Relatórios de Estágio e Monografia intitulada “Sistema CRISPR/Cas9: Uma Abordagem Terapêutica Inovadora no Tratamento de Patologias Humanas” referentes à Unidade Curricular “Estágio” sob orientação da Dra. Dália Isabel Reis Gonçalves, do Dr. João Gabriel dos Santos
Pinto Pimentel e do Professor Doutor Sérgio Paulo Magalhães Simões apresentados à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra,
para apreciação na prestação de provas públicas de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas.
Ana Rita Lopes Fernandes
Outubro de 2020
Ana Rita Lopes Fernandes
Relatórios de Estágio e Monografia intitulada “Sistema CRISPR/Cas9: Uma Abordagem
Terapêutica Inovadora no Tratamento de Patologias Humanas” referentes à Unidade
Curricular “Estágio” sob orientação da Dra. Dália Isabel Reis Gonçalves, do Dr. João Gabriel
dos Santos Pinto Pimentel e do Professor Doutor Sérgio Paulo Magalhães Simões
apresentados à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, para apreciação na
prestação de provas públicas de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas.
Outubro de 2020
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Sérgio Paulo Magalhães Simões pela orientação e tempo
dispensado na colaboração da realização da minha monografia.
Aos colaboradores da equipa do Departamento da Garantia da Qualidade da
Farmalabor, por todo o apoio e incentivo, e por serem um exemplo de união e espírito de
equipa.
À equipa da Farmácia Adriana pelos ensinamentos e amizades que construí durante o
meu estágio.
À Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra por me ter acolhido nestes
últimos 5 anos.
À Phartuna – Tuna de Farmácia de Coimbra pelos excelentes momentos, pelo
espírito de companheirismo, e pelos desafios que contribuíram para a minha construção
pessoal.
A Coimbra, por todos os momentos vividos e por todas as amizades que aqui
construí.
Aos meus pais pelo apoio incondicional e por estarem sempre presentes em todos os
momentos. Sem eles, a concretização desta etapa não teria sido possível.
A todos, o meu sincero OBRIGADO!
4
ÍNDICE
CAPÍTULO I - Relatório de Estágio em Indústria Farmacêutica
LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................................................................... 7
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 8
2. GRUPO MEDINFAR ............................................................................................................................. 8
3. FARMALABOR – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S. A. .......................................................... 9
3.1. Departamento da Garantia da Qualidade (GQ) ................................................................... 10
4. ANÁLISE SWOT .................................................................................................................................. 11
4.1 Pontos Fortes ................................................................................................................................. 12
Acolhimento, integração e formação inicial ..................................................................................... 12
Conhecimentos adquiridos ..................................................................................................................... 12
Autonomia ..................................................................................................................................................... 14
Boa relação com a equipa e bom ambiente de trabalho............................................................. 14
Departamento multidisciplinar .............................................................................................................. 14
4.2 Pontos Fracos ................................................................................................................................. 15
Duração do estágio .................................................................................................................................... 15
Pouco contacto com os restantes departamentos ....................................................................... 15
4.3 Oportunidades ............................................................................................................................... 16
Crescimento e expansão da empresa ................................................................................................ 16
Conhecimento, na prática, e gestão da Sala de Retenção de Amostras .............................. 16
4.4 Ameaças ........................................................................................................................................... 17
COVID-19 ..................................................................................................................................................... 17
Dificuldade em aplicar, na prática, os conhecimentos adquiridos em algumas
unidades curriculares do MICF ......................................................................................................................... 17
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 17
CAPÍTULO II - Relatório de Estágio em Farmácia Comunitária
LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................................... 21
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 22
2. FARMÁCIA ADRIANA ....................................................................................................................... 22
3. ANÁLISE SWOT .................................................................................................................................. 23
3.1. Pontos Fortes ................................................................................................................................ 23
Equipa técnica .............................................................................................................................................. 23
Plano de estágio .......................................................................................................................................... 24
Diversidade de tarefas .............................................................................................................................. 24
Gestão Comercial ...................................................................................................................................... 24
3.2. Pontos Fracos ................................................................................................................................ 25
Impossibilidade de Preparação de Medicamentos Manipulados .............................................. 25
Localização da Farmácia ........................................................................................................................... 26
Impossibilidade de avaliar os parâmetros bioquímicos ................................................................ 26
3.3. Oportunidades .............................................................................................................................. 27
Atendimento de público estrangeiro .................................................................................................. 27
Preparação Individualizada da Medicação (PIM) ............................................................................. 27
5
3.4. Ameaças .......................................................................................................................................... 27
COVID-19 ..................................................................................................................................................... 27
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 28
CAPÍTULO III – Monografia intitulada “Sistema CRISPR/Cas9: Uma Abordagem
Terapêutica Inovadora no Tratamento de Patologias Humanas”
LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................................... 31
RESUMO ..................................................................................................................................................... 32
ABSTRACT ................................................................................................................................................ 32
I. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 33
2. CLUSTERED REGULARLY INTERSPACED SHORT PALINDROMIC REPEATS
(CRISPR) ..................................................................................................................................................... 34
2.1. Origem ............................................................................................................................................ 34
2.2. Estrutura do Locus CRISPR ........................................................................................................ 35
2.3. Tipos de Sistemas CRISPR/Cas .................................................................................................. 36
3. SISTEMA CRISPR/CAS9 ..................................................................................................................... 37
3.1. Mecanismo de Imunidade Adaptativa ....................................................................................... 37
3.2. Ferramenta de Edição do Genoma ........................................................................................... 39
3.3. Formulação – Entrega do Sistema CRISPR/Cas9 às células-alvo ....................................... 42
4. APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS ....................................................................................................... 45
4.1. Doenças genéticas ........................................................................................................................ 45
4.2. Infeções Virais ................................................................................................................................ 46
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ......................................................................................... 46
Vírus da Hepatite B (HBV) ..................................................................................................................... 47
Papilomavírus Humano (HPV) ............................................................................................................... 48
4.3. Cancro ......................................................................................................................................................... 48
5. ÉTICA ..................................................................................................................................................... 49
6. CONCLUSÃO ...................................................................................................................................... 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................... 52
CAPÍTULO 1
Relatório de Estágio em Indústria Farmacêutica
Farmalabor – Produtos Farmacêuticos, S. A.
Condeixa-a-Nova
Garantia da Qualidade
Sob a orientação da Dra. Dália Isabel Reis Gonçalves
7
LISTA DE ABREVIATURAS
AIM - Autorização de Introdução no Mercado
AQL - Limite de Qualidade Aceitável (Acceptance Quality Limit)
BPL/GLP - Boas Práticas de Laboratório (Good Laboratory Practice)
CAPAs - Ações Corretivas e Preventivas (Corrective and Preventive Actions)
CMO - Organização de Fabrico sob Contrato (Contract Manufacturing Organization)
CQ - Controlo de Qualidade
DUL - Documento Único Laboratorial
FFUC - Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
GMP - Boas Práticas de Fabrico (Good Manufacturing Practice)
GQ - Garantia da Qualidade
IF - Instruções de Fabrico
MICF - Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas
OOS - Fora das Especificações (Out of Specification)
RQP/PQR - Revisão da Qualidade do Produto (Product Quality Review)
SWOT - Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats
8
1. INTRODUÇÃO
O estágio curricular realizado no âmbito do Mestrado Integrado em Ciências
Farmacêuticas (MICF), para além de ser uma componente obrigatória para a finalização da
formação académica de um farmacêutico, constitui também um primeiro contacto com
aquela que poderá ser a minha futura atividade profissional.
A decisão de realizar o meu estágio em Indústria Farmacêutica deveu-se, não só, ao
facto de a Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC) possibilitar a
realização de estágios nesta área, o que representa uma mais-valia, mas sobretudo pelo meu
interesse e curiosidade em contactar com esta disciplina profissional. Desde cedo que era da
minha vontade ter uma melhor perceção sobre o funcionamento e dinâmica de uma
Indústria Farmacêutica, sendo que os conhecimentos adquiridos em algumas unidades
curriculares me despertaram ainda mais o interesse pelo ciclo dos medicamentos, pelo
mercado farmacêutico e pelas atividades a si inerentes.
O estágio foi realizado no Departamento da Garantia da Qualidade (GQ) da
Farmalabor entre os dias 8 de janeiro de 2020 e 12 de março de 2020, sob a orientação da
Dra. Dália Gonçalves.
O presente relatório compreende uma análise SWOT (Strenghts, Weaknesses,
Opportunities, Threats), que irá permitir analisar os Pontos Fortes e Fracos do estágio, bem
como as Oportunidades e Ameaças detetadas.
2. GRUPO MEDINFAR
O grupo Medinfar é uma empresa farmacêutica portuguesa, atualmente líder nacional
na categoria de Saúde do Consumidor e Dermatologia, e 3º maior no top 5 de empresas
portuguesas. Foi fundado em 1970, estando a sua sede localizada em Venda Nova, Amadora,
e a Unidade de Produção Industrial em Condeixa-a-Nova, Coimbra.
O grupo Medinfar, desde que foi fundado, tem como objetivo investigar, desenvolver
e fabricar produtos farmacêuticos, cosméticos e suplementos alimentares, bem
como distribuir e comercializar os mesmos. Além de produzir marcas próprias, produz e
comercializa também produtos licenciados em parceria com as maiores empresas
farmacêuticas mundiais, e aposta continuamente no desenvolvimento de produtos
9
inovadores e em novas áreas terapêuticas, o que lhe permite ser uma unidade de produção
farmacêutica de referência a nível europeu.
A estratégia do grupo Medinfar consiste em fazer chegar os cuidados de saúde de
forma ética, segura e sustentável a todos, estratégia esta que assenta em quatro princípios
orientadores: sustentabilidade, inovação, globalização e diversidade. Tendo como estratégia
de negócio a internacionalização, o grupo Medinfar tem vindo a expandir a sua atividade,
comercializando atualmente os seus produtos em mais de 40 países, sendo que a criação de
uma filial em Marrocos, em 2000, foi um marco importante para o sucesso desta estratégia.
Assim, o grupo Medinfar assume um compromisso com a saúde ao empenhar-se
continuamente na expansão internacional, ao assegurar a qualidade dos medicamentos
produzidos, ao apostar na investigação e desenvolvimento de novos produtos, processos e
metodologias analíticas, e ao investir na modernização tecnológica na área de produção.1
3. FARMALABOR – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S. A.
O grupo Medinfar reforçou a sua capacidade de produção quando, em 2001,
procedeu à aquisição da Farmalabor, uma Unidade de Produção Industrial localizada em
Condeixa-a-Nova, na qual são produzidos produtos farmacêuticos não-estéreis, cosméticos
e suplementos alimentares, que incluem formas sólidas, nomeadamente comprimidos,
cápsulas, pellets e pós, formas líquidas, que incluem soluções, suspensões, xaropes, ampolas
bebíveis e champôs, e formas semi-sólidas, nas quais estão incluídos cremes, pomadas, géis,
emulsões, loções, espumas, mousses, supositórios e sabonetes.
Ao seguir a estratégia do grupo Medinfar, do qual faz parte, a Farmalabor tem
investido em tecnologias de produção mais modernas e tem prestado serviços de produção
a cada vez mais empresas, que depositam na Farmalabor a confiança na qualidade dos
produtos fornecidos, o que se reflete no acentuado crescimento do negócio industrial que
se tem verificado ao longo dos últimos anos.
