ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
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CAPOEIRA E DANÇA AFRO-BRASILEIRA:
DA RESISTÊNCIA DE UM POVO AO COTIDIANO ESCOLAR
Alexandra da Paixão Damasceno de Amorim (UFBA)i
Dulce Tamara Lamego Silva e Aquino (UFBA)ii
RESUMO: As práticas corporais de matriz africana podem contribuir no processo de
ensino/aprendizagem dos aspectos sócio-histórico-culturais afro-brasileiros. Objetiva-se apresentar características da capoeira e da dança afro-brasileira como possibilidade pedagógica para tematizar o processo de resistência da população negra. Conclui-se que capoeira e dança afro-brasileira, cada uma com sua especificidade, possuem matrizes estéticas que revelam a expressividade, corporeidade, musicalidade e, sobretudo, as heranças sócio-histórico-culturais, servindo como estratégia pedagógica oportunizando tanto a vivência quanto a reflexão sobre o processo de resistência e afirmação dos negros na sociedade brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Capoeira. Dança. Escola.
ABSTRACT: Bodily practices of African origin may contribute to the teaching / learning of socio-historical-cultural aspects african-Brazilian process. Aims at presenting features of capoeira and african-Brazilian dance as a pedagogical opportunity to thematize the process of resistance of the black population. We conclude that capoeira and african-Brazilian dance, each with its own specificity, possess aesthetic matrices that reveal the expressiveness, corporeality, musicianship and, above all, socio-historical and cultural heritage, serving as pedagogical strategy providing opportunities to experience both as a reflection on the process of resistance and affirmation of blacks in Brazilian society. KEYWORDS: Capoeira. Dance. School.
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Introdução
No atual momento histórico em que vivemos, as experiências científicas
sistematizadas pelo paradigma dominante sustentando por pilares que preconizam a
separabilidade, ordem e razão absoluta passam por severos momentos de crise sobre as
possibilidades de compreensão dos fenômenos que investigam.
O paradigma emergente tende à valorização de um inter-relação entre as ciências
naturais e ciências humanas. Para Santos (2001, p. 28), "em vez da eternidade, a história;
em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração,
a espontaneidade e a auto-organização; em vez da ordem, a desordem". Assim, todas as
implicações que levam ao paradigma tradicional da ciência a estar em crise se
reverberam no ambiente escolar, tanto para quem está ensinando e aprendendo, como
para quem está apenas aprendendo.
A escola é um espaço socialmente constituído para transmissão dos
conhecimentos científicos acumulados pela humanidade numa experiência, em sua
maioria, tradicional e conservadora que privilegia o dever em detrimento ao prazer; a
mente em detrimento ao corpo; a racionalidade em detrimento a sensibilidade e a
subjetividade. Neste sentido, para além de avançar sobre o conceito de corpo, a escola
precisa harmonizar as tenções entre o mundo do sistema e o mundo da vida para além da
realidade que se espera da sociedade.
No cenário brasileiro, emergiu estratégias que visam reparar implicações históricas
contra grupos desfavorecidos, chamada de ações afirmativas, definidas como “conjunto
de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais” (BRASIL, 2004,
p. 13).
Destas discussões, para garantir os expostos na Constituição Federal nos seus Art.
5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216 que tratam do “igual direito
às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às
diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros” (BRASIL, 2004), fortaleceu a
necessidade de discussão, modificação e aplicação da temática da cultura afro-brasileira
no ambiente escolar.
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Assim, foi sancionada a Lei nº 10.639/2003, tornando obrigatório o ensino da
“História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo da educação básica, modificada e
atualizada posteriormente pela Lei 11645/2008 (BRASIL, 2008), com a inclusão dos
estudos da cultura indígena para o ambiente escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394/1996 (BRASIL, 1996), regula e orienta o
sistema educacional brasileiro que teve sua redação modificada para atender aos
determinismos presentes nas novas leis: “Art.26-A nos estabelecimentos de ensino
fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da
história afro-brasileira e indígena” (BRASIL, 2010, p. 24).
Muitos alunos desconhecem a contribuição histórica e social que os nossos
ancestrais indígenas e africanos tiveram para a formação da população brasileira. Por
isso mesmo, ainda há uma forte resistência a ser vencida pelos professores no espaço
escolar, no sentido de quebrar paradigmas e preconceitos relacionados a tudo o que diz
respeito à herança desse povo, principalmente os africanos, com as suas danças,
crenças, costumes e manifestações religiosas.
De acordo Abib (2005, p. 205), o aprendizado de culturas populares, a exemplo da
capoeira e do samba, ainda causa estranhamento e rejeição por parte dos sujeitos da
educação formal. Isso se deve ao fato dessas culturas serem oriundas das diversas
vivências entre crianças e jovens de classes menos favorecidas, desde a sua origem,
quando eram praticadas apenas pelos escravos, em seus poucos momentos de lazer,
quando se refugiavam para as matas brasileiras.
