou precioso sHngue para

que suspcnda os meus en-ados P('lSSOS, que me desvieda estrada elwin rl'espinhos em qlle me ernbrcnhei !0' Deus misericordioao dirigc um dOB tcus bondosos

olhares para mirn e para minha infcliz familia,

E : I j oelhou no sope da cruz continuando 1 1 ural'

em YUZ haixn. _Mas as suas preccs iam pcrder-so pOl '

que alem espera-o 0 anjo mall para 0 tentai-,

Um homem que refieetidamonte ou pOI' aecaso

passav[I pOl' aqucllcs aitios , parou a mein duaia de

passos distunte de Jose, auulysnndo 0 que elle fazia.

Este, aeabundo de oral', c como se a ()J'[l~?iolho fizera

bern, ia seguir caminho de casa quando () desconhe-

cido 0 interrompeu, dizondo-Ihe:

-Boas noites, snr. Jose.

-DOlS lhe dO as mesmas, respondeu depois de

observnr quem 0 suudnvu.

- Entito j l l . D U O me conhece (

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- Ah! Que faz pOl' aqui snr. Custodio?- 0 que todos nos fazemus, runigo ; a pnssar

privn~oes, trabalhcs e tudo para nem sequel' termos

Urn momenta de descaneo ,

- E' verdade, e verdade, articulou Jose pensa-

tivo,

- E quando nilo aconteee como a mim (juo dei

corn um ma riola que B b a tiro e que me aatisfaz.ia ]

Ando como a cobra scm a pe<;ollha!

-Que Ihe fizcram, snr. Custodio?

- Aquclle fidaJgo quo tem farna de csmoler, que

anda sempl'e pelas igrej as fingindo que reza, esse 6-

f1algo que nno pa~s:\ d'um misnruvcl velhncn, teve 0

arrojo, a pouca vergunha de me negar nma divida !

qUarellta e oito moeclns que tinha pedido a iueu pac,

as q unes quom sabe se lhe salvarnm n honra e mais

alguma cousa , . , Is80 nilo fHZ no easo, a questito eque m'IIS llaO deu eainda em cirnu me mundou correr

de casa coruo se fUnl um eMO !

- Vej am Iii a que urn hnmern so eujeita, soffren-

do a malcriarlcz de certa gentc-. l\1us nao ha rernedio,

sm'. Custodio, senile terrnos l'esiglla~,uo e pncicncia,

- Paciencia e rcsignu';1to ucnnselha-me (l snr,

Jose! Voce, homem, nlio estu em si! () homom 0 li-

vre e ha de deixar que L11l l tirlalgo que Ih e deve eli-

nhciro [he ponlia 0 p o no pesc(91), pdo motivo de se

Ihe pedir () que nos pcrtence? Se lite fizesac a si 0

rneSInO ficava calado ?- N'isso tem raz?io snr. Custodio.

. - Olhe, snr, Jose, en pOl' bem don (l sangue dasVe.Hls, mas pOI' mnl ncm 0 diabo leva a rnelhor eOID-

InlgO. Hei de vingar-me de tudo que aquelle velhacolIle fez.

Jose conservou-se calado.

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1 ,

Custodio, vendo-o assim , mudou de conversa ,

- E como vac voce com a sun vida? perguntou.

- Bas tan te ch cio de nece ssi dades , .. m u I'm urou

Jose tristementc.

- Isso b rnnu ; C as tempos correm tao dcsfavo-

raveis para n o s , que e mesmo uma dcsgl'fl~a.

- Soffrcso muito, maK •••

-~ A proposito, exelarnou Custodio dando tuna

palmnda no hom bro de JO S C . Voce tern familia paraSUS ten tar e os meios sao' nenhuns ; pois se quizCSSG

podi a arranjai- algurnas moedas . _.

J086 estrerncceu e 011'1011 espantado p,,-ra Custo-

dio.

- Oll:n pflra mim, disse cstc, como se deacon-

fiass« ?

- F~' que nuo 0 entenrlo muito bern ...

- Pois en lho digo. 0 fidalgotc das duzins ha de

passar all ina estl'Hdn assim que fur meia nouto e en

dcsejo dar-Ihc umn cot;a para que elle saiba que nao

brinen commigo. Como v6 on estou 86 ••• e sc o snr.

Jose me quizer ajudar na brincadeira, tom dez moe-

das em OUI'O.

- Mas .•. u s vezes pede succedar alguma cousa.

- El respcnsabiliso-rne pOl' isso, Quel" ou nao

ganhar eate dinhoiro pnru sntisfazcr us suas lICCeSS1-

dades ?Jose calion-so. Custodio continuou :

- As pnredes tern ouvidos, como diz 0 adagio.

Venlm para alli que en convcrsarei rnais II. vontade.

E pegando n'um braco de JOS0 quasi 0 arrastou.

Este olhon para 9 sitio onde cstava a cruz como se

esperassc que ella th e desse a annuencia, mas ella

conservou-se muda mostrando que nada tinha com asac~oes do homem.

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Emquanto conversam digamos ao leitor quem era

o tal Custodio, que eomeeava 11 tcntar aquella alma

que principiava a sentir 0 orvalho benefico do arre-

pendimenio.

Este horncm n10 era m ais que um infel iz erimi-

nasa que tivoru a dcsgJ'a9nd~ lernbrunca de formal'

-uma quadrilhn de rnnlfeitorcs. Com m{\s rl outrinas

procurnva chamar ~l si tcdos os homens que podia,

escolhendo uqucilcs a quem a fortuna menos sorria e

que fncilmentc seguinm as sous ccnselhos, nus arms-

tados pela nccessidade, outros par indole. 'I'inha ca-sualmcnte ouvido a oral. 'UO de Joso quando se achnva

aos pes da cruz c emquanto este ornva, imaginou 0

estl'atagema que ouvimos, que nlto era mais que urn

laco g'-1e armnvu para Jose cnhir n'elle,

A;;ora que eonheccmos este IlOVO pcrsonagem

mudemos de capitulo,

III

1i

NA TAVERNA DA TIA ANGELICA

A tin Angeliea ern uma mulher gorda, baixa, deolhos peqllenos mas vivos e tez morena.

. A sua - estalaqem, - como ella lho chamava,sltunda um ponco d istante da cstrada u'umn pequena

freguezia do concelho de Louzadn, servia na ruaior

parte de albergne aos muitns malfeitores que intcsta-

'lam as estradns ha dczoito on vinto annos a esta

parte, as quaes ella tratava muito bern porque Ihe pa-

gavam com generosidade,

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J ,

Duns mezas de pinho ja muito sebentas, quatro

buncos da mesilla madcirn, alguns custando j~i,a sus-ter-se peln 1'l1inIL em que estavam , UIll mostrador, al-

guns pl'a telciros omlo Be vi am boreas de diversos ta-

manhos e nlgurnas d'estas partirlas ern difforentcs ra-

'Toes, e para rema tar 0 q u adro tres obj ectos seguMs

u'1ltn:1. COI'(Ll. prcsfl. It urna das traves do tecto, os qllaes

cram: tun alho do S. Joao, uma fcrradura e lima das

pontas d'u m carneiro, era tudo que se via no primeirorelanccar d'olhos.

Na oceasiito em que entrarnos n'esta imrnunda ta-

verna estavarn h i. alguns freguezes.

A uma dns mezas quati-o homens mal trnjados

jogavam D o baiota, e n'outra dons convcrsuvum ern voz

baixa e amigavelmcnte bebcnd o.

Oll<;alll'o~ 0 que d iz crn.

- 0 novato porta-sa honradamcnte c eM mostrns

de habili~lado para fr. coisa, diz ia urn. ~- r , . CnlquHnto a fOI'\;tl, accresceutou 0 outro, nao

ha na jam'ilia quem the dcite ngua ; i.s m !ws.

- IS80 6 verdadade, E n' outre d ia, no prinieiro

eeercieio, n .ndou ina ravi lho slI Illc nt c j se nao e die ati-

ra r com <) tal amigo abaixo do cavallo 0 mlls/J'e fiCl\y3.alli,

- Infelizmcnto airul a neon conoidado, e pareco-me

quo a cousa e mais seria do que ponsam.-'l'mnbem 0 julgo. Q;llem lucrou flli 0 novato

que abnrrotou com dcz l'odelas rle 4,5800, qlle foi 0

ajusto eptre ambos,

- 'l'ia Angelea, deite Ja mais meio e tl"aga urns

codea, disse 0 outre dcpois de csgotar 0 vinho que es-

tava no eopo.

A taverneira collocou 0 vinho na mcza e J a foi

sentar-so no seu banco de tres p"rnns.

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- 0 mesire quando de ita a unha a estes aprendi-

7 . c s jlt os cscolhe mesmo a dedo. Tal foi a sua cnnti-

lena, que este apezar du alta santa religiao, cahill co-

mo 11llJ passarinho, e en trou para It familia CIJIIl 0 p6

clirlO ito, como so costumn dizer .

. .. .. .. ,0 1 h a, Ttr«- vidas, quere s que to d ign IIma coisa?

Tira-eidae era a alcunhn com que 0 tratavam 08

calIoga", por elle tel' com mottido muitos assassinacoa.

- Diz !ti, respondcu 0 outro.

- Palpita-me que elle uinda VClD a tel' uma poei-gilo airosa na nossn familia.

-Em vista du hahilidude quc tern, nito Iho ponho

davida. Mas oscuta, pareCelHtlO ouvir 0 signa!. ..

-E a mim tambern. Esperemos polo so~nndo.

Aq uclles patuseo« H estar) tusq uenndo 0 papal vo la-

vl'ado l'_ Tambcl1l mostram SCI' finos n'aquolle genero

de neqoeio,

-E' vcrdadc. 0 lavrndor (;sta d'aqui pOl' 11111 ins-

tantc scm cinco rcis na algiupil'a.- LA ganhou aquclle bolo.

- Nlto e 1 . . 1 0 1 0 , c mel pelos bci~.os para melhor 0

tosqucllrcm.

N 'ist.o ouviu-se urn silvo como d'um» cobra.

- Quanto se deve tia Angelca? perguntaramambos ergllcndowse.

. - T'res vintcns, respondou bruscamonte a taver-

nCJl'a que havia adorruecido e vinha esfrcgando os

olhos.Pagaram e sahiram rapidamente .

. Deixemos os outros tosqneando 0 pobro [avrudore slgamos estes. I

Dcpois de andarern cerca de uns cincoenta pas-

SOS POl' caruinhos intrincndos que serpentuavam pOl'

tnu 080abl'050 monte, caminharam ainda pOl' algum

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1 ,

tempo nte qne pal'al'nm ao pe d'umn arru inada ca-

serna que servia de abl'igo aD" salteadorcs.

Entraram depois de dar ru n assobio igual ao que

ouvimos.

Dcntro n'uma dosmoronada ako¥f1. cstava urn ho-

mem deitltdo n'urna carna e rodcado de mais alguns

que mostravam respeital-o.

Minutos depois sentou-se na camn e exelamou :

-Amigos, como vcdes, achn-mn hustante mal esenito Fosse aquelle valontc [iomem teria ficado morto,

pot·que a bala vinha direita no cOl ' :1 \<ao,

- Nan fir. mais que 0 men dever, rcspon deu 0

homem que elle apontava como sell salvador, e quo 0

leitor certarnento j a cunheceu SCI' 0 d(l~ventlll'ad() Jose I

e 0 Dutro Custodio.

- Obl'jgado, rctnrquiu Custodio, Vou dizcr-voa

o fim para 'Iue vos reuni hoje, E' necessaria que P!'O-

sigaes no nosso mister, pois mais que aunca precisa-mos tanto de dinheiro como n'cstn occasiito. E eases

ricassos malditos se lh'o n a i ) tiramos a fnj'!,;:t. ou sem

sabercm nao repurtem COlUn05CO um ceitil, Projectei

fazcr uma cisita a casa da fidalga dn qn(lm V()S ja

fallei. E' precise fazel-a e como eu nuo jiosso ir farri

as minhas vczcs (j n0880 collcga e ineu salvador- Jose .Aquelln ordern nao agradou a alguns malfeitores

que desejavam que 0 mostre os honrasso com 0 com-

mando interino da familia, como clle« charnavam aquadrilha.

- Agora vamos a saber 0 que fizeram hoje, per-

gun ton 0 chefe scm S8 irnportar com 0 l'MtHU' d'aquclla

gente.

- N os fornos infelizes, rospnncieu urn grupa de

quatro homens, Nao ganltamos nada,

- Eu, acercscentou 0 que se chamnvn Tira- Vi-

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das, quebroi 0 ospinhsco a urn almnereve que se indi-

reitou cornmigo quando lhe pedi 0 que [ev avn ; mas

nem pOI' isso fu i mais bern succcdir lo poi-que ello ber-

l'ava COIllO 11m cabrito e veio gente em seu soccorro.

A este tempo ouviu-se urn novo assobio.

- Quem fal tu ? pcrguntou () chefe ,

Todos olharam uns para <)!:I outros e um excla-

lUau:

- E' 0 Antonio do j}Ioinho.

A porta ubriu-se e um horucm a:to, magro, es-bafol'ido, trnzcnrlo na mao olguma:; gallinhas mortas,

entrou francamentc.

- D'onde vens? interrognu 0 chafe.

- Ai l passei os meus tl'ilh:dhoH para lhe traaer

eslas aves. Ell lho conto. Andei de dia a dei tal' 0

fitto a s q IIC me pureciam t l 1 ~ l h ( ) I " ~ ~ o A nnite h i. fui sur-

l'ateiJ'amentc como a raposa. Qunndo estava no melhor

da,f~sta um excornmungado dum cao corneca a ladrar

e eis-me a luctar com clle; pude-o fHH' tim pilhar ageito e ztie metto-lhe a minha companlieira nas tripae

e nem truz nem muz , estendeu fl o caneila. You entao

dh'eito u capncira, dcito n mao ;l.;}S bichos e come~o

de. estroeegnr para aqui, estrocegar para aeolil ~ e de·

PU1~, foge que t( ) prcnrlem ! Per um tr iz que nITo c O - ' m ( !

Com urna on9a de chumbo ! Coisa que se nao e la com

o meu estomago. Mas le vci a minha avante e acIui

tClh gallinbas para da.l' e vender',

,- Obrigado. Foste 0 unieo que se lcmbrou den11m.

Depois de im pOI' ailencio ~iq!leila erda de malfei-tores, con tin uou : '

- Rapazes, como ja disse, amanhii haveis de

fl. .c ompl'lllh al' ( ) nOSSQ collogn .Jose. Dou-lhe a deferen-

Cia uttcl1dendo nfto s o a ac~ :? i. o que praticou pam corn-

• I

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- 16-

migo, como tnmbern a qneda que tem para () o.fficio, o

estou certo q lIO nao deslllstrara a nome qlie possui-

mos. Portanto devern cstar nqui as seta horas da

noite. Agora, querendo, podeis ir passeiar,

Jose, depois de agradecer ao mestre, sahiu com

alguns dos seus corupnnheiros.

IV

o ROUBO

j,

A cnsa da fi{\; llga era urnn das molhoros que ha-

via nas circum visinhuneas (10 Marco de Canaveses.

A fidalga er a uma sen hom vi uva, . i {I en t l'llda no s

annos, q ue vi via ssntamente com as suas tres filhns,

que ella arnava com cstromo.

Alcm (1 ! (I'H\ tro fieis servos, homens resolvidos

a tudo, e uma crinda, rapuriga robustn e verrladeiro

typo das nosaas aldeias, ninguem mais habitavn aqucl-

1a CUSIl.

