Transcript

1

ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

Carine Almeida Silva [email protected]

RESUMO

Este trabalho apresenta um relato de experiência ao realizar as atividades propostas no curso

Alfabetização Matemática para Alunos com Deficiência, ofertado ano de 2011, na Escola de

Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação – EAPE. O estudante avaliado possui

diagnóstico de Síndrome de Down/Deficiência Intelectual e respondeu significativamente às

atividades de contagem, jogos e situações que foram propostas, demonstrando as

possibilidades da construção de aprendizagens significativas, da construção do conceito de

número e alfabetização matemática para estudantes com necessidades educativas especiais.

Palavras-chave: Alfabetização Matemática. Deficiência Intelectual. Aprendizagem.

OBJETIVOS

O presente relato tem como objetivo demonstrar como um estudante com necessidade

educativa especial atendido na sala de recursos de escola da rede pública do Distrito Federal,

aprendeu conceitos matemáticos, contagem até dez e o trabalho desenvolvido na construção

do conceito de número.

ESPAÇO/COMUNIDADE

A escola atende cerca de quinhentos alunos do primeiro ao quinto ano do ensino

fundamental, dentre esses onze estudantes com diagnóstico de deficiência. Para atender a

estes estudantes a escola possui uma sala de recursos.

A sala de recursos é o espaço em que é ofertado o atendimento educacional

especializado. A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação

Inclusiva (MEC, 2008) pontua: O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização.

2

Ressalta ainda que é obrigatória a oferta do atendimento pelas instituições de ensino.

São atendidos, individualmente ou em grupos, estudantes com deficiência intelectual,

deficiência física, deficiência múltipla e transtorno global do desenvolvimento. O atendimento

ocorre no turno inverso ao da sala de aula regular.

Sou professora de sala de recursos, e no atendimento aos estudantes com deficiências

o grande desafio é identificar a necessidade de cada estudante e proporcionar as condições

para que eles construam aprendizagens significativas, além de apoiar e orientar os professores

que atuam nas salas de aula regulares para que todos os professores realizem um trabalho

conjunto com os estudantes com necessidades educativas especiais.

Neste contexto eu percebi que na minha sala de recursos eu vivia a dificuldade de

trabalhar a construção do número com os estudantes atendidos por mim. Em 2011 foi ofertado

o curso Alfabetização Matemática para alunos com Deficiência, pela EAPE - Escola de

Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação. A Secretaria de Educação do Distrito

Federal possibilita a formação continuada dos profissionais ofertando cursos na EAPE.

Então resolvi me inscrever no curso e foi de fundamental importância para trabalhar

habilidades e construção de conceitos matemáticos com os estudantes atendidos na sala de

recursos, pois havia grande necessidade e anseio por parte dos professores que atendem

estudantes com necessidades educativas especiais de aprofundamento teórico acerca deste

tema. Não há mais espaço para questionar se o estudante com deficiência vai aprender, vai

participar. Mas sim como ele aprende, como vai participar, quais técnicas necessitam de

adaptação para que sejam acessíveis a ele. E o curso veio contemplar essas necessidades.

METODOLOGIA

As atividades abaixo descritas foram desenvolvidas com os estudantes a partir de

propostas de trabalho feitas no curso Alfabetização Matemática para alunos com deficiência,

na EAPE, no segundo semestre do ano de 2011 e ministrado pela Professora Raquel Soares de

Santana.

A proposta do curso partiu da afirmação de que o estudante com diagnóstico de

deficiência/ necessidade educativa especial tem capacidade de ser matematicamente

alfabetizado, tem a possibilidade ser um “ser matemático”, protagonista de suas

aprendizagens e produções (MUNIZ, 2006), e cabe aos professores compreender as

peculiaridades de cada diagnóstico, identificar suas construções conceituais, pesquisar e se

3

apropriar de conhecimentos para adequar materiais e técnicas para que o estudante tenha

acesso ao conteúdo de maneira que ele seja o protagonista de sua aprendizagem.

A descrição a seguir trata das atividades desenvolvidas na sala de recursos com o

estudante Bruno1, estudante com Síndrome de Down/Deficiência Intelectual, com oito anos de

idade, atendido por mim na Sala de Recursos, com o objetivo de desenvolver habilidades que

auxiliem o estudante a ressignificar a construção do conceito de número, através de jogos,

brincadeiras e trabalhando também escrita e oralidade.