A Farmalabor é, então, uma Organização de Fabrico sob Contrato (Contract
Manufacturing Organization) (CMO) certificada de acordo com todos os requisitos dos
referenciais normativos em vigor, nomeadamente da Qualidade, pela norma ISO 9001:2015,
do Ambiente, pela norma ISO 14001:2015, e da Segurança e Saúde Ocupacional, pela norma
ISSO 45001:2018. Além disso, cumpre com rigor e dedicação as Boas Práticas de Fabrico
(GMP) e as Boas Práticas de Laboratório (BPL), proporcionando, por isso, serviços de
10
excelência que satisfazem os seus clientes, e está focada na melhoria contínua da qualidade
dos produtos e serviços prestados em todas as atividades realizadas na Farmalabor, através
de um Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) consolidado.2
Assim, a Farmalabor mostra-se, hoje em dia, muito competitiva, graças ao
investimento realizado na tecnologia, à aposta em colaboradores com a formação adequada
e aos serviços dotados de qualidade que presta aos seus clientes.
3.1. Departamento da Garantia da Qualidade (GQ)
A GQ desempenha um papel fundamental na Indústria Farmacêutica ao garantir que
os produtos e serviços fornecidos aos seus clientes cumprem com exigência e rigor os
normas de qualidade exigidas, de forma a assegurar a máxima eficácia e segurança dos
produtos, e também a satisfação dos seus clientes.
Visto ser tão importante garantir a qualidade dos produtos fornecidos, a Farmalabor
tem com prioridade estratégica o estabelecimento de um SGQ que assenta na melhoria
contínua de todas as atividades levadas a cabo na empresa que possam de algum modo afetar
a qualidade dos produtos e serviços, e que assegura que todas as normas, legislações e
requisitos são devidamente cumpridos. Por conseguinte, todos os produtos são fabricados
de acordo com a regulamentação estabelecida, de modo a obter a qualidade requerida, o
que significa que todos os produtos são preparados de acordo com as GMP, todas as
análises são efetuadas de acordo com as BPL, e todos os lotes produzidos são testados de
acordo com o registado na Autorização de Introdução no Mercado (AIM). O SGQ permite,
então, apurar todas as atividades que possam colocar em causa a qualidade, prevenir
possíveis erros e desvios e melhorar continuamente a eficiência das várias atividades de
modo a garantir que a qualidade é alcançada.
Deste modo é possível entender a importância da GQ, uma vez que é responsável
por diversas atividades, entre elas a Gestão de Validação de Processos, em que, através de
vários protocolos estabelecidos, é assegurado que os produtos cumprem com as
especificações previstas de forma a garantir a máxima qualidade e a minimização de possíveis
riscos; a Gestão de Desvios e Não Conformidades, através da qual são investigadas
alterações cuja ocorrência não era prevista, e são identificadas as causas raiz e as ações
corretivas e preventivas (Corrective and Preventive Actions) (CAPAs) a implementar; o
Controlo de Alterações, através do qual todas as alterações planeadas são analisadas no
sentido de avaliar o seu impacto na qualidade do produto e no SGQ, de forma a assegurar
11
que a conformidade com a regulamentação se mantém, assim como a eficiência de todos os
processos e a qualidade dos produtos; a Revisão da Qualidade do Produto (Product Quality
Review) (RQP ou PQR), que consiste na revisão periódica do estado de qualidade de um
produto, cujo objetivo é avaliar a consistência do processo de fabrico, bem como a
necessidade de executar CAPAs; a Qualificação de Fornecedores, através da qual é
assegurado que os produtos e serviços adquiridos satisfazem os requisitos estabelecidos,
para que a qualidade, a eficácia e a segurança não sejam afetadas; a Gestão Documental, que
compreende a elaboração, revisão, alteração e otimização de documentos, de forma a
assegurar que a informação relativa a todas as atividades efetuadas está constantemente
correta, atualizada e cumpre com os requisitos estabelecidos, para que a qualidade possa ser
garantida.
4. ANÁLISE SWOT
Dimensão
Interna
Pontos Fortes (Strengths) Pontos Fracos (Weaknesses)
Acolhimento, integração e formação
inicial.
Conhecimentos adquiridos.
Autonomia.
Boa relação com a equipa e bom
ambiente de trabalho.
Departamento multidisciplinar.
Duração do estágio.
Pouco contacto com os restantes
departamentos.
Dimensão
Externa
Oportunidades (Opportunities) Ameaças (Threats)
Crescimento e expansão da
empresa.
Conhecimento, na prática, e gestão
da sala de Retenção de Amostras.
COVID-19.
Dificuldade em aplicar, na prática, os
conhecimentos adquiridos em
algumas unidades curriculares do
MICF.
Figura 1: Análise SWOT do Estágio em Indústria Farmacêutica.
12
4.1. Pontos Fortes
Acolhimento, integração e formação inicial
No primeiro dia de estágio fui recebida, com outros estagiários, pela Dra. Dália
Gonçalves na Farmalabor para uma formação inicial, na qual nos foi apresentado o Grupo
Medinfar e a Farmalabor, a sua unidade industrial. Nesta formação foi também abordado o
tema Ambiente, no qual ficámos a conhecer a política ambiental da empresa, bem como a
forma sustentável como é feita a gestão de resíduos, tratamento de efluentes, contenção de
derrames e a gestão de água e energia na esfera ambiente, com o propósito de preservar os
recursos naturais e defender a natureza e o ambiente. Outro dos tópicos abordados foi
Higiene e Segurança no Trabalho, que incluiu a apresentação da regulamentação específica e
em vigor na empresa, e do plano de segurança interno, bem como a elucidação para a
importância da conformidade com a política, procedimentos e boas práticas em segurança, e
as consequências do seu incumprimento.
Após a reunião fui visitar os departamentos da empresa, onde tive a oportunidade de
me apresentar e de ficar a conhecer alguns dos colaboradores que, ao mostrarem-se
bastante recetivos, contribuíram também para uma boa integração. Na visita ao
departamento da GQ, além de conhecer a equipa com que viria a colaborar durante o meu
estágio, foram-me dadas a conhecer algumas das atividades desenvolvidas nesta área, bem
como a estrutura organizacional. Ao visitar de forma breve o departamento do Controlo de
Qualidade (CQ) adquiri algumas noções básicas sobre as atividades aqui realizadas, bem
como a sua importância e interligação com os restantes departamentos. O departamento no
qual passei a maior parte do tempo na primeira semana de estágio foi a Produção. Aqui tive
a oportunidade de visitar a secção de Produção de Formas Sólidas, e de Formas Líquidas e
Pastosas, onde pude observar brevemente a execução de alguns processos de fabrico, e
visitei também a secção da Embalagem, tendo sido possível aperceber-me da interligação e
importância da cooperação destes departamentos com os restantes da empresa.
Conhecimentos adquiridos
O meu estágio decorreu no departamento da GQ, onde tive a oportunidade de ficar
a conhecer de forma detalhada algumas das atividades aqui efetuadas e colaborar na
realização das mesmas, e onde me apercebi do quão abrangente é este departamento
relativamente às restantes atividades efetuadas na Farmalabor, uma vez que, apesar de não
13
ter tido a oportunidade de integrar outros departamentos, passei a conhecer e a
compreender algumas das atividades realizadas nos mesmos sem as observar na prática.
Inicialmente foram-me apresentados vários documentos, nomeadamente o Manual de
Instalação Fabril ou Site Master File, que tive a oportunidade de ler e de utilizar como base
para preencher o questionário “Self-information Questionnaire for Manufacturers and
Suppliers of Drug Products” para suporte de uma auditoria documental de cliente, o que
permitiu que ficasse a conhecer um pouco melhor a empresa e as suas instalações. Fiquei
também a conhecer procedimentos transversais emitidos pela GQ e outros documentos
internos da empresa, entre eles o RQP, o Documento Único Laboratorial (DUL) e as
Instruções de Fabrico (IF) que, quando preenchidas, passam a denominar-se Registo de Lote.
Após ficar mais familiarizada com estes documentos, tive a oportunidade de analisar, rever e
atualizar parte deles. Além disso, colaborei na compilação de vários RQPs e na análise de
informações inerentes à elaboração dos mesmos.
Durante o meu processo de aprendizagem fiquei também a conhecer o Limite de
Qualidade Aceitável (Acceptance Quality Limit) (AQL), uma ferramenta que permite
estabelecer critérios para aceitar ou rejeitar um lote de um determinado produto,
garantindo a qualidade do mesmo. Após a produção de um lote de determinado
medicamento, os atributos visuais são avaliados por lote e de acordo com a dimensão do
mesmo, para verificar se a proporção de produto não conforme não ultrapassa os limites
estabelecidos nas normas, sendo que para cada produto existe um AQL. Assim, uma das
atividades que me foi atribuída foi analisar o documento associado ao AQL, bem como
entregar ao departamento da Produção os selos de expedição acompanhados da devida
Checklist da expedição do produto intermédio acabado quando os lotes produzidos são
destinados a empresas que requisitaram os serviços de produção da Farmalabor.
Outra das tarefas que tive a oportunidade de realizar foi o levantamento de histórico
de suporte às investigações, que eram efetuadas com o intuito de investigar ocorrências ou
resultados fora das especificações (Out of Specification) (OOS) que surgiam ao longo do
processo de produção. Deste modo, recolhi e analisei Registos de Lote de vários produtos
que apresentavam desvios ao AQL ou OOS, de forma a detetar variações no processo entre
os vários lotes fabricados, permitindo, assim, identificar possíveis causas raiz para os desvios
ou OOS.
14
Autonomia
Desde o início do meu estágio que tive sempre bastante apoio por parte de toda a
equipa da GQ, que se disponibilizou para me explicar tudo o que era necessário para
desempenhar as minhas funções o melhor possível. Além disso, foi-me concedido um espaço
de trabalho equipado com um computador para exercer as minhas tarefas e fui integrada no
Sistema Informático da empresa, o que possibilitou que o meu trabalho fosse realizado de
forma autónoma. Assim, considero que o estágio, ao ser maioritariamente prático e pouco
observacional, foi bastante proveitoso, pois deu-me mais confiança no trabalho que estava a
realizar, estimulou o meu espírito crítico e fez-me sentir mais responsável pelas atividades
que me eram solicitadas.
Boa relação com a equipa e bom ambiente de trabalho
Durante todo o meu estágio fui bem recebida e acolhida por todos os colaboradores
da empresa, em especial pela equipa que integra a GQ. Toda a equipa se mostrou sempre
disposta a ajudar, tanto na explicação de conceitos e tarefas relacionados com as minhas
funções como estagiária, como no esclarecimento de qualquer dúvida que surgisse durante a
execução das mesmas. O espírito de equipa e entreajuda, a cooperação, a dedicação e o
bom ambiente de trabalho fizeram-me sentir bem integrada e contribuíram para uma
aprendizagem dinâmica e favorável.
Departamento multidisciplinar
Ao realizar o meu estágio no departamento da GQ pude constatar que este é um
departamento multidisciplinar, composto por uma equipa de colaboradores com variadas
formações de base, como Engenharia Química, Biologia e Ciências Farmacêuticas, que
trabalham em colaboração permanente com os outros departamentos da empresa, sendo
fundamental o papel desempenhado pela GQ ao longo de todas as atividades que o ciclo do
medicamento engloba para que o desempenho global da empresa seja o melhor possível.
Assim, estagiar no departamento da GQ proporcionou-me uma visão geral das atividades
desenvolvidas nos restantes departamentos da empresa, e também a compreensão do quão
importante é a cooperação e interligação entre os vários departamentos de forma a garantir
a excelência e a qualidade do trabalho realizado.
15
4.2. Pontos Fracos
Duração do estágio
O estágio curricular realizado numa área que não a Farmácia Comunitária ou
Farmácia Hospitalar é apenas proporcionado pela FFUC, representando, portanto, uma
vantagem que nos diferencia dos restantes futuros farmacêuticos. Porém, o estágio realizado
em Indústria Farmacêutica tem a duração de 3 meses e, apesar de parecer um período de
tempo suficiente, considero que poderia ser proveitoso se fosse mais extenso, no sentido
em que poderia dar-me a oportunidade de contactar um pouco mais com outros
departamentos da empresa e não só com a GQ, além de ganhar ainda mais autonomia e
conhecimento de outros temas trabalhados na GQ.
