XXX SEMANA DE HISTRIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
AS FACES DE CLIO E OS DESAFIOS DA
HISTRIA
18 A 22 DE NOVEMBRO DE 2013 UFJF
ANAIS DO EVENTO
Aline Abranches
lvaro Saluan
Arthur Lanzoni
Diego Rodolfo
Eduardo Barbosa
Fbio Duque
Gabriela Fazolato
Iano Oliveira
Inaj Reis
Jeniffer Azevedo
Joo Victor
Mariana Oliveira
Mariane Alves
Paloma Silva
Rafael Dias
Renato Ulha
Samara Vitral
Vitria Bergo
(Organizadores)
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ISSN: 2317-0468
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XXX SEMANA DE HISTRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
JUIZ DE FORA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA UFJF
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS ICH
CENTRO ACADMICO DE HISTRIA GESTO
MovimentAo
Ficha Tcnica
Anais da XXX Semana de Histria da Universidade Federal de Juiz de Fora. As Faces de Clio e os Desafios da Histria.. Juiz de Fora, 2014. ISSN: 2317-0468. 448 p. 1. Teoria 2. Histria da Historiografia 3. Metodologia Comisso Organizadora: Aline Abranches lvaro Saluan Arthur Lanzoni Diego Rodolfo Eduardo Barbosa Fbio Duque Gabriela Fazolato Iano Oliveira Inaj Reis Jeniffer Azevedo Joo Victor Mariana Oliveira Mariane Alves Paloma Silva Rafael Dias Renato Ulha Samara Vitral Vitria Bergo
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Sumrio
TEXTO ESPECIAL: .............................................................................................................. 6
O Apelo Integralista do ps-guerra unio de uma liga pan-latina. Nuno Simo
Ferreira ................................................................................................................................ 6
SIMPSIOS TEMTICOS: .............................................................................................. 18
01. A Monarquia Pluricontinental Portuguesa: Elites, prticas sociais e
economia. Sculos XVI XVIII. ........................................................................... 18
Refletindo sobre relaes de poder em uma sociedade sertaneja: o termo de
Pitangui-MG na primeira metade do sculo XVIII. Izabella Ftima Oliveira de
Sales .................................................................................................................................. 18
Os Juzes Ordinrios de Vila do Carmo: perfil e atuao. Mariane Alves Simes 34
02. Cinema, Histria e Poltica. .................................................................................... 46
Germinal: cinema como fonte documental. Dirceu Ferreira Barbuto ...................... 46
03. Cultura Associativa e a Formao do Espao Pblico no Brasil, sculo XIX
e XX: Problemas, desafios e abordagens. ..................................................... 62
A formao, legitimao e ao do Sindicato dos Metalrgicos de Juiz de Fora/MG
na primeira metade do sculo XX. Luisa de Mello Correard Pereira ....................... 62
Troca de saberes nas associaes de artesos do Vale do Jequitinhonha Minas
Gerais. Juliana Pereira Ramalho. .................................................................................. 73
Revisando a esfera pblica: Uma proposta de pesquisa a partir da histria
conceitual. Renato de Ulha Canto Reis ...................................................................... 83
Opinio e espao pblico na Frana e no Brasil: um estudo comparativo. Dievani
Lopes Vital ....................................................................................................................... 97
04. Direita, Autoritarismo e Memria. .................................................................... 111
Construo de identidades a partir da luta pela Anistia: testemunhos e histria oral.
Esther Itaborahy Costa .................................................................................................. 111
24 de agosto de 1954: A morte de Getlio Vargas e a sua repercusso na mdia
jornalstica. Geovane Batista Costa. ........................................................................... 124
Nazismo em Juiz de Fora na dcada de 30 e 40. Roberto Gouva ......................... 139
A formao da intelectualidade antiliberal na segunda dcada da Primeira
Repblica. Allony Rezende de Carvalho Macedo .................................................... 149
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A batalha da Praa da S: o Brasil em verde e vermelho. Vincius da Silva Ramos
........................................................................................................................................... 164
O Golpe civil-militar de 1964 e a imprensa juizforana: uma anlise do Dirio
Mercantil e do Dirio da Tarde. Carolina Martins Saporetti ............................. 180
Ao Integralista Brasileira: um partido revolucionrio militarizado de direita no
Brasil entreguerras. Pedro Ivo Dias Tanagino ........................................................... 191
O Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial: uma anlise da conjuntura poltica
interna e externa. Wesley Venncio ............................................................................ 204
05. O Catolicismo em Minas Gerais: Novas Perspectivas sobre a Histria da
Igreja. ........................................................................................................................ 219
O morrer na Juiz de Fora oitocentista. Leandro Gracioso de Almeida e Silva ..... 219
06. Por uma Historia Social da Poltica. .................................................................. 227
Perfil da diplomacia portuguesa na virada do sculo XVIII para o XIX. Debora
Cristina Alexandre Bastos e Monteiro de Carvalho ................................................. 227
Da Igreja Constituinte: a religio e a formao da estrutura poltica do Brasil
Imperial. Eliene da Silva Nogueira ............................................................................. 238
Phenix dramtica, o teatro da moda. Raquel Barroso Silva .................................... 250
07. Possibilidades de pesquisa em fontes manuscritas: o documento histrico
como testemunha do passado. .............................................................................. 264
Os registros de batismo e as redes de parentesco espiritual dos livres de cor para
So Joo del-Rei (1790-1799). Sirleia Maria Arantes .............................................. 264
A Histria contada e escrita por quem vive a histria. Claudia Carvalho Gaspar
Cimino ............................................................................................................................ 275
Justificaes: um olhar sobre o cotidiano. Edriana Aparecida Nolasco ................ 284
08. Trajetrias e Instituies Polticas no Brasil Republicano (1889-1845). ... 300
Estratgias e articulaes do Partido Comunista Brasileiro/PCB com o movimento
operrio em Minas Gerais (1955-1970). Camila Gonalves Figueiredo ................ 300
A Comisso de Verificao de Poderes no Parlamento Brasileiro (1898-1930).
Vtor Fonseca Figueiredo ............................................................................................. 310
O passado como narrativa: anos 1930, no Rio Grande do Norte, Histria de uma
campanha. Helicarla Morais ........................................................................................ 321
A relao do empresariado com o Estado no contexto do Estado Novo brasileiro e
portugus 1930-1945. Priscila Musquim Alcntara de Oliveira ........................... 339
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COMUNICAO LIVRE: ............................................................................................... 348
Um mestre da arte da gravura: Adalberto Pinto de Mattos. Joo Victor Rosseti
Brancato .......................................................................................................................... 348
Ms notcias: uma pintura de gnero de Rodolfo Amodo em meio s mudanas do
final do sculo XIX. Amanda Tostes Capichoni ....................................................... 363
Representaes de poder no Imprio: analisando o trono de D. Pedro II. Brbara
Ferreira Fernandes e Vanessa Luiz de Oliveira ......................................................... 376
A arte funerria no Museu Mariano Procpio: uma discusso acerca da tradio
arqueolgica Marajoara. Bruno Rezende Guedes ..................................................... 391
Iconografia de Nossa Senhora do Rosrio da cidade de Rio Pomba. Jayne de
Ftima Costa Santos ...................................................................................................... 405
Narrativa teratolgica: implicaes de O Narrador de Benjamin sobre o
Imaginrio Fantstico. Guilherme Jacinto Schneider ............................................... 417
Economia do dom: ddivas, reciprocidades e trocas. Fabiano Gomes da Silva ... 429
Imposto nico sobre transaes: a proposta da FIEMG. Maedison de Souza ....... 438
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TEXTO ESPECIAL
O apelo integralista do ps-guerra unio de uma liga pan-latina.
Nuno Simo Ferreira
Resumo:
Os acontecimentos da segunda metade de 1921 comearam a modificar
sensivelmente a situao. Com a crescente atividade dos republicanos radicais, a
provncia conservadora despertava e a Causa Monrquica via crescer as suas fileiras.
Dado o novo alento que soava, no mnimo, uma aparncia de crescimento, o
Integralismo Lusitano chegou a propor, atravs de um documento emanado pela sua
Junta Central, em 1 de Setembro de 1921, a unio dos povos latinos no combate a travar
contra o demoliberalismo republicano, a maonaria, o internacionalismo e o
cosmopolitismo.
Estes intentos ambicionados seriam conseguidos atravs do ressurgimento da
glria romana, da implantao da monarquia tradicionalista, orgnica e corporativa.
Palavras-Chave: Integralismo Lusitano, Monarquia e Unio dos Povos Latinos ou Pan-
Latinismo.
Abstract
The events of the second half of 1921 the situation began to change
dramatically. With the increasing activity of the radical republicans, the conservative
province awoke and saw Royalist Cause grow their ranks.
Given the new breath that sounded at least a semblance of growth Integralismo
Lusitano arrived to propose, through a document, issued by a Central Board in
September 1, 1921, the union of the Latin peoples to wage the fight against
demoliberalism republican, freemasonry, internationalism and cosmopolitanism.
These coveted attempts would be achieved through the resurgence of Roman
glory, the deployment of traditionalist, organic and corporate monarchy.
