Universidade do MinhoEscola de Direito
Ana Paula Vieira Lopes Pimentel
outubro de 2015
Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à delinquência
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015
Ana Paula Vieira Lopes Pimentel
outubro de 2015
Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à delinquência
Trabalho efetuado sob a orientação do Professor Doutor Professor Doutor Mário Ferreira Monte
Dissertação de MestradoMestrado em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária)
Universidade do MinhoEscola de Direito
DECLARAÇÃO
Nome:
Ana Paula Vieira Lopes Pimentel
Endereço eletrónico:
Número do passaporte:
FI371381, República Federativa do Brasil, válido até 17/07/2018
Título da dissertação:
Mediação Penal Juvenil: Um novo paradigma de resposta à delinquência
Orientador:
Professor Doutor Mário Ferreira Monte
Ano de conclusão:
2015
Designação do Mestrado:
Mestrado em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária)
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS
PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO
INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.
Universidade do Minho, ___/___/2015
Assinatura: ___________________________________
iii
AGRADECIMENTOS
À professora e querida amiga Doutora Séfora Junqueira, que há cerca de 15 anos inspirou-me
a conhecer melhor os meios alternativos de resolução de conflitos, e que ainda hoje me orienta
nesse estudo.
Aos Doutores Silvio Masin e Anna Tantim, do Istituto Don Calabria, Verona-IT, que me
conduziram a perceber na prática o caráter transformador que a mediação penal juvenil tem nos
envolvidos, e cujo trabalho foi-me extremamente motivador.
Ao Professor Doutor Lorenzo Picotti, que em meu percurso de estudos na Università degli Studi
di Verona-IT foi muito solícito e guiou-me na iniciação da pesquisa, abrindo-me os horizontes
para a experiência da mediação penal juvenil em outros países.
Em especial, ao Professor Doutor Mário Ferreira Monte, pelo entusiasmo na matéria e
disponibilidade em orientar-me, assim como pelas suas críticas e sugestões, contributos que
foram essenciais para a elaboração e conclusão do presente estudo.
Por fim, à minha família e a todos os amigos que me acompanharam nesse percurso.
v
Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à delinquência
Resumo
A mediação é um dos meios alternativos de resolução de conflitos de crescente
abordagem nos ordenamentos jurídicos atuais, sob múltiplas formas. No específico âmbito da
justiça de menores em Portugal, apesar de sua valiosa previsão na Lei Tutelar Educativa, carece
a mesma de regulamentação própria, o que se reflete na sua escassa utilização prática.
Os modelos de intervenção estatal têm sofrido sucessivas alterações como forma a se
adequarem às novas realidades sociais. Ocorre que, sendo a pacificação social a finalidade
última do Estado, e tendo em vista a insatisfação da sociedade pela crescente criminalidade,
importa verificar se ele tem desempenhado bem sua função e quais medidas necessitam ser
implementadas para uma melhor consecução do seu mister. Para além disso, importa atentar-se
às formas extrajudiciais de solução dos conflitos, suas propostas e dificuldades, admitindo-as
como mais um meio disponível para superar os obstáculos à pacificação social, e mesmo como
sendo mais adequadas a determinados conflitos.
A sociedade ansia por justiça, e é na livre escolha entre métodos de solução de conflitos
igualmente eficazes e eficientes que ela começa a gozar do seu direito, por isso é importante
conhecer e valorizar todas as formas de acesso à justiça, considerada esta em sua aceção ampla.
Na perspetiva do direito tutelar de menores, importa reconhecer que a prioridade é a
reeducação e a reinserção social do menor, sendo o interesse geral da sociedade secundário,
pois lhes deve ser dirigida proteção especial face à vulnerabilidade que é peculiar à sua idade.
Entretanto, além dos interesses do menor infrator urge atentar para os interesses da vítima, que
têm sido tanto negligenciados pelo sistema de justiça ordinário, evitando assim sua re-
vitimização.
Propõe-se, pois, refletir sobre os efeitos da mediação penal nas expectativas
comunitárias, mas, sobretudo, no atendimento daqueles interesses. Procurar-se-á com o estudo
comparado da mediação penal juvenil nos ordenamentos jurídicos e na prática de Portugal, da
Itália e do Brasil, à luz das diretrizes internacionais que regulam os direitos da infância e
juventude, perceber suas diferentes nuances e delas extrair um pequeno contributo para
estimular, apoiar e difundir uma adequada aplicação do instituto, que merece destaque dentre
os meios extrajudiciais de solução de conflitos pela sua potencial capacidade de beneficiar
igualmente infrator e vítima, e ainda por ter reflexos na desejável obtenção da segurança
pública.
vii
Juvenile Criminal Mediation: a new paradigm of response to delinquency
Abstract
Mediation is an alternative dispute resolution means of growing approach in modern
legal systems, in multiple forms. In the specific context of juvenile justice in Portugal, despite
its valuable provision in the Educational Guardianship Law, it lacks specific regulation, which
is reflected in its scarce practical use.
The State intervention models have suffered successive amendments in order to suit the
new social realities. It is that, as the social peace is the State ultimate goal, and in view of the
dissatisfaction of society by rising crime, must ascertain whether it has played its role well and
what measures need to be implemented to better achieve its task. In addition, attention must be
given to the extra-judicial forms of conflict resolution, their proposals and difficulties,
admitting them as another means available to overcome barriers to social peace, and even as
being more appropriate to certain conflicts.
The society yearns for justice, and it is by the free choice among equally effective and
efficient conflict resolution methods that it begins to enjoy its right, so it's important to know
and appreciate all forms of access to justice, considered this in its wide meaning.
In the perspective of the guardianship of minors right, important to recognize that the
priority is the minor re-education and social reintegration, and that the general interest of the
society is secondary, because it should be addressed special protection to him in view of the
vulnerability that is peculiar to his age. However, besides the juvenile offender interests urges
pay attention to the interests of victims, which have been so neglected by the ordinary justice
system, thus preventing their re-victimization.
It is proposed, therefore, reflect on the effects of mediation in community expectations,
but above all in the answer of those interests. We seek with the comparative study of juvenile
criminal mediation in legal systems and practice of Portugal, Italy and Brazil, in the light of
international guidelines that regulate the rights of children and youth, realize their different
nuances and draw a small contribution to stimulate, support and disseminate the proper
application of the institute, noteworthy among the non-judicial means of dispute resolution for
its potential ability to benefit equally offender and victim, and yet to reflect in the desirable
achievement of public safety.
ix
Índice
Resumo ....................................................................................................................................... v
Abstract ..................................................................................................................................... vii
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13
CAPÍTULO I – Meios Alternativos de Resolução dos Conflitos ............................................ 17
1 Conflito .............................................................................................................................. 17
2 Meios de solução dos conflitos .......................................................................................... 19
2.1 Breve histórico ............................................................................................................ 19
2.2 Tutela jurisdicional e crise .......................................................................................... 22
2.3 Classificação................................................................................................................ 24
2.3.1 Distinção entre mediação e conciliação ................................................................... 25
2.4 Meios alternativos: terminologia e fundamentos ........................................................ 28
2.5 Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial .................................. 32
CAPÍTULO II – Processo Tutelar Educativo ........................................................................... 37
1 O novo Direito de Menores em Portugal e os reflexos dos diplomas jurídicos
internacionais ........................................................................................................................ 37
1.1 O Modelo vigente até o ano de 2000........................................................................... 37
1.2 Normas jurídicas internacionais de inspiração ............................................................ 40
1.3 A recente reforma do Direito de Menores ................................................................... 43
2 Finalidade jurídica ............................................................................................................. 49
CAPÍTULO III - Mediação Vítima-Agressor e os Interesses envolvidos ................................ 55
1 Aspetos Gerais ................................................................................................................... 55
2 Mediação Penal em Geral .................................................................................................. 66
2.1 Princípios ..................................................................................................................... 69
2.1.1Voluntariedade .......................................................................................................... 69
2.1.2 Confidencialidade..................................................................................................... 71
2.1.3 Imparcialidade .......................................................................................................... 72
2.1.4 Flexibilidade ............................................................................................................. 73
x
3 Mediação Penal Juvenil ..................................................................................................... 74
3.1 Aplicabilidade ............................................................................................................. 75
3.1.1 No sistema jurídico português ................................................................................. 76
3.1.2 No sistema jurídico italiano ..................................................................................... 86
3.1.3 No sistema jurídico brasileiro .................................................................................. 93
3.2 O consenso das partes ............................................................................................... 100
3.3 Dificuldades e propostas ........................................................................................... 104
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 113
Bibliografia ............................................................................................................................ 119
xi
ABREVIATURAS
ADR – Alternative Dispute Resolution
art./arts. – artigo/artigos
CDC – Convenção sobre os Direitos da Criança
cfr. - confrontar
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
coord. – coordenador
CP – Código Penal
CPC – Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
DL – Decreto-Lei
DPR – Decreto del Presidente della Reppublica
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ed./eds. – editor/editores
GRAL – Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios
IRS – Instituto de Reinserção Social
LM – Lei da Mediação
LMP – Lei da Mediação Penal
LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
LTE - Lei Tutelar Educativa
nº/nºs – número/números
ob. cit. – obra citada
ONU – Organização das Nações Unidas
org. – organizador
OTM – Organização Tutelar de Menores
p./pp. – página/páginas
p. ex. – por exemplo
ss. – seguintes
Vol. – volume
VOM – Victim-Offender Mediation
13
INTRODUÇÃO
A mediação é tema de crescente interesse em diversos países, sendo muitas as
peculiaridades do assunto e as dificuldades práticas encontradas, que em alguns pontos
coincidem e em outros são diametralmente opostos, conforme se verificará no estudo. Por outro
lado, também a administração da justiça tem merecido aguçada atenção, afinal a crise do
Judiciário tem sido frequentemente noticiada e, apesar de todas as iniciativas, o Estado
intervencionista não tem atendido às expectativas comunitárias.
O tema merece cuidada atenção a fim de que se lhe possa extrair ao máximo seu
potencial em prol de uma nova política de resolução de conflitos, que evidentemente não exclui
o Poder Judiciário, mas que a ele se soma como mais uma porta aberta à pacificação social.
Em especial, neste estudo, serão aprofundadas as iniciativas desenvolvidas na área do
direito tutelar de menores, fruto de uma mentalidade jurídica que amadureceu ao longo dos
anos, assim como um adolescente amadurece em seu percurso de vida.
Trata-se de matéria cujo estudo é multidisciplinar1 e que, por isso, tem maior dificuldade
de se estabelecer. Os entraves começam já no meio jurídico, afinal vislumbra-se uma nova
política criminal que se supõe colocar em risco a segurança jurídica e a proteção de bens
indisponíveis, pela maior valorização da vontade das partes sobre os ditames legais. Ou seria
esta uma ideologia antiquada e que já não atende aos anseios dos novos tempos?2
O pensamento moderno dominante aproxima o penal e o civil. O foco está no consenso
e na satisfação dos interesses dos envolvidos e não na demonstração de um poder “surdo” e
repressor do Estado, que impõe um comando judicial sem ao menos perceber nem atender aos
reais interesses das partes. Assim, destacam-se, neste estudo, o princípio da intervenção
mínima, a preferência pelas soluções consensuais, a tomada em consideração dos interesses
quer do infrator, quer da vítima, quer da própria sociedade, o mais possível e de forma
equilibrada.
1 O estudo dos meios consensuais de resolução de conflitos, em geral, desenvolve-se em vários ramos do direito, como o laboral, o comercial,
o consumerista, o familiar, o penal e o de menores. Para além disso, é passível de estudo por diversas ciências não jurídicas, como a psicologia,
a pedagogia, a administração de empresas, a economia, a sociologia etc., cada uma podendo e devendo contribuir para a sedimentação da
matéria e sua aplicação prática adequada.
2 A doutrina tradicional nos países de civil law estabelece que a autocomposição é limitada a direitos patrimoniais disponíveis, pelo que o
Direito Penal sempre foi área proibida. Esta ideia tem progressivamente mudado, conforme desenvolveremos melhor adiante, face à constatação
de outros interesses juridicamente relevantes. Além disso, outro entrave seria a consideração do problema da segurança pública, que se tem
agravado substancialmente nos últimos tempos, pelo que se discute se as medidas que evitam a intervenção judiciária e, em última análise, a
detenção de infratores, são suficientes e adequadas a responder às expectativas comunitárias.
14
Iniciando-se pela abordagem do conflito e das formas possíveis de lidar socialmente
com o mesmo, apresenta-se um breve histórico sobre o desenvolvimento dos meios de solução
dos conflitos ao longo dos tempos, aludindo-se à crise da tutela jurisdicional e à revisitação dos
antigos meios. Passa-se à classificação dos meios de solução dos conflitos, com especial
destaque à distinção entre conciliação e mediação, por serem dentre todos os que mais se
assemelham. Por fim, discorre-se acerca da terminologia e fundamentos dos denominados
meios alternativos, a fim de introduzir o tema da mediação, em seus aspetos gerais, destacando
então suas vantagens em relação ao processo judicial.
Em um segundo capítulo, desenvolve-se uma análise da recente reforma do direito de
menores em Portugal, com uma síntese do modelo de tutela existente até então. Após discorrer
sobre os reflexos das normas jurídicas internacionais pertinentes aos direitos da criança e do
adolescente e suas diretrizes para uma adequada reação social e judiciária à delinquência
juvenil, aduz-se ao novo panorama do direito de menores em vigor no país, destacando-se sua
finalidade jurídica.
A parte conclusiva do trabalho é iniciada com a apresentação dos aspetos gerais da
mediação vítima-agressor e os interesses envolvidos, seguindo-se ao breve estudo da mediação
penal, no âmbito geral, e dos seus princípios consagrados nas normas internacionais. Só então
adentra-se no tema principal do trabalho, nomeadamente a mediação penal juvenil, com o
delineamento dos contornos que a mesma assume em Portugal, Itália e Brasil, nomeadamente
no tocante ao enquadramento jurídico e à sua aplicabilidade nesses países, para então tratar do
problema do consenso entre as partes, detendo-se, por fim, sobre as dificuldades encontradas e
propostas para o futuro.
Não se pretende, no estudo, abordar os diferentes modelos e estruturas do processo de
mediação, tampouco as particularidades da atividade do mediador. Dar-se-á ênfase ao estudo
dos princípios e noções básicas da mediação, aplicáveis também no âmbito da mediação penal
juvenil, e seus reflexos nos próprios envolvidos.
Para cumprir o escopo proposto neste artigo, elegeu-se a pesquisa teórica, feita através
da compilação e revisão do material bibliográfico proposto. Foi feita também uma pesquisa
documental, enfocando as normativas nacionais e internacionais concernentes ao tema.
Tratando-se de matéria relativamente nova, contudo, ainda não há decisões jurisprudenciais que
sirvam de apoio a esta pesquisa.
Partindo dos resultados obtidos, espera-se identificar as más e as boas práticas de cada
país, de modo a contribuir para o desenvolvimento de um sistema de mediação penal juvenil
15
que melhor atenda aos interesses dos envolvidos e que seja conforme às diretivas normativas
gerais estabelecidas no âmbito.
17
CAPÍTULO I – Meios Alternativos de Resolução dos Conflitos
1 Conflito
A sociedade tem-se desenvolvido ao longo dos anos essencialmente sob uma perspetiva
de convivência harmónica, que decorre do desejo ínsito que cada um tem de popularmente
“viver em paz”. Entretanto, os interesses são ilimitados enquanto os bens são limitados,
surgindo inevitavelmente os conflitos de interesse que, no clássico conceito de CARNELUTTI,
são o "posicionamento antagônico de duas ou mais pessoas em face de um mesmo bem da
vida"3.
As normas de conduta social são então instituídas para ordenar a sociedade, a fim de
que os conflitos que lhe são inerentes não sejam capazes de conduzi-la ao caos. Baseiam-se em
certo grau de consenso e são reforçadas por sanções sociais, dentre elas a jurídica, que
contribuem para a prevenção ou repressão de comportamentos desviantes, assim definidos de
acordo com os padrões culturais de cada sociedade.
Mas do controle necessário das condutas humanas não decorre logicamente que os
conflitos sejam de todo negativos na realidade social. A perceção do conflito de forma positiva
é a ideia central da moderna teoria do conflito4, segundo a qual ele é um fenómeno natural nas
relações interpessoais e que acompanha o evoluir dos tempos. Para que se transforme toda a
carga negativa que lhe é peculiar em algo positivo, é necessário aplicar-lhe técnicas, intuitivas
ou teoricamente elaboradas, e conceitos direcionados. Ou seja, é resolvendo pacificamente o
conflito que se retiram dele seus aspetos positivos, dentre eles, ser o propulsor de mudanças
pessoais ou interpessoais, entendimentos, aprendizados, crescimentos etc. Nesse sentido,
importante atenção deve ser dada pelo Estado, que necessita obter a melhor política pública de
resolução de conflitos, a fim de permitir um adequado convívio social e, em última análise, sua
própria evolução e fortalecimento.
A relação do direito com o conflito foi bem explicada pelo jurista CALMON, para quem
este “é um fator pessoal, psicológico e social, que desagua no direito apenas por opção política
3 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema di Diritto Processuale Civile, t. I, p. 44, apud PETRONIO CALMON, Fundamentos da Mediação e
da Conciliação, p. 17.
4 Nesse sentido, vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, p. 29; CHRISTOPHER W. MOORE, O
Processo de Mediação: Estratégias práticas para a resolução de conflitos, p. 5 e ss.; MARIA DE NAZARETH SERPA, Teoria e Prática da
Mediação de Conflitos, p. 13 e ss; e, ROBERT A. BARUCH BUSH and JOSEPH P. FOLGER, Changing People, not just Situations: A
transformative view of conflict and mediation, in MENKEL-MEADOW, Carrie (ed.), Mediation: theory, policy and practice, p. 73 e ss.
18
da organização social, variando essa intervenção do Estado conforme variam todos os demais
fatores históricos, políticos e geográficos”5. Assim, a extensão e a forma de regulamentação
jurídica dos diversos tipos de conflitos e dos meios dispostos à sua solução podem variar
bastante de um ordenamento jurídico a outro.
Naturalmente nem todo conflito de interesses necessita da intervenção do Estado, ou
mesmo de uma terceira pessoa, para que se resolva. Há conflitos em que um dos interessados
se conforma com a sua insatisfação, outras em que ele age de modo a obter o bem que lhe
interessa, exercendo, então, a pretensão. Neste caso, ele pode satisfazer seu interesse
pacificamente, sem encontrar resistência; ambos os interessados podem fazer concessões
recíprocas; ou, de outro modo, o conflito de interesses pode ser qualificado por uma pretensão
resistida ou contestada, a lide6, quando finalmente será relevante para o direito7.
Especificamente no âmbito penal, fala-se do conflito do agente com os valores essenciais da
comunidade revelado pelo cometimento do crime, sendo apenas nestes moldes que o conflito
interessará ao direito.8
A doutrina tem utilizado ainda as definições lide processual e lide sociológica para
distinguir aquilo que é levado ao conhecimento do Poder Judiciário daquilo que é
essencialmente o interesse das partes. Resolver a lide sociológica é o propósito ideal, pois se
constitui em resolver integralmente o conflito, evitando que ele se perpetue ou que a
insatisfação se reflita em novos e futuros conflitos.
5 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 16.
6 Conceito de lide na clássica conceção de FRANCESCO CARNELUTTI, Instituciones del Proceso Civil, p. 28. Importante destacar que a
doutrina diverge quanto à existência da lide em processo penal. O próprio autor entendeu que há pretensão penal ou punitiva, pois há o interesse
à liberdade por parte do acusado e o interesse público contrário, que é o interesse à atuação da sanção. Entretanto, ao desenvolver seu
pensamento, concluiu que o conteúdo do processo penal é mais um negócio que uma lide (ob. cit., pp. 55 e ss.), não tendo este pensamento
sido aceito facilmente no meio jurídico. Não se pretende, contudo, conduzir a uma consideração conclusiva do assunto, posto que não interessa
propriamente ao estudo, como se demonstrará a seguir.
7 FRANCESCO CARNELUTTI, ob. cit., p. 25, alerta para o erro da supervalorização do processo contencioso, na medida em que o processo
voluntário ficou à sua sombra. Por outro lado, para além da “formalização” do conflito, gerada pela sua apresentação ao Judiciário com a
expectativa de obter a solução do problema, evidencia-se que o direito representa a “gestão formalizada dos conflitos”, nas palavras de GRAZIA
MANNOZZI, La Giustizia senza Spada: Uno studio comparato su giustizia riparativa e mediazione penale, p. 10; não é entretanto o único
meio.
8 Neste sentido vide CLÁUDIA CRUZ SANTOS, A Justiça Restaurativa: Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal: Porquê,
para quê e como?, pp. 467/469, que dá a esse conflito a denominação de macro-conflito, aduzindo ainda para a existência de outro conflito,
originado pela “violação de interesses legítimos da vítima por força de uma conduta ilícita de um agente que persegue os seus próprios
interesses”, denominando-o micro-conflito. Este conflito não foi totalmente desconsiderado pelo direito penal, que atribui ao ofendido a
qualidade de assistente no processo ou legitima o seu direito ao pedido de indemnização cível. Entretanto, a tutela dos interesses do ofendido
não costuma surgir como finalidade autónoma, sendo este conflito objeto de atenção pela justiça restaurativa, cujos fundamentos serão melhor
delineados no terceiro capítulo. É com estes fundamentos que a autora considera que o Estado não se apropriou dos conflitos entre particulares,
porque o que lhe interessa é o macro-conflito.
19
Especialmente destinados ao diálogo para a busca do consenso, os processos nos quais
as próprias partes buscam o entendimento da solução que lhes parece mais satisfatória, são o
meio de solução de conflitos que oferece o ambiente e as ferramentas adequadas para que
mesmo os conflitos latentes possam vir à tona e encontrem espaço para acolhida e
transformação, contribuindo exemplarmente para a resolução integral dos conflitos e, em última
análise, para a harmonização e bem-estar da sociedade.
A ideia será aprofundada a seguir, quando se discorrerá sobre os meios de solução de
conflitos de forma sistematizada, a fim de melhor compreender suas ferramentas específicas
para solução dos diversos conflitos.
2 Meios de solução dos conflitos
2.1 Breve histórico
As sociedades primitivas, diante dos conflitos de interesses desde sempre existentes,
utilizavam-se notoriamente da força, em razão da natureza humana de fazer prevalecer seu
interesse em prejuízo do mais fraco. Com sua evolução, o diálogo foi ganhando mais espaço, e
os conflitos passam a ser resolvidos também através do consenso. Força e consenso são meios
opostos que coexistiram por milhares de anos.
Dentre os meios consensuais, cujo estudo será melhor aprofundado em momento
posterior, sabe-se que a mediação existia sob múltiplas formas: “A palavra já era inscrita em
placas de argila suméria, cerca de 4000 anos atrás. A função do mediador permitia, naquela
época, reconectar o humano ao divino” (tradução nossa)9. Ainda na Antiguidade encontram-se
registros da arbitrium boni viri e do arbitrium ex compromisso, procedimentos que eram
conduzidos pelos árbitros10 e que se aproximam ligeiramente à arbitragem em sua configuração
actual, ou seja, meio de imposição da solução compositiva por um terceiro imparcial.
Note-se que os meios de solução dos conflitos evoluíram conforme os direitos atribuídos
ao indivíduo e as diferentes formas de conflitos surgidas em cada contexto histórico, político e
cultural. Assim, ainda que se tenham de alguns deles registros antigos, sua formatação não
permaneceu sempre a mesma.
9 JACQUELINE MORINEAU, Il Mediatore dell’Anima, p. 79. Para aprofundar a história da prática da mediação, vide CHRISTOPHER W.
MOORE, ob. cit., p. 32 e ss.
10 Vide CLARA CALHEIROS, Breves Reflexões sobre os Atuais Discursos em torno da Mediação, in MÁRIO FERREIRA MONTE et al.
(comis. org.), Estudos em Comemoração dos 20 Anos da Escola de Direito da Universidade do Minho, pp. 149-150.
20
Com o advento da organização social, corporificada no Estado, a utilização da força foi
banida como forma de resolução dos conflitos entre os homens, permitindo-se raras exceções,
e ele assumiu o poder de dizer o direito em cada caso concreto, de maneira autoritária. Da
justiça privada passou-se então à jurisdição estatal, que surgiu como o meio institucional de
solução das controvérsias, sendo fruto da crescente intervenção do Estado nas atividades
sociais11.
Não se podia falar ainda em uma nova ordem democrática e igualitária, pois àquele
tempo o Estado não assegurava um procedimento em contraditório e fundado em garantias, o
que apenas perpetuava as injustiças, ainda que sob o manto da legalidade e da legitimidade. Foi
apenas com a instituição do Estado de Direito democrático que surgiu a jurisdição estatal nos
moldes atuais, trazendo consigo a segurança jurídica a que a sociedade tanto ansiava e a
esperança de melhores tempos.
Tendo recebido confiança da sociedade, assumiu o Judiciário a responsabilidade por
dirimir a quase totalidade dos conflitos. Entretanto, conforme se demonstrará, ao longo dos
anos os problemas de ordem prática vieram à tona e iniciou-se a revisitação dos antigos meios
alternativos de solução dos conflitos, desta vez com carácter formal e com métodos novos
(conjunto de técnicas) que, além de aplicados intuitivamente conforme as específicas
necessidades do caso concreto, têm sido desenvolvidos por estudiosos especializados para
atender aos diferentes tipos de conflitos da forma adequada e, assim, obter resultados mais
satisfatórios.
É que historicamente os meios consensuais eram aplicados intuitivamente e, quanto à
mediação, em razão dos resultados positivos de algumas iniciativas nos Estados Unidos, a partir
de meados do século XX, pouco a pouco foi sendo substituída por uma “mediação técnica”,
com a utilização de estudos multidisciplinares que a embasaram12. Destaca-se contudo que,
ainda que tenha ressurgido sob essa nova configuração, a mediação continua a ser um processo
menos formal que o processo judicial.
Esse novo panorama surgiu nos Estados Unidos, nas décadas de 60 a 70, com um
movimento abreviadamente classificado por ADR (Alternative Dispute Resolution, ou mais
11 GRAZIA MANNOZZI, ob.cit., p. 14, aduz que o modificar-se das estruturas sociais e económicas conduziu as pessoas a um contato
interpessoal cada vez maior, aumentando em consequência a conflituosidade. A ordem negociada foi então substituída pela ordem imposta, a
fim de manter a paz social.
12 Vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO, La Mediación en Brasil, in JUAN ENRIQUE VARGAS VIANCA e FRANCISCO JAVIER
GORJÓN GOMEZ (coord.), Arbitraje y Mediación en las Americas, p. 80.
21
recentemente, Amicable Dispute Resolution), expressão que se refere a todos os processos de
resolução de disputas sem intervenção de autoridade judicial. Sua origem relaciona-se a outro
movimento baseado no livre e amplo acesso à justiça, entendido este como a possibilidade de
aceder a um meio qualquer que seja capaz e adequado à solução de um conflito13.
É que o denominado movimento de amplo acesso à justiça trouxe dois grandes enfoques,
um foi a necessidade de simplificação do processo tradicional, no qual o Estado exercita a
jurisdição, e o outro ligava-se ao reavivamento dos meios alternativos de resolução dos
conflitos, de forma a democratizar a tomada de decisões e incentivar processos mais
participativos.
A ideia dos ADR foi acolhida posteriormente na Europa, tendo a União Europeia
registado em vários textos jurídicos e propostas comunitárias, conforme se demonstrará no
próximo capítulo, a intenção de fomentar esses meios, incentivando os Estados-Membros a
adoptarem-nos em seus ordenamentos jurídicos14. Atualmente são inúmeros os países que
estabelecem regras procedimentais e desenvolvem uma política de apoio e incentivo aos meios
alternativos, cada um com sua configuração particular e maior ou menor desenvolvimento do
tema.
Em Portugal, os meios de resolução alternativa dos conflitos têm sido desenvolvidos e
impulsionados pelo poder público. Já no século XIX os Julgados de Paz desempenhavam
função conciliatória15, mais tarde criaram-se os centros de arbitragem e hoje há um grande
interesse sobre os sistemas de mediação16. Entretanto, muitos ainda são os obstáculos a superar
para sua consolidação e maior aplicação prática, especialmente no específico âmbito do direito
de menores.
13 Para aprofundar o assunto, vide MARIA DE NAZARETH SERPA, ob. cit., p. 76 e ss.; ANGELA MENDONÇA, A Mediação e a Arbitragem
no Mundo Contemporâneo, pp. 7/11; LÚCIA DIAS VARGAS, Julgados de Paz e Mediação: Uma Nova Face da Justiça, p. 42; e, ANDRÉ
GOMMA DE AZEVEDO, ob. cit., p. 77. Destaca este autor a proposta inovadora à época do Multidoor Courthouse, de autoria do professor
Frank Sander, que estabelecia a necessidade de uma variedade de processos de resolução de disputas conforme as características específicas
de cada conflito, e assim trazendo ao foco os meios consensuais de resolução de conflitos.
14 LÚCIA DIAS VARGAS, ob. cit., pp. 43-44; e, CLARA CALHEIROS, ob. cit., pp. 147-148, aduzem à crise económica na Europa como um
fator de relevante importância para o desenvolvimento dos meios alternativos de resolução de conflitos.
15 Vide J. O. CARDONA FERREIRA, Justiça de Paz – Julgados de Paz: Abordagem numa perspectiva de justiça/ ética/ paz/ sistemas/
historicidade, p. 47. 16 “O desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios em Portugal é um facto incontestável. Os diversos Governos, desde os
anos 90, em particular desde o início do milénio, têm investido na criação de centros de arbitragem institucionalizada (essencialmente na área
do direito do consumo, mas também no direito administrativo, na propriedade industrial e na acção executiva), na instalação de Julgados de
Paz (em 2011 existiam já cerca de 20) e na implementação de serviços de mediação (laboral, familiar e penal)”. In MARIANA FRANÇA
GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, p. 13.
22
2.2 Tutela jurisdicional e crise
A sociedade moderna, caracterizada por sua complexidade crescente, tende a atribuir ao
Estado a resolução de toda uma nova gama de conflitos advindos das suas relações. Em geral,
isso se deve ao fato de se creditar a ele a responsabilidade, imparcialidade e especialidade
necessárias para encontrar a solução adequada. Para além disso, o próprio Estado estabelece
que, não havendo solução pacífica, deve-se buscar a satisfação do direito nos moldes
estabelecidos em lei, prevendo como meio ordinário a tutela jurisdicional.
Em que pese esta tendência, é importante frisar que a tutela jurisdicional não é o único
meio previsto de pôr fim ao conflito e deve ser visto mesmo como ultima ratio17, ou seja,
quando as outras possibilidades legítimas não tenham sido desenvolvidas com êxito.
Sendo o meio adversarial de composição de conflitos que atribui às partes diversas
garantias processuais e um rito bastante predefinido legalmente, o processo judicial acaba por
dar-lhes maior segurança jurídica. Entretanto, para poder atribuir às partes essas garantias,
requer um tempo considerável para desenvolver-se, o que, ao final, pode ser bastante
desvantajoso para uma delas ou para ambas. Essas delongas processuais são alvo de bastantes
estudos que buscam solucionar o problema, afinal "a justiça atrasada não é justiça, senão
injustiça qualificada e manifesta", já dizia o ilustre jurista RUI BARBOSA, no início do século
XX.
A demora no encerramento do processo traz duas outras consequências desvantajosas,
que são o custo crescente e o acúmulo de processos nos gabinetes dos juízes. É um ciclo que
parece não ter fim e os juristas buscam meios de tornar a justiça mais célere e eficiente para que
possa propiciar uma tutela satisfatória aos interesses juridicamente protegidos.
Não só do ponto de vista dos cidadãos percebem-se os inconvenientes, também do ponto
de vista do Estado é notório que o custo despendido para a administração da justiça é excessivo,
considerando-se que não está a desempenhar satisfatoriamente seu papel. Diversas são as
propostas dos estudiosos a fim de mudar esse cenário, desde a modernização do aparelhamento
17 Salvo as hipóteses em que pela natureza da relação material ou por exigência legal o provimento jurisdicional se torne necessário, conforme
alerta ELPÍDIO DONIZETTI, Curso Didático de Direito Processual Civil, p. 27. Oportuno lembrar ainda que, assim como os meios
alternativos, a tutela jurisdicional não é adequada a solucionar todos os tipos de conflito, pois há aqueles que melhor são solucionados através
de um sistema menos formal, com menor publicidade, mais célere e aberto ao diálogo. O tema será aprofundado no tópico 4, Meios
Alternativos: Terminologia e Fundamentos.
23
tecnológico, capacitação dos juízes e servidores, criação de novos cargos e de mecanismos
processuais mais céleres etc.
A intencionalidade última do direito é a realização da justiça, mas o Judiciário está
evidentemente em crise. As diversas iniciativas para combater os obstáculos de acesso à
justiça18, a demanda excessiva, a morosidade, e muitas vezes a decorrente inutilidade das
decisões judiciais, não se mostram suficientes para a prestação de um serviço de qualidade, ou
seja, de um serviço eficaz e eficiente.
O desafio está lançado. A sociedade clama por justiça e o Estado, com razão, já não
permite que se busque através da força o que cada um entende ser seu por direito. Por outro
lado, já não é capaz de responder satisfatoriamente à demanda e às necessidades específicas de
todos os conflitos.
A ideia de acesso à justiça, como visto, já não se confunde com acesso ao Judiciário,
mas compreende a efetiva e justa composição dos conflitos de interesses, seja pelo Judiciário,
seja por forma alternativa, devendo ser incentivada e facilitada a utilização de todos os meios
legítimos de pacificação social, especialmente aqueles que conduzam ao atendimento dos reais
interesses das partes e que estimulem sua participação construtiva no processo. Assim, ainda
que para determinados conflitos o processo judicial seja um caminho adequado, existem outros
que podem ser igualmente ou até mais adequados à solução de determinados conflitos, pelo que
devem ser colocados à disposição da sociedade, para sua livre escolha.
Em meio à descrença no sistema de justiça, surge a necessidade de olhar além do
Judiciário e defender um Estado menos intervencionista (intervenção mínima), mas a ideia
também é carregada de uma desconfiança geral acerca do “novo”, do “desconhecido”, daquilo
que se opõe a um modelo já arraigado, mesmo evidenciando-se seu descompasso com as
realidades atuais. Mas para além dessa proposta, o que se impõe incentivar é que a sociedade
contemporânea, cuja vida está cada vez mais agitada e por isso é menos voltada ao diálogo,
resolva de modo mais consensual e amigável seus próprios conflitos, e assim alcance ela mesma
o que considera ser a solução mais justa para seus conflitos, independentemente das estritas
atribuições legais de direito.
Reportando-se à Antiguidade, viu-se que os meios utilizados para a consecução dos
interesses baseavam-se na força do mais forte ou no consenso, o que com o passar dos tempos
18 Vide ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, Juizados Especiais: A nova mediação paraprocessual, pp. 36/39; e, PETRONIO CALMON,
Fundamentos da Mediação e da Conciliação, p. 3, que tratam dos diversos obstáculos de acesso à Justiça dentro do Judiciário, cuja natureza
pode ser económica, cultural, social, política ou jurídica, pelo que é necessário envidar esforços e contributos de diversas áreas para consecução
dos fins almejados.