Durante o período de estágio tenho a perceção de que adquiri conhecimentos mais
aprofundados e autonomia em diversas funções, o que apenas foi possível porque o estágio
foi maioritariamente na área da GQ. No entanto, gostaria de ter tido mais contacto com
outros departamentos, pois tenho a noção de que teria sido vantajoso conhecer melhor
toda a realidade, funcionamento e organização de uma IF, o que apenas poderia ser possível
se o estágio tivesse uma duração mais longa.
Pouco contacto com os restantes departamentos
No início do estágio tive a oportunidade de conhecer vários departamentos da
Farmalabor para além da GQ, nomeadamente a Produção e Embalagem e o CQ, mas não
tive a oportunidade de visitar o departamento da Logística e Armazém. Além disso, a
interação com alguns departamentos foi mais reduzida, tendo ocorrido apenas de forma
indireta durante a realização de algumas investigações e compilação de documentos.
Compreendo que de outra forma não seria possível adquirir conhecimentos tão
aprofundados como aqueles que adquiri ao ter o meu estágio focado na área da GQ, mas
gostaria de ter contactado um pouco mais com os outros departamentos, uma vez que
poderia compreender melhor a interligação e cooperação necessárias entre os mesmos para
assegurar o bom funcionamento de todo o processo de fabrico de um medicamento, além
de poder também observar na prática muitos dos conceitos e atividades descritos nos
documentos gerados no departamento da GQ.
16
4.3. Oportunidades
Crescimento e expansão da empresa
A Farmalabor tem vindo a reforçar continuamente o desenvolvimento tecnológico e
a inovação, promovendo a sua expansão. Recentemente foi posto em prática um projeto de
reformulação da área de produção de produtos farmacêuticos sólidos orais, com o objetivo
de aumentar a capacidade e a competitividade operacional, através da otimização dos
recursos e da adoção de tecnologias avançadas. Além disso, a Farmalabor irá em breve
usufruir de um aumento do seu espaço de armazém, já em fase de movimento de terras, e
há também um projeto para os próximos anos para a construção de um novo espaço
destinado ao desenvolvimento e produção de novos produtos.
Assim, a Farmalabor, e também a Medinfar, mostram-se muito competitivas e abertas
à inovação tecnológica, daí resultando o contínuo crescimento e expansão, o que poderá
representar uma oportunidade para novos colaboradores, nomeadamente farmacêuticos
recém-formados, como é o meu caso, de fazer parte desta empresa na sua futura carreira
profissional.
Conhecimento, na prática, e gestão da Sala de Retenção de Amostras
Durante o meu estágio na Farmalabor tive a oportunidade de visitar mais do que uma
vez a Sala de Retenção de Amostras existente na empresa, também conhecida como
Farmacoteca, e de recolher amostras necessárias para análises e investigações que surgiram.
Este espaço é de acesso restrito e nele são guardadas amostras representativas dos vários
lotes de todos os medicamentos produzidos, sob condições específicas que permitam a
conservação dos mesmos durante todo o tempo de vida útil do medicamento. Estas
amostras são aqui mantidas com a finalidade de realizar análises que sejam requeridas para
um lote de um determinado medicamento, mas também para consultar qualquer informação
que possa vir a ser necessária durante o tempo de vida útil do medicamento.
Assim, considero que a visita à Sala de Retenção de Amostras foi bastante útil, uma
vez que me permitiu conhecer a sua finalidade e, acima de tudo, a sua importância para a
avaliação da qualidade e segurança do medicamento.
17
4.4. Ameaças
COVID-19
No dia 12 de março, cerca de uma semana após surgirem os primeiros casos de
COVID-19 em Portugal, recebi a indicação, por parte da FFUC e da Farmalabor, da
necessidade de cancelar o meu estágio, tendo ido nesse mesmo dia para casa, dando, por
isso, o estágio por concluído. Assim sendo, considero que o COVID-19 representou uma
ameaça para o meu estágio, já que me forçou a terminar o mesmo antes do previsto, numa
fase em que já desempenhava as minhas principais funções com autonomia e rapidez.
Dificuldade em aplicar, na prática, os conhecimentos adquiridos em algumas
unidades curriculares do MICF
Estagiar na Farmalabor deu-me a oportunidade de colocar em prática conhecimentos
adquiridos em algumas unidades curriculares, tais como Assuntos Regulamentares e Gestão
e Garantia da Qualidade. No entanto, considero que os conteúdos lecionados foram difíceis
de ser aplicados no estágio, uma vez que transpor os conhecimentos teóricos adquiridos
para a realidade que se vive na Indústria Farmacêutica é bastante complexo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização do meu estágio curricular em IF deu-me a oportunidade de ter um
primeiro contacto com esta área profissional que sempre me despertou bastante interesse,
tendo-se revelado uma experiência bastante enriquecedora e desafiante. Considero, então,
que foi uma mais-valia aproveitar a oportunidade que a Faculdade de Farmácia me
proporcionou de forma a conhecer o papel preponderante do farmacêutico, como
especialista do medicamento, na IF, tendo assim concluído que neste recaem grandes
responsabilidades nos diversos setores, nomeadamente na GQ, que acompanhei com maior
proximidade, para que o produto final seja obtido com a máxima segurança, eficácia e
qualidade possível.
Apesar de o meu estágio ter decorrido apenas na área da GQ, sinto que me foi
possível obter uma visão bastante alargada do funcionamento geral de uma IF. Além disso,
adquiri bastantes conhecimentos e desenvolvi competências profissionais e pessoais, entre as
quais a comunicação, o trabalho em equipa, o sentido de responsabilidade, a resolução de
18
problemas e a análise crítica, que muito se deveu à forma como fui integrada desde o
primeiro dia e ao apoio constante recebido ao longo do meu estágio por parte de toda a
equipa da GQ, em particular por parte da Dra. Dália Gonçalves, minha orientadora do
estágio, e também da Engª. Áurea Ferreira, da Dra. Catarina Silva e da Dra. Daniela Oliveira.
Concluo que este estágio foi, sem dúvida, uma experiência gratificante quer a nível
profissional quer a nível pessoal, tendo superado as minhas expectativas e contribuído
certamente para o meu futuro como farmacêutica.
19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. MEDINFAR. – ( Acedido a 14 de abril de 2020) Disponível em:
https://www.medinfar.pt/pt
2. FARMALABOR – Documento Institucional
CAPÍTULO II
Relatório de Estágio em Farmácia Comunitária
Farmácia Adriana
Coimbra
Sob a orientação do Dr. João Gabriel dos Santos Pinto
21
LISTA DE ABREVIATURAS
MICF - Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas
MM - Medicamentos Manipulados
PIM - Preparação individualizada da medicação
SWOT - Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats
22
1. INTRODUÇÃO
O estágio curricular em farmácia comunitária representa o culminar de 5 anos de
aprendizagem do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas (MICF), sendo um dos
primeiros contactos estabelecidos com a nossa futura realidade profissional.
Como agente de saúde pública e especialista do medicamento, o papel do
farmacêutico na promoção da saúde é essencial, não só na minimização dos problemas e na
melhoria do bem-estar dos utentes, mas também na promoção da informação e
aconselhamento farmacoterapêutico.
Assim, é essencial a realização deste estágio curricular, de forma a consolidar e a
colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso, ficar a conhecer as
funções de um farmacêutico na farmácia de oficina para além da dispensa de medicamentos e
aconselhamento, mas também de forma a promover o desenvolvimento de outras
capacidades e competências essenciais para a formação de um futuro farmacêutico no
contexto de Farmácia Comunitária, tais como a capacidade de comunicação e interação com
o utente e com a equipa de trabalho, o trabalho em equipa e a resolução de problemas.
O estágio foi realizado na Farmácia Adriana, sob a orientação do Dr. João Pimentel,
proprietário e Diretor Técnico da farmácia, de 5 de maio de 2020 a 31 de agosto de 2020,
cuja duração total corresponde a 670 horas.
O presente relatório compreende uma análise SWOT (Strenghts, Weaknesses,
Opportunities, Threats), onde irei proceder à análise dos Pontos Fortes e Fracos, bem como
as Oportunidades e Ameaças identificados ao longo do estágio.
2. FARMÁCIA ADRIANA
A Farmácia Adriana, localizada na Praça da República, é uma das farmácias mais
antigas da cidade de Coimbra, contando com mais de 100 anos de história. É bastante
agradável e acolhedora, apesar de o seu espaço ser reduzido, preservando uma decoração
alusiva a uma farmácia mais antiga ao expor os seus produtos de venda livre em armários em
vez de lineares, e ao exibir instrumentos antigos utilizados em diversas atividades
farmacêuticas.
Estando situada num local de passagem de muitos visitantes da cidade de Coimbra, a
Farmácia Adriana usufrui de clientes bastante variados, que vão desde os clientes habituais
23
que vivem ou trabalham perto da farmácia, aos turistas que visitam a cidade e aos estudantes
que frequentam a Universidade de Coimbra.
3. ANÁLISE SWOT
Dimensão
Interna
Pontos Fortes (Strengths) Pontos Fracos (Weaknesses)
Equipa técnica.
Plano de estágio.
Diversidade de tarefas.
Gestão Comercial.
Impossibilidade de preparação de
medicamentos manipulados.
Localização da Farmácia.
Impossibilidade de avaliar os
parâmetros bioquímicos.
Dimensão
Externa
Oportunidades (Opportunities) Ameaças (Threats)
Atendimento de público estrangeiro.
Preparação Individualizada da
Medicação (PIM).
COVID-19.
Figura 1: Análise SWOT do Estágio em Farmácia Comunitária.
3.1. Pontos Fortes
Equipa técnica
A equipa técnica da Farmácia Adriana é atualmente constituída pelo Dr. João
Pimentel, Diretor-Técnico, pela Dra. Ângela Mota, Farmacêutica Substituta e pela Sra. Adélia
Guerra, Técnica de Farmácia.
Considero que a minha adaptação na farmácia ocorreu rapidamente e da melhor
forma possível, pois senti-me integrada desde o primeiro momento por parte de toda a
equipa. Além disso, a equipa mostrou-se sempre disponível para esclarecer qualquer dúvida,
permitindo, assim, um maior enriquecimento e uma maior consolidação dos meus
conhecimentos.
O espírito de equipa e entreajuda, a cooperação, a dedicação e o bom ambiente de
trabalho fizeram-me sentir bem integrada e contribuíram para uma aprendizagem dinâmica e
24
favorável, portanto considero que a equipa foi fundamental para o meu processo de
aprendizagem e evolução ao longo do estágio.
Plano de estágio
Desde o início do estágio que me foi atribuída bastante autonomia, o que me
permitiu, desde logo, adquirir um forte sentido de responsabilidade nas tarefas a
desempenhar. Numa fase inicial o estágio consistiu essencialmente em tarefas de backoffice,
entre as quais destaco a receção de encomendas e posterior arrumação dos medicamentos
nos locais adequados, gestão de stocks e realização e regularização de devoluções. Nesta fase
tive também a oportunidade de assistir a alguns atendimentos, com a finalidade de me
familiarizar com o método de atendimento e com o programa Sifarma 2000®. Rapidamente
tive a oportunidade de efetuar o atendimento ao público, numa primeira fase acompanhada
e, após estar preparada e segura, pude fazê-lo autonomamente, contando sempre com o
apoio de toda a equipa para o esclarecimento de qualquer dúvida que surgisse. Deste modo,
considero que a confiança em mim depositada contribuiu para me tornar mais autónoma e
capaz.
