AMAR E BRINCAR:
VIVÊNCIAS HUMANESCENTES
DE EDUCADORES INFANTIS NO AMBIENTE DE TRABALHO
Evanir de Oliveira Pinheiro
BACOR/ PPGEd /UFRN
Resumo
Trata de uma vivência ludopoiética realizada num Centro Municipal de Ensino Infantil
de Natal/RN referenciada nos princípios da Pedagogia Vivencial Humanescente
desenvolvidos pela Base de Pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR/UFRN). A
partir de aspectos fenomenológicos e metodológicos da experiência, destacamos o Saber
III Ensinar a condição humana, fundamentado no pensamento ecossistêmico indicado
por Morin e Moraes, os conceitos sobre vida e aprendizagem de Varela, Maturana e
Verden-Zölla. As etapas focalizam Corporeidade, Valores humanos e Educação. A
avaliação demonstra a pertinência do afeto e da ludicidade no desenvolvimento
humanopoiético de educadoras e crianças no cotidiano escolar.
Palavras chave: Corporeidade, Humanopoies, Ludopoiese, Afetividade, Educação,
Formação Humana
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Esse trabalho é parte integrante de nossa Pesquisa de Doutorado em
andamento, pela Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR/PPGEd/UFRN),
uma investigação de caráter colaborativo e existencial desenvolvido no período de
março de 2008 a dezembro de 2009 no Centro de Educação Infantil Marise Paiva
(CEIMAP). Trata-se de uma Instituição da Rede Municipal de Natal/RN, cuja vivência
Ludopoiética1 aqui em destaque, envolveu as Educadores Infantis de apoio (ASG), que
atuam nas atividades da merenda e da limpeza escolar, com 200 crianças de 4 a 5 anos
do turno vespertino. A experiência teve inicio em julho de 2008 e seu término em
dezembro de 2008.
O contexto da experiência
O CEIMAP, foi fundado em março de 2003, atende o ensino infantil de
crianças de 4 a 6 anos de alguns bairros da periferia da zona oeste de Natal. A mesma se
localiza numa região de alto índice de pobreza e criminalidade. Objetivo geral:
Favorecer interações de encanto e lazer entre educadoras e crianças, por meio de
experiências de caráter lúdico e afetivo. Objetivos específicos: Possibilitar o brincar
interativo entre educadoras e crianças; Proporcionar a autofruição artística e estética dos
partícipes; Provocar o sentipensar dos valores humanescentes no cotidiano de trabalho.
Descrevendo as vivências humanescentes
1ª Etapa: Sessão de lava-pés e reflexividade poética (julho/2008). Esse foi
nosso primeiro encontro com as educadoras e propomos um momento ludopoiético
especial no ambiente de trabalho, tendo o cuidar e o devaneio autorreflexivo como
ênfase principal.
Para isso, utilizamos hidratantes e óleos para os pés, preparamos uma sala
especialmente para esse fim, utilizando músicas suaves, colchonetes, almofadas e
edredons para se acomodarem deitadas enquanto eram massageadas por nós e por
colegas voluntárias.
2ª Etapa: O brincar pelo brincar no espaço escolar (Setembro/2008). O foco
foi propiciar momentos de lazer e de autofruição estética das educadoras com as
crianças por meio de um brincar espontâneo entre elas e os demais professores das salas
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de aula. Consistiu num carnaval fora de época, um momento de lazer e do brincar em
função da autofruição estética e cultural de cada sujeito.
3ª Etapa: Momento ludopoiético como autofruição estética do corpo-alma
(Dezembro/ 2008). A intenção foi criar um ambiente prazeroso de autopercepção da
sensualidade feminina dessas mulheres e reflexividade dos conceitos de beleza e
autocuidado.
A vivência como lugar natural da aprendizagem
As interações foram enriquecedoras para aprenderem valores humanos básicos
como compartilhar a solidariedade e trocar experiências cotidianas com respeito e
comunhão. Ao todo, foram seis mulheres que antes não haviam vivenciado
oportunidades de se tocarem dessa forma no cotidiano de trabalho, mesmo trabalhando
juntas há vários anos.