Costumavarn tornar 0 ehA assim que erarn nove

horss, e ttS onze esta va jt t tudo cntrcguo ao silcnciosorepouso do sorrmo ,

No din scguinte, que era a destinado pal'a as-

snltnrem esta casa, pela volta du uma horu da nnite

cornecaram, app.<tl'ccer como pOl' encanto algnmaR sorn-

b \' \ - A' - -rns ( entre as rurtttas prOXlmas, .-~ maneirn qua Jam

app!l1'0c:cnno estenrlimn-se ao rcdor d 1 1 casn e para-

ciam ('spel':1 .r uma ordem .

Eram os salteadores.

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- 17-

Do ropente ::J~ilchnl'am-se todos, S6 dois ficaram

junto£' d'uma jllncJJa resguardada pOl' Vfll'oes de ferro.

Estes dois atnrarn uma cordu It dois varfles e co-

nleg:ll'nm a tercel-a CI)111 () auxilio d 'um pau ; depois

d'algum (\xfor<}<1os ferroa fo rarn v!'I'g:ando, em srgui- •

d~t fizernm 0 mesmo nos dois mnis proximns, de fOr- '

rna quo £100\1 uma aberturn quc clava pflssngem a um

homem,

Dm instunte rlepc is, nquclles am igos do alheio

inm I1Hl a urn cntrando per alIi.

Cl) ( ':!:::nram a 1Illl,quH rto, e a uma ordom do que

8("n-h \1,~ dl(~fe, 'Inc 01':1 .JOB(), forum fuzenrlo mala

d'l!qnillo mcllror que encontra c am .

Tl'cS d')B m alfeit.u -cs su hirruu surrntcirarncnte e

desc(~\ld() rlcpois pOl' umas escndas estrei tns IO!"llill dar

li sala onde dormiam os criados.

-E' preciso seg\ll',IJ- o~ , disse nm d'elles em voz

quo mal se onvin.

- T enho aqu i 0 que tim a folla, respondeu 0

Outro.

- J~\' til, Tira- Vidas, comecns com as tuns. 0

sangue derrama-se no ultimo extreme, Trazes alii 0

iOqllet.e e [IS argolas ?_. Trugo,

- Pais trata de, com 0 maior euidado, fazer nal;ol'ta tim borneo pura segurures uma nrg()Ia e a outra

fica na padieira para ncpois se prender com () loq uete,

(l <lssim ficnrn seg-u!"Os pfJl 'q uc esta e a unica sahidu

CjllC teem. Alem dissu fiearao aq 11 i dous homens depreven,;,uo.

Dm qlllll'tO d'hora dopois estava tudo arrnnjado,

lnas nao sem os cr-indos accrdurem os quaes berra-

Vam COil) desesporo ao verern-se prosos; pois adivinha-

Vam 0 que se paasava.

~

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-18-

Entretanto 0 que tinha dado aquella ordcm ti-

nlia-se encaminhado para 0 quarto da fidalga; mas

esta e as filhas ja andavam assustadas a pcrcorrer

todos os cantos cia casa scm saberem que fazcr,

Q\latro handidos eircularam as trcs meninas, que

quaes pombas pCl'scguidas pelo ca9ador, so haviam re-

fugiado u'um quarto,

A mac aehnvu-se em frentc do chcfe quc the eli-

zia:

j

- Scnhorn, sornos uns infelizes que Ilao tcmos

os rccursos precisos para a nOSSl! subsistencia ; vos

sois rica, dae-nos, pois, dinheiro. E' a isto que nos eli.

vimos.

- Vou buscar 0 que tenho, respondeu a :fidalga

'cheia de medo, mas nao mateis ninguem ,

Minutos depois voltou ella no rncsmo sitio c en-

contrando 'alli Jose que a esperava, lan~ou·ac-lhG_ aos

pes dizendo :-POl' Deus, por tUl10 que mais presa n'este

mundo, salve a honra de minhas filhas !Dar-Ihe-hei 0

que exigir, tcda a minha fortuna, mas salve-as!

-E ondo estito ollas, scnhora ? perguntou Jose

do Tolhado estrernecendo e ajudando a erguer a infe-

liz mae.

- No quarto con ti guo :iq nella sala, rodeadas por

quatro hom ens !

- Pois, soecgae; eu vou YOI' 0 que elles lhe es-tao faaendo, mas entrctanto mandae calar os YOSSOS

criados para que nilo fa~alll tan to barulho,

A fidalga sahiu e Jose tornon a direcyao que ellalhe indicara.

Quatro bandidos, em cujos rostos se viarn todos

05 siguaes do vicio, e n'aq nella occasiilo urna alcgria

feroz a vista d'aquellas innocentes meninas que se dis-

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4 _ . _ -- _. - -4-

-19-

~J

j

punham a matar momlmonte, circulavarn aquellas mcni-

nas 0 carla urn a portia d isputava a que muis lhe agm-

dava, Um d'elles tinha ja tcntaclo manehar itS virgi~

naes faces d'uma d'ellas, mas a infeliz monina en-

chendo-se de coragem Iuctou pOI' muito tempo ate que

as forcas j ! t lho iam snfrnquecendo. 0 bandido agar-

rou-lhe os bra<;os e estcndendo a l'epugnante rosto ia

SUqiar a sell primeiro desejo, quando se ouviu urna

exclamac;ao :

- Para trnz , miscrnvel l _

Em Jose. do Tclhado que chegando n'aquella oc-

caaiu() A porta pode ver aquella seen a que 0 revel tau,

o bandido olhou para vel' quem fallava, mas scm

lal'gat' a sua prisioneira, 0 dcpois de Vel' quo era Jose

l'csponden:

- Apnsto que to apoteee tomures parte no que

s6 a mill) pcrtence?

E ia a com plotar 0 seu desqj 0 q l1Undo Jose, queInais rapido que 0 vento, se collocou ao Iado J'dle elan~.anclo-lhe us maos ao pesco~o 0 atirou d' encon tro

a uma das paredes, e ern seguida bradon com nmca<;a:

-Desgrar;ado d'aquelle que se atrever a toear

n'urn so cabello d'estas scnhorus !

• - 0 nosso mestj-e quando nos eneontrnvnmos

d'esta moeda, nao se importava com 0 thesouro , 0 ttl

q:,-c vcns hoje pela primeira vez, que nad a vales, ima-

gl,nas teres 0 rei na barriga e quel"CS para ti 0 que

nos achamos, exclarnou um dos ban didos procurandodefender 0 seu coil ega ultrnjado.

-Eu so qucro qlle as respeitem como eu ,

- T o caroeha ! respondeu outro j qup.res a melhor

ra2ao para ti! Nilo, senhor, fomos nos os que com

t~abalhr) demos com 0 ninho e portanto as passarinhosSao nossos,

!

J

I

I

f

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ ~ - - ~ ~ - - ~ ~ ~ ~

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- 20-

" ,

A este tempo 0 bandido que fOra arremessado,

approximurn-so outra vez da:; meninns 0, sell} 80 im-

portal' com as ordens de .Jose, ia l'eclJme~,aJ' as inso-

leneias, quando este fu lo de ruivn the rlesearregoll ti'i.o

grand,: murro nu ('abe~.a que 0 fez cahir redondamcnte

no chao,

(Is outros 110 verern aquillo reeunraru e Jose ex-

elamou com imperio:

- Es tas men i as hITo- t l e SCI' res pei tadui! o u en t?lonua conte com a vida aquclle que 0 nao fizel'! ;Vie-

mos Ilq ui bnscar meios ptll'a nos sustentarrnos, e nITo

viernos p.'Il'a munchar as mhos no sangue vil'gina! de

tres innocentes ! Ja quenli.o respeitamos mais nuda,

respeitemus ao menos a honra!

Oil bandidos affast(ll'fllll-Se e 0 cl.efc dil'igiu-se ItS

jovens, dizendo-lhes :

-- E' convcnicntc 'iYc V\T, exc.?" vao para 0 seu ;

quarto e ahi estejam. Qncimlll diz er-me onde e , J

- Venha commigo, scnhor, disse a dona cia casa

que ouvirn 0 firn do diaJogo entre .Jost: e os bnndidos.

Elle, a mae e as filhas, atraveasnrnm UIlI ccrre-

dol' no tim do qual era 0 quarto das tres meninas;

mandou-as entrar e que so fechassem pOl' dentro c em

Beguirla dell lim assobio pnrticulnr.

Urn minute depois estava urn homem a seu lado,

- Tu fica u porta d'cste quartojmas torna bernsentido que nqui ninguem, absolutnmente ninguem eo-

tra e respondes-me com a vida pelo cumprimento dss

minhas ordcns. ~

- Fieae descan~ado, respondeu 0 sicario que rnos-

trava respeitar muito 0 sen novo chofc.

Jose aeompanhndo da dona da casa viers para a

mesma sala onde ja estivera.

-Obrigado, senhor, disse a fidalga, f izes tes -me

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;; ;

- 21-

o melber, 0 mitis valiosn f;1vor que se pode i1l1aginar!

Nao conscntiste que violassetn ° sacrario que rnais

respcito 11'este munrlo : 6 UU obsequio, urn a acr,:uo no-

bre e virtuosn que jamnis esqueenrei emquanto forviva, Deus ha de renumerar-Ih'a, fiqno cert». Agora

aqui tem todo 0 clinheiro que tenho em casa, nao sei

quunto e ao ccrto , mas al'pmximadamente silo oitenta

libras.

- Dem, senhora ; conhceo que isto 6 urn ahuso,urna <lC~£\() rna, mas pcrd oae-noe, porque as nccessi-dades obrigam a tud o , . _

- V ('jo que ainda r.onserv a UlIS rcstos de bons

sentirnentoe idigit-me 0 sen nome.

- Jose Tcixeir., da Silva, mas esta i!;ente que

me neompanha, appcllidou-me de Jose do 'l'olhado.

- Se um din, precisar de mim, occupc-rne e tcuha

a certeza qno sed, attcndido, pois nunca Ihe pagarei

o que me fez ,, -- Obrigndo, responrlcu Josc, e pegnndo no di·

nhciro rll~1! urn nssobio e logo os bandidos se come-

<;arnUl l\ ngl'uprw em volta do sell ehefe inter-ino.

~ Hapazes, disse este, . i i i aqui tenho o dinheiro

que hn em c asa, e oscusado sent irrnos cal'l'egados

COin fardo8 de pOllet) vnlor,

- Mns as prntas vao? porguntou U1l1.

, - Essas 3im, porq ue tam be III e moeda cOrl·ente.

Minutos depois aq uelles homeus abundonavam aCaZa da fidnlga, sahiudo francamcnte pOl' uma dasportas,

I. I

I

,

~

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v

22

REI MORTO. REI POSTO

Os malfeitol'es d.ispcrsararn-se e cada urn foi por

caminhos differcntes em dil'ec~ao a caserua onde 0

mestre 08 espera va,

A' mancira que iarn cutrando sentnvam-so ri e a -pera que vie sse 0 sen chefe interino para dar conhe-

cimento do ql\e so pa,~sars_

Este foi 0 ultimo que entrou,

Custodio, no \'cl-o pel'guntou:

- Entao que tal foi a pesca~

- Soffrive! J respnndeu Jose ; e correu tudo sem

novidade de importancia,

- Vejamos entao quanto e que apurnrtlrn para

se dar a cnda Urn 0 que Ihe pcrtencer,- Aqui tern a d inhciro que havia e estito alii

aquellas pra tns.

- Setenta e nove libras, disse em voz alta Custo-

dio. Como Jose se porton tWlll n'esta emprezs, assim

como nils outraa, quero dar-lhc a honra de repartir e

sntregar-vos 0 que vos tocur,

Jose fez a conta c d isse :

- Sao 355[l500 rais, quc repartidos pOl' dez ho-

mens cabe a eada 11m 30~5DO, mas note-se que d'aquihavemos de dar ainda a parte que merecc 0 nosso

mestre,

- Voces nao ficari10 lesados, dando-me 3~OOO

reis carla um, respondeu Custodio.

- Eu acho poueo, accrescentou 0 Tim- Vidas. 0mestre esta doente e prccisa que 0 ajudcmos j poi-tanto

BOll d'opiniuo que se complete a libra.

- Apoiado, disseram todos a urn tempo.

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.;I ~ - ~ ~~~__

- 23-

- Agrado¥o-vos, disse Custodio. Mas notae que

Jose nao tcm maior quinhao quo vocss 0 fo i elle queserviu de chofc.

- Eu estou satisfeito tendo tanto como os outros,

respondeu Jose do Telhado, como Ihe chamavam ascollegas.

- Sim, sonhor, agrada-me essa imparcialidade,exelamnrnm alguns .

.Joso do Tclhado comecou a repartir 0 dinheiro

polos compauheiros, que 1 1 , rnnne ira que iarn recebcn-do davarn a libra no sell chefe.

Tenninando 0 pagamento, Custodio seutou-se na

carna c C!'gll.en a voz para set ouvida pelos seus com-panhsiros do crime,

- - Co\Jegas, disse, ten des ja rccebido 0 que vos •

tOCOl! d as sctcnta e nove libras ; falta dividir as pra-

taa, esans desojava CII possuil-as, mas como fienreisdescootcntes exijo ao menus ruetude, que e para oju-

da do meu tratamento. Bem vedes 0 men cstndo,

Tonos ficaram cal ados e dnvam mostras de des-eontentamento.

- Eu , continuou depois rIe lan<;al' um olhar a to-

dos, nao posso aqui n'esta rniserave] caverna tratar-rne,

e a minha saude peJ·jga de dia para din iquero pais,

Vel' M rl'alguma forma arranjo a trnnspcitnr-me para

caga d'um men amigo que mora nas oircumvisinhan-

~as da minoa. terra. E' uma \'iagem pCJ·igo"a~ atten-

dendn a minha posiyuo, porq ue rosso eucontrar con-

trabando pelo caruiuho , mas 0 dinlleiro tudo cousegue

e e por isso que vos pesso metnde das pratas.

- E' uma causa que devemos fazcr com vonta-

de, disse Jose do Telhado j nao s o pelo respeito que

Ihc dcvemos tributar como pura 0 D IU a que e desri-

nado.

"

j

II

l

I

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24 -

J ,

- Soja assim, por ser pnra 0 110SS0 mcstre, ex-

clamaram todos depois de confcrcnciarem om vuz

haixa.

- lila;; COIllI) so hao de avalinr !IS pratns ? pcr-

gunton urn des bandidos a quem havinm alcunhado de

Avarenlo.

-l\Illito bern: peznm·sc.

Procedeusc al) pczo das pl'atas, mas no tim havia

uma ta<;a que, para se (,lividir igualmcntc, era pl'C-

ciso p!ll'til'a a. meio,

- E' ncccssnrio ver como se ha d e dividil' isto ,

disse 0 qlle estava pezando, Vue >~ bnud(tia pnra (>

mcstrc ?

- IS80 n!lo !QUCl"O que sej a reparti rl a ig uulmcnte,

atalhou ° AVa1·ento.- Socegn7 disse Jose; 0 mr-strc fica com as pra-

tas ma is pczudns c d.i-vos 0 excesso em dinhciro, Es·tao ~ati~fl~os fIS~im ?

-Bl'avo, muito bern! bradararn todos.

Em seguida tratou-se des preparnti I'OS d (1 via-

gem e na noito seguinte J;o/,·se 11 cuiuiuho, uiontado

n'uma pn~sant() egult e disfan.,:utlo n'u m pcrfoi tu la -

vrador, Custodio, acompunhado do Tiro- Vidas.Ill. com ten<;?lo de S8 hospedar nil casu do tal sen

amigo, que em alveiiar, mas que, segundo dizia

Custodio, tinhn feito curns lUiiagl'lISIlS no corpo hn-mano.