Diversidade de tarefas
Um dos pontos fortes do meu estágio foi a diversidade de tarefas que pude aprender
e realizar, e que contribuíram para a perceção da dinâmica de uma farmácia. Ao longo do
estágio tive a oportunidade de colaborar com as atividades de backoffice, tais como a gestão
de stocks e encomendas, arrumação de produtos, preparação individualizada da medicação, e
realização e regularização de devoluções. Estas atividades permitiram-me alargar a visão
sobre o funcionamento interno de uma farmácia e perceber a importância de cada uma
delas. Assim, considero a diversidade de tarefas um ponto forte do meu estágio, já que não
só facilitou a perceção da dinâmica de uma farmácia, como também me habilitou a
desempenhar qualquer uma delas no meu futuro profissional, fazendo desta forma sentir-me
mais preparada.
Gestão Comercial
A Farmácia Adriana integra um grupo de farmácias, o Grupo Coimbra, através do
qual tem acesso a vantagens financeiras, entre as quais descontos na compra de
determinados produtos do stock do grupo. Os grupos de compras fazem, então, parte do
25
modelo de gestão comercial de muitas farmácias atualmente, o que lhes permite obter
margens maiores na compra e venda de determinados produtos.
Outra questão a ter em conta na gestão comercial de uma farmácia é a gestão do
volume de compras dos produtos, de forma a não perder vendas por rutura de stocks e, por
outro lado, não perder produtos devido ao prazo de validade expirado, por falta de vendas.
Além disso, deve também ter-se em conta que, muitas das vezes, os reforços de stock
originam volumes de compras maiores junto do laboratório ou armazenista, que se
traduzem em melhores condições de compra para a farmácia, em formato de descontos ou
bonificações.
Assim, considero que estar de certa forma envolvida na gestão comercial da farmácia
foi um ponto positivo do meu estágio, pois mostrou-me que esta é uma atividade
fundamental a ser exercida para garantir a rentabilidade da mesma.
3.2. Pontos Fracos
Impossibilidade de Preparação de Medicamentos Manipulados
Apesar de ser um serviço que integra a atividade farmacêutica, a preparação de
medicamentos manipulados (MM) não é realizada na Farmácia Adriana. De facto, esta é uma
prática farmacêutica cada vez menos desempenhada hoje em dia nas farmácias, uma vez que
o crescimento significativo das indústrias farmacêuticas levou a um aumento da oferta de
medicamentos no mercado e, consequentemente, a uma diminuição da prescrição de MM
por parte dos médicos, sendo estes apenas prescritos caso não existam alternativas no
mercado para a terapêutica em causa. Assim, este serviço acaba por ser pouco procurado
pelos utentes das farmácias e, ainda que a Farmácia Adriana possua um espaço adequado e
que reúne as condições exigidas para a preparação de MM, este serviço não é atualmente
prestado, pois a aquisição das matérias-primas necessárias acaba por ser muito dispendiosa
para a farmácia, já que as mesmas não são utilizadas, e o seu prazo de validade é
relativamente limitado tendo em conta a reduzida procura deste serviço pelos utentes.
Considero, então, este aspeto como sendo um ponto fraco do meu estágio, uma vez
que não tive oportunidade de contactar com esta valência da Farmácia Comunitária, o que
julgo que seria importante para a minha formação, ainda que compreenda que no contexto
da farmácia onde estagiei não faça sentido a realização deste serviço, uma vez que não é
procurado pelos seus utentes.
26
Localização da Farmácia
A Farmácia Adriana está situada na Praça da República, uma zona de passagem e de
grande movimento, sendo muito frequentada por turistas e estudantes, graças à sua
proximidade com alguns pontos turísticos da cidade e com o Polo 1 da Universidade de
Coimbra. Além disso, este local reúne principalmente espaços da área de restauração e
bares, e concentra maioritariamente alojamentos locais em detrimento de habitações de
caráter permanente, o que leva a seja frequentado maioritariamente por um público mais
jovem e de passagem, o que acaba por ditar o público que frequenta a farmácia.
Tendo em conta que a população mais jovem não é o público-alvo de uma farmácia, o
fluxo de utentes acaba por ser menor, dado que são poucas as pessoas mais idosas que se
deslocam a esta zona. É ainda de referir a presença de outra farmácia a poucos metros da
Farmácia Adriana, o que acaba também por ser um fator agravante no número de pessoas
que se deslocam à farmácia diariamente.
Neste sentido, todos estes fatores têm um impacto negativo na afluência diária de
utentes, o que acabou por limitar o meu estágio, pois impossibilitou o contacto com uma
maior multiplicidade de situações, que seriam essenciais para novas aprendizagens e para
colocar em prática os conhecimentos adquiridos.
Impossibilidade de avaliar os parâmetros bioquímicos
A avaliação dos parâmetros bioquímicos, tais como a glicémia, o colesterol e os
triglicerídeos, não é um serviço farmacêutico prestado atualmente na Farmácia Adriana, uma
vez que este é um serviço pouco procurado pelos utentes da farmácia, além de implicar
custos e obrigações legais que tornam a prestação do serviço desfavorável em termos de
rentabilidade.
No entanto, penso que a prestação deste serviço teria sido uma mais-valia para o
meu estágio, pois dessa forma poderia colocar em prática conhecimentos adquiridos e
desenvolver o aconselhamento farmacêutico com o utente.
27
3.3. Oportunidades
Atendimento de público estrangeiro
Dada a sua localização ser próxima da Universidade de Coimbra e dos principais
pontos turísticos da cidade, é bastante comum o atendimento de turistas e estudantes
estrangeiros na Farmácia Adriana. Ainda que, devido ao COVID-19, a afluência de público
internacional tenha sido muito inferior ao normal, uma vez que as aulas presenciais na
Universidade de Coimbra foram canceladas até ao final do ano letivo, e a visita de turistas à
cidade tenha diminuído drasticamente, tive a oportunidade de atender quase diariamente
utentes estrangeiros.
Considero que esta situação foi bastante benéfica, visto que me permitiu praticar e
melhorar a minha capacidade de comunicar em inglês. Além disso, por vezes eram-me
solicitados medicamentos cujo nome comercial não existe em Portugal, tendo, por isso, de
pesquisar a composição do medicamento em causa, de forma a descobrir um possível
equivalente terapêutico, o que se revelou bastante desafiante.
Preparação Individualizada da Medicação (PIM)
Um serviço farmacêutico prestado pela Farmácia Adriana que tive a oportunidade de
executar diversas vezes foi a PIM, que consiste na organização, de acordo com a posologia
prescrita pelo médico, das formas farmacêuticas sólidas orais que o utente toma num
dispositivo compartimentado de acordo com os dias da semana e os vários momentos do
dia correspondentes ao horário em que a medicação deve ser administrada. Após os
medicamentos serem reacondicionados no dispositivo, este é selado, e para auxiliar o utente
a fazer a correta administração e promover a sua adesão à terapêutica, são registadas as
informações referentes quer à medicação incluída quer à não incluída no dispositivo. Posto
isto, penso que a PIM foi uma função que enriqueceu bastante o meu estágio.
3.4. Ameaças
COVID-19
A realização do estágio durante a situação de pandemia devido ao COVID-19
representou, sem dúvida, uma ameaça para o meu estágio. Além de ter feito com que este
tivesse início apenas 1 mês após o previsto, uma vez que a data de início do meu estágio em
28
farmácia comunitária coincidiu com a fase de confinamento decretada pelo Governo, a
situação pandémica levou ainda a uma diminuição drástica do número de utentes que se se
dirigiam diariamente à farmácia, uma vez que tanto os estudantes da Universidade como os
turistas, principal público-alvo da Farmácia Adriana, não se encontravam em Coimbra.
Perante este cenário, o número de atendimentos diminuiu de tal forma que a farmácia
acabou por atravessar um período muito difícil a nível económico, que a forçou a recorrer
ao regime de lay-off.
É também de referir que o conjunto de medidas de proteção implementadas na
farmácia, nomeadamente a instalação de acrílicos no balcão de atendimento, aliada ao uso da
máscara de proteção individual e à distância de segurança a manter dentro da farmácia,
dificultaram a comunicação com o utente.
Por fim, uma vez que a atividade farmacêutica está associada a uma formação
contínua e atualizada, de forma a garantir um aconselhamento mais completo e seguro aos
utentes, é habitual os laboratórios promoverem formações acerca de produtos novos ou já
existentes, sendo estas formações cruciais para adquirir novos conhecimentos, e
complementar e aprofundar outros já adquiridos, de modo a proporcionar um atendimento
o mais útil possível para o utente. A Farmácia Adriana dá a oportunidade aos seus estagiários
de participar nestas formações mas, tendo em conta o cenário atual de pandemia, nenhuma
delas se realizou durante o meu período de estágio. Ainda que não tenha sido possível
frequentar nenhuma destas formações, pude participar em algumas que ocorreram online, o
que considero que foi uma mais-valia em termos de aprendizagem.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos 5 anos do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas (MICF) pude
adquirir conhecimentos e competências em diversas áreas, tendo o meu percurso culminado
com o estágio em farmácia comunitária, na farmácia Adriana.
Para além de me ter dado a oportunidade de colocar em prática e consolidar os
conhecimentos adquiridos, também proporcionou o desenvolvimento de outras
competências igualmente importantes, tais como a comunicação, quer com a equipa quer
com os utentes, sendo especialmente importante na transmissão de informação aos utentes,
de forma a responder a todas as suas necessidades, o espírito crítico, a organização, o
sentido de responsabilidade e a capacidade de resolução de problemas. Estou segura de que
29
estas competências foram fundamentais para complementar a minha formação como futura
farmacêutica, o que muito se deveu à forma como fui acolhida e integrada pela equipa da
Farmácia Adriana, a quem agradeço por todo o apoio, disponibilidade, amizade e
ensinamentos transmitidos.
Por fim, concluo que este estágio foi, sem dúvida, uma experiência que se revelou
uma mais-valia para o meu crescimento profissional e pessoal, e que me mostrou a
importância que o farmacêutico tem na promoção da saúde, na Farmácia Comunitária.
CAPÍTULO III
Monografia
“Sistema CRISPR/Cas9: Uma Abordagem Terapêutica
Inovadora no Tratamento de Patologias Humanas”
Sob a orientação do Professor Doutor Sérgio Paulo de Magalhães Simões,
31
LISTA DE ABREVIATURAS
AAV - Vírus Adeno-Associados
AV - Adenovírus
CAR-T - Chimeric Antigen Receptor-T
cccDNA - Covalently Closed Circular DNA
CCR5 - C‐C chemokine receptor type‐5
CRISPR - Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats
crRNA - RNA CRISPR
DMD - Distrofia Muscular de Duchenne
DNA - Ácido Desoxirribonucleico
DSB - Quebra da dupla cadeia de DNA (Double Stranded Break)
HBV - Hepatite B
HDR - Reparação Direta por Homologia (Homology Directed Repair)
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
hPSCs - Human Pluripotent Stem Cells
HR - Recombinação Homóloga (Homologous Recombination)
LTRs - Long Terminal Repeats
LV - Lentivírus
MPS - Sistema de Fagócitos Mononucleares
NHEJ - União das Extremidades Não Homóloga (Non Homolog End Joining)
NUC - Nuclease Lobe
PAM - Protospacer Adjacent Motif
pré-crRNA - Percursor de RNA CRISPR
REC - Recognition Lobe
RNA - Ácido ribonucleico
RNase III - Ribonuclease III
SCD - Sickle Cell Disease
sgRNA - Single guide RNA
SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SpCas9 - Streptococcus pyogenes Cas9
SRSR - Short Regularly Spaced Repeats
TALENs -Transcription activator-like effectors
tracrRNA - RNA CRISPR trans-ativador
ZFNs - Zinc Finger Nucleases
32
RESUMO
A descoberta de Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR), um
sistema de defesa adaptativo de bactérias contra infeções virais, permitiu a criação de uma
tecnologia denominada sistema CRISPR/Cas9 que veio revolucionar as tecnologias de edição
do genoma. Este sistema tem-se destacado devido à sua versatilidade, simplicidade e
eficiência na manipulação genética. As investigações realizadas ao longo dos últimos anos têm
vindo a comprovar a utilidade e o potencial desta tecnologia para aplicações terapêuticas,
particularmente na terapia génica. O potencial do sistema CRISPR/Cas9 tem vindo a
progredir graças ao conhecimento cada vez mais pormenorizado dos mecanismos deste
sistema e das estratégias de edição do genoma utilizadas. Existem, no entanto, ainda muitos
desafios que têm de ser superados para que esta tecnologia possa ser considerada segura e
eficaz no tratamento de muitas patologias.