Como enfatiza Morin (2000), somos seres cósmicos e terrestres, temos
múltiplas necessidades, sentimos afetados pelo prazer do toque do outro, assim como,
temos uma cultura de corresponder ou nos omitir a essa interação afetiva. a vivência do
lava-pés por exemplo, causou diversas reações de paz, alegria e relaxamento nesse
grupo de mulheres, cujos pés costumam está inchados e ressecados das horas de
trabalho na limpeza e na produção da merenda escolar.
Como seres autoeco-organizativos nos afetamos emocionalmente,
apreendemos mais de nossa humanescência, quando nos permitimos ir além de nossa
condição homo sapiens, pois desde momento em diante, o grupo passou a se relacionar
com maior alegria e união, diluindo sentimentos ressentimentos e desconfianças entre
si. Essa interatividade fértil nos confirmou o que Moraes (2003) apregoa sobre o
imperativo de aprender/viver no reconhecimento de nossa subjetividade e na
compreensão de nossa condição humana.
A vivência como lugar natural do lúdico
As etapas da vivência proporcionaram sob formas diversificadas, a autofruição
lúdica tanto das educadoras, quanto das crianças, tendo em vista que favoreceu
interações de afetividade e encantamento. Especialmente na segunda etapa, as
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educadoras vivenciaram momentos de grande ternura e alegria numa festa que
realizaram entrando nas salas com pandeiros, ganzás, vestindo figurinos que arranjamos
para que criassem e vivessem momentos de lazer no ambiente de trabalho nos horários
de intervalo. Elas brincaram como nunca, entrando nas salas e “arrastando” crianças e
professoras para no pátio dançarem e brincarem um carnaval fora de época.
A vivência como lugar natural do engajamento pela reforma do
pensamento
A dialética entre prazer e criatividade que a vivência lúdica, de lazer ou de
ócio pode proporcionar, fomenta nosso processo natural de auto-eco-organização do
conhecimento de si e do mundo. Nosso sentipensar emerge com mais vitalidade, surgem
aspectos positivos da vida, posto que o [...] “prazer fornece a motivação e energia ao
processo criativo, que por sua vez, aumenta o prazer, a alegria de viver” (LOWEN,
1970, p. 219). Podemos dizer que o prazer é a base vital do ser humano e isso significa
estar cheio de vida, plenamente vivo em sua inteireza humana e espiritual.
A experiência ludopoiética que vivenciamos com as educadoras na terceira
etapa da vivência, revelou algumas de nossas básicas necessidades humanas, pois
puderam exercitar trocas de afetos e autocuidados estéticos e cosméticos com o corpo,
que atingiu intensamente suas necessidades internas de autoestima e autoternura.
Esse fluir do corpo-alma rompeu conceitos de feminilidade e beleza, provocou surpresas
deliciosas de sentirem belas e sensuais, vivas e valiosas mesmo com suas próprias
limitações. Não se viram apenas como funcionárias com obrigações de trabalho, mas,
mulheres, cidadãs especiais. Como ressalta Morin (2000, p. 61), a criação humana em
sua multimensionalidade, brota da união entre as profundezas obscuras psicoafetivas e a
chama viva da consciência.
A vivência como lugar natural da ética da solidariedade
Especialmente na terceira etapa da vivência ludopoiética, buscamos romper
com conceitos fragmentados sobre a condição da mulher e criar situações interativas de
solidariedade humana e autorreflexão ética do papel de cooperação mútua no
viver/conviver. Esse propósito nos impulsionou a investir financeiramente recursos
próprios em cosméticos e tantos outros produtos para efetivação de uma vivência que
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atendesse um momento ludopoiético das educadoras como autofruição estética do
corpo-alma.
Olhar-se no espelho e sentir-se bela, marcou essas mulheres de forma inefável.
Despertou não apenas o desejo da felicidade pessoal, o desenvolvimento de uma
personalidade humana solidária entre elas. Cada uma cuidou da outra, com dedicação e
esforço, como se compartilhassem desejos e necessidades. Não tivemos profissionais de
beleza, não apenas por falta de condições econômicas, mas pelo imperativo do exercício
de realizamos algo especial para o outro, numa dimensão ética do viver e conviver com
harmonia pessoal e social.