Deix emos quo caminhcm socegndos e vojumos 0

que se pfl5sa com os outros bandidos.

Na occnsido em que enrramos de novo no covil

dos mulfeitores, urn d'elles estava dizcndo :

-Eprecise tomarrnos urnn l'esoJIl~!ao a Vel' quem

fica a g:ovcrnar H fomilia, !tei morto, rei posto, diz ()

rimo. 0 mestre auzentou-se e da maneira quo so aeha

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~- . . . . - . . . .~ ~-. -~_ :.~- ~-- -

. . . . . . . _ ~ ~ ~ _ ~..-,.

-25-

6 provavel que nao voltc, E' pois uma nccessirlade

que d'cntre nos se nomeie um qne tome o :ogal' de

pae. A este respeito vou dar a minim humilde opiniaoe descjava que r o . seguissem. Jose do' 'felhado tem

ill(;strauo ser urn lltlHlem esperto e a pam 0 l Icgocio,ale)}) disso tem-se portado honradamente COlllI)OSCO;

~m vista d'estas qualidndes era da niinha vontade e

,Julgo convcnientc que a escolha rccnia n'elle.

- E' muito novo e tern pouca pratiea, rnuruuu-ou

o mais velho dos sa!!.eadm'esJ o qual mubicionavaaq uelle logar.

- Ql1cres que SBjas tu 0 no.neado l 'I'u, que apc-

sal' de seres ·~·ctel'ano llao passns d'uma carn)(}n, des~

conjlHwtaua, sem agilidade, Belli rn eiociniu, sem nada

d!Bste rnundo , Que tens tu feito ? Mostra os tells ser-

v t ' r ; Q S ~ c. em vista d'elles falla. Dormc, que 0 teu mal

e S01ll110.o sulteador a quelll cram dirigidas estas pnluvras

!l1(Jrtlcu os labios COlli colern, c murmurou :

- Hei-de vingar-me !

- Os q no quiaer-em scguir a rninha opin ino de-

v,em levantar-so e us outrns que fiq uern senrad os, COII-

t1nuou () bandirlo que lu.via tomad o (~ pnlavra. Vel'e ..

Jllos quem tem a ruu iorjn e 0 <l11e a ti vel' sera 0 no-nlcudo.

'l'odos se ergueram a excep()lu do oeierano, queSentill o snngue queimnr-Iho as veins,

- Vi vn 0 BOSSO mcstrc ' exclnmou 0 da inicia-tiva,

- Viva! ul'udarum t,)dos.

Jose do Telliado que se tinha conservado mudo

eOlno se fom urna estatua, tomon a pnlavra dcpoisque aquclla algazarm :weegou.

Collegas, dissc ergucndo-sc, agmdc~;o-vos a de-

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6, -~

- 26-

"

-,

ferencia com que me honraes. Acceito 0 cargo de

mestre se acceitardes as minhas eondicdes.

- Vcjamos quaes sao, responde ram todos.

- Quando nbraeei esta vida reprovada por todo

o ser ehl"istaa, e que nos colleen nit p O ! i i < ; R O mais in-

fim a, m ais vil, m ais repllgnnnte dn sociedade foi por-que It miseria me impelliu juntamente com It falta de

caridade que encontrei no meu similhan te; 0 meu co-

ra<;ao comtudo naa e d'essE's fel'OZC8 que se vanglo-

riam ao vcrcm tudo nadando em sangue. Tcnho aver-

B a a n isso e s o na nltima necessidndc, quando nos nao

possamos salvar scm Jan~ar rllao d'esse teri-ivel re-

curso, e que aeonselho a que ae derrame, A!em d'isso

descjo qu(' soccorramos aquelles que ainda necessitam

mitis qllC nris, 'I'iraremos nos ricos, mus repartirernos

tambom com os pobrcs. Com uma mao prnticamos 0

crime, pois bern, com a outra pratiquemos a earidadc:verda rlei ra rcli gi a d chri sta. Usa rei de un s b ilhetes com

o meu nome o toda a pessoa que 0 apresentar a voces

devcrri 50\' rcspeitn du como se fora cu. Serci justa e

imparcial para com os meus collegas. Eis us minhas

ideias e sentimcntos, os q uaes desejo que signm a ris-ca. Agont digam-me so lhes convem,

- Convem, convem, bradararn todos Ii uma ,- N' es se easo j u rem em com 0 se com p romettem

a dar a vida uns pelos outros,-Jllramos! disseram todos estendendo a mao

direita.-Estotl satisfeito, Pcgucrn Iii e beban-i Ii minha

saude e a nossa p ro sp er- id a do,

E repartiu pOl' elles algumas moedas de prata.

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' _ . z : = - ' . .

VI-27

AVENTURAS DO NOVO MESTRE

Nn rua Eseura morava urn polwc cidnd1to de Tny,

que passflva a vida a refrescnr os seus fl'egnezes, Re-

fro sea va-os com aglla porq ue a su a p]'ofissi'io era agu a-deiro,

A' custa de muitas economics ou miset-ias pode

junta\' uma pOl'l;ao soffri vel de librns, as qnars es-

cond in n'uns immundos farrupos que tinha n'umaeaixa ,

A' aua habita~ao podia charnnr-se-lbo um depo-

sito de lixo,porqnc It immnndieie em aos carros, A

mobilia compunha-so da caixn, que Ihe servia de burra;e uma cama de bancos.

Quanta fome passava elle pam juntar dinheil'o!Urn dia den-se ao euidado de 0 contnr, cousa

que ello nao fazia porque tinha a certeza de que 0

nao roubnvarn, e no \ .8t ' que y o tinha alguns centos demil 1'0i8 pensou na sua pan-in.

Rcsolveu abandouar cstc abeni;oado torrao de

Portugal parn ir na sun terra gozllr descnncado 0resto dn sua vida,

Venuell a fvequezia que tinha a um "eo coliega,

apurou algum dinheiro que the deviam c cuido u nosprep11.rativos de viagem,

, Uma cousa 0 pl'eoccupnva, Era descobrir a ma-

Oelra de levar a sua fortuna sem correr risco de apercleI', roubando-Ih'a.

Penson maduramen te e no dia seguintc clle ahi

vae cornprnr uma cana bastante gl'OSSll, Trouxe-r,

para casa e dspois de the qneimar os nos corn urn ferro

em braza, exclamnu j

,

,

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,I

- Oh! que feliz lembranca 1 lIn de SCI' esta ea-

ninhn que servira de escondrijo no meu dinhoiro.

De msdrugada abandonou a sua immunda habi-

ta<:;iio e tomou a estrada que 0 podia cond uz ir a Vil-

lenen pal·n. d'alli se interuar na Hespanb»,

Viajava a pe para economisar a passngem,

Agnrrado a caua qllclhe servia de cajado, se-

gnia. o seu caminho pensunrlo em que empregar a sua

fortuna, Butreg.uc a phanta.sia imaginavn urn palacio

de fadas, um paraizo terrestre, urn cell de felicidades

que i ~ gozal', scm sc 10m brat' qoe a 1\(1vcnidade P04

d in . p erse gu il- o,

Scntcu - se um ) .Iouco ,i . heirn tia estrada afim de

desean~a!', e quando recom eeou a sua jornada, tendo

apt.~ntS dado uns ci neoen ta passos, recuo II es pan tado

aconchegaudo a eana an scio ao ouvir a V()Z d'um ho-

mem que elle n1 'io csperavfl,

Nus proximidades de Barcellos, n'um sitio aonde

a cstrada estava muito arruinada, hflvia um harrunco,

Eseondidu ahi ostavu nm homem, fumando trunquil-

Iameutu. 'rrajava jaqueta do polles, ctd<;a de casem ira,

sapatns d l) enbedal amarulln, faxa t l , cinta e cha pe It

drsabado. Assi III q lIC o agrHtciei ro Ole apruximou saiu

incs poradnrnen to do son cscon d 1 "~j0 e di ssc-l he sem

III ai 8 rod Oi08 :

- Aondo vacs tu, tao rnisernvelrnente vestido ?o gnllcgo tinha escolh ido II fitrpella mais r emen-

dada gue possuia, para nllo il)fllnllir suspe itas e vi,0ar

mais livre de maU8 encont!'os. Ao ouvir aquellus pal a-

vras 0 mcdo upotlcrou-sc d'clle c s o pnssados install-

tes e que p6de responder: • ,

- Senhor, ell YOU a minha terra pOl'q ue 0 ga-

verno anda n pilhar homens para so niaturem n'essas

malditas gucrl'as que POL ' l: i hn, u como en nao es toU

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- 29 ~

livre de sold ado antes qnel'o aprescntar-me do que ir

c1cpois fOI'\"ado e de cadcin em endeia.

- Fazes bern, pensando assiin. E qunnto Ievas

tu pal'a gnsblres n'uma jorn:lda tAo eOIllpl"i(\a?

- QllC hoi de cu levar, senhor? Um pobre ugua-

deiro nunr-a thegn II njlll1tnl' vinrem dt n'csta terra,

Levo urn pinto; e que rcmedio tcnlio scnito f:lzel' com

que roe chcguc.

-Isso n m pnra ns pontes te e1wg.'1. E nota que

ainda tens muito cmninho para palmilhares. OHm, pe.1511.]a Dutro pinto para nj ucla.

o gallpgo pegnu no d inheiro c dcpois d e nieditarUUI in stante retorq 11 iu :

-- Mns ...m vista de tel' tanto criminh» pal'a an.dar, ist- Ol inda c poueo.

- 0' grande pntife l Pols tu levavas um pinto e

ha vins a c remediar,te e }lgO)'fIS com dous ainda precisasde mitis!

E conhecendo qlle 0 agllHcleiro o q uCl'ia illlldir,

Ul'l'anc()u"llic a cana da milo e deu-lhe umn pancads

com ell:!: Ia rcpctir, quando 0 t inir de dinheil'O 0 fezsuspender.

Emquanto examinavn It cana, 0 gallego de joe-

Ihos pedia com instancia que lh'a Jesse, pOl'que era

11m prc;;ente que urn seu collega mrmdavn it fami-

lia.- Bravo, grande peda90 de gallego! Tiveste

nma boa lembrnn<;a! Para que te nao roubasscm 0

cacau, deste-te Ii pnchorrn de fUI'HI'CS a cana e inti-o-

duzir-Ihc dentro esta pot'<;ao de libras, acnmadinhas

. _como a snrrliuha na pilha ! Jl.Iostrns que es espcrto,grande mariola.

. - hso nao me pertence, nem eu sahin 0 que CO)]-

huha .Urn meu patricio quando soube que eu ia

a

f ,;

,

i

1

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terra, pediu-me para the levar urna encommenda , e

cntregou-rno isso para eu dar ~i familia.

-Sim, sim. Olha, dcixa vcr para ci 0 pinto quete dei,

o aguadeiro entregou-Ih'o ,

- Agora segue 0 tcu onminho, Tcras de 11'mais

leve porque eu fico com 0 teu cajado.

- Isso C um roubo ! exclamou 0 aglladeiro appro-

ximando-so do desconhecido.- Engllnas.te. E' 1 \ maneira como Jose do Te-

lhado trata os miseraveis como tu,

Este nome que circulava de bocca em bocca pOI'

todo 0 reino, produaiu no aguadeiro 0 effeito de urn

choq ue eleetricn, dcixando-o imrnovel como LIm a esta-

tua e com 0 olhar espuntado,

Jose do Telhndn, pois era elle, ao vel' 0 cspanto

do gallego, disse-Ihe com escarneo :

- Vao socegado upresentar-te ao governo , e dizaos teus collegas e irmaus que Jose do Telhado pra-

ticou uma boa ac>;ao ensinando urn sovina.

E sern esperar respostn mettcu-se pOl' entre urn

pinhal que haviu proximo e dosappareceu dcixando fi-

cal' 0 gullego cntregue ao seu pasmo.

Uma hera depois caminhava Jose do Telhado pela

estrada de Braga. Adinnto d'cllc ia um pobre homem

com 0 seu ganha-pao debaixo do braco : era urna re-

bees cuidadosamcnte fechuda n'uma sacca de baeta

verde.

Como caminhasse devagar, sem difficuldade Jos edo Telhado se approximou d'olle e lhe perguntou :

- Aonde e a festa, born homem?

~ E' logo aqui adiante, n'uma freguesia proxima

de Braga. .

._ E vocerncce vern de longc?

- 30-

I~iI

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: ; & i::i7 ;

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- Do Porto.

- Do Porto! Pois merece-lhe a pena vir ganbar

_ talvez uma ridieularia a tantas leguas de distaucia?

- Quando temos familia que remedio ha scnao

sujeitarmo-nos, visto agora na eidade nao haver que

fazeI'. Vou gllnhal' 26800 reis. Ate Villa Nova de

Famalicuo vim no carro, e quando voltar pllra. 0 Porto

vou tambern. J~'~& que pllgando a passagelll ainda

fico com algnm dinhciro, Mais vale putH!O que nada.- Deve comtudo vir pl'cvenido j a gente nuo sa-

be 0 que nos pode SCI' precise.

- Quando sahi de casa apenas trazia dinheiro

para a passagem ate VilJa Nova, mas 110 camiuho en-

contrei urn amigo a quem pedi doze vintens empl'es-

tados que com uns bolinhos de bacalhau que a ruinha

santa me nrranjcu hei-de passuI' se Deus 0 perruittir,

Jose pen sou urn memento e em scguida porgun-

tou .- Tern filhos?

- 'I'enho dous.

- Vejo que tem sido franco e s o tom dito a ver-dade. Acceite, pois, estes tros pintos o beba uma pin-

gn a saudo de Jose do 'I'clhado, que e quem lh'os d.i,

o pobre musico empallidcceu e com a mao tre-

llIula c 0 cora<;lio eheio de mcdo pegou no dinhoiro

que 0 salteador lh e offerecin e apenas pude murmu-

rar:- Obrigado, senhor ...

- Adeus. Saude e boa viagem,

. E adiantando 0 paeso om breve desappareceu a~lsta, do horncm, que julgava um sonho 0 que acaba-

a de dur-se com ellc,

t Dccol'l'ida lima sernana dcpois d'esta_s scenas, ea-

aV'a u 'urna estalngem de Penafiel um homem decen-

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"

temente trlljado e ~\le peln polidez das maneiras 1110S-

trava freq uentar a sccicdade.

Estava a junta!' quando cntrou 11\11 homcm que

pelo typo, modos e traj 0 rnostrnva SCI' provinciuno.

o hospede com a maim- rlclieadcza offcreceu de

jantar ao recemvindo que primcirnrnente recusou mas

teve de accei tar instado pm' ,~~\!('lIe,

Depois de ccnversurem fumiliarmcnte pOl' nlgum

tempo pergnntou () llORpede no sen conv iva:- 0 senhor {;J'estes sir ios ?

-- Snu do Marco, mas undo pOl' aqui t.l'ilhmdo de

negocios,

-Est:\' cnrno eu, que vim 1 1 . cobrnncn ,

- E foi feliz ?

- Fni. Mas pura ll.e fHIIIll' corn fr;<nqllcza estou

com {) meu bocado de receio de ir para a Porto.

- Receio de que?

- D'cssn qll:ldrillm de mnlfaitores que vagucia

pOl' estas rc(\omtczHS,

- Ora! cxclumon 0 provineiano sorrinrlo-se.

-Orein,o. Imagine que appareeia agora aqlll 0

celebre . Jose do 'I'elhad o.

