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Abordagens e visões da Pré-história através do livro didático de História:
uma breve análise em três escolas nos municípios de Itapé, Itacaré e Ilhéus,
Bahia.
Darcivaldo José dos Santos1
Elvis Pereira Barbosa2
Resumo
Esta proposta de trabalho tem como objetivo situar o ensino de Pré-História nos
currículos escolares de História no ensino médio na Escola Comunitária Alzair
Martins da Silva em Itapé, no Colégio Estadual Aurelino Leal em Itacaré e no
Colégio Estadual do Salobrinho em Ilhéus, Bahia. Procura-se também, expor a
realidade educacional destas três unidades e como os alunos veem a Pré-História
partindo da premissa de que uma abordagem generalizante e um pouco
deturpada a respeito do tema contribui para a fixação de conceitos errôneos e
confundem a interpretação que os discentes têm sobre este período particular da
História da humanidade.
PALAVRAS-CHAVE: Pré-História. Livro Didático. Ensino de História.
Introdução
Este texto reflete uma série de preocupações e debates travados ao
longo de algumas discussões com os meus colegas de História, em especial
aqueles que hoje seguindo caminho oposto a maioria dos licenciados pelo curso
de História, se dedicam exclusivamente aos estudos arqueológicos através da
realização de trabalhos de pesquisa envolvendo a chamada Arqueologia de
Contrato. A problemática levantada aqui, reflete, em parte, um velho debate
promovido por historiadores e arqueólogos e que visa em última instância tentar
estabelecer alguns parâmetros mínimos para o entendimento do significado de 1 Graduando do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Santa Cruz –
UESC, Ilhéus, Bahia. 2 Professor Orientador, Curso de Licenciatura em História, Departamento de Filosofia e Ciências
Humanas – DFCH, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, Bahia.
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Pré-história, envolvendo as suas dificuldades de análises e principalmente as
inúmeras tentativas de periodização de um passado que vai além da
compreensão temporal da História. Entretanto, as divergências de como deve ser
analisada a Pré-história tem produzido muitas dúvidas e interpretações errôneas
para de fato entender o tempo e o passado da história da humanidade,
principalmente entre estudantes do ensino fundamental e médio.
A nossa cronologia histórica vem sendo discutida e analisada ao longo
das últimas décadas por especialistas de diversas áreas acadêmicas – a exemplo
da História, Arqueologia, Pré-história, Antropologia, Etnologia e Sociologia – e o
foco principal deste debate continua sendo a tentativa de se estabelecer limites
entre a História e a Pré-História, quando e como e as nossas dificuldades de
interpretá-las, perante as diferentes formas de fontes utilizadas, como por
exemplo os vestígios de cerâmica, de material lítico ou de restos fósseis, o uso da
escrita ou do registro oral feita por diversas gerações no local a ser pesquisado e
a sua origem.
Perante essa problemática, a pré-história engloba uma série de
períodos geológicos e pré-históricos diferentes, como cita Chris Gosden:
A pré-história trata de conjuntos de lugares, artefatos e paisagens do
passado que tentamos compreender no presente, colocando os indícios
que temos no contexto de seu ambiente na época, tanto físico quanto
social. (GOSDEN, 2012, p. 9, Apud HEINZELMANN, 2004).
Entretanto a periodização histórica converge em diferentes teorias,
analisadas por diversos especialistas, defendendo as suas análises, sobre a
existência da humanidade e de seus grupos formados, através das suas
hierarquias e das suas linhagens genéticas e de como se deslocaram, se
alimentaram e caçavam os animais para sobreviverem, a depender da quantidade
de indivíduos de determinado grupo.
Esta periodização é ao mesmo tempo absoluta, relativa e também
linear para poder determinar se os documentos históricos e/ou os vestígios de
cultura material coletado nos sítios arqueológicos são concretos e confiáveis.