Palavras-chave: Tecnologia, CRISPR/Cas9, Edição do Genoma, Aplicações Terapêuticas,
Terapia Génica, Desafios.
ABSTRACT
The discovery of Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats
(CRISPR), an adaptive defence system for bacteria against viral infections, allowed the
creation of a technology called CRISPR/Cas9 system that came to revolutionize genome
editing technologies. This system has stood out due to its versatility, simplicity and efficiency
in genetic manipulation. Research carried out over the past few years has proven the
usefulness and potential of this technology for therapeutic applications, particularly in gene
therapy. The potential of the CRISPR/Cas9 system has been progressing thanks to the
increasingly detailed knowledge of the mechanisms of this system and the genome editing
strategies used. However, there are still many challenges that have to be overcome in order
for this technology to be considered safe and effective in the treatment of many pathologies.
Keywords: Technology, CRISPR/Cas9, Genome Editing, Therapeutic Applications, Gene
Therapy, Challenges.
33
I. INTRODUÇÃO
Os avanços que têm vindo a ocorrer na área da biotecnologia e da engenharia
genética permitiram aos cientistas desenvolver e aplicar novas estratégias e ferramentas na
edição do genoma.1;2 A manipulação genética do DNA, quer seja através da inserção,
exclusão ou substituição do mesmo em locais específicos do genoma, apresenta grande
potencial para aplicações terapêuticas, quer seja na prevenção quer no tratamento de
patologias.2; 3; 4; 5
Inicialmente recorreu-se à Recombinação Homóloga (HR) para editar o genoma.
Através desta técnica é possível inserir uma sequência de DNA exógeno homóloga à
sequência alvo que se pretende modificar. Devido às suas limitações, nomeadamente a
ineficiência em várias células e organismos eucariotas e à possibilidade de ocorrência de
mutações, esta técnica não é largamente aplicada.3; 6
O progresso ocorrido nos últimos anos levou ao estabelecimento de novas
metodologias para edição do genoma, através das quais é gerada uma quebra da dupla cadeia
de DNA (DSB) em locais específicos do genoma, sendo esta posteriormente reparada por
mecanismos celulares, que incluem Reparação Direta por Homologia (HDR) ou União das
Extremidades Não Homóloga (NHEJ). Para obter esta DSB, foram projetadas nucleases de
edição do genoma, que incluem meganucleases, zinc finger nucleases (ZFN), transcription
activator-like effector nucleases (TALENs) e a nuclease Cas9 associada a Clustered Regularly
Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR), pequenas sequências de pares de ácidos
nucleicos intercaladas e que se repetem ao longo de certos locais do genoma das células, ou
Sistema CRISPR/ Cas9.1; 6; 7; 8
O CRISPR, um sistema imunológico adaptativo guiado por RNA, presente em
bactérias e Archae com o propósito de defesa contra organismos invasores, revolucionou a
edição genética em diversos organismos, incluindo seres humanos.1; 2; 9; 10 Os sistemas
CRISPR/Cas, apesar de demonstrarem alguma semelhança na sua estrutura, existem em
grande variedade, sendo o tipo II, proveniente da bactéria Streptococcus pyogenes, e que se
diferencia por utilizar uma única nuclease, a Cas9, o mais utilizado para a edição do
genoma.9; 11; 12; 13
O sistema CRISPR/Cas9 é superior em termos de simplicidade, eficiência e
flexibilidade quando comparado com as restantes técnicas. Contrariamente às nucleases que
reconhecem a sequência alvo através da interação DNA-proteína, o sistema CRISPR/Cas9
reconhece a sequência alvo através de emparelhamento de bases, o que significa que não é
34
necessário projetar uma proteína que reconheça a sequência de DNA. Assim sendo, é
apenas necessário elaborar um RNA guia que direciona a nuclease Cas9 para efetuar a
clivagem da sequência, o que leva a que o design e execução deste método seja mais simples
e fácil de aplicar.8; 11; 14 Além disso, este sistema é eficiente em editar múltiplos genes, é
menos citotóxico e apresenta um custo relativamente mais baixo.12; 15; 16
2. CLUSTERED REGULARLY INTERSPACED SHORT PALINDROMIC
REPEATS (CRISPR)
2.1. Origem
O CRISPR foi descoberto em 1987 no genoma de Escherichia coli, quando cientistas
estudavam o gene iap, perto do qual encontraram sequências alternadas de repetição e não
repetição até então desconhecidas. Posteriormente, descobriu-se que este sistema se
encontrava em inúmeras bactérias e em Archaea.11; 17; 18; 19 Este conjunto de sequências foi
inicialmente denominado de Short Regularly Spaced Repeats (SRSR), sendo mais tarde alterado
para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR).11; 20 Ao examinar várias
matrizes CRISPR em batérias e Archaea, foi possível detetar na sua proximidade um
conjunto de genes que codificavam proteínas possivelmente associadas ao CRISPR, os genes
associados ao CRISPR ou genes Cas.8; 17; 18; 19
Um conjunto de pesquisas realizadas mais tarde revelou que o CRISPR seria um
sistema de defesa contra infeções por organismos exógenos.10; 17 Estudos realizados com a
bactéria Streptococcus thermophilus revelaram semelhanças entre as sequências não repetidas,
denominadas espaçadores, e muitas sequências presentes em organismos exógenos, como
plasmídeos e bacteriófagos.8; 17 Além disso, ao colocar a mesma bactéria em contacto com
bacteriófagos virulentos, verificou-se a incorporação de novos espaçadores na matriz
CRISPR, sendo que as sequências desses novos espaçadores eram semelhantes às sequências
do genoma dos bacteriófagos responsáveis pela infeção.8; 18 Assim, foi possível confirmar que
este sistema apresenta a capacidade de integrar elementos genéticos de organismos
exógenos, sob a forma de novas sequências espaçadoras, no seu próprio genoma.18; 21 É de
realçar o papel desempenhado pelos genes Cas, uma vez que estes são responsáveis por
incorporar os espaçadores na matriz CRISPR quando ocorre a infeção, e por codificar
proteínas essenciais para que ocorra uma resposta imunológica. Ao haver registo genético
35
de ataques prévios, quando ocorre uma nova infeção por um invasor anterior é
desencadeado um mecanismo de defesa adaptativo.4; 19
Os dados adquiridos pela sequenciação do genoma indicam que o sistema
CRISPR/Cas pode ser encontrado em 45% das bactérias e 84% das archaea.11; 16
2.2. Estrutura do Locus CRISPR
O locus CRISPR é constituído por sequências de repetição parcialmente
palindrómicas, que podem variar de 25 a 35 pares de bases (pb) , e por espaçadores, que
surgem aquando da incorporação de fragmentos do material genético de organismos
invasores, como fagos e plasmídeos, no genoma hospedeiro, e que são denominados
protoespaçadores até ocorrer a inserção.11; 16 O número de espaçadores numa matriz
CRISPR varia bastante, podendo o espaçador ser descrito como naive, caso se trate do
primeiro contacto com o organismo responsável pela infeção, ou como primed, caso exista
uma invasão prévia por parte do organismo patogénico.11 Após uma infeção ocorre uma
resposta imunológica, na qual os espaçadores são incorporados na matriz CRISPR, o que
fornece um registo genético cronológico de todas as infeções anteriores. Além disso, caso
ocorra uma nova infeção por um invasor anterior, é possível desenvolver um mecanismo de
defesa. 22; 23
A montante da matriz CRISPR localiza-se a sequência líder, rica em timina (T) e
adenina (A), que é responsável por promover a transcrição da matriz CRISPR e por
direcionar a orientação dos espaçadores recém-adquiridos.11; 24; 25
A atividade do sistema CRISPR requer, também, um conjunto de genes associados ao
CRISPR, conhecidos como genes Cas, que precedem a matriz CRISPR e a sequência líder.26
Estes genes codificam as proteínas Cas, que são essenciais para a resposta imunológica, uma
vez que elas são associadas ao RNA transcrito a partir dos loci CRISPR, formando
complexos capazes de degradar material genético invasor, no caso de este ter sido
responsável por uma invasão prévia.24
36
Figura 1. Estrutura típica do locus CRISPR. (Adaptado de Zhang, Wen e Guo, 2014)27
2.3. Tipos de Sistemas CRISPR/Cas
Apesar de apresentarem uma atividade semelhante, os sistemas CRISPR/Cas exibem
diversidade estrutural e mecanística, nomeadamente diferentes arranjos dos loci CRISPR e
variações nas proteínas Cas. Os sistemas CRISPR/Cas foram inicialmente subdivididos em
três tipos principais, I, II e III, cada um deles distinguido pela presença de diferentes proteínas
Cas, Cas3, Cas9 e Cas10, respetivamente, sendo que cada tipo abrange vários subgrupos.18
Há relativamente pouco tempo surgiu uma nova classificação, que compreende duas
grandes classes e seis tipos de sistemas CRISPR/Cas. A classe I, que abrange os tipos I, III e
IV, caracteriza-se por um complexo efetor, responsável por clivar sequências do DNA alvo,
constituído por múltiplas proteínas Cas, enquanto que na classe II, que inclui os tipos II, V e
VI, uma única proteína Cas de múltiplos domínios constitui o complexo efetor. Os sistemas
CRISPR/Cas da classe I podem ser encontrados em bactérias e archaea, constituindo cerca
de 90% de todos os loci CRISPR identificados. Os restantes 10% correspondem à classe II e
são encontrados quase exclusivamente em bactérias.4; 5; 17 Cada tipo é ainda classificado em
vários subtipos, de acordo com variações adicionais na composição e estrutura genética.17
A distribuição das proteínas Cas varia bastante entre os diferentes tipos, o que
significa que uma ou mais proteínas Cas desempenham diferentes funções nos vários
sistemas CRISPR/Cas.16 Algumas proteínas, como a Cas I e Cas2, estão presentes na maioria
dos sistemas, enquanto outras são proteínas associadas a determinados tipos de sistema.26
Após o DNA invasor ser clivado em pequenos fragmentos, estes são incorporados
no locus CRISPR como espaçadores que são, então, transcritos em RNA CRISPR (crRNA).