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Key-words: Integralismo Lusitano, Monarchy and Union of Latin Peoples or Pan-
Latinism.
1. PORTUGAL E O PS-GUERRA
A guerra produzira um novo contexto internacional, cujos reflexos no podiam
deixar de se fazer sentir em Portugal. A entrada de Portugal na guerra deu o sinal para
um novo perodo de agitao social, que duraria at ao fim da Repblica.
As consequncias do envolvimento de Portugal na guerra reflectiram-se
rapidamente na vida interna do pas com a escassez de gneros de primeira necessidade
e de at de segunda necessidade, ocasionando o aparecimento de fome entre as classes
urbanas menos favorecidas; o crescimento do nmero de contingentes militares que
partiam para a frente de combate e o elevado nmero de baixas, geraram rapidamente o
descontentamento entre o povo que era, no fundo, quem sustentava o esforo de guerra
portugus; a intensificao da agitao social, nos ltimos meses de 1917, obrigando o
governo a adoptar medidas severas que aumentaram a sua impopularidade.
Relativamente poltica interna, o governo republicano, embora prestigiado no
seio dos aliados, era contestado em Portugal, enquanto que as divises no seio dos
republicanos se acentuavam. As foras conservadoras (alguns republicanos, catlicos e
monrquicos) aproveitaram o descontentamento geral e afastaram revolucionariamente
os Democrticos do poder. Iniciava-se, ento, o perodo sidonista ou da Repblica
Nova.
Quanto poltica externa, destaca-se o triunfo da revoluo russa em 1917, que
provocou uma vaga revolucionria, sucedendo-se tentativas de tomadas de poder por
parte dos partidos operrios. Os regimes demoliberais revelavam-se excessivamente
vulnerveis, criando por isso condies para a emergncia de movimentos apostados na
construo de uma ordem forte e autoritria.
Monsaraz considerava que o Comunismo poderia espreitar no horizonte,
enquanto a crise econmica, financeira e social grassava por toda a Europa, com a
inflao disparada, o desemprego a subir, a violncia e a agitao incontrolveis.
De facto, capitalistas e vastos sectores da direita conservadora, assustados pelo
exemplo da Revoluo Russa, receavam que Portugal pudesse enveredar tambm por
um processo revolucionrio. Por isso, no s foram estimular a formao de grupos
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armados de direita como procuraram o apoio dos militares com vista formao de um
governo forte que defendesse melhor os seus interesses.
Portugal, pas de economia dependente e atrasada, sofreu ainda mais os efeitos
da crise internacional. Todavia, a participao na guerra assegurou a preservao do
Imprio colonial, alargado com a restituio de Quionga (pequeno territrio que a
Alemanha ocupava desde 1894), e era agora restituda por deciso do Conselho
Supremo das Naes Aliadas, de 25 de Setembro de 1919, e o aniquilamento das
pretenses, tanto da frica do Sul, bem como dos demais pases relativamente s
colnias portuguesas.
Apesar deste aparente cenrio de descompresso internacional volta dos
territrios portugueses, mais uma vez Monsaraz hasteava a bandeira da inquietao e do
temor contra uma possvel investida imperialista espanhola:
() Receio imenso a interveno estrangeira. No concordo contigo
sobre intimidades polticas e morais com a Espanha. O Leo de Castela o
inimigo tradicional do nosso Pelicano, smbolo da grei. Uma vez fortalecidos
internamente, poderemos viver ao lado uns dos outros, como vizinhos que se
consideram e respeitam.
Por agora no, no e no! A ameaa da conquista paira sobre ns. Castela
esboa uma poltica evidente de avante-guerra e o pior que a Inglaterra no
se ope. Lembra-te que a nossa obra uma obra nacional e a primeira
condio do nosso nacionalismo o dio Espanha, a melhor virtude que
nos legaram os nossos avs mortos em Aljubarrota e Montes-Claros. Fecha
os olhos e vive os melhores sculos da nossa Histria. Por fim concordars
que tenho razo 1 (MONSARAZ, Alberto de, 1919).
Monsaraz entendia que, uma vez a Monarquia restaurada e Portugal fortalecido,
a geo-estratgia da sua poltica externa seria impulsionada pela atlantizao, procurando
buscar apoios relevantes em territrios extra-Pennsula Ibrica e at Europa, de forma a
colmatar a exiguidade continental dos recursos lusos.
Depois de restaurada a ptria, no Brasil que a Ptria dever
procurar o seu natural ponto de apoio contra a ganncia multi-secular dos
vizinhos e dos aliados. Seria a maneira de sarmos da rbita diplomtica da
1 Esplio Antnio Sardinha (EAS), Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 78,
Hospital de So Jos, Lisboa, 16 de Agosto de 1919.
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Inglaterra sem carmos na da Espanha, ainda mais trabalhosa e humilhante
para ns2. (MONSARAZ, Alberto de, 1919).
Apesar de Afonso Costa, que chefiara a segunda delegao lusa ao Tratado de
Paz, ter conseguido obter dos Aliados a concordncia para o pagamento por parte da
Alemanha de reparaes de guerra, numa percentagem aprecivel, esse pagamento foi
sempre protelado. O descalabro econmico facilitou manobras do capital financeiro,
num pas em que a circulao fiduciria aumentava a todo o momento e a dvida
flutuante triplicara depois da guerra. Principal vtima da inflaco era a classe mdia,
em que o regime republicano se apoiara. O poder de compra do funcionalismo pblico
baixara consideravelmente, em consequncia das crnicas dificuldades oramentais,
agravadas entretanto com as despesas da guerra. As reivindicaes salariais dos
sindicatos contriburam, por seu lado, para a espiral dos preos num ciclo imparvel. Eis
o testemunho de Alberto de Monsaraz:
O atual momento poltico de sobressaltos e de angstia. Samos da
guerra vitoriosos, certo, mas tristes e prostrados, com a conscincia do
dever patritico rigorosamente cumprido at ao fim, reconfortados sob o
ponto de vista moral, mas sob o aspecto material, o aspecto econmico e
financeiro, mais pobres do que dantes. Seria necessrio trabalhar muito,
trabalhar constantemente, numa faina incansvel, dia a dia, para ganharmos
de novo, com o suor do nosso rosto, pelo esforo prprio que nobilita e
engrandece, aquela gloriosa situao entre os povos da terra, que j tivemos e
deixmos perder. No parece compreend-lo assim o operariado portugus.
Em pas nenhum do mundo o esprito sectrio, anti-patritico e anti-nacional,
est mais fundamente radicado na alma das massas proletrias3. (Conde de
Monsaraz, 1919: 1).
Monsaraz esteve completamente ausente da actividade e propaganda polticas
ativas devido a estar h nove meses hospitalizado. Mas no deixava de advertir que, em
caso de
2 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 78, Hospital de So Jos, 16 de
Agosto de 1919. 3 Conde de Monsaraz, Na hora incerta, in A Monarquia, Ano III, N. 572, 11 de Outubro de 1919, p.
1.
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() desnorteamento e os maus conselhos, () conduzirem os
operrios portugueses a uma tentativa hedionda de subverso nacional e
social, pode contar o governo desta terra com o nosso esforo patritico, com
aquele esprito de sacrifcio que j tantas vezes temos revelado na defesa dos
nossos ideais, para que todos juntos, monrquicos e republicanos, possamos
proteger a Ptria contra os sem Ptria e a civilizao latina contra os novos
bbaros que a ameaam4. (Conde de Monsaraz, 1919: 1).
O governo revelava-se incapaz de travar o aumento dos preos dos produtos de
primeira necessidade e de evitar a deteriorao das condies de sobrevivncia. O
operariado agitava-se e os movimentos grevistas, determinados quase exclusivamente
pela necessidade de elevar os vencimentos, agravavam a instabilidade poltica. As
greves sucediam-se, e nos perodos mais difceis, desencadeando mesmos confrontos
violentos e assaltos colectivos a lojas e a armazns de produtos de primeira necessidade.
Alguns grupos sobretudo anarquistas recorriam frequentemente a atentados que
lanavam o pnico na populao.
, ainda, oportuno acrescentar que a vaga de reivindicaes que se vinham
assistindo, juntamente com a atitude benvola do Estado no ps-guerra, fez com que
vrios patres sentissem a necessidade de se organizarem para melhor lhes resistir. Um
dos maiores estmulos neste processo foi a aprovao da lei das 8 horas de trabalho em
1919, que estaria na origem dos primeiros confrontos de envergadura. O resultado
imediato da reaco patronal, ainda que meramente defensiva, foi o nascimento da
Confederao Patronal em Novembro de 1919, como uma tentativa de organizao
nacional e geral do patronato. A Confederao patronal estava claramente orientada
contra o movimento operrio.