24
mostrou-se inadequado e insuficiente, afinal, evoluindo a sociedade e a gama de conflitos que
lhe é peculiar, deve evoluir a resposta ao problema. Hodiernamente, a sociedade tem à sua
disposição a jurisdição estatal e os mecanismos denominados alternativos, elaborados com
técnicas aperfeiçoadas e uma regulamentação jurídica de crescente amplitude, para que o acesso
à justiça se torne cada vez mais um direito palpável, não uma mera utopia. Mas para fazer uma
livre escolha é imprescindível que todos sejam aplicados adequadamente e que seja dado à
sociedade amplo conhecimento de suas peculiaridades, a fim de que possa perceber o método
mais adequado aos seus interesses em conflito.
Iniciar-se-á uma breve exposição da classificação dos meios de solução dos conflitos, a
fim de introduzir de forma mais esclarecida o tema da mediação, como meio de acesso à justiça,
ou a uma justa solução, alternativo à justiça tradicional.
2.3 Classificação
Os meios de solução dos conflitos podem ser classificados em: autotutela,
autocomposição e heterocomposição.
Autotutela significa o uso da força ou de subterfúgios por uma das partes para submeter
o interesse do outro ao seu próprio. É também chamada “autodefesa” ou “vingança privada”.
Naturalmente utilizada desde os primórdios da humanidade, e sendo baseada em disparidade
de armas, a mesma foi banida com a organização do Estado, que tomou para si o poder de
decidir a quem cabia o direito. Entretanto, há raras hipóteses legais, previstas nos diversos
ordenamentos jurídicos, em que a mesma pode ser utilizada, a mais conhecida delas é no âmbito
penal, a legítima defesa.
A autocomposição é, entre todos, o único modelo pacífico e consensual, no qual
predomina a vontade consentida quer sobre a força de um dos envolvidos quer sobre a norma
jurídica positiva. Baseia-se na capacidade que as partes têm de por si sós, ou com o auxílio de
um terceiro imparcial, encontrarem soluções consensuais para os conflitos entre elas. Ou seja,
a autocomposição pode ser direta, como na negociação, ou indirecta, também chamada de
assistida, como na conciliação e na mediação19. Outras formas há de autocomposição,
entretanto podem ser consideradas como formas híbridas das acima denominadas.
19 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 26, explica que a classificação exposta é a comumente utilizada pelos autores latino-americanos, sob a
influência do mexicano Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. Entretanto, há quem entenda que mediação e conciliação são formas de
heterocomposição por causa da participação do terceiro, ainda que reconheçam que o mesmo não tem o poder de decidir, apenas auxiliando as
25
A negociação é o mais natural e habitual meio de solução dos conflitos, cujas técnicas
servem de base para todos os meios consensuais de resolução de conflitos. Entretanto, algumas
vezes as pessoas não são capazes de por si sós chegarem a um acordo, seja por problemas de
comunicação, por questões emocionais, perceção parcial do problema, dentre tantos outros
motivos. É nesses casos que o auxílio do terceiro tem um contributo essencial, pela utilização
de técnicas apropriadas para facilitar a aproximação das partes para a realização do consenso.
A heterocomposição, por fim, ocorre quando uma terceira pessoa imparcial é a
responsável por determinar a solução para um determinado conflito, impondo imperativamente
sua decisão, razão pela qual as partes perdem o controlo sobre o resultado. O interventor pode
ser escolhido pelas próprias partes (como ocorre com o árbitro, na arbitragem), ou determinado
conforme critérios legais (exemplo do juiz, na tutela jurisdicional).
A intervenção judicial tem uma característica peculiar, que lhe difere dos demais meios,
pois sendo o juiz uma autoridade institucionalizada e reconhecida socialmente, sua intervenção
no conflito representa o deslocamento do processo de resolução do domínio privado para o
público.
Os meios alternativos de resolução dos conflitos, aqui se incluindo os autocompositivos
e o heterocompositivo na modalidade arbitragem, conforme já exposto anteriormente, são
encontrados informalmente na sociedade, desde datas longínquas, ainda que sob outras
configurações. Todos estes meios privados sempre tiveram o escopo de restauração da paz
social, assim como a intervenção judicial, e sua “retomada” nos tempos atuais vem a colaborar
com esse mister assumido pelo Estado.
Em todo caso, ambas as formas autocompositiva e heterocompositiva de solução de
conflitos são compatíveis entre si, sendo apenas distintas e, nesse sentido, podem colaborar
melhor para a realização dos diferentes interesses em conflito. Nesse sentido, merecem ser
objeto de estudo específico para que deles se extraiam amplas vantagens práticas e sejam
minimizadas as dificuldades que lhes são peculiares.
2.3.1 Distinção entre mediação e conciliação
Dentre os mecanismos de resolução alternativa de conflitos, os que mais se assemelham
e por isso tendem a causar confusão entre si são a mediação e a conciliação, por isso a
partes à chegada do consenso. Há ainda quem entenda que elas ocupem uma posição intermédia entre a autocomposição e a heterocomposição,
como o professor WLADMIR BRITO, que lhes atribui uma natureza mista, in WLADMIR BRITO, Teoria Geral do Processo, pp. 14/38.
26
necessidade de se estabelecerem aqui seus conceitos e uma distinção básica entre os mesmos.
É que, em ambos, as partes chegam a um consenso mediante o auxílio de um terceiro, mas há
aspetos metodológicos que lhes diferenciam e é importante para o estudo ressaltá-los.
Destaca-se, inicialmente, que os conceitos de mediação e conciliação não são uniformes
em todos os países, mesmo os autores conacionais divergem entre si, o que dificulta uma maior
coerência metodológica a nível de estudos comparados e o estabelecimento de critérios claros
de distinção e de diretrizes gerais para sua utilização prática20. De fato, os conceitos que aqui
serão propostos ligam-se a uma ideia mais atual desses mecanismos, ligeiramente distinta
daquela apresentada pelo modelo anglo-saxónico, na origem do movimento dos ADR,
marcadamente negocial.
A começar pelo conceito de conciliação, tem-se, em geral, que é o mecanismo
consensual em que um terceiro imparcial, o conciliador, ajuda, orienta e facilita a composição
de um acordo de vontades entre as partes, podendo inclusive sugerir e formular propostas,
estando as mesmas livres de aceitá-las ou não.
A mediação, por sua vez, é o mecanismo consensual em que um terceiro neutro e
imparcial, chamado mediador, ou mesmo um grupo deles, auxilia as partes a chegarem a um
consenso, desempenhando uma escuta ativa de forma a guiá-las a que descubram por si sós as
raízes do conflito e a que alcancem, através do diálogo, o entendimento da solução que lhes
satisfaça reciprocamente seus interesses ou necessidades.
Quanto à pluralidade de mediadores em um mesmo processo de mediação, a doutrina
elenca algumas vantagens21, como: a) permitir que as habilidades e experiência de dois ou mais
mediadores contribuam mais fortemente para a resolução do conflito; b) oferecer mediadores
com perfis culturais ou géneros distintos, de modo que as partes sintam menor probabilidade
de parcialidade e interpretações tendenciosas por parte dos facilitadores; c) viabilizar o
treinamento supervisionado de mediadores aprendizes. Entretanto, ao menos nas mediações
penais, considera-se que deve haver certa limitação do número de pessoas no processo, a fim
de preservar um ambiente intimista e reservado que permita às partes expor seus interesses mais
profundos e assim libertar-se da carga emotiva negativa para alcançar um novo estado de
espírito.
20 Segundo ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, ob. cit., p. 232, na França, na Espanha, na Colômbia, entre outros países, não há qualquer
distinção entre conciliação e mediação. E a recente proposta de mediação dentro do processo judicial, no Brasil, tem aproximado ambos os
conceitos também neste país.
21 Nesse sentido ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), ob. cit., p. 47.
27
Dentre os pontos de distinção, extraídos já dos seus conceitos, tem-se que os métodos
são diferentes, pois na conciliação a participação do terceiro, chamado conciliador, é mais
interventiva, permitindo-se que emita sua opinião e proponha às partes os termos do acordo,
ainda que naturalmente elas não estejam obrigadas a aceitá-lo, afinal trata-se sempre de um
processo consensual. Na mediação, por outro lado, o mediador dirige a mediação identificando
os pontos controvertidos e facilitando a comunicação entre as partes, mas não aconselha ou
propõe termos do acordo.
Conforme destaca a maior parte dos juristas, distinguem-se ainda os vínculos, pois a
conciliação trata-se de atividade que é praticada diretamente pelo juiz ou por pessoa que faça
parte da estrutura judiciária organizada para este fim. Já na mediação, em que pese divergência
de opiniões quanto à sua relação com o Judiciário, tem-se em geral que este não detém qualquer
controle sobre o procedimento, realizando-se este fora do âmbito da organização judiciária,
ainda que se possam desenvolver estruturas parajudiciais destinadas à mediação. Mesmo nestas,
é pacífica a ideia de que a mediação é atividade privada e livre de qualquer vínculo com
qualquer dos Poderes.
A estruturação da atividade da mediação, por sua vez, pode ser efetuada por diversas
formas, devido à sua peculiar flexibilidade, ou seja, pode ser desenvolvida em uma estrutura
privada ou dentro de um sistema público, pode ser ainda um exercício individual, por
profissionais ou voluntários, ou um exercício institucional, sendo este o modelo que tem tido
grande crescimento atualmente. Seja nas instituições públicas ou privadas, as vantagens são
acrescidas, pois elas oferecem o serviço de mediação dentro de um sistema organizado e
estruturado, sob um padrão de qualidade mínimo e com um quadro de mediadores devidamente
especializados, o que acaba por trazer maior segurança às partes.
Em seu ponto distintivo mais importante, nota-se que o foco da conciliação é o acordo,
enquanto na mediação é o conflito, sendo o acordo uma mera consequência. Na conciliação não
se resolvem problemas de fundo, apenas se procura um acordo satisfatório baseado numa
apresentação breve e superficial do conflito de interesses. É, assim, adequada aos conflitos de
carácter eminentemente material ou decorrentes de situações circunstanciais, em que não há
qualquer vínculo entre as partes, e é considerada um processo mais célere, pois geralmente só
é necessário um encontro entre as partes e o conciliador. Na mediação, por outro lado,
sobressaem-se o incentivo ao diálogo, o reconhecimento mútuo de interesses, a capacitação das
partes de por si sós chegarem a uma solução e, consequentemente, sua maior adesão e
responsabilidade na realização daquilo a que livremente se propuseram, daí seu carácter
28
pedagógico. Enfim, na mediação fortalecem-se a comunicação, ou a viabiliza nos casos em que
era inexistente, e os próprios envolvidos, “restituindo aos protagonistas não só o direito mas
também a capacidade de participar em um processo de transformação”22.
Nesse espírito é mais fácil perceber que a autocomposição, e mais especialmente a
mediação, pode levar a um resultado ganha-ganha, em que ambas as partes sentem atendidos
seus anseios, e podem seguir em frente minimamente transformados, conscientes da sua
participação construtiva na sociedade. Este é o modelo proposto por MORINEAU, que
participou ativamente da introdução da mediação penal juvenil na França e é conhecida por
solucionar cerca de 80% dos conflitos judiciais encaminhados pela Procuradoria da República
de Paris23. Assim, esse modelo consensual por excelência também contribui para a prevenção
de futuros conflitos, já que o carácter pedagógico do encontro ajuda as partes a refletirem sobre
novas e adequadas formas de conformarem seus interesses. É o modelo ideal para resolução
dos conflitos que envolvem relações jurídicas de carácter continuado, como as familiares e as
de vizinhança, ou naquelas em que seu carácter pedagógico é primordial, como nos casos de
delinquência juvenil, a exemplo das experiências exitosas acima citadas24.
2.4 Meios alternativos: terminologia e fundamentos
Sendo os conflitos de interesse inerentes à sociedade, importante se torna encontrar os
meios adequados à solução de cada um deles. A denominação “meios alternativos de resolução
de conflitos” vem à tona como uma nova modalidade de instrumentos colocados à disposição
da sociedade para a resolução de seus conflitos em alternativa ao meio ordinário, a jurisdição
estatal, consagrado desde a formação do Estado e da proibição da autotutela. Diversas críticas
22 JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 78. A especialista em mediação explica que a transformação ocorre quando as partes saem da sua
confusão para ter um novo olhar sobre a própria vida, e assim vivem melhor consigo mesmas e com os outros. Outros autores também destacam
essa característica da mediação, cuja finalidade vai além da solução do conflito. ROBERT A. BARUCH BUSH e JOSEPH P. FOLGER, ob.
cit., p. 76, p. ex., aduzem que na mediação transformadora o sucesso é alcançado quando as partes, como pessoas, são mudadas para melhor,
até certo ponto, em razão do que ocorreu no processo de mediação.
23 “Especialmente no âmbito penal percebe-se que os métodos mais conhecidos de resolução alternativa de conflitos, de origem normalmente
anglo-americana e caracterizados por uma abordagem negocial e conciliativa do conflito não conseguem atender adequadamente ao grito do
sofrimento. Serve um novo estilo que deixe pleno espaço à manifestação das emoções […].” (tradução nossa), in JACQUELINE MORINEAU,
ob. cit., p. 13.
24 Há outros modelos de mediação que podem ser adequados a outros conflitos, como o Modelo Tradicional de Harvard, que se centra no
acordo, não se preocupando com as relações existentes entre as partes nem com a transformação das mesmas. Assim, poderia ser mais adequado
a conflitos na área empresarial. Sobre o assunto vide JUAN CARLOS VEZZULLA, Qué mediador soy yo? Disponível on line em:
http://imap.pt/artigo/mediacaodeconflitos/que-mediador-soy-yo/3/. Acesso em 07/08/2015.
29
são entretanto feitas à terminologia, já que historicamente, como visto, os meios de
autocomposição precedem à organização da justiça25.
Outra crítica que se faz é sobre a alternatividade, pois alguns doutrinadores entendem
que isso implicaria a exclusão do acesso à justiça através do Judiciário, pois o termo
“alternativo” pode ser interpretado como pretendendo uma substituição da via judicial26.
Entretanto, a relação que se estabelece é de adequação e complementariedade, ou seja, os meios
alternativos são mais um meio disponível para aceder a uma solução justa. E a tutela
jurisdicional será sempre acessível quando necessária, por exemplo, em caso de opção por
meios alternativos que resultem em êxito negativo.
O acesso amplo à justiça, direito consagrado nos diversos ordenamentos jurídicos dos
Estados de Direito democráticos, é o enfoque atual, não mais a tutela judiciária. Nas palavras
de CALMON, é necessário “oferecer o serviço justiça da forma mais ampla possível, com a
utilização dos diversos mecanismos desenvolvidos para esta finalidade”27. Afinal têm entendido
os doutrinadores que a satisfação das pretensões jurídicas já não cabe dentro dos limites das
paredes do Judiciário, sendo possível atendê-la por outros meios legítimos e sob a tutela do
Estado, que se deve incumbir de lhes criar uma política nacional de incentivo e propiciar os
alicerces para que estes possam atuar a contento, afinal é interesse e dever do Estado a
pacificação social.
Para se obter aquilo que é justo, passa-se pela ideia de que é necessário percorrer o
caminho adequado. Nesse sentido, os meios alternativos surgem como uma forma de ampliar
os meios à disposição da sociedade para que seus conflitos tenham um desfecho apropriado,
ampliando inclusive a possibilidade de resolução integral do conflito.
É que a decisão no processo judicial tem alcance limitado, visto que recai sobre a lide,
ou seja, o conflito de interesses juridicamente tutelado, nos moldes em que o conflito é descrito
e apresentado em juízo28. Sendo assim, os conflitos de interesses que não sejam juridicamente
tutelados sequer podem ser conhecidos no processo judicial e, portanto, não têm espaço para
25 A terminologia justiça é colocada aqui como a instituição administrada pelo Estado para exercer a jurisdição, ou seja, dizer o direito aplicável
em cada caso concreto.
26 Para evitar possíveis distorções sobre os fins dos meios alternativos de resolução de conflitos, alguns autores sugerem a substituição do termo
por outros, como “Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos (MERC)” ou Adequate Dispute Resolution (ADR).
27 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 3.
28 “A ideia de que o conflito possa ter uma dimensão mais ampla que a controvérsia e a percepção de que no processo possa emergir somente
uma parte de toda a situação conflitual que tem como protagonistas as partes parece poder-se extrair já do conceito de ‘lide’ proposto e utilizado
por Carnelutti, o qual definiu a lide como ‘o conflito de interesses regulado pelo direito’ (CARNELUTTI, Lezioni di diritto processuale civile,
Padova, 1926, rist. 1986, vol. I, p. 130 ss.) […]”. (tradução nossa) in CINZIA GAMBA, Domande senza risposta: Studi sulla modificazione
della domanda nel processo civile, p. 169.
30
serem recebidos e solucionados, entretanto estes têm a mesma ou maior importância para as
partes, merecendo por isso também serem acolhidos. Para além destes interesses, há aqueles
juridicamente tutelados que porventura não tenham sido apresentados em juízo e que por isso
permanecem sem solução, afinal o juiz não pode decidir senão nos estreitos limites da lide
processual, ou seja, nem mais, nem menos, nem sobre outra matéria que não seja a estritamente
descrita nos autos.
Ora, não sendo possível ao julgador identificar e resolver os verdadeiros conflitos de
interesses que motivaram as partes a litigar, o procedimento judicial se torna insuficiente e
muitas vezes inútil a uma resolução integral do conflito. O mesmo não ocorreria no âmbito dos
procedimentos consensuais, onde, pela sua informalidade e maior abertura ao diálogo, esses
conflitos podem ser sempre identificados, acolhidos e solucionados. É assim que se obtém a
verdadeira pacificação social, quando o conflito é resolvido integralmente.
Uma das principais idealizadoras da mediação humanista29, e criadora da mediação
criminal na França, em meados da década de 80, MORINEAU explica que frequentemente a
Justiça não pode responder ao principal pedido da parte, aquele que está implícito na lide,
porque julga e sanciona sem ter podido dar espaço à necessidade de escuta e de compaixão30.
Por outro lado, através do diálogo intermediado por um facilitador, as partes podem expor suas
angústias, medos, anseios e expectativas, bem como iniciarem uma melhor compreensão e
cooperação recíprocas, ao perceberem o ponto de vista e interesses da outra parte, e assim
estabelecerem consensualmente as bases do entendimento necessário para a solução do conflito.
Nas palavras de CERETTI, o mediador dá o espaço que permitirá aos mediados (re)construir
uma visão diferente da situação atual31. Portanto, a mediação aparece mais apropriada aos
conflitos em que o fator emocional-pessoal detém maior vulto e importância do que as
consequências jurídicas do conflito, e visa a dar uma resposta aos interesses mais íntimos das
partes, viabilizando a comunicação entre elas e conduzindo-as a que resolvam seus conflitos de
uma forma mais pacífica e favorável a ambas.
29 Esse modelo pode ser utilizado em vários tipos de conflito, especialmente naqueles onde está envolvida forte carga emocional e relacional.
Propõe extrair o máximo potencial da mediação, de forma que não seja apenas um meio de resolução do conflito, mas que propicie aos
envolvidos um processo de pacificação transformador e curativo, baseado em sentimentos altruístas, compreensão recíproca e alcance da
satisfação plena de interesses. MARK S. UMBREIT, ob. cit., p. 4, explica que esses efeitos são intrínsecos à mediação, entretanto precisam
ser conscientemente delineados e utilizados.
30 JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 70.
31 ADOLFO CERETTI, Mediazione: Una ricognizione filosofica, in PICOTTI, Lorenzo (a cura di), La Mediazione nel Sistema Penale
Minorile, p. 37.
31
Do ponto de vista humano, a crescente valorização dos meios consensuais tem ocorrido
por creditar-se às próprias partes a capacidade de encontrarem, por si sós ou com o auxílio de
terceiros, a solução que lhes parece mais adequada, justa e eficaz, em lugar de se submeterem
a uma solução imposta, limitada e baseada em perspetivas alheias. Em outras palavras,
estimula-se a segurança, autodeterminação e autonomia das partes, técnica do chamado
empoderamento, do termo em inglês empowerment, desenvolvida especialmente na mediação,
que significa a valorização nas partes de sua capacidade de tomar decisões e de reduzir as
emoções dolorosas, habilitando-as a melhor dirimir futuros conflitos32. Enquanto isso, no
processo judicial cresce o descontentamento pela despersonalização e desumanização dos
cidadãos durante o procedimento, que se sentem incompreendidos, perdidos, não atendidos.
A ausência de imposições reflete-se positivamente também no resultado da mediação,
afinal as partes terão melhor adesão ao acordo a que elas mesmas se propuseram, e
consequentemente cumprirão mais espontaneamente os seus termos. Percebe-se, pois, que as
partes sentem-se mais responsáveis e assim o processo conclui-se de forma mais eficiente. Não
é por acaso o alto índice de cumprimento voluntário dos acordos obtidos em mediação, o que
contrasta com os índices referentes aos cumprimentos voluntários das decisões judiciais.
É costume na sociedade tratar dos conflitos como uma disputa entre partes, em busca de
uma decisão no modelo ganha-perde, gerando ainda mais tensão numa relação já antes
comprometida, especialmente naquelas relações repletas de ressentimentos e mágoas. No
próprio processo judicial, os juízes se colocam como terceiros, mas são sempre partes, ainda
que imparciais, e se incentiva a batalha quando se classifica o mundo dividindo-o em partes
opostas. Por outro lado, nos meios consensuais, especialmente na mediação, o terceiro
facilitador é quase um participante invisível, que atua com foco nos envolvidos, e desempenha
uma escuta ativa a fim de incentivar sua comunicação saudável, ressaltando os pontos positivos
de cada um deles, de modo a que se sintam acolhidos e que exponham seus verdadeiros
interesses, conduzindo-os ao final à compreensão dos interesses recíprocos e a que descubram
por si sós a solução que parece mais satisfatória a ambos.
32 Vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, p. 56; CHRISTA PELIKAN, General Principles of
Restorative Justice, in PELIKAN, Christa et al, A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, pp. 23/25;
MARIA DE NAZARETH SERPA, ob. cit., p. 261 e ss.; e, ROBERT A. BARUCH BUSH e JOSEPH P. FOLGER, ob. cit, p. 77 e ss. Estes
autores acrescentam outro importante objetivo a ser alcançado na mediação transformadora, qual seja o reconhecimento, que é obtido quando,
dado algum grau de empoderamento e reconhecimento dos envolvidos pelo próprio mediador (que os dará igualmente a ambos), eles sentem
um maior desejo de reconhecerem-se mutuamente. O empoderamento é tido como um objetivo que pode ser alcançado em todos os processos
de mediação, já o reconhecimento depende da vontade das partes, seja decorrente do esforço do mediador, seja espontaneamente.
32
Na mediação, pois, o encontro é não adversarial e voltado ao diálogo, e espera-se que
ambas as partes saiam satisfeitas com o resultado. Esta é sua proposta desafiadora: proporcionar
um resultado ganha-ganha, afinal a solução é conquistada de comum acordo e o enfoque é posto
na composição de interesses e não na definição de direitos.
Destaca-se, contudo, que a mediação não é proposta como uma terapia, em que pese
seus efeitos benéficos a nível emocional. Ainda que seja desejável e útil que o mediador tenha
conhecimentos de psicologia ou tenha habilidade no trato de questões emocionais, o mesmo
deve ter consciência dos limites de sua intervenção, para que o processo não se torne
extremamente longo e perca o seu foco. É que a mediação vem a ser um instituto jurídico, de
previsão e regulamentação legal, destinada a ser um meio de resolução de conflitos com
consequências jurídicas derivadas de sua utilização. É, portanto, um fenómeno jurídico, não um
procedimento terapêutico com reflexos apenas emocionais33.
Os “novos” meios têm naturalmente suas fragilidades inerentes, que serão expostas em
momento oportuno neste estudo, o que não lhes retira entretanto o mérito de um olhar acurado
e de um estudo especializado tendente à obtenção de técnicas novas e diferenciadas para cada
tipo de conflito, bem como de estrutura procedimental adequada ao local de aplicação.
2.5 Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial
É evidente a utilidade do processo judicial em determinados conflitos, como nos casos
das partes não estarem dispostas a colaborarem para a obtenção do consenso, quando têm
interesse em estabelecer um precedente ou quando pretendem assegurar grande publicidade a
uma decisão, por exemplo, quando envolvidos direitos individuais homogéneos referentes a
consumidores. Há ainda os casos em que a mediação não é mesmo permitida, a exemplo dos
conflitos sobre bens indisponíveis e de infrações penais de natureza gravíssima ou mesmo
grave, pois as condutas atingem direta ou indiretamente toda a sociedade, não se podendo nesses
casos permitir a privatização das respostas sociais aos conflitos34. Se esses conflitos forem
levados à mediação, cabe ao mediador identificá-los, de logo, para evitar o desenrolar de um
33 Quanto à sua natureza, CARRIE MENKEL-MEADOW, Introduction, in MENKEL-MEADOW, Carrie (ed.), Mediation: Theory, policy and
practice, p. xiv, aduz que a mediação está mais próxima da negociação como um processo e do contrato como matéria legal substantiva do que
das mais formais e legalistas instituições. Ou seja, ainda que tenha previsão legal, relativamente à solução encontrada pelas partes, a lei pode
ser tida como fator relevante, mas não determinante em suas escolhas. É que impera na mediação a autonomia da vontade das partes.
34 ANDRÉ LAMAS LEITE, A Mediação Penal de Adultos: Um novo “paradigma” de justiça?, pp. 15-16, adverte para os excessos na
utilização do consenso, que leva alguns a defenderem uma quase “privatização do Direito Penal”, o que colocaria em risco as próprias fundações
do Estado de Direito. Não é evidentemente este o modelo que defendemos para os meios alternativos de resolução de conflitos.
33
procedimento infrutífero ou proibido. Por outro lado, a tutela jurisdicional não se tem mostrado
adequada à pacificação do conflito em diversas situações, conforme se passa a descrever.
Quando envolvida relação jurídica de carácter continuativo, a exemplo da relação
conjugal, parental, de vizinhança, societária, laborativa etc, a decisão judicial até põe fim ao
processo, mas não necessariamente ao conflito, pois não é capaz de restabelecer a relação entre
as pessoas, ao invés, muitas vezes a enfraquece ou mesmo a aniquila. E se o conflito persiste,
ainda que latente, propicia-se o surgimento de novos confrontos ou de novas lides.
Para além desses casos, a tutela jurisdicional não tem sido apropriada à resolução de
certos conflitos de carácter urgente, apesar de mecanismos procedimentais de aceleração
processual. É o exemplo dos processos que envolvem crianças e adolescentes, cujos dias na
vida têm uma medida diferenciada relativamente às outras idades, e cuja demora processual se
potencializa em efeitos ainda mais problemáticos, com evidente “defeito de sincronia
temporal”, expressão utilizada por RESTA que, tendo-se dedicado à filosofia e à sociologia do
direito, debruçou-se especialmente sobre a infância. Explica ele a importância do tempo nessa
fase da vida, advertindo que para a criança o tempo se mede diferentemente que para um adulto
ou para um ancião, e ainda mais relevante é relacionar a sua medida ao tempo que o processo
precisa para ser concluído.35
Além das delongas e altos custos dos processos judiciais, que se constituem em grandes
barreiras de acesso à justiça, também a sua publicidade é muitas vezes prejudicial, pelo que não
seriam adequados a uma série de relações conflituosas. Naquelas mais intimistas, provoca maior
desgaste emocional, e em outras é capaz de destruir relações valiosas, a exemplo das relações
comerciais, cuja ampla repercussão negativa de um problema causa à empresa danos muitas
vezes irreversíveis, sem contar com as pressões externas que tendem a causar maior
conflituosidade.
Ainda que relevante na história da humanidade a intervenção estatal para resolução dos
conflitos nela arraigados, deve-se evitar a judicialização excessiva e desnecessária e incentivar
a busca de soluções amplas para os conflitos, especialmente daquelas que incentivem o diálogo
e que, dessa forma, previnem ou resolvem futuros conflitos.
É dentre estas soluções que se destaca a mediação, cujas vantagens são inúmeras, tal
como a de propiciar uma menor exposição pública do conflito, reduzindo assim o desgaste
35 “Um ano para uma criança de 5 anos significa talvez 10 anos de um adulto; às vezes são uma inteira vida quando aquele ano de vida é o
espaço no qual se tomam as decisões fundamentais para o futuro”. E quanto à sua relação com o processo conclui que “o desperdício entre os
tempos, aquele da vida e aquele das instituições parece intransponível”. (tradução nossa) in ELIGIO RESTA, L’Infanzia Ferita, p. 74.
34
emocional e facilitando a comunicação entre os envolvidos; e reduzir o tempo e dinheiro
despendidos, pois evitam-se inúmeras formalidades processuais, como a produção de prova
para descoberta da verdade no processo e os diversos recursos previstos.
Reduzindo-se o tempo despendido, reduzem-se também os gastos, resumindo-se estes
praticamente aos honorários do mediador, pois, conforme a maior parte dos autores sugere, há
prescindibilidade de intervenção de advogado, cuja opção cabe à deliberação das partes. Os
custos podem ser ainda menores, se assumidos total ou parcialmente pelo Estado ou por
instituições privadas, representando assim maior benefício às partes.
Quanto aos valores perseguidos no processo judicial e na mediação, importante crítica
é feita por LABORINHO LÚCIO, ao analisar a situação da Justiça em Portugal, quadro que em
geral se verifica na maioria dos países. O jurista alerta sobre a relação de alternatividade, quando
não de verdadeira oposição, que tem sido feita entre a questão da justiça por um lado, e certeza
e segurança por outro, atribuindo-se em regra maior importância a estas, em nome da
estabilidade da vida jurídica. Critica o jurista o fato de que "ao julgador não se impõe a
realização imediata da justiça, cabendo-lhe apenas julgar de acordo com o direito positivo e os
critérios de valor que o enformam", pois o mesmo adverte que a certeza e a estabilidade da vida
jurídica, ainda que sejam valores importantes a que se deva ponderar, não são geralmente
atingidos no caso concreto36. Por outro lado, esse problema não tem espaço na mediação, afinal
o que se busca é a real satisfação dos interesses dos envolvidos, sendo secundários os outros
valores. Além do mais, a segurança propiciada pela mediação decorre da ampla liberdade de
decisão conferida às partes e da sua consequente assunção de responsabilidade quanto à
execução dos acordos. É que devido à sua flexibilidade, a mediação propicia às partes maior
controlo sobre o procedimento. E sendo elas seus protagonistas, acabam por sentirem-se mais
responsáveis pela realização do que foi pactuado.
Acresce-se às vantagens da mediação, esta primordial do ponto de vista humano, o seu
carácter pedagógico e transformador, que possibilita o restabelecimento da paz interior e
viabiliza a aproximação dos envolvidos, para a chegada a um consenso. Ainda, nos casos
aplicáveis, essa característica resulta na desejável manutenção ou melhoramento das relações
de carácter continuado.
Destaca-se, por fim, uma outra vantagem de relevante importância da mediação, que
deve ser aqui reiterada, qual seja aquela de permitir a resolução dos conflitos em sua dimensão
mais ampla, pois ela recai sobre os conflitos manifestos e sobre aqueles que sequer foram
36 LABORINHO LÚCIO, O Julgamento: Uma Narrativa Crítica da Justiça, pp. 210-211.
35
exteriorizados, os conflitos latentes, e que porventura podem ser externados no decorrer do
processo, representando assim maior benefício às partes.
Tendo discorrido acerca das vantagens da mediação, relembre-se que o fundamento
desta e de todos os meios de resolução de conflitos é o envidamento de esforços no sentido de
que o cidadão tenha à sua disposição o meio, ou a junção de meios, que se destina a ser o mais
adequado à questão em conflito, segundo os diversos interesses envolvidos, tais como custo
financeiro, celeridade, publicidade do processo, exequibilidade da solução, continuidade das
relações em confronto, cumprimento espontâneo da prestação, recorribilidade etc.
Vê-se que podem ser amplos os benefícios dos meios consensuais e, ainda que seja
fracassado o procedimento, resta sempre às partes a possibilidade de um terceiro intervir na
relação para determinar o justo em cada caso concreto, sendo ele o árbitro ou o juiz. Portanto,
é sempre importante o incentivo à sua realização, que pode ocorrer de forma independente do
processo heterocompositivo, dentro dele e durante quaisquer de suas fases, ou previamente a
ele de forma espontânea ou obrigatória, também chamadas sucessivamente de extraprocessual,
intraprocessual e paraprocessual. Mesmo após a prolação de uma sentença, é possível e útil a
utilização de mecanismos consensuais, a exemplo dos encontros bem-sucedidos de mediação
vítima-agressor, realizados após condenação judicial, entre agressor e vítima ou seus
familiares37.
Quanto à previsão da mediação obrigatória, em que pese já ter sido utilizada em alguns
ordenamentos jurídicos, a exemplo da Argentina, essa escolha vem sendo criticada, conforme
se desenvolverá melhor em momento posterior, quando do estudo das características da
mediação. Relativamente à mediação intraprocessual, destaca-se sua corrente utilização e a
necessidade de uma regulamentação clara sobre as interferências possíveis entre o processo
judicial iniciado e o processo de mediação que nele se insere, bem como sobre suas
consequências jurídicas, a fim de não se imiscuírem as finalidades e características próprias de
cada instituto e, por fim, sua própria eficácia.
Da relação entre a mediação e o processo judicial decorre a necessária regulamentação
precisa de algumas matérias, nomeadamente das ferramentas disponibilizadas às partes para
prevenir a utilização simultânea de ambos os processos acerca do mesmo objeto, os efeitos
sobre os prazos de prescrição e decadência, o ónus das custas, a salvaguarda das garantais
básicas processuais e dos direitos fundamentais, especialmente no âmbito penal, etc.
37 Sobre os benefícios da mediação pós-sentencial, vide JACQUELINE MORINEAU, Lo Spirito della Mediazione, pp. 121/126; e CLÁUDIA
CRUZ SANTOS, ob. cit., pp. 747/752.
36
Para que todas as vantagens da mediação sejam efetivamente obtidas, portanto, é
necessário um conjunto de fatores. A nível normativo, convém a estruturação mínima de um
modelo de procedimento adequado ao contexto específico de cada ordenamento jurídico, e
previsão de regras norteadoras, complementares àquelas gerais consagradas
internacionalmente, também adequadas ao contexto social específico. A nível estrutural, exige-
se um cenário no qual o mediador tenha o aperfeiçoamento técnico adequado, o espaço físico
seja neutro e apropriado para realização do procedimento, o mediador tenha liberdade para atuar
conforme as necessidades que se apresentem em cada caso concreto, ainda que inspirado nas
técnicas apreendidas, e, por fim, que disponha do tempo necessário para dirimir a controvérsia,
deixando as partes livres para externarem seus pontos de vista. A nível de garantias, necessário
que o procedimento seja desenvolvido de forma mais igualitária possível, por intermédio de um
mediador imparcial, com a confidencialidade assegurada e respeitada sempre a voluntariedade
de participação das partes, sendo elas sempre esclarecidas sobre todo o procedimento,
formalização do acordo e consequências jurídicas do seu não cumprimento.