Tanto na classe I como na classe II o crRNA direciona uma nuclease Cas para clivar a dupla
cadeia de DNA alvo.10; 27 O Sistema CRISPR/Cas de classe II emprega uma única nuclease, a
Cas9, sendo a Cas9 derivada da bactéria Streptococcus pyogenes (Streptococcus pyogenes Cas9)
Genes Cas
Sequência
líder
Espaçadores
Sequências
de Repetição
37
(SpCas9) a mais estudada das proteínas Cas9.5; 6; 22 Graças à sua simplicidade, o sistema
CRISPR/Cas9 é o mais amplamente utilizado para gerar uma quebra na dupla cadeia de DNA
alvo que permita editar o genoma.4; 11; 28
3. SISTEMA CRISPR/CAS9
3.1. Mecanismo de Imunidade Adaptativa
O mecanismo de defesa bacteriano mediado pelo sistema CRISPR/Cas inclui 3 etapas:
aquisição de protoespaçadores, processamento e interferência. Na fase de aquisição, o
material genético do organismo invasor é incorporado como espaçadores na matriz CRISPR,
o que permite o reconhecimento e resposta a uma futura invasão pelo mesmo organismo.9; 11
Na etapa seguinte ocorre a expressão dos genes Cas e a transcrição do locus CRISPR num
percursor de crRNA (pré-crRNA) que, posteriormente, é clivado e processado por
proteínas Cas ou ribonucleases celulares, originando unidades menores e maduras de
crRNA, que é composto por uma sequência espaçadora entre fragmentos das sequências de
repetição. Por fim, durante a etapa de interferência, os ácidos nucleicos invasores, ao serem
idênticos aos espaçadores, são reconhecidos e destruídos pelo crRNA e pelas endonucleases
Cas, impedindo, assim, a sua integração e replicação no genoma do hospedeiro.1; 4; 11
O sistema CRISPR/Cas9 tem sido largamente explorado, uma vez que emprega uma
única nuclease, a Cas9, que se complexa com 2 sequências curtas de RNA, crRNA e
tracrRNA, para funcionar como endonuclease específica de local, o que revela um grande
potencial para ser utilizado como uma ferramenta simples e eficiente na edição do genoma.11;
15; 27
Assim sendo, no sistema CRISPR/Cas9, durante a fase de aquisição, as proteínas Cas1
e Cas2 são responsáveis pela aquisição do espaçador, quer seja na excisão do
protoespaçador do DNA invasor quer seja na sua incorporação na matriz CRISPR, sendo
essencial que ambas operem como um complexo, uma vez que individualmente não têm a
capacidade de realizar a aquisição com sucesso. Para selecionar os protoespaçadores que
irão ser incorporados na matriz existem sequências curtas, de 2 a 5 nucleótidos, localizadas
junto ao local alvo e denominadas Protospacer Adjacente Motives (PAM), que são específicas
para cada subtipo e bactéria CRISPR/Cas. Os PAM determinam o alinhamento do espaçador
na matriz e têm um papel crucial na fase de interferência. Além da Cas1 e Cas2, também a
Cas4 apresenta atividade neste sistema durante a etapa de aquisição. Da integração de um
38
protoespaçador resulta, então, uma matriz CRISPR com um novo espaçador entre
sequências de repetição que, por ter sido adquirido mais recentemente, é o primeiro na
matriz CRISPR, o que revela a organização cronológica dos espaçadores na matriz.11; 18; 29; 30
Na fase de expressão, quando ocorre uma nova infeção por um invasor anterior, é
ativada a transcrição do locus CRISPR em RNA, sendo essencial o papel desempenhado pela
Ribonuclease III do hospedeiro, ou RNase III, pela proteína Cas9 e pela molécula de RNA
CRISPR trans-ativador (tracrRNA) ao longo desta etapa. Após o locus CRISPR ser transcrito
em pre-crRNA, o tracrRNA, que consiste num pequeno RNA complementar das sequências
de repetição transcritas do pré-crRNA, e que contém 3 estruturas em gancho de cabelo na
sua extremidade terminal 3’, emparelha com o pré-crRNA. O tracrRNA é essencial para a
maturação do pré-crRNA e, além disso, do seu emparelhamento com o pré-crRNA resulta
uma cadeia dupla de RNA. Este complexo tracrRNA:pré-crRNA é estabilizado pela proteína
Cas9, para que posteriormente ocorra a clivagem do pré-crRNA pela RNase III, o que
originará as unidades maduras de crRNA.11; 18; 29; 30
Na etapa de interferência, após a maturação do pré-crRNA, o crRNA permanece
complexado com o tracrRNA como uma dupla cadeia de RNA, e este complexo é capaz de
alterar a conformação da endonuclease Cas9, levando à sua ativação. Após ativação, a Cas9 é
guiada pelo crRNA e tracrRNA até ao DNA alvo para efetuar a sua clivagem, sendo
necessário encontrar o PAM para que a clivagem ocorra. O PAM é uma sequência
reconhecida na forma de cadeia dupla pela Cas9, sendo uma das mais comuns para a Cas9 a
NGG, presente em Streptococcus pyogenes, sendo que N pode ser qualquer nucleótido e G é
o nucleótido guanina. O PAM é responsável pela distinção entre self e non-self, de modo a
que o sistema atinja apenas o que é reconhecido como invasor (non-self) e que evite atingir o
próprio organismo (self). Depois do PAM ser identificado e localizado, a Cas9 é, então,
responsável por quebrar a dupla cadeia de DNA, o que acontece graças à sua estrutura. A
Cas9 possui 2 lóbulos com diferentes funções, um de reconhecimento (Recognition Lobe)
(REC) e um de nuclease (Nuclease Lobe) (NUC). O REC é responsável pela interação entre o
crRNA e o DNA invasor, sendo que o REC, dependendo da conformação adquirida, interage
com o DNA de diferentes formas, o que demonstra que a Cas9 não possui especificidade
em relação ao direcionamento, daí a necessidade da presença do complexo
crRNA:tracrRNA. Já o NUC, que contém o local de reconhecimento do PAM, é responsável
pela clivagem da dupla cadeia de DNA, o que acontece graças aos dois domínios catalíticos
que apresenta, HNH e RuvC. O domínio HNH, cuja estrutura é mais simples, cliva a cadeia
de DNA complementar ao crRNA, enquanto que o domínio RuvC, estruturalmente mais
39
complexo, cliva a cadeia não complementar. Assim, ocorre uma rutura da dupla cadeia do
DNA alvo, 3 nt a montante do PAM, o que permite conferir imunidade à bactéria
hospedeira.11; 18; 29; 30
3.2. Ferramenta de Edição do Genoma
A descoberta do enorme potencial do sistema CRISPR como um mecanismo de
defesa adaptativo abriu portas para que os cientistas projetassem este sistema como uma
ferramenta para a edição do genoma.8; 18; 31
O Sistema CRISPR/Cas9 é o mais utilizado no laboratório, graças à simplicidade do
seu mecanismo, pois depende apenas de uma única endonuclease, a Cas9, para clivar com
precisão a cadeia dupla de DNA. Esta ferramenta é utilizada numa grande variedade de tipos
de células e alguns organismos multicelulares e, para facilitar todo o processo, os cientistas
projetaram um RNA quimérico que resulta da fusão do crRNA e do tracrRNA, o que
origina um único RNA guia (single guide RNA) (sgRNA), tornando todo o processo mais
cómodo. O design deste sgRNA revela ter, então, uma grande importância, no sentido em
que torna o processo mais simples, além de ter a função de guiar a nuclease até ao DNA
alvo.1; 8; 16; 32
A molécula de sgRNA é constituída por uma sequência guia de aproximadamente 20
nt na posição 5’ que se liga à sequência do DNA alvo, direcionando todo o sistema para o
local alvo, e por uma sequência complementar em gancho de cabelo que se liga à Cas9.
Através do complexo sgRNA:Cas9 é possível, então, direcionar a Cas9 para o local alvo,
sendo essencial o reconhecimento da sequência PAM para que haja emparelhamento da
sequência de sgRNA com o DNA alvo, na direção 3’-5’. O PAM leva a que a Cas9 sofra uma
mudança na sua conformação, que lhe permite não só desenrolar a cadeia de DNA, mas
também passar da ligação à clivagem, o que resulta na DSB do DNA invasor (Figura 2).
Assim sendo, é possível editar o genoma através de engenharia genética, pois ao alterar a
sequência de 20 nt na posição 5’ do sgRNA, que se irá ligar por complementaridade ao
DNA, é alterado o alvo, o que possibilita que qualquer sequência de DNA seja clivada pela
Cas9. É de realçar novamente que, para que esta clivagem ocorra, é necessária a presença da
sequência PAM no DNA alvo, uma vez que, na sua ausência, o DNA alvo não é reconhecido
pela Cas9, ainda que a sequência de sgRNA seja complementar na sua totalidade com a
sequência alvo. Assim, poderá ocorrer uma DSB por ação da Cas9, 3 nt a montante do PAM,
40
caso o sgRNA se ligue por complementaridade à sequência alvo, onde deverá encontrar-se o
PAM.29; 30
Após ser gerada uma DSB no local previamente definido, o processo de edição do
genoma passa pela reparação da mesma. A DSB é, então, corrigida por mecanismos de
reparação celulares, o que pode ocorrer através da NHEJ ou da HDR (Figura 2). 8; 18; 30; 32; 33; 34
O mecanismo de NHEJ consiste na união de fragmentos de DNA ao acaso, que se
ligam a ambas as extremidades da DSB no caso de se verificar alguma complementaridade,
sendo esta reparação efetuada pela maquinaria celular endógena, não necessitando de
nenhuma sequência molde corretiva de DNA. Apesar de este mecanismo ser o que ocorre
com maior frequência na correção da DSB executada pela Cas9, é mais propenso a erros,
pois induz mutações aleatórias. Estas mutações, que tanto podem ser inserções ou deleções
de nucleótidos no local da DSB, podem, por um lado, ser benéficas, coincidindo com o
objetivo final da edição genética, mas, por outro lado, podem levar a alterações na função do
gene, que se revelam difíceis de prever. 8; 11; 18; 32; 34 As mutações resultantes deste mecanismo
podem originar um codão stop prematuro e/ou um polipeptídeo não funcional, o que leva à
interrupção da transcrição e, consequentemente, à inativação do gene, o que pode ser útil
na clínica, uma vez que a disrupção do gene fornece uma oportunidade terapêutica.34
O mecanismo de HDR ocorre menos frequentemente, mas é o mecanismo
preferencial, uma vez que envolve o uso da região homóloga da cadeia de DNA não editada
como um modelo para corrigir o DNA danificado, resultando numa reparação sem erros.
Através deste mecanismo também pode ser utilizada uma sequência molde exógena
corretiva de DNA para proceder à reparação, de modo a facilitar a edição desejada no
genoma. A sequência molde de DNA é entregue com o sgRNA e com a Cas9 à célula, e é de
seguida integrada no local onde ocorreu o corte, sendo que daí podem resultar modificações
mais ou menos eficazes dependendo do tipo de célula, alvo e sequência molde. É importante
que na cadeia de DNA não esteja presente o PAM, uma vez que que a Cas9 poderia ligar-se
e clivar a sequência inserida. Assim, este mecanismo é mais rigoroso e menos propício a
erros, causando modificações mais precisas e específicas, sendo, por isso, bastante
interessante para fins terapêuticos.8; 11; 18; 32; 34
41
Figura 2. Edição do genoma mediada pelo Sistema CRISPR/Cas9 pelos mecanismos NHEJ e HDR
(Adaptado de Uddin, Ruddin e Sen)34
Inserções/Deleções
Aleatórias
Disrupção do gene
NHEJ HDR
DSB
Região Homóloga do DNA
Reparação
Recombinação
Homóloga
Reparação genética
42
3.3. Formulação – Entrega do Sistema CRISPR/Cas9 às células-alvo
Para que a edição de genes seja eficaz e segura é necessário que a entrega dos
componentes da formulação do Sistema CRISPR/Cas9 às células-alvo seja eficiente, de forma
a minimizar a ocorrência de efeitos off target e garantir que a célula ou tecido alvo foi
alcançada pelo sistema.34; 35 Desde cedo que várias abordagens, técnicas e métodos para a
entrega deste sistema às células-alvo têm sido analisados, constituindo um desafio constante
para a engenharia genética.11; 35
Os vetores virais constituem um método bastante utilizado e versátil para efetuar a
transferência do Sistema CRISPR/Cas9 para as células, tanto in vitro como in vivo.35 Ao
remover ou modificar a porção do genoma do vírus que lhe confere patogenicidade,
nomeadamente a replicação na célula hospedeira, é possível utilizar estes vetores virais para
efetuar a entrega dos componentes da formulação nas células alvo. Os vetores virais a que
mais se recorre são derivados dos lentivírus (LV), vírus adeno-associados (AAV) e
adenovírus (AV). Os LV são capazes de integrar o material genético exógeno na célula alvo,
possuindo uma grande capacidade de empacotamento, o que permite a transferência do
material de interesse em maior quantidade ou de maior dimensão, e são pouco
imunogénicos. No entanto, fazem esta integração de forma aleatória, o que constitui uma
desvantagem, no sentido em leva a inserções não desejadas, causando mutações. Os AAVs
apresentam imunogenicidade moderada e são capazes de infetar células que se encontrem
ou não em divisão, mas a sua capacidade de empacotamento é bastante limitada. A solução
passa por utilizar uma Cas9 de tamanho inferior, como a proveniente de Staphylococcus
aureus, que, apesar de ser mais pequena do que a Cas9 de Streptococcus pyogenes,
normalmente mais utilizada, é igualmente eficaz, ou pela utilização de AVVs duplos que
entregam separadamente o DNA e o sgRNA, mas a injeção de dois AAVs na célula alvo é
um desafio.35 O Sistema CRISPR/Cas9 pode ser empacotado como DNA do plasmídeo que
codifica os seus componentes, incluindo a Cas9 e o sgRNA, ou pode ser entregue como
mRNA de Cas9 e sgRNA.34 Os AAV permitem transportar o material exógeno até ao local
alvo, sendo a integração no genoma do hospedeiro muito rara de ocorrer, graças à sua
permanência na forma epissomal, o que representa uma vantagem.1; 15 Os Adenovírus, tal
como os AAV, são também vetores virais que raramente sofrem integração no genoma do
hospedeiro. Além disso, estes vetores virais apresentam boa capacidade de empacotamento.