Nestas condies, no se estranhar que se comeasse a assistir a um progressivo
fraccionamento no campo dos defensores de um regime demoliberal e ao reforo dos
extremos do leque poltico, de um lado, o movimento anarco-sindicalista e a
Confederao Geral do Trabalho, formada em 1919 e do outro, os catlicos
conservadores do Centro Catlico e os monrquicos do Integralismo Lusitano. Alberto
de Monsaraz deixa-nos entrever na correspondncia com Antnio Sardinha, que tinha
esperana de vir a influenciar decisivamente os ventos que sopravam conturbadamente,
() creio bem que o operariado portugus, desiludido da questo revolucionria, vir
4 Idem, Na hora incerta, Ibidem, p. 1.
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francamente colocar-se ao nosso lado. s possvel que triunfemos muito mais
depressa do que seria para supor e at mesmo para desejar5. (MONSARAZ, Alberto
de, 1920).
2. O APELO INTEGRALISTA DO PS-GUERRA UNIO DE UMA
LIGA PAN-LATINA
O ano decisivo de 1921
Foi aps a 1. Guerra Mundial que o Integralismo Lusitano publicou as suas
instrues de organizao, definindo-se como () o sistema de princpios filosfico-
polticos que se destinam a restaurar a Nao Portuguesa pela autoridade do Rei e pela
interveno nos rgos do Estado dos legtimos representantes dos Municpios, das
Provncias, e das corporaes da Inteligncia e do Trabalho 6 (A Monarquia, 1921) e,
como expresso perfeita das aspiraes nacionais, se considerava () nacionalista por
princpio, sindicalista (corporativista) por meio, monrquico por concluso 7 (A
Monarquia, 1921). A sua meta seria, em nome do interesse nacional, proclamar a defesa
da legitimidade histrica das instituies monrquicas e Rei legtimo e contra as
fices liberalistas, pugnar pela monarquia orgnica, anti-parlamentar, e
descentralizada8 (A Monarquia, 1921). Na sua actuao, o Integralismo Lusitano
rejeitava liminarmente a designao de partido, prpria das faces republicanas:
no um novo partido que se prepara para assumir poder, pelo
contrrio, uma corrente de opinio que procura libertar a Nao das
clientelas partidrias, entregando a defesa dos diversos interesses aos seus
rgos prprios: a Junta de freguesia, a Cmara Municipal, a Junta (ou
assembleia provincial), a Assembleia Nacional (Cortes), na ordem
administrativa; o Sindicato patronal, o Sindicato misto, as unies locais e
regionais de sindicatos, as federaes nacionais de Sindicatos de produo,
na ordem econmica; as escolas, a igreja, as associaes profissionais, os
institutos cientficos, na ordem espiritual9. (A Monarquia, 1921)
5 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta n. 149, Carta n. 86, Victoria Palace-Hotel, Paris, 24 de Agosto de 1920.
6 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in A Monarquia, Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921. 7 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in A Monarquia,
Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921. 8 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, Ibidem.
9 Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, Ibidem.
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Para o projecto de organizao da Nao procurou dotar-se o Integralismo
Lusitano de organizao prpria, com uma Junta Central, juntas provinciais, juntas
municipais, ncleos paroquiais, juntas escolares, conselhos tcnicos centrais, conselhos
tcnicos provinciais e sindicatos profissionais10
.
O Integralismo Lusitano publicou tambm, em 1921, A Questo Dinstica/
Documentos para a Histria11
(A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/
Mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, 1921),
pretendendo elaborar uma sntese elucidativa e documentada das vrias diligncias que
a Junta Central encetara, aps as intentonas monrquicas de 1919, primeiro para com D.
Manuel II, culminando com a desvinculao poltica dos integralistas ao Rei exilado e,
logo a seguir, a abordagem do perodo de interregno, que durou cerca de dois anos de
negociaes travadas entre integralistas, legitimistas e miguelistas, culminando na
divulgao da proclamao de princpios, emanada por D. Aldegundes, que em nome do
Prncipe Real estabeleceu os fundamentos da Monarquia nova.
As eleies de Julho de 1921, em que os monrquicos participaram, foram uma
decepo. Apesar de todos os esforos desenvolvidos e da vitria conservadora nestas
eleies, os monrquicos s conseguiram eleger quatro deputados, o que era
manifestamente frustrante para quem teve 37 deputados no sidonismo.
As eleies provaram que a principal fora mobilizadora dos monrquicos
estava na provncia e no Norte, em que predominavam importantes sectores do
campesinato, classe que, no entanto, no pesava muito nas eleies. Em Lisboa, s as
juventudes monrquicas se revelavam activas, e, apesar dos avultados fundos sua
disposio, a sua fora era reduzida.
O Partido Democrtico, juntamente com a sua mquina eleitoral bem organizada
e com o seu leal ncleo de burocratas, perdia as eleies, numa poca em que estas
estavam cada vez mais desacreditadas. Em vez de darem ao eleitorado, j por si restrito,
10
A organizao integralista seguia o modelo das ligas do perodo precedente da I Guerra Mundial, com
uma direco inamovvel e um conjunto de organismos locais e provinciais sob o estrito controlo da
direco e sem mecanismos electivos. de realar que os dirigentes da primeira gerao integralista
nunca esconderam a desconfiana perante as massas e o populismo e, por isso, no cederam em termos
organizativos s presses fascizantes de alguns sectores mais jovens dos anos 20. 11
A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/ Mandados coligir e publicar pela Junta Central do
Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Indstrias Grficas, 1921.
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a oportunidade de escolher entre os diversos grupos polticos, a maioria das eleies
servia apenas para consolidar o poder do partido que j o tinha, tendncia que se tornou
prtica comum com o rotativismo partidrio na monarquia constitucional e liberal.
Os acontecimentos da segunda metade de 1921 comearam a modificar
sensivelmente a situao. Com a crescente atividade dos republicanos radicais, a
provncia conservadora despertava e a Causa Monrquica via crescer as suas fileiras. O
mau ano agrcola de 1921 e a crise mais geral s viriam contribuir para acentuar ainda
mais a tendncia.
A to esperada amnistia de 1921, que se devera principalmente tctica
adoptada por D. Manuel II, veio permitir que Alberto de Monsaraz e outros dirigentes
integralistas, ainda no exlio, voltassem a Portugal. A organizao integralista, que j
conseguira refazer no essencial a sua rede de 1917, surgia como uma das maiores foras
conservadoras, com ramificaes em praticamente todos os sectores do exrcito, nos
jornais e nas organizaes patronais. Consequentemente, a maior parte dos monrquicos
comeava a sentir que, uma vez obtida a amnistia e consolidada a organizao, tinha
chegado o momento de passar a actividade eleitoral para segundo plano e procurar criar
as condies que permitissem a restaurao, como resposta crescente fora dos
republicanos radicais.
Dados estes novos alentos que conferiam, no mnimo, uma aparncia de
crescimento, de influncia poltica e de um novo recrudescimento da esperana
monrquica, o Integralismo Lusitano chegou a propor, atravs de um documento
emanado pela sua Junta Central, em 1 de Setembro de 1921, a unio dos povos latinos
no combate a travar contra o demoliberalismo republicano, a maonaria, o
internacionalismo e o cosmopolitismo.
Estes intentos ambicionados seriam conseguidos atravs do ressurgimento da
glria romana, da implantao da monarquia tradicionalista, orgnica e corporativa:
o Integralismo Lusitano que no nosso pas representa, em teoria e
com efeito, o nacionalismo integral portugus, estima que a hora histrica
veio exprimir o desejo que um esforo comum seja tentado pelas naes
herdeiras de Roma para restaurar, ao mesmo tempo que a ordem romana,
monrquica e catlica, o antigo esplendor da inteligncia latina. () Este
triste privilgio (as consequncias derivadas do aniquilamento das velhas
instituies histricas portuguesas, operadas pelo demoliberalismo
republicano) d uma significao e uma autoridade particulares ao nosso
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apelo tradicionalista e ns queremos esperar que ser entendido e cumprido
por todos os povos que, apesar de tantas amarguras, tm ainda f nos seus
destinos nacionais12
(Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin,
1921).
A sugesto da Junta Geral legitimar-se-ia pelo glorioso passado lusitano:
Portugal cuja epopeia famosa das navegaes e das conquistas esta cruzada de cinco
sculos para o brilho da civilizao ocidental o melhor ttulo de glria, actualmente
sbito, mais que nenhuma outra das suas irms latinas13
(Integralismo Lusitano/
Pour lordre traditionnel latin, 1921).
Para a conservao do apelo aos povos latinos, a Junta Central, assemelhando-se
frmula do Enqute sur la Monarchie de Charles Maurras, elaborou um inqurito
destinado aos lderes dos grupos reacionrios dos pases latinos dispersos pela Europa e
pela Amrica. Atravs de sucessivas questes, a Junta Central demonstrava a
necessidade imperiosa de proceder renovao total da sociedade.
As questes visavam realar a reconstruo nacionalista, monrquica
tradicionalista da Europa, sob a gide do pan-latinismo europeu e americano e,
combater, obviamente, os arqui-inimigos dos meios reaccionrios: maonaria,
socialismo, comunismo, capitalismo, repblicas demoliberais e democrticas e o
cosmopolitismo:
1. - A ideia poltica que se traduz por estas palavras Nacionalismo
Integral, isto a Monarquia orgnica, tradicionalista, antiparlamentar e
descentralizada ela, sim ou no, a nica superao de um perfeito
nacionalismo?