Perante esse dilema, é relevante a citação de Chris Gosden:
Os estudiosos da pré-história precisam estar sempre atentos, com
relação a si mesmos e também aos demais, para saber quando saem do
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terreno das certezas razoáveis e passam a fazer inferências não tão
embasadas. As questões que somos levados a entender estão sempre
nas áreas de menor incerteza e, portanto, uma abordagem cautelosa,
demais nos deixara atados ao mundo fascinante, mas essencialmente
trivial das tecnologias das ferramentas de pedra ou das praticas de
carniçarias. Podemos abrir mão da cautela, sobretudo em um volume
sintético como este, em busca do grande panorama, afastando-nos cada
vez mais das inferências seguras que os analistas de pedras ou ossos
podem fornecer e despertando, não sem motivo, seu desprezo: não há
como ter certeza sobre isso. (GOSDEN, 2012, p.17, HEINZELMANN,
2004).
Apesar de não estarem abalizados os estudiosos das questões
embasadas nas suas respostas, estarem certas ou erradas, durante as suas
análises do material coletado, até chegar o resultado relativo ou absoluto do sítio
arqueológico pesquisado e definir, em qual tempo da pré-história, pertence e o
seu acontecimento, como cita Chris Gosden:
A pré-história termina pouco a pouco, por vários motivos. O impulso por
explicar as coisas desconsiderou a maior parte da existência, de modo
que há pouca documentação histórica real de muitos aspectos da vida
da maioria das pessoas. A vida doméstica a natureza da infância, as
relações entre homens e mulheres ou entre as pessoas e seus deuses, a
rotina diária de trabalho e lazer só podem ser reconstruídas para
períodos posteriores e usadas para ajudar a entender os anteriores.
(GOSDEN, 2012, p. 23, HEINZELMANN, 2004).
Mas, sem esses aspectos do nosso cotidiano, como poderemos
reconstruir a nossa história, se não sabem da nossa história de vida, o que as
mulheres faziam, durante o dia, enquanto os homens, caçavam a longa distância
para proverem de alimentos os membros das tribos.
Opções de limites entre Pré-História e História
A passagem da Pré-História para a História é complicada e bastante
difícil de ser estabelecida. E, contrariando alguns livros didáticos, não existem
subsídios concretos para estabelecer esta passagem, daí a importância da
fixação de marcos referenciais tão diferentes como a escrita, a organização
social, o processo de urbanização, entre tantos outros. Ao mesmo tempo que
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tentam construir os limites, diversos pré-historiadores e principalmente algumas
correntes de historiadores, reforçam a ideia de Pré-História como parte da História
humana, próxima às ciências naturais e como sendo uma ponte entre a Geologia
e a História (DANIEL, 1968).
Sendo assim, é possível elencar três pontos de estrangulamento entre
o conceito de Pré-História e o de História: o primeiro, o que toma a escrita como
referencial; o segundo, que procura valorizar o aparecimento do Estado e toma-o
como referência; e o terceiro, o que busca no processo de urbanização ou outras
estruturas sociais a característica desta passagem.
a) a escrita
Desde o surgimento dos primeiros grupos sociais organizados, a
humanidade tem a necessidade de estabelecer certos padrões de mensuração
para a compreensão de determinados fenômenos que acontecem no seu dia a
dia. Sendo assim, o Homem passou a formular alguns destes padrões que
atendiam a finalidades diversas como o plantio, a urbanização, a dominação de
classes, o sobrenatural, etc.
Daí decorre o fato de criar formas de registros gráficos com a finalidade
de facilitar a compilação dos bens materiais adquiridos ou produzidos e de poder
manuseá-los a qualquer momento. Esta seria então uma das prováveis hipóteses
para o aparecimento da escrita entre a humanidade, qual seja, a de atender uma
necessidade de mensuração por parte de um ou de vários grupos sociais. É
justamente a partir do aparecimento da escrita que alguns historiadores passam a
classificar o que seria História e Pré-História.