- E que tinha isso de cxtraord innrio ?- Nada! Ol'a. ossa! Ig!lora 0 senhor porventurn !IS

gentiieZH~ qne esse liomcm tern praticado ?

~ 'I'cnho ouvido contar ulg:uma COUSIl a esse res-peito imas crcia quc esse home!ll nao e tAo man como

dizcm.

- Fflyamos-lhc justica ; a p~U'de uma ae~ao !lui.

prarica um bern (l'Ulsi todns as VC1.CS, isso e verdade-

Oonvel's:wam aiuda por algum tempo accrca do

bandido eontando elida um 0 qne sabin ate que sahi-

ram dn hospednria. Ao acharem-sc na rua 0 pl'ovin-

ciano disse :

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- 33

- 'I'emos agora de nos scp:\ra!·.

- Assim e precise, visto segu irmos caminho con-

trario. Aqui tern 0 meu cartiio j more na Cordoaria, na

cidadc do Porto. Sf) 11m din prccisar d'alguma C0UM,

d'cste sell [Jouco prcstuvel crindo, nao tern mals do que

lhe maudar as suas ordcus, Tenho al~uns navios meus

que fazem vingcns pura 0 Hio de Jnueiro, S,_1 necessi-

tar d'nlgllma cousa parR aqnelle imperio, maude com

fl'anqncza.- Mi] vezes obrigado, Sill". :Machado, rcspondeu

o proviucinno dupois de relancear a vista pelo bilhete,

So urn dia V. S,~ pasoar pelo Marco rle Canavez es on

precis:;;)' d'alguma eousa d'aqucllu villa, guc:·enrlo hon-

rl\\' est« sen humilde servo, uno tam mais qIta porgun-tal' pelo .Iose do 'I'clhado , que todos lho sabel':l() indi-

CUI' a minha moruda ,

o R\I I". MiH :haflo, no ae:1 bar de on vi r uquelle

offcl'ceimcnto tilo sing:nlal' " I innxperad'J, mudou de

CUI' e ritando com paSlllO 0 homern que tinhn nu sua

frcntc nilo soube quc responder.

Jose do 'I'elhudo a1wcswu-se a tirnl-o d'nquelIB

embal'u<,;o, dizcndo-lhe:

- Digne·se V. S," acceitur agora oste men hi-Ihete. Se pelo caminho tiver ulg-lun encoritro desagra-

davel queira mostral-o e tenha a certcz.n que nnda lhe

succed(~ni. Pod« it ' trunquillo e afl'astar para lange osreeeios que tin ha ha pouco,

E dcspcdindo-se deiicudamente retirou-se deixnn-

do (J SI1I'. Machado um pOUtO cmbnracado aiuda .

3 - _

. .

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VII

"

- 34-

CONTINUAM AS AVENTURAS

No dia em que se passam as sccnas que varnos

narrar, em Villa Verde grande parte dos hahitantcs

preparnm-se para ir faaer as suas trallsacljoes ~i feirado Pico.

Proximo da igreja havia uma casn de fraca appa-rencia, com alpenrlrc, cujn servia de csta~ao de correio

e 11a qual moruva 11m barbciro; homem que se t inha pOl'

valentao e instruido em sciencias. Do que elle sabia

menos era do sen officio ide cada barba que fazia era

con tar que 0 frcguez fioava com a earn molcstnrla para

oito dias, nno con tnndo O~ innumeros golpos que clle

diz ia nuo fazcr mal, pOl' set' urn preservnti vo contraas dGres de dentes.

Estava elle 1 t porta, depois de tel' sorvid« os fre-

guczcs todos, npparelhando urn garl'ano e ccnversan-do com urn scu visinho,

- En tao, am igo Chico, que 1he pareee aq nella

partida do Ze do 'I'elhado com 0 aguadeiro ? disse 0

mestre barbeiro,

- Que me ha-de pnrecm-. Se fosse a primeira que

elle praticassc era de admirar. :J.Ins scm pre Ihe digo

que eBeehornem do mil diaLos

!N'est(:l eutretanto urn Iavrador penetrou na lojado mestrc, dizendo-lhe:

- 0' mestre, vauios a isto?

- Tao depressa como UUl raio, resporidcu 0 bar-

beiro, amarrundo 0 burro a urna das columnns de pe-

dra que scguravam 0 alpendro. Se Chico, venha at6aqui ao cavaeo.

o lavrador scntou-se n'uma cadeira do pinho ja

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em

- 35 _

multo carcomidn e 0 barbeiro dcpcis do Iho dcitar ao

pesco~o uma toalha de chita, continuou dirigindo-se

ao acu visinho.

-_ Pois eu, 8 e Ch/C () , se me vissc em taes asaa-

dos pensa l r I . quo era 0 Z e do Telhado que me tirava

a cana ? Ah ! ah ' esta born, estu born, a visinlio DaO

sabe quem aqui cstu.

-Ora, mestre, com aquellc homem ha pouco quem

brinque.,. - Voce nem e homem nem e nada, No tempo,

do JIiguel, estava en de senti nella pcrdida quando de

repente me vejo pcrscguido pOl' oito malhados, Olhe

que for am oito l Assim que vi aquilla }JllZ-lUe em gual'-

da e tratei logo de dar a matar. Luctei com elles

tnais de meia hora, e j lllga que ehamei {,s arrnas? n1'to ,

que en nunca dei mostras de scr cobardo !Digoo com

franqueza, houve al]i 11m bocadinho que por- urn triz

que me llila estcndem, mas ell fulaeei-os e cahi em ci-Ina d'elles com uma furia que tres ficararn logo mortos,

_ E os outros? interrogou 0 lavrador,

- E os outros assirn quc viram aquilla foi um

tal fIIgi 1 " ! POI' iso, s e Chico , lle 1 lI qua tro como o Z edo Tclbado me tiravam a cana, como elle fez ao gal-

lego. Estes hospanhoes assustam-so com pouea cousa e

perdem logo 0 animo!

Aeate tempo 0 harbeiro acabava de rupal' os

ql1cixos ao Iavrndor 0 diz ia- Iho :

~ Prompto, mcu f'reguez, veja sc esta a vontade,o Invrudor mirou-se a urn espelhinho redondo

que a mestre Ihe apresentou, e clcpois de dizer que

estava satisfcito pagan e foi postar-sc debaixo do al-pendre. _

o barbciro vcio concluir [l, sua obra : - apparc-

I b nr 0 garrauo,

!

- . . . . . . . - - - . _

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- 36

-E' seu 0 garraninho? pCl'guntou 0 iavrador,

- Ola se e! Com p !'Ci0 na fei ra do Pico, faz

hoje dois mezes .

- Quanto th e custou ? ain da que eu saja confia-

do,

- Comprei-o bnrato, porque 0 homem que m 'o

vendeu nao sabin 0 que tinha ; custcu-rnc seis moedas

e meia e uma p£nga que paguei no dono.

- Foi boa com pm. E elle mostra SCI' de boaraea.

- Isto e urn gosto, faz I 1 i ideia !- E tern born passo?

-Born pas1j{) !? Nao qucro que hnja outre que

o batao Quer vocemece exper-irnental-o ?

- Sc me du Ij(~eTI(;a. " Ell todo 1l1C console quall-

do vejo urn bieho d'estes,

:___Exoerimente e vera,

o lavrador mont.ou 0 gnrrano e dell duns coni-das pelo cmnpr), vindo pnrar no pe do barbeiro , que

se ria de contentamento ao Vel' 0 sou glllT;tI}() nao 0

dcixar pOl' mcntiroso ,

-Que tal? pBq;untou at> lavrador.

-Pilde tel' gosto n'elle que tenho vista pOlleos

aaaim,

-E' UUl gr,l'!'aninhu que ainda que me dessem

quatro moedas de ganho eu nno 0 dava.

- Se 0 gallego pilhasse 11m assim na oeNlsiao

em que encontrou 0 J'ose do 1'elhado, elle nao lba ti -

rava a cana, retorquiu 0 lavrador depois de affagar 0

garrano.

- Isso era para fugir; mas para mim nao era.

precise, Tinha vontade de me Y61' em frento d'elle .

- Oh met! amigo, isso 6 a causa mais simples

d'este mundo e q ue facilniente th e pode succeder.

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-I-Iavia de the mostrar quem eu sou.

- Pois muito bern, . i i i que dosejava isso e diz

que nao era elle que lhc tirava a erma do. m a o , veja

se e cnpnz de tirar 0 seu gllrrano de debaixo das per·

nas d'elle. Adcus, e a vile 0 Jose do Telhado!

E esporando () cavallo rnetten a galope.

o m-stre bsrbeiro e 0 seu visinho ficaram olhan-do UUI pnra 0 Dutro.

Passados os primciros mementos de espanto, 0

yisinho disso para 0 mestre qne llao sabia explicar 0

que vira e ouvira.

- Ora en nao lh'o dizin ' Voce a fallnr 110 diabo

C com elle em CMa sern o conhccer ! Diga :lgnrn que

e homem para oito malhados c qUfltro:J oses do Telhado,

- M D S 0 8 6 Chico, que hoi-de en fazcr 11.gora?- 0 que j:l fez: - Vel-() ir a gulope para lhe

expel' imen tar 0, po.sso !

o bnrbeiro utou as mjtos nl cnbl~9a e Iifoi sen-

tar-se na [\\1[1. cadeim, Iastimando a pci-da do garl"ano.

JOse do Telhado snstentou It dcscnfreada carreira

do cnvallo POl' algllm tempo;

Parou emfim j~i.bastnntc affastados de Villa Ver-

de, na cstrada que 0 conduaia 0.0 Pieo.

A meiu duz.ia de passos de distancia cstava urn

pobl'e lavrador procurando nlgurna eouza que tinha

perdido e dando mostras de affiicdio,- Q ue pcrrleu , 0 tio? pergul; tou Jose.

, . - Ai, senhor !Vinha para a fcira comprar unsbOuntos e dcscancei aqui um bocado , Lembrou-mc de

yntar () d inheiro e dou pels falta de duas moodus!alba-me :N()~sa Senhora do Allivio !

- E quanto levava para comprar os bois?

- Oito moedas e um qunrtinho,~ Com essa quantia s6 so lcomprar uns bezerros.

I

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- --

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-- ---___"....;,.. _:--.. . . ._ - ; : -

-38-

"....1...

- Foi 0 que pude ujuntar, e olbe que passei muita

necessidade para isso, Queria Vet' so com cllcs ia ao

ganho para a cidadc,

-Pois d e ahi mais uma volta e senao encontrar

o dinheiro que the faltn vcnha commigo e nao se af-

Hija.o lavrador procurou aindr, por algum tempo as

SUIlS duas moerl as e como !1~ uao encontrou Sf~glliu 0

seu fingido cullega, nao dcixando de [astirnar-se e

eontar a sua vida.

- N un Be afH i ja , dissc . Jose. Voce v ae pnra afeira c cscolhe h i os mclhores bois que encnntrar :

ajusta~os da esse dinheiro que leva de signa! c espera

pormlm,

o lavrador lancou urn olhar duvidoso para 0 seu

collega.

-Acreditc no qu(' lhe digo . Fa<;a 0 que the man-do que (; para sell interesse. Arlousinho, ati! logo.

E fustigando () ca \'.'1110 em breve chegou ao Pica,

onde havia feira ri'aquelle diu.

o lavrador chegon muito depois e ficl ,is instruo-

~oes que havia reccbido, PI'OCtlt'Ol.la junta de bois que

rnais the agradou,

-Q\lanto custa a junta de bois? pOl'gllntou 11,0

homcm que os segurava pela soga.

Este annlysou 0 lavrador e respondeu chaco-teando:

- Quinae moedas, urn quartinho e uma pings

do verde.

~ Muito bern, aqui tem seis mocdus e urn quar·

tinho de signal e ell venho dar-Ihe ja 0 rasto .

- Va-se amborn ; eu ni'lo vendo os bois 11 voce.

E alem d'isso q uer uns bois d' esta qualidade por esse

preco ?

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: ;: e :: =; Z . .. .. .4

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- E' 0 qne voce pediu, atalhou urn lavrador que

se npproximara . Sc valern mais e os qucr vender pOl'

o seuj usto valor, porguc nao pediu mais ?

- Estc homom nlio 08 pode comprar.

- Deixe VCI' &8 <leis moedas e 0 quartinho , d isse

o lavrador, que era Jose do Telhado, dirigindo-se no

que I1justa V:1, e em: seguid a v0 !tan do- se para 0 011trol'espol1den :

- Aqui tern as quinze moedas e um quartiuho,o hornern deve ser cscravo da sua palavra, Voce pe-

diu istn, flqui 0 tern scm rcgatcarmos. Venha beber

a pingil que 6 0 que falt.a.

o Iavrador resmungou, mas juntando-ss gente

para saber 0 qne se passava, eOllloo;antlll todos a dar

razao ao comprador que, nito scm alglunfl troca de pa-

lavl'Hs rnais, comproll a junta de bois.

Foram,como era do ajuste, heber a uma barracaque havia proximo, forrnadu de UIll lell~:ol prcso a duas

arvores.

~() lim da tarde a fcil'a foi-so tornando menos

allim"da c em breve :tpenull se viarn algumas barracas

a demolir-se,

o vendedor dos bois carninhava pesaroso, pela

estradn que o conduzin a sua casa, quando de subito

eentin lima palrnada no hombre, Voltou-se e rcconhe-

eeu no homem que estava na sua frcnte o compradord08 seus bois.

-011 ! tambem pOl' aqui ! exclamou.

- E' verdade.- Voce sClllpre m'a arranjou boa! Lns bois

d'aquelles por uma tum e 1"fIeia i

- A culpa foi sua.

A este tempo deixava.n a estradu para tomar um

atalho que havia por entre urn pinhal.

I~

I~

1

f

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_lJ ,O _

"

- E vao ccrtamente admirnr-se quando souber

que esta fltlJando com 0 .Iose do Tclhndo, acerescen-

tou,

o lavrador recuou rlous passos olhando com des-

eonfianca.

-'E' elle mcsmo em pesson que esta aqui e lhe

pede 0 dinheiro que ha POIlCO den palos bois,

o lavr!\(lor soltou tim grito e manejando (l pau

que tl'flzia, d ispoz-ae a defender os seus haveres.

- Nada de arrognncias, cxclamou Jose do Te-

lhado. De-me :10 hem () d inhoirn, do contrario fica

sem (luas cousas : - dinheiro e vida.

o Invrndor ern vista d'esta amcas:a, rosignou-se

e tiraudo d'nl» pe de mcia as moerlas que huvia 1'0-

cebido entrogou as a Jose,-- Ell s o quero as nove qIIe Ihe (lei, perq ue sao

minhns, as outrns que 0 Iavrador Ihe dell gUi1rde·as.

Agnrl1. ni d cscancado pnra sua casu.

o lavrndor segll ill () seu camin ho chorando a sua

deegraea e Jose retrocedeu, dizendo:

~ E' precise ensinar estes misemveis ricos a

protegerem IJS pobres.

VIII

JOSE TEIXEIRA DA SILVA DO TELHADO

Antes de continuarrncs a nurrar mais aJguns cri-

mes que Jose do Telhado praticou, digamos ao leiter

algumas palavras aoerca d'este homem.

Nasceu em H!l6, n11. aldcia de CastellOes, co-

mares de Penafiel. A sua ma signa vern ja de fa.-

milia, pois 0 pae, Joaquim do 'I'elbado, capitancava

uma forte quadrilha de Jadroes, d'onde auferiu os meios

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-u-

precisos para sustentar fartamente a sua casa, oceul-

tando II. familia 0 degl'auante mester que excrcia i C

um tio 11c .Jose, charnado Sodiano, tam hem prnticou

imm(msfls wmtilczas hi. pola serra do Marit,},

Jose fo i ereado Com esmero, e 0 seu com~uo de

iufancla Bill nuda mostravn a malvadez qlle liavia de

ndquiril' na puberrladc.