Se ainda não estava suficientemente claro, reitera-se que o estudo e incentivo dos meios
alternativos, conforme entendimento pacífico no meio jurídico, não pretende excluir a atuação
do Poder Judiciário. Ao invés, pretende que as dificuldades encontradas nesse âmbito sejam
paulatinamente superadas através de novas propostas capazes de dar aos conflitos que
inevitavelmente devam a ele ser submetidos uma resposta eficaz e eficiente do Estado. Por
outro lado, e complementariamente, traz à luz os meios alternativos de solução de conflitos
cujos métodos, se bem aplicados, seriam mais adequados à obtenção da pacificação dos
conflitos em certos casos. Enfim, trata-se, simplesmente, de proporcionar reais alternativas às
partes e de introduzir uma nova cultura, que não é mais a “cultura da sentença”, mas de forma
geral uma “cultura da pacificação”38.
É nesse sentido que se passa a discorrer sobre a evolução do direito dos menores, como
forma a explorar as iniciativas tendentes a melhor salvaguardar seus interesses, bem como sobre
a incorporação de soluções alternativas em colaboração com o processo tutelar educativo.
38 Expressões utilizadas pelo jurista KAZUO WATANABE, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à Revista Resultado,
ano 8, nº 40, Jan-Fev 2012, sendo um dos idealizadores no Brasil desta nova política pública de tratamento adequado de conflitos de interesses,
tendo como foco o incentivo aos meios alternativos de resolução de conflitos.
37
CAPÍTULO II – Processo Tutelar Educativo
1 O novo Direito de Menores em Portugal e os reflexos dos diplomas jurídicos
internacionais
1.1 O modelo vigente até o ano de 2000
Atento à necessidade de prover a Justiça de tribunais específicos para apreciação das
causas relativas à infância e juventude, bem como de lhes criar um direito material e processual
próprio, face à sua especial condição de ser humano em desenvolvimento, no início do século
XX o Estado Português instituiu a Lei de Proteção à Infância, que criou a justiça de menores39,
sendo o país um dos precursores na Europa, pois a ideia de proteção da infância era algo
relativamente recente, remontando à segunda metade do século XIX40. Antes da lei, as crianças
tinham o mesmo tratamento jurídico e social destinado aos adultos, sendo inclusive punidas nos
mesmos moldes caso fosse constatado seu discernimento durante a prática do ato infracional.
De um modelo de justiça, a intervenção estatal passou então a basear-se num modelo de
proteção, intensificado na Organização Tutelar de Menores de 196241. Este modelo se
fundamentava na ideia de que o menor era uma pessoa carecida de proteção e que os atos
infracionais por ele praticados eram um sintoma de inadaptação. Sendo assim, não havia uma
clara distinção entre as intervenções judiciárias nas situações de menores em perigo e nas
situações de menores em delinquência. E, nestes casos, os atos infracionais eram relegados ao
segundo plano e sequer precisavam ser provados com rigor, em um processo fortemente
informal42.
39 Decreto-Lei de 27 de Maio de 1911.
40 Sobre a história da justiça de menores em Portugal vide MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, Entre as Malhas do Desvio, p. 47 e ss.;
RUI ASSIS, A Reforma do Direito dos Menores: do modelo de protecção ao modelo educativo, in SOTTOMAYOR, Maria Clara, Cuidar da
Justiça de Crianças e Jovens: A função dos juízes sociais: Actas do Encontro, p. 137 e ss.; e, SABRINA SMITH CHAVES e LEONOR
FURTADO, As Medidas Socio-Educativas e as Medidas Tutelares Educativas na Legislação Brasileira e Portuguesa: Breves notas, p. 15.
Nesta obra, regista-se que as primeiras instituições especializadas na causa dos menores surgem nos Estados Unidos, na segunda metade do
século XIX, quando os problemas de comportamento social começaram a tomar vulto especialmente pela quebra da estrutura familiar
provocada pelo trabalho excessivo proveniente da explosão industrial.
41 Decreto-Lei nº 44.288, de 20 de Abril de 1962.
42 ELIANA GERSÃO, Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores: Memória de um Processo de Reforma, in DIAS, Jorge de
Figueiredo (org.) et al, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, p. 453, explica que o modelo de proteção maximalista foi introduzido
pela OTM de 1962 e que a legislação anterior, a Lei de Proteção à Infância de 1911 e suas alterações, era mais próxima de um modelo híbrido,
“as crianças em risco (‘em perigo moral’, como se dizia) e as ‘delinquentes’ não eram equiparadas, estavam salvaguardadas algumas garantias
38
Em que pese a louvável intenção de não traumatizar o menor, como forma a priorizar o
seu interesse, ao desvalorizar a prática de atos ilícitos, negando a possibilidade de prova e a
necessidade de uma intervenção diferenciada, esse modelo potenciava no infrator a atitude
desviante ao incutir um sentimento de desresponsabilização43. Por outro lado, possibilitava a
ofensa de alguns de seus direitos fundamentais por não separar nos estabelecimentos de
internamento os menores em perigo e os menores em situação de delinquência, cuja convivência
era de fato alarmante, não atendendo assim às problemáticas específicas de cada um. Para além
disso, eram-lhes denegadas certas garantias processuais de natureza constitucional, como a
presunção de inocência, contraditório, direito ao silêncio e defesa por meio de advogado
constituído, ficando a análise de cada caso sujeita à discricionariedade por parte das entidades
oficiais, tendo o juiz poderes quase ilimitados na aplicação, modificação e cessação das medidas
44.
Sendo decisivo para a intervenção estatal a personalidade do menor e as suas condições
familiares e de vida, e não exatamente os fatos por ele praticados, entendia-se desnecessário
proporcionar-lhe meios de defesa contra aquilo que se pretendia apenas beneficiá-lo,
esquecendo-se, entretanto, que esta intervenção restringia importantes direitos tanto do menor
quanto dos genitores45, e que deveria basear-se essencialmente em fatos comprovados.
Ao priorizar um modelo excessivamente protecionista, o sistema atingiu de modo quase
exclusivo os menores que se encontravam em situação de vulnerabilidade social, segundo as
estatísticas oficiais da justiça tutelar, trazendo consequências negativas a nível individual e
social, “por intervir o aparelho judiciário onde deveria, primordialmente, estar o aparelho de
apoio/protecção social acabando tal por se traduzir num provável acumular de graves efeitos
para a futura (re)inserção social destas crianças e jovens”46. As crianças de classes mais
favorecidas, por sua vez, praticamente não se submetiam a uma intervenção judiciária, ainda
que tivessem cometido infrações graves.
básicas de defesa ao longo do processo, as medidas previstas, mais do que a proteção, visavam o ‘melhoramento e correcção’; além disso os
factos praticados tinham algum reflexo sobre o tipo e a duração da medida aplicada e eram fixados por lei alguns limites quanto à duração das
medidas e à sua possibilidade de revisão”.
43 Vide MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, ob. cit., p. 75.
44 Vide ELIANA GERSÃO, ob. cit., pp. 448/450; JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, A Tutela Educativa: Factores de legitimação e
objectivos, in OLIVEIRA, Guilherme de (coord.), Direito Tutelar de Menores: O sistema em mudança, pp. 108/111; MARIA JOÃO LEOTE
de CARVALHO, ob. cit., p. 5.
45 Além dos direitos materiais e processuais do menor, esparsos pelo texto, eram desrespeitados os direitos dos genitores como os direitos de
guarda e educação, manutenção e convívio com os filhos, sem um adequado processo tutelar fundado em garantias.
46 Vide MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, ob. cit., p. 76.
39
Certamente na perspetiva do menor não delinquente o modelo também era bastante
inadequado, pois o mesmo se submetia à estigmatização e a um convívio conturbado resultante
da colocação num único tipo de instituição, junto daqueles jovens ligados à prática de atos
infracionais, e, por falta de uma intervenção específica, tornavam-se novamente vítimas da
sociedade.
Não tendo sido capaz de satisfazer as expectativas comunitárias, face ao aumento da
delinquência juvenil e de suas múltiplas formas, a exemplo da utilização de menores
inimputáveis no crime organizado, a sociedade clamava por um modelo mais repressivo, um
"modelo de justiça".
O desafio se punha, pois não se podia fechar os olhos ao fato de que o sistema de justiça
tutelar de menores não estava a resolver mas antes poderia agravar no jovem sua tendência à
prática delituosa, agravando consequentemente o problema da segurança pública. Nas palavras
de MOURA, "mostra-se tão irrealista considerar o menor irresponsável pelos seus actos, como
ignorar o facto de a sua personalidade estar em formação"47.
Inúmeras reformas legais foram sucessivamente feitas, a fim de encontrar o modelo mais
adequado às novas realidades sociais. Em meio a esse cenário, mas na esfera do direito aplicável
aos jovens imputáveis, ou seja, aqueles de 16 a 21 anos incompletos, importante passo é dado
com a promulgação do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, que, fugindo à rigidez do
sistema para infratores adultos, insere um regime penal especial para jovens delinquentes,
fundado em um direito mais reeducador que sancionador. Sua inspiração, porém, vai além da
perceção de que o jovem imputável merece um tratamento penal especializado, mas funda-se
na capacidade de ressocialização do infrator, especialmente por estar em fase de
desenvolvimento psicossocial, pelo que propõe a esses jovens um modelo no qual a prisão é a
ultima ratio, havendo ainda uma atenuação especial da pena de prisão eventualmente aplicada.
Trata-se de importante avanço em plano nacional nesse processo de mudança do
paradigma de reação social à delinquência juvenil, e em que pese as críticas de aplicação
inadequada dos postulados nele inseridos, foi um importante marco nesse processo de
adequação aos princípios de proteção à criança e adolescente internacionalmente defendidos.
Faltava então a implementação da devida reforma também na esfera da administração da justiça
aos menores delinquentes.
47 JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, ob. cit., p. 111.
40
1.2 Normas jurídicas internacionais de inspiração
Tratar-se-á a seguir dos principais diplomas internacionais relativos aos direitos da
criança na administração da justiça, por sua pertinência a este assunto. Entretanto, devido ao
seu importante contributo ao direito da criança em geral, urge destacar as primeiras normas que
a ele se referem a nível internacional, sendo a primeira delas a Declaração de Genebra de
192448, que determina a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial e a sua
educação. A seguir, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194849, apela em seu
artigo 25º ao “direito a cuidados e assistência especiais”. E a Declaração dos Direitos da Criança
de 195950, por sua vez, estabelece um quadro global de proteção aos direitos da criança, apesar
de não estipular quaisquer obrigações jurídicas.
Na mesma linha de pensamento, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos
de 196951 preconiza que toda criança deve ter assegurada a proteção dos seus direitos, com
respeito à sua condição de menor.
A administração da justiça tutelar na Europa, entretanto, não teve até a década de 80
nenhuma regulamentação supranacional que pudesse contribuir para a discussão e
implementação de novas propostas mais adequadas aos atuais contornos da realidade social,
sendo assunto de competência única dos Estados.
Foi inicialmente com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça da Infância e Juventude52 e com a Recomendação do Conselho da Europa de 1987 sobre
"As Reações Sociais à Delinquência Juvenil"53 que surgiu uma nova fase, com a intensa
produção de diplomas internacionais no âmbito da proteção das crianças e adolescentes e
regulação da intervenção judiciária nessa área.
No que concerne ao estudo central do nosso trabalho, tais diplomas vieram a privilegiar,
na regra 11.1 e no nº 2, respetivamente, o recurso a meios extrajudiciais na administração da
justiça de menores, recomendando ainda que se previssem alternativas viáveis para substituir o
processo normal da Justiça de menores, sobretudo quando a infração não é de natureza grave e
quando a família, a escola ou outras instituições de controlo social informal já reagiram, ou
48 Adotada pela Sociedade das Nações, em 26 de Setembro.
49 Promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro.
50 Promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro.
51 Conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados
Americanos.
52 Resolução 40/33 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de Novembro de 1985, “Regras de Beijing” ou “Regras de Pequim”.
53 Recomendação nº R (87) 20, adotada em 17 de Setembro de 1987.
41
estão em vias de reagir, de modo adequado e construtivo. Tudo isso de forma a evitar o
formalismo da intervenção judiciária e as consequências negativas desta, especialmente a
estigmatização do jovem. Realçam ainda o papel da comunidade na aplicação de medidas
alternativas e de reeducação. A fim de viabilizar essas medidas, e ainda que atue o modelo
tradicional de justiça, o primeiro diploma aduz na regras 18.1 e 18.2 que é necessário que o
Estado intervenha nos diversos níveis, tais como familiar, educacional, social e profissional.
Em análise a tais diplomas, FABRIS aduz que os mesmos surgem como resposta “à
crise evolutiva e de mudança de um sistema necessitado de superar seja as instâncias de tipo
retributivo e institucional seja aquelas reveladas falidas, de carácter meramente terapêutico e
assistencial” 54, pretendendo estimular a assunção de responsabilidade por parte do menor, de
forma que a medida aplicada seja efetivamente educativa.
Pouco depois, em 1989, foi adotado o diploma de maior importância no âmbito dos
direitos da criança e dos jovens, constituindo-se no instrumento de direitos humanos mais aceite
na história universal e o primeiro a conceder força jurídica internacional aos direitos da criança,
a Convenção sobre os Direitos da Criança55. Introduz-se um sistema de proteção integrada da
criança, no qual ela é encarada como um sujeito de direitos, não apenas como um ser vulnerável
e, por isso, carecido de proteção.
Entre outras matérias, consagra a CDC a necessidade de os Estados partes, sempre que
possível e desejável, implementarem medidas relativas às crianças suspeitas, acusadas ou
reconhecidas como tendo infringido a lei penal sem recurso ao processo judicial, nos termos do
seu artigo 40º, nº 3. No nº 4, prevê também que um conjunto de disposições e de soluções
alternativas às institucionais deverão ser adotadas de forma a assegurar-lhes um tratamento
adequado ao seu bem-estar e proporcionado à sua situação e à infração.
Enquanto a Declaração dos Direitos da Criança, adotada 30 anos antes, impunha meras
obrigações de carácter moral, a CDC torna os Estados Partes juridicamente responsáveis pela
realização dos direitos neles previstos e por todas as ações tomadas em relação às crianças.
54 ELISABETTA PALERMO FABRIS, Evoluzione Storica e Recenti Tendenze del Sistema Penale Minorile, in FABRIS, Elisabetta Palermo
e PRESUTTI, Adonela (a cura di), Trattato di Diritto di Famiglia. Volume Quinto. Diritto e Procedura Penale Minorile, p. 31.
55 Adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989, e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, foi
igualmente ratificada por outros 192 países. Vide: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm, acesso em 03/07/2015; e
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-estudos-ca-dc.html#IA, acesso em 03/07/2015. Estabelece a CDC, em seu
artigo 1.º que, para os seus efeitos, “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a
maioridade mais cedo”. Quanto à idade de imputabilidade penal, entretanto, não fixa qualquer limite, ficando a cargo de cada Estado Parte.
Sobre a preocupação decorrente dessa liberdade conferida aos Estados, veja-se
http://direitoshumanos.gddc.pt/pdf/Volume2/10.CAP%C3%8DTULO%2010.pdf, pp. 4-5, acesso em 10/07/2015.
42
A seguir, no intervalo de apenas um ano, três novos documentos são elaborados: as
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de
Liberdade56, as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil57 e as
Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade58.
O primeiro diploma tem carácter geral, aplicando-se a todos os delinquentes,
independentemente da idade, assim incluindo também os menores, e contém princípios básicos
para o favorecimento do uso de medidas não privativas de liberdade em oposição às medidas
detentivas, de colocação ou institucionais.
Os diplomas seguintes já são dirigidos especificamente aos menores infratores. As
Diretrizes, por exemplo, indicam que o pessoal de administração da justiça e outro pessoal
relevante deve usar, tanto quanto possível, programas e possibilidades alternativas que
permitam subtrair os jovens ao sistema judiciário59. Ainda sublinham a importância de
implementação de medidas de prevenção da delinquência e de medidas que evitem criminalizar
e penalizar um jovem por um comportamento que não cause danos sérios ao seu
desenvolvimento ou prejudique os outros, tudo isso por considerar a peculiar situação do jovem,
cujo comportamento contrário às normas e valores sociais gerais “faz muitas vezes parte do
processo de maturação e crescimento e tende a desaparecer espontaneamente na maior parte
dos indivíduos na transição para a vida adulta”60.
As Regras de Havana, por sua vez, sob o fundamento de constituir a prisão medida de
ultima ratio, decretada pelo período mínimo necessário e limitada a casos excecionais, elencam
regras limitadoras da normas regulamentares dos estabelecimentos tutelares, trazendo com a
definição de privação de liberdade enorme contributo para o debate no direito tutelar de
menores em Portugal, posto que limita sua utilização em casos excecionais, tendo em vista
combater os efeitos negativos de qualquer tipo de detenção e promover a integração na
sociedade. É que o modelo da OTM então vigente em Portugal, com o fundamento de proteger
o menor inadaptado, permitia inúmeros casos de detenção por mera carência social e familiar,
fechando os olhos para os efeitos nocivos dessa prática, enquanto as Regras de Havana
determinam que quaisquer medidas e processos disciplinares devem ser compatíveis com o
respeito pela inerente dignidade do menor (ponto 66. dos Processos Disciplinares), tendo como
56 Resolução 45/110 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1990, “Regras de Tóquio”.
57 Resolução 45/112 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1990, “Diretrizes de Riade”.
58 Resolução 45/113 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1990, “Regras de Havana”.
59 Vide ponto 58, da Legislação e Administração da Justiça de Menores.
60 Vide alínea e) do ponto 5, dos Princípios Fundamentais.
43
perspetiva fundamental não discriminar o jovem quanto à raça, cor, sexo, idade, língua, religião,
nacionalidade, opiniões políticas ou outras, crenças ou práticas culturais, situação económica,
nascimento ou situação familiar, origem étnica ou social e incapacidade (ponto 4. das
Perspetivas Fundamentais).
Importante contributo para facilitar aos Estados Partes a aplicação da CDC e dos
instrumentos conexos, e para a prossecução dos objetivos nela enunciados, relativamente à
administração da justiça aos jovens, são as Diretrizes para a Ação sobre Crianças no Sistema
de Justiça Penal61. Aduzem, dentre outros aspetos, a que sejam promovidas respostas
participadas e baseadas em medidas preventivas e corretivas eficazes, partindo do princípio de
que incumbe aos Estados Partes a responsabilidade pela aplicação da CDC. Além disso, incita
a que sejam utilizados mecanismos para a resolução informal de litígios, incluindo mediação e
práticas de justiça restaurativa, particularmente nos processos que envolvem vítimas, tendo
especialmente em conta a importância de garantir o respeito pelas garantias processuais na
aplicação de tais medidas e o princípio da intervenção mínima. É o empurrão final para uma
tão esperada reforma no direito tutelar educativo no Estado Português.
1.3 A recente reforma do Direito de Menores
O antigo modelo de justiça de menores foi responsável por inúmeras
institucionalizações de menores, sob o propósito de protegê-los. Entretanto, essa política
criminal mostrou-se inadequada. A Recomendação nº R (87) 20, por exemplo, estabelece que
os jovens são seres em desenvolvimento e que por isso cada medida tomada deve ter um caráter
educativo e de integração social, abolindo ao máximo medidas de aprisionamento para menores,
ao mesmo tempo em que lhes devem ser proporcionadas as mesmas garantias processuais dos
adultos.
Particularmente em relação à colocação excecional em instituições, RESTA justifica
que a resolução do problema da delinquência está na afetividade que geralmente as crianças e
jovens não têm, ou não podem ter, e as instituições ao invés de reduzirem os danos parecem às
vezes agravar o problema62. Além disso, a institucionalização para um menor, excessiva e sem
critérios adequados, é índice de uma dupla falha da sociedade, por ter ela produzido as
condições dentro das quais a inadaptação do menor se transformou em transgressão e porque,
61 Anexo à Resolução 1997/30 do Conselho Económico e Social, sobre a Administração da Justiça de Jovens, de 21 de Julho de 1997.
62 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 10.
44
uma vez verificado o comportamento transgressivo, é incapaz de elaborar por si só um
programa de recuperação e ressocialização, e assim delega às instituições o poder de
“aprisionamento protetivo”, que mais se destina à defesa da sociedade que ao interesse do
menor.
Engana-se a sociedade ao pensar que está a desenvolver corretamente seu papel, e, por
outro lado, diante da crescente delinquência juvenil, cobra da criança e do jovem o resultado de
uma sua escolha, que não é do mesmo modo racional, ou seja, não é uma escolha plenamente
livre entre submeter-se às regras ou violá-las.
A própria Constituição da República contribui para o combate a uma lógica repressiva,
nos casos de delinquência juvenil. É que, apesar de a segurança ser um direito consagrado no
artigo 27º, nº 1, a dignidade da pessoa humana e, portanto, também do menor, é um princípio
constitucional que orienta a condução de qualquer intervenção estatal e, face à sua especial
condição de ser em desenvolvimento, impõe a Constituição o dever de proteção especial para
as crianças e jovens, a cargo do Estado63. Entre os interesses envolvidos, é o interesse do menor
que prevalece, sendo a linha mestra de condução de qualquer intervenção tutelar.
O modelo de justiça é demasiado arcaico para adequar-se ao novo panorama de direitos
das crianças e jovens, universalmente consagrados. Por outro lado, o modelo então vigente,
extremamente protetivo, não estava a se mostrar adequado às novas realidades sociais. Portugal
era mesmo tido como demasiado retrógrado pela política excessivamente protecionista que
estava a desempenhar, sem qualquer similitude na Europa64.
Tendo os Estados Partes se comprometido a tomar todas as medidas legislativas,
administrativas e outras necessárias à realização dos direitos reconhecidos pela CDC, e
seguindo as orientações da Recomendação nº R (87) 20 e dos diplomas supranacionais já
citados, especialmente das Diretrizes de Riade65, Portugal respondeu às críticas ao modelo de
justiça de menores então vigente e introduziu um novo sistema legal, proposto como uma via
de meio entre o sistema de proteção e o sistema de justiça penal, pois ao mesmo tempo em que
subtrai o menor infrator ao sistema penal, impõe-lhe uma disciplina mais garantística do ponto
63 JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, ob. cit., pp. 107-108.
64 Vide ELIANA GERSÃO, ob. cit., pp. 461-462. O modelo de proteção era aquele predominante à época nos países de tradição cultural
semelhante à de Portugal, entretanto não se via essa tendência maximalista ou extremista aqui implantada.
65 Isto porque acima de qualquer colocação sobre os direitos da criança e do jovem previstos nos diplomas internacionais já citados, as Diretrizes
de Riade orientam em seu ponto 3, dos Princípios Fundamentais, que os jovens devem ter um papel ativo e colaborante dentro da sociedade e
não devem ser considerados como meros objetos de medidas de socialização e de controlo. Esta ideia-chave era o que essencialmente faltava
no sistema penal juvenil em Portugal.
45
de vista processual e propõe uma intervenção direcionada, mais responsabilizante e educadora,
tudo em ordem a promover o melhor interesse da criança.
Assim, enquanto a disciplina penal para os jovens imputáveis, no início da década de
80, distanciou-se estrategicamente do modelo de justiça penal, aquela destinada aos menores
infratores passa a seguir em direção contrária, distanciando-se do modelo puro de proteção em
direção a um modelo mais educativo, norteado sempre pelo interesse dos menores, que
entretanto foi assumido sob um novo conceito, à luz da CDC. Nessa nova perspetiva, os
interesses da criança relacionam-se ao exercício dos seus direitos, nomeadamente do seu direito
de participação, como sujeito ativo e colaborante, em toda a vida social e na generalidade das
decisões que sobre ela incidem.
A reforma se instalou com o desmembramento da Organização Tutelar de Menores66,
sendo criados novos diplomas legais, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
(LPCJP)67 e a Lei Tutelar Educativa (LTE)68, os quais entraram em vigor no dia 1º de Janeiro
de 2001. Com esta medida, separam-se a intervenção tutelar de proteção e a intervenção tutelar
educativa, passando os menores infratores a ter um regime jurídico específico, com as devidas
garantias fundamentais atribuídas pela Constituição e pelos textos internacionais, aos quais o
Estado Português aderiu nos últimos anos.
A intervenção tutelar de proteção destina-se às situações de crianças que estejam em
perigo, carecidas de proteção e assistência por serem vítimas de maus tratos ou de situações de
abandono ou desamparo, ou ainda que se encontrem em situação de pré-delinquência ou para-
delinquência; enquanto a intervenção tutelar educativa dirige-se aos jovens entre 12 e 16 anos
de idade que tenham praticado fato qualificado pela lei como crime, aos quais são-lhes aplicadas
medidas tutelares.
Sistema tutelar porque atende aos imperativos de proteção da infância e juventude a
cargo do Estado, constitucionalmente consagrados. E sistema educativo, no sentido de
promover o desenvolvimento integral da criança69, cuja personalidade está em fase de
formação, direcionando-a para o respeito pelas normas jurídico-penais, e assim prevenindo-se
ulteriores infrações. Neste sentido, além de consagrar os direitos da criança, logra-se também
atender as expectativas comunitárias de segurança e paz social.
66 OTM62 (DL nº 44.228, de 20 de Abril), e sua revisão, denominada OTM78 (DL nº 314/78, de 27 de Outubro).
67 Lei nº 147/99, de 2 de Setembro.
68 Lei nº 166/99, de 14 de Setembro.
69 Direito este que se encontra consagrado no artigo 69º, da Constituição da República Portuguesa.
46
Em que pese a introdução de uma intervenção diferenciada, ambos os sistemas podem
atuar de forma coordenada e complementar, a depender das necessidades encontradas em cada
caso concreto, sempre no melhor interesse da criança. Pode-se, por exemplo, aplicar medida
provisória de proteção a um jovem infrator, afinal em muitos casos de delinquência juvenil
percebe-se que na origem há uma situação-problema de abandono ou maus tratos, o que requer
a intervenção em simultâneo dos dois sistemas70. Passa-se contudo a centrar o estudo na
específica situação da intervenção tutelar educativa, pois é o campo a que se destina
particularmente o trabalho.
Desligando-se de um modelo puramente protecionista, e tendo-se admitido o menor
como um sujeito de direitos, este passa a ter papel ativo no processo, pelo que sua audição e o
contraditório, dentre outros direitos processuais, tornaram-se garantias necessárias. Além disso,
a indefinição temporal das medidas, marcante no modelo anterior, foi substituída pela
necessidade de determinação concreta da duração da medida tutelar educativa aplicada, de
forma a atender ao princípio da proporcionalidade da intervenção. Ainda, na execução da
medida, tornou-se necessária sua individualização, através da elaboração e cumprimento de
projetos educativos pessoais, no caso das medidas de acompanhamento educativo e de
internamento em centro educativo. Por fim, dentre outras providências tomadas pela LTE,
destaca-se que trouxe um quadro bem definido sobre os pressupostos, modalidades,
periodicidade e efeitos da revisão das medidas tutelares educativas, em oposição à total
liberdade concedida pela OTM de 1978 ao Tribunal.
Seguindo o exemplo do panorama internacional, as crianças e adolescentes tornam-se
cidadãos, e têm reconhecimento e tutelas como nunca antes na história.
Além das disposições legislativas especiais, são criadas instituições especializadas para
acolhida e tratamento dos menores infratores, separando-os dos menores em perigo, tudo em
busca de um novo modelo direcionado às suas necessidades específicas de formação.
A assunção do menor como sujeito de direitos traz, correspondentemente, deveres
pessoais e sociais, aos quais deve ele submeter-se, sob pena de ser proporcionalmente
responsabilizado. Assim, na opção entre modelos de intervenção, o direito português “não se
70 MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, Risco Social, Juventude e Delinquência: Que sentido(s) para a aplicação de medidas tutelares
educativas não institucionais, in DUARTE-FONSECA, Antonio Carlos (coord.) et al, Direito das Crianças e Jovens: Actas do Colóquio, p.
441, sugere que para uma intervenção mais eficaz revela-se fundamental o desenvolvimento de formação simultânea sobre as duas Leis, para
os técnicos de ambas as áreas, de forma a usufruírem das experiências bem-sucedidas de cada um e divulgarem entre si as práticas adequadas
que possibilitem a agilização de alguns dos procedimentos.
47
ateve a um modelo de justiça puro, mas também não a um modelo protetivo extremado,
constituindo antes uma terceira via”71, a fim de harmonizar em si “a salvaguarda dos direitos
do menor – o que conferirá legitimidade à intervenção - e a satisfação das expectativas
comunitárias de segurança e paz social – o que lhe conferirá, por sua vez, eficácia”72.
A intervenção tutelar educativa, entretanto, tem limites consagrados no próprio texto
da LTE73, segundo o qual a necessidade de educação do menor para o direito significa que ao
jovem impõe-se o dever de respeito pelas normas jurídico-penais essenciais à normalidade da
vida em comunidade, responsabilizando-o, apenas e na medida em que ofende, de forma
particularmente grave, os bens jurídicos da comunidade.
A melhor doutrina defende que a intervenção do Estado, implicando restrições a direitos
do menor, como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal, deve ser encarada como
excecional e sujeitar-se aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, baseando-se na
probabilidade de ele reinserir-se na vida em sociedade. É nesse sentido que o novo direito do
menor norteia cada intervenção estatal, seja na escolha da medida tutelar aplicável, conforme
dispõe o nº 3 do artigo 6º, da LTE, e cuja execução pode prolongar-se até o jovem completar
21 anos, seja na efetiva aplicação de uma medida, que deve ser proporcionada à gravidade do
fato e só deve ter lugar se a necessidade de educação do menor para o direito subsista no
momento da aplicação da medida, conforme dispõe o nº 1 do artigo 7º, da LTE.
Os reflexos do princípio da intervenção mínima são encontrados em diversos outros
dispositivos da LTE, senão vejam-se as várias hipóteses a seguir descritas. O artigo 78º, por
exemplo, prevê o arquivamento liminar do processo pelo Ministério Público,
independentemente de comunicar tal providência ao juiz, caso o comportamento seja punível
com pena de prisão de máximo não superior a um ano e estejam previstas determinadas
condições ali elencadas. Para os casos cujo prazo máximo não seja superior a cinco anos, o
artigo 84º prevê a suspensão do inquérito pelo Ministério Público, se obedecidas certas
condições. O artigo 87º admite o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público se a pena
máxima aplicável não supere três anos e conclua pela desnecessidade de aplicação de medida
tutelar. Superando os três anos, prevê a alínea b) do nº 1 do artigo 93º que, saneado o processo,
o juiz arquiva-o sob proposta do Ministério Público no sentido de que não há necessidade de
aplicação de medida tutelar. A decisão de arquivamento pode naturalmente surgir também na
71Vide comentário da LTE, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, de 08/10/2008. Disponível na on line em
http://www.stj.pt/jurisprudencia/basedados. Acesso em 02/06/2014.
72Vide ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar Educativa, p. 19.
73 Vide nº 7 da Exposição de Motivos.
48
audiência preliminar ou na audiência, conforme se prevê na alínea b) do nº 3 do artigo 110º e
no artigo 120º. Vê-se, portanto, que ainda que iniciada uma intervenção tutelar educativa, a
mesma pode ser interrompida a qualquer momento, vislumbrando-se quaisquer dessas
hipóteses.
A ideia de intervenção mínima, contudo, não impede que os interesses da vítima e da
sociedade sejam igualmente tidos em consideração, pelo que a ideia de desenvolver no menor
o sentimento de responsabilidade perante os outros é primordial, de fazer-lhe perceber que seu
comportamento é danoso e provoca sofrimento aos outros, sendo portanto uma conduta
socialmente inaceitável.
No caso de prática de fatos qualificados como crimes considerados graves, puníveis em
abstrato com pena máxima de prisão superior a 5 anos, a intervenção deve ser mais enfática,
por isso a LTE prevê a possibilidade de internamento em centro educativo de regime fechado
de menores, medida que se assemelha à prisão para os adultos, dando assim uma melhor
resposta aos anseios sociais, face ao sentimento de insegurança pública. Destaca-se, contudo,
que a privação da liberdade para o jovem é potencialmente mais danosa que para o adulto, pela
fase da vida que vivencia, na qual a busca pela liberdade é a mola mestra, bem como por estar
em um processo de socialização inacabado, e só no meio social poderia aprender a socializar-
se. Portanto, os requisitos e pressupostos para aplicação dessa medida são bem restritos.
Diferentemente, na vigência da OTM, a medida de internamento era a mais aplicada, pois não
havia a devida proporção entre o fato praticado e a medida aplicada, bem como era tida como
uma forma de proteger menores inadaptados, não necessariamente como uma medida
educativa/responsabilizadora.
Assim foi a resposta do Estado Português ao compromisso assumido na CDC, em seu
artigo 40º, nº 1, de reconhecer ao menor infrator “um tratamento capaz de favorecer o seu
sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades
fundamentais de terceiros” – em outras palavras, a educação para o Direito – mas também
“facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade” –
evidenciando o papel ativo/participativo do jovem no meio social.
Respondeu ainda às expectativas dos diplomas internacionais no sentido de desenvolver
processos de desjudiciarização e de mediação, ainda que de reduzida aplicação prática,
constituindo um dos precursores da previsão expressa da mediação penal juvenil74 em um
ordenamento jurídico europeu, bem como no sentido de valorizar a aceitação do menor, a
74 Consagrada nos artigos 42º e 104º da LTE.
49
colaboração da família, sempre que lhe seja favorável, e uma atenção maior aos direitos e
interesses quer do menor, quer da vítima, quer da sociedade em geral.
O processo de mediação, cujo procedimento será melhor aprofundado no próximo
capítulo, constitui-se em uma solução restaurativa, viabilizada por diversos meios, como a
suspensão do processo, e assim evitando a submissão do menor a um processo extremamente
formal e estigmatizante, ao tempo em que proporciona maior valorização dos interesses da
vítima.
2 Finalidade jurídica
O aumento da delinquência juvenil e o surgimento de novas formas de criminalidade
fazem crescer o sentimento de insegurança na sociedade e o desejo de uma intervenção cada
vez mais repressiva do Estado. O ordenamento jurídico de vários países tem adotado diversas
estratégias, seguindo essa tendência, como a redução da maioridade penal, a previsão de penas
ou medidas mais restritivas da liberdade, o aumento da duração dessas penas etc.75
A diferenciação de política criminal para os adultos e para os jovens, iniciada em
meados do século XIX, tem regredido acentuadamente, no sentido de um intencional
desaparecimento daquela diferenciação76. Por outro lado, evidencia-se que o sistema ordinário
de justiça de menores, próprio do Estado-Providência, em que pese seu louvável avanço, não
tem consagrado plenamente os direitos fundamentais do menor e não é capaz de combater
sozinho às novas formas de criminalidade, o que gera por sua vez uma sensação de insatisfação
e desconfiança na intervenção judicial.
Trata-se de um grave problema social cuja resposta apenas repressiva do Estado e da
sociedade lhe agrega maior conflituosidade, pois a estrutura judiciária não se tem mostrado apta
a responder satisfatoriamente às exigências específicas desses conflitos que envolvem os
menores, naturalmente vulneráveis.
Excluir os jovens do convívio social como medida de primeira mão, fazendo vistas
grossas a um procedimento ineficaz, inadequado e, consequentemente, prejudicial, até alivia
momentaneamente um problema social, mas agrava um problema individual e, assim,
incentiva-se a reprodução no futuro de novos comportamentos desviados. Necessário
75 ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Responsabilização dos Menores pela Práticas de Factos qualificados como Crimes: Políticas
atuais, pp. 355/357, alude ao fenómeno que ocorre em diversos países denominado de “repenalização” das condutas do menor violadoras da
lei.