4. - Os princpios do Internacionalismo Socialista que pretendem negar a
funo eterna e essencial do organismo da nao, devem eles, sim ou no, ser
considerados como contrrios aos interesses da civilizao?
6. - O Nacionalismo Integral deve, sim ou no, reconhecer a Igreja Catlica
como o mais alto poder internacional e o nico coordenador possvel dos
diferentes nacionalismos, por vezes divergentes?
7. - Deve-se, sim ou no, condenar, ao mesmo tempo, a aco nefasta da
internacional manica?
8. - Haver vantagem, na luta contra as democracias estrangeiras, a que as
organizaes nacionalistas de todos os pases latinos, se unissem numa forte
12
Esplio Alberto de Monsaraz (EAM), Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta
Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Rua Serpa Pinto 38, 1 de Setembro de 1921. Documento
traduzido do original em Francs. 13
EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,
1 de Setembro de 1921.
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aliana de apoio e de solidariedade mtua?14
(Integralismo Lusitano/ Pour
lordre traditionnel latin, 1921).
Acerca da ideia de unio das foras nacionalistas latinas contra as democracias,
restavam dvidas sobre a sua orgnica:
a) Por um rgo central que mantm unidas, atravs de uma
correspondncia regular, todas as organizaes nacionalistas?
b) Por um acordo jornalstico? Por uma agncia comum de informaes? Por
uma revista internacional pan-latina?
c) Pela convocao de Congresso e a nomeao de misses de embaixadores
polticos?15
(Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, 1921).
Para efectivar este propsito, Alberto de Monsaraz parece encaminhar-se para a
constituio de agncia comum de informaes, referindo o seguinte a Antnio
Sardinha, ento director da Nao Portuguesa:
ainda no pude escrever para a Nao Portuguesa, atarefado como
ando, com a constituio da nova sociedade FAST e criao dos diversos
departamentos, alguns dos quais te ho-de certamente interessar.
Havemos de pensar numa federao de livrarias e muitos poders, por certo,
auxiliar-nos em Madrid16
(MONSARAZ, Alberto de, 1922).
A agncia Fast, situar-se-ia em Paris, na Rue Royale, nmero 13. Da agncia
estava dependente o Comoedia/ Journal Quotidien Ilustr/ La Vie Artistique et
Intellectuelle-Etrangre. Os seus directores eram: o portugus, Francisco Homem Cristo
14
EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,
1 de Setembro de 1921. 15
EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,
1 de Setembro de 1921. 16
EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta n. 102, Paris, 28 de Novembro de
1922.
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Filho17
e o espanhol Garcia-Calderon. Monsaraz comunicava a Sardinha acerca da
divulgao da obra potica neste jornal:
os teus sonetos so admirveis, dos mais belos que tens feito. Destaco
a Madre Hispnia, que prefiro a todos os outros.
No quis escrever-te sem te mandar o nmero de Comoedia o grande
jornal literrio e artstico de Paris, onde anunciei o aparecimento do teu livro
na pgina semanal que o Homem Cristo dirige, em colaborao com o
escritor Garcia-Calderon. Tive muito gosto em poder falar nos teus sonetos e
no o fiz latamente, porque o Homem Cristo Filho, sendo portugus, no
deseja, no primeiro nmero da pgina, falar demasiado nos escritores seus
compatriotas, e eu no quis esperar mais tempo para dar a notcia sobre o teu
livro18
(MONSARAZ, Alberto de, 1923).
A Junta Central do Integralismo Lusitano parecia querer dar o primeiro passo, na
vanguarda da to desejada unio das foras nacionalistas latinas, ao anunciar
unilateralmente uma futura reunio a ser realizada em Paris, de Charles Maurras e da
sua Action Franaise, ou em Roma, do meterico Mussolini. Seria um Congresso
poltico reaccionrio, o primeiro evento concreto que deveria conduzir, segundo a Junta
Central integralista, ao triunfo das verdades que ns defendemos, para a vida e sade
da nossa Raa e de nossas Ptrias19
(Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel
latin, 1921).
Hiplito Raposo confirmaria, na sua obra Dois Nacionalismos: LAction
Franaise e o Integralismo Lusitano, a pretenso do Integralismo Lusitano, chegando a
propor Action Franaise a realizao de um Congresso Internacional de organizaes
congneres para debater a criao de uma liga internacional latina contra as influncias
manicas e a escravido democrtica. Alm disso, Hiplito Raposo adianta que tal
pretenso seria mal recebida por Maurras, sempre numa postura chauvinista e de
desconfiana em face de qualquer de qualquer internacionalismo: ao Nacionalismo
Francs, demasiadamente preocupado consigo mesmo, no mereceu esse documento
17
Homem Cristo Filho, refugiado novamente em Paris, foi a nomeado por Sidnio Pais director dos
servios de informao de Portugal nos pases amigos e aliados, colocando ao servio do apoio ao
sidonismo a agncia noticiosa Chez Fast, que dirigia na capital francesa.
18 EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 103, Chez Fast-Paris, 13 de
Fevereiro de 1923. 19
EAM, Integralismo Lusitano/ Pour lordre traditionnel latin, Junta Central do Integralismo Lusitano,
1 de Setembro de 1921.
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17
outro interesse que no fossem as boas palavras de Maurras ao nosso amigo que lho
entregou20
. (RAPOSO, Hiplito, 1929: 143).
Em 1923, Monsaraz acrescentava um elemento novo unio internacionalizada
das foras nacionalistas latinas: aguardo, porm, a volta de Roma do Homem Cristo,
que vai conferenciar com ele acerca da criao da Federao Transnacional Pan-
Latina21
. (MONSARAZ, Alberto de, 1921).
. FONTES MANUSCRITAS:
. Esplio Antnio Sardinha.
. Esplio Alberto de Monsaraz.
. FONTES IMPRESSAS:
. A Monarquia, Ano III, N. 572, 11 de Outubro de 1919.
. A Questo Dinstica/ Documentos para a Histria/ Mandados coligir e publicar pela
Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Indstrias
Grficas, 1921.
. Integralismo Lusitano/ Instrues de organizao/ Aprovadas pela Junta Central, in
A Monarquia, Ano V, N. 896, 20 de Abril de 1921.
. RAPOSO, Hiplito, Dois Nacionalismos: LAction Franaise e o Integralismo
Lusitano. Conferncia feita na Liga Naval Portuguesa, em 23 de Maro de 1925,
Lisboa, Livraria Ferin, 1929
20
RAPOSO, Hiplito, Dois Nacionalismos: LAction Franaise e o Integralismo Lusitano. Conferncia
feita na Liga Naval Portuguesa, em 23 de Maro de 1925, Lisboa, Livraria Ferin, 1929, p. 143. 21
EAS, Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 104, 15 de Fevereiro de 1923.
Com o advento do fascismo em Itlia, Homem Cristo Filho tornou-se, nos anos 20, um partidrio
entusiasta de Mussolini. Alberto de Monsaraz informava Sardinha acerca de um eventual agrupamento
poltico encabeado por Homem Cristo Filho. () As informaes que me chegam do Pas so das mais
animadoras. Ainda h dias tive a confirmao por pessoas bem informadas, vindas de Portugal, que as
tentativas de aliciamento de monrquicos para o novo partido de Homem Cristo Filho, tentativas a que
os talassas correspondem cheios de satisfao, tm deixado os nossos amigos, sem excepo,
indiferentes, firmes no seu posto de disciplina monrquica e nas convices. Estou convencido, em vista
disso, que a organizao dessa chefia partidria, apesar da proteco evidente do estrangeiro, nenhum
inconveniente nos poder trazer. Vejo-lhe, pelo contrrio, uma vantagem imediata e evidentssima
dissociar os talassismo, atraindo os dbios e atirando para ns os mais intransigentes realistas. EAS,
Correspondncia de Alberto de Monsaraz, Pasta N. 149, Carta N. 95, Cayr s Hotel 4. Boulevard
Raspail Paris, de 25 de Fevereiro de 1921.
Homem Cristo Filho escreveria, em favor de Mussolini, a obra intitulada Mussolini Batisseur dAvenir. A
18 de Agosto de 1926, aps o afastamento de Gomes da Costa, foi mais uma vez exilado por ordem
ministerial, e passou a retomar em Madrid, Paris e Roma, o projeto caro a Mussolini, de quem se tornou
amigo pessoal, de convocar um congresso pan-latino das naes do Ocidente.
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SIMPSIOS TEMTICOS
ST 01. A Monarquia Pluricontinental Portuguesa: Elites, prticas sociais e
economia. Sculos XVI XVIII.
Refletindo sobre relaes de poder em uma sociedade sertaneja: o termo de
Pitangui-MG na primeira metade do sculo XVIII.