Mais do que um mero divisor de águas, a escrita tem de ser vista como
uma das etapas do processo de desenvolvimento sociopolítico nas diversas
sociedades do passado, e além do mais ao considerar a História como sendo o
período pós-escrita, estaria assim, dando um sentido cientificista à mesma, coisa
que já fora superada pelos historiadores do século XX, em outras palavras, isto
pode ser considerado um retrocesso na pesquisa histórica.
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Ao tomar-se a escrita como marco referencial para caracterizar a
passagem da Pré-História para a História, o historiador (ou o pré-historiador),
passa a estabelecer, novamente, um sentido cientificista à sua análise, pois a
noção que se transmite é a de que sem o documento escrito não se pode
trabalhar sob a ótica da ciência, de que os dados necessários para se
transformarem em História precisam de uma confirmação, e esta somente seria
possível através da escrita.
Ao colocar a escrita como sendo o início da História, os historiadores
do século XIX buscavam justificar a supremacia europeia – intelectual,
econômica, etc – sobre as demais regiões do planeta. Um exemplo típico é a
ocupação neo colonial na África e Ásia. Como a grande maioria dos povos
africanos possuíam apenas uma tradição oral, ficava difícil impedir a dominação
estrangeira ou até mesmo manter as tradições locais. Nos poucos territórios onde
prevalecia uma escrita local, a anexação fora justificada sob o ponto de vista
religioso – este é o caso do Egito, anexado como protetorado pela Inglaterra, e de
todo o norte da África onde utilizaram o cristianismo para combater o Islã.
Atualmente, ao colocar a História como sendo o momento em que
aparece a escrita, o erro que se comete é o de recusar as recentes contribuições
feitas por arqueólogos e pré-historiadores que trabalham com vestígios materiais
anteriores a esta. Assim sendo, torna-se necessário elaborar uma nova forma de
divisão da História da Humanidade, pois o modelo que existe – tomando-se por
base estas considerações expostas – está há muito tempo superado.
Portanto, a interpretação dos diversos tipos de documentos, que não
apenas o escrito, pode dar uma nova feição àquilo que se chama de História,
embora a separação desta da Pré-História continue sendo algo difícil de
demonstrar de maneira prática dentro das ciências sociais. A análise dos
vestígios por diversos cientistas sociais – arqueólogos, antropólogos,
historiadores, etc – pode aumentar o leque de informações a respeito do passado
remoto da humanidade como, suas formas de organização social, suas relações
econômicas, sua complexidade religiosa, sua interação com outras comunidades,
entre tantas outras variáveis de interpretação.
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b) o Estado
Os historiadores que tomam esta estrutura como referencial de
interpretação, procuram dar um tom mais abrangente à História, na medida em
que repudiam completamente o caráter cientificista utilizado pelos chamados
positivistas, mas, ainda assim, apresenta limitações à compreensão da
passagem. O aparecimento do Estado ocorre de uma maneira bastante complexa
e em condições onde algumas de suas organizações fundamentais, como as
classes sociais, a divisão do trabalho, a formação de cacicados, entre outras, já
estão consolidadas ou em processo de formação. Isto porém, não significa dizer
que todas as sociedades passarão por este processo.
A formação de um Estado varia muito de um grupo social para outro.
As estruturas que darão origem ao futuro Estado nem sempre se encontram em
pleno desenvolvimento. Em algumas sociedades, as estruturas sociais anteriores
a este, como por exemplo as comunidades aldeãs da Baixa Mesopotâmia,
empreenderam um grau de desenvolvimento político, econômico e social bastante
elevado mas não transpuseram a barreira que separava estas de um Estado
unificado e pleno.
É interessante notar que estas comunidades aldeãs já possuíam
indícios de escrita mas não conseguiram formar um Estado unificado, ficaram
apenas dentro do conceito de Cidades Estado e que não necessariamente podem
ser vistas como modelo de Estado na antiguidade. Este enfoque, que toma o
Estado como marco referencial, peca a partir do momento em que passa a excluir
todos os grupos que não conseguiram evoluir para esta forma social, e mesmo
assim a linha de separação adotada pelos seguidores deste modelo é bastante
variável nas diversas partes do mundo.