Aos q uutorze annes enamorou-ae d'urna pri-

ma, chamadn Anna Lentina de Campos, filha d'umaSua tin materna cnsndu com urn frances que exercia

a rondos" profissao de enstrador-, em Lousada,

A I'Hpariga em gentii e fura «ducada como em

quaIl'] uer (;()lJegio da cidade, (I qlle a fnz ia d istinguir

das outras educadns com menos escrupulo.

Jose am ava-a corn fervor e quund» se via forea-

do a abandonal-a,sentia partir-se-Ihe a alma"

Como isto 0 mortificasse, 'penson na mancira de

a vei- mais umiudadas vozes e mui proxima de si.

Para 0 conscguir pe.liu 1:0 tio que 111('. ensinnsse 0 of-

ficin, e que 0 recolhease em casu emgnanto fosse apren-

diz. 0 tic satisfcz-lhe 0 pedirlo, e Jose viu C(HIJe~ar

a sorrir-lhe a. felieidatlc.

" Cinco annos Be passaram em que os primos sen-

ham trnsbordar-Ihcs 0 umor no poi to, o amarum-sc como

So nmam cs anjos.

Quando chcgava 0 dia do descaneo, Jose parall~O ifun e l i r suspe i tas, p 11nha ao ho III b 1'0 a esp ingarda

e 11\ a ca~a. Mas as innocentes avexinhas lla() tinham

que temel-o pOI'que clle dlCgayU a urn sitio, uncle con-

trnnpbn. a Janella de sua prima quu 0 estava oJhando,

Ecntindv agitar-se-Ihc 0 pulsar do cora~ao.

Aos dezenovc annes pcdiu-a em caxamento ; mas

o pae que ambiciunava urn esposo rico para a sua fi-

Iha, rejcitou aquclle enlace.I

I

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- 42-

',~

'I,

Jose sentiu opprimir-se-lhe 0 cora~ao e naQ tendo

recnrso algum de que lnn\(ur milo, confessou ao tio de

que era devedor da horn-a da sua prima.

Esta confissilo exasperou 0 tic, que 0 repelliu e

mandou pOl' fOra de casa aos empurrdes.

o pobre moc;o sentiu npertar-se-Ihe 0 Cl)l'IH;aO e

mal pode relancear nm significativ() olhar a sua pri-

ma, que escondida do pac, presenciarn cstn scena.

N'esse mesmo dill, quando a noite ia em meio,os dois amantes eatrcitavaru-se em amoroso abl'at;;0_

-Se-me fiel, dizin Jose, ate no d ia em que eu

possa rcjeitar 0 din heiro de ten pae. Von tentar for-

tuna pant Lisboa, e SD Deus me proteger em breve

nos uniremos com os las~os inquebrantaveis do matri-

monio.

-- Sim, meu Jose, aer-Ie-hoi fiei ate it morte , e

nao duvidcs de mirn, uin s o memento. 0 amor que

:6ze~te nascer no men paito, fincbnt quando eu pagara terra (0 tribute que todos th e devemos, Quando eu

esperava tor-te a mel! Indo e que tu te separas de

mim!E e men pnc () cnuaador ; e cl1c que me retalha

o cOl'[\~llo !

E a infcliz dcsfaein.se em pranto ,

Dcpois de muitas lagl'imas e p1"Ontessas, como efacil de imaginal', Jose rlespediu-se da prima.

Dirigiu-se a Lisboa (l ahi nssentou pras~a no regi-

mente n.? 2 de [anceiros da rainha,

Pelo sen cornportnmento e servicos que prestara ,

em breve ad quiriu as divizas de sargento. :\las am-

bicionava mais: queria uma posi<;ilo mais devana para

poder rnostrar It Belt tio que podia desprezar 0 OUTO,

que pertcncia a sua filha ,

Em todas as occnsides propicias mostrava a sua

valentia, e nas revoltas que houveram pOl' esse tempO,

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Q""~.- ~

praticou feitos de valor, arriscando a vida pOl' muitas

vezos.

Levado pelas consequencias da guel'ra, emigrou

para Hospanha com 0 barao de Setubal.

Depois da convcncito de Chaves, Jose reccbeu

urna carta da prima, na qual ella th e dizia qUG 0 pae

annuin ao oasnmento .

o valente sargcnto pediu logo a sua baixa, c ob-tendo-a eaminhou com 0 Cr)l";1f;aO ancioso para onde

passara as dias mais felizes dn sua mocidadc.

Dias depcis cnsaram e 0 francez dobra a filha

com 0 bastnnto pnrn viverem livres de priva(;i'ies .

.Jose repar+in com os pohres os restos da sun meza

e todos oncontra varn n'elle um cora"ao aborto para

rcceber as Iagl'imas dos infclizcs e uma mao esrnuler

que lh'as enxugava.

Em breve rcccbeu elle 0 nome de pac, que 0 en-chin de gosa, quando cetrcituva nos bra~:os 0 seu

pl'imeiro filho.

Na revoluelto dc 1846, 0 povo amot inado d'a-

quellas redoridezas precisnv« de mil homorn que os

dirijisse e lemhr aram-se de Jose. Este, quasi fOl'r;ndo,

Itcceitou 0 logar de chefc, 0 mostrou aos sells ami-

gas a nccessidade de se unirem a outra for~ll. Depois

de os convcncer, entrou parR. 0 servieo da junta,

Comprou eavallo e fardou-se Ii sua custa, segllindoa sua antiga arrna de ca vallaria.

Em Val-Passos 8alVOII a vida 30 sur. Visconde

de Sa da Bandeira, defendendo-so contra tres 801-

dados de cavallaria que pretendiam matar a snr , Vis-

conde, e as quaes foram rnortos pela valente cspada deJose.

Este feito meroceu-lhe a condecoraclto da Torre-

e-Espada que 0 proprio general Ihe poz .1.0 peito,

= - - 5

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_-~

,I

- 4~-

Terminada a revolts e 0 povo entregue ao santo

soccgo dft paz, Jose do 'I'elhado volton para 0 Judo da

esposa qucrida, que entao 0 esperava corn os scus cinco

filhos,Jose empcnhara-se muito, pOl'que a sua generosi-

dade e born corll '}H.o 0 leva ram It rcpartir com os ca-

marad fl R nccessitados aq ui1I0 qno ulle preci sa va c II I

casa Pfll1l. sustento do RUa familia.

Cumo semprc acontcee n'estas cousua, Jose ad-quiriu inimigos tao fignrlaes que j uraram a sua ruina,

e conseguirnm-n'o. As authoridadcs contrarins a sua

poli tiel'.I prutu 1'3vam em lnd (J a rru in1l1-0, eoad j tlVan-

do-cs.

Jose 1\~jxcira foi decahindo grudualmente ate

que se viu quasi reduzido a pcbresa.

Pediu aos scm, amigo:) e pcs~oas importantes do

seu conhecimento qur. 0 protr.gesscm, ~lITftPjando-lhe

urn ernprego, par 0 qual die podesso gl·~mgeal' 0 seu

sustento c <) do sua famili«, assim como satisfaacr os

seua credores. Debalde rogou, porquc ninguem 0 at-

tenden.

1\. ingrlltidao foi a union cousa que recobeu d'a-

quelles pOI· quem arriscarn a vida.

PO" fim ehcgcu ao ulti III 0 extreme, como virnos

no primciro capitulo d'esta narrntiva,

Sua, csposa, quando soube que Jo~e cornmettera

a primeiro crime, quiz su icidar-se e a seus filhos; tcr-

minand o assirn com uma gel'a~Ao manehada pOl' toda

a vida, o sujeita a rcceber no rosto 0 esearro nojento

da afironta !Felizmcnte poderam evitar que realizasso 0 sou

entente,

t·,···.

.r. ·~II

jI

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IX

- 46 -

AS DUAS QUADRILHAS

Joaq'llim do Telhado, irmao de Jose, hcrdarn de

seu pac 0 han1'oso Ingar de chefn de ladroes, e com-

lnandava uma vnlcnte uuadrllhn d'estes rnalt',it.(tl'es.

Dm din el1e()ntraral~l-~e os dnus il'lllitoS e Joaquim

instou com .lose para < lno Sf) reunisse com it sua gente

a Sua quadrilha. Este annuiu,

Os saiteadnre« assim que vi ram a POd8['OM ad-

hesao de Jose, nomeuram.no e1wfe e 0 irma!, teve deretil'ar-sc.

A este tempo j it 0 eOl'llS/ao de .Jose sen tift () ve-

neno do mal, e nao respei tava a vida do si m ilhan te ,

Com esta 5 ~!!(:ya() a quad rilha tornou ruuiorcs pro-

pOyoes e podia tonrar qunlquor attaque por'll\(, 0 n u-Olero de homens era bastanto grande,

Na noitc dl\ 12 de dezc~ln6l 'O de 1849, fOI'lUll 1 1 .

Unw . casu na fl'ogl18zia de Macieil'a e ahi fCl'iram ()

dono, 0 811r • .iUacicl <ia Costa, e 0 obl'igaram n confes-

Sal' onde tinha 0 dillheiro.

o rOUDO foj Va11')80 e 0 seu producto, repurtidn

Com igualdade, vcio prover as neccssidados do Jnse;

o qnal arrnnjou uma casu melhor para a sua familia,

A caposa an ver-so com algulll dinhciro ped.lll.-lhepara que abandunal>se a vida qlle abl'a~~al'a e meditasse110 rnn] que Ibe podia vir.

. Te IIIpo, de poi s, Jo~e,re sol veu ir para () Ric) de Ja-Ilea'o_

Em fins de 1849, ernbureou nn barca Oliceirn:'lne so destinnva au Hio de Janeiro. D'alJi Pil~~()ll aprovincin. do l{io Grande do Sul, dopois a Porto Ale-

gre, Santa Cathal'ina, S. Jose, Sorocabn e d'ahi \'01-

)

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- ~6-

tou a Portugal, demorando-se por Itt apenas dezenovo

mezes,'

No anno de 1851, Jose tomara de novo 0 com-

mando das duas quadrilhas, e reunindo a gente que

anduva dispersa, assaltou em novernbro d'esse mesmo

anno fL casa do dr. Antonio Fabrieio Lopes Monteiro,

de Santa Marinhn do Zezel'e, mas encontrando resi s-

tcncia tcve de fugir.

Das oito para as nove horns da noite do dia 8de janeiro de 1852, assaltaram na fregueeia de l'enha

Longa a casa de Carrapatello, port.cncente a exm."

snr," D. Anna Victoria de Abreu c Vasconcellos.

Urn Cl"iailo da casa, ao ouvir Iadrar muito os

caes, veio abrir-lhes a porta, mas n'cssa occasiito re-

cebeu urn golpe de rnnchado qltc 0 prnstrou em terra,

e urna hala the acabou de tirar a vida.

Os salteaclores entraram,

A sur."" D. Anna, qne havia p()m~os dias vira a

morte roubar-lhe dos braces seu cstreruoso pac, acha-

va-se n'essa WHite rodcada d'algumas sonhoras que

procuravarn allivial-a da dor que a affligia.

Aos gritos do criad o seguiu-se a detona~ao a'umtiro e as pobres senhoras qlle tudo ouviram, espavo-

ridas, cheias de medo, naa sabiarn qlle fazer. Era tudo

desordem no momento em qlie os salteadores entrn-

vam ua salu onde estavarn.Os salteadcres rodearam-as e obrigaram-as it

seguil-os. Trouxeram-n'as a beira do cadaver e jura-

ram fazor-lhes outro tanto se fizcssem motim, e n;io

lhe entrcgassem 0 dinhoiro q l1C tinham em casa.

Jose Joaquim d'Abreu, pac dn snr." D. Anna, ti-

nba em casa, sem esta senhora saber, trinta mil cru-

zados em moeda corrente,

i I

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- 4 ,7

Jose intimon a dona da casa a aprezentar-lheaquella quantia ,

A snr." D, Anna, mostrou com firme eonvicclto,que nno cxistia tal dinheiro em casa.

o salteador tomando aquella rcsposta como urn

Illeio de sulvar a fortuna, auxiliado pOl' os seus se-

quazes, an-aston a infeliz senhor-a de novamente aos pesdo cadaver do c riado e mandando,a ojoelhai-, disse:

- Prepara-te para morrer !E cJ'gueli a punhal que dovia penetrai- no peito

da infelia, que mais parecia urn cadaver que urn serVivo.

A este tempo urna criada exclamou :-. Suspendu, scnhor !- Que queres'~ perguntou .Jose,

- Os aenhores ainda nao foram a um quarto

que n~o se tornou a nbl'ir dcsde que 0 sn r. A breumoncu; e como a senhora ignora 0 que ]A existo, seralllelhor I < i ir.

- Dizcs, bern, respondeu 0 chefe, que aprovoi-tando-se d'aq uella idcia e dopois dc dcixar ficm- as

13enhora') entregu{'s A guarda d'alguns hornons, fo i ao

qu.'l1'to indicado, onde encontrou as saccas de dinheiro,

Voltando entao aonde estava as utterradas scnho-

1'as, Ulilndou-as conduai r pl\l'a 1\ sala e disse-Ihes :

- Ora v.l, estejam calladinhus, que sao bonitas.E fechando-as pOl' fora, retirou-so com os seus

CUlllplices muito socegado.

, 0 roubo avaliado em quarenta mil cruzados, rea-

nldo com outros tambem valiosos, chegava para aquel-

Ia horda do m altejtoros vivorein seni prccisarem de

rOUbal', mas a atnbi~ao predominava-os,

Em 1859 foi elle roubar a snr," D, Anna Riear-

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-~ ~~--- - -

-.\8-

dina Ferreira Pinto de Carvalho, a sua casa da Sonra,

no concelho de Fdgl1eims.

Como eneontrasse IA una hornens, amarrou-os to-

dos n'um m61ho com eordas, depois obrigou a s p~mca-das a 8))1"." D. Anna a dizer onde tinha 0 dinheiro.

Na occasiao de 80. retirar, disse-Ihe qtW tivesse a

bondade de desnmarrar aqLle\le~ homens, que de nada

1he servi 1'1'.Ill.

Dins depois Jose ou via a WI;" de uma mulher,sentada ti beira d'um caminho, que dizia bnnhadn em

Iagrimas beijundo () Ilngclico rosto d'uma creancinha:

- Nao quizcrnrn fazer-tc dwistau P')!" eu 11UO ter

com que pag!!.r us d espezus dn igreju! Oh! meu tilho,

nao ha-des, n!to, fienr sem re{:(~bercs esse sacramento

institu ido por Jesus. Ha ainda alrnas bClllfazeja~ n'estc

munrlo ; pcdir-Ihes-hei ()run esrnolu, luncnr- me-hoi a .

seus pes e elias h U l l de SOCCO!Tel'-me. Ainda qne eu

ande de rastus irnplorundo It caridadc dos mens semi-

Ihantcs, tenho f e em DUlls qlll: Ill'I'Hnjarei dinhciro para

te baotizar. ~,

E crguendo 0 filho lL altum do rosto beijolt.o comearinho , -

o innocents sorriu e como se avaliasse It d(,l' da

mae, estcndeu as ~UIlS pey ueuinas mi'iO$ q ue lJouza-

ram na fHce d'aquelh q1\(1Hu')dera 0 881'.