Izabella Ftima Oliveira de Sales
Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade do Estado de Minas Gerais
RESUMO
O presente trabalho pretende realizar alguns apontamentos sobre o processo de
constituio de elites em regies de fronteira, tomando como foco o contexto do termo
de Pitangui-MG, na primeira metade do sculo XVIII. Tal proposta nos remete ao
problema relativo natureza do poder que se estabelecia entre metrpole e colnia, na
medida em que a distino do indivduo na sociedade dependia da sua condio de
constituir espaos de barganha com a Coroa, o que- na Amrica Portuguesa- se fazia
especialmente atravs da ocupao de postos militares e do exerccio de cargos no
governo da municipalidade. Sendo assim, o conceito de Monarquia Pluricontinental se
faz essencial para compreendermos a dinmica de hierarquizao da sociedade
pitanguiense, especialmente porque contribui para relativizarmos a dicotomia entre
serto e litoral, brbaro e civilizado.
PALAVRAS CHAVE: armas, elite, poder
ABSTRACT
This work intends to make some notes on the process of elites formation in border
regions, taking as its focus the context of the Termo de Pitangui (Minas
Gerais/Brazil) in the first half of the eighteenth century. This proposal leads us to the
problem concerning the power established between metropolis and colony, to the extent
that the distinction of the individual in society depended on their chance to constitute
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bargain spaces with the Crown, which in Portuguese America was especially through
the occupation of military posts and government posts in the municipality. Thus, the
concept of "Monarquia Pluricontinental" becomes essential to understand the hierarchy
of this society, especially because it contributes to rethink the dichotomy between
backwoods and coast, barbarous and civilized
KEYWORDS: weapons, elite, power
INTRODUO
O esforo de tentar compreender a formao da elite em uma regio de fronteira,
onde a distncia com relao s esferas administrativas do poder metropolitano
provocava o desrespeito s regras definidas pela Coroa, a propagao da violncia e
fortalecia a ao de potentados locais, como era o caso do termo de Pitangui, nos leva a
realizar uma breve anlise sobre o contexto de ocupao e povoamento daquela regio,
assim como as caractersticas da relao que se estabeleceu entre seus moradores-
especialmente os membros da elite e o poder metropolitano.22
A histria da Vila de Pitangui est ligada ao processo de desbravamento e
ocupao do serto do oeste mineiro dimensionado pelas nascentes do So Francisco e
do rio da Prata. (ANDRADE, 2011: 280). A explorao desse territrio teve incio
ainda no sculo XVII, devido s atividades agropastoris, ao aprisionamento de ndios e
explorao aurfera, onde se destacam paulistas, fazendeiros e vaqueiros de gado
oriundos dos caminhos da Bahia, como principais agentes dessa empreitada. Na medida
em que os povoadores estabeleceram os primeiros arraiais na regio de Pitangui,
iniciou-se um esforo de intensificar a explorao do serto oeste e expandir as
fronteiras agropastoris, verificando-se assim, o avano das terras municipais em direo
ao referido espao geogrfico. (Idem)
Segundo Carrara (2007), a regio de Pitangui se diferenciaria dos primeiros
ncleos mineradores- Mariana, Ouro, Preto, Sabar e Caet- na medida em que a
explorao aurfera naquelas paragens teria se extinguido muito precocemente, sendo
substituda pelas atividades agropastoris. Neste sentido, a Vila de Pitangui representaria
um ncleo urbano tpico da regio dos Currais Del'Rei.
22
As informaes e anlises apresentadas neste artigo so, em sua maior parte, fruto da pesquisa de
doutorado desenvolvida por Izabella Ftima Oliveira de Sales no programa de ps-graduao em Histria
da Universidade Federal de Juiz de Fora, sobre a orientao da professora Monica Ribeiro de Oliveira.
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Os denominados Currais Del'Rei eram compostos por vilas e arraiais onde ainda
nos primeiros anos de conquista e ocupao do territrio mineiro, teriam sido
descobertos veios aurferos, o que provocou um rpido processo de ocupao. Tais
ncleos populacionais se localizavam prximos regio das Minas, onde a extrao de
ouro era bem mais intensa e aos afluentes do Rio So Francisco, como o Rio Paraopeba
e Par. Este ltimo fator, somado existncia de bons pastos, levou a Coroa a
estabelecer Registros nestes locais para taxar as mercadorias que circulavam naquela
regio - especialmente os rebanhos oriundos dos Currais da Bahia- o que acabou
estimulando o desenvolvimento da pecuria voltada para o abastecimento das regies
mineradoras (Idem).
Alguns aspectos aproximam os Currais Del'Rei e seu entorno do contexto
caracterstico das Minas, como a presena de instituies representativas do poder
reinol, o estabelecimento de relaes com os principais ncleos mineradores, a saber,
Sabar, Vila Rica e a Vila do Ribeiro do Carmo, alm do envolvimento de alguns
grupos nos motins provocados pela cobrana do quinto. Entretanto, essas paragens
tambm apresentavam caractersticas comuns s regies dos Currais, como a baixa
densidade demogrfica, os conflitos pela posse da terra e a grande importncia que a
atividade agropecuria representava para as economias locais (Idem).
Os motins relacionados cobrana de tributos por parte da Coroa e a atuao de
potentados locais que frequentemente impunham regras muitas vezes contrrias aos
desgnios metropolitanos, foram elementos frequentes no termo de Pitangui e essas
prticas podem ser associadas ideia de serto como regio marcada pela fragilidade da
ao das autoridades representativas do poder reinol (Idem). Entretanto, isso no
significa que o conceito de serto se reduza dicotomia entre brbaro e civilizado, que
muitas vezes marcou o discurso das autoridades representativas do poder reinol durante
o perodo colonial e permeia muitas anlises historiogrficas dedicadas ao estudo das
regies de fronteira.
O trabalho de Gruzinski (2001) sobre a formao das sociedades coloniais no
Novo Mundo importante para refletirmos sobre o conceito de serto. Isso porque, em
sua anlise, durante o processo de colonizao, a relao que se estabeleceu entre as
culturas se baseava na hibridao, ou seja, os grupos conquistados encontravam brechas
para fortalecer e transmitir seus smbolos sociais, ao mesmo tempo em que a cultura
ocidental dava abertura para elementos culturais diferentes (Idem). Dessa forma,
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contraposies rgidas entre grupos tidos como civilizados e incivilizados, ordenado e
desordenado, mostram-se insuficientes para compreender as dinmicas de relaes que
marcaram a conformao dos sertes.
No caso do Brasil, o termo serto era utilizado desde o perodo colonial para
definir regies de povoaes escassas, distantes do litoral; onde predominavam o
estabelecimento de uma ordem privada, cujas relaes sociais e polticas tinham como
base o direito costumeiro. Dessa maneira, devido s dificuldades enfrentadas pelas
autoridades locais para estabelecer a ordem pblica em tais paragens, as populaes
locais passaram a ser consideradas como insubordinadas e violentas (JESUS, 2006).
Entretanto, preciso salientar que, as representaes sobre o universo sertanejo
tm razes em contextos de conflitos, neste sentido, os atributos de insubordinao e
violncia no podem ser considerados apenas para as populaes fronteirias (Idem).
Essa perspectiva reducionista marcou a trajetria do serto oeste mineiro, o que
poderia explicar porque as autoridades metropolitanas definiam a regio do termo de
Pitangui como terra de gente intratvel. Salientamos que nossa pesquisa se dedica ao
momento de ocupao da regio, onde realmente a definio dos lugares de mando e o
estabelecimento das instituies representativas do poder reinol ocorreram de forma
bastante conturbada, caracterizando assim, um ambiente de destacada violncia.
Contudo, partimos do pressuposto de que as estratgias dos homens do serto para
ocupar espaos privilegiados numa sociedade hierarquizada no se reduziam apenas ao
enfrentamento, na medida em que havia significativos espaos para negociaes tanto
com as autoridades metropolitanas quanto com os diversos grupos sociais.
No possvel precisar o momento em que ocorreram os primeiros achados
aurferos no termo de Pitangui, mas, provavelmente o processo teria se iniciado ainda na
primeira dcada de 1700 e seria fruto da prtica de minerao clandestina comum entre
pobres, forros, escravos e jornaleiros que buscavam explorar montanhas e encostas
independentemente da exclusividade senhorial na extrao aluvial. Neste sentido, a
atuao de homens pobres teria ocorrido anos antes das negociaes dos paulistas pelas
lavras da regio (ANDRADE, 2005).
A Vila de Pitangui foi erigida em 09/06/1715 e seu termo, alm de inicialmente
constituir um importante foco de minerao, estava localizado em uma regio bastante
estratgica, na medida em que era porta de entrada para o serto oeste, constituindo
passagem obrigatria para aqueles que se deslocavam s Minas de Gois e como rota
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dos rebanhos que saam dos Currais da Bahia para abastecer os principais ncleos
mineradores (CATO, 2011).
REFLEXES SOBRE A CONFORMAO DA ELITE EM UMA SOCIEDADE
DE ANTIGO REGIME
As anlises acerca da constituio da elite no termo de Pitangui tem como
parmetro estudos que se dedicam compreenso dos processos de diferenciao dos
grupos que compunham as esferas mais altas da pirmide social em uma sociedade de
Antigo Regime, especialmente no que diz respeito ao contexto lusitano e de suas
possesses ultramarinas.