Portanto, a diferença entre o Estado e o não-Estado é muito grande.
Yoffee (1994, p. 17) aponta para o (...)surgimento de certos papéis sócio-
econômicos e governamentais que são desvinculados de relações de parentesco
reais ou fictícias; (...), colocando-os em um nível maior de complexidade como por
exemplo a inclusão da autoridade suprema vigente além da dependência do
acréscimo cumulativo de poder disponível para aqueles que possam exercer
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cargos governamentais. (YOFFEE, 1992, p. 17).
Como o conceito mais abordado sobre o aparecimento do Estado é o
marxista, muitas das considerações feitas por Marx e Engels a respeito do
assunto foram revistas no decorrer do século XX. As interpretações para as
sociedades pré-capitalistas feitas pelos dois, foram realizadas a partir de
trabalhos pioneiros de alguns antropólogos – no caso de Engels, foi tomado por
base os escritos de Morgan – num momento em que a pesquisa em antropologia
e principalmente a arqueologia ainda estavam em formação.
Os dados referentes à organização social das comunidades do
passado remoto, somente foram comprovados através de pesquisa sistemática no
decorrer do século passado. Além do mais, a interpretação de determinados sítios
a partir das novas teorias arqueológicas, possibilitou a ampliação desta visão,
uma vez que os novos caminhos trilhados pela arqueologia procuram ampliar o
espaço interpretativo com o auxílio de técnicas empregadas por algumas ciências
exatas, como a datação radiocarbônica ou a interpretação estratigráfica. Somente
com estas novas abordagens em arqueologia e também em antropologia, foi
possível ao historiador refazer parte dos seus escritos teóricos a respeito do
aparecimento do Estado entre as comunidades primitivas.
Algumas das afirmações feitas por Marx nos seus manuscritos (MARX,
1972) e que durante muito tempo foram tidas como dogmas imutáveis pelas
diversas facções de marxistas existentes entre as ciências sociais, passaram por
uma reinterpretação na medida em que os resultados das pesquisas
arqueológicas e principalmente as de cunho antropológico foram sendo
publicadas. As passagens do nomadismo à sedentarização, a utilização da
cerâmica e da pedra, a disposição espacial das aldeias, tudo isto contribuiu para
uma revisão a respeito das teorias do aparecimento do Estado entre as
comunidades primitivas.
Da mesma forma que as comunidades aldeãs tiveram um papel
importante para a formação do Egito Antigo, as generalizações que se faziam no
século XIX em relação ao Estado foram caindo por terra. Atualmente tem-se a
noção de que o processo não pode ser identificado como natural. As estruturas
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sociais anteriores, como as relações de parentesco, a divisão do trabalho, as
relações entre jovens e velhos, e os cacicados, entre tantas outras estruturas
sociais ditas primitivas, são extremamente complexas e o processo não é tão
simples como se imaginava, tomando-se como exemplo algumas das sociedades
europeias e tentando universalizá-las, procurando mostrar que nas outras áreas a
formação ocorreu da mesma maneira.
c) processo de urbanização
Uma terceira vertente, mais contemporânea que as demais, adota o
processo de urbanização como referência para se compreender o que viria ser a
História. As diversas sociedades humanas do passado, após um longo período de
nomadismo, atravessaram um período de sedentarização. Para alguns grupos,
esta se desdobrou posteriormente na urbanização. Mas o processo de
urbanização é muito mais complexo do que uma simples referência ao fim do
nomadismo. Significa conseguir exercer domínio sobre os vegetais, estabelecer
áreas de plantio e de caça, estar próximo das zonas de coleta de barro para
fabricação da cerâmica, enfim uma série de etapas cuja a urbanização, quando
ocorre, seria a última.