76 Neste sentido, vide SILVIA LARIZZA, Il Diritto Penale dei Minori: Evoluzione e rischi di involuzione, p. XVII e ss.
50
harmonizar o relacionamento entre a sociedade e a sua infância, através de um novo olhar sobre
esta, à luz da dignidade da pessoa humana, onde a criança nela se deve inserir.
Evidentemente as finalidades previstas no processo penal para adultos e no processo
tutelar educativo são e devem ser diferentes. Neste, o que sobressai não é seu caráter punitivo,
mas a educação do menor para o direito com a sua consequente inserção, de forma digna e
responsável, na vida em comunidade, nos termos do artigo 2º, nº 1, da LTE. Educação para o
direito porque o jovem é a pessoa que está em fase de intensa aprendizagem, a qual deve ser
orientada para a observância das normas jurídicas e de uma convivência social saudável.
A nova política criminal para os jovens tem sua fundamentação também no texto
constitucional, cujos objetivos prioritários da política de juventude estadual são “o
desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva
integração na vida activa e o sentido de serviço à comunidade” (artigo 70º, nº 2, da CRP).
É sempre importante refletir sobre a condição do menor como pessoa cuja personalidade
está ainda em formação, muito influenciável, que não teve a experiência de vida necessária para
ter ampla capacidade de entender a consequência dos seus atos e, ainda que a tenha, tem
dificuldade de autodeterminação e controle dos impulsos. Ao analisar o crescente envolvimento
de jovens em atividades mafiosas e de criminalidade organizada, RESTA aduz que o mesmo
tem origem não só na inimputabilidade dos menores mas também no investimento que os
grupos criminosos fazem no jogo da fidelidade do menor, que a eles se atraem quer por pobreza,
quer porque é difícil resistir aos agrados, quer porque imitar modelos é fácil, onde eles não têm
outro, pois os papéis geracionais estão invertidos totalmente77. Evidencia assim a particular
vulnerabilidade do menor, que deve ser considerada aquando da consideração da medida mais
adequada a ser aplicada.
É com base nestas fragilidades típicas da idade que a política criminal determina o
afastamento do jovem inimputável do sistema penal e assim, nas palavras de MOURA, "subtraí-
los à mais gravosa das intervenções estaduais, à sua sujeição precoce a um sistema carregado
de uma simbologia social negativa, a condições de execução da pena tantas vezes
criminógenas"78, e adverte que "a melhor defesa da sociedade ocorrerá, não quando o
condenado seja simplesmente expulso ou fique intimidado, mas quando seja ajudado a reinserir-
77 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 11.
78 JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, ob. cit., p. 102.
51
se. Configurando-se tal reinserção como componente não desprezível da felicidade
individual"79, um dos novos direitos da era moderna, que tem sido cada vez mais aclamado.
As inovações introduzidas pela LTE nunca tiveram como intuito a introdução de uma
política repressiva, sancionatória ou intimidatória. Visam reconhecer aos menores as garantias
concedidas aos adultos pelo direito constitucional, pelo direito processual penal e pelo próprio
direito penal, mas ao mesmo tempo subtraindo-os ao sistema penal, no que salvaguardam os
reflexos positivos do modelo de proteção, designadamente a natureza educativa das medidas
aplicáveis e a profunda consideração dos interesses do menor80, acrescida do sentido de
responsabilização, indispensável para contribuir com o atendimento das expectativas
comunitárias e do próprio interesse do menor. É exatamente por não visar a punição que a
intervenção tutelar educativa só tem lugar quando a necessidade de correção da personalidade
do menor persistir no momento da aplicação da medida.
Louvável a evolução da posição atribuída ao menor na sociedade e a tomada de
consciência das suas limitações e, em sentido oposto, do seu potencial de readequação aos
valores e normas jurídicos. O novo panorama no direito tutelar do menor já não o vê como
objeto do Direito mas essencialmente como titular de direitos. Nesse sentido, é relevante
valorizar uma intervenção na qual o mesmo tenha “voz”, possa exprimir suas razões e vontades,
e que ao mesmo tempo lhe incuta o desejo de um comportamento mais responsável diante de
seus atos, contribuindo assim para a prevenção geral.
Em que pese no processo tutelar educativo a segurança da sociedade estar em segundo
plano, essa política de educação do menor para o direito vem claramente a se conformar com
as exigências comunitárias de segurança e de paz social. Para além disso, é muito importante
atentar-se para outra perspetiva trazida pela LTE, conforme adverte PEDROSO, pois nesse
“[…] novo modelo de ‘atores sociais’ e da ‘pedagogia da responsabilidade’ esta concepção dos
direitos da criança e do jovem será acompanhada pela tomada em consideração dos direitos da
vítima e pela abertura do sistema à participação da comunidade” 81. Vítima e comunidade são,
pois, convidados a envolverem-se nesse processo de pacificação social e de resolução do
conflito.
79 Idem, p. 114.
80 Nesse sentido ver SABRINA SMITH CHAVES e LEONOR FURTADO, ob. cit., p. 12.
81Vide JOÃO PEDROSO, Direito de Menores, um “direito social”?, in JOANA MARQUES VIDAL (ed.), O Direito de Menores: Reforma ou
Revolução?, p. 72.
52
A nova política na administração da justiça de menores, portanto, vai além da ideia de
intervenção mínima, pois valoriza a subsidiariedade da intervenção judiciária e a participação
ampla de todos os envolvidos em um novo modelo de intervenção fundado em “mecanismos
alternativos, desviados e menos formais de lidar com a eventualidade nociva”82. Dentre eles,
destaca-se a intervenção dos serviços de mediação, mecanismo de justiça restaurativa ou
reparadora que foi introduzido de forma inovadora no ordenamento jurídico nacional pela LTE,
e que é capaz de atender à proposta da educação para o direito e reinserção social tanto ou mais
que no próprio processo judicial, além de trazer ao foco também as necessidades da vítima,
cujos interesses poucas vezes têm espaço para acolhida.
Propõe-se, pois, a criação de instâncias alternativas ao modelo judicial de realização da
Justiça que permita “alargar os horizontes da vítima e do agressor, ao criar-lhes uma melhor
oportunidade de confissão, de arrependimento sincero, de perdão e de reconciliação”83, em
consonância com as normas internacionais sobre a administração da justiça aos jovens
delinquentes.
Se o escopo da intervenção tutelar é a educação e o fomento do sentido de
responsabilidade do menor infrator, e sendo possível obter esses fins evitando a estigmatização
pela submissão a um processo ou a um comando judicial, evidencia-se a importância de novas
e adequadas propostas, tais como a da mediação penal juvenil, que surge como um meio eficaz
que, mais do que privilegiar o superior interesse da criança, propõe atender ao mesmo tempo
interesses da vítima, do Estado e de toda a sociedade, posto que a todos interessa encontrar
meios de harmonização social e de prevenção de crimes.
Não bastassem esses interesses primários, a mediação penal juvenil bem aplicada
colabora para que o Estado provenha os interesses das crianças sem sobrecarregar o Judiciário,
de forma que seus direitos sejam efetivamente respeitados e “viabilizados”, tornando-as sujeitos
no pleno gozo de seus direitos, liberdades e garantias, conforme compromisso assumido a nível
internacional.
Por fim, dentro do quadro jurídico destinado aos menores, evidencia-se que as
finalidades da LTE e da LPCJP ainda que distintas, não são contraditórias. Afinal esta lei, em
seu artigo 34º, afirma que as medidas de promoção dos direitos e proteção das crianças e dos
jovens em perigo têm como finalidade:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
82FRANCISCO AMADO FERREIRA, Justiça Restaurativa: Natureza, finalidades e instrumentos, p. 11.
83 FRANCISCO AMADO FERREIRA, ob. cit., p. 25.
53
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde,
formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma
de exploração ou abuso.
Verifica-se pois que ambas as leis têm como princípio basilar o interesse do menor,
sendo-lhes secundário o interesse público, nomeadamente à segurança, que é um valor essencial
para a convivência em sociedade. Entretanto, discorreremos acerca da proposta promissora que
a mediação penal traz e que pretende atender aos interesses de todos os envolvidos, nestes
incluída também a comunidade.
55
CAPÍTULO III - Mediação Vítima-Agressor e os Interesses envolvidos
1 Aspetos Gerais
O crime não é uma ofensa apenas contra indivíduos, é uma ofensa contra a sociedade
em geral, pois afeta a confiança que as pessoas têm sobre seus semelhantes e a vontade de
trabalhar em conjunto para as causas de interesse comum, enfraquecendo assim todo o tecido
social84. CERETTI alerta para o enfraquecimento das comunidades locais dos nossos tempos,
pois vive-se relações interpessoais cada vez mais atomizadas e superficiais, onde um não
condivide com o outro valores e interesses85. O encarceramento do infrator, por sua vez, não é
capaz de remediar esses efeitos. FIGUEIREDO DIAS aduz que o Estado, ao utilizar
excessivamente a lei penal e a estrutura carcerária, “acaba por ‘produzir’ muitíssimo mais
delinquência do que aquela que é capaz de evitar”86. Importante, portanto, atentar para soluções
que sejam capazes de reconstruir o vínculo social.
Tem-se defendido a consideração de uma nova política criminal baseada na intervenção
mínima, que seja capaz de superar um modelo de repressão e enfrentamento em favor do
consenso e da tolerância, por via de um necessário aproveitamento dos recursos comunitários.
Nesse mister, importante papel têm os movimentos da descriminalização e da diversão, sendo
este o que interessa particularmente ao nosso estudo.
A diversão, ou desjudiciarização, relaciona-se à resolução alternativa de conflitos,
portanto, visa alcançar a solução dos conflitos penais fora do sistema formal de aplicação da
justiça penal, especialmente para os delitos de pequena e média gravidade, a fim de evitar o
efeito estigmatizante da submissão a um processo criminal e, em particular, da aplicação de
sanções criminais, que muitas das vezes geram novos comportamentos criminosos ou
desviantes. Assim, favorece-se a reinserção social do delinquente e contribui-se indiretamente
com as expectativas comunitárias de segurança.
Inspirados nesse movimento, mas com a atenção voltada especialmente às vítimas, os
progressistas nos Estados Unidos se engajaram em desenvolver a teoria denominada de Justiça
Restaurativa, ou Reparadora, que objetiva uma maior conscientização sobre as necessidades da
vítima e a reparação da comunidade, ao invés de simplesmente encarcerar indivíduos. A ideia
84 DAVID LERMAN, Restoring Justice, in MENKEL-MEADOW, Carrie (ed.). Mediation: theory, policy and practice, pp. 591/593.
85 ADOLFO CERETTI, ob. cit., p. 47.
86 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português: As consequências jurídicas do crime, p. 64.
56
surgiu inicialmente no final da década de 70, quando Howard Zehr, seu principal teórico, dirigiu
o primeiro programa de reconciliação vítima-ofensor nos Estados Unidos, tendo sido bastante
difundida na América do Norte e com menor visibilidade também na Europa. Apesar da
desconfiança inicial, um crescente número de organizações de apoio às vítimas começou a
engajar-se no apoio à Justiça Restaurativa, pois os princípios de ambos são correlatos87 88.
Sendo a mediação uma antiga estratégia de resolução pacífica dos conflitos em diversos
âmbitos, centrada nos próprios envolvidos, sua retomada no século XX deu-se inicialmente em
questões de família e trabalhistas, mas também no âmbito criminal ela veio a ser proposta89,
ainda que inevitavelmente tenha recebido maior resistência, tendo em vista que o crime,
enquanto conflito, tem repercussão não só na esfera individual, mas em toda a comunidade.
Conhecida como victim-offender mediation (VOM), a mediação vítima-ofensor ou
mediação penal surgiu como uma das ferramentas da justiça restaurativa. Os primeiros projetos
na Europa datam do início da década de 80, sendo pioneiros a Inglaterra, Áustria, Finlândia,
Noruega e França, e foram sendo desenvolvidos de maneira não linear. Entretanto, o crescente
número de normas internacionais acerca da mediação possibilitou uma maior aproximação dos
modelos existentes nos diversos países. Além disso, no fim dos anos 90 as instâncias públicas
nacionais começaram a interessar-se mais explicitamente pela justiça restaurativa90. Para
melhor compreender esse novo paradigma de justiça, passamos a discorrer sobre suas
características gerais, fazendo um breve paralelo entre a justiça penal, de inspiração retributiva,
e a justiça restaurativa, abordagem padrão proposta por ZEHR91.
A lei criminal, base normativa da justiça penal, tem como foco identificar qual
dispositivo legal foi infringido, quem o infringiu, e qual a penalidade que lhe cabe. A justiça
restaurativa, por sua vez, questiona quem foi prejudicado, como foi prejudicado, e como o
ofensor, a comunidade e o sistema de justiça podem ajudar a reparar o dano.
87 Sobre as diferentes origens do Movimento de Apoio às Vítimas e da Justiça Restaurativa vide CHRIS CUNNEEN e CAROLYN HOYLE,
Debating Restorative Justice, p. 109 e ss.
88 FREDERICO MOYANO MARQUES e JOÃO LÁZARO, A Mediação Vítima-Infractor e os Direitos e Interesses das Vítimas, in PELIKAN,
Christa et al, A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, pp. 27/29, em conformidade com a preocupação
já demonstrada por HOWARD ZEHR, aduzem para as dificuldades que na prática se demonstram, pois, especialmente na mediação com jovens
infratores, a vítima tem sido secundarizada e instrumentalizada, causando por vezes a sua vitimização secundária.
89 ANNA MESTITZ, Capítulo I, in MESTITZ, Anna and GHETTI, Simona (eds.), Victim-Offender Mediation with Young Offenders in Europe:
An overview and comparison of 15 countries, p. 4, aduz que a primeira mediação penal juvenil foi proposta em 1974, em Kitchener, Ontario,
Canadá.
90 Neste sentido vide IVO AERTSEN e TONY PETERS, As Políticas Europeias em Matéria de Justiça Restaurativa, Sub Judice, nº 37, p. 37.
91 Vide HOWARD ZEHR, Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice. Scottsdale, PA: Herald Press, 1990.
57
Segundo a ideologia restauradora, a justiça não é definida como infração e sanções
penais correspondentes, mas como relacionamentos e resultados adequados92. É que o crime
vem a ser considerado como uma violação às pessoas e às relações interpessoais e, portanto,
necessário encontrar soluções que remediem os erros cometidos. A moderna teoria do conflito
tem seus reflexos nesse novo paradigma de resposta ao crime, que propõe encontrar os aspetos
positivos do conflito seja para a vítima, seja para o agressor, seja para toda a comunidade.
É que no sistema tradicional de justiça penal a vítima muitas vezes sente-se duplamente
vitimizada: primeiramente pelo ofensor, e depois pelo próprio sistema de justiça, pois sente-se
frustrada e ignorada. Os altos custos do encarceramento também são um ponto negativo do
sistema retributivo de justiça. Por fim, outro grande aspeto de evidência nos Estados Unidos
propiciou o empenho em difundir os novos princípios da justiça restaurativa: o fato de que o
país detinha um alto índice de encarceramento e era um dos poucos países que aceitavam a pena
de morte, entretanto, esta rigidez das leis penais não foi nem tem sido capaz de servir como
propulsora da prevenção de comportamentos criminosos, conforme se vê nos constantes
noticiários de violência contra minorias e de massacres com armas de fogo.
Em que pese ter inaugurado um novo e promissor paradigma de justiça, a atual política
americana, chamada de “tolerância zero”, vem na contramão daqueles avanços. Muitas críticas
têm sido feitas à mesma, pois recriminaliza a delinquência juvenil e retoma práticas ultra-
repressivas. Essa tendência, a nosso ver, é um contrassenso com os efeitos negativos obtidos
com o encarceramento excessivo. Essa política sufoca o problema da delinquência com o
aparente intuito de resolvê-lo, o que entretanto só o faz ampliar-se e tornar-se ainda mais
perigoso. São outros valores sociais em crise que devem obter maior foco, de forma a resolver
o problema em sua origem.
Apesar dessas evidências que, regra geral, são encontradas nos mais diversos países,
também aqui na Europa alguns países seguem esse curso. No âmbito da delinquência juvenil,
recentemente, a Recomendação nº R (2003) 20, do Comité de Ministros do Conselho da Europa,
de 24 de Setembro de 2003 – Novas Formas de Tratamento da Delinquência Juvenil e o Papel
da Justiça Juvenil, trouxe um suporte legal a uma política mais repressiva. Partindo da
verificação de que a delinquência juvenil constitui um motivo de grande preocupação num certo
número de países europeus, recomenda aos Estados-Membros uma abordagem mais estratégica
do problema e a procura de novas respostas e soluções, atentando-se à necessidade de combater
infrações graves, violentas ou repetidas praticadas por menores.
92 MARK S. UMBREIT, The Handbook of Victim Offender Mediation: An essential guide to practice and research, p. xxxi.
58
O diploma estabelece a prevenção como objetivo principal da justiça juvenil, a educação
e a reinserção do menor ocupam lugar secundário, e, em terceiro lugar, elenca a consideração
das necessidades e interesses da vítima (artigo 1º). Parece seguir, pois, em sentido contrário à
tendência verificada a partir do final da década de 80: utilização do processo penal como ultima
ratio. Em muitos países isso resultou no regresso do menor ao direito penal, sob diversas
formas93.
A Recomendação nº R (2003) 20 trouxe, porém, alguns aspetos positivos, como a
recomendação de que a expansão de mecanismos de diversão do processo penal deve continuar,
sempre de forma que respeite o superior interesse das crianças, o princípio da
proporcionalidade, e que sejam aplicados, em princípio, somente nos casos em que a
responsabilidade seja livremente reconhecida pelo menor94. Quanto ao reconhecimento da sua
responsabilidade, é mister destacar os limites à aplicação de práticas restaurativas decorrentes
do princípio da culpa, tendo em vista que esta detém um papel de limitação da responsabilidade.
São exemplos desses limites, a inadmissibilidade de tais práticas restaurativas se não houver
indícios do ato infracional ou se a participação do menor vier a ser valorada como admissão de
culpa, em eventual processo judicial posterior95.
Essa tendência repressiva parece ter recuado recentemente. As Diretrizes do Comité de
Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adotadas em 17 de
Novembro de 201096, na letra A, ponto 6, nºs. 19 e ss., reassumem a ideia de que a privação da
liberdade do menor deve ser medida de ultima ratio, cuja orientação é conforme à nova
ideologia restaurativa, na qual mais do que a ilegalidade do ato, importa atentar para os
envolvidos e as consequências dos crimes sobre estes. Portanto, a gravidade dos fatos já não se
decide em função da norma penal, mas da própria vivência dos atores implicados no
cometimento do delito (vítima e delinquente)97.
A mediação humanista surge então como propulsora do ideal restaurativo, aplicada
através da VOM, em seus diversos enquadramentos assumidos pelos países, sendo considerados
93 Nesse sentido vide ANTONIO CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., p. 356.
94 Para aprofundamento vide SILVIA LARIZZA, ob. cit., p. 109 e ss.
95 Vide CLÁUDIA CRUZ SANTOS, ob. cit., pp. 417/419.
96 Esse diploma aborda a questão da posição e do papel, bem como das opiniões, dos direitos e das necessidades das crianças nos processos
judiciais e nos procedimentos alternativos de resolução de litígios, visa suprir as deficiências e lacunas das legislações nacionais e contribuindo
para a identificação de soluções concretas.
97 Nesse sentido, vide PAULO GUERRA, A Lei Tutelar Educativa – para onde vais? Julgar, nº 11, p. 102.
59
os principais modelos de mediação penal o francês e o anglo-saxão98. Como visa dar uma
resposta mais humanista ao crime, para além da consideração extra dada à vítima, também o
ofensor é reconhecido como um indivíduo que carece de segurança, escolhas e tratamento
respeitoso.
Do ponto de vista dos envolvidos, percebe-se que o paradigma da justiça retributiva tem
como primeira vítima do crime o Estado, desempenhando a vítima e o ofensor um papel
meramente passivo. A justiça restaurativa, como visto, reconhece o crime como um ato que
essencialmente é dirigido contra indivíduos e as relações, e que os mais afetados por essa prática
devem participar mais ativamente da resolução do conflito99. Além disso, a mediação considera
o crime não somente como uma ofensa que provoca danos materiais ao indivíduo e à sociedade,
mas sobretudo como um comportamento danoso que provoca dor, sofrimento e em alguns casos
também a morte100, pelo que esses aspetos socioafetivos devem receber a devida atenção.
Para além de ser um processo mais humano, que ajuda os envolvidos a superarem o
conflito de uma maneira mais construtiva, a mediação é ainda capaz de proporcionar maior
prevenção de conflitos101, por seu caráter pedagógico e responsabilizador, evidenciado
sobretudo no âmbito da delinquência juvenil. É que sendo uma prática de apoio à justiça
restaurativa que permite à vítima fazer perguntas que, em geral, não teria oportunidade de fazer
no sistema tradicional de justiça, bem como de expor os reflexos do ato criminoso em sua vida,
o ofensor aprende as consequências de seu ato por si só, ao invés de por meio de declarações
do juiz ou do órgão de acusação, gerando-lhe um maior sentimento de responsabilização.
Não obstante o foco no diálogo entre as pessoas envolvidas, o mediador também ajuda
as partes a traçarem planos de reparação dos danos materiais e morais sofridos, que podem
incluir, p. ex., a indenização pelos danos causados e a prestação de serviços à comunidade,
especialmente se relacionados às características do ato infracional praticado.
98 NASTASSYA IMPERIALE, La Mediazione Penale Minorile: Aspetti giuridici e sociologici, disponível on line em:
http://www.altrodiritto.unifi.it/ricerche/minori/imperial/introduz.htm. Acesso em 08/09/2015. Grandes nomes da mediação humanista são
JACQUELINE MORINEAU, da França, e MARK. S. UMBREIT, dos Estados Unidos.
99 CRISTIANO COSTANTINO LODDO, La Mediazione Penale Minorile, p. 2, lembra que esse panorama remete-nos ao contexto das antigas
sociedades pre-estatais, nas quais as ofensas envolviam exclusivamente agressor e vítima, sem a intervenção de autoridades. A justiça
restaurativa realmente propõe que os principais interessados retomem para si o poder de solucionar seus próprios conflitos, ou, em consonância
com o pensamento da autora CLÁUDIA CRUZ SANTOS, exposto na nota de rodapé nº 8, que as partes assumam seu papel de resolver seus
próprios conflitos, já que o Estado se ocupa apenas do macro-conflito.
100 BARBARA MORETTI, Mediazione e Reati Violenti contro la Persona: Nuovi confini per i paradigmi di giustizia riparativa?, in
MANNOZZI, Grazia (a cura di), ob. cit., pp. 87-88.
101 ANNA MESTITZ, ob. cit., p. 5, aduz que recentes estudos têm demonstrado a capacidade de redução das taxas de reincidência decorrente
de práticas restaurativas, sendo a VOM aquela mais adotada nos países da Europa, seja com delinquentes adultos ou jovens.
60
Tradicionalmente nos países de civil law a solução negociada pelas partes é vedada no
Direito Penal, em razão da indisponibilidade dos bens jurídicos nele protegidos e das espécies
de pena taxativamente definidas. Entretanto, esta realidade mudou e a própria lei máxima dos
Estados, a Constituição, influenciada que seja por diplomas internacionais que traçam
princípios básicos na matéria, tem permitido a transação penal dentro de certos limites,
legitimando assim a elaboração de leis que incentivam o consenso entre as partes mesmo nessa
área.
A nível de regulamentação internacional, por exemplo, o Conselho da Europa, com a
Recomendação nº R (85) 11, sobre a posição da vítima no âmbito do direito penal e do processo
penal, propôs aos Estados Membros de eliminar as restrições legislativas e os impedimentos de
ordem técnica, a fim de consentir aos tribunais penais de determinar ao delinquente a reparação
à vítima, havendo atualmente nos diversos ordenamentos jurídicos várias hipóteses de aplicação
da restituição como sanção autónoma, a exemplo de previsões normativas na justiça de paz e
na justiça de menores. Recomendou ainda a introdução, antes do início do processo, de
procedimentos de mediação, reparação e ressarcimento.
O termo reparação não representa, como visto, o simples ressarcimento em termos
económicos, seu sentido é mais amplo e abrange a instauração ou reinstauração da comunicação
entre vítima e ofensor, e favorece a difusão de um maior sentido de segurança pública. A
aplicação por parte da justiça restaurativa da mediação para alcançar um acordo de reparação
vem a constituir, portanto, importante instrumento desse novo paradigma de justiça.
A ideia de uma justiça restaurativa não se limita, portanto, a traçar estratégias para
superar a crise da justiça meramente retributiva, vai muito mais além. O foco se mantém nas
próprias partes envolvidas, sendo o diálogo e a ampla reparação o meio de dar voz ao verdadeiro
interesse da vítima e de fazer o infrator confrontar-se com sua própria conduta e com suas
consequências.
Mais do que o ressarcimento do dano, a mediação penal visa dar à vítima a oportunidade
de falar com o ofensor e de obter as respostas de que precisa, relativamente às motivações por
trás do crime cometido. Durante o processo, vítima e ofensor têm a oportunidade, não
encontrada no processo judicial, de relatar os efeitos em si mesmos do ato praticado. Dá-se
espaço a que os sentimentos altruístas de compaixão, caridade e compreensão possam fluir, ao
invés do puro sentimento de vingança. É nesse sentido que a Recomendação nº R (87) 21, do
Conselho da Europa, referente à assistência às vítimas e à prevenção da vitimização, recomenda
aos Estados Membros de adotar as medidas de proteção às vítimas, de modo a evitar o fenómeno
61
da vitimização secundária, e convida os Estados a promover as experiências de mediação entre
o réu e a vítima, atentando para procedimentos que garantam melhor os interesses desta.
Na mediação vítima-ofensor, não só a vítima, mas ambas as partes podem alcançar um
melhor sentido de encerramento e superação dos conflitos para seguirem em frente mais
aliviados e satisfeitos. Ao tomar conhecimento direto das consequências de seus atos na vida
da vítima, o ofensor tem uma maior perceção dos danos que cometeu e tende a assumir mais
facilmente suas responsabilidades. Aliás, a doutrina enfatiza a importância do ofensor assumir
previamente sua responsabilidade pelo comportamento danoso, pois só assim será possível um
diálogo franco e aberto sobre as consequências do crime e sobre a melhor forma de reparação
do dano, de outro modo favorecer-se-ia uma vitimização secundária102.
Durante um processo exitoso, os sentimentos altruístas são percebidos em todos os
envolvidos, pois não raras vezes o ofensor expressa em lágrimas seu arrependimento e faz um
pedido sincero de desculpas, e a vítima é capaz de perdoar a ofensa e sentir-se aliviada, ainda
que possam ser sempre discutidas formas de reparação do dano cometido, de comum acordo,
como o ressarcimento financeiro ou prestação de serviços à comunidade.
Para além da atenção desviada aos interesses da vítima e de envolvê-la no processo de
“fazer justiça”, a justiça restaurativa propõe maior envolvimento da comunidade na prevenção
de crimes, respondendo à criminalidade, seja no apoio à vítima, seja ajudando na
ressocialização do infrator através do acolhimento de práticas reparadoras. Ou seja, o foco dá-
se sobre os três envolvidos: vítima, ofensor e membros da comunidade, conduzindo-os à
restauração dos laços sociais.
Reequilibra-se a atenção excessiva sobre a figura do ofensor e sobre a punição devida,
passando-se a ter em conta também os interesses da vítima, ajudando-a a ela e à comunidade a
extrair os aspetos positivos do conflito e a construírem ligações mais fortes entre si.
Tem um grande potencial de aplicação na justiça tutelar de menores e tem sido usada
maioritariamente em crimes contra a propriedade e outros de menor potencial ofensivo.
Entretanto, pode ser aplicada mesmo em casos selecionados de crimes mais graves e violentos,
como a violência sexual, e mesmo o homicídio, quando a preparação para a mediação deve ser
102 Neste ponto reside o problema de eventual retorno do processo ao sistema formal de justiça e a garantia de presunção de inocência e de não
auto-incriminação. Sobre este tema, entretanto, tratar-se-á posteriormente, quando discorreremos sobre as dificuldades e propostas acerca da
mediação penal.
62
mais lenta e cuidadosa103. Adverte-se, contudo, que a escolha dos casos e seleção das partes que
podem participar no processo, deve ser criteriosa, a fim de evitar-se gerar no infrator o
sentimento de impunidade pela utilização benevolente de um procedimento extrajudicial e à
vítima uma eventual re-vitimização.
Interessante um caso de mediação realizado pelo Istituto Don Calabria, centro de
mediação ligado ao Tribunal de Menores de Veneza, e sediado na cidade de Verona-Itália.
Trata-se de um homicídio culposo, por acidente de trânsito, agravado pela fuga do local do
crime, sem prestar socorro à vítima. Reporta o centro que a mediação foi significativamente
satisfatória para ambas as partes, o adolescente e a viúva. Aquele fez um pedido sincero de
desculpas, tendo justificado sua fuga pelo medo que o acometeu. A viúva, por sua vez, aceitou
suas desculpas. Ambos combinaram de, em um gesto simbólico, levarem juntos algumas flores
ao túmulo do falecido. Ainda como modalidade simbólica de reparação, ou seja, não vinculada
a um carácter pecuniário, o menor prestou serviços a uma casa de repouso para anciãos, no
período de um ano e meio. Tendo em vista que o adolescente desempenhou bem suas atividades
e tendo a mediação sido concluída positivamente, o juiz decidiu em audiência por dar-lhe o
perdão judicial, encerrando o processo104.
Diferentemente de mediações em que o caráter pecuniário tem maior ênfase, como a
comercial e a trabalhista, a mediação penal foca-se no impacto que o conflito tem sobre as vidas
dos envolvidos, tendo o acordo de restituição um papel secundário, inclusive segundo opinião
das vítimas, conforme evidenciam as pesquisas.
Outro caso de delinquência juvenil mediado pelo Istituto Don Calabria, no qual
participamos, evidencia este aspeto. Trata-se de um conflito em que um adolescente esbofeteou
um idoso, após sentir-se desafiado. Com o ataque, o idoso caiu ao chão e teve múltiplas fraturas
no fêmur, que o fizeram internar-se em hospital e ficar acamado por cerca de 3 meses. No
103 A mediação em crimes violentos ainda está em fase experimental, e é considerada dentro de um contexto mais amplo do modelo restaurativo,
chamada por MARK UMBREIT de Victim-Sensitive Offender Dialogue (VSOD). Vide MARK UMBREIT, ob. cit., p. 256 e ss; e, BARBARA
MORETTI, ob. cit., p. 85 e ss. Entretanto, já em 1985 a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou, nas “Regras de Beijing”, que a
utilização de meios alternativos não se restringe apenas aos casos de infrações não graves, pois as circunstâncias especiais de cada caso
poderiam justificar o recurso a meios extrajudiciais mesmo quando cometidas infrações mais graves, como por exemplo, a primeira infração
ou ato cometido sob pressão de companheiros do menor, conforme observado no Comentário à regra 11.4. Além disso, PELIKAN aduz que
os efeitos positivos da mediação sobre a vítima são maiores e mais pronunciados quando é utilizada em crimes mais graves, conforme
demonstram suas evidências empíricas, in CHRISTA PELIKAN, ob. cit., p. 21.
104 No ordenamento jurídico italiano, conforme se verá em momento oportuno, a mediação pode levar à extinção do processo por irrelevância
do fato (artigo 27 do D.P.R. 448/98) ou à extinção do processo por êxito positivo da prova (artigo 29 do D.P.R 448/98). Entretanto, também
pode desempenhar um papel importante quanto à concessão do perdão judicial (artigo 169 do CP), conforme recorda GRAZIA MANNOZZI,
ob. cit., p. 278.
63
processo, estiveram presentes os advogados das partes, a mãe do adolescente e a esposa da
vítima. Ainda abalados, estes relataram sua surpresa e deceção pelo ocorrido, pois a vítima e
sua família eram moradores da vizinhança e mantinham entre si uma relação de cordialidade
havia anos, e após o corrido ninguém os procurou para pedir desculpas ou saber o estado de
saúde do idoso. A mãe do jovem, por sua vez, assumiu o erro do filho e disse que estavam
dispostos a ressarcir todos os prejuízos. Entretanto, a ausência de respostas que justificassem
de algum modo o ocorrido e o distanciamento do infrator e de sua mãe, reduzindo a solução do
dano ao aspeto puramente económico, tornaram-se uma forma de agravar ainda mais o
sofrimento da vítima e de sua família.
Após uma paciente escuta ativa, e utilizando-se das técnicas adequadas, o mediador
pôde extrair daquele conflito um outro a que estavam passando o adolescente e sua família, pois
seus pais tinham-se divorciado pouco antes do cometimento da infração, e sua mãe, que ficou
sozinha a cuidar do filho, estava em um estado crónico de depressão, não conseguindo acolher
emocionalmente qualquer outro problema. O filho, por sua vez, emocionalmente afetado pela
situação dos pais, tinha-se arrependido totalmente pelo que fez, entretanto relatou entre lágrimas
que tinha medo ou receio de ir até à casa dos idosos para lhes pedir perdão, pois poderia agravar
a raiva ou o mal causado. Após uma longa conversa, que permitiu uma acolhida e compreensão
recíprocos, o arrependimento e o perdão entre todos vieram à tona, e ficou acordado que o
menor faria trabalhos voluntários em um asilo, a fim de aproximar-se da realidade dos idosos e
melhor respeitá-los, e a vítima e sua esposa ofereceram-se gentilmente para receber o jovem, e
a sua mãe se assim o desejasse, uma vez por mês, para um café em casa, para que ele pudesse
relatar suas atividades no asilo e que encontrasse um lar acolhedor e a oportunidade de restaurar
o mal cometido, sem que houvesse contra ele qualquer sentimento de vingança ou
ressentimento. A questão dos prejuízos materiais assumidos pela vítima foi resolvida em
momento posterior.
UMBREIT explica, em síntese, que a justiça restaurativa enfatiza a importância de
elevação do papel da vítima e dos membros da comunidade, acolhida dos ofensores pelas
próprias pessoas violadas, restauração das perdas emocionais e materiais das vítimas,
oferecimento de oportunidades de diálogo, tudo de modo a que se estabeleça um sentido mais
amplo de segurança pública, resolução de conflitos e encerramento para todos os envolvidos105.
Inspirada nesses fins, a mediação vítima-ofensor apresenta-se como uma forma pacífica
de resolução dos conflitos, em resposta ao mal causado pelo crime, fundada no diálogo e não
105 MARK S. UMBREIT, ob. cit., p. xxv.
64
na adversariedade, que não se serve da pena para desencorajar ou reprimir infrações, mas da
restituição como um meio de restaurar e colmatar os anseios mais sublimes das partes106.
Neste ponto, importante distinção deve ser feita entre práticas restaurativas e justiça
restaurativa. As práticas restaurativas consistem em imposições legais ou judiciais de medidas
reparativas, como a prestação de serviços à comunidade ou reparação do dano, ainda que
estejam inspiradas por fins restaurativos, como a restauração de certo sentido de segurança e
cooperação dentro da comunidade107. A justiça restaurativa, por sua vez, requer significativo
diálogo entre os envolvidos, acerca da infração e dos efeitos na vida de cada um, de forma que
possam aproximar-se no sentido de compreensão e respeito recíprocos, e ao final acordarem
sobre a melhor forma de reparar os danos cometidos. Além disso, não se baseia em posições,
como autor e réu no processo judicial, e na busca da verdade dos fatos, mas cinge-se aos
interesses e ao consenso entre as partes.