Nuno Gonalo Monteiro (2003), ao analisar a natureza do poder e a
conformao das elites em Portugal durante a Dinastia Bragana (1640-1832), afirma
que em Portugal no se pode perceber a existncia de um Governo- onde o poder tivesse
centralizado nas mos do monarca- at meados do sculo XVIII, entretanto, tal
constatao no exclua a existncia de um centro identificado com a figura do monarca
ou com as instituies representativas do poder reinol. (Idem, p.20)
O mesmo autor argumenta que no decurso do sculo XV para o XVI, ocorre o
fortalecimento das unidades polticas europeias, entretanto, na maioria desses Reinos
prevalecer o modelo dos Estados Dinsticos, onde a monarquia atuava no no sentido
de garantir a centralizao do poder pelo Rei, mas, a fim de perpetuar sua existncia e
adquirir recursos financeiros (Idem, p.24).
Nesse processo, muitos Estados Europeus teriam constitudo monarquias
compsitas, onde alguns territrios dominados por uma mesma dinastia mantinham
estruturas polticas prprias. Por sua vez, Portugal representava uma exceo, pois, em
seus domnios prevalecia uma significativa homogeneidade institucional e a inexistncia
de corpos polticos intermedirios (Idem).
As consideraes acima nos trazem indcios muito significativos para
entendermos o contexto em que se conformavam as elites locais no mbito do Imprio
Portugus. Neste sentido, importante salientar que a existncia de um modelo
corporativo de sociedade (HESPANHA, 2001: p.172) - onde se destacava a vitalidade
desempenhada pelos poderes perifricos- conferia as possibilidades atravs das quais os
indivduos poderiam se destacar diante de seu grupo, ou at mesmo para alm dessa
esfera, especialmente aqueles que no pertenciam nobreza de sangue.
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Antonio Manuel Hespanha (2001) questiona a ideia de centralizao do poder
pelo Estado, apontando para a existncia de relaes recprocas ou simbiticas entre os
poderes locais e a Coroa, atravs das quais se baseava a economia poltica dos
privilgios. No que tange uniformidade jurdica do Imprio, que representaria o poder
central do monarca, o autor afirma que, considerando-se a distncia das colnias em
relao metrpole e a realidade de cada regio conquistada, o direito colonial se
ajustava aos contextos locais e os nativos atuavam no estabelecimento de suas prprias
prticas legislativas. Tais princpios representariam os fundamentos bsicos de uma
monarquia corporativa.
Observando as possees ultramarinas portuguesas, Hespanha defende a
existncia de uma estrutura administrativa centrfuga, onde os representantes da Coroa e
as instituies locais gozavam de um significativo espao de autonomia. Podemos
mencionar aqui, o caso dos vice-reis e governadores que respaldados pela doutrina
jurdica vigente, dispunham de poderes extraordinrios; sendo assim os mesmos tinham
condies de desobedecer ou adaptar as regras estabelecidas pela metrpole de acordo
com as circunstncias da regio em que atuavam, desde que essas mudanas
favorecessem sempre os interesses reais. Alm disso, como estavam em terras distantes
do centro do poder, muitas vezes precisavam tomar decises sem antes consultar a
posio do monarca e seus conselheiros sobre o assunto (Idem, pp. 174-175).
Outro fator que tambm contribua para reforar a autonomia dos poderes locais
era a ausncia de hierarquia administrativa que marcava a forma de organizao poltica
do Estado Portugus. o caso, por exemplo, da atuao de donatrios, governadores
locais e juzes.
A partir da segunda metade do sculo XVII, os governadores-gerais passam a ter
supremacia sobre os donatrios e posteriormente os governadores das capitanias,
contudo, esses ltimos tambm deviam se submeter s ordens dos secretrios de Estado
em Lisboa. Tal fato acabava propiciando uma situao de incerteza hierrquica, o que
permitia uma ao bastante autnoma por parte dos governadores locais, que tinham
como uma de suas principais atribuies a concesso de sesmarias, de acordo com seu
livre arbtrio. Ademais, tais funcionrios rgios tambm exerciam plena jurisdio
criminal e vasta jurisdio cvel, fatores estes que demonstram claramente o
fortalecimento dos poderes locais (Idem, pp. 178-179).
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Hespanha (2001) salienta ainda que as Cmaras municipais eram um espao
privilegiado para a ao das elites locais, atravs do qual encontravam a possibilidade
de barganhar com a Coroa. O autor aponta para a especificidade brasileira, onde apesar
da proibio relacionada venalidade dos cargos, a partir do incio do sculo XVIII os
ofcios eram dados queles que tivessem oferecido um donativo fazenda, que na
realidade significava a prestao de um servio que deveria ser recompensado (Idem,
pp.185-187).
Monteiro (2003) faz uma anlise mais complexa sobre a importncia da
ocupao de cargos no governo da municipalidade para a conformao da elite
portuguesa no final do Antigo Regime, observando que o exerccio de ofcios
camarrios era fundamental no processo de nobilitao dos indivduos.
Os poderes municipais apresentavam uma grande vitalidade e eram responsveis
pela formao de um grupo caracterizado como a gente nobre da governana da terra,
categoria social diferente da fidalguia (Idem, p.38).
Em Portugal, havia uma maior tutela da Coroa sobre a composio das cmaras,
fato que poderia ser explicado por uma estrutura poltica marcada pela uniformidade
institucional, o que permitiria a definio de regras gerais para direcionar o
funcionamento de tais instituies. Entretanto, elas apresentavam significativos espaos
de autonomia, especialmente no que se refere justia (Idem).
No que diz respeito questo da mobilidade social, Monteiro se baseia na
perspectiva de um alargamento da nobreza durante o Antigo Regime, onde o
enfraquecimento do furor blico acabou por impulsionar a valorizao de ofcios e
cargos civis, conferindo-lhes a devida honra. Nestes casos, os indivduos no
pertenciam aos grupos tradicionais da aristocracia, formados por Cavaleiros e Fidalgos,
mas usufruam praticamente dos mesmos privilgios (Idem).
O mesmo autor chama tambm chama ateno para outro aspecto de relevncia,
ou seja, o fato da legislao portuguesa seiscentista reconhecer que a liderana da terra
deveria ficar sob a responsabilidade dos principais, apesar de os juristas debaterem se
essa regra se aplicaria apenas s cidades e vilas com maior desenvolvimento social e
econmico ou a todas as cmaras do pas. Sendo assim, a condio de nobreza estava
diretamente relacionada indicao do nome de um indivduo na lista dos elegveis
(Idem).
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A distino conferida pela ocupao de cargos no governo da municipalidade era
incompatvel com a prtica de ofcios mecnicos e a especificidade portuguesa consistia
no fato de que ser nobre significava viver lei da nobreza, condio relacionada com a
no dependncia do trabalho do corpo para garantir a prpria sobrevivncia (Idem).
Desde os fins da Idade Mdia, ocorreu na Europa uma crescente valorizao das
funes desempenhadas por grupos sociais no ligados ao universo rural de raiz
medieval. Sendo assim, o estatuto da nobreza se torna varivel de acordo com a regio,
no sendo possvel, portanto, pensar em categorias uniformemente hierarquizveis para
todos os territrios do Reino (Idem, p.49).
Neste sentido, os cargos camarrios no eram considerados como a melhor
estratgia para reconhecimento da nobreza, pelo fato de ser proibida a sua venalidade,
dos mesmos dependerem dos contextos locais e representarem um efeito, de certa
forma, restrito ao mbito da localidade (Idem).
Para o seu estudo Nuno Monteiro utiliza como fonte as Listas dos homens
elegveis para o governo de cada municipalidade, documentos que segundo o autor
permitem radiografar o perfil das elites locais. Infelizmente ter acesso a esse tipo de
dado no privilgio dos historiadores de uma forma geral. No caso da Capitania de
Minas Gerais, por exemplo, ainda no foram encontrados esses tipos de registros, o que
obriga o pesquisador a se esforar para compreender a conformao das elites locais e o
papel das Cmaras nesse processo a partir dos nomes daqueles que ocuparam cargos.
No caso das cmaras com perfis mais aristocrticos constatou-se a presena de
fidalgos da Casa Real e com relao aos postos nas ordenanas eram considerados
elegveis somente Capites-Mores e os Sargentos-Mores. J nas municipalidades menos
seletas ou perifricas, predominavam os oficiais de ordenanas (inclusive capites e
alferes), bacharis, funcionrios, boticrios e lavradores. A anlise dos arrolamentos
leva relativizao da categoria geral de oligarquias municipais, visto que, a sua base
de recrutamento era muito diversa.
Nos conselhos perifricos havia uma resistncia das elites locais em ocupar os
postos disponveis, isso se explicaria pelo fato de que predominava a dvida em relao
ao status conferido para o trabalho desempenhado em pequenas cmaras, ademais,
geralmente nesses municpios os recursos eram escassos, o que muitas vezes obrigava
os juzes ou vereadores a arcarem com os impostos das teras que deveriam ser pagos
Coroa. (Idem)
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Nota-se ainda que as cmaras mais antigas e mais ricas no eram compostas
apenas por indivduos pertencentes fidalguia muito antiga, mas pela confluncia entre
fidalguia tradicional e homens ricos, especialmente homens de negcio.