Quando as atividades foram iniciadas, em julho/2011, a professora regente afirmava

que o estudante não sabia nada de matemática e não conseguia aprender. Essa afirmação me

inquietou ainda mais, pois de acordo com Bonfim (2005), independente de o estudante

possuir um diagnóstico de deficiência, o professor pode favorecer situações em que o sujeito

construa e elabore conceitos matemáticos. E ainda apoiada na afirmação de Fávero (2004), há

a necessidade de conhecer e compreender como o sujeito com Síndrome de Down constrói as

estruturas mentais na aquisição da lógica do sistema numérico, de maneira que se elaborem

procedimentos pedagógicos que favoreçam sua capacidade de desenvolver estruturas

cognitivas visando à aquisição de conceitos matemáticos.

A primeira atividade realizada com o aluno foi uma atividade de contagem. Havia na

mesa vários palitos agrupados por cor. O estudante deveria contar quantos palitos de cada cor

havia.

Durante a atividade de contagem com palitos foi possível perceber que quantidades

pequenas como dois ou três o estudante reconheceu sem a necessidade de contar. Quantidades

maiores, a partir de seis, o estudante confundiu e necessitou de ajuda para contar. Mas já

demonstrou saber a maioria dos algarismos até dez.

A segunda atividade foi o “Jogo do 10”, cujo objetivo é proporcionar aos estudantes a

construção do conceito de Sistema de Numeração Decimal de maneira lúdica. Para jogar é

necessário um dado, palitos de picolé e um “tapetinho”, representando um quadro valor de

lugar, que é um retângulo dividido em três partes que representam unidades, dezenas e

centenas simples. O estudante joga o dado e põe a quantidade que saiu no dado no lugar das

unidades, quando formar a quantidade dez, e ele precisa agrupar e mudar para o lugar das

dezenas, formando dez dezenas, agrupa novamente e muda para as centenas.

1 Nome fictício a fim de preservar a identidade.

4

Em poucos meses de prática do “jogo do 10” o estudante se apropriou do conceito de

dezenas e unidades mesmo sem dar esses nomes, ele chamava de soltinhos, montinhos e

montão e sabia que quando formasse dez tinha que amarrar e “pular” pro lugar dos montinhos

ou do montão.

A terceira atividade foi uma situação-problema que foi proposta da seguinte forma: Na

nossa escola tem muitas salas de aula, você sabe quantas são? Como faremos para descobrir?

A situação-problema escolhida foi essa porque o estudante já possuía alguns

conhecimentos matemáticos, mas ainda apresentava dificuldades em se localizar na escola e

não sabia dizer qual era o número de sua sala.

A primeira pergunta que fiz, foi como faríamos para descobrir quantas salas havia na

escola. O estudante prontamente respondeu: “-Tem que contar”.

Fomos então contar as salas. Cada sala tem a placa indicando o número, começamos

pela sala de número 1. Eu levei vários palitos e a cada sala ele dizia o número, pegava um

palito e segurava. Quando terminamos, voltamos para a sala de recursos. Ao chegar fiz a

pergunta novamente: “-Quantas salas de aula há na nossa escola?”.

O estudante disse: “-Tá aqui.” E me mostrou os palitos, eu insisti na pergunta até que

ele respondeu: “-O mesmo tanto de palitos”.

Pedi então que ele contasse os palitos. Ele fez a contagem e chegou à quantidade

correta, 11.

Para finalizar pedi que ele fizesse um desenho ilustrando a atividade. Ele desenhou

várias portas, cada uma com um número em cima.

A última atividade foi a de reproduzir uma situação do cotidiano. Para que fosse

possível realizar a atividade, convidei a estudante Mariana2, de dez anos de idade com

diagnóstico de Síndrome de Down/Deficiência Intelectual, que também é atendida pela sala

de recursos da escola. Na sala de recursos foi montada uma feirinha, com frutas, legumes,

balança, dinheiro em cédulas e moedas. Falei aos estudantes que podiam brincar na feirinha

montada na sala. Eles iniciaram a brincadeira se dando nomes diferentes, sugeridos por

Bruno, ele disse que se chamava José e que a colega se chamava Maria, eles brincaram de

comprar as frutas e legumes da feira, utilizaram o dinheiro, trocavam de papéis ora ele vendia,

ora ele comprava.