No decorrer do século XIX e também ao longo do século XX, alguns
cientistas tentaram formular leis gerais para o processo de urbanização
(MUMFORD, 1965). Os pesquisadores ligados à História urbana, identificaram
alguns pontos contraditórios nesta tentativa de dar um sentido lógico ao processo
de aldeamento e posteriormente de urbanização. O processo de urbanização não
segue um padrão único, qual seja, primeiro a aldeia depois a cidade, e sendo esta
a maneira de separação entre a História e a Pré-História.
Os primeiros sítios urbanos da humanidade são encontrados em locais
considerados inóspitos e pouco favoráveis à formação de um núcleo urbano,
como Jericó na Palestina ou os centros urbanos localizados na costa peruana,
próximos ao deserto de Nazca. Estas áreas apresentavam algumas
características comuns, como a escassez de matérias-primas básicas, a
rusticidade do meio físico e principalmente as estruturas sociais mencionadas
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acima – o Estado e a escrita – que somente se formaram posteriormente à
formação do núcleo urbano.
Ainda sobre a urbanização, não se pode estender este conceito e
caracterizá-lo de forma universal. Nos primeiros núcleos urbanos da Baixa
Mesopotâmia, existia um forte domínio da estrutura templária sobre o palácio, e
basicamente quem determinava as relações comerciais era o Templo e decorre
desta necessidade de manter relações comerciais a criação de um sistema de
mensuração dos dados, neste caso a escrita. Contudo, a estrutura do Estado
ainda não estava fortemente estabelecida, principalmente em função da
existência de comunidades aldeãs que conseguiam competir com estas duas
outras estruturas sociais e impedir a formação de um Estado Teocrático – na sua
denominação clássica (BOUZON, 1990) – ou até mesmo da dominação do
Palácio sobre o Templo.
Da mesma forma, os historiadores que tentaram fugir aos modelos
expostos acima, procuraram em outras formas de organização social a explicação
para caracterizar a passagem. Aqui, tomaram como padrão de medida, os
cacicados (estes ainda pouco utilizados pelos historiadores), a cerâmica, os
metais (que da mesma forma que a cerâmica, continua sendo objeto de estudo
dos arqueólogos), a agricultura (pouco enfocada no decorrer do processo de
urbanização levado a cabo pelos historiadores e analisada de forma estanque).
Mas todas estas demonstram um enorme grau de complexidade e as
características que faltam em uns, sobram em outros, tornando difícil a
compreensão do que seria História e o que seria Pré-História.
A posição da Pré-História no livro didático
Toda esta explicação prévia a respeito da Pré-História foi necessário
para entender a posição deste conceito no livro didático. Desta maneira foram
observados como os alunos de três escolas (Escola Comunitária Alzair Martins da
Silva em Itapé, no Colégio Estadual Aurelino Leal em Itacaré e no Colégio
Estadual do Salobrinho em Ilhéus) conseguiam enxergar a Pré-História a partir
dos capítulos encontrados no livro didático utilizado por eles. O livro em questão é
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de autoria de Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina
dos Santos (2013).
O primeiro ponto de destaque, diz respeito ao espaço dedicado à Pré-
História. O assunto está contido em apenas uma unidade e dois capítulos, onde
procura-se explicar sucintamente conceitos amplos como: teoria do Big Bang,
Idades da Terra, origem das espécies, a descoberta do fogo, as glaciações,
dinossauros, hominídeos, arqueólogos e Homo sapiens. Este primeiro capítulo
possui seis páginas de conteúdo e duas páginas dedicadas ao Roteiro de
Estudos, uma espécie de resumo geral do tópico, questões sobre o assunto,
relações entre a História e outras ciências, como a Biologia e Antropologia.
Chama a atenção a reflexão a respeito do significado de Pré-História e a
comparação com os povos sem escrita. Observa-se aqui que os alunos são
conduzidos a aceitarem a definição de que a Pré-História é a História dos povos
sem escrita.