Para Monteiro, as vereaes representavam um espao de reconhecimento da
existncia de mobilidade social em escala local. J os cargos de almotacs e os postos
nas ordenanas constituam vias institucionais para a mobilidade social.
FORJANDO UMA IDENTIDADE NOBRE
No que diz respeito conformao da elite no termo de Pitanqui, ainda no
temos a possibilidade de apresentar dados conclusivos, entretanto, podemos discutir
alguns indcios que podem nos indicar caminhos de investigao. Partimos do
pressuposto de que fazia parte das estratgias de nobilitao de alguns membros do
referido grupo os processos de negociao e barganha com a Coroa.
Obviamente que a ao dos indivduos no homognea, onde muitos
potentados locais optaram por arrefecer suas indiferenas com as autoridades
metropolitanas, ao que se tornava vivel na medida em que os mesmos possuam
recursos financeiros e poderio blico considerveis para defender sua posio. Neste
caso, conveniente destacar que entre os anos de 1718-1724 o principal lder dos
motins na regio Domingos Rodrigues do Prado no foi citado entre os que
contriburam com os quintos reais23
, apesar de ter sido um dos primeiros cobradores
desse imposto na regio. J seu companheiro Suplcio Pedroso Xavier contribuiu entre
os nos anos de 1718, 1719 e 1722, momento em que provavelmente deixa a regio
devido s punies da Coroa aos lderes dos motins.
O caso de Antnio Rodrigues Velho tambm merece nossa ateno. Natural da
regio de So Paulo foi tradicionalmente considerado como descendente dos
bandeirantes; filho de Garcia Rodrigues Velho e Izabel Bicudo. Casou-se em Itu, com
Margarida de Campos, filha de Jos de Campos Bicudo. Juntamente com seu sogro,
Rodrigues Velho penetrou o serto do So Francisco e foi responsvel pela criao de
23
Arquivo Pblico Mineiro. Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-
1724. Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC.
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arraiais da regio, como por exemplo, o de So Joanico, atualmente conhecido como
cidade de Maravilhas.24
Ocupou o posto de Capito- Mor da Vila de Pitangui, alm de ser juiz ordinrio
da Cmara durante o ano de 1718 (Idem). Esses cargos, provavelmente, foram
conquistados no s pelo mrito de sua famlia- tradicional na Capitania de So Paulo-
mas, tambm atravs dos servios que o mesmo prestou Coroa, utilizando dos
recursos oriundos de sua prpria fazenda.
Se observarmos a lista relativa cobrana dos quintos reais na Vila de Nossa
Senhora da Piedade do Pitangui entre os anos de 1718-172425
, verificamos que Antonio
Rodrigues Velho contribuiu durante todos os anos, apresentando um nmero total de
escravos que variava entre 24 e 41. Fazendo meno ao trabalho de Luna (1980), onde
consta que na Capitania de Minas Gerais, a maioria dos proprietrios no possua mais
do que 5 cativos, possvel concluir que o seu cabedal era bastante considervel, o que
lhe garantia uma maior possibilidade de prestar servios Coroa.
Neste sentido, podemos mencionar que Antonio Rodrigues Velho estava entre as
pessoas que apoiaram o Conde de Assumar durante a resistncia de alguns moradores
liderados por Domingos Rodrigues do Prado e Suplcio Pedroso Xavier diante da
entrada do Brigadeiro Joo Lobo de Macedo, que estaria encarregado da regncia e
governo dos moradores (CUNHA, 2009). A postura do Capito-Mor nos faz inferir que
o mesmo deveria possuir um significativo poderio blico, j que a situao era de
conflito; ademais, a posse se armas era prerrogativa para ocupao de postos de maior
destaque nas Ordenanas. Destacamos ainda que Rodrigues Velho foi citado na lista dos
homens mais ricos da Capitania de Minas Gerais residentes no termo de Pitangui,
comarca do Rio das Velhas26
e ocupou cargos no governo da municipalidade.
O j citado trabalho de Monteiro (2003) sobre a conformao da elite portuguesa
no final do Antigo Regime nos faz refletir sobre as estratgias seguidas por Antonio
Rodrigues Velho, considerando os postos nas Ordenanas como meios atravs do qual o
24
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana Histrica e Genealgica. Ttulo: Garcias Velhos. Editora Itatiaia, 5 ed, 1980. 25
Arquivo Pblico Mineiro.Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-1724. Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC. 26
Cf. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas Gerais: produo e hierarquizao social no mundo colonial. Editora FAPEMIG, 2010.
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indivduo conseguia atingir possibilidade de mobilidade social e os postos na Cmara
como o reconhecimento dessa ascenso em escala local.
No ano de 1728, o governador da Capitania de Minas Gerais envia um
requerimento ao Conselho Ultramarino contendo o pedido de confirmao do posto de
Capito Mor da Vila de Nossa da Piedade do Pitangui ocupado por Miguel de Arajo
Velho e esse documento nos traz indcios sobre a importncia da ocupao de ofcios na
Ordenana para os moradores da regio.27
O suplicante justifica que merecedor do referido privilgio porque serviu com
destacado zelo no posto de Capito Mor das Entradas de Vila Real do Sabar,
executando pontualmente todas as ordens que lhe foram dadas pelos governadores.
Com a mesma presteza e competncia teria se dedicado ao posto de Capito de uma
Companhia de Cavalaria da Ordenana do distrito de [Paraopeba]. Tambm
acompanhou o Sargento Mor Joo de Souto Maior, tesoureiro da Fazenda Real, na
conduo dos quintos daquela comarca para a Vila do Carmo, levando para essa jornada
seus [escravos] armados e portando-se com grande vigilncia, cuidado e zelo28
. Todos
esses servios realizados em benefcio do interesse rgio demonstravam sua fidelidade
enquanto vassalo e consequentemente o habilita como algum que merece ser agraciado
com mercs e privilgios.
De acordo com Ana Paula Pereira Costa (2006), no Brasil colonial os postos
militares constituam um importante meio de distino social e a organizao do
exrcito portugus a partir de 1640 passou a se dar da seguinte maneira:
- Corpos regulares: fora paga pela Fazenda Real, onde os oficiais eram ligados
permanentemente funo militar.
- Milcias ou Corpos de Auxiliares: os oficiais no eram remunerados e o servio era
obrigatrio para os civis. Esta fora prestava auxlio s tropas pagas, mas no ficava
permanentemente ligada funo militar.
- Ordenanas ou Corpos Irregulares: nesta fora os oficiais no recebiam soldos, podiam
continuar exercendo suas atividades e s se afastavam delas em caso de grave
perturbao da ordem. Eram recrutados os indivduos que se encontravam na faixa
dos18 aos 60 e todos eram obrigados a possuir armamentos de acordo com sua
condio.
27
AHU- ACL- N. MG. Catlogo 1066. Projeto Resgate UNB. 28
Idem
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Observando a composio social do corpo dos oficiais que integravam as
Ordenanas na Comarca de Vila Rica durante o perodo colonial, a historiadora conclui
que, ao contrrio do que ocorria em Portugal, onde o nascimento contava
significativamente para a ocupao de altas patentes, em Vila Rica o preenchimento dos
principais postos da Ordenana dependia do exerccio de cargos pblicos, da posse de
cabedal considervel, do oferecimento de servios pecunirios Coroa e da atuao na
conquista de territrios coloniais (Idem).
A trajetria de Manuel Jorge Azere tambm demonstra as possibilidades
encontradas pelos indivduos que viviam no termo de Pitangui para se distinguir
socialmente. Na carta patente passada pelo Conde de Galveas no ano de 1732 - onde lhe
confere o posto de Sargento-Mor do tero dos Auxiliares da Vila e do distrito de
Pitangui- consta que esse indivduo teria servido em Portugal, em Praa de soldados de
Infantaria durante alguns anos, atuando em Companhias na luta contra Castela.
Posteriormente, migrou para o Rio de Janeiro, onde [sentar] Praa de Soldado Infante
em um daqueles teros. Por fim, deslocou-se para as Minas e ocupou o posto de Furriel
do Tero Pago que o governador Antonio de Albuquerque Coelho organizou para
defender o Rio de Janeiro das invases francesas.29
O referido Sargento-Mor tambm ocupou os cargos de vereador e almotac no
governo da municipalidade, portando-se sempre com bom procedimento no exerccio
das ditas funes. Trabalhou na conduo dos quintos reais para a provedoria a Real
Fazenda, enfrentado os perigos de caminhos que trilhavam os sertes; tudo custa de
suas fazendas e com graves riscos para sua prpria vida, levando consigo cavalos e
escravos armados para garantir a segurana dos recursos reais. Ademais, manteve a
fidelidade durante o levantamento dos paulistas, dando alojamento s pessoas que foram
castigar os rebeldes de Pitangui a mando do Conde de Assumar.30
No ano de 1760, Manuel Jorge Azere ocupa o cargo de Comissrio Intendente
dos reais quintos da Vila de Pitangui e solicita Coroa a merc do pagamento do
referido ordenado. No processo o suplicante salienta mais uma vez as suas contribuies
para o benefcio da Fazenda Real e argumenta que apesar do seu cargo ter sido
concedido sem constar o pagamento de ordenado, requer que a Coroa reveja a sua
29
AHU. Cx:09/Doc:03/Cd:10 30
Idem
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situao, j que o comissrio do recm-criado termo de Paracat , Rafael da Silva e
Souza tinha o direito de receber ajuda de custo.