Avaliação da vivência
Nossa avaliação foi processada coletivamente, ao final das experiências
vividas, quando espontaneamente, cada educadora manifestava seus sentimentos e
desejos naquele momento, não apenas verbalmente, mas por meio de desenhos ou do
Jogo de Areia (cenário numa bandeja com miniaturas na areia).
Entre os depoimentos marcantes destacamos os seguintes:
Educadora Amorosa: Adorei participar desse momento, me senti muito
especial, nunca pensei que me sentiria tão bem no meu trabalho...
Educadora Alegria: Estou com mais esperança de vir trabalhar, eu andava
muito desaminada e já pensava em sair daqui,hoje não me vejo longe de minhas amigas
e dessas crianças...
Educadora Esperança: Nunca fui tão feliz trabalhando nessa escola, queria
que todas as escolas fossem assim, cheias de alegria e união, pra toda criança ser bem
atendida e os adultos serem realizados no que fazem...
Educadora Iluminada: Aprendi muito nesse trabalho, coisa que na escola eu
não estudei e que é tão necessária pra todo mundo, como respeito, comunhão e cuidado
com o outro. Por isso, me sinto tão bem aqui...
Educadora Harmonia: Eu me senti uma verdadeira rainha quando me
arrumaram toda e fizeram minhas unhas...amei retribuir esses gestos de carinho...
Educadora Ternura: As crianças percebem que estamos mudadas (risos),
hoje nem ligo de virar criança no meio delas e fazer muitas travessuras (risos).
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As narrativas das educadoras em questão evocam processos Ludopoiéticos, que
abordados por Cavalcanti (2008, p.10), expressam o jogo do corpo com a alma, uma
dinâmica emergente que traduz pulsão, [...] “energia iluminada em forma de alegria que
demonstram a ludicidade como parte integrante da corporeidade e apresenta-se como a
forma mais autêntica do corpo humano ser representado no mundo vivido”.
Ensinar a condição humana, diz respeito a um encontro consigo mesmo, um
processo de auto-organização incessante de um saber ser centrado numa visão de
autorreconhecimento de sua humanidade singular, impressa numa diversidade cultural,
interligada num constante movimento autopoiético.
O ambiente escolar como um ecossistema de interações humanas, sociais,
culturais e espirituais, necessita de vida e afeto para operar autoeco-organizações
pertinentes à qualidade de vida.
Acreditamos que o autoconhecimento crítico das potencialidades e fragilidades
de nossa condição humana pode nos religar a nossa própria essência e acionar a beleza
do jogo de nossa humanopoiese.
Referências
ASSMANN Hugo. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. 8ª edição,
Rio de Janeiro: Editora vozes, 2004.
CAVALCANTI, Kátia Brandão. CAVALCANTI, Katia Brandão. Comunicação
pessoal. Seminário de Pesquisa BACOR-PPGED/UFRN, 8 de julho de 2008a.
____.JOGO DE AREIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: DESENVOLVENDO
ABORDAGENS LUDOPOIÉTICAS PARA A EDUCAÇÃO E A PESQUISA DO
LAZER. BACOR-PPGED/UFRN – Publicado Na Revista Licere, 11(3), 2008b.
KRISHNAMURTI, Jiddu. Viagem por um mar desconhecido. Tradução Hugo
Veloso. Rio de Janeiro: Editora Três, 1973.
MATURANA, Humberto e VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos
esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.
MATURANA, Humberto & VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento. 6ª
edição, Campinas: Psy, 2007.
MORAES. Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.
MORAES. Maria Cândida & LA TORRE. Saturnino de. Sentipensar: Fundamentos e
estratégias para reencantar a educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2004.
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MORIN, Edgar.O método 5: a humanidade da humanidade. Tradução Juremir Machado
da Silva. 4ª edição, Porto Alegre: Sulina, 2007.
____. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília,
UNESCO, 2000.
WINNICOTT, D.W., O Brincar e a Realidade, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975.