- 0' anjo da. minha vida ' Frllcto do nieu saio !Parece que me cntendes e que me vena tdfagnr! Esse

tell sorriso innocente, que nada vale, que nada diz ,

vern dar-me fun ; ,1I. para incetar a IIIinhu percgril1~lC;;li().

Vam us, comecemos a til refs tito custosa, tuns que LCll1

um tim sagrado.

Ergncu-sc e dispunha se !\. sr.guir 0 seu intcuto

quando Jose a imperliu, dizendo-Ibo :

- Entao nao q uic cram b aptienr- Ih e 0 filho?

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- Nao, met! senhor. 0 snr. padre cura negou-se

II. isso pOl' eu nao tel' dinhciro para Ihe pagar. Se meu

hamem fosse vivo. . . .

- E aonde est!\. 0 padre cura ?

. --- Quando en vim em bora ficou na ig!'eja. Deve

ir logo dizer a missa do dill.

-- Pois vcnha comrnigo, pode ser quc em eu lhe

pedindo elle 0 baptise,

- Dens () ouvisse, e lhe pague a esmola que mefaz.

lIleiu horn depois entravam na sachristia da igreja,

e Jos< '~ d iz ia ao padre:

- Snr. Cura, c urn dover baptisar-se este inno-eentinho.

- Tambem e urn dcver pngal'-se, respondeu 0

padre.

-En peo;:opara que f!l~a essn obi-a de caridade,llol'que a pobre mae nao tern com que pagar.

- D'isso e que eu nao quel'(! saber; que 0 ar-ranje.

- Tern de mendiga!' para apurar essa mesquinha

quantia que 0 senhor lhe exigc e podia perd oar. E se

encontral' almas bemfozejas como a sua, certamente

fica a creuT'S'a pOl' haptisar ,

-_ Meu amigo, eu nao the admitto replicas. N ao

lh'a bnptiso sem que me paguc. Disse e esta riito,E ia It voltar-Ihe as costas, quando Jose Ih e agal'-

1'011 ri'um bra~o e Ibe retorquiu com raiva concentrada:

. - 'l'alvez se engane, sur. CUI'a; 0 senhor vae ba-ptlsru' esta crea\l~a scm q uerer dinhciro pOl' isso, por~qlle eu_ .•

. - A posto qne me quer oar leis! Se tern 0 atre-

~.Iment" de me tornar a fallar asairn, ruando-o porIa

fOra! E ate sed melhor . i i i it' indo •..

"

iI

!!

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- 50

Jose do Telhado approximou-ec mais do padre e

murmurou-Ihe algumas pnlavrae ao ouvido, 0 curs

estremeceu, mudou de cor e recuou ate a parede,

0- sfLchristao que ouvira todo 0 dinlogo, correu

em seu soccorro, scm atinsr com 0 motive qne deracausa r i . g uclio inci den ta.

- Que torn, sur. cura ? Quer urn copo d'agua?pergun tnu,

- Nao, nao, respondcu ° cura tremulo ainda.Prepare tlillu p;lra Lnptisru-mos uquclla crean<;a.

o sachrist1to olhava admil'ado para 0 homem que

s6 com duns pulavras ±izera tremor 0 cum.

Instantes dcpois a el"l~an<;a rocebia 0 nome deAntonio, pois era urn menino,

A mae louca de alcgria fai ajoelhar-se em frente

dn imagcm da Virgem, dando-Ihc louvores pelo hem

que tinha recebido,Acahada 1 1 . O1'H<;aodirigiu-se para R sachristia onde

jil. estavam 0 padre c .Jose.

oEste ao vel" a pobre mulher metteu a muo no

bolso 0 tirando algum dinheiro entrogou-lh'o; e did-

gindo-sc no padr-e, d isse-lhe :

- Snr. cura, desejava que me imitasse,

o padre olhou admirado pa:ra aquelle homem semo entender.

- Essa nmlhcr, accrescentou, e pobre e portantoprecisa do nOS80 SOCCOI"l'O.

- Apenas tenho aqni mil duzentos e trinta e cin-

co rcis, respondeu 0 padre. Nao posso pois ser tuogeneroso como () sonhnr ...

- Emborn ; da-Ihe os mil e duzentos e fica comos trinta e cinco pa.ra rape.

E dirigindo-se a mulher disse :

-Estao sntisfeitos todos as acus desejos e aqUI

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2 ' ' ' ' Z - . ~-------

- ill -

tern II esmola quo Ilia (H , 0 sur. cura, V amo-nos pois

d'aqui.

Quando sahiram, 0 eura disse dirigindo-sc ao sa-chl'istar) :

- Feeha bern as gavetus e toma hoje sentido

Com as pratas l

-- Porque, sur, Cura ?

- Nao conheces csto homcm ?

'- Nao, son hoI' ; () que (dIe tom < J fraoa earn,

- Pois sabe que e 0 .Jose do 'I'elhado.

- N ossa senhora da Soledade nos valha ! excla-

rnou assustudo 0 snchl'istao.

E COITOU como louco a fi:lclw,l' algullias gavetas

que se achavam abertas.

X

A PERSEGUIQAO

A authoridarie tendo conhecimento dos cr-imes que

Jose pratica va mundou urna {(JI'(/Il de infanteria 2, para

PCl'scguil' os salteadores.

o destacamento podo capturar dous des malfei-

torcs, e canr;ado de fadigas foi repollzal' n'uma csta-

lagcm, mettendo os dous saltendores na cavallarica que

liaviu, 0 'jue lhes serviu de prizrto. ' ,

Jose tendo conhecimento d'isto montou-se n'umapo~snnte egua c acompanhndo da sun gente sahiu com

o firme proposito de dar Iiberdade IIOS prezos.

Cheg'allrlo em frcnte dn estltlagem, Jose, voltan-

do -se para o s SOW! seq UII~es, exclamo U :

- Rapazes, nsdn de: rcrnor ! qllo esta nqui a

vosso hula Jose do 'I'elhado !Carregae bern as vossaa

arU1as e dae scm piedade.

Atropa sahiu fora e comer;ou em segllida um

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- \, . . . . . ~--- - - - -- - ~ ... ~.,.#

- ti2

forte tiroteio. Mas os snlteadores atacuvam com tauta

furia e desamor a vida que a fOI'(}:tfoi obrignda a re-

tirar,

o ehefe, sempre a frento, nnimava a sua gente ("

fazia fogo de clavina e pistola.

Logo que a fort;a retirou .lose foi soltar as pre-

zos, mas 11mja havia fu,~ id{) e 0 outre estava fei-ido,

Ao chegal' ao pe d' este disse-lhe :

- Vern, que estas livre!

- Mas como, se cstuu ferido! respondeu 0 sal-

teador.

- Em que sitio c a ferida ?- Tenho as pemus ci-ivadas dc balas ~Nao posso

andar! Matern-me, e acabam com este soffrer!

- l!'az 0 acto de .contri~ao, rcspondou (J cliefe,

o pobre ferido orou, c momcntos depois Jose

desfeehava contra 0 peito do infeliz, e exclamava :- 'I'erminararn as teus trabalhos !

A' forca de infunteria 2 reunira-se mais ; cos su-

periores resolveram que se cortassern todos os sitios

por onde elle pcdesse ir para casa . Mas era muito rama noire em que elle, apesar de tod as cssas prec(\lH,oes,

nuo pernoitasse hi ou polo mcnos que nao fossa beijar

os tilhos e animal' iIcsposa.

Urna noite Jose pernoitou em uma casa de :Man-

ecllos, onde a policia foi para 0 prender,o pobre dono da casu ao vel' aquclle apparato

bellico em redor da sua humilde casa, poz-se a tre-

mer.

Jose tranquillisou-o e apparcccu a uma das js-

ncllas, fallando aos eabos de policia. Estes agrups-

ram-so todos n'aquelle sitio, 1 1 . ordcrn do regedor. Jose,

aproveitaudo cst a occasiao fugia pelas traaciras.

Assim que se viu fora de casa passou pcrto doe

t. .• r " <

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p . ~ . . ~ a · ~ ~ ~ ; _ ; . b L = . ~ · · ; ': : : - - - - . - - - - - ~ " ~ = = = ~ = : , -

- 53-

sitiantes e disparou dous tires, Uma das balas entrounas costas do regedor.

Dias depois succedeu-lhe outro tanto n'uma noite

em que tivera 0 arro]o de tical' em sua casa,

A mulher aeordou-o dizendo-lho que a casa es-tava cercada.

Jose do 'I'elhado vestiu-so com todo 0 descaneo echegando a uma j anelln., pcrguntou:

- Que tal esta a noite, rnpazes ? Pegue hi parabeberdes ; i saude do Jose do Telhado.

E atirou com dons pintos aos soldados.

Em seguida retirou-se , e abrindo uma janelJa das

tl'azeira~) aperrou It clavina, e ao ver tres sold adosque alii cstavam, exchunou:

- Agnchem-se que eu quero saltar, c se algumee movc ja saba que fica estcndido .

•Tose saltou e seguiu socegadamente para Villa.Mea.

Na quadr-ilha que clle capitaneava havia 11m ho-mem a quem uhamuvam 0 - Pequeno,

Jose Pequeno era 0 unico que em for~a se podia

POl' a par de Jose do 'I'elhado, e as seus instintoscram sanguinarioa.

Pura livrnr-se a si teve a infeliz lombranya de

denunci.'lr os seus companheiros, auxiliado no seu tim

POl' 0 Veterano, que vimos jural' vinganca,

A quadrilha foi surprehendida uma noite. A forea

era cornmandada pelo intrepido Adriano Jose de Car~

valho e lUello, adm inistrndor do Mnreo do Canavezes.

Os salteadores surprehendidos nao tivcram tempode se defenderem/ e appellaram para a fuga,

Jose ficou ferido. Hecebeu uma bala nas costas

que 0 fez dar urn salto de mais de dcz P.:lssos.

Comtudo pude fugir.

'i

J

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I

·.

.

Alguns dias dopois, e quando ja estnva curado

do ferimento que recebera, tendo conhecimento de

quem fGl'/L a dcnunciante, poz-se a earninho da Lixa

ondc cstava 0 traidor.

Entrando·]be em casu, disse-lhe :

- N ao vcnho matarte Ii tl'ai~ao; mas previno-te

que e precise qne tun de nos deixe de existir.

- Ou an, bos, retorqui u Jose Peq uer.u,Estc arrnado d'uma faca e Jose rl'uma tesoura,

prepul'amm-se pnra It lucta ,

- Hei de cortar-te a Iillgua com csta tesoura,

bradou Jose, bnyando-se no seu adversario,

A Iuz da vela apagou-se, e aquelles dais homens,

iguaes em forc.:a e COl'llg<:."m,nctaram peito a pcito, pOl'

aigum tempo.

Sub ito Jose do Telhud« soltou urn grito de do l ' e

raiva, e mementos depois ouvin-se cuhir UIH corpo noc h a o .

Era. Jose Pequeno, que recebera nit garganta um

profunda golp0. Jose do TelllaJo tinhn lim brat;o ras-

gado.

Accendeu a [uz, poz 0 joelho sobro 0 peito de

Jo'se Pequeno, e abr- iudo-lho 1\ bucca eortou-lho a lin-

gua!

AD outro. dia Jose diaia cum fl'anqueza que ha-

via matado urn tl':tidor.

o snr. Adriano sempre incansavel no cumpri-

mento dos seus deveres, perseguia de pel'to Jose do

Tellmdo.Quando estc teutava, depois da morte de Jose Pe-

queno, retirar-sc para os seus lares, l) anr. Ad riano,

que lbe sczuia as pizadas, quaai o tevo pilhndo; mae

Jose podenl:>docscapar-se J alcancou bastante dianteira

e fugiu em vertiginosa con-ida •

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Z-4- _ j

, ~ - jti- "!Iiiii&--'-- ..

XI

- rm-

CONSELHOS D'UM. ANJO

Vamos agora Ievar 0 lei tor a casa dn fidalga,

oude vimos Jose defendcr.lhe as filhas do furor desscus cumplices.

Ullla dellas andava no jurdim cuidando (los seus

\'asos de fiores , Passatempo de 'Iuc ella mu ito gostu va.

Ernquanto as rcg-nvu au lhcs cavava a terra com

Urn pausinho , cnntava sempre diversas canl)0cs que as'Ua imaginao:;ao Ihc diotava,

Aeabava ella de cantar [t seguintc quadra

N'esta aldun vivo contente

Cuidando nus minhas flcres,

Emquanto outras [HI, cidade80 Be lornbrmn do seus amort's.

quando soltou 11m grito de f!Spanto.

Urn homem COlli 0 rosto ~d'ogueado acabava desal tar 0 rnuro do jardirn, cahindo quasi a seu lado,

_. Por Deus, senhora, DaO faliaes bulha 1 excla-InOll com 1 . 1 . 1 ' supplicants e :dflicto.

A joven espantada e cheia de medo nada Ihe res-

pendeu.PlIssauos alguns rnirrutos Jos0 do Tclliado, pois

era elle 0 qne ucnbava de penetrar no jardirn, no vel-aum poneo mais scccgadn, dissc-lhe: -

-Conheccis-lllC, senhora ?

- Oonheo;o, balbuciou ella,

- Venho fugido j alguns soldados segucm-me de

rnui perto. Quando cheguci n estes sitios vi a vossa

casa, como0

naufrago v c a taboa de sulvas:ao quando

I "

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- - -. . . . . . _. -

- 56-

est-a ja prestes a afundir-se. Peco-vos, puis, que me

deis aqui agazalho, ate que a f O I ' < ; a que veio de pro-

posito para me prender se retire.

N'este momento ouvirarn-se os pesados passos dossoldados,

- Os aoldados ! exelamou a joven assustada. Se-nhor, senhor, fugi!

- PtJl' Dells, nao fallcis tao alto, atalhcu Jose_

Sal ..ei-vos dos meus ferozes compnnheiroa, aalvae-mo

agora ao furor dos sold ados !

A f:ilha da fidulga eonaiderou urn memento, 0 omseguida rospondcu-lhe; .

- Mettei-vos alii na casa do hortelito, cmquantoeu vou dizer a mama.

A f O I ' < ; 1 1 passou pOl' alii scm suspcitar quc rlcntro

d'aquelles mu ros estava o homem que perseguia.

A firlalga depois de ouvir 0 qae a filha Ihe d iz ia,acompanhou-a ao JU I "d im .

Jose ao vel-a, descobriu-se respeitosamente.

~Senhora, disse ellc, entrei om vossa cnsn sal-

tando urn dos muros d'este jardim. Perseguido de

perto par alguns soldados que pretendern prcndor-me,

refugiei-mo aqui, Confiado na bondade de V. Exc.a

espel"o que me deixad. passnr aqui 0 tempo que afor~a se demorar,

-l\fas eonsiderae que se V06 descobrom e ninadeahonra, Esta gente quc did? respondeu a fidalga.

-Niio euspeitarao que ell estou aqui, prJl"que nao

me virarn saltar o muro, Fazei-me estu esmola: lem-

brai-vos que sou um dcsgraeado, que todos me repel-Iem, que nito tenho abrigo !

A f i d a l g a Iembrando-se de que d evia a honra de

suas filhas aquellc hornem, annuiu ao pcdido, scm sn-bel' se fazia bern ou mal.

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j

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- 57-

Decorreram dois dias, Ao entardecer do segundo

a filha da fidalga, acompanhada da orinda, veio di-

zer a Jose, que havia pernoitado nil. casu do hort.elao,

que a forva se havia ausentado.