Algumas tentativas de explicação dos assuntos confundem mais do
que elucidam. Como exemplo, duas imagens que chamam a atenção: a foto de
uma cena do filme A guerra do fogo, onde aparecem alguns homens acendendo
uma fogueira e na página seguinte a ilustração de dois dinossauros lutando entre
si. Mesmo com a explicação na lateral da imagem, passa-se a ideia geral de que
dinossauros e homens conviveram no mesmo tempo, pelo menos foi o observado
entre alguns alunos nas três escolas. Há uma breve confusão de tempo e espaço
nestas duas imagens.
Além destas imagens, outro ponto que conduz a confusão é quando os
autores se propõem a explicar a teoria da evolução e tentam provocar um debate
entre criacionismo e evolucionismo. Para esta questão, observou-se que nas três
escolas o número de estudantes que professam o cristianismo com
características evangélicas são os mais resistentes em debater o assunto e a
negar o criacionismo por completo, não admitindo m hipótese alguma – devido ao
seu posicionamento religioso – sequer obter um conhecimento inicial a respeito
da teoria.
A confusão do capítulo ainda é observada quando a imagem do filme A
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guerra do fogo aparece logo no início, mas a explicação da importância do fogo
para a humanidade só é abordada – e de maneira bastante superficial – quatro
páginas depois. Há ainda explicações para as linhagens do Homem, como Homo
erectus e Homo sapiens, mas o texto escorrega novamente quando faz a
abordagem do Homo neanderthalensis pois não explica se era uma espécie
diferente ou se fazia parte da mesma linhagem do Homem moderno. Estudos
recentes apontam que o Homo neanderthalensis compunha uma espécie à parte
e que o processo de seleção natural levou-o à extinção.
Por último, fazem a divisão da Pré-História conforme o modelo já
bastante superado das três eras: Idade da Pedra; Idade dos Metais; e Idade do
Ferro.
O segundo capítulo tem oito páginas e a distribuição dos assuntos
segue semelhante ao primeiro. Mas neste há uma ênfase voltada ao continente
americano e também à Arqueologia e as falhas aqui são menores. Mesmo assim,
inda é possível encontrar a mistura explosiva de ciência e religião quando os
autores tentam explicar que a América é o único continente onde não há
população alóctone, ou seja, nativa, mas sim que aqui ocorreu uma série de
migrações ao longo dos tempos e que estes povos formaram posteriormente o
que fora chamado pelos colonizadores europeus de índios.
Entretanto, observa-se mais uma vez a confusão com as definições e
conceitos, a exemplo da afirmação de que as levas migratórias atravessaram o
estreito de Bering entre 15.000 e 10.000 anos (VAINFAS, 2013, p. 19) e de que
as cerâmicas da Serra da Capivara no Piauí possuem 9.000 anos e são as mais
antigas do continente (VAINFAS, 2013, p. 20). Sabemos que são definições
diferentes, mas para um adolescente é difícil observar a pequena diferença entre
as levas migratórias que provavelmente trouxeram apenas artefatos de material
lítico (pedra lascada e/ou polida) e a cerâmica produzida em São Raimundo
Nonato.
O Roteiro de Estudos tem as mesmas características do capítulo
anterior.
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Conclusões
Como é possível observar, a linha de separação entre História e Pré-
História, além de bastante tênue é relativamente difícil de ser estabelecida. Todas
as ideias desenvolvidas, tanto pelos historiadores quanto pelos arqueólogos,
demonstram que este limite é fictício e portanto desnecessário. Observa-se que a
finalidade de tal discussão até o momento foi a de aumentar as diferenças entre
os pressupostos teóricos e metodológicos de arqueólogos e historiadores, no
sentido de cada um procurar afirmar as suas ideias e renegar as contribuições
que juntos podem dar para o desenvolvimento tanto da História quanto da
Arqueologia. Mais que uma discussão teórica e interessante, a explanação da
problemática visa trazer à tona uma situação pouco abordada pela História e
pouco explicada pelos profissionais que lidam com a disciplina em sala de aula.