Por fim, a valorização da participação da comunidade deve-se a dois motivos: seja
porque ela pode servir de apoio à vítima e ao infrator, seja porque a justiça restaurativa
reconhece a comunidade como um dos três prejudicados pela infração (vítima, infrator e
comunidade), ainda que como uma vítima secundária ou indireta108. Por outro lado, e
considerando-se um aspeto ainda mais evidente no âmbito da delinquência de menores,
reconhece-lhe também uma responsabilidade pelas condições sociais que contribuem para o
comportamento criminoso109, razão pela qual o infrator deve ser tratado com respeito e
reinserido socialmente, encorajando toda a comunidade a envolver-se no processo de
responsabilização do ofensor e a que encontre respostas ao crime capazes de cicatrizar os danos
sofridos pela vítima e pelo próprio ofensor. Assim, a comunidade volta a ter o papel de resolver
o problema do crime, que lhe cabia antes da formação do Estado e da publicização dos meios
de resolução dos conflitos.
106 Importante, entretanto, atentar para o fato de que tanto a justiça restaurativa como a justiça penal têm finalidades curativas e punitivas, ainda
que quanto a estas, os males decorrentes da reparação do dano (punição) assumida pelo próprio infrator na justiça restaurativa não detêm o
mesmo peso que aquela sanção imposta pelo sistema penal. A finalidade curativa, por sua vez, está caracterizada pelo fato de que em ambos
os sistemas pretende-se a reintegração do infrator na sociedade e a prevenção de novos crimes. A diferença entre as finalidades dos dois
paradigmas é muito mais quantitativa do que qualitativa, conforme melhor esclarece CLÁUDIA CRUZ SANTOS, ob. cit., pp. 348/355.
107 Neste sentido vide CHRIS CUNNEEN e CAROLYN HOYLE, ob. cit., p. 14 e ss. Os autores acrescentam que, enquanto as práticas
restaurativas ajudam as vítimas a se recuperarem do crime, viabilizam a reparação material às comunidades afetadas e a reabilitação dos
ofensores, a justiça restaurativa vai mais além, devido ao seu potencial de ressocialização do infrator e encorajamento de condutas pró-
sociedade, que consideram ser sua principal aspiração.
108 CHRIS CUNNEEN e CAROLYN HOYLE, ob. cit., p. 17.
109 MARK S. UMBREIT, ob. cit., p. xxix.
65
Os membros da família ou outras pessoas de apoio que porventura participem do
procedimento também têm a oportunidade de perceber melhor o impacto do crime em todos os
envolvidos, e podem expressar suas preocupações e obter respostas a questionamentos.
Também a comunidade em geral se beneficia da expansão de práticas não violentas de resolução
de conflitos por meio de programas de mediação penal, podendo alguns de seus membros
inclusive desejarem voluntariamente especializar-se na prática da mediação, envolvendo-se
diretamente na formação de uma comunidade mais segura e aberta ao diálogo.
A justiça restaurativa é, pois, o paradigma no qual se insere a mediação vítima-ofensor,
como forma de resolução de conflitos criminais (delinquência de adultos ou jovens), frente à
justiça retributiva, cujo maior expoente é o processo judicial. Outras práticas restaurativas,
entretanto, têm sido desenvolvidas, como as conferências e os círculos de sentença, dentre
outros110. “Estas estratégias partilham aspectos dos processos de informalização, promoção da
decisão pelo consenso, adopção de métodos não adversariais e reforço de medidas reparadoras
tendo por base a comunidade”111.
Destaca-se ainda que alguns programas de mediação penal são denominados de
encontros entre vítima e ofensor, conferência entre vítima e ofensor, e reconciliação entre
vítima e ofensor. Além disso, desenvolveu-se uma evidente heterogeneidade de procedimentos
e práticas da VOM nos diversos países, bem como diferentes momentos de sua aplicação.
Apesar dos estudos atestarem que em geral há satisfação dos envolvidos nos resultados
da mediação penal, essa prática ainda tem encontrado bastante resistência na sociedade, seja
por medo ou por desconhecimento acerca do procedimento e das suas vantagens. A prática
indiscriminada do processo, por profissionais não adequadamente preparados, bem como sua
aplicação obrigatória, são outros aspetos que contribuem para uma visão negativa da mediação
vítima-ofensor. Por fim, os programas de justiça restaurativa podem facilmente perder sua
essência quando inseridos em contextos nos quais o foco é sobre o ofensor, a exemplo da justiça
de menores. As dificuldades encontradas na área, entretanto, serão melhor tratadas em momento
posterior do estudo.
110 Para uma breve distinção entre os instrumentos referenciados, vide TERESA L. ALBUQUERQUE E SOUSA ROBALO, Dois Modelos de
Justiça Restaurativa: A Mediação Penal (Adultos) e os Family Group Conferences (Menores e Jovens Adultos), Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, nº 22, pp. 82/84; e CLÁUDIA CRUZ SANTOS, ob. cit., pp. 633-634.
111 ÉLIDA LAURIS e PAULA FERNANDO, A Dupla Face de Janus: As reformas da justiça e a Lei Tutelar Educativa, Julgar, nº 11, p. 143.
66
2 Mediação Penal em Geral
A tutela das vítimas tem sido tema de diversas diretivas provenientes da comunidade
internacional, de forma a unir os esforços no sentido de introduzir programas adequados de
assistência às vítimas do crime, a nível nacional e internacional, encorajando o desenvolvimento
de políticas de justiça restaurativa, de procedimentos e de programas que atendam às
necessidades e aos interesses das vítimas, os quais visam atender igualmente aos interesses dos
delinquentes, dos demais envolvidos, e da própria comunidade, considerada vítima secundária.
Dentre todos os diplomas relativos à mediação penal, destaca-se a Recomendação nº R
(99) 19, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adotada em 15 de Setembro de 1999,
que estabelece as linhas guia em matéria de mediação penal e encoraja seu desenvolvimento
em todas as fases do processo e sua ampla divulgação. Estabelece ainda as regras que devem
disciplinar a atividade dos órgãos da justiça penal em relação à mediação, os padrões que devem
ser respeitados na atividade dos serviços de mediação, as indicações sobre a qualificação dos
mediadores e sobre a sua formação, o tratamento dos casos individuais, o êxito da mediação, e
as atividades de pesquisa e avaliação que os Estados Membros deveriam promover sobre a
matéria.
Há ainda outros diplomas de merecida atenção, como a Resolução sobre a Declaração
de Viena sobre Criminalidade e Justiça: novos desafios no século XXI, adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas nº 55/59, de 4 de Dezembro de 2000. Ela afirma a necessidade de
uma maior cooperação entre os Estados Membros em matéria de política criminal e a
importância do desenvolvimento de formas de justiça restaurativa e de mediação que tendam a
reduzir a criminalidade e promover a recomposição das vítimas, dos ofensores e da
comunidade.
De caráter vinculativo, tem-se a Decisão-Quadro do Conselho da Europa, relativa à
posição da vítima no procedimento penal 2001/220/GAI, de 15 de Março de 2001, com a qual
os Estados membros adotaram uma regulamentação quadro relativa ao tratamento às vítimas de
crime. A Decisão-Quadro considera que a mediação responde ou pode responder às
necessidades da vítima e esclarece, entre outras coisas, que ela deve contribuir à procura de
uma solução negociada entre a vítima e o autor do crime, com a intervenção de uma pessoa
competente. Cada Estado se empenha em definir os serviços especializados que respondam às
necessidades da vítima em cada fase do procedimento, esforçando-se para que a mesma não
sofra prejuízos posteriores. Em decorrência dessa decisão, os Estados Membros tornaram-se
67
vinculados a instituir disposições legislativas para sua aplicação e se comprometeram a
implementar até o dia 22 de Março de 2006 a mediação no âmbito dos procedimentos penais e
a indicação dos crimes considerados idóneos a esse tipo de medida (arts. 10 e 17).
Além da elaboração de linhas-guia em matéria de mediação penal, o Conselho da Europa
tem desenvolvido um trabalho contínuo de pesquisa e controle das práticas de cada país, com o
fim de garantir uniformidade de aplicação e universalidade de acesso aos serviços. Os Estados
membros ainda procuram responder adequadamente às diversas disposições de caráter
internacional, mas alguns passos já foram dados no caminho do efetivo desenvolvimento da
mediação penal.
No âmbito nacional, ao tratar da função jurisdicional, a Lei Fundamental prevê que “A
lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”
(art. 202º, nº 4). Não havia pois qualquer empecilho normativo para a instituição da mediação
penal no país. Sua previsão já havia sido inserida na Lei Tutelar Educativa, entretanto, ainda é
escassa sua disciplina no âmbito juvenil.
Em execução do artigo 10 da Decisão-Quadro supra referida, entretanto substituída pela
Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que
estabelece normas mínimas relativamente aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da
criminalidade112, a Lei nº 21/2007, de 12 de Junho, criou o sistema de mediação penal,
definindo-a como “um processo informal e flexível, conduzido por um terceiro imparcial, o
mediador, que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido e os apoia na tentativa de
encontrar activamente um acordo que permita a reparação dos danos causados pelo facto ilícito
e contribua para a restauração da paz social” (art. 4º). Pouco depois, em 22 de Janeiro de 2008,
instituiu-se o regulamento do sistema de mediação penal, por meio da Portaria nº 68-C/2008.
Em que pese serem estes diplomas disciplinadores da mediação em processo penal, ou
seja, em favor dos imputáveis, também aos menores infratores se aplicam, naquilo que forem
compatíveis, afinal a mediação penal juvenil ainda não tem regulamentação própria113.
112 Essa Diretiva teve como objetivo revisar e complementar os princípios da Decisão-Quadro, de forma a avançar na proteção das vítimas.
Sendo assim, previu a obrigação dos Estados atuarem até o dia 16 de Novembro de 2015, no sentido de garantir às vítimas de crime instrumentos
de tutela e de justiça restaurativa, entre eles a mediação vítima-ofensor.
113 Há autores que entendem ser mais conveniente não regulamentar a mediação, salvo as regras gerais e princípios básicos aceites
internacionalmente. É que isto implicaria maior liberdade de atuação e, assim, maior aplicação prática da mediação. Coerente ou não o
pensamento, vê-se que a mediação penal em Portugal ainda tem escassa aplicação, conforme se verifica dos resultados estatísticos de 2014, da
Direcção-Geral da Política de Justiça, disponível on line em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/mediacao-publica. Acesso em 20/09/2015.
Certo é que há dificuldades de análise dos resultados da regulamentação porque a recolha de estatísticas, especialmente no âmbito penal, tem
muitas limitações de ordem prática e legal.
68
Em termos gerais, a mediação penal em Portugal pode ter lugar quando exista um
processo em que estejam em causa crimes que dependam de acusação particular ou crimes
contra as pessoas ou o património cujo procedimento penal dependa de queixa, e desde que a
pena prevista não exceda a 5 anos, ou seja pena de multa. Entre os crimes suscetíveis de
mediação tem-se: as ofensas à integridade física simples ou por negligência, a ameaça, a
difamação, a injúria, a violação de domicílio ou perturbação da vida privada, o furto, o dano,
dentre outros. Não é cabível em crimes contra a liberdade ou contra a autodeterminação sexual,
e em crimes de peculato, corrupção ou tráfico de influência. Também não se aplica quando se
tratar de processos sumários ou sumaríssimos. O ofendido, por sua vez, não pode ter idade
inferior a 16 anos.
A solução encontrada pelas partes não pode implicar penas privativas de liberdade ou
deveres de conduta que ofendam a dignidade do arguido, ou se prolonguem por mais do que
seis meses. E o procedimento, em si, não pode durar mais do que três meses, salvo requerimento
justificado de prorrogação, feito pelo mediador, por prazo de até dois meses.
Destaca-se ainda a nível nacional a recente implementação de um importante diploma
normativo disciplinador da mediação, a Lei nº 29/2013, de 19 de Abril, que veio consagrar pela
primeira vez os princípios gerais aplicáveis à mediação em Portugal, assim como prevê os
regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública114. Este
diploma é fonte principal de normas de mediação penal, pois estabelece que “Em tudo aquilo
que não for regulado pela presente lei, aplica-se aos sistemas públicos de mediação o disposto
nos respectivos actos constitutivos ou regulatórios” (art. 47º).
A utilização do serviço de mediação pública é gratuita, e o início do processo pode ser
solicitado pelas partes, pelo tribunal e pelo Ministério Público, sem prejuízo do
encaminhamento por outras entidades públicas ou privadas. A participação das partes, contudo,
depende de seu consentimento livre e esclarecido.115
A mediação penal é instrumento de crescente aplicação nos diversos continentes, sendo
inclusive o processo de justiça restaurativa mais popular na Europa Continental, por isso
também a Organização das Nações Unidas reconhece seu mérito e promove-lhe iniciativas de
114 Os sistemas públicos de mediação, assim definidos por serem os serviços de mediação criados e geridos por entidades públicas, são: o
sistema de mediação dos Julgados de Paz e os sistemas de mediação especializada (familiar, laboral e penal). Antes da Lei nº 29/2013, suas
normas disciplinadoras estavam dispersas em vários diplomas legais, enquanto a mediação privada ainda não tinha sido disciplinada.
Atualmente os sistemas públicos de mediação são vinculados ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Conflitos (GRAL), integrado na
Direção Geral da Política de Justiça, do Ministério da Justiça (cfr. DL 163/2012, de 31 de Julho), à exceção da mediação penal juvenil, que se
vincula à Direcção-Geral de Reinserção Social, também do Ministério da Justiça.
115 Conforme se infere do artigo 3º, da Lei nº 21/2007, c/c o artigo 34º, da Lei nº 29/2013.
69
apoio. Nesse sentido, importante documento foi editado em 24 de Julho de 2012, pelo Conselho
Económico e Social da ONU, a Resolução nº 12/2002, relativa aos Princípios Fundamentais da
Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal. Em termos gerais, o
diploma reassume os princípios e noções básicos já emanados nas normas internacionais sobre
a matéria. Entretanto destacamos o item referente ao desenvolvimento contínuo de programas
de justiça restaurativa, o qual estabelece que os Estados Membros devem promover uma cultura
favorável ao uso da justiça restaurativa pelos aplicadores da lei, autoridades judiciais e sociais,
bem como comunidades locais. Portanto, além de reconhecer a justiça restaurativa como uma
política de Estado, reconhece-a como uma prática desejável dentro das comunidades locais, a
qual deve ser potencializada pelos Estados.
Tendo discorrido sobre as linhas gerais da legislação sobre mediação penal em Portugal
e tendo elencado os últimos diplomas internacionais na matéria, passa-se a apresentar seus
principais princípios extraídos desse panorama, e que são aplicáveis também no âmbito da
mediação penal juvenil.
2.1 Princípios
2.1.1Voluntariedade
Prevista no artigo 1º da Recomendação nº R (99) 19 e no artigo 4º da LMP, é condição
essencial da mediação, que a distingue dos outros processos tradicionais da justiça penal. As
partes a ela se podem socorrer em qualquer momento do procedimento, não apenas quando
decidem iniciá-lo, portanto, podem abandonar uma mediação em curso quando assim
entenderem conveniente. É que as circunstâncias advindas no decorrer do procedimento podem
alterar ou extinguir o interesse das partes. Só assim o acordo se transmuta na satisfação do real
interesse envolvido, o que não ocorreria caso fossem obrigadas a participar da mediação. Além
disso, a voluntariedade se expressa na conformação do acordo, que não é imposto, tampouco
sugerido por qualquer terceiro116.
116 Há ainda autores que se referem a uma quarta dimensão do princípio da voluntariedade, qual seja a de liberdade de escolha do mediador, já
que sua imposição poderia implicar uma desconfiança dos mediados. Neste sentido vide DULCE LOPES e AFONSO PATRÃO, Lei da
Mediação Comentada, p. 29. A nível nacional, a Lei da Mediação Penal conferia ao Ministério Público a legitimidade para designação do
mediador, através de sistema informático que garantisse a designação sequencial dos mediadores penais (artigo 3º, c/c artigo 6º, nº 2, do
Regulamento do Sistema de Mediação Penal). A Lei da Mediação, por sua vez, inovou ao determinar para todos os sistemas públicos de
mediação que a designação é feita pelas partes (dentre os nomes indicados na lista de mediadores de cada sistema público) ou, se assim não
atuarem, a indicação é realizada por modo sequencial (artigo 38º).
70
Há ainda certo debate sobre a possibilidade de se instituir a mediação de forma
obrigatória. Ainda que tenha fundamentação discutível, a posição doutrinária que defende a
obrigatoriedade da mediação refere-se simplesmente à obrigatoriedade de participação em um
processo de mediação, não de aceitação a um acordo.
Há países que consagram a participação obrigatória numa primeira sessão de mediação,
que seria destinada a esclarecimentos acerca do procedimento117. Os defensores deste
procedimento entendem que a voluntariedade não está a ser prejudicada, sendo ao invés um
meio vantajoso de informar as partes sobre as ferramentas disponíveis para a solução do
problema e consequente diminuição da litigância judiciária. Entretanto, diversas críticas são
feitas a essa opção, pois muitos autores entendem que seria uma contradição relativamente à
natureza da mediação, que requer uma predisposição das partes ao diálogo e ao consenso, e lhes
retiraria o característico domínio sobre a condução da solução do conflito. Por isso, entendem
os autores que a voluntariedade deve existir em todo o procedimento, na senda das normas
internacionais. Além disso, a mediação obrigatória consistiria em uma limitação ao direito de
acesso aos tribunais, consagrado no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
e no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, pela obrigatoriedade de submissão de
litígios a mecanismos privados de solução dos conflitos.
A mediação não é adequada a todos os conflitos, portanto, sua imposição obrigatória se
converteria em apenas mais uma etapa que as partes devem percorrer para finalmente chegarem
à resolução do conflito. A mesma deve ser utilizada apenas nos casos possíveis e naqueles em
que tem o potencial de ser útil. Portanto, caso a obrigatoriedade seja a opção legislativa do país,
devem ser estabelecidos critérios adequados para sua utilização, de forma a não ser imposta
indiscriminadamente e, assim, tornar ainda mais lento e fastidioso o processo de acesso à
justiça.
Somos da opinião de que a difusão do conhecimento sobre o procedimento da mediação
é essencial para sua consagração como meio eficaz de solução de controvérsias, entretanto, os
meios utilizados podem desvirtuar seus fins, não se considerando de todo adequada a instituição
da mediação obrigatória.
Entendem ainda os autores que a voluntariedade está prejudicada diante de outra medida
imposta com o fim de incentivar a mediação, qual seja o agravamento das custas processuais às
partes que, podendo recorrer a mecanismos alternativos, não o façam. Essa medida apenas faria
com que as partes participassem desses procedimentos por questões económicas, não
117 Vide a respeito DULCE LOPES e AFONSO PATRÃO, ob. cit., p. 34 e ss.
71
necessariamente por sua livre vontade, e assim prejudicaria a essência da mediação. O incentivo
público ao recurso à mediação é medida importante e desejável, desde que as partes não sejam
prejudicadas por recusarem-se a utilizar esse procedimento118.
Por fim, a Recomendação nº R (99) 19 estabelece que a vontade de participação na
mediação deve ser consciente, livre e esclarecida, devendo as partes serem informadas
completamente sobre os seus direitos, a natureza do processo de mediação e as possíveis
consequências que dele podem derivar (art. 10), além disso não devem estar convencidas a
participar por meios desleais (unfair means, art. 11). Exatamente por este motivo que não se
pode participar na mediação se uma das partes não entendeu bem o significado do procedimento
(art. 13).
2.1.2 Confidencialidade
Trata-se de uma característica importante da mediação, pois visa potenciar a confiança
de todos nos procedimento que se iniciará, de forma que o diálogo seja o mais aberto possível,
sem o temor de que a publicidade das discussões venha a prejudicar-lhes em futuro processo
judicial, no caso de a mediação não ter êxito positivo. Por outro lado, há reflexos dentro do
próprio procedimento, pois a simples divulgação de um fato pode acabar inviabilizando a
realização do acordo.
Esse princípio é ainda mais importante nos conflitos que envolvem relações familiares
e nos casos de infrações cometidas por jovens, cujo sigilo deve ser mantido também por outras
razões, como a preservação da intimidade naqueles, e do regular desenvolvimento da
personalidade dos jovens neste, evitando-se sua estigmatização.
O mediador não pode tornar públicas as declarações proferidas no procedimento, bem
como informações acerca do conflito. Da mesma forma, não pode atuar como testemunha em
posterior processo judicial que envolva as partes, exceto sob sua concordância. Não apenas o
mediador, como também as partes e os demais intervenientes estão obrigados ao dever de sigilo,
pelo que não podem usar nas vias judiciais as confissões, documentos trocados ou propostas de
solução formuladas na mediação.
118 Muitos são os exemplos de incentivo legal à utilização da mediação, como a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade durante o
procedimento (artigo 13, da LM) e a determinação de cooperação de serviços públicos ou privados de mediação nos processos tutelares
educativos (artigo 42º, da LTE), dentre outros.
72
Na sua dimensão interna, a confidencialidade impõe que o mediador não transmita a
uma das partes as informações que lhe tiverem sido prestadas a título confidencial pela outra.
De acordo com CRUZ, este princípio além de básico é também o mais importante para os
mediados, por lhes proporcionar confiança no mediador e no procedimento, ao sentirem sua
intimidade salvaguardada, só assim podendo comunicar-se com sinceridade e concentrar sua
atenção no estabelecimento de um diálogo construtivo119.
A doutrina tem admitido duas exceções ao princípio. A primeira seria quando há
permissivo legal, nomeadamente por razões de interesse público, interesse do menor120, para
assegurar a execução do acordo, bem como por autorização expressa das partes. Alguns autores
incluem aqui a necessidade de autorização expressa também do mediador, que atua como uma
das partes do contrato de mediação, e cuja atuação deve se submeter a um código deontológico,
pelo que a divulgação das informações da mediação também lhe diz respeito. A segunda
hipótese configura-se em um verdadeiro dever do mediador, quando confrontar-se com
situações que justifiquem a quebra da confidencialidade, a exemplo de atividades criminosas
ou quando necessário para proteção da integridade física da parte.
Do ponto de vista do juiz, o princípio impõe que o mesmo só tenha conhecimento do
resultado final da mediação e dos termos do acordo eventualmente existente. É que, sendo a
mediação um procedimento privado, seus termos relacionam-se apenas às partes. Além disso,
evita um juízo pejorativo sobre qualquer dos envolvidos, em eventual ação penal ulterior.
O carácter confidencial da mediação deve ser comunicado às partes desde o início da
sessão. Nos procedimentos em que há a chamada pré-mediação, tanto as partes como o
mediador assinam o contrato de mediação, no qual consta o dever de sigilo e confidencialidade
sobre o conteúdo das sessões.
2.1.3 Imparcialidade
É essencial que o procedimento da mediação seja conduzido por um mediador imparcial,
ou seja, equidistante das partes, e, assim, trate-os da mesma maneira e lhes dê igual
oportunidade de participação. Nesse sentido, entende a maior parte dos autores que deve mesmo
atuar para que as desigualdades existentes sejam dissipadas durante o procedimento, o que,
119 ROSSANA MARTINGO CRUZ, Mediação Familiar: Limites materiais dos acordos e o seu controlo pelas autoridades, p. 82.
120 Aqui não se deve prescindir da ideia de reprovação social, na medida em que ela pode contribuir para a adesão do menor ao processo
educativo e para a sua responsabilização como elemento ativo da comunidade, conforme considera o ponto 17 da Exposição de Motivos da
Proposta de Lei nº 266/VII, que veio dar origem à LTE.
73
entretanto, não configuraria desobediência a este princípio. Se considerar que o desequilíbrio
de poder entre as partes é insuperável, deve finalizar a mediação, atribuindo-lhe êxito negativo.
Por outro lado, não pode defender ou representar qualquer das partes, e deve abster-se de
continuar sua participação no procedimento caso perceba que sua imparcialidade está a ser
prejudicada por circunstâncias ou atos de uma das partes no procedimento, suspendendo o
processo e desligando-se espontaneamente do caso121. A lei, por sua vez, deve estabelecer um
sistema de impedimentos legais, a fim de garantir o respeito à imparcialidade, nos moldes do
que já ocorre no processo judicial.
O interesse do mediador no resultado da mediação deve ser, portanto, no sentido da
realização da aproximação dos envolvidos para a chegada do consenso, não podendo
evidentemente direcionar o procedimento em favor de um ou de outro.
Há autores que tratam também do princípio da neutralidade, que entretanto está
intimamente ligado ao da imparcialidade. A neutralidade reflete-se no desinteresse que o
mediador deve ter no acordo final. Seu interesse, ao invés, é que o resultado do processo
permaneça dentro da livre vontade das próprias partes. O mediador não deve inclusive ter
nenhuma influência no desfecho final122, cabendo-lhe apenas garantir alguns requisitos
mínimos para que seja viabilizada a aproximação das partes, de cujo entendimento consensual
é que resultará o acordo. “Contrapondo neutralidade e imparcialidade chega-se à conclusão que
o mediador é neutro quanto ao resultado, quanto ao acordo. Já será imparcial em relação às
partes, na sua conduta ao longo do processo.”123
2.1.4 Flexibilidade
Sendo um mecanismo alternativo de resolução de litígios, a mediação é pensada para
distanciar-se do formalismo dos tribunais judiciais, moldando-se às necessidades de cada caso
e o “tempo” de cada envolvido. MORINEAU recorda-nos que no processo de mediação
121 No sistema público de mediação penal estabelece-se que “O mediador penal que, por razões legais, éticas ou deontológicas, não tenha ou
deixe de ter assegurado a sua independência, imparcialidade e isenção deve recusar ou interromper o procedimento de mediação e informar
disso o Ministério Público e o GRAL, através do sistema informático referido no nº 1 do artigo 6º, para efeitos de designação de novo mediador”
(nº 3 do artigo 15º do Regulamento do sistema de mediação penal, aprovado pela Portaria nº 68-C/2008, de 22 de Janeiro, alterado pela Portaria
nº 723/2009, de 8 de Julho, e pela Lei nº 29/2013).
122 Há várias críticas sobre a inevitabilidade de influência do mediador no resultado final, para melhor aprofundar o assunto vide ROBERT A.
BARUCH BUSH e JOSEPH P. FOLGER, ob. cit., pp. 97-100.
123 ROSSANA MARTINGO CRUZ, ob. cit., pp. 86-87.
74
ninguém é julgado e o mediador não representa uma autoridade, os envolvidos são deixados de
frente a si mesmos124. Tudo de forma a oferecer um ambiente propício a uma maior
comunicação entre eles e transformação do conflito, de forma que seja alcançada a solução que
lhes satisfaça seus interesses.
Portanto, o processo de mediação “não exige formalidades especiais, não está sujeito a
fases processuais determinadas e o mediador pode tomar as medidas que entender, no momento,
mais adequadas ao sucesso da mediação”125. Esse é o procedimento ideal, que o contrapõe
diametralmente ao processo judicial, no sentido de que neste a formalidade é necessária à
manutenção da segurança jurídica.
Além disso, o processo da mediação adapta-se a diversos tipos de litígios, tendo o
mediador a liberdade de atuar conforme lhe pareça mais conveniente, em que pese dever
respeitar a essência do procedimento, de forma a não comprometer sua eficácia e finalidades.
É que a mediação tem uma estrutura básica, composta por um conjunto de atos coordenados
lógica e cronologicamente. A partir destas referências técnicas cada mediador desenvolve seu
próprio estilo, conforme o modelo adotado e segundo sua sensibilidade às necessidades que se
apresentem no caso.
Para assegurar a flexibilidade do processo de mediação, e a celeridade que dela decorre,
a Recomendação nº R (99) 19 também estabelece que a mediação deve ter certa autonomia em
relação ao sistema de justiça penal (art. 5º), só assim ela poderá tornar-se uma nova modalidade
de resposta aos conflitos, caso contrário seria apenas mais um procedimento criado pelo sistema
de justiça tradicional.
3 Mediação Penal Juvenil
O movimento da Justiça Restaurativa não se limitou ao sistema de justiça penal, ao
invés, a justiça de menores tem-se mostrado campo ainda mais fértil para a adoção de
mecanismos típicos desse novo modelo de justiça. Para além da evidente incapacidade do
sistema ordinário de justiça em responder satisfatoriamente às necessidades típicas do processo
que envolve os menores, face à sua lentidão e ausência de uma intervenção que evidencie o
carácter responsabilizador da medida aplicada, a mediação penal juvenil oferece vantagens
valiosas a todos os envolvidos.
124 JACQUELINE MORINEAU, Il Mediatore dell’Anima, p. 159.
125 DULCE LOPES e AFONSO PATRÃO, ob. cit., p. 24.
75
A mediação considera os interesses do infrator, por evitar sua estigmatização ao desviá-
lo do procedimento ordinário de justiça, e, primordialmente, pelo seu caráter pedagógico126,
entretanto propõe também o atendimento às necessidades da vítima e favorece o fortalecimento
da comunidade, sendo uma ferramenta eficaz de redução da reincidência.
Além disso, a nível legislativo, a legislação de menores faz uma abordagem mais
flexível do ato infracional, de forma a atender a necessidade de educação do menor para o
direito e a sua reintegração social, o que favorece a inserção de novas medidas tendentes a
atingir estes fins.
As medidas que consubstanciam a justiça restaurativa têm o carácter pedagógico de
conduzir o menor a reparar, efetiva ou simbolicamente, os danos causados. Segundo GUERRA,
a fim de favorecer a responsabilização do jovem infrator, deve dar-se prioridade, sob a ótica de
uma justiça reparadora, às ideias de restituição, compensação, redução dos conflitos, mediação,
participação, reconciliação e prestações comunitárias127.
O caráter pedagógico da mediação, entretanto, pode ser reconhecido quer sob o ponto
de vista do ofensor, quer sob o ponto de vista da vítima. É o que nos ensina MORINEAU,
segundo a qual a mediação oferece uma verdadeira educação para nos sensibilizarmos aos
outros e para acolhermos os seus sofrimentos128.
O estudo não visa tratar da prática da atividade dos mediadores, tampouco das técnicas
utilizadas para consecução dos seus fins. Pretende traçar o enquadramento jurídico da mediação
penal juvenil nos ordenamentos de Portugal, Itália e Brasil e, ao fim, faz-se uma breve avaliação
de cada modelo, evidenciando possíveis falhas e méritos na prática desses países.
3.1 Aplicabilidade
A intervenção do Estado face à delinquência juvenil tem-se justificado, por um lado,
pelo direito à segurança dos demais cidadãos, mas sobretudo em nome do próprio interesse do
menor, que pela sua condição especial merece um tratamento diferenciado.
Esse tratamento especial conforme o nível de desenvolvimento da criança é medida
necessária para salvaguarda da dignidade da pessoa humana, grupo em que também ela está
126 “O recurso à mediação resulta, notoriamente, apropriado no âmbito juvenil pelo seu caráter pedagógico: o empenho de remediar os danos
causados pela prática do delito faz (ou deveria fazer) o menor tomar consciência da existência de uma vítima real que sofreu ou ainda está
sofrendo as consequências da sua atuação” in SILVIA LARIZZA, ob. cit., pp. 275-276.
127 PAULO GUERRA, ob. cit., pp. 101-102.
128 JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 118.
76
inserida. Outros princípios constitucionais comuns a Portugal, Itália e Brasil dirigem o modelo
de intervenção estatal na delinquência juvenil, como o reconhecimento e a garantia dos direitos
invioláveis do homem, que reconhece o menor como pessoa, e o princípio da igualdade, que
requer tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade, impondo diferenciar a posição do menor em relação ao adulto.
Para além das tutelas genéricas, ditos ordenamentos jurídicos têm consagrado o dever
de proteção especial para a infância e juventude a cargo do Estado e de respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, e como decorrência lógica do que já foi
abordado, cabe ao Estado promover o tratamento adequado às crianças e jovens e apoiar as
iniciativas não-governamentais que também se dediquem a esse mister, como é o caso da
mediação penal juvenil.
Sendo proposta como alternativa à justiça de menores, importante destacar a qual faixa
etária aplicar-se-ia. Algumas considerações devem ser feitas a este respeito, pois os marcos
etários variam conforme os estudos científicos de cada país acerca da maturidade intelectual e
da capacidade de autodeterminação dos seus jovens e, ainda, da política criminal que adotam.
Em todos os casos, assume-se a ideia de dar o tratamento adequado às crianças e jovens,
conforme o estágio de formação da sua personalidade. Sendo evidentemente mais vulneráveis,
merecem maior atenção do Estado.
A prática geral da mediação penal juvenil demonstra que o sistema juvenil funciona
como um laboratório de experiências que podem ser transferidas para o sistema penal de
adultos. Essa lógica, entretanto, não é a encontrada em Portugal, conforme se observará.
3.1.1 No sistema jurídico português
As referências à mediação na legislação portuguesa têm-se multiplicado nos últimos
anos, embora ainda se possa dizer que se trata de um fenómeno relativamente recente. A
primeira previsão expressa deu-se em 4 de Maio de 1999, com o Decreto-Lei n º 146, que criou
o sistema de registo voluntário de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos de
consumo, incluindo entre estes os serviços de mediação129. No mesmo ano, a Lei Tutelar
Educativa, alterada recentemente pela Lei nº 4/2015, de 15 de Janeiro, previu expressamente a
129 Sobre a mediação na legislação portuguesa vide JORGE MORAIS CARVALHO, A Consagração Legal da Mediação em Portugal, Julgar,
nº 15, p. 272.
77
mediação, cuja repercussão foi maior, ainda que lhe falte regulamentação e sua aplicação
prática seja de pouca expressão.
Foi, posteriormente, com a criação dos Julgados de Paz, pela Lei nº 78/2001, de 13 de
Julho, e dos sistemas públicos de mediação (laboral, familiar e penal), que a mediação tornou-
se uma realidade cada vez mais presente na vida dos portugueses.
Em que pese haver alguns relatos antigos de mediação informal em Portugal, esta prática
foi retomada recentemente em estreita relação com o Judiciário, como tendência europeia-
continental, tendo sido denominada por alguns autores como mediação penal judiciária130.
Diferentemente da mediação penal de adultos, entretanto, a mediação penal juvenil ainda carece
de regulamentação própria, apesar de sua previsão no processo tutelar educativo preceder em 8
anos àquela do processo penal.
É tendência geral entre os países que a mediação tenha-se iniciado como
experimentação no âmbito juvenil, e só em seguida tenha vindo a ser aplicada para infratores
adultos. Também em Portugal assim se verificou a nível legislativo. Entretanto, a mediação
penal de adultos avançou rapidamente a nível de regulamentação, estando a mediação penal
juvenil ainda a conduzir-se pelos mesmos dispositivos legais da LTE, em que pese pequenas
alterações no texto feitas recentemente. Nesse sentido, e a fim de suprir suas lacunas legais, são
aplicáveis à mediação penal juvenil a Lei da Mediação Penal e a Lei da Mediação, naquilo que
lhe for compatível, tendo-se como princípio que, somente naquilo que não for regulado por esta
lei, aplica-se aos sistemas públicos de mediação o disposto nos respetivos atos constitutivos ou
regulatórios.