As informaes levantadas at o momento sobre a trajetria de Azere nos
permitem verificar que a ascenso social deste indivduo se pautou especialmente em
uma atuao militar desempenhada em Portugal e no Brasil- especificamente nas
Capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Tais servios provavelmente
possibilitaram que o mesmo conquistasse cargos no governo da municipalidade,
elemento indispensvel sua estratgia de projeo social. Podemos notar ainda, que
esse indivduo, apesar de viver em uma regio de fronteira, distante das principais
instituies representativas do poder reinol, provavelmente, participava de uma ampla
rede de informaes, na medida em que tomou conhecimento (incluindo o requerimento
ao seu processo) da concesso de soldos Rafael da Silva e Souza, comissrio de
Paracat.
Podemos ento perceber que, Antonio Rodrigues Velho e Manuel Jorge Azere
seguiram as estratgias comumente traadas pelos indivduos para se distinguir
socialmente em uma sociedade de Antigo Regime. No entanto, preciso levar em
considerao que cada uma dessas variveis deve ser entendida a partir do contexto em
que os mesmos esto inseridos.
Citando como exemplo a Cmara de Goa, estudada por ngela Barreto Xavier
(2008), o mrito dos oficias naquelas paragens no se justificava atravs da atuao na
conquista de territrios, ao contrrio do ocorre na maior parte das capitanias da Amrica
Portuguesa, entre elas Pernambuco e Minas Gerais.
Em seu estudo sobre a destacada famlia de Maximiliano de Oliveria Leite,
estabelecida na regio da Vila do Carmo - MG ainda no alvorecer do sculo XVIII,
Carla Almeida (2007) defende que a posio de nobreza da terra dependia da ocupao
de cargos concelhios; da atuao na conquista e na soberania da coroa portuguesa na
colnia; de fazer parte das ordenanas e de apresentar alto nvel de riqueza. A
legitimao da condio de nobreza da terra se relacionava posio de conquistadores
e primeiros povoadores da regio.
Em se tratando da casa de Maximiano, a condio de nobreza j consolidada ao
longo do tempo permitiu que o referido grupo estabelecesse um projeto de distino
social mais ampliado, ou seja, que ultrapassava os limites da localidade. Fazia parte das
estratgias de distino dessa famlia as atividades de conquista, a defesa do territrio
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colonial em caso de invases estrangeiras, a ocupao de postos nas Ordenanas e no
governo da municipalidade. Prticas endogmicas e assimilao de indivduos
endinheirados vindos do Reino pela famlia, tambm contriburam para manuteno do
capital simblico adquirido e a preservao ou crescimento dos bens materiais.
Acrescenta-se ainda o fato de que alguns membros dessa famlia eram enviados para
Portugal para adquirir formao e ali estabeleciam laos de reciprocidade com a
administrao, representando os interesses dos seus familiares no mbito do alm-mar
(Idem).
Notamos que no caso de Pitangui, apesar dos servios prestados por Azere em
outras paragens, existe uma nfase na questo do esforo para garantir a cobrana e a
transferncia segura dos recursos recolhidos atravs da cobrana de impostos para os
cofres da Provedoria da Real Fazenda. Neste caso, podemos supor que tal servio era
uma das principais prerrogativas para se justificar distino do indivduo, pelo menos a
nvel local, j que em uma regio de fronteira a resistncia em relao s regras do jogo
colonial, os conflitos de jurisdio e a violncia eram sempre constantes.
CONCLUSO
As reflexes acerca da conformao da elite em uma sociedade de Antigo
Regime e a construo de apontamentos iniciais sobre a constituio desse grupo no
termo de Pitangui ainda no nos permite chegar a concluses, mas, j nos cabe colocar
algumas inferncias.
Durante o Antigo Regime, o Imprio Portugus foi marcado por uma cultura
poltica que permeava tanto a Corte quanto suas conquistas, onde a ocupao de ofcios
no governo da municipalidade e de postos nas Ordenanas constituam elementos
centrais nos projetos de ascenso social. A lgica das estratgias de nobilitao era
compartilhada pelos vassalos, estivessem eles em terras lusitanas ou no alm mar.
Contudo, preciso salientar que o significado da projeo que tais cargos lhes
conferiam variava de acordo com contexto de cada localidade.
Neste sentido, passamos a nos questionar o que representava para um indivduo
ser oficial de uma cmara perifrica como a da Vila de Pitangui ou ocupar postos nas
Companhias de Ordenana? A distino social conferida por tais privilgios podia lhes
dar a possibilidade de alar sua condio de nobreza para alm da localidade em que
estavam inseridos? Os sujeitos que viviam em um ambiente marcado pela rusticidade
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alimentavam tal ambio, ou bastava ser reconhecido como homem nobre diante de sua
comunidade? Como j foi dito, este trabalho nos direcionou mais no sentido dos
questionamentos do que das concluses.
FONTES MANUSCRITAS:
- Arquivo Histrico Ultramarino:
AHU- ACL- N. MG. Catlogo 1066. Projeto Resgate UNB.
AHU. CX: 73, DOC: 73, CD:21
AHU. Cx:09/Doc:03/Cd:10
- Arquivo Pblico Mineiro
Quintos, capitao a cargo do cobrador Joo Henrique de Alvarenga. 1718-1724.
Microfilme 006(5/5) 007 (1/10) / CC.
FONTES IMPRESSAS
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana Histrica e
Genealgica. Ttulo: Garcias Velhos. Editora Itatiaia, 5 ed, 1980.
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Os juizes ordinrios de Vila do Carmo: perfil e atuao
Mariane Alves Simes31
RESUMO:
O objetivo geral do trabalho refletir sobre a justia em primeira instncia
na regio Vila do Carmo, Minas Gerais, durante a primeira metade do
sculo XVIII. Mais detidamente no perodo de 1711 a 1731, anos em que os
juzes ordinrios atuaram nessa regio e perodo em que a regio sofre um
significativo aumento demogrfico devido descoberta aurfera nos anos
anteriores. A proposta foi fazer algumas reflexes sobre o perfil e a atuao
dos juzes ordinrios dessa regio.
Palavras-chave: juzes, justia, Minas.
ABSTRACT:
The overall objective is to reflect on justice in the first instance in Vila do
Carmo region, Minas Gerais, during the first half of the eighteenth century.
More closely in the period from 1711 to 1731, years in which the ordinary
judges acted in this region and period in which the region is a significant
population increase due to gold mining discovery in previous years. The
proposal was to make some reflections on the profile and activities of judges
ordinary of this region.
Key- words: judges, justice, Minas
INTRODUO
A instituio da justia ordinria remete-se diretamente antiga tradio de
justia local ou justia comum, surgida nos concelhos portugueses medievais32
.
Destarte, essa justia teve um papel longevo nessa sociedade e os juzes ordinrios
foram responsveis pela aplicao da justia na maior parte das localidades dotadas de
cmaras municipais em todo o territrio portugus, at o inicio do sculo XIX.
Nesse perodo os juzes podiam ser oficiais honorrios, no letrados e no
remunerados ou oficiais de carreira, letrados, de carreira e nomeao rgia. Em Portugal
a nomeao dos juzes de fora teve inicio no reinado de D. Dinis. O juiz de fora era um
magistrado nomeado pelo rei de Portugal, para atuar em lugares onde era necessria a
atuao de um juiz isento e imparcial. Alm de serem de fora da localidade, esses
31
Mestranda em Histria pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Email:[email protected] 32
Segundo Luis Miguel Duarte muito pouco se sabe sobre a preparao dos juzes concelhios no perodo
medieval. Para o autor se pedia, sobretudo, preeminncia social, desafogo econmico, bom senso e
conhecimento dos costumes da terra; o saber jurdico era secundarizado e muitas vezes inexistente.
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juzes eram especialistas em leis, o que compensaria o nus salarial com que o
Concelho teria que arcar33
.
Porm, o processo apenas adquiriu maior impulso com o reforo centralizador
pombalino e que os Concelho com juiz de nomeao rgia, sendo, embora os mais
importantes e populosos pouco teriam ultrapassado os 20% do total em Portugal34
.
Segundo Antnio Manuel Hespanha as justias de uma esmagadora maioria dos
concelhos eram justias honorrias.
Na colnia o cargo de juiz de fora foi criado em 1696 na Bahia e em 1703 no
Rio de Janeiro. Na nossa regio de estudo, a Vila do Ribeiro do Carmo, esse cargo vai
ser criado em 24 de maro de 173035
, porm, o primeiro juiz de fora assume o