No entanto, podem causar a destruição das células, pois induzem um aumento da resposta
imunitária da célula hospedeira. Os vetores virais apresentam-se, então, como um método
43
eficaz na transferência do Sistema CRISPR/Cas9 para as células-alvo, mas têm o potencial de
provocar respostas imunológicas e citotóxicas, e também efeitos off target.11; 34
A entrega do Sistema CRISPR/Cas9 pode também ser efetuada por métodos físicos,
que incluem microinjeção e eletroporação, sendo que tanto um como o outro apresentam
uma fraca eficácia de entrega em aplicações in vivo.35 A microinjeção é bastante utilizada na
projeção e manipulação de zigotos, sendo apenas adequada para entregas ex vivo. É uma
técnica invasiva, trabalhosa e morosa, o que a torna pouco viável, pois requer que cada
célula seja injetada individualmente. Além disso, existe a possibilidade de poderem ocorrer
danos na célula durante o processo.34 A eletroporação é bastante utlizada na entrega da
tecnologia para aplicações ex vivo, mas pode ser também utilizada in vivo para certos tecidos-
alvo. Apesar de possibilitar a edição simultânea de várias células e de ser menos invasiva,
requer um choque de alta voltagem para permeabilizar as células, o que pode ser tóxico e
pode levar à permeabilização permanente das células.7; 11; 34
A entrega do Sistema CRISPR/Cas9 recorrendo a plasmídeos consiste num método
relativamente simples e de fácil produção in vitro, no qual as células são transferidas com o
plasmídeo e os componentes do Sistema CRISPR/Cas9 para o local alvo por eletroporação,
sendo que esta técnica apenas pode ser administrada ex vivo em seres humanos. Esta
metodologia apresenta como desvantagens o facto de permitir a inserção aleatória do
plasmídeo, em parte ou no seu todo, no genoma da célula alvo, e também a ocorrência de
mutações off-target, que resultam da persistência do DNA do plasmídeo e dos seus
integrante na célula alvo.1; 11
A utilização de Ribonucleoproteínas (RNPs) na transferência do sistema CRISPR/Cas9
para as células-alvo representa uma abordagem alternativa vantajosa, pois reduz o potencial
off target, enquanto mantém a eficácia da edição do genoma, graças à sua expressão
transitória e rápida eliminação na célula.1; 11; 34
Vetores sintéticos não virais têm vindo a ser desenvolvidos, constituindo uma
alternativa favorável aos restantes métodos. Comparativamente aos vetores virais, os
sintéticos não permitem a integração do material genético exógeno no genoma do
hospedeiro, não são imunogénicos, há a possibilidade de ampliar a capacidade de
empacotamento caso esta seja insuficiente para incluir todos os constituintes da formulação,
e a produção em larga escala é relativamente fácil de executar. Contudo, estes vetores
caracterizam-se por uma entrega da formulação menos eficiente do que a apresentada pelos
vetores virais, razão pela qual estes continuam a ser os mais utilizados em grande parte dos
ensaios clínicos para edição do genoma. Os vetores sintéticos não virais efetuam a entrega
44
do sistema através de um transportador, que pode ser lipídico, inorgânico ou um polímero.5;
28
Uma vez selecionado o método de entrega da formulação às células alvo, a edição do
genoma pelo sistema CRISPR/Cas9 pode ocorrer ex vivo, onde as células são geneticamente
modificadas fora do paciente, em cultura, sendo posteriormente reintroduzidas no paciente,
ou in vivo, através da edição das células diretamente no paciente.33; 34
A edição ex vivo, comparativamente à edição in vivo, é mais viável, precisa e segura,
pois o paciente não é diretamente exposto à ferramenta de edição do genoma, e as células
modificadas são sujeitas a um controlo mais rigoroso antes de serem transplantadas para o
paciente.33; 34 Esta metodologia está limitada a hematopoietic stem and progenitor cells (HSPCs)
e células T, células capazes de sobreviver e de ser expandidas em cultura, pois na edição ex
vivo é essencial assegurar a sobrevivência e retenção da função in vivo das células fora do
paciente após a manipulação genética, a cultura extensa in vitro e o aumento de células
adequado para efetuar a sua reintrodução no paciente.34
A manipulação de células ex vivo com o Sistema CRISPR/Cas9 mostrou ter potencial
terapêutico para doenças hematológicas, como a anemia das células falciformes (sickle-cell
anemia) (SCD) e a β-talassémia, e para a imunoterapia do cancro. Porém muitos tecidos não
são adequados para este método, o que acaba por limitar a sua utilidade terapêutica para
outras doenças genéticas.34
A edição in vivo é, portanto, necessária para expandir a utilidade do sistema
CRISPR/Cas9 para tratar uma ampla gama de doenças genéticas, como a Distrofia Muscular
de Duchenne (DMD) e a Tirosinémia Hereditária. O sistema CRISPR/Cas9 pode ser
administrado in vivo sistemicamente através de injeções intravenosas, sendo introduzido na
corrente sanguínea através das artérias que levam ao tecido alvo, ou pode ser injetado
diretamente no tecido alvo.34
Porém, da entrega do sistema CRISPR/Cas9 in vivo pode resultar degradação por
proteases circulantes ou nucleases, e eliminação pelo sistema de fagócitos mononucleares
(MPS). Além disso, o sistema CRISPR/Cas9 deve atingir o tecido alvo e contornar o
endotélio vascular para chegar às células-alvo, mas muitas vezes os tecidos estão fortemente
conectados ao endotélio por junções célula-célula, o que impede o acesso a veículos de
entrega maiores. Quando o sistema CRISPR/Cas9 alcança as células-alvo, ele é internalizado,
o que geralmente é facilitado pela endocitose.34
45
4. APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS
O Sistema CRISPR/Cas9 é programável, o que significa que pode ser programado
para reconhecer e encontrar sequências de DNA alvo específicas, e efetuar uma quebra
nessas mesmas sequências. Assim, a tecnologia CRISPR pode ser programada para efetuar a
clivagem do DNA próximo ou no local correspondente a uma mutação, permitindo a edição
desse genoma.35
Uma vez que através desta tecnologia é possível editar qualquer tipo de célula, ficou
claro que o Sistema CRISPR/Cas9 é capaz de editar o genoma humano, destacando-se o seu
potencial para fins terapêuticos.36; 37 Ao longo dos últimos anos, o Sistema CRISPR/Cas9 tem
mostrado o seu enorme potencial na terapia génica, isto é, na introdução de genes funcionais
nas células alvo com a finalidade de tratar patologias causadas por mutações genéticas, sendo
possível aplicar esta tecnologia em células somáticas, células de órgãos e tecidos, e em
células da linha germinativa, as células que originam os óvulos e espermatozóides ou as
células de um embrião inicial. Assim, a terapia génica é atualmente permitida para as células
somáticas, enquanto que para as células da linha germinativa é altamente controversa, uma
vez que levanta muitas questões relativas à ética e à segurança.34 O Sistema CRISPR/Cas9
pode, portanto, ser utilizado como uma tecnologia terapêutica no tratamento de várias
patologias, incluindo doenças genéticas, infeções virais e cancro, sendo de salientar que
algumas destas terapias já alcançaram a fase de ensaios clínicos.30; 38; 39; 40
Doenças genéticas
O sistema CRISPR / Cas9 pode ser aplicado no tratamento de doenças genéticas,
pois é capaz de produzir alterações específicas no genoma, que permitem a correção das
mutações responsáveis pela doença, havendo vários ensaios clínicos a decorrer para algumas
destas patologias.
Uma dessas doenças é a Fibrose Cística, causada por uma mutação no gene CFTR
(Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Receptor), que é responsável por regular o
transporte epitelial de fluídos. Ao haver perda desta função, há acumulação de muco nos
tratos pulmonar e gastrointestinal, que causa dificuldade respiratória e várias infeções.