- Muito hem, senhora, Eu agrade~o~lhe do co-

ra<;ao 0 bcneficio que me acaba de fazer, assim como

Ii sua m a e . A minha m a signa collocou-rne n'esta tr iste

posi<;u0 ... V. Exc." cundoeu-se de mini, n a r , me ex-pulsou como mereeia 0 criminoso, oh ! Dens Ihe agra-

della.

- E pOl'que na() abandona essa vida, tZio cheia

de espinhos ? perguntcu a joven eonnnovida.

- E' tarde, minha seuhora ...

- Como asaim ?

- Nl'i.o v e como sou perseguido ? Que fazcr ago-

ra n'estcs casos? Sa me recolhesse a cusa; se mesmo

qnizesse abrmdonar esta vida e me entrrgasse a urnmestcr honroso, deixar-m'o-iam scgnir? Nao, A auc-

toridade nilo olhavr, II isso ; il sua uustcra vista nunea

Se dosvinria dos mew; crimes passados. Que me irn-

porta vivor no futuro honradamente, se isso nao me

livra de soffrer 0 castigo que mereeo ?

-. Entao ha-de 'liver scmpre n'estus affiic<;ues,

martyrisando-se a si e aos outros ?

-- Que remedio 1

. - Oh! nao! Abandono essn estrada que tern pOl'

Innite as quatro dencgi - idns paredes de urn carcere 1

A. vida que o scnhor paS~lI, na~ e vida: e um sup-

pheio. Tem familia, pOl' arnor d'ella desvic-se dll senda

do crime. As leis nau lhe perrnittem gosar a liberdade

no paiz que 0 viu nuseer, pois bern, proem'a n'outro

eSsa Iiberdade appetecidu, Podcni ainda urn diu che-

gar a ser um homcm de bern. Nao tern havido tantos

exemplos d'esses? A Escriptura Sagrada (la-nos al-

\\

'.;i :

' )

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I

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-fili-

guns. Urn dos liomens que morreu ao Iado de Jesus)

praticou muitos crimes na sua vida) mas um d i n . 0 ar-

rependimen;o enn-ou-lhe 1'10 cOl'a~~aopara 0 salvar , As

boas nc';oes que praticnu no restunte de seus d ias 6-

zeram com q ue Jesus 0 protegessc, intercedendo a

seu Pae PO' ellc. Porque nao ha-de succedcr ao se-

nhor outro tanto?

- Porque l1u(J tcnho cssa dita, E teria eu agora

quem me protegease, quando 0 fIlCU nome vagucia debocea em hocca, eausando modo a quem 0 pronuneia?

-E que ha-de SCl' entfto de sua fnmiliu ? Bssus

ternas meninas que sua esposa est~t crean do, e que

sao sua s filhas. nasceram o hli.,)·de morrcr com () seu

nome desbonnJ.J.()! No futuro qaem sabe se serao re-

pellidas, olhndae corn despreso, mnltratudas a t e , pOl'

terern It infelicidade de aqucllc que lhe dell 0 SCI', tel'

na sua honra urnu mancha infnmante l ? Lcmbre-se

d'ellas e procure d'alguma muueira rcp< 1.m r ( ) mal. 0arropcnd imeuto C uti! em toda e qualq uer ()ceasiuo, e

elle pode sal vul-o,

Jose es 1.:lI'a couimovido e u1gumas lagl'ima~ Ihc

escaparMll dos «lhos,

A filha da fidnlga uo vel-as, exclamou :

- Chora!?- E' verrladc, minhu scnhora, pOl' que V, Exc.!

lembrou-mc 0 que ha tanto havia esquecido! Se abra-

cei csta vida, foi a falta de rneios que mo Ievou a

isso, Quando eu tinha, repartia com os pobrcs ; em '

penhci-me ate pam os SOCCOl'l'Cl', As vicissitudes ds

vida eolloc'1.l 'Hrn·mc 11<1 triste posit . ;Ja() de q uerer urn

bocado de pao pal'a corner e nil... 0 tel'! Ped ientao

urn empl'ego, 11m trnbalho qualquer, pOl' 0 qual po-

desse ganhar o pao quotidiano ; e essas pessoas a

quem pcd i, esses hornens pur quem arr isquei a for-

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It,!, -I- I "

··~~_'~~2~. ,

-59-

tuna e a vida, nao me} ou virum. Vi-me na neccssi-

dade de pedir urua esmolla ; mas aq uelles q no eu BOC-

eorri nao pndiam dar-ru'a, 0 des outros reccbi sem-

pre urn - na .Q !

- Vejo que tern sido muito infeliz, 0 so conti-

TIUal' n' essa estrudn mcdonha, cadn vez augmenta

mais 0 infortunio. D8svie·se rl'elln, pl)r IIU!)fazendo-o,

talvcz melhorc a sorte deSOllS

filhinhos. Supplico-lh'oem nome d'elles.

- Farei tudo que puder para 0 conseguir,

. - Oxnl:i qua eu ouo:;aum d ia dizerom hem do se·nhol" , -

Jose abanou 1\ cabeen tristemente.

- E' noite, disse, sao horas de ir V~t· 1\ miuha

po\ml familia. Queil'a agrildeccl' / 1 , sua bondcsa mae

todos os favores -que me dispcnsou e que en nito es-

quecerili.E cortejando-u rcspeitosnruente, sahiu da elisa da

fidalga.

Anna cum seus filhos csta va de joelhus em frente

d'uma imagcm de Christo, ensinandc-lhes lima ( )r<l~ao

em que pcdiam a Deus pur seu [Jae,

- Deus de infinita bondadc, Li.izia ella e os f l H 1 0 S

repetiam, derramae UI\1 ruio do vossa divina grao;?l na

alma. de nosso pac. Desvinc-o do perigo que eorre ; en-

cftmil1hae-lhe os P<UiSOS errados pilra 0 carninho que

Vas agrade. Sois born, miscricordioso, compadecei-

vos de nos, q He implorarnos corn fervor f, )Jl'OU;Cy :to

celeste. Ollyi as nossns preecs, dae-nos ailivio ~isnos-s~s pen as, en viae-nos utu di vino olhar. Pda~ santis-

SllTIas chagas do YOSSO pl'eci()so COl·pO tende picdadede nos.

A este tempo Jose bateu I i . porta e a familia, cor-

reu ao seu encontro.

I

,I

, I f

i f 'I,

I IIi ;

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.~. . . . .-.~--

,: - .~-_-o-.{.

- 60-

1Os filhos abraearam -se-]he a s pernas e a es posa

lancou-Iho ns bral'os em roda do pesco~o. A infeliz

chorava de alcgria e tristeza: de alegrin por abracar

aquelle que tanto amava, de tristeza parse lembrar

da sua vida reprovada.

XII

A DESPEDIDA

Deeorria a anna de 1852.

Jose "via-se perseguido a todo a instante. A SUR

vida era um tormeuto. A gente d'aquellas redondezas

pel'segniarn-no, e ello , outrora fort.e e attrevido, sen-

tia-sc agora fraco.

Quando tamara 0 commando da quadrilha de Cus-

todio, rlissera aos seus cumplices que tinha averslto

ao sangue j mas ( _ I S sentirnentos perversos da gente que

o accornpanhava, forarn-Ihc eorrompendo os aeus, e al-

gumas veaes derramou sangue que poderia evitar, Isto

caueava-lhe agora remorsos que lhe dilaccravam a al-

ma e Ihe roubavam 0 socego de espirito.

Pensou entao no meio de passllr uma vida rnnis

tranquilla e recordando-se do ijue the disscra a filhn

da :!-ida/ga, resolveu ubandonar a sua aldeia.

Ao anoitecer d'um dia de mareo, Jose dizia a cs-pasa:

- Anna, minha fie! e boa companhaira, vejo-me

perseguido :t todo 0 instante ; obrigado a abaridonar-te

e II rneus filhos, refugiando-rne n03 montes para esca-

par a aco;;ao da [ustiea ! NAo posso continual' assim-

Um dia, em qualquer occasifto ell SOil agarrado e 10-

var-rne-hao para uma masmorra, depois de receber OS

apupos cIa popula~a. Resolvi, pais, affnstar-me de Por-

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p IZ a Sf! !

-6!-

tugal; deixar esta terra oride sou visto com a mesrna

repugnaneia como se olha urn reptil asqueroso e tern i-vel.

- Partes! e para onde? perguntou a mulher comas olhos a marejarem lagrimas,

- Pnl'a 0 Rio de Janei 1'0. Ja preparei as cousna

de rnaneira qlie nito passarci mnl , Esta tudo arran] ado.

- E quando tencionas partir?- Amauhil devo estar no Porto.

Anna nao pode suster as lagrimas.- .Nao chores, mulher, ere em Dens que nos

ba-de valer , Chcgoll 0 momento de ell ab)'a9ar para

S8111p re umn "ida melhor ; nilo a posso fazer aqui, voufazel-o em outra parte.

Anna foi pouco a POIlCO rcsignando-se e prepR.

~ando 0 cora9ao para reecber mais aquelle golpe, que

lnfelizmenk a inda n~,o era 0 ultimo.Ka nUl.drllgada do dia seguinte Jose preparou-se

para marc hal'.

Esposa e filhos estavam a p e para darem a ad cus

de despedida aguelle que ainda espe!"ava restuurar 0

sen nome.

~ Annn, quei- ida mnlher, disse Jose enlacando-

lite 0 PC8COt;() com os br[t~,()s, vou deixar-te l Tll que

tanto tens soffrido pal" minha causa, que tens 0 cora-

~ao retalhado ti bra a 6 bra. pelos desgostoa, roves te- te

de paciencia, tam corllgcm e supporta mais estc golpe

COrn a resigna~ao do martyr. Sci que os teus labios

n~nca so abriram para soltarern uma queixa contra

n\l~, ltias sim para doixarem sahir uma prece que tu

~nvlavas ao Senhor. Soubeste avaliar a nossa necessi-

Qa~e e descldpar 0 rceurso de que lancei mao p:u'l\ a

~atl~fazcr, Comm« tti bas tan tcs cri me s, gran gean do

corn isso 0 cdio de todos, pOl'que a ad versidade sew

!

\I

I

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-62-

gu iu -me semprfl como :< rninha propria sombra! Dei-

xc-te, apesar de tudo, quasi 11a mesma miseria em

que viv ia.mos l Triste Bode a nossa l As n08MS illu-

sues de amantes, quando Ii noite, a ocoultas de tell

pae e corn () COl'fl\:ao pulsando de medo, nos entreti-

nba-mos ;dcgres a alimental-as, como se dcsvanece-

ram ante a realidade l As felicidades qlle eS pC I'I\V a-

mos, tornuram-so em infortunios, Of! risos em lagri-

mas, n lIniao sagrnda do lar n'urnn sepanu;iio conti-

nua! E agora obrigado a abandonar-te, talvez para

sempre, afirn de tentar nova sortc! Oh ! mas cr6 em

Dens, tern C'speran<;a, pede- lhe para que terru ine a se-

lie de infelicidades que nos tern pcrseguido, Sc ell

chegm' livre de perigo :i terra oncle me clirijo e a for-

tuna me sorr-ir, ttl iras para 1,1,viver a meu lado, li-

vre de ouviras uma palavrn qU(~ to recordo 0 passado

tene broso d a nossa vid a, , ,Calou-se, e depois de recobrar animo cxclamou

com sentimento :

- S uo horas de uartir , ,_ a.leus !E abra~ando os filhos Ulll a urn beijava-os com

ternura.

Aq uelles beij os en tremistu rad os com lagt'i mas

que elle nao podia reter .n08 olhoa, mostruvam clara-

mente a. dol' que n'aq uelle memento the tntspassava 0

C01'39ao de pae.- Adeus meus queridos filhos , balbuciou , nuo

vos csqlJC9UCS de rezar pOI' mim ; haveis de pedir a

Deus para que me proteja, sim?

- Sim, respendeu uma das creancas, hoi de re-

231' a o]'[u;ao que IImae me ensinou, Mas 0 pac torns

a vir, pois torna?

- Torno, minha filha.

-Mas () pae esta a choral' e a mile tam bem !

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03 -

~ Mas nao chores tu, qne eu torno a vir. Nitocharas, nao?

- P,)is nao, rospondsu tristemcnte a crcnnea,

Jose tornou n Hbl'a~at· as filhos, pedacos d'alma

que deixnvn n'esta terra 'lUC 0 via naseel', c dirigin-

do-so em seguida a esposa disse-lhe :

- Anna, adeus ! Crill. as tens filhos debaixo dos

prineipios religiosos com que os tens educado a tehoje; ensina-lhes a crerem n'AquelJe que tanto poder

tern, a tim' de que auxiliados por essa fe divina te-

nham coragcm para supportar os revczcs da vida. E

tu, minha querida Anna, recebe esto beijo que depo-nho na tua fronte l~horn da despedida,

E lnl1<;;ll.ndo-Iheas bral}os em redor do pesco~.o,

osculou-lhe as faces, cingindo-a no sou peito attribu-lado.

Anna, apenas pode responder urn sumido-n.deus-mi\S 0 pranto qt\ll th e inunJav:1o as faces dizi~~ mais

que palavras. A lembranqa do passado e a dol' que

estava soffrcndo, pode dizer-se que lhe tinham rou-bado () nso da falla ,

Por fim Jose tomou 0 eaminho do Porto.

~

1\i

XIII

A PRlSAO

d .Os primeiros raios do sol vieram snrprchender a

est1Jtosa Anna, na mcsma p()si~ao que tomara desde

(hue seu infeliz esposo a abandonm-a em busca de me-al' sorte.

~entada n'um poqueuino banco, com a cabeea

pendlda para 0 pcito, os braces cruzados sobre os

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- 6~-

. ,

joelhos, deixava q lie as Ingrimas Ihe sulcassem &8

maccradas faces vindo enhir-lhe no regaeo,

08 filhinhos rodeavam-n'a e a portia a acarieia-

yam, julgnnelo, pobres innoce ntca, que as suns blan-

dieias iam ailiv iar 0 soffrcr de sua muc!

POl' fim el'gueu·se para trstnr dos negocios do-

mesticos e 0 trabalho fel-a esquecc[' pOl' momentos a

mtensa do\ ' que a ntormentava.Ao enturdecer d'esse diu, quando 0 sol ia escon-

der se pOl' detraz (10 cume dos montes, achava-se ella

sentada a porta ds sun hum ilde casinha, entl'cgue- aos

seus pensamentos, quando foi oln-iguda a vnlver a ca-

beea p:ml vel' quem the didgia estas palavras:

-.Ai, minha filha, como tens sido tao infelis l

Deus, certarnente esqueceu-sc de ti. Pois ainda nao

est;l curada fI ehaga aberta no tell cora<;ao e jA tens

de sen til' ouna l 0 Senhor se compndeea de tunta in-felieiuade !

~ 'I'ruz-me algnma tn;~ nova, snr." Francisea?!

exclamou Anna pondo-se ern pe.

- Teu hOID(·m, coirado, qucrin gozal' no Rio de

Janeiro 0 que aqui nao podia, mas nem tudo corre

como a g-cnte quer, ..

- Diga-me 0 que succedeu iatalhou Anna com

irnpacieneia.

- A noticia correu de hocca em bocca e 5 , \ ' foiparte panl. {) Porto, a fim de que 0 nao rleixcm ir e 0

prendam,

- 0' Santa. Mae de Deus, valei-rue l cxclamouAnna cl 'gucnuo [IS ma( )~ , E qne hei de en agora- fa-

zer?- VD r se cl'algunm maucira 0 pones avizar.

- Vou fallar com (I Antonio; que ecrra a Ie-

var-lhe 0 aviso, a ver se nindu Be pode salvnr,

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- 6ti

- E' isso 0 melhor, '.