2 Nome fictício a fim de preservar a identidade.

5

Após um tempo de brincadeira houve uma conversa em que eu perguntei se eles

tinham gostado e se queriam contar sobre a brincadeira para outras pessoas, diante da resposta

afirmativa pedi a eles que desenhassem a feirinha, que se desenhassem brincando e pedi que

relatassem a brincadeira para escrevermos sobre a atividade. A partir do relato fui escrevendo

o texto deles que ficou da seguinte maneira:

A feira A Maria e o José foram à feira comprar frutas para comer e fazer suco. Na feira tinha morango, banana, abacaxi, melancia, cenoura, pepino, ervilha e tomate. Maria comprou tomate para fazer salada e pagou com dinheiro. E José pediu para cortar as frutas. Maria e José ficaram felizes com suas frutas. (Texto coletivo elaborado pelos estudantes Bruno e Mariana).

Após a leitura do texto houve o momento de propor a situação-problema que era a

seguinte: Na feira há muitas frutas e legumes. Quantas frutas e legumes há na nossa feira?

O estudante respondeu que tinha muitos. E eu perguntei: “- Mas como faz para saber

quantos tem?” E Bruno respondeu: “-Tem que contar”. Ele realizou a contagem de maneira

correta na primeira vez. Sem ter que recontar ou parar no meio da contagem e voltar ao início.

RESULTADOS PARCIAIS Foi possível chegar à conclusão de que o estudante aprendeu a contar até dez e

quantidades acima de dez, faz a correspondência termo a termo, mas ainda não faz a

sobrecontagem. Faz comparações entre quantidades e ainda tem dificuldade de registro do

algoritmo.

Foi possível comprovar o quanto as atividades com jogos auxiliam os estudantes com

necessidades educativas especiais a construir conceitos que são difíceis de ser simplesmente

explicados como a base dez do Sistema de Numeração Decimal.

Consegui concluir que essa atividade foi importante para Bruno, mas muito mais

6

importante para mim como docente. Percebi uma habilidade nele que não conhecia quando

ele me disse que tinha o mesmo “tanto” de palitos que de salas de aula, demonstrando que

conseguiu conservar e comparar quantidades.

Percebi também que ele não precisou mais ser orientado a contar, ele já tomou a

iniciativa de dizer que precisava contar para saber a quantidade.

Uma grande conquista com este trabalho foi poder mostrar à professora regente de Bruno,

que seu estudante tinha capacidade e possibilidades de aprendizagem que estavam sendo

negligenciadas. Santana (2010) descreve que a sala de aula é o espaço favorecedor de

possibilidades de aprendizagem, é o lugar em que a inclusão de fato acontece e é gratificante

proporcionar a uma colega oportunidade a esta reflexão.

O curso Alfabetização Matemática para os Alunos com Deficiência foi a comprovação de

que trabalhar dando ao estudante a oportunidade de mostrar o que sabe e o que ele necessita e

avaliar cada reação, cada gesto, cada fala para intervir no momento correto é a maneira que

podemos identificar os resultados mais consistentes. Tive a oportunidade de vivenciar com os

estudantes que atendo que o diagnóstico de deficiência/ necessidade educativa especial não

deve ser obstáculo na construção de conhecimentos sólidos em nenhum componente

curricular.

REFERENCIAL

BONFIM, Regina Andréa Fernandes. Aquisição de Conceitos Numéricos na Sala de

Recursos: relato de uma pesquisa de intervenção. 2005. Dissertação (Mestrado em Psicologia)

- Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Brasília, 2005.

FÁVERO, Maria Helena. et al. A construção da lógica do sistema numérico por uma criança

com Síndrome de Down. Revista Educar, Curitiba: Editora UFPR, Editora UFPR, n.23, p.65-

85, 2004.

Ministério da Educação (MEC)/Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política nacional

de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC, 2008.

MUNIZ, Cristiano Alberto. Mediação e Conhecimento Matemático. In: TACCA, Maria

7

Carmem. (Org). Aprendizagem e Trabalho Pedagógico. Campinas: Átomo e Alínea. p.149-

166, 2006.

SANTANA, Raquel Soares. “Olhar esticado”: a construção de códigos durante o processo de

construção do número, uma perspectiva inclusiva. X Encontro Nacional de Educação

Matemática, Salvador. 2010.


Recommended