Graças ao Sistema CRISPR/Cas9, foi possível corrigir as mutações presentes em células
estaminais intestinais mutantes de pacientes com fibrose cística e restaurar a sua função in
vitro.28; 33 Já a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) caracteriza-se por uma mutação no
gene da distrofina. A distrofina codifica uma proteína que assegura a integridade das fibras
46
musculares, logo esta patologia manifesta-se por um enfraquecimento geral dos músculos
cardíaco, respiratório e esquelético, levando a uma morte prematura. As estratégias usadas
por parte do Sistema CRISPR/Cas9 para corrigir a mutação passam pela correção de
mutações pontuais, correção dos genes com o exão em falta, e restauração da estrutura de
leitura da DMD por exclusão dos exões mutados. A correção dos genes que apresentam o
exão 44 em falta foi feita por “exon knock-in”, tendo sido adicionado o exão 44 ausente. Para
recuperar a estrutura de leitura do gene da distrofina foram efetuadas deleções únicas e
múltiplas de exões, sendo que as deleções múltiplas permitiram excluir um conjunto de
exões responsáveis por uma grande parte das mutações que causam a doença.12; 13; 15; 28; 30; 33 É
ainda de referir a doença das células falciformes (Sickle Cell Disease) (SCD), ou anemia
falciforme, causada por uma mutação no gene da β-globina, que leva à expressão do gene
mutado da hemoglobina falciforme (HbS). O Sistema CRISPR/Cas9 é utilizado para reparar
as mutações no gene da β-globina em células estaminais hematopoiéticas do paciente in vitro,
que são depois novamente transplantadas para o paciente.8; 28
Infeções Virais
Por se tratar de um sistema de defesa imune adaptativo, o Sistema CRISPR/Cas9
demonstrou potencial no combate de infeções virais, através da interrupção dos mecanismos
de replicação viral, o que permite impedir a infeção pelo vírus e reparar a célula infetada.12
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)
O HIV é um vírus que ataca principalmente o sistema imunológico humano,
especialmente as células TCD4+, sendo que as infeções provocadas pelo HIV ao longo do
tempo levam ao Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA).23; 38; 39 O HIV-1 é o tipo
mais comum deste vírus, tendo maior capacidade de transmissão quando comparado com o
HIV-2.23 Quando ocorre a infeção, o vírus integra-se no genoma das células TCD4+ e, ao ser
transcrito, leva à expressão viral e propagação do vírus no organismo, bloqueando a
imunidade celular e humoral.23; 38
A infeção por HIV compreende uma fase de infeção ativa e uma fase de infeção
latente, sendo que, no hospedeiro infetado, há células com infeção ativa e células com
infeção latente ao mesmo tempo. Na fase ativa ocorre replicação ativa do vírus e infeção das
células, levando ao aparecimento de sintomas. Já na fase de latência não ocorre replicação
ativa do vírus, mas o genoma viral que se encontra integrado nas células hospedeiras não é
47
eliminado, o que significa que essas células, conhecidas como reservatório latente, podem
sofrer reativação, produzindo novas partículas virais.23 Esta fase de latência é a razão da
ineficácia do tratamento da infeção com anti-retrovirais, pois ainda que esta terapia iniba a
replicação do HIV-1, não tem nenhum efeito na infeção latente, logo o genoma viral
existente nas células hospedeiras pode ser reativado. Assim, a terapia com anti-retrovirais
contribui apenas para aumentar a expectativa de vida dos pacientes infetados com HIV, daí o
interesse de explorar novas abordagens mais eficazes para tratar o HIV.23; 38; 39
Para combater a infeção latente existem duas estratégias que utilizam a tecnologia
CRISPR/Cas9, constituindo uma nova abordagem terapêutica para o tratamento da infeção
por HIV.12; 23 Uma das formas de combater a infeção é através da projeção de um sistema
CRISPR/Cas9 capaz de atingir as Long Terminal Repeats (LTRs), responsáveis por regular o
gene do HIV, e localizadas no genoma do HIV, que é integrado nas células T CD4+.23 O
sistema CRISPR/Cas9 é capaz de remover partes do genoma do HIV integrado nas células
hospedeiras, o que permite reduzir a produção do vírus e eliminar o que se encontrava em
fase de latência, sendo possível, desta forma, eliminar completamente o HIV-1 do genoma
das células infetadas do hospedeiro.38; 39 Além disso, alguns estudos efetuados demonstraram
que o sistema CRISPR/Cas9 também poderia ser útil na imunização contra a infeção por
HIV. De facto, ao integrar este sistema no genoma de células T, e após estas serem infetadas
pelo HIV, verificou-se que a expressão viral nestas células era inferior relativamente a células
não manipuladas. Além disso, este sistema foi também integrado em human pluripotent stem
cells (hPSC) que foram diferenciadas em macrófagos, sendo que, após serem infetadas pelo
HIV, essas células mostraram-se significativamente resistentes ao vírus e a futuras infeções
pelo mesmo.23
Uma outra abordagem consiste em direcionar o Sistema CRISPR/Cas9 para os co-
receptores, que são essenciais para a entrada do HIV nas células. O C‐C chemokine receptor
type‐5 (CCR5) é o co-receptor mais importante e, ao atingi-lo com o sistema CRISPR/Cas9,
verifica-se resistência das células T CD4+ ao vírus. Vários estudos realizados demonstraram
que podem ser geradas células resistentes ao HIV através da ablação do gene CCR5 ex vivo
de células T e CD34+ hematopoietic stem and progenitor cells (HSPCs).12; 38
Vírus da Hepatite B (HBV)
O HBV é o agente patogénico mais importante da doença hepática, possuindo um
Covalently Closed Circular DNA (cccDNA) muito estavél, que é responsável pela replicação do
48
vírus. Ao direcionar o Sistema CRISPR/Cas9 para o locus do genoma do HBV, verifica-se uma
diminuição significativa do nível de cccDNA, sendo possível inibir a infeção crónica pelo
HBV.11; 28
Papilomavírus Humano (HPV)
O HPV é um vírus de DNA cíclico de fita dupla, cujos genes E6 e E7, localizados nas
regiões iniciais do HPV16, são carcinogénicos. Foi descoberto que a ocorrência de cancro
do colo do útero, o segundo tumor maligno ginecológico mais comum, está relacionada com
a infeção por HPV. O sistema CRISPR/Cas9 pode ser direcionado para os genes E6 e E7 de
forma a bloquear a expressão das proteínas E6 e E7, o que permite aumentar a apoptose de
células tumorais e suprimir o crescimento do tumor subcutâneo em estudos in vivo. Esta
edição com o sistema CRISPR/Cas9 permitiu ainda bloquear a proliferação do HPV e a
eliminação do vírus.11; 38
Cancro
O cancro é uma doença complexa, heterogênea e dinâmica, sendo atualmente a
segunda maior causa de morte no mundo.11; 38 No genoma do cancro são acumuladas
mutações genéticas que podem ativar proto-oncogenes, inativar supressores de tumor e
produzir resistência a fármacos.38
O sistema CRISPR/Cas9 tem sido aplicado na manipulação do genoma e epigenoma
do cancro de forma a corrigir as mutações oncogénicas, na imunoterapia do cancro, e na
eliminação ou inativação de infeções virais carcinogénicas.12; 38 A correção das mutações
oncogénicas do genoma e epigenoma permite inibir o crescimento das células tumorais e
promover a apoptose celular, inibindo assim o crescimento tumoral. A aplicação da
tecnologia CRISPR/Cas9 na imunoterapia do cancro passa pela engenharia de células CAR-T
(Chimeric Antigen Receptor-T). As células CAR-T são células T geneticamente modificadas para
expressar recetores de antigénios quiméricos (CARs) capazes de identificar antigénios
específicos das células cancerígenas.11 Na terapia com células CAR-T, as células T extraídas
do paciente são geneticamente modificadas para expressar os recetores que visam antígenos
especialmente expressos em células cancerígenas, sendo depois transferidas de volta para o
paciente. No entanto, a terapia com células CAR-T é complexa, demorada e cara, daí a
utilização do sistema CRISPR/Cas9 para melhorar a função das células CAR-T, através da
interrupção dos genes que codificam os recetores inibidores das células T e da introdução
da sequência CAR.12; 38
49
5. ÉTICA
O Sistema CRISPR/Cas9 é uma tecnologia revolucionária de edição de genes que tem
vindo a ser muito utilizada em diversas pesquisas nos últimos anos. Através da inserção,
exclusão ou silenciamento de determinados genes, esta tecnologia permite a correção
permanente de mutações genéticas de forma simples e precisa, tendo, por isso, um enorme
potencial no desenvolvimento terapêutico.41
A edição do genoma é permitida no caso das células somáticas, isto é, células em que
não ocorre transmissão hereditária, pois as alterações efetuadas afetam apenas o indivíduo
que participou na terapia, portanto qualquer potencial risco que daí possa advir é contido
dentro desse indivíduo. Já a edição do genoma das células da linha germinativa é bastante
controversa, uma vez que remove a autonomia no processo de tomada de decisão dos
indivíduos nascidos posteriormente, além de permitir que efeitos colaterais imprevisíveis e
permanentes sejam transmitidos às gerações futuras.34 Este tema tem vindo a gerar
controvérsia e a ser alvo de grande preocupação e, globalmente, vários cientistas discutiram
questões éticas e regulatórias, acabando por concordar que os ensaios que envolvem a
edição de genes podem prosseguir desde que desses ensaios não resulte nenhum bebé.42
No entanto, recentemente, em novembro de 2018, o cientista chinês, Dr. He Jiankui
anunciou o nascimento das gémeas Lulu e Nana, os primeiros bebés produzidos através da
edição genética da linha germinativa.43; 44 Através de um ensaio realizado em embriões
humanos, o sistema CRISPR/Cas9 modificou o seu genoma antes da sua transferência para o
útero, com o objetivo de prevenir a transmissão de uma infeção por HIV do lado paterno.44;
45 Neste estudo, o gene do co-recetor CCR5 de embriões humanos foi geneticamente
modificado de forma a impedir que o HIV entre nas células, através da mutação CCR5Δ32
que bloqueia essa entrada, conferindo resistência ao vírus.34; 43 Contudo, alguns estudos
mostraram que o mecanismo de infeção do HIV, que é altamente mutável, pode depender
do co-recetor CXCR4, o que sugere que a edição do gene CCR5 não impede a infeção.34; 43
Além disso, não se sabe se a modificação no gene CCR5 será benéfica para os bebés, nem os
riscos que esta alteração no genoma poderá trazer futuramente para a sua saúde, sendo que
o surgimento de possíveis efeitos off target ao longo da sua vida constitui uma grande
preocupação.34; 43 Verificou-se que apenas um dos embriões, Nana, teve edições bem-
sucedidas em ambas as cópias do gene, enquanto Lulu teve a edição bem-sucedida em apenas
uma das cópias, o que se traduz numa resistência ao HIV questionável em Nana, e
inexistente em Lulu.34 Outra das questões que se coloca é a escolha de recorrer pela
50
primeira vez à utilização desta tecnologia em embriões humanos na prevenção da infeção
por HIV, tendo em conta que os pacientes portadores do vírus podem viver, sob regime
medicamentoso, de forma saudável, portanto teria sido mais conveniente aplicar o Sistema
CRISPR/Cas9 em doenças mais graves.34
Atualmente ainda não somos capazes de compreender os efeitos a longo prazo que
poderão advir das alterações efetuadas no genoma, assim como também ainda não sabemos
como lidar com os impactos adversos que poderão ser gerados por essas modificações
genéticas.35 Assim, a edição de genes da linha germinativa é atualmente muito controversa,
pois as alterações efetuadas no genoma destas células são imprevisíveis e os benefícios que
poderão advir destas modificações são difíceis de prever, além de sujeitarem as suas
gerações futuras a riscos desconhecidos e incontroláveis.43
6. CONCLUSÃO
O Sistema CRISPR/Cas9, um sistema de imunidade adaptativo que surgiu com o
estudo de como uma bactéria combate uma infeção viral, rapidamente se tornou numa
tecnologia de edição do genoma que tem vindo continuamente a revolucionar investigações
nas mais diversas áreas, ao tornar possível a alteração de sequências de DNA de forma
precisa em qualquer célula e organismo, destacando-se a sua aplicação no tratamento de
diversas patologias. De facto, as várias investigações que têm sido levadas a cabo ao longo
dos últimos anos comprovam a utilidade e potencial desta tecnologia na área da saúde,
embora ainda existam muitos desafios pela frente que têm de ser superados para que esta
metodologia seja considerada eficaz e segura quando aplicada na terapia genética.
A entrega do sistema CRISPR/Cas9 às células continua a ser um desafio, sendo
necessário desenvolver formas mais eficazes e seguras de o fazer, uma vez que o sucesso da
entrega desta tecnologia às células irá permitir que a edição do genoma seja realizada de
forma mais eficiente, precisa e segura para um maior leque de patologias. Também o
surgimento de mutações off target é uma questão essencial a resolver, uma vez que assegurar
a eficácia e a segurança é fundamental para aprimorar e fazer progredir esta tecnologia de
forma a ser aplicada em maior escala.
Desde sempre que a engenharia genética foi acompanhada por alguma controvérsia,
uma vez que permite manipular o genoma, sendo muitas das vezes desconhecidas as
consequências dessa manipulação. O sistema CRISPR/Cas 9 não é exceção, sendo a edição
51
do genoma humano com esta tecnologia atualmente muito debatida. As questões éticas são
uma das principais preocupações da comunidade científica, já que, além das células somáticas,
também as células da linha germinativa podem ser editadas com esta ferramenta, o que
significa que podem ser introduzidas alterações genéticas irreversíveis e impossíveis de
prever a longo prazo, e que irão ser transmitidas às gerações futuras. Assim, é essencial
seguir um caminho prudente na forma como o Sistema CRISPR/Cas9 é aplicado, para que
este, que tem vindo a mostrar o seu enorme potencial no tratamento de muitas doenças,
possa vir a ser aplicado futuramente em larga escala.
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