Notas
1 Para entender o conceito de Atividade Ludopoiética, é preciso explicar que a Ludopoiese é uma teoria
em desenvolvimento pelos pesquisadores da BACOR, sob as orientações de Cavalcanti (2008b), que
esclarece se tratar de um fenômeno humano, que manifesta a ludicidade como sistema Autopoiético
(MATURANA & VARELA, 2007), num estado de culminância da pulsão da alegria de viver com
plenitude e beleza. Assim, atividade Ludopoiética, focaliza irradiar esta energia própria da ludicidade
humana que parte do interior do sujeito, que de forma recursiva alimenta a própria fonte e ao mesmo
tempo expande esta luminosidade da alegria de viver para o seu entorno, para todos os seres a sua volta.
Todo esse sistema constitui processos mentais, emocionais e espirituais, singulares das potencialidades
criativas de cada sujeito em busca de Experiências ótimas de fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1999; 1992).
ANEXOS
Fotografias do arquivo da autora.
1ª Etapa: Sessão de lava-pés e a reflexividade poética
2ª Etapa: Brincar por brincar no espaço escolar
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3ª Etapa: Momento ludopoiético como autofruição estética do corpo-alma
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AMAR E BRINCAR: VIVÊNCIAS HUMANESCENTES
DE EDUCADORES INFANTIS NO AMBIENTE DE TRABALHO
Evanir de Oliveira Pinheiro BACOR/ PPGEd /UFRN
INTRODUÇÃO
Trata de uma vivência ludopoiética realizada num Centro Municipal de Ensino Infantil de Natal/RN referenciada nos princípios da Pedagogia Vivencial Humanescente desenvolvidos pela Base de Pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR/UFRN). A partir de aspectos fenomenológicos e metodológicos da experiência, destacamos o Saber III Ensinar a condição humana, fundamentado no pensamento ecossistêmico indicado por Morin e Moraes, os conceitos sobre vida e aprendizagem de Varela, Maturana e Verden-Zölla
CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA
Período: março de 2008 a dezembro de 2009 Local: Centro de Educação Infantil Marise Paiva (CEIMAP) Público Alvo: Educadores Infantis de apoio - ASG (Fig 1)
Fig. 1: Educadores Infantis de apoio e crianças do CEIMAP
Objetivo geral: Favorecer interações de encanto e lazer entre educadoras e crianças, por meio de experiências de caráter lúdico e afetivo. Objetivos específicos: Possibilitar o brincar interativo entre educadoras e crianças; Proporcionar a autofruição artística e estética dos partícipes; Provocar o sentipensar dos valores humanescentes no cotidiano de trabalho.
DESCREVENDO AS VIVÊNCIAS HUMANESCENTES
1ª Etapa: Sessão de lava-pés e reflexividade poética - julho/2008 (fig.1) 2ª Etapa: O brincar pelo brincar no espaço escolar - Setembro/2008 (fig. 2) 3ª Etapa: Momento ludopoiético como autofruição estética do corpo-alma - Dezembro/ 2008 (fig. 3)
Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3
RESULTADOS E DISCUSSÕES
- A vivência como lugar natural da aprendizagem
- A vivência como lugar natural do lúdico
- A vivência como lugar natural do engajamento
pela reforma do pensamento
- A vivência como lugar natural da ética da
solidariedade
AVALIAÇÃO DA VIVÊNCIA
Nossa avaliação foi processada coletivamente, ao final das experiências vividas, quando espontaneamente, cada educadora manifestava seus sentimentos e desejos naquele momento (fig. 5 e fig. 6), não apenas verbalmente, mas por meio de desenhos ou do Jogo de Areia.
Fig 5 Fig. 6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSMANN Hugo. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. 8ª edição, Rio de Janeiro: Editora vozes, 2004. CAVALCANTI, Katia Brandão. Comunicação pessoal. Seminário de Pesquisa BACOR-PPGED/UFRN, 8 de julho de 2008a. KRISHNAMURTI, Jiddu. Viagem por um mar desconhecido. Tradução Hugo Veloso. Rio de Janeiro: Editora Três, 1973. MATURANA, Humberto e VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas
Athena, 2004. MORIN, Edgar.O método 5: a humanidade da humanidade. Tradução Juremir Machado da Silva. 4ª edição, Porto Alegre: Sulina, 2007. ____. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília,
UNESCO, 2000.