De início é importante delinear duas opções do legislador português que, a nosso ver,
meritam aplausos. A primeira é que repudiou a mediação obrigatória, em sintonia com as
normas internacionais (artigo 2º, alínea a), da LM). Em segundo lugar, resistiu ao clima
internacional de endurecimento das reações à delinquência juvenil, especialmente quando
dispôs, na LTE que a intervenção do Estado depende, sobretudo, da verificação de que o
adolescente precisa ser educado para o direito. Portanto, não basta o cometimento do ato
infracional. No dizer de DUARTE-FONSECA, “[…] a Lei pretende que se encare o adolescente
infractor em função do que ele É e das concretas carências de socialização que revela, em vez
de em função do que ele FEZ, por mais grave que seja a ofensa aos valores eminentemente
130 Vide neste sentido ANDRÉ LAMAS LEITE, ob. cit., pp. 45-46.
78
sociais”131. Na análise de LARIZZA, é exatamente este o traço característico da Lei Tutelar
Educativa, que a diferencia do sistema penal: prevalece sobre o fim repressivo-punitivo a
necessidade de educação do menor132.
Quanto aos limites etários estipulados pelo legislador português, tem-se que até aos 16
anos nenhum menor responde perante um tribunal penal pela prática de ato qualificado na lei
como crime, é a chamada inimputabilidade absoluta para efeitos criminais, que decorre do
artigo 19º do Código Penal. Dentre estes, entretanto, só os menores de 12 anos não se submetem
a qualquer processo judicial, deles se encarregando a Comissão de Proteção de Menores (artigo
28º, nº 1, alínea b), da Lei nº 166/99 e artigo 8º, alínea a), do DL nº 189/91, de 17 de Maio, que
regula as Comissões de Proteção).
Destaca-se que Portugal é um dos poucos países europeus em que a idade da maioridade
penal não corresponde à idade da maioridade civil, que é de 18 anos, o que demonstra um aspeto
no qual a CDC ainda está por ser aplicada, por manifestar a ambiguidade com que os menores
são tratados na consideração da sua maturidade em atos da vida civil em confronto com os atos
da vida penal133. A introdução pela LTE do internamento em regime fechado para os
adolescentes com idade superior a 14 anos tornaria mais razoável a medida de aumento da
maioridade penal, a fim de igualá-la à maioridade civil, afinal o recrudescimento das medidas
tutelares já estava previsto. Entretanto esta medida não foi aceita.
Ao menor com idade entre os 12 e os 16 anos, estabelece a LTE que compete às seções
de família e menores da instância central do tribunal de comarca todo o procedimento com
vistas à aplicação e execução de medida tutelar. É ainda previsto como procedimento de
intervenção a mediação vítima-ofensor, nos moldes dos já estudados princípios e normas
internacionais relativos à administração da justiça de menores, em que pese haver merecidas
críticas ao modelo utilizado no país.
É em sede de princípios gerais do processo tutelar que a LTE consagra a mediação penal
juvenil (artigo 42º), quando deixa uma grande margem de discricionariedade quanto à sua
aplicabilidade, não determinando sequer o momento em que a mediação pode ser proposta.
Assim, a autoridade judiciária competente, Ministério Público ou juiz - por iniciativa própria
ou do menor, seus pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de fato ou defensor
131 ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Medidas Tutelares Educativas não Institucionais, in DUARTE-FONSECA, António Carlos
(coord.) et al, Direito das Crianças e Jovens: Actas do Colóquio, p. 374
132 SILVIA LARIZZA, ob. cit., p. 410.
133 Nesse sentido vide ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Responsabilização dos Menores pela Práticas de Factos qualificados
como Crimes: Políticas atuais, p. 375.
79
-, é quem pode determinar a cooperação de entidades públicas ou privadas de mediação, em
qualquer altura do processo e para a realização das suas finalidades. Apesar dessa ampla
liberdade, sua aplicação ainda tem sido de pouca expressão.
Em determinadas fases do processo, como na suspensão provisória e na audiência
preliminar, porém, a mediação autonomiza-se expressamente como forma de obtenção do
consenso ou de realização de outras finalidades do processo134. É que a LTE prevê a utilização
da mediação como diversão, ou seja, como meio de alcançar a suspensão do processo, conforme
artigo 84º, nº 3, ou como forma de obter consenso quanto à medida tutelar a aplicar na audiência
preliminar, nos termos do artigo 104º, nº 3, alínea b).
No primeiro caso, a mediação está prevista para efeitos de elaboração do plano de
conduta, ainda na fase de inquérito, que fundamentará a suspensão do processo. Pretende-se
com esta medida evitar a estigmatização do menor decorrente do processo e da decisão judicial.
Importante princípio adotado por esta política criminal é o da oportunidade135, reflexo da
primazia da socialização do menor sobre a atuação do Judiciário nos conflitos. Rompe-se, em
certo sentido, com o princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Importante aqui destacar a alteração feita pela Lei nº 4/2015, de 15 de Janeiro, por meio
da qual o menor, seus pais, representante legal ou quem tiver a sua guarda de facto já não devem
mais subscrever o plano de conduta, ainda que na redação anterior a LTE previsse a obtenção
da cooperação de serviços de mediação para sua elaboração. Atualmente, compete ao Ministério
Público propor o plano de conduta ou solicitar aos serviços a elaboração do mesmo (artigo 84º,
nºs 1 e 3); ao menor cabe concordar ou não com o plano proposto pelo Ministério Público136
(artigo 84º, nº 1, alínea a)); os pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto do
menor são ouvidos sobre o plano de conduta (artigo 84º, nº 2), o que entretanto não condiciona
os termos do plano.
Essa alteração foi um importante avanço para viabilizar o maior acesso ao procedimento
da mediação, tendo em vista que na maior parte das vezes o menor, ou seus representantes
legais, não tem a iniciativa ou instrução necessária para propor por si só um plano de conduta,
sendo necessário o apoio e iniciativa da autoridade competente. Por outro lado, sendo o plano
134 Vide Exposição de Motivos, nº 14.
135 Para aprofundamento do tema, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., pp.
197 a 199.
136 No caso de o plano ter sido obtido em mediação, presume-se que o menor já tenha dado seu consenso aos termos do plano. Por isso, tendo
em vista que a LTE não dispôs expressamente sobre esta situação, entendemos ser desnecessária a apresentação de concordância do menor, já
que os termos do acordo de mediação já terão sido por ele assinados, juntamente com o mediador e a vítima; e seus pais, representantes legais
ou quem tenha sua guarda de fato, já terão sido ouvidos sobre o acordo.
80
de conduta obtido em processo de mediação, entendemos que aí se consagra plenamente o
interesse do menor e da vítima, posto que serão eles que consensualmente, com o auxílio do
mediador, devem encontrar a solução que lhes pareça mais favorável a ambos, como
verdadeiros possuidores da solução do conflito, ao invés de o menor apenas concordar com o
plano ou a vítima simplesmente aceitá-lo.
No segundo caso, em audiência preliminar, o juiz pode determinar a intervenção de
serviços de mediação e suspender a audiência por prazo não superior a 30 dias, no caso de o
menor não aceitar a proposta do Ministério Público. Esta determinação sujeita-se
exclusivamente ao poder discricionário do juiz que pode, de outro modo, procurar consenso
para outra medida que ele mesmo proponha. O consenso a que se refere o artigo 104º é aquele
entre Ministério Público, ofensor e juiz137, não se considerando, p. ex., necessária a anuência
da vítima. Importante ressalva é feita por SILVA, para quem o consentimento da vítima é
exigido no caso de ser proposta medida de reparação ao ofendido, prevista no artigo 11º da
LTE, nas modalidades de compensação económica pelo dano patrimonial e exercício de
atividade que se conexione com o dano138.
A reduzida participação dos interessados na decisão sobre a realização da mediação
pode ser vista de modo positivo, no sentido de evitar a utilização de uma medida com finalidade
meramente protelatória, caso não se evidencie que as partes estejam interessadas em chegar a
um consenso ou quando não seja razoável aferir o desejo no jovem de restaurar o dano
ocasionado, devido p. ex. ao longo percurso delinquencial. Por outro lado, o reduzido
envolvimento dos interessados pode prejudicar sua maior adesão à efetiva participação no
procedimento ou a um eventual acordo de vontades. Por isso, e tendo em vista que Portugal
aderiu a um modelo de mediação voluntária, entendemos que o juiz pode encaminhar o processo
aos serviços de mediação, entretanto a participação dos envolvidos dependerá sempre de seus
consentimentos livres e esclarecidos.
Entendemos ainda que, ao decidir-se pelo encaminhamento do caso aos serviços de
mediação, o juiz dá plena liberdade às partes de encontrarem a solução que desejarem, como
protagonistas da resolução do seu próprio conflito. Portanto, não deve a mediação limitar-se à
obtenção de consenso quanto à proposta do Ministério Público, tampouco quanto àquela do
juiz139, afinal, não podendo o mediador fazer propostas, sendo apenas um mero facilitador da
137 Neste sentido ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., p. 219.
138 JÚLIO BARBOSA E SILVA, ob. cit., p. 351. 139 Conforme se extrai do artigo 104º, nºs 3 e 4, da LTE e interpretação da doutrina, p. ex., ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO
CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., pp. 219-220, e JÚLIO BARBOSA E SILVA, ob. cit., p. 350.
81
comunicação, não deveria ser possível discutir-se em ambiente neutro e informal, como é o do
procedimento da mediação, a aceitação de propostas advindas de autoridades públicas, o que
pode causar certo temor aos envolvidos, induzindo-os a aceitá-las, ainda que não estejam
plenamente ouvidos e satisfeitos quanto ao resultado, prejudicando sua maior adesão.
Ainda que o resultado da mediação seja a aceitação de uma ou outra proposta das
autoridades judiciárias, não deve ser este o seu propósito. Às partes deve ser dada total liberdade
e empoderamento para encontrarem por si sós a solução que lhes pareça mais adequada. Do
ponto de vista da prevenção, apenas a proposta que seja originária da íntima convicção do
menor será capaz de gerar sua maior adesão e maior responsabilização, guiando-o assim a
participar de forma mais positiva na sociedade.
Entender de modo contrário seria tolher à mediação suas características essenciais, e de
certa forma manter a resolução do conflito sob o controle do Judiciário. Se, entretanto, o juiz
considera ser importante a aplicação de determinada medida, a LTE permite que ele mesmo a
imponha mediante decisão, após a produção contraditória de prova, não havendo necessidade
de recorrer aos serviços de mediação se não pretender conferir liberdade de escolha aos
envolvidos.
Para além desses dois momentos processuais, entende-se que o recurso à mediação
possa ocorrer em outras etapas, com base no artigo 42º da LTE, dependendo sempre de prévia
determinação da autoridade judiciária. Esse entendimento é inclusive conforme à
Recomendação nº R (99) 19 relativa à Mediação em Matéria Penal, que incentiva o recurso à
mediação em todas as fases do processo.
Encontram-se ainda previstas algumas práticas restaurativas, nomeadamente as medidas
tutelares de reparação ao ofendido e de prestações econômicas ou de realização de tarefas a
favor da comunidade (alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 4º e artigos 11º e 12º) que, entretanto,
não se configuram em meio de diversão, posto que aplicadas pelo próprio juiz durante o
processo.
A mediação penal juvenil em Portugal pode ser desenvolvida por entidades públicas ou
privadas. A organização pública que desenvolve o processo de mediação é o Instituto de
Reinserção Social (IRS), tutelado pelo Ministério da Justiça, cujo objetivo é a reinserção social
de delinquentes e o apoio à jurisdição de menores. Com base na Recomendação nº R (99) 19,
dentre outros instrumentos, o IRS criou em 2002 o Programa de Mediação e Reparação, para
criar e fomentar melhores condições técnicas e logísticas necessárias ao recurso à mediação,
viabilizando assim uma maior conciliação e reparação da vítima.
82
A formação inicial dos mediadores deu-se por mediadores do Departamento de Justiça
do Governo Autónomo da Catalunha, cujo modelo de mediação veio a inspirar o de Portugal, e
por membros da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima140.
Propõe-se o programa proporcionar apoio ao jovem para que este encontre soluções,
reparadoras ou outras, incrementando o seu sentido de responsabilidade, o seu envolvimento
genuíno nos compromissos que com o apoio dos serviços de reinserção social venha a assumir,
e a sua disposição a não praticar no futuro factos qualificados como crime pela lei penal.
As intervenções do programa podem se dar tanto na fase de inquérito quanto na fase
jurisdicional141, havendo entretanto divergentes entendimentos nos diversos tribunais. Na fase
de inquérito, pode realizar mediação vítima-jovem infrator, sempre que o Ministério Público o
determine e encaminhe o caso aos serviços, o que pode resultar no arquivamento do processo
por desnecessidade de aplicação de medida tutelar (artigo 87º, nº 1, alínea c) da LTE). Pode
ainda apoiar na elaboração do plano de conduta (artigo 84º, nºs 3 e 4, da LTE), que conterá os
compromissos assumidos pelo menor, tais como: a apresentação de desculpas ao ofendido; o
ressarcimento, efetivo ou simbólico, total ou parcial, do dano (seja economicamente ou através
de exercício de uma atividade em favor da vítima que se conexione com o dano, nos termos das
alíneas b) e c) do nº 1 do art. 11,); a execução de prestações económicas ou tarefas a favor da
comunidade, dentre outros. Destaque-se que, esgotado o prazo de suspensão e cumprido o plano
de conduta, o Ministério Público arquiva o inquérito; caso contrário, o inquérito prossegue com
as diligências a que houver lugar (art. 85º, nº 2). Portanto, a LTE não conferiu
discricionariedade ao Ministério Público quanto ao prosseguimento do processo.
Importantes considerações na matéria são feitas por CASTELA, que adverte que essa
solução da LTE pode gerar efeitos indesejáveis, pois a certeza do arquivamento do processo
pelo Ministério Público após cumprido o acordo efetuado em mediação pode levar à adesão do
infrator ao processo não por motivos legítimos ou altruísticos, mas apenas para ver-se
beneficiado, o que não lhe induz a um sentimento de responsabilização142.
Em relação à vítima, esta pode ser levada a participar da mediação pela pressão de sentir-
se responsável pelo futuro do jovem, procedimento que lhe ocasiona uma vitimização
secundária. Do nosso ponto de vista, ideal seria a avaliação da mediação de um modo geral,
140 Vide JOÃO LÁZARO e FREDERICO MOYANO MARQUES, Justiça Restaurativa e Mediação, Sub Judice, nº 37, p. 73; e SUSANA
CASTELA, Abordagem a Aspectos Teórico-Práticos da Mediação em Processo Tutelar Educativo, Sub Judice, nº 37, p. 96.
141 Vide informações disponíveis on line: http://www.dgrs.mj.pt/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1001.37, acesso em 24/09/2015; e, JÚLIO
BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa Comentada, p. 143.
142 SUSANA CASTELA, ob. cit., pp. 98-99.
83
com o auxílio do relatório dos mediadores neste sentido, de forma que não se conclua pelo êxito
da mediação apenas pelo cumprimento do acordo, mas verificando-se a real educação do menor
para o direito, através da análise do seu comportamento no processo.
Na fase jurisdicional, a intervenção pode se dar para obtenção de consenso sobre a
medida tutelar educativa não institucional a ser aplicada (art. 104º, nºs 3 e 4, da LTE). Pode
ainda ser destinada à realização de mediação vítima-ofensor com vista à aplicação de uma
medida tutelar de reparação ao ofendido, ou que pode resultar no arquivamento do processo por
desnecessidade de aplicação de medida tutelar (art. 93º, nº 1, alínea b) da LTE).
A mediação na fase jurisdicional ainda tem pequena expressão, tendo os dados de 2002
demonstrado que a intervenção do IRS deu-se em 80% na fase do inquérito, em 17% dos casos
a mediação ocorreu na fase inicial do inquérito e apenas em 3% na fase jurisdicional. Apesar
do alto índice de êxito positivo, verifica-se que apenas 28% das vítimas acederam a participar,
portanto, os resultados se referem mais à elaboração do plano de conduta do que à efetiva prática
da mediação143. Além disso, no quadro geral de intervenções do IRS, segundo os dados de 2011,
a intervenção no âmbito da suspensão do processo com e sem mediação representa apenas 6,3%
do total, sendo os pedidos relativos à execução de medidas os que têm maior expressão,
nomeadamente a realização de tarefas a favor da comunidade e o acompanhamento educativo,
cujos índices são de 29,9% 20,5%, respetivamente144.
A doutrina tem criticado a posição titubeante da LTE face à mediação, seja no tocante
à reduzida expressão normativa, seja quanto à variável liberdade de propositura. Entretanto,
entendemos que se a mediação for amplamente aceita no meio jurídico, essa omissão do
diploma apenas permite uma sua maior aplicação, face à discricionariedade conferida à
autoridade judiciária, a quem cabe o papel de valorização da mediação, pelo que pode se
constituir em uma verdadeira vantagem. Outra crítica forte era sobre a iniciativa do menor em
apresentar um plano de conduta como forma a suspender o processo, o que representava um
grande entrave. Essa crítica, conforme visto, já não subsiste em razão da alteração do artigo 84º
da LTE, feita pela Lei nº 4/2015.
Uma última crítica, esta de elevada relevância, refere-se ao papel da vítima em todo o
processo, a quem se dá pouca atenção e pouco espaço para manifestação dos seus interesses.
Sendo a mediação prevista na LTE, seu foco é o menor infrator, e seus fins primordiais são a
143 Vide JOÃO LÁZARO e FREDERICO MOYANO MARQUES, ob. cit., p. 73.
144 Dados do Relatório de Atividades da Diretoria Geral de Reinserção Social, relativos ao ano de 2011, disponível on line em:
http://www.dgrs.mj.pt/web/rs/docsestat. Acesso em 04/10/2015.
84
reeducação e reinserção social deste, reflexo da proteção consagrada ao superior interesse da
criança145. Estes fins são característicos do processo tutelar educativo, entretanto, consideramos
que se há adesão ao processo de mediação, para além desses interesses devem ser valorizados
igualmente os interesses da vítima, que ainda espera por ver-se reconhecida plenamente.
A vítima sequer tem legitimidade na LTE para propor a intervenção do IRS, medida que
seria inclusive promotora das finalidades educativas e de reinserção social do jovem infrator.
Por outro lado, não é minimamente cabível o entendimento de que a mediação possa realizar-
se quando a vítima se oponha, justificando-se a ideia em razão de evitar-se a estigmatização do
menor pelo desenrolar do processo clássico. PELIKAN aduz que a mediação vítima-ofensor
não é predominantemente dirigida à vítima, tampouco ao ofensor, “é a experiência de ofender
ou prejudicar alguém e a experiência de ser prejudicado ou ofendido” 146 (tradução nossa).
A aplicação da mediação nos moldes acima criticados afasta-se dos princípios básicos
da justiça restaurativa, pelo que se impõe um novo olhar, tendente a consagrar melhor todos os
interesses envolvidos, de maneira mais igualitária.
Consideramos ser possível utilizar-se da mediação como forma de proteger o superior
interesse do jovem sem perder de vista a necessidade da vítima de ser ouvida e de permitir-lhe
decidir conjuntamente com o ofensor a melhor forma de ser reparada, o que não acontece no
curso normal do processo tutelar educativo147. A suspensão do processo tutelar educativo não
ficaria na disponibilidade da vítima, como aduzem alguns doutrinadores, em razão de a lei
prever outra hipótese de suspensão, que independe do recurso à mediação e, portanto, da adesão
da vítima, qual seja aquela prevista no artigo 84º, nº 1, alínea a), que atribui exclusivamente ao
menor a legitimidade para viabilizar a suspensão do processo através da sua concordância ao
plano de conduta148. Não tendo participado a vítima, contudo, a ação reparadora seria destinada
à comunidade, e não propriamente à vítima, pois também aqui consideramos pertinente a
ressalva feita por SILVA, quanto ao consentimento da vítima no momento da escolha da medida
145 “Na Lei Tutelar Educativa, apesar das aproximações aos modelos restaurativos, o protagonista da sua execução é o Estado, sendo o papel
da vítima marginalizado e fragmentado em momentos específicos de intervenção condicionada. A vítima e a comunidade não se erigem, deste
modo, em participantes activos da sucessão de actos do processo nem em membros activos do desenho da solução concreta encontrada.” in
ÉLIDA LAURIS e PAULA FERNANDO, ob. cit., p. 145.
146 CHRISTA PELIKAN, ob. cit., p. 25.
147 Vide, p. ex., crítica de JÚLIO BARBOSA E SILVA, ob. cit., pp. 351-352, acerca da desvalorização da opinião da vítima quanto à medida
proposta pelo Ministério Público, nos termos do artigo 104º, nº 4, da LTE.
148 Ainda aqui pode haver intervenção do IRS, entretanto não se pode chamar de mediação, tampouco exigir-se a presença da vítima.
85
a ser aplicada149. Portanto, para que fosse previsto no plano de conduta a reparação ao ofendido,
seria necessário o consentimento da vítima.
No processo tutelar educativo, de modo geral, não são estabelecidos quaisquer limites à
aplicação da mediação, em razão da gravidade dos fatos praticados, dos antecedentes do menor,
ou do momento em que pode ser realizada, podendo as autoridades judiciárias desempenhar
papel relevante na valorização desse instrumento restaurador. De qualquer modo, a mediação
penal juvenil tem lugar preferencialmente nas infrações de reduzida ou média gravidade, e
poderá instrumentalizar-se como forma de diversão, através da suspensão do processo, desde
que o menor não tenha sido sujeito a medida tutelar anterior e esteja evidenciada sua
predisposição a evitar a prática de futuras infrações (art. 84º, nº 1). Não se deve, contudo, excluir
a atuação do Poder Judiciário, complementariamente, no caso de descumprimento do termo de
conduta que foi acordado, a fim de evitar o sentimento de impunidade, ainda que lhe seja
aplicado um limite temporal.
Acrescentamos a possibilidade de a mediação ser aplicada em momento posterior à
condenação, ainda que o menor seja institucionalizado, por utilização subsidiária das normas
aplicadas aos infratores adultos, nomeadamente o Código de Execução das Penas e Medidas
Privativas da Liberdade150, em cujo artigo 47º, nº 4, dispõe que “o recluso pode participar, com
o seu consentimento, em programas de justiça restaurativa, nomeadamente através de sessões
de mediação com o ofendido”, bem como no previsto nos artigos 91º e 92º do Regulamento
Geral dos Estabelecimentos Prisionais151, de forma a contribuir para seu retorno à sociedade
com maior sentido de responsabilidade e colaboração com os valores essenciais a uma
convivência harmoniosa.
A problemática em território nacional não parece extrema, afinal o legislador já fez sua
parte ao prever expressamente a mediação penal juvenil, sem qualquer mácula de
inconstitucionalidade, ainda que lhe falte uma necessária regulamentação própria. Superado o
primeiro grande obstáculo, resta atuar utilizando-se dos espaços de discricionariedade contidos
na LTE de forma que a mediação seja melhor aplicada, mais consentaneamente aos princípios
estabelecidos internacionalmente e integrados no ordenamento jurídico português, e de forma
a minimizar as dificuldades práticas encontradas.
149 JÚLIO BARBOSA E SILVA, ob. cit., p. 351. 150 Aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro.
151 Aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 51/2011, de 11 de Abril.
86
3.1.2 No sistema jurídico italiano
Diversamente da prática portuguesa, na Itália a mediação teve considerável
desenvolvimento no âmbito da delinquência juvenil e só recentemente ela veio a ser aplicada
na delinquência de adultos. Entretanto, foi no microssistema do juiz de paz que o país previu
pela primeira vez a mediação penal, quando determinou que, sendo o crime processado
mediante queixa, o juiz promove a conciliação entre as partes e, se entender útil, poderá valer-
se da atividade de mediação de centros e estruturas públicas ou privadas presentes no território
(art. 29, inciso 4, D.Lgs. 274/2000)152.
As primeiras atividades de mediação penal juvenil na Itália surgiram pela iniciativa dos
magistrados da infância de Turim, em 1995, sob a forte influência da experiência francesa. Eles
publicaram orientações e normas acerca da implementação da mediação penal juvenil e
declararam a criação de uma Seção de Mediação dentro do Ministério Público juvenil. Apesar
de não haver um suporte normativo a nível nacional, a experiência foi positiva e foi
sucessivamente sendo aplicada em outras sedes, como Milão, Bari e Trento153.
Todos esses centros de mediação se localizavam dentro dos próprios tribunais, mas
alguns anos depois se mudaram para novas sedes, pois o financiamento passou a ser realizado
pelos governos locais, centros para a justiça juvenil, entidades ou associações privadas, não
restando à vítima e ao infrator qualquer custo pela participação na mediação. O Ministério da
Justiça exerce o papel de coordenação e monitoramento, oferecendo ainda um apoio financeiro
indireto, pois fornece mediadores part-time para os centros de mediação, os quais representam
24% do total de mediadores154. Devido a essas alterações, os centros de mediação ganharam
maior autonomia em relação ao passado, evitando ainda uma confusão entre os mediados sobre
os papéis do juiz e do mediador.
As iniciativas no período cresceram rapidamente, entretanto atualmente nota-se certa
estagnação. Há apenas 20 serviços de mediação em todo o país, ao contrário da França e da
152 “Il giudice, quando il reato e' perseguibile a querela, promuove la conciliazione tra le parti. In tal caso, qualora sia utile per favorire la
conciliazione, il giudice puo' rinviare l'udienza per un periodo non superiore a due mesi e, ove occorra, puo' avvalersi anche dell'attivita' di
mediazione di centri e strutture pubbliche o private presenti sul territorio. In ogni caso, le dichiarazioni rese dalle parti nel corso dell'attivita'
di conciliazione non possono essere in alcun modo utilizzate ai fini della deliberazione.”
153 Vide informação disponível on line em http://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_2_5_11.wp. Acesso em 17/09/2015.
154 Nesse sentido vide ANNA MESTITZ e SIMONA GHETTI, Capítulo 5, ob. cit., pp. 326/332, e informação disponível on line em
http://www.altrodiritto.unifi.it/ricerche/minori/imperial/cap4.htm. Acesso em 26/08/15.
87
Alemanha, com cerca de 200 e 300 serviços, respetivamente155. Por outro lado, a maior parte
das mediações realizadas tem a participação de pelo menos dois mediadores, o que se constitui
em benefício às partes, entretanto limita evidentemente a ampliação do número de estruturas.
Atualmente, a mediação penal juvenil faz parte do sistema de justiça criminal juvenil, e
está incluída entre as responsabilidades do Tribunal de Menores e do Ministério Público, e pode
resultar do encaminhamento do jovem, feito pelo juiz ou pelo promotor de justiça, para o
serviço social do tribunal ou para centros de mediação autorizados. O Ministério da Justiça é o
órgão que coordena todas as atividades de mediação penal no âmbito juvenil, bem como o
treinamento de mediadores. As queixas são muitas, seja a nível organizacional e de estrutura,
seja a nível normativo, o que impede a maior consolidação da mediação no país.
Submetem-se ao procedimento jovens infratores de 14 a 18 anos de idade, pois os
menores de 14 anos não podem ser acusados. O foco é quase exclusivo sobre o ofensor, e não
sobre a vítima, porque o sistema é baseado no caráter educativo da medida e na
desjudiciarização. MESTITZ e GHETTI aduzem que “a punição é considerada como um último
recurso e o tratamento dos ofensores é inevitavelmente desigual nos Tribunais porque depende
do que o magistrado (promotor ou juiz) considera seja o melhor interesse da criança” 156
(tradução nossa).
Ainda não há uma previsão legal expressa da mediação penal juvenil no país, tampouco
regulamentação nacional, entretanto são criados “Protocolli d’Intesa” (Protocolos de Acordo)
entre autoridades locais, centros para a justiça juvenil, tribunais e Procuradorias de Menores,
com o Ministério da Justiça, através dos quais se autoriza e regula a atividade de mediação.
Apesar de o Código de Procedimento Penal Juvenil, D.P.R. nº 448/88, não dispor
expressamente sobre a mediação penal juvenil, os magistrados costumam referir-se a alguns de
seus dispositivos para encaminhar os casos aos centros de mediação, mais precisamente: no
âmbito das investigações preliminares, no momento da avaliação de personalidade (art. 9) e na
determinação de suspensão do processo e “messa alla prova” (art.28). Ou seja, distingue-se uma
mediação em fase pre-processual, no âmbito das investigações preliminares, e uma mediação
em fase processual.
A mediação penal juvenil pode ser realizada ainda em fase de execução da pena, no
âmbito da medida alternativa à detenção, com base no artigo 47 da Lei nº 354/75. Esta é
155 Dados da Itália obtidos em ROBERTO FLOR e ELENA MATTEVI (report di), Giustizia Riparativa e Mediazione in Materie Penali in
Europa, p. 11; e dos outros países em ANNA MESTITZ, ob. cit., p. 13.
156 ANNA MESTITZ e SIMONA GHETTI, ob. cit., p. 324.
88
inclusive a recente orientação elaborada pelo Departamento para a Justiça Juvenil do Ministério
da Justiça, na Itália, que, por meio do Protocolo nº 14095, de 30 de abril de 2008157, convida os
operadores do sector a implementar experiências de mediação na fase de execução da pena para
a ativação de processos reparadores em favor da vítima ou grupo de vítimas e da sociedade,
cujo êxito positivo viria a constituir um dos elementos que o tribunal de vigilância ou o juiz de
vigilância poderia avaliar para a concessão de benefícios penitenciários158.
Dentre as disposições do Código de Procedimento Penal Juvenil, a de maior relevo na
introdução da mediação na Itália é o artigo 28, cujo inciso 2 dispõe que, com a decisão que
suspende o processo e confia o menor aos serviços de administração da justiça de menores para
um programa de “recuperação”, o juiz pode determinar medidas que visem a reparação das
consequências do crime e a promoção de conciliação do infrator com a vítima do crime159. No
dizer de LARIZZA, esta norma atende aos mais modernos orientamentos político-criminais, no
sentido de “atenuar ou resolver o conflito entre autor e vítima e obter uma mais adequada
reparação dos danos causados pelo delito”160 (tradução nossa).
A “messa alla prova” é o termo utilizado para a prática da suspensão do processo,
quando o infrator tem sua liberdade concedida desde que, por um determinado período,
apresente bom comportamento. “[…] Funciona como um jogo de confiança estratégica, no qual
se dá confiança ao menor não o punindo, mas ‘colocando-o à prova’” (tradução nossa)161.
O plano de intervenção, por sua vez, deve ser construído e adaptado às peculiares
necessidades do menor, de forma a contribuir para seu amadurecimento e responsabilização.
Ainda com este fim, o procedimento é permeado por várias oportunidades de discricionariedade
do juiz: ao decidir pela suspensão ou pela determinação do seu período, ao dirigir prescrições
quanto à reparação e promoção da conciliação entre os envolvidos, ao decidir pela sua
157 O qual atualiza as linhas de orientação e coordenação em matéria de mediação penal juvenil, contidas no Protocolo 40494, de 09 de Abril
de 1996.
158 Para aprofundamento vide GRAZIA MANNOZZI, La Mediazione nell’Ordinamento Giuridico Italiano: Uno sguardo d’insieme, in
MANNOZZI, Grazia (a cura di), Mediazione e Diritto Penale: Dalla punizione del reo alla composizione con la vittima, pp. 27/29.
159 PIERPAOLO MARTUCCI, Gli Spazi della Mediazione Penale nel Processo Minorile: riflessioni su dieci anni di “sperimentazioni”, Diritto
Penale e Processo, nº 11, 2006, p. 1413, aduz que os termos conciliação ou reconciliação muitas vezes são usados inapropriadamente, pois ou
se referem efetivamente à mediação, ou simplesmente são usados como seus sinónimos. Esta confusão tem sido percebida especialmente nos
textos legislativos. GRAZIA MANNOZZI, La Giustizia senza Spada:Uno studio comparato su giustizia riparativa e mediazione penale, p.
135, explica que a reconciliação representa o êxito do encontro entre autor e vítima, enquanto o termo mediação refere-se ao processo mediante
o qual se pode obter a reparação ou reconciliação.
160 SILVIA LARIZZA, ob. cit., p. 275.
161 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 90.
89
revogação em caso de graves e repetidas transgressões às prescrições, e, enfim, quando
terminado o período de prova, ao avaliar se o mesmo teve êxito positivo ou não.
A mediação penal juvenil pode ser incluída no projeto, já que o juiz pode remeter o caso
aos centros de mediação dentro do período de prova, com o objetivo de conciliação, reparação
ou mediação. No dizer de LARIZZA, quanto mais se persegue o fim especial-preventivo, mais
é necessário dilatar o âmbito do poder discricionário do juiz162, e foi nesse sentido que o
legislador italiano arquitetou o procedimento, ainda que muitas críticas sejam feitas a essa
opção legislativa, pois o mesmo não dita critérios orientativos a essa discricionariedade.
O instituto da suspensão do processo tem limites muito amplos também em relação à
tipologia de crimes que a ele podem se submeter. É que o legislador não previu limites objetivos
à sua aplicação, podendo ser suspenso processo em que se apura ofensa leve ou mesmo ofensa
grave.
Sendo uma das inúmeras prescrições possíveis de serem aplicadas, considera-se que a
mediação ainda não obteve um papel relevante. Sua aplicação na justiça italiana surge em
considerável atraso relativamente às experiências estrangeiras, devido à grande desconfiança e
resistência cultural ao paradigma transacional no âmbito penal, especialmente por este ser
contrário a alguns princípios de tradição romano-germânica, com o da obrigatoriedade da ação
penal.
A discricionariedade presente no âmbito do sistema de justiça de menores foi essencial
para o início da aplicação da mediação, ainda que esta seja desempenhada sempre relacionada
ao processo penal, não como resposta autônoma. É que, mesmo sendo aplicada em fase das
investigações preliminares, seu êxito negativo implica o início do processo para apuração da
responsabilidade do menor. De qualquer forma, o êxito positivo da mediação permite a saída
rápida do processo.
Um quadro estatístico do ano de 2002 representa bem os encaminhamentos feitos aos
centros de mediação, referindo-se quer à autoridade promovente quer à norma usada163:
162 SILVIA LARIZZA, Profili Sostanziali della Sospensione del Porcesso Minorile nella Prospettiva della Mediazione Penale, in PICOTTI,
Lorenzo (a cura di), La Mediazione nel Sistema Penale Minorile, p. 108. 163 Vide ANNA MESTITZ e SIMONA GHETTI, ob. cit., p. 328.
90
Autoridades Investigação de Personalidade
“Messa alla Prova”
Outros Total
Ministério Público 225 1 10 236
Juiz 22 32 9 63
Serviços Sociais do Tribunal 6 8 4 18
Outros 1 1 2 4
Total 254 42 25 321
As estatísticas demonstram que a grande maioria dos casos indicados para processo de
mediação são encaminhados pelo Ministério Público, essencialmente na fase investigativa,
onde a “avaliação de personalidade” (artigo 9º) requer a busca de informações sobre as
condições e recursos pessoais, familiares, sociais e ambientais do menor, com o fim de verificar
sua imputabilidade e o grau de responsabilidade, avaliar a relevância social do fato, bem como
dispor sobre as adequadas medidas penais e adotar eventuais medidas civis. É no âmbito da
“avaliação de personalidade”, efetuada pelos serviços competentes, que os operadores podem
fazer uma análise das condições e dos recursos necessários para iniciar um percurso de
mediação com a vítima. Assim, a disponibilidade do menor em reparar o dano cometido ou
confrontar-se com a vítima pode ser avaliada como um aspeto positivo da sua personalidade.