- Obrigada, snr ," Frnnciscn, pOl' tantos favores.'

Deixc-me ir Vet' se 6 Antonio me vao ao Porto. Atelogo.

- Alleus. 0 Scnhol' fa~a 0 que r o r melhor para ti •

. . M omentos dcpois, Anna, com modo sllpplicantcdlzta a Antonio; ., ~"uh

- POl' alma de tun mae, pela boa sorte d~ teusfilhos) pelas chagus do Senhor, faz-me esta esmola,

- E se me prcndem? interrognva Antonio inde-ciso.

- Equal e 0 tell erime ? ir avisal-o ? Nao fuste

tu tnntns vezcs ao monte on a casa d'algum pobre

lcv:li'.lhe de comer, na oceasii'io em que n trcpa 0 per-

Seguin e elle procurava refugio em toda a parte'? 0'Anto!Jio, eu te supplico de joclhos !

Anna, ajoelhada, abracada as pernas do Antonio)t1 :nto j nstou que este satisfez.lhe 0 pcdido, c diri-gill-se a esta cidade com 0 tim de provenir Jose do Te-Ihado. __ . :'. ' . ',;JL

, , . . . . . . . • . , , , : J : l . : : " ~ . ' : : : : ' .l i : ':~.: " . ~ ; : ; " ! \ / ; ,~?~Abarca Olivel:'1'a baIoi9avll-se indolente sobl;e'af

pla .n~ts aguas do rio Douro, em frente do caes daa lXao .

. Ainda os alvores da madrugada nao baviam eo-

tne~ad() a romper as trevas da noite, e ja urn homcmpasseava p!'oximotiquelle caes.

b De quando em quando pal'ava conternplando a. area que breve ia suhir, e em seguida olhava cornlInpaciencia para todos os lados, i ; ,,! ; " ::

Acabavam de dar tres horas no relogio de' Mdii~'cJ 'llqlle quando urn homem caminhando cautelosamente

Be appl"ox. imou do que andava II paascnr., .u

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. . . " . .- " = " . ~ . · . - r ~- 66-

Depois de examinar por um instante f. pessoa

diante do quem parara, pcrguntou-Ihe :

- 0 mal' esta manso ?

-- Esbi i e no. terra nao ha signaes de tempcs-

tade.

lata era uma seuha convenciouada para Be en-

nhecerem.

Depois de troearem algumas palavras que nito

podcl'um Ber ouvidas, sahiram d'aquelle Iogar e pas-

sados momentos saltavam para urn bote que ostavn

atracado pOl' aquclles sitios.

o fragil batel fendeu as mansas aguns do Douro

com uma velocidade incr! vel, .e tomando a di\'ec~?I.o

da buren Oliveira, atraeou a oslo. pelo lade que neuva

opposto a ten'a, : " "" ,

Que sc passoll depois ? Q1lcm eram aquelles mys-

tcriosos homens ? E' 0 que vamos dizer, narranriosimplcsmcnte OS factos,

Na noute de 29 para 30 do mars:o de 1809, 0

encarregado da visita dos navios recebeu ordcm para

que vigiaese com escrupulo os navies, pais havi.un

suspeitas de que dois crirninosos preteridiain evadir-se

n'um des que catavarn para sahir. No aviso especiali-

savum a barca Oliveira, em oonsoqucncia do cosi-

nheiro d'ella set' conhecido e visinho dos orimiuosos.

Na IDanha , i h o , dia: )},l, a, eillbarea~ao rocebeu a. bordo a visita do dono" que mal saltara dentro ode-nou logo ao cltpiWo qae mandnssc sahir todus as pes-

soas da camara e se fechassem as pOl'tas,

" "Em scguida pediu auxilio a fOl's:a da gU!ll'da mu-

nicipal que estava em lHassarellos, a qual mandou

dois soldados.

A este tempo chegava tambem 0 encarrcgado ds

visita.

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".IdE8tC, I) dono do navioeo capitao, aeompanhn-

dos dos soldados, comeearsm a' revistar.com 0, maxi.rno cu id nrl» 0 navio.

Tinhnrn quasi pcrdidas as suspeitas de que esti-

vesso a bordo a pessoa que prOClIl'UVnm, qunndo do

rerente se lembrnrarn de rcvistar aJguns saccos de bo-I n e h i 1 .

Subit« soltaram urn grito de cspanto e alegria aomesmo tempo. De espunto ' pornao' eaperarem .uma

EUrprezi1 , d'alegria POl': cncontrarern 0 qlle procura-

"am.

Dentro d'um des saccos os tava urn homem es-condido.

Deram - Ihe voz de prczo e depois de 0 tirarem

para fora do acu pouco commode esconderijo, interro-garam-n'o.

~ Q uem C voce? lh e pcrguntnram,~ Sou urn pabre diabo que lnau f a~~o mal nc-

nhulTI, respondeu cm pessimo gallego.

-- Como se ehama?

- .T oao Pedro.

- D'onde c natural?-- De Mcsseda, Galliza.- Qual e 1 ;\ sua profissito ?

- Aguadei'ro. '

-- Pois cngana-se. N6s andamos rnais hem in-

formanos no sen nome e pl'afiSR ~ o. VocG chama-sa Jose

Tr.ixcira da Silva flo 'I'elhn do, a sun pl'ofi~s1'io e (las me-nos hOlll'dsas, porq110 . desej n poseu ir ( ) que Ihc nao

j)crtenec o i '! natnrn] da fl 'cg-llezin de S.Pe'drn de Rei

de Cahide. Vno tel" () encommndo de acompanhar as-

tes doi 8 soldados que 0 conduz i r110 a: sitio seguro .

Jose eutregou-so scm resisteneia, c os dous sol-

danos conduziram-n'o A prisjto do Carmo.

1

\. 1,

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I i i s . ~ .'~t

"I!' 'I'rnzia vestida uma jaqueta de pelles com ala-mares de retroz, calj<as de casimira, sapatos amnrcl-

los e re.~gllarda va-lhe a. cubeca urn chapeu de castor.

. A noticia. da sua pl'i~ao estendeu- se com rapidnz

pela c idade 0 que dell causa a SCI' g'l':mde 8 multidao

que se juntou a fim de 0 VOl' sahir do Carmo pnra a

. 'Rela91lo, pm·a ond e foi acumpanhado de trinta bayo-nct as ,

_""',, Nil. occnsiao em que a for91t chcgava no largo dnCo,rdotl,ria~ urna mulher eomeeou a herrar, dizcndo:

. - Ai 0 Jose do Tclhado! Matern esse ladrho !Matcm-n'o l Morra I E nao ha quem lcvante uma forca

para 0 enforcarcm j:\'!

Jose ao ouvir isto pnrou, e a forea fez Dutro tan-

to; e 0 salteador dirigindo-se ao official que a coin-

mandava , dissc-lhc:

-Se v. S,~ n3.o mand a ja callar aquella mulhcr,

e n f < 1 < ; o p o u c o 1'eparo em sahir ftira da £'0 1 ' < ;a 0 dar-lhc

duas bofctadas, para que tcnha mais cuidado com a

linguA,

o official mandou um furriel admocstar 1\ mu-

lher, e como esta continuasso na mesma gritai'ifl, ()

furriel obrigou-a a calnr-sc (10m duas coronhadus

d'arrna nus costas.

Fornm tam bern pr esos pOI' euspeitos 0 coainhciro

do navio, 0 cunhado de Jose do 'I'elhado e mais doushornens.

Estes tres ultimos forain prcsos na occnsijto em

que q ueriam ti ra I da nlfandega a bngagelll de Jo·sedo Tel hado, dizendo q IIe lhes pertencia.

Interrogado 0, cuuhado de Jose, responden que

viera ao Porto somento para avizar sou cunharlo do

fjlle haviarn maud ado parte pHra 0 prcnder n'csta ci-

dade e' que tinha feito isto pOl' a mulher d' aq uelle lho

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I

tO r pedido, mas que nao chegarn ja a tempo de Q

Provcnir .

Passado tempo foi posto em libordade, assim como

o c osin heiro pOl' se the njlo encon trar cr ime.

Joso do 'I'c lhado nunca dcseobriu quem forum 1\8.

pessoas qno 0 cO :l.rljuval'um nn tentativa de fug[l. .

Qnanrlo cntrou }J:l.l'fl. a cadcia levava cornsigo

seiscentos mil reis , A sua generosidade nao havia

findado. Tratnu de d istribu ir largamente pelos seus

compnnhcil 'os da prisao algumas moedas, que foram

mitignr a fome de muitas familins~d'aqllelles desgra-~ados.

A mulher de Jose vinha am iudadas vezes visi-

bd-o, c vendu tau tn Iranq uez .a d ieia- lho :

- Jose, pUlIpa muis esse dinheiro que talvez to

B€'ja precise amanba:. Sabes os n0880S recureos qUlles

s a o , c nito conaideras que (lits aos outros aquillo queteus filhos tambom prccisam,

Mas Jose) nao podia repi-imir aquella vontadede SOCcorrer os nceessitados.

Os compauheirns tratnvam-n'o com distinc~ao echamavam-lhe 0 seu bemfcitor,

POI' tim 0 diuheiro acabou-se, A esposa durantealgum tempo mandou-lho l ima mezada, mas csta tam.

bem fin.lou quando lho faltaram a ella os meios,

Entao os compunheiros de Jose, ao verem quo

clie . i f \ . nito t. inha d inhoiro, retirarnm-lhe a deferencia

Com que 0 trntnvam. Jli. era tanto como elles._ Ate n'csso antro do crimes e immoralidades, alngra ti(LI0 0 pcrsegfliu .

.Estav/\ preso -pelo crime de parricidio, urn tal

MOndes . E~tc vcndo-se em nplll'os ped in a Jose seis

~oedM emprestndas. Jose Hun lli'as negou, mas quan-

() os mcios the eseassearam pediu-Ih'as attenciosa-

/

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mente 'Vista ja ha bastante tern po ter findndo 0 prasaque elle marcara. ,'L-'_'; ,

o parrieida, como nao tivesse ten~i'lps i l ' e lh'as

pagar e desejando ver-se livre d'nqnull» im portune,

denuneiou-o como cumplice n'uma tontutivn de fUg:l.

Isro era uma calumn ia J

Logoquc se viu pl'CZO) considcrou-se' perdido, e

esperava com l'esignat;:lo a sua sentonca e nao pen-

sava em fngii'.

Em vista da revelao:;i'io do Mendes, Jose foi met-

tido nos quartos de Malta, onde, coitado, softreu in-

nocente pri va~:oes qne a penn nao des creve. .~(li'!''l

Da cadeia da Rcla<;ito foi rernovido para _',a do

Marco de Canavezes onde foijulgado.

o sen'nd vogado foi 0 sm-, Marcellino de Mattos,

com quem njusttll'a por cincoenra moerlns , 'l'cmpo de-

pois, .JOlle, COulO visso que lho ia faltan do 0 dinheiro ,

pediu-Ihe para que 0 defendesse pur metade, at) que

o+snr. Marcellinonnneiu. POl' fim pediu.lhe os papeis

para oa entregar 110 advngndo que 0 defendcsae pOl'

esmola, visto jll nao tor as vinte e cinco moerlns para

lhe dar, 0 snr. l\rur~ellino de I1-fnttos, condoirlo d'a-

'luolla miseria, arlvognu-o gra tuitarnerrte,

·1101' 0 discurso flo illustre advogndo, 'mais urna vez

mostrou asnbids intelligeneia que po-suin ,

For mais que urnaVf)Z

fer, comqllfi

ns Iagrimasapparec('s~em nos olhos d'nqllelles qne linviam de jul-

gar 0 criminoso. Aplwllnll para a cornpnixilo, nnico

recurso gue tinha dE': g1]C lnnr,':ll' mao, {' do qual sr-m-

pre se tira rcsultado.

, ; 'Jose foi eondemnndoa rlegrorloperpel.llo.

Quem 0 visse ent1i:o llao coniweia n'elle 0 ho-

mem altivo, atrevido e corl00so) mas sim um homern

fraco, inoffenaivo , nnniqnillado l

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Uabisbaixo, pallido, caminhava de vagal' no sa-

hir do tribunal, acompanbado por urna grande mul-tidao de pnvo.

Nas esoadas do tribunal, estava uma rnulber com

as faces maceradas, as olhos q nazi scm brilho e cir-

eUlados pOI' umas nodoas 1'0Xas, signaes caructerisri-

cos d'um soffri menta profuudo, e roeleada de cinco

crean,;:as em cujos rostos se ,..iam cs mcsmos sympto-

lnus que it mae aprescnta va.

As lagrillassuleavalil as faces da infeiiz, e os

filhos, cl'cano:;as ainda para avaliarem hem a dol' dn

lllae, ohoravam de a vel' ( '.hOr31" . ; r r : i ;.1.;

Quando Jose do Telhado vinha a desoe~,ra in-fdir., rom pendo por entre It mult idao, foi lan~al'·se-lhe

nos bra<;()s acoin plm hada de seus filhoe, e disse-lhe :

- JOS('!, nao sei como tenho ainda foro:;as para

innto !Sinto csuwg'll'-.sc- me 0 eol'1t9[Lo, arruncar-se- mefl. vida aoe pcda<;os, mnrtyrisar-sc-me a alma scm pie-

dade! OHm pam teus filhos, ve a po breza d' elles, e

a urizer j a e 111 qIl e ficadio. Sell ten ciaram -ttl pOl' toda a,Vida! N eill lima. csp(Jl'an<;a .1UC T esta! 'l'ud .o, 6ndou

para mill}! 0' Deus mizerieordioso, dae-rno a . mort»

n'este momento ! 0 . 8 [uiaes forum iniquos, injustos,

Ct'l'cis ! SlIp uns barbnros! " , ,

A cste tem P" um soldado, pondo de parteos

scntiment()s piedoscs pam euruprir os seus deveres,malldou-a retirnr,

- Concodu-me III nis LUll instante, senhor, diaseella.

E agarl'ando nos filhos disso para 0 esposo:

- Toma-os, beijaos, du-lho 0 ultimo adeus. SaoOs teus filhos, recorda-to sempre cl'clles.

Jose beijoll.osa todos, e quando estreitou a es-

;

./

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poza nos bruoos, teve de amparal-a, por que a 10-

feliz havin perdido os sentid os.

Emquanto u levavam para ca~af conduz iam J ' )Sea eadcia.

o choq ue que ella recebcu oeeaaio nou - Ihe uuia

doenea que Hie augmentou a miaciia.

Da eadeia do lila reo foi Jos e re movi do para a do

Porto, afim de seguir para a Africa na primolrn levu

de prezos.Quando foi para Lisboa, para scgnil' 0 degredo,

pediu a urn sen compauheu-o, que ficara na cadeia,

urn vintom para cigarros !Avalie-se d'nqui a pobreza em que elle estava,

A nuctoridade sequestrnra-lhe os poneos bens que pos-

suia pal'a pugar-se; e Jose empenhnra a roupa para

satisfazer algumas dividas, levando ap[!na~ a do

corpo!

A familia d'este infeliz homem, que th e legon

um nome ta o triste e deshonroao, tern vivido scm pl'c

n'uma mizeria digna de compaixao, Para cumulo de

infelicidade urna das filhns onlouquec era.

A'ccrca do quo Jose do 'I'elhado t<~Jll pnssarl o n a

Africa, POUCI) so sabe, Alguns jornaes jli deram ate

a morte d'ello, mas outros desmentern-n e dizem que

e Ja UIU homem hom -ado e que tcm nrriscado a vida

em defeza da patria.

I i ' IM.