Nos manuais didáticos do ensino fundamental e médio, observa-se que
o espaço dedicado ao tema é por demais exíguo, afastando assim o aluno do
assunto e jogando-o no campo das especulações e das complicações fantasiosas
como a da existência de dinossauros junto com mamíferos e seres humanos. Por
trás disto, observa-se mais uma vez a influência das ideias religiosas que
continuam a reforçar junto à sociedade o sentido da criação e de
descaracterização da ciência, haja vista que esta não consegue ainda responder
a todas as questões levantadas pelo homem no decorrer de sua existência.
Além do mais, pontos que são abordados apenas pelos pré-
historiadores e arqueólogos – como as culturas humanas da idade do bronze ou
do ferro, o princípio de difusão cultural, etc – poderiam também compor parte do
vocabulário específico do historiador, desde que os mesmos fossem divulgados e
passassem por um processo de análise e interpretação em congressos e
simpósios acessíveis aos diversos historiadores. Sendo assim, acreditamos que a
História poderia tornar-se bem mais dinâmica ao aluno – principalmente aquele
dos níveis médio e fundamental – que cada vez mais se sentem afastados do
processo histórico e não conseguem compreender pontos importantes, como a
Pré-História do Brasil e da América e apenas vislumbram o assunto na Europa e
na África.
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As discussões abordadas neste artigo foram observadas nas três
escolas durante o acompanhamento das disciplinas Estágio III e Estágio IV.
Observou-se o comportamento dos alunos em sala de aula diante do tema Pré-
História e como eles reagiam a algumas das questões apresentadas pelo livro.
Inicialmente, pensou-se na aplicação de formulários com questionários a respeito
do tema, mas diante da obrigatoriedade do encaminhamento de projeto junto ao
Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UESC, optou-se pela
simples observação das impressões junto aos alunos.
A análise do livro didático, em especial os capítulos que tratam do tema
Pré-História, foram essenciais para entender como este período da História da
humanidade é vista pelos alunos e observou-se que existem mais confusões que
o imaginado inicialmente. No diálogo com os alunos a respeito de assuntos
correlatos, como Arqueologia, Paleontologia, fósseis e cultura material, a
confusão é generalizante e normalmente eles não conseguem perceber as
diferenças entre estas duas ciências.
O livro reforçou algumas ideias errôneas junto aos alunos, como a de
que os dinossauros e os seres humanos conviveram na mesma época. Desta
maneira, muitos alunos nas três escolas, não conseguem compreender o
significado do termo evolução.
A simples discussão teórica, de maneira mais clara a respeito do que
seria Pré-História e História, poderia contribuir para evitar que erros grosseiros,
como os explanados acima, fossem praticados principalmente pelos professores
que lidam com o assunto nas salas de aula do ensino fundamental e básico,
aumentando o leque de compreensão da realidade que cerca os alunos de
História.
Referências:
BOUZON, E. Os modos de produção na Baixa Mesopotâmia do Terceiro e Segundo Milênios da era pré-cristã. In: CARDOSO, C. F. S. (Org). Modo de Produção Asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990. P. 17-35.
DANIEL, G. El concepto de prehistoria. Barcelona: Editorial Labor, 1968.
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HEINZELMANN, M. R. Entre conceitos e preconceitos: o discurso de pré-história nos livros didáticos de 2°grau nas décadas de 1970 e 1980. Florianópolis: UDESC, 2004. (Dissertação de Mestrado).
MARX, K. Formaciones economicas precapitalistas: introducción de Eric J. Hobsbawm. 2 ed. Buenos Aires: Ediciones Pasado y Presente, 1972. (Cuaderno de Pasado y Presente, 20).
MUMFORD, L. A cidade na História. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. V. I.
VAINFAS, R. História. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Vol. 1.
YOFFEE, N. Caciques demais? Ou, textos seguros para os anos noventa. In: MÉTODOS arqueológicos e gerenciamento de bens culturais. Rio de Janeiro: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1994. P. 1-34.