Nas palavras de RENZETTI, “a norma, dirigida a consentir o mais aprofundado conhecimento
da personalidade do menor, se coloca como premissa para a atuação das finalidades
reeducativas do processo e, portanto, para a operatividade daqueles instrumentos que
representam sua imediata tradução”164.
A promoção da reconciliação entre o agressor e a vítima pode tornar o fato socialmente
irrelevante e consequentemente resultar em uma decisão de extinção do processo por
irrelevância do fato (art. 27 do DPR 448/98). Inclusive pode fazer perder relevância social a um
fato que não é propriamente tênue, ampliando assim o âmbito de aplicabilidade da norma que
trata da sentença de extinção do processo por irrelevância do fato165.
Após o término do processo de mediação, o caso é reencaminhado ao promotor de
justiça, que faz ao juiz o pedido de encerramento do processo, caso entenda estejam presentes
três requisitos: a tenuidade do fato, a ocasionalidade do comportamento, e exigências educativas
do menor. Caso contrário, o processo judicial segue seu percurso normal.
164 SILVIA RENZETTI, La Mediazione nel Microsistema Penale Minorile, Diritto Processuale, p. 647.
165 SILVIA LARIZZA, Il Diritto Penale dei Minori: Evoluzione e rischi di involuzione, p. 277.
91
O juiz, por sua vez, pode ter em conta a mediação realizada ou pode não acolher o
requerimento do Ministério Público, de cuja decisão podem recorrer o menor e o Procurador-
Geral.
Além do encaminhamento aos Centros de Mediação ser feita por promotores ou juízes,
também os Serviços Sociais do Tribunal têm legitimidade para tal, com base na interpretação
da norma da “avaliação de personalidade”. Esta prática é corrente pelos Serviços Sociais do
Tribunal de Menores de Veneza, que encaminha os casos aos serviços de mediação do Istituto
Don Calabria, entretanto, trata-se de prática diminuta no panorama nacional geral. Os Serviços
Sociais do Tribunal podem ainda autonomamente executar a investigação requerida pela norma.
Relativamente aos casos de encaminhamento feitos pelos juízes, entretanto, a maioria
deles se fundamenta na “messa alla prova”. Nesse período, o jovem pode participar de
programas de reabilitação ou pode ser encaminhado aos Serviços Sociais do Tribunal ou aos
Centros de Mediação, para o fim de reparação, conciliação ou mediação. No final do período
de prova, o juiz fixa uma nova audiência na qual declara por sentença a extinção do processo
se, considerando o comportamento do menor e a evolução da sua personalidade, entenda ter a
prova sido concluída com êxito (art. 29 do DPR nº 448/98). Ou, de outro modo, o processo
segue o curso normal. Destaque-se que o instituto da suspensão só pode ser aplicado nos casos
em que o menor tenha a capacidade de compreender e de querer, em outras palavras, tenha um
grau de maturidade adequado à sua idade, pois caso contrário se deve recorrer à absolvição por
imaturidade166.
Há poucas estatísticas oficiais sobre mediação penal juvenil no país, exceto em temas
restritos. Pelos dados do Ministério da Justiça167, entre ações penais iniciadas por denúncia
contra menores e procedimentos de “messa alla prova”, a relação em 2004 foi de 10,6%, que
cresceu para 15,1% em 2012. Quanto à “messa alla prova”, vê-se pelos dados que sua utilização
tem sido crescente nos últimos anos, em que pese não poder-se verificar em quantos casos a
mediação foi desenvolvida. Por outro lado, os resultados têm sido bastante satisfatórios, tendo
em vista que em 2004 o êxito positivo, representado pela extinção do processo, foi no patamar
de 81%, em 2012 foi de 84,6%, e em 2014 foi de 83,3%.
166 Vide SILVIA LARIZZA, ob. cit., p. 295. 167 Disponíveis on line no site do Ministero della Giustizia, respetivamente:
https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_14_1.wp;jsessionid=522A48329DEFA9568561A5B88D42089D.ajpAL03?facetNode_1=3_1_7&p
revisiousPage=mg_1_14&contentId=SST1164979, e
https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_14_1.wp;jsessionid=522A48329DEFA9568561A5B88D42089D.ajpAL03?facetNode_1=3_1_7&p
revisiousPage=mg_1_14&contentId=SST1165016. Acesso em 09/10/2015.
92
Relativamente à proporção entre a utilização da mediação em fase pré-processual e em
fase processual, tem-se que há progressiva diminuição da utilização do artigo 28 em
comparação com o artigo 9, o que evidencia maior benefício ao infrator. Ilustrativos são os
dados fornecidos pelo Istituto Don Calabria, quanto aos procedimentos de mediação por ele
desenvolvidos, no ano de 2014. De 39 procedimentos, 34 foram fundamentados no artigo 9º do
DPR, portanto, foram desenvolvidos em momento pré-processual. Apenas cinco deles foram
desenvolvidos no decorrer do processo, o que evidencia a utilidade da mediação na resolução
célere do conflito, encurtando ou evitando o contato do menor com o meio judicial e,
consequentemente, evitando sua estigmatização.
As experiências positivas no âmbito juvenil, ainda que a prática tenha ainda pouca
expressão, serviram de espelho à mediação penal de adultos. É que recentemente houve uma
importante alteração legislativa, que trouxe a expressa previsão da mediação penal para adultos.
Trata-se do artigo 464-bis, inciso IV, do Código de Processo Penal Italiano, introduzido pela
Lei nº 67, de 28 de Abril de 2014, que inseriu no processo penal a previsão da suspensão do
processo com “messa alla prova”, requerível pelo imputado. Dentro do programa de tratamento,
a norma estabelece que devem ser previstas condutas voltadas a promover, onde possível, a
mediação com o ofendido. Ressaltamos que, quer na mediação penal quer na mediação penal
juvenil o início do processo dar-se-á somente com o consentimento da vítima e do ofensor.
Para além da mediação penal juvenil e da mediação penal, a justiça restaurativa tem-se
manifestado na Itália com o aumento de práticas restaurativas, como os serviços à comunidade
e a reparação de danos, entretanto o país precisa empenhar-se mais no sentido de se adequar
aos padrões internacionais e recomendações, tendo em vista, p. ex., que após a Decisão-Quadro
2001/220/JHA, o país não adotou as medidas legislativas a que se obrigou168.
Auguramos que a mediação tenha cada vez mais espaço na Itália, superando aos poucos
os obstáculos que se apresentem, levando em consideração entretanto a importância de estar
em compasso com a tendência internacional e de se submeter sempre às normas gerais
estabelecidas na matéria, que são fruto da análise das melhores práticas.
168 Vide LORENZO PICOTTI, ROBERTO FLOR, ELENA MATTEVI e IVAN SALVADORI, Italy. In DÜNKEL, Frieder (ed.) et al.
Restorative Justice and Mediation in Penal Matters: A stock-taking of legal issues, implementation strategies and outcomes in 36 European
countries. Vol. 1, pp. 417/423.
93
3.1.3 No sistema jurídico brasileiro
O movimento de amplo acesso à justiça teve seus reflexos no Brasil no início da década
de 80, com a aplicação institucionalizada da arbitragem, ou juízo arbitral169, e da conciliação170
nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, para as causas de pequeno valor, nos termos da
Lei nº 7.244, de 7 de Novembro de 1984.
A primeira disposição legal sobre a mediação foi na área trabalhista, com a Medida
Provisória 1053/1995, substituída em seguida pela Medida Provisória de nº 1079/95, que previa
a política de livre negociação coletiva para fixação de salários e condições referentes ao
trabalho. Atualmente, a mediação tem sido aplicada também em organizações não-
governamentais, instituições escolares e nas comunidades.
A mediação penal, entretanto, não teve ainda aplicação considerável. Foi somente com
o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 98, I) e da Lei nº 9.099, de 26 de Setembro de
1995, que o tema da autocomposição penal passou a ser debatido com certa liberdade e
desprendimento de paradigmas ultrapassados.
Inspirada no movimento de informalização da justiça, a Lei nº 9099/95 criou os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais171, extinguindo assim os Juizados de Pequenas Causas e iniciando
no ordenamento jurídico brasileiro a abertura do processo criminal ao consenso processual e à
despenalização das infrações de menor potencial ofensivo172. Iniciava-se uma crescente
utilização de meios alternativos de resolução de conflitos e de práticas restaurativas.
169 A arbitragem, posteriormente, teve sua incidência ampliada, pela previsão do compromisso arbitral extrajudicial, com a edição da Lei de
Arbitragem (Lei nº 9307, de 23 de Setembro de 1996).
170 ANTONIO HÉLIO DA SILVA, Arbitragem, Mediação e Conciliação, in LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.), Grandes Temas da
Atualidade: Mediação, Arbitragem e Conciliação, p. 30, recorda entretanto que a conciliação teve papel de destaque na ordem jurídica
brasileira já desde 1824, quando a Constituição Imperial impôs que nenhum processo se iniciasse antes de uma tentativa de conciliação. Foi
quando surgiram os juízes de paz. Hoje, os mesmos têm previsão nos artigos 14, VI, c, e 98, II, da Constituição Federal de 1988, e possuem
dentre outras atribuições, celebrar casamentos e exercer atribuições conciliatórias, entretanto, na prática, os mesmos não têm sido constituídos.
171 Em que pese alguns autores entenderem que os Juizados Especiais de Pequenas Causas tratam-se de mecanismo alternativo de resolução de
conflitos, a ex. de ANTÔNIO HÉLIO DA SILVA, ob. cit., p. 21; RAÚL ESTEVES, A Novíssima Justiça Restaurativa e a Mediação Penal,
Sub Judice, nº 37, pp. 60/62, entendemos que os mesmos são, na verdade, apenas uma ferramenta de aceleração processual, pois fazem parte
da estrutura do Poder Judiciário e atuam sob seu controlo. O conciliador, por exemplo, é servidor do quadro ou requisitado pelo Tribunal,
enquanto a decisão sobre o mérito é sempre feita pelo juiz, e os recursos são encaminhados às Turmas Recursais, compostas também por juízes.
Portanto, há todo um procedimento formal, ainda que menos formal que o procedimento ordinário, e sob um rito denominado sumariíssimo,
de resolução de conflitos. Portanto, ligam-se ao movimento de amplo acesso à justiça na vertente de simplificação do processo judicial. A
conciliação desenvolvida nos Juizados Especiais, por sua vez, é que pode ser considerada um mecanismo de resolução alternativa de conflitos,
porque é procedimento paralelo à forma tradicional, a jurisdição estatal, ainda que desenvolvido no âmbito do Poder Judiciário.
172 “Os Juizados Especiais Criminais Estaduais revolucionaram o sistema judiciário com a extinção do inquérito policial; a implantação da
transação penal, da suspensão condicional do processo, a ampliação das hipóteses de disponibilidade da ação penal e a aplicação de medidas
94
Ressalte-se, entretanto, que o procedimento nos Juizados Especiais introduziu práticas
restaurativas, porém estas não alcançam plenamente os fins da justiça restaurativa como um
todo, especialmente no que respeita à vítima. A mediação penal, por sua vez, o maior exponente
da justiça restaurativa, não tem previsão expressa, mas tem sido lentamente introduzida no
procedimento dos Juizados Especiais. Entretanto é prática recente, ainda em fase de
experimentação.
Experiência interessante é a da introdução da mediação nos juizados criminais de
Curitiba/PR, pelos juízes e conciliadores, em atuação conjunta com os promotores de justiça,
advogados e defensores públicos, em casos de relações familiares, entre vizinhos, dentre outras,
onde se desenvolve sempre a tentativa de composição civil dos danos e a mediação penal173. A
nosso ver, a mediação nesses moldes se distancia das características e princípios básicos
consagrados na matéria, pelo que entendemos que o que se realiza é um misto de
mediação/conciliação, ou simplesmente a aplicação de técnicas de mediação às conciliações ali
realizadas.
As primeiras experiências de justiça restaurativa foram implementadas em março de
2005, com o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”,
organizado e financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e
pelo Ministério da Justiça. Foram três projetos-piloto, um em Porto Alegre/RS, outro em São
Caetano do Sul/SP e outro em Brasília/DF. Em Porto Alegre, p. ex., a partir de então círculos
restaurativos começaram a ser realizados no âmbito da justiça de menores174. Já em agosto, o
estado iniciou a execução do projeto "Justiça para o Século 21", expandindo a difusão e
aplicação da justiça restaurativa ao atendimento técnico dos adolescentes infratores. Em três
anos de implementação do projeto, registraram-se 2.583 participantes em 380 procedimentos
restaurativos, outras 5.900 pessoas participaram de atividades de formação promovidas pelo
Projeto175.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o órgão do Poder Judiciário que tem entre suas
funções a ampliação do acesso à justiça. Sendo assim, por meio da Resolução nº 125, de 29 de
Novembro de 2010, que estabelece a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
alternativas começam agora, gradativamente, a modificar o modelo penal do País, inclusive na Justiça Federal” in ROBERTO PORTUGAL
BACELLAR, ob. cit., p. 88.
173 ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, ob. cit., p. 232.
174 Participam do procedimento a família do infrator e representantes da comunidade para o debate do ato infracional, assim comprometendo-
se todos na recuperação do jovem.
175 Vide MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, Justiça Restaurativa: Histórico, disponível on line em:
http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1711. Acesso em 06/10/2015.
95
conflitos de interesses e dá outras providências, instituiu a conciliação e a mediação como
políticas públicas de acesso à justiça, corroborando com as práticas já iniciadas na matéria e
incentivando sua crescente aplicação. Optou por um modelo de mediação integrada na própria
sede judicial (multidoor courthouse), idealizando com isso oferecer uma estrutura completa de
administração da justiça, na qual junto ao procedimento ordinário de tutela jurisdicional os
tribunais disponham de formas alternativas de resolução de conflitos. Possibilitou também que
os serviços sejam oferecidos por entidades privadas, desde que estas detenham um padrão
mínimo de qualidade, atestado previamente.
A Resolução nº 125 determinou aos tribunais a criação de Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, com as atribuições de planejar e administrar a
política de tratamento adequado dos conflitos, e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos
e Cidadania (unidades do Poder Judiciário), responsáveis pela realização das sessões e
audiências de conciliação e mediação, que excecionalmente podem ser realizadas nos próprios
juízos. Destaca-se a previsão expressa da possibilidade de desenvolvimento de programas de
mediação penal ou qualquer outro processo restaurativo, para os crimes de menor potencial
ofensivo, de competência dos Juizados Especiais Criminais e dos Juizados da Infância e da
Juventude, desde que respeitados os princípios básicos previstos na Resolução n° 12/2002 da
ONU e a participação do titular da ação penal em todos os atos, com fundamento no artigo 73
da Lei nº 9099/95 e nos artigos 112 e 116 da Lei nº 8069/90. Desse modo, o CNJ consagrou a
admissão da mediação penal juvenil no ordenamento jurídico do país, ainda que as leis não
tenham disposições expressas a respeito.
Em 2012 foi criada a Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam), pela
Secretaria de Reforma do Judiciário e pelo CNJ, sendo uma das mais importantes parcerias
entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, destinada à formação de mediadores judiciais e
de conciliadores. Enfim, instaurou-se uma nova política de solução de conflitos, sob o controlo
e organização do Poder Judiciário, difundindo-se a ideia de que é possível uma abordagem mais
pluralista dos conflitos dentro da própria estrutura judiciária176.
O crescente interesse pela mediação resultou na sua introdução expressa no novo
Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015), que instituiu entre as normas
fundamentais do processo civil a premissa de que “A conciliação, a mediação e outros métodos
de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
176 Para aprofundamento vide CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Conciliação e Mediação como Pilares do novo Judiciário, Resultado,
p. 9; e KAZUO WATANABE, Entrevista, Resultado, pp. 12/15.
96
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (artigo 1º,
§ 3º).
Mais recentemente o país teve um grande marco na matéria, com a sanção da Lei nº
13.140, de 29 de Junho de 2015, Lei da Mediação, que entra em vigor após 180 dias da data da
publicação. Essa lei dispõe sobre a mediação judicial e extrajudicial como forma consensual de
solução de conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que
admitam transação. Portanto, destina-se amplamente aos âmbitos civis e criminais, fazendo
ressalva apenas à mediação nas relações trabalhistas, que será regulada por lei própria. No que
diz respeito à mediação judicial, a Lei de Mediação determina que os centros judiciários de
solução consensual de conflitos serão responsáveis pela realização de sessões e audiências de
conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas
que visem a estimular e auxiliar a autocomposição.
Entendemos que a ideia é valorável para o incentivo de uma política consensual de
solução de conflitos, preocupa-nos, entretanto, o modelo proposto no país, especialmente
quanto à implementação da mediação integrada na estrutura judiciária, denominada de
mediação judicial. É que a mediação é uma atividade essencialmente privada e sem qualquer
intervenção ou poder hierárquico jurisdicional, caso contrário se transmutaria numa verdadeira
conciliação ou mesmo em mais uma etapa prevista no processo judicial, perdendo suas
vantagens específicas. Consideramos ser atividade incompatível com a estrutura judiciária,
devido ao excessivo carácter formal e à ideia de autoridade intrínseca a esta. Entende-se ser
mais produtivo se os mediadores não se apresentarem como figuras de autoridades e que o
ambiente seja mais informal, a fim de estimular o diálogo e evitar confusão entre os serviços
judiciais e os serviços de mediação. Isso não se confunde, evidentemente, com uma necessária
e adequada postura profissional.
Outra grande preocupação é relativa à instrumentalização da mediação pelos juízes.
Alguns autores têm defendido no Brasil que o juiz pode orientar os mediadores a adotar
determinadas abordagens ou técnicas ou, ainda, que o mesmo pode atuar como mediador nos
processos em curso, sendo mesmo considerado como “gestor de valores autocompositivos”177,
pelo que lhe caberia a função de coordenar as atividades dos mediadores, que, assim como os
conciliadores, são considerados seus auxiliares.
Entendemos que o Judiciário deve ter limites claros, sendo importante, pois, distinguir
apoio e controlo, evitando que este se instale. Parece que o intuito de submeter a mediação ao
177 Nesse sentido vide AZEVEDO, Andre Gomma de. Manual de Mediação Judicial, pp. 52/54.
97
controlo do Judiciário, incluindo-o em sua própria estrutura, é evitar que este perca seu prestígio
diante da evidente necessidade de utilização de “novos” e diferentes meios de resolução dos
conflitos. Entretanto isso reflete a descrença ou desconfiança ainda existente quanto a estes
meios, parecendo querer-se “controlar” sua eficácia, como se a obtenção da pacificação social
deles decorrente fosse uma conquista do próprio Poder Judiciário, a quem são devidos os
“louros”. Isso contraria entretanto os fins almejados pelo já mencionado movimento de acesso
universal à justiça, segundo o qual se propõe o aperfeiçoamento do processo judicial, mediante
sua informalização, bem como a aceitação e incentivo aos meios denominados alternativos, e,
que, na verdade, pretendem ser complementares, não excluindo nunca o acesso à justiça
tradicional.
Recordamos que na década de 70, nos Estados Unidos, optou-se por incluir a mediação
na própria estrutura judiciária, a fim de melhor atender aos interesses das partes178. Em alguns
casos, os tribunais remetem as partes para a mediação, procedimento que se designa por court-
administered mediation179. MANNOZZI explica, entretanto, que os programas de mediação
vítima-ofensor iniciados na área anglo-saxã são promovidos e geridos por organizações
estranhas ao aparato judiciário, ainda que a atividade seja desenvolvida em estreita colaboração
com o sistema judiciário180.
O modelo previsto para o Brasil se assemelha àquele dos EUA no início da década de
70, mas evidencia-se que o país optou por legitimar um maior controlo do Judiciário sobre a
solução do conflito. Além disso, a mediação àquela época tinha um carácter essencialmente
negocial, enquanto a mediação humanista, instrumento da justiça restaurativa que se
desenvolveu posteriormente, necessita de um ambiente mais propício a que os interesses mais
íntimos das partes possam aflorar e sejam acolhidos e transformados, por isso não se recomenda
um ambiente extremamente formal, como é o caso dos tribunais, tampouco que o processo de
mediação seja dirigido ou coordenado pelos juízes, cabendo ao mediador ampla liberdade para
agir conforme as necessidades que surjam no decorrer do procedimento.
O Brasil, assim como Portugal e Itália, pertence a uma tradição jurídica distinta daquela
prevalecente nos países em que os ADR se desenvolveram. A tendência nos modelos atuais é
178 Nesse sentido, vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, pp. 21-22, onde se destaca a mediação como
elemento característico dos juizados de pequenas causas nos Estados Unidos, com mediadores extremamente qualificados para desempenho
de seu mister. Aduz-se que esse cenário influenciou a introdução da conciliação nos atuais juizados cíveis e criminais no Brasil, apesar de
assumidamente não ter sido desempenhada com tamanha preparação técnica dos profissionais, que inclusive dispunham de maior liberdade
quanto ao método a utilizar.
179 Vide CHRISTOPHER W. MOORE, The Mediation Process, p. 19 ss.
180 GRAZIA MANNOZZI, ob. cit., p. 135.
98
no sentido de que a mediação não tem natureza judicial, sendo apenas ligada ao processo
judicial, portanto, os serviços de mediação são geralmente alocados em edifícios independentes
dos tribunais, órgãos do Ministério Público e delegacias, além disso não têm nenhuma
conotação política ou religiosa, tudo de forma a garantir a neutralidade da mediação.
Devido à prática recente dessa nova política de solução de conflitos no Brasil, é difícil
fazer uma análise da adequação ou não da medida, afinal em muitos tribunais ela não foi sequer
implementada, e os resultados ainda não são visíveis. Entretanto, vemos com relativa descrença
o êxito do modelo, afinal princípios básicos da mediação têm sido manipulados de forma a
adaptar o procedimento à realidade do país, quando na verdade é a própria essência da mediação
que está a ser desvirtuada, pelo que se passa a comprometer sua própria eficácia.
Além das críticas acima expostas, vê-se que o país ainda precisa implementar meios de
facilitar o acesso às medidas alternativas. É que os mediadores podem ser extrajudiciais ou
judiciais, mas mesmo estes são remunerados pelas partes, pois a lei prevê que sua remuneração
será fixada pelos tribunais e custeada por estas. Ainda que aos necessitados a lei assegure a
gratuidade da mediação, verifica-se a necessidade de desenvolvimento de novas formas de
custeio que permitam sua maior utilização, assim como já funciona em Portugal e na Itália.
Merecem aplauso, por outro lado, as iniciativas feitas no sentido de fomentar a mediação
dentro das comunidades, fazendo-as participantes ativas na solução dos pequenos conflitos ali
existentes, tais como discórdia dentro da família ou entre vizinhos, e evitando dessa forma o
recurso ao processo judicial. A denominada mediação comunitária tem sido desenvolvida em
alguns estados do Brasil, essencialmente pela formação de líderes comunitários como
mediadores, desempenhando os mesmos a atividade de forma voluntária.
A experiência no estado de Pernambuco, p. ex., é recente, pois iniciada no ano de
2011181, mas já tem servido de exemplo para outros estados e despertado interesse inclusive nos
Estados Unidos182. A mediação comunitária de conflitos tem sido desenvolvida pela Secretaria
Executiva de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco (SEJUDH), através da Gerência de
Prevenção e Mediação, e conta, atualmente, com 15 núcleos em todo o Estado. É uma prática
que atribui totalmente aos envolvidos o protagonismo na solução de seus próprios conflitos,
facilitando o restabelecimento das relações de caráter continuativo, a manutenção da paz social
181 A primeira experiência de mediação comunitária no Brasil é a do Núcleo de Mediação do Pirambu, em Fortaleza, no Ceará, iniciado no ano
de 1999. Sobre essa iniciativa vide informações disponíveis on line em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/87-dos-
conflitos-no-ceara-foram-resolvidos-por-mediacao-1.755577. Acesso em 07/10/2015.
182 Vide notícia disponível on line no site do Governo do Estado de Pernambuco: http://www.pe.gov.br/blog/2013/08/20/mediacao-
comunitaria-de-conflitos-em-pernambuco-e-exemplo-para-o-governo-de-alagoas/. Acesso em 07/10/2015.
99
pela valorização dos meios consensuais de solução de conflitos, e contribuindo com a prevenção
de novos conflitos, pelo estabelecimento de uma nova ordem de relacionamentos.
No específico âmbito da mediação penal juvenil, entretanto, o país precisa acelerar o
passo de forma a aproximar-se das práticas eficientes já existentes nos outros países. A sua
implementação já é possível diante dos espaços de consenso presentes em matéria penal e da
política de incentivo às práticas restaurativas, de crescente valorização e aplicação no país.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de Julho de 1990) é o
diploma normativo que contempla todos os direitos das crianças e adolescentes, em total
consonância com os direitos internacionalmente protegidos. Foi inspirada pelos ditames da
Constituição Federal brasileira de 1988, que já em sua promulgação incorporou
antecipadamente a essência do texto da CDC183.
As medidas tutelares são aplicáveis aos menores infratores com idade entre 12 e 18 anos.
Aos menores infratores com idade inferior a 12 anos, crianças na forma da lei, são aplicadas
apenas medidas de proteção. As medidas tutelares, por sua vez, não têm caráter de pena, pois
são aplicadas com o objetivo de reeducar e reintegrar o jovem infrator à sociedade, atendidas
todas as garantias processuais, “garantindo-lhe o gozo e exercício dos direitos fundamentais e
assegurando-lhe o seu pleno desenvolvimento como pessoa em formação”184. Entretanto, o
ECA tem encontrado sérias dificuldades em atingir, na prática, o real objetivo legal de
assistência e ressocialização das crianças e adolescentes com comportamentos infratores.
Sendo o direito de menores no país estabelecido conforme as normas e princípios
internacionais consagrados na matéria, claramente se conclui pela adequação do uso da
mediação penal juvenil na prática brasileira, como forma de melhor alcançar os fins do processo
de menores, especialmente pelo caráter pedagógico e responsabilizador do processo de
mediação.
O Brasil, diferentemente de Portugal e da Itália, tem desenvolvido um programa
sistemático de promoção dos meios alternativos de resolução de conflitos, especialmente da
mediação, viabilizando assim um maior acesso à justiça. No âmbito penal, contudo, sendo uma
183 Dispõe a CF/88, em seu artigo 227, caput, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.”
184 Vide SABRINA SMITH CHAVES e LEONOR FURTADO, ob. cit., p. 29.
100
realidade muito recente, há ainda poucas iniciativas185, que merecem ampla divulgação, bem
como urge promover a conscientização dos operadores jurídicos para os benefícios da
mediação, quer para o jovem infrator, quer para a vítima, quer para toda a comunidade, de forma
a estimular sua utilização. A regulamentação da matéria é medida desejável, no sentido de evitar
distorções pelos aplicadores, como p. ex. a ideia de que os juízes podem desempenhar o papel
de mediadores, e, consequentemente, evitar práticas muito diferentes em cada Tribunal.
É essencial, contudo, que não se pretenda a monopolização da solução dos conflitos,
pelo controle do Judiciário de todos os meios a esta destinados, a fim de apoderar-se de
eventuais resultados positivos, o que por fim poderá comprometer a própria eficácia dos
mesmos, pelo distanciamento do núcleo essencial que lhes é peculiar, consagrado pelas normas
internacionais na matéria.
3.2 O consenso das partes
A mediação busca o fim do conflito, mas não por meio de um mero acordo de vontades,
que seja por meio de um acordo que satisfaça as pretensões de ambos os mediados. É neste
sentido que se alcança o consenso, que não se confunde com acordo porque, conforme adverte
CRUZ186, ainda que este não seja alcançado durante o procedimento, pode-se chegar a um
consenso entre as partes. Diz-se, por isso, que tem um objetivo mais ambicioso do que os outros
métodos alternativos, especialmente dentre os meios consensuais.
Em consonância com o princípio da voluntariedade, expressamente adotado no
ordenamento jurídico português (artigo 4º, da LM), entendemos que o processo de mediação só
pode ser iniciado se houver consenso das partes a respeito. Ou seja, vítima e ofensor devem
estar de acordo em procurar resolver o conflito por meio da mediação. Aliás, esta interpretação
é conforme ao artigo 13º, da mesma lei, que considera iniciado o procedimento da mediação
nos sistemas públicos na data “em que todas as partes tenham concordado com a realização da
mediação”.
Em que pese a previsão legal de iniciativas como a do juiz e do Ministério Público vise
a fomentar a utilização da mediação, entendemos que especialmente no âmbito penal esta
185 Vê-se que no país tem-se iniciado a prática dos círculos de sentença, que, assim como a mediação, são um importante instrumento de justiça
restaurativa. Entretanto, tendo em vista a prática já suficientemente consagrada da mediação na Europa e diante dos resultados positivos,
acreditamos ser valorável a introdução também desta na prática brasileira, inclusive por viabilizar uma maior aplicação de processos
restaurativos, já que envolve apenas vítima e agressor, e apenas eventualmente seus familiares ou outros prejudicados.
186 ROSSANA MARTINGO CRUZ, ob. cit., p. 82.
101
medida merece atenção, devendo ser aplicada somente com o consentimento dos envolvidos,
de nenhuma forma podendo considerar-se a realização obrigatória da mediação. De outro modo,
o processo conduziria a uma vitimização secundária, por não considerar a vontade da vítima,
bem como não alcançaria a finalidade de reeducação e responsabilização do menor, por fazê-lo
participar da mediação sem sua convicção íntima.
Para além da necessidade de não estigmatização do menor, vê-se que há outros valores
que o processo tutelar persegue, em prol do próprio superior interesse do jovem, que necessita
de auxílio para conduzir-se em sociedade de forma mais construtiva e colaborativa. Este
objetivo só será alcançado se o mesmo encontrar espaço de acolhimento e entendimento, para
então sentir-se preparado e motivado para agir em concordância com os valores socialmente
protegidos.
A Regra 11.3 das Regras de Beijing já exigia o consentimento da criança, ou dos seus
pais ou tutor, antes do encaminhamento do menor para serviços comunitários ou outros serviços
competentes. O consentimento da pessoa afetada pela medida extrajudicial é naturalmente
essencial para o sucesso desta. A ideia subjacente à Regra é a de que é necessário minimizar as
possibilidades de coação ou intimidação no recurso a meios extrajudiciais.
A Recomendação nº R (87) 20, por sua vez, prevê acerca da mediação em processos de
menores que sejam tomadas as medidas necessárias para garantir que o consentimento do menor
nas medidas em que a diversão seja condicional e, se necessário, a cooperação da sua família
sejam assegurados. Prevê ainda que seja dada atenção apropriada aos direitos e interesses do
menor tanto quanto aos da vítima.
Sendo a mediação aplicada no contexto da lei tutelar educativa, os fins do processo
poderiam justificar a desconsideração do papel da vítima e das suas necessidades e interesses?
Não nos parece que assim seja. A mediação é o meio ideal para que ambos os interesses, do
infrator e da vítima, sejam atendidos. Além do mais, as normas internacionais enfatizam os
direitos do menor no procedimento da mediação, conforme acima elencado, mas consideram
igualmente os direitos da vítima, conforme se verifica, p. ex., na Decisão-Quadro do Conselho,
nº 2001/220/JAI, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, que determina que cada
Estado-Membro tenha em conta quaisquer acordos entre a vítima e o autor da infração, obtidos
através da mediação em processos penais.
Importante destacar também a Declaração relativa ao Estatuto da Vítima no Processo
de Mediação, aprovado em Maio de 2004, pelo European Forum for Victim Services, uma das
organizações europeias de colaboração em matéria de mediação penal e justiça restaurativa,
102
que reconhece os méritos da mediação relativamente às vítimas, mas também algumas questões
que merecem atenção. Sendo assim, indica alguns princípios a serem considerados na
mediação, p. ex., que os interesses da vítima sejam plenamente considerados, que o recurso à
mediação dependa do consentimento livre e informado de ambas as partes, e que o infrator
assuma a responsabilidade pelo seu ato e reconheça as consequências danosas à vítima187.
Elenca ainda os direitos fundamentais das vítimas no processo de mediação, como o
reconhecimento de seu estatuto enquanto vítima e proteção da sua posição.
Não é apenas no processo penal clássico que o papel da vítima é negligenciado.
Especialmente no processo relativo à delinquência juvenil descuida-se da necessidade de
recuperar as necessidades da vítima, cujo papel nesse âmbito é particularmente sacrificado,
porque os projetos de mediação são frequentemente concebidos e postos em prática a partir da
problemática do autor188.
Do ponto de vista da vítima, esta pode muitas vezes sentir-se intimidada a participar da
mediação, ou o encontro com o ofensor pode acrescer-lhe emoções negativas, ao invés da
pretensa transformação positiva que o processo restaurativo visa alcançar. Portanto, é essencial
sua participação livre e consentida, da mesma forma que ao menor deve ser-lhe assegurada.
O impacto da decisão da vítima sobre o infrator também não deve ser um meio de
neglicenciar o consenso da vítima, afinal devem ser previstos outros meios, como p. ex. a
prestação de trabalho a favor da comunidade, que não envolvam a vítima e que, do mesmo
modo, possam evitar a estigmatização do menor infrator ou que atendam às finalidades
desejadas pelo processo.
As autoridades judiciárias, ou mesmo outros serviços juvenis competentes para remeter
o caso aos serviços de mediação, podem desempenhar, por sua vez, importante papel no sentido
de informar os envolvidos sobre as possíveis vantagens da mediação, sem contudo assumir o
poder de decisão ou implícita coação para que o procedimento seja realizado. Essa é a forma
de realmente dar voz às necessidades e interesses da vítima e do ofensor, fazendo-os
protagonistas da resolução do problema do início ao fim, facilitando uma nova perspetiva do
conflito e do papel dos envolvidos em relação à sua transformação.
Há hipóteses legais em que é promovida uma sessão de pré-mediação antes de obtido o
consentimento das partes, a exemplo da mediação nos Julgados de Paz em Portugal, exatamente
187 Para maior aprofundamento vide FREDERICO MOYANO MARQUES e JOÃO LÁZARO, ob. cit., pp. 28-29.
188 Vide IVO AERTSEN e TONY PETERS, ob. cit., p. 43.
103
com o fim de obter a anuência para o início efetivo da mediação. Entretanto, as partes podem
recusar a sessão de pré-mediação189, pelo que a voluntariedade estaria salvaguardada. Também
esta solução não nos parece adequada no âmbito da justiça penal e da justiça tutelar de menores,
pelas particulares características dos conflitos criminais e por entender ser o consenso das partes
o meio que melhor se adequa à voluntariedade, adesão e responsabilização das mesmas na
condução da solução do conflito.
No âmbito penal, em Portugal, há previsão da iniciativa do Ministério Público,
oficialmente ou por requerimento das partes, em designar um mediador e remeter-lhe as
informações que entender necessárias sobre as partes e o objeto do processo. Entretanto, em
que pese a iniciativa do Ministério Público, a lei de mediação penal prevê expressamente que o
processo de mediação só se inicia se os envolvidos consentirem livre e esclarecidamente em
participar, após serem contatados pelo mediador designado para o caso (art. 3º da LMP).
Entendemos que esse procedimento é o mais adequado, pois evita que agressor e vítima
se confrontem pessoalmente sem que tenham espontaneamente desejado encontrarem-se.
Enfim, havendo o consenso em iniciar-se a mediação, mesmo para a realização da pré-
mediação, maior será a adesão e disposição dos envolvidos de abrirem-se a um diálogo mais
construtivo.
Ainda no âmbito da mediação penal poder-se-ia questionar a existência de uma
obrigatoriedade “velada”, afinal as partes podem se sentir pressionadas a aceitar a realização da
mediação, já que houve por parte do Ministério Público a intenção de que a mesma fosse
iniciada. Mas esse aspeto pode ser evitado se forem devidamente esclarecidas sobre o
procedimento e sobre sua total liberdade em consentir dele participar ou não, não lhe sendo
infligida qualquer penalidade, ou sequer juízo de valor negativo.
Por outro lado, poder-se-ia argumentar no âmbito da justiça de menores que mesmo o
consentimento do menor em participar da mediação pode não ser de todo livre, afinal pode
temer o início ou a retomada do processo e, consequentemente, utilizar-se da mediação para
fins utilitaristas, sem que tome consciência da sua própria responsabilidade. Entretanto, também
aqui entendemos que, se corretamente desempenhada, a mediação permite superar esse
obstáculo, educando o menor para o direito e contribuindo para sua responsabilização e
reinserção social, constituindo assim uma resposta adequada ao superior interesse do menor.
189 Vide artigo 49º, nº 1, da Lei dos Julgados de Paz c/c artigo 12º do Regulamento dos Serviços de Mediação nos Julgados de Paz, aprovado
pela Portaria nº 112/2005, de 28 de Outubro.
104
Importante destacar que, havendo inviabilidade da mediação por falta de consenso de
uma ou de ambas as partes, a comunicação ao juiz não deve conter informações aptas a
identificar quem não quis aderir ao procedimento ou à proposta.
Esperamos que a mediação continue a expandir-se e obtenha a visibilidade devida,
especialmente pelas boas práticas e consolidação de um meio mais humano que se volte a todos
os envolvidos e às suas mais profundas necessidades e interesses, contribuindo assim para a
restauração da paz interior, que propiciará uma maior restauração da harmonia social.
3.3 Dificuldades e propostas
Diante do panorama sobre a mediação penal juvenil que buscamos minimamente
apresentar, vê-se que ela tem assumido diversas formas, nos diversos ordenamentos jurídicos
que a consagram. Esta realidade tem naturalmente razão de existir, pois cada país desenvolve a
política criminal que entende ser a mais adequada ao contexto e características próprias de seu
povo, portanto, difícil seria propor um modelo adequado a todos os países.
Por outro lado, a globalização, a transposição das fronteiras nacionais pela cada vez
maior cultura de massa, assemelhando em certo modo as ações da sociedade e, por sua vez, a
criatividade delitiva, tende a reforçar a semelhança nos distintos ordenamentos jurídico-penais.
Ou seja, essa tendência uniformizadora traz, na mesma medida, nas palavras de MONTE, a
necessidade de uma certa harmonização supranacional do direito penal190.
Em decorrência dessa realidade, portanto, cada vez mais a solução dos problemas não
se pode procurar dentro de limites nacionais, mas se deve alargar os confins do olhar a uma
população global191, diríamos nós, a soluções formuladas com base em estudos mais
abrangentes, que levem em conta os diversos níveis de desenvolvimento da matéria em cada
país e os diversos resultados já auferidos, de forma a extrair-lhes princípios básicos que devem
ser por todos seguidos na formulação de suas próprias normas, para conferir uma maior eficácia
aos institutos propostos.
Necessária uma estrutura legal precisa, com a delimitação do âmbito de aplicação da
mediação e sua relação com o processo penal, segundo a política criminal pensada como mais
adequada ao país. Advertimos contudo para o equivocado desvirtuamento das finalidades
próprias a cada meio de solução de conflitos, bem como para o perigo de manipulá-los,
190 MÁRIO FERREIRA MONTE, O Direito Penal Europeu de “Roma” a “Lisboa”: Subsídios para a sua legitimação, pp. 62/67.
191 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 102.
105
transformando-os em formas híbridas, a fim de obter-se os pontos positivos de todos em um só.
Essa estratégia, na verdade, retira-lhes sua essência e, com isso, sua própria eficácia.
Defendemos que a ideologia particular a cada mecanismo deve ser preservada, mantendo-se o
núcleo fundamental proposto pelas normas internacionais na matéria.
Como visto, a proposta de mediação obrigatória não é defendida neste estudo, pois
conflitua com os princípios da mediação, especialmente o da voluntariedade de participação,
trazendo o descrédito das partes e, com isso, novos problemas de eficácia. Outro ponto de
merecida atenção é a relação da mediação penal juvenil com o processo tutelar, que merece ter
limites bem definidos, de forma que se estabeleça uma verdadeira colaboração, e não um efetivo
controlo.
A disposição de todos os meios de resolução de conflitos em um único espaço, ou seja,
na própria sede judicial, como no modelo multidoor courthouse, parece conveniente às partes,
entretanto, pode causar aos usuários certa confusão entre os serviços do Judiciário e dos centros
de mediação, sendo também importante dintingui-los suficientemente. Do nosso ponto de vista,
mais conveniente às partes é o modelo existente em grande parte da Itália, no qual os
mediadores se dirigem ao local mais conveniente aos envolvidos, numa espécie de justiça
restaurativa itinerante.
Seja qual for o modelo mais adequado à realidade de cada lugar, imprescindível para
sua escolha a verificação de que sejam minimizados os obstáculos de acesso à justiça, que o
procedimento seja o mais apto possível à satisfação plena de ambas as partes, e que haja a
liberdade e desvinculação necessária da organização e controlo judiciários. Neste particular,
reitera-se, a medida permite que as partes percebam mais nitidamente as diferenças entre os
meios de acesso à justiça disponíveis e tenham a autonomia e liberdade imprescindíveis para a
escolha da opção que lhes pareça mais adequada. Do ponto de vista do procedimento em si, a
medida é necessária para que os mediadores possam conduzi-lo de maneira mais livre e flexível
às necessidades de cada caso concreto.
Quanto ao momento de intervenção dos serviços de mediação, entende-se adequado que
possam intervir antes do processo tutelar educativo, durante o mesmo, em qualquer de suas
fases, ou mesmo depois dele. Esta é inclusive a orientação dos diplomas internacionais na
matéria, de forma que sejam incentivadas a utilização dos meios consensuais e uma nova cultura
do diálogo para a resolução dos conflitos.
A mediação tem sido vista como um instrumento promissor de pacificação social,
entretanto muitas são as dificuldades que ainda precisa superar para consolidar-se. Quanto às
106
condições para aplicação da medida, algumas dificuldades apontadas são: mentalidade de uma
sociedade cada vez menos aberta ao diálogo – especialmente nos grandes centros, pelo escasso
convívio entre as pessoas; reduzidos recursos humanos e materiais para a deslocalização dos
litígios fora dos Tribunais e, ainda, de modo a atingir também a população situada fora dos
centros urbanos; criminalidade gerada pela falta de acesso a condições dignas de vida, com o
que os infratores não poderiam ressarcir pecuniariamente os danos causados; etc.
Quanto à convicção íntima dos envolvidos, diz-se da possibilidade de as partes
utilizarem-se da mediação apenas como meio de testar a probabilidade de êxito positivo de seu
pedido, com vistas a intentarem posteriormente a respetiva ação judicial. Argumenta-se ainda
sobre a possibilidade de ser utilizada como mero meio protelatório, sem a real intenção de
procurar um consenso. Contudo, esses não são vícios procedimentais, apenas referem-se à sua
utilização com fins ilegítimos, pelo que resta ao mediador identificar o problema e não iniciar
o procedimento, ou dar o fim adequado ao mesmo, o que em geral consiste na sua extinção,
pela impossibilidade de obter o resultado desejável.
Outros problemas de ordem garantística penal se colocam. Primeiramente, tem-se o
direito de não se auto-incriminar e a presunção de inocência do acusado que participa num
processo de mediação nesta condição, a qual resulta fracassada, e posteriormente vem a
participar de um processo penal ou tutelar educativo acerca da mesma infração. Representaria
aquela sua participação uma eventual confissão ou autoincriminação?
É verdade que o menor que aceita participar da mediação acaba por admitir sua própria
responsabilidade diante do fato contestado, renunciando assim a parte das garantias que o
processo penal lhe assegura192, entretanto, a participação na mediação não deve ser usada como
prova de admissão de culpa em ulterior processo, assim já dispõe a Recomendação nº R (99)
19. Em consequência disto, o mediador deve comunicar ao juiz apenas o êxito positivo ou
negativo da mediação, escusando-se de detalhar o que foi declarado pelas partes. Além disso,
o simples ato de participação do acusado na mediação não pode ser usado contra o mesmo em
processo posterior. O mesmo diploma afirma ainda que as decisões de arquivamento ou
extinção do processo, pronunciadas após uma mediação que tenha resultado em êxito positivo,
devem ter o mesmo valor das decisões judiciais e devem impedir o processo pelos mesmos
fatos.
Segue-se outra questão importante a respeito do dever de confidencialidade do
mediador, das partes e mesmos de terceiros participantes, a exemplo das testemunhas e peritos.
192 GRAZIA MANNOZZI, ob. cit., p. 267.
107
Sendo um dos pilares da mediação a proteção dada à informação nela obtida, esta garantia
privaria de revelar informações valiosas obtidas durante o procedimento em um posterior
processo penal acerca do mesmo fato? Não se estaria a infringir o dever de colaboração com a
administração da justiça, consagrado no artigo 519º, do CPC? Tais questões merecem portanto
ter necessária regulamentação jurídica, a partir da ponderação dos valores envolvidos.
Também as circunstâncias de cada caso concreto podem evidenciar a inadequação da
medida, a exemplo de motivos de ordem pública, segurança, proteção ao infrator ou à vítima,
desigualdade de poder entre as partes etc. Relativamente a este último ponto, tem-se que em
qualquer relação há sempre um certo desnível de poder entre as partes e é matéria de relevante
interesse compreender se a mediação pode ser utilizada eficazmente em relações desniveladas.
A maioria dos autores entende que o desequilíbrio de poder deve ser grande para que
possa comprometer o sucesso do procedimento. MARTÍN DIZ, por exemplo, aduz que o
procedimento já nasce viciado pela descompensação e desigualdade inicial, e que a parte que
ostenta a posição dominante de uma relação anterior dificilmente perderá essa posição no
transcurso da mediação193. Por outro lado, há estudiosos que defendem a utilização da mediação
mesmo nesses casos, atribuindo ao mediador a árdua tarefa de reequilibrar as posições através
das técnicas adequadas.
Certo é que dificilmente as partes têm posições iguais e que a avaliação desse desnível
é muito mais complexa do que pode parecer, bem como que não há parâmetros exatos para
definir-se o nível de aceitação por parte do mediador de intervir em uma relação eivada desse
vício. Inclusive, grandes diferenças de poder só aparecem no decorrer do procedimento, quando
as partes estão empenhadas em discutir posições, e não interesses, que são entretanto mais
difíceis de satisfazer e potencializam o conflito194. Bem como, há relações que têm evidente
desnível de poder, entretanto durante o procedimento as partes conseguem chegar a um acordo
pois estão abertas ao diálogo e a fazerem concessões. Por tudo isto, é difícil classificar
antecipadamente as relações como absolutamente mediáveis ou absolutamente imediáveis, o
que se tem classificado é a mediabilidade de determinados conflitos, conforme sua natureza.
193 FERNANDO MARTÍN DIZ, ob. cit., p. 99.
194 Sobre os prejuízos de se discutir posições, segundo os princípios da negociação, vide ROGER FISHER, BRUCE PATTON, e WILLIAM
URY, Como Chegar ao SIM: Negociação de acordos sem concessões, pp. 21/32; e, SÉFORA JUNQUEIRA e EVANDRO COSTA, Computer
Intelligent Support for the ADR/ODR Domain, in LODDER, Arno R. and MOMMERS, Laurens (eds.), Legal Knowledge and Information
Systems: Jurix 2007: The Twentieth Annual Conference, p. 75.
108
O que mais importa não é verificar antecipadamente apenas o evidente desequilíbrio de
poder, mas a particular disponibilidade das partes de colaborarem para a realização do
consenso195. Assim verificou-se em um caso de delinquência juvenil, mediado recentemente
pelos mediadores do Instituto Don Calabria. Neste, eram partes um rico empresário,
proprietário do clube de ténis da cidade, que teve furtadas algumas redes das quadras,
sucessivamente a diversos atos de vandalismo nos meses anteriores. Da outra parte, um jovem
de família de poucas posses, cuja escolaridade básica ainda estava por se completar, que furtara
as redes para vendê-las e usufruir dos ganhos obtidos. Inicialmente já se percebia o grande
desnível de poder. A resposta social que evidentemente se impunha era o ressarcimento do
dano, como forma a repreender o menor e prevenir futuras infrações.
O procedimento, entretanto, desenrolou-se de forma que, mesmo sentindo raiva, o
empresário percebeu que o jovem precisava de apoio para enveredar pelo caminho certo na
vida, e, ainda que a decisão lhe causasse mais despesas, propôs que o jovem prestasse serviços
de apoio no clube, aos fins de semana, durante três meses, supervisionado por outro funcionário,
de modo a que valorizasse o trabalho e os bens comuns da sociedade, apresentando-se com
cordialidade, educação e responsabilidade diante dos visitantes do clube, enfim, atuando
positivamente como uma pessoa capaz de contribuir para a convivência harmônica e os
interesses comuns da sociedade. O jovem, por sua vez, demonstrou sinceramente seu
sentimento de arrependimento e disse estar muito feliz pela oportunidade que lhe estava sendo
dada, tanto que desejava trabalhar ali voluntariamente durante todos os dias, não apenas nos
fins de semana, e durante cinco meses. Ao final, acordaram por um meio termo, pois a própria
vítima atentou para a preocupação de não prejudicar os estudos do jovem.
Trata-se, pois, de uma mediação cujo sucesso deveu-se ao ânimo colaborativo das partes
e às técnicas que foram utilizadas pelos mediadores. Este exemplo ilustra como é difícil
estabelecer regras a priori, antes mesmo do desenrolar do procedimento, com base nas
características das relações pessoais.
Em se tratando dos tipos de conflitos, contudo, é evidente que no âmbito penal as
dificuldades são acrescidas, afinal os críticos destacam, dentre outras questões, que, cabendo às
partes a exclusiva determinação da responsabilidade derivada do cometimento da infração,
pode-se conduzir à despenalização de determinadas condutas, que à mediação se venham a
195 “A resposta mais viável para a aceitação ou não de um caso, com disparidade severa de poder, é sim e não. Sim, quando as partes, mesmo
quando flagrante a disparidade de poder, não demonstrarem para o mediador que é impraticável a intervenção. Não, quando houver
possibilidade de avaliação da inviabilidade de aplicação do processo ao caso, antes que as partes se manifestem, suficientemente, o que é muito
difícil de acontecer.” in MARIA DE NAZARETH SERPA, ob.cit., p. 260.
109
submeter. Nesses casos, o jus puniendi do Estado, que se incumbe de perseguir as condutas que
afetam não só a vítima, mas toda a sociedade, em razão dos bens jurídicos lesados, fica
comprometido pela autonomia de vontade das partes.
Em decorrência dessa lógica, outra crítica se acresce, a que se refere ao sentimento social
de impunidade, que pode decorrer da mediação. Afinal, a resposta à infração pode assumir um
caráter meramente civil (reparar, restaurar etc.), furtando o delinquente às sanções penais ou a
outras medidas mais repressivas. Essa medida pode incutir no infrator o sentimento de
irresponsabilidade pelo ato infracional cometido, induzindo-o ao cometimento de novas
infrações, em virtude da desvalorização da gravidade e censurabilidade de seus atos. É nesse
sentido que se afirma que a mediação não avalia os efeitos a longo termo, mas apenas aqueles
imediatamente sucessivos ao crime.
Por fim, há as infrações penais que, por definição, não são mediáveis, seja porque não
há uma vítima individualizada, como nos crimes ambientais, seja porque sequer existe uma
vítima, como nos crimes de perigo abstrato, a exemplo do tráfico de drogas, porte de armas ou
embriaguez ao volante.
Para além das dificuldades que a mediação traz consigo, outras se lhes acrescem em
virtude do ambiente em que é proposta, qual seja, o meio jurídico. Os receios já não deveriam
existir, pois é nesse meio que as mazelas do sistema judiciário são mais evidentes. Só
assumindo-as é que se dispõe a aceitar e incentivar propostas inovadoras.
Importante, portanto, se faz desmistificar o instituto da mediação penal juvenil já entre
os juristas, posto que são eles em primeiro lugar que podem aconselhá-lo e promover sua maior
utilização. A medida deve começar já nas Faculdades de Direito, abrindo-se a mentalidade dos
novos juristas à cultura dos meios alternativos de resolução de conflitos, especialmente da
mediação, fazendo-os reconhecer o direito não como um fim em si mesmo, mas como meio de
consolidação do interesse público, de preservação da dignidade da pessoa humana e de
promoção da felicidade. Também o temor de perda de poder pelos juízes ou perda de clientes
por parte dos advogados não tem mais abrigo, pois para ambos o princípio norteador deve ser
o da promoção do acesso à justiça. Além disso, a mediação consiste num desentravamento da
alta demanda de processos judiciais e numa nova oportunidade de especialização para os
advogados.
Fora do âmbito jurídico, necessário se faz promover a compreensão por parte do público
e dos meios de comunicação social acerca do espírito, dos objetivos e dos princípios de uma
justiça centrada nos envolvidos e não na afirmação do direito, em conformidade com os padrões
110
e as inúmeras normas internacionais na matéria. Necessário ainda dar-lhes amplo conhecimento
sobre as vantagens, o procedimento e os resultados da mediação penal juvenil, a fim de
fortalecê-la como meio complementar, ou mesmo alternativo, ao processo tutelar educativo.
A institucionalização da mediação, com oferecimento de serviço de qualidade
devidamente comprovada, com recursos provenientes do setor público ou empresarial, de
fundações e mesmo com a colaboração das próprias partes, é mais uma forma de torná-la mais
conhecida, aceita e acessível a um público mais amplo. Assim como a regulamentação da
mediação, sua institucionalização trata-se de tendência recente.
No quadro geral da legislação de tutela dos menores em Portugal, evidencia-se a ideia
de evitar-se a submissão do menor infrator a uma medida educativa, salvo se houver concreta
necessidade de educação para o direito. São muitas as hipóteses legais em que o menor se furtará
à aplicação de uma medida tutelar196. E, ainda que seja aplicada uma medida tutelar menos
grave, como a reparação ao ofendido ou prestações económicas ou tarefas a favor da
comunidade, dentre outras, entendemos ser importante considerar a obtenção dos mesmos
resultados dentro de um processo de mediação, em que as necessidades de educação e
responsabilização podem ser melhor satisfeitas, evitando-se ainda a estigmatização do jovem
pela continuação de um processo judicial em que não se evidenciem outras vantagens197.
Por outro lado, entendemos que para além do interesse do menor há outros que devem
ser protegidos pelo processo, a exemplo da não vitimização secundária e da pacificação social,
que não obtêm a devida atenção quando ele finda prematuramente, pela extinção do processo
por irrelevância do fato, ou pelo perdão judicial, sem a prévia participação dos envolvidos em
um processo de mediação, caso a vítima demonstre interesse na sua realização e o ofensor
consinta em participar. É a nosso ver o modelo capaz de atender satisfatoriamente a todos os
interesses envolvidos no processo, logicamente quando a prática dos fatos estiver
suficientemente comprovada.
A mediação penal juvenil, como proposta pela LTE, é fonte de inúmeros
questionamentos, especialmente pela sua escarsa regulamentação. Embora as críticas tenham
seu fundamento, defende-se que as dificuldades não são suficientes para descartar a valorização
196 Para recordar-se remetemos ao ponto 1.3, do Capítulo II (A Recente Reforma do Direito de Menores), quando discorremos sobre as hipóteses
de suspensão ou arquivamento do inquérito e arquivamento do processo, previstas na LTE.
197 LORENZO PICOTTI, Presentazione, in PICOTTI, Lorenzo (a cura di), Tecniche Alternative di Risoluzione dei Conflitti in Materia Penale,
pp. VII/VIII, aduz que para as infrações menos graves a ideologia restaurativa representa “[…] a abertura de um interessante percurso de
diferenciação das respostas ao crime, em alternativa ao mero ‘vazio’ indulgencial da suspensão condicional, aplicada sem algum concreto
conteúdo reeducativo ou reparatório, ou de outros institutos extintivos, que fogem às exigências de tutela e de reação ‘proporcionada’ ao delito,
que a justiça penal é chamada a garantir no interesse das vítimas e da sociedade inteira”. (tradução nossa).
111
e implementação da mediação penal juvenil, muito em razão da crise do Judiciário e da
consequente falta de confiança no sistema de Justiça, mas principalmente pelo anseio de
reconstruir as ligações sociais, prejudicadas pela criminalidade, e de dar ao menor a
oportunidade de aprender novas formas, mais construtivas, de portar-se em sociedade. Trata-se
de uma ideologia fundada num sentimento de fraternidade, que vê na solução participada
maiores benefícios não só ao infrator como ao ofendido, pois pretende ter em conta também os
interesses e necessidades deste. Sua eficácia já foi suficientemente comprovada nos países cuja
aplicação é mais tradicional, o que propicia sua maior aceitação.
Ainda e talvez mais importante, a atuação do Estado não pode limitar-se a uma resposta
reativa, devendo estimular e apoiar as estruturas centrais e locais que garantam uma resposta
também proativa, ou seja, de prevenção da delinquência juvenil e inserção social dos jovens e
das crianças, para o que uma ação interdisciplinar se mostra essencial. A mediação pode se
constituir em valoroso contributo, no sentido de que é importante instrumento também de
prevenção de novos conflitos.
Mesmos nos casos em que a institucionalização do menor se demonstra medida
necessária, pelo tipo de crime ou circunstâncias da sua prática, esse período deve ser proposto
como uma fase de transição, na qual o menor é acompanhado e são desempenhadas medidas de
carácter educativo, que o preparem para o retorno à sociedade de uma forma mais
ativa/colaborativa, estimulado à obediência às normas de conduta social. Também no caso de
ser realizado o procedimento da mediação, importante proceder a um acompanhamento
educativo pelos serviços especializados em menores, de modo que sejam desenvolvidos
programas educativos e formativos.
O Direito sozinho não se mostra capaz de conter as condutas criminosas. Segundo Von
Liszt, que considerava que a criminalidade é um problema jurídico e social, “uma boa política
social é a melhor política criminal”. Sendo assim, necessário que o Estado previna
comportamentos criminosos não apenas através da imposição de sanções penais, mas através
do investimento em políticas públicas que atendam às necessidades básicas da sociedade e,
dizemos nós, da abertura à consideração de um novo paradigma de justiça, menos repressivo e
mais consensual.
113
CONCLUSÃO
Os conflitos de interesses são inerentes ao convívio social, pelo que mister se faz
encontrar os meios que extraiam deles seus aspetos positivos, através da resolução adequada do
problema, fazendo-os motores da evolução da própria sociedade.
Admitindo-se que nem todo conflito é relevante para o Direito ou necessita da
intervenção do Estado para que se resolva, cabe aos próprios envolvidos buscar a solução
consensual que melhor satisfaça seus interesses, ainda que para isto sejam auxiliados por um
terceiro. Além do mais, o Judiciário, na maioria das vezes, não é capaz de resolver o conflito
em toda sua dimensão, o que gera insatisfação e propicia o surgimento de novos conflitos.
É que a justiça penal destina-se a responder à dimensão pública do crime, sendo
necessário encontrar outras soluções que atendam às dimensões pessoal e interpessoal do
conflito, de forma que nenhum interesse seja negligenciado, seja ele do Estado, da comunidade,
do agressor ou da vítima.
Se a solução imposta parece agradável por um lado, pois retira da parte sua
responsabilidade, por outro, entretanto, retira-lhe também seu poder sobre o resultado dos seus
conflitos e, assim, a solução jurídica muitas vezes não atende aos seus anseios mais íntimos.
Mais do que nunca tem sido necessário buscar soluções de conteúdo multidisciplinar,
que não se limitem àquelas estabelecidas em outros tempos para contextos históricos diversos,
tudo de forma a ampliar o acesso à justiça.
Os meios de solução consensual do conflito têm aqui papel de destaque, pela sua
particular destinação à pacificação social, e por melhor atender às necessidades das partes,
respeitando assim a dignidade da pessoa humana de cada um dos envolvidos e contribuindo
para uma maior harmonização e bem-estar da sociedade.
Viu-se, no estudo, que tais meios são utilizados desde os primórdios da humanidade.
Sua revalorização nos dias atuais decorre da constatação de que o Judiciário não tem sido capaz
de atender às expectativas comunitárias, mas acima de tudo por atribuir-se aos próprios
envolvidos a capacidade de encontrarem por si sós a solução que melhor atenda aos seus
interesses.
Mais do que corrigir as insuficiências do sistema tradicional de acesso à justiça, os meios
alternativos visam consagrarem-se como um meio adequado à resolução de determinados
conflitos. A história demonstra que os meios de solução dos conflitos evoluíram no tempo, de
acordo com os variados tipos de conflito que surgiram e os diversos contextos. Sendo assim,
114
também os meios consensuais ressurgem sob uma nova configuração, especialmente a partir de
meados do século XX.
A mediação, em especial, é introduzida com técnicas de empoderamento em um
procedimento relativamente estruturado, de forma a propiciar uma maior comunicação entre as
partes, para a obtenção do consenso. Ainda assim, a mesma continua menos formal que o
sistema tradicional de justiça, e tem uma proposta desafiadora, que é a de transformar sejam os
conflitos sejam os envolvidos.
Inseriu-se no movimento dos ADR, nas décadas de 60 a 70, nos Estados Unidos, e
posteriormente veio a consagrar-se no âmbito penal, segundo a ideologia da Justiça
Restaurativa, tudo de forma a propiciar o acesso amplo à justiça.
A ideia difundiu-se posteriormente na Europa, tendo nos dias de hoje o apoio de
inúmeros diplomas internacionais, que estipulam regras mínimas para uma melhor aplicação de
práticas e de processos restaurativos, especialmente da mediação, de forma a difundir e
estimular a utilização de meios mais humanos de lidar com a delinquência.
As vantagens da mediação em relação ao processo judicial são inúmeras, por isso a
mesma surge como tendência europeia-continental, superando os obstáculos de um paradigma
de justiça extremamente ligado ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, de forma a
consagrar o consenso, especialmente nas infrações de menor e média gravidade.
Também no quadro legislativo de Portugal a mediação penal teve adesão, sendo
inicialmente acolhida no processo tutelar educativo, após a profunda reforma que conduziu a
intervenção do Estado de um modelo meramente protetivo a um modelo mais educativo e
responsabilizador, diferenciando a intervenção protetiva para os menores em risco da
intervenção tutelar educativa para menores infratores, que se tornaram sujeitos com garantias e
direitos processuais, e não meramente um objeto da intervenção.
A LTE surgiu como resposta a uma vontade de mudança das respostas sociais à
delinquência juvenil expressa em normativas da União Europeia, do Conselho da Europa e da
ONU, que repercutiram em território nacional no final da década de 90.
A assunção pelo direito de menores do papel ativo do infrator no processo tutelar e da
necessidade de educá-lo e de reinseri-lo na vida em comunidade foram essenciais para a adesão
à mediação penal juvenil, como um novo paradigma de justiça, mais responsabilizador e menos
estigmatizante, que oferece a ele possibilidades concretas de se corrigir, sendo capaz de atender
melhor também os interesses da vítima e da comunidade.
115
O número de países que têm introduzido instrumentos de justiça restaurativa no contexto
da justiça criminal tem aumentado continuamente, assim como as pesquisas e as orientações
internacionais na matéria.
A expectativa atual é de que os meios alternativos e, no específico âmbito penal, a justiça
restaurativa, ganhem cada vez mais espaço de aplicação, a nível global, pois há necessidade de
descongestionamento dos tribunais e de soluções rápidas que tenham como foco os próprios
envolvidos e seus interesses. Mas acima de tudo, o vínculo pacificador criado pelos acordos,
em especial os acordos de mediação, são um especial contributo para uma resolução integral
dos conflitos e restauração da paz social.
No contexto português, é valorável o posicionamento adotado no sentido de não seguir
a tendência de uma política criminal mais repressiva que se instalou em alguns países europeus,
inclusive prevendo expressamente a Lei Tutelar Educativa que só deve ter lugar a intervenção
tutelar educativa se a necessidade de educação do menor para o direito subsistir no momento
da aplicação da medida.
Portanto, tendo em vista que incide sobre direitos fundamentais quer do menor quer dos
seus progenitores, como o da autodeterminação e os da educação e manutenção dos filhos,
respetivamente, a intervenção do Estado é excecional, sujeitando-se aos princípios da
necessidade e da proporcionalidade. Essa política diminui o contato do menor com o sistema
de justiça, a fim de evitar sua estigmatização e favorecer sua reinserção social.
A justiça penal tem evidentemente a utilidade de refrear comportamentos criminosos
pela ameaça da imposição da pena, protegendo assim os valores essenciais da comunidade.
Entretanto, entendemos acertada a política adotada pelo direito de menores pois, para combater
o problema da delinquência juvenil, o modelo repressivo é insuficiente e mesmo inadequado.
Importante, antes de tudo, pensar e implementar medidas preventivas para diminuir os
fatores de risco que sempre estão na origem do problema, através de uma política social
adequada. Muitas vezes é a própria vida que já condena o jovem desde muito cedo, pelo que a
política repressiva só aumenta nele o sentimento de injustiça, de abandono, de incompreensão,
e perpetua o sofrimento. Já não cabendo mais em si mesmo, o infrator acaba por impingir seu
sofrimento aos outros. É preocupante a consideração de uma política de prevenção que não
pretende atuar sobre as causas do crime, que quer apenas neutralizá-las através da intimidação.
Além disso, a justiça restaurativa propõe responder às dimensões pessoal e interpessoal
do conflito gerado pelo crime, o que é possível, por exemplo, pela atuação coordenada do
116
processo judicial com os serviços de mediação. Sem este instrumento, a resolução do conflito
é limitada e tende a perpetuarem-se injustiças.
Tendo surgido um modelo centrado primordialmente no superior interesse do jovem e
na intervenção mínima do Estado, a norma passou a prever expressamente a possibilidade de
intervenção no processo dos serviços de mediação, apoiando, portanto, a solução consensual
dos conflitos, através do recurso a meios extrajudiciais.
Do ponto de vista da vítima, esta finalmente encontra o ambiente propício para que seja
ouvida e obtenha respostas às suas necessidades, podendo ter ampla reparação ao dano que lhe
foi acometido.
Essa é a ideologia da justiça restaurativa, que dá espaço a que os interesses de ambos os
envolvidos sejam melhor atendidos, já que o foco é sobre eles e suas necessidades, não sobre a
infração e a medida aplicável. Entretanto, a mediação na LTE apresenta-se claramente centrada
no jovem infrator, uma vez que se desenvolve no âmbito de uma intervenção cuja finalidade é,
nas próprias palavras da exposição de motivos, a educação do menor para o direito. Pelo que
importante se faz atentar para um maior equilíbrio entre o atendimento dos interesses de todos
os envolvidos, por meio do respeito aos princípios básicos da mediação consagrados nas
diretrizes internacionais.
Do ponto de vista da comunidade, esta é convidada a participar mais ativamente na
resolução dos conflitos que nela se originam, envolvendo-se no sistema de justiça. Além disso,
suas exigências de segurança e de paz social podem ser melhor atendidas nesse processo, por
contribuir com uma maior responsabilização do menor, tendo em vista que, ao ouvir
diretamente da vítima as consequências danosas que seu ato provocou, acaba por reconhecer e
comprometer-se mais facilmente em reparar o mal cometido. Por isso o caráter preventivo da
mediação, que também contribui para que o menor aprenda novas formas, mais construtivas,
de se relacionar e de conviver em sociedade.
A mediação permite, portanto, a restauração dos laços sociais, o ressarcimento do dano
à vítima, causado pela ofensa, e a educação para o direito do ofensor.
Sua configuração nos ordenamentos jurídicos de Portugal, Itália e Brasil é bastante
diferenciada, pois os modelos são aqueles que a política criminal de cada país considera ser o
mais adequado à realidade própria do lugar, aspeto este importante e que deve ser sempre
considerado. Demonstrou-se, porém, necessária certa harmonização dos diversos sistemas, com
a adoção de medidas e diretrizes supranacionais que contribuem para o desenrolar de um
processo mais eficiente e mais equilibrado para todos os envolvidos, sem desvirtuar-se das
117
finalidades específicas do instituto proposto e, assim, evitando comprometer seu próprio
funcionamento e resultados.
Esperamos ter demonstrado as falhas do processo judicial hodierno em relação a
importantes questões para os principais envolvidos no delito - vítima, comunidade e ofensor. A
implementação do processo de mediação vinculado ao processo judicial, com o apoio do
sistema de justiça, mas sem o seu controlo, é medida que consideramos adequada e de grande
importância, afinal a proposta da mediação vítima-ofensor não deve substituir o processo atual
e não soluciona todas as mazelas da justiça criminal, sendo inclusive inadequada a determinados
conflitos e à necessidade de repreensão social que estes requerem. Contudo, é capaz de
complementar o processo tradicional, suprir algumas falhas e concretizar os princípios da
justiça restaurativa. Daí a importância da inserção da mediação nas diversas fases da justiça
criminal.
Em termos gerais, mostram-se necessários retirar do Estado a responsabilidade
exclusiva pela pacificação social e serem investidos recursos humanos e financeiros suficientes,
em colaboração com parceiros, tais como instituições não-governamentais, para a utilização e
promoção de métodos alternativos.
O juiz pode resolver o litígio, mas não necessariamente o conflito, por isso, além do
aperfeiçoamento da Justiça, urge recorrer-se a outros mecanismos idóneos, por meio de uma
política pública de incentivo, de forma que possam contribuir com todo seu potencial para a
pacificação e transformação social.
O estudo comparado das diversas práticas e experiências legislativas é útil a recolher
sugestões, através da análise crítica das diversas soluções político-criminais. Entretanto, não é
suficiente o aperfeiçoamento do quadro legal, sendo necessários também o desenvolvimento de
iniciativas de sensibilização dos operadores do direito e da sociedade sobre as potencialidades
da mediação, e o adequado treinamento de mediadores que coloquem em prática todo o
potencial transformador da mediação.
Auguramos que prevaleçam escolhas legislativas livres da pressão social ou de
interesses políticos, pautadas nos valores considerados mais sublimes: a realização de uma
sociedade mais livre, justa e fraterna, que se reconheça e que acolha cada minoria. É o modelo
mais respeitoso da dignidade e dos direitos humanos que se possa imaginar.
A sociedade e a sua infância precisam andar em sintonia, mas o direito nesta área já fez
sua parte. Por outro lado, esquece-se ainda da vítima, que grita por socorro incessantemente. É
118
chegada sua hora de liberar-se do que lhe oprime, o desafio já está posto, necessárias as
respostas.
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