Para Lobato (2007, p. 35), o corpo diz muito sobre as pessoas e a partir dele que
há interação com o mundo, no entanto, "essa célula viva, que é o corpo, vem sendo
moldada pelos diversos regimes sócio-político-culturais das diferentes civilizações época.
[...] Assim, o corpo é a incorporação viva da memória genética e da cultura de um povo",
contribuindo para conhecimento dos aspectos sócio-histórico-culturais afro-brasileiros.
Entende-se que as práticas corporais de matriz africanas desenvolvidas e
praticadas no Brasil poderiam se tornar importante meio para contribuir no processo de
ensino-aprendizagem tendo o corpo como eixo principal, atrelado às implicações e
demandas impostas pela legislação educacional.
Estes conhecimentos são capazes de envolver as temáticas abordadas nas
dimensões física, biológica, cultural, histórica, filosófica, social, dentre outros; seja na
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capoeira, no samba-de-roda, puxada de rede, dança afro-brasileira, maculelê, tornando as
experiências vividas mais significativas aos sujeitos envolvidos no processo.
Propondo atender aos expostos legais tomando como referência experiências
educacionais que tenham o corpo como centro do processo de ensino-aprendizagem, o
presente ensaio teórico se propõe apresentar características da capoeira e da dança afro-
brasileira como possibilidade pedagógica para tematizar o processo de resistência da
população negra.
Implicações sócio-histórico-culturais
O processo de construção histórica e identitária do negro(a) no Brasil abarca um
processo de negação de acesso a este conhecimento no currículo escolar ao longo da
história. "A (re)tomada de valores ético-estéticos dos vários povos que foram mantidos
fora do currículo, ao longo desse perverso processo colonial homogeneizante e
globalizante, é fundamental" (ATAÍDE e MORAIS, 2003, p. 83).
Santos (2006, p. 7) define cultura como “uma preocupação em entender os muitos
caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes e suas
perspectivas de futuro”. Assim, é importante tematizar para embasar e despertar o
conhecimento e percepção de mundo, alicerçando-o no intuito de possibilitar aos alunos
meios de enxergar as particularidades e semelhanças construídas pelos seres humanos
durante sua construção histórica e social.
De acordo com Santos (2006, p. 8), “o estudo da cultura contribui no combate a
preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações
humanas”. Neste sentido, partindo para a cultura Afro-Brasileira é imprescindível estimular
a sua valorização, identidade e reconhecimento, enxergando-a como estrutura teórica a
ser ensinada e vivenciada no espaço escolar.
Pensar as manifestações da cultura popular significa considerar elementos
representativos que identificam as particularidades de cada comunidade. Para Godinho e
Santos (2007, p. 137), “a conscientização de um povo sobre os seus bens patrimoniais
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promove a identidade com a sua cultura e para este fim deve constituir-se num processo
de aprendizado básico a ser aplicado nas escolas”.
Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos (BRASIL, 2012), de acordo com os
resultados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 51% da
população brasileira é negra. Valendo-se dessa informação, é necessário percebermos de
que forma essas culturas se relacionam e ainda a influência do povo africano na
construção sociocultural do Brasil.
A relação do Brasil com a África existe desde a formação do Império Português,
onde os negros/escravos eram trazidos, na sua maioria, de Angola para cá. De acordo
com Figueiredo (2009, p. 12), “o Brasil é o país que por mais tempo e em maior
quantidade recebeu pessoas escravizadas vindas da África”.
Cada povo tem características próprias que são manifestadas na forma de cultura
popular. Esses elementos moldam a identidade cultural de uma sociedade e são
apresentados transmitindo sensações que dão vida às representações e marcas
adquiridas ao longo do processo de construção histórica.
O conjunto de bens reunidos por cada pessoa constitui o patrimônio individual e o conjunto de bens reunidos por uma comunidade, ou que os recebeu de gerações anteriores, representa o patrimônio coletivo. Os bens que o grupo social produziu ou adquiriu e elegeu como testemunho de sua cultura se constitui como patrimônio cultural. (GODINHO, SANTOS, 2007, p. 137)
Percebemos na construção cultural do nosso país que há uma presença muito forte
das heranças africanas, fato que nos faz refletir a firmeza dos vínculos entre ambas.
Assim sendo, afirma categoricamente que “as heranças congo-angolanas, que em grande
parte nos torna o que somos, nos lembram o quanto é importante perceber, reconhecer e
se orgulhar do nosso pertencimento à África.” (FIGUIREDO, 2009, p. 15).
Para além de atender aos expostos legais, o processo de legitimação de uma ação
perpassa por atitudes favoráveis ao desenvolvimento e criação de práticas que
representem melhorias significativas no campo educacional. As proposições da
valorização da cultura afro-brasileira remetem a uma história de resistência e
sobrevivência de um povo que ajudou a construir a identidade brasileira ao longo de um
tempo.
Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais
díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e
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fundam para dar lugar a um povo novo [...]. Novo porque surge como uma etnia
nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente
mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição
de traços culturais delas oriundos (RIBEIRO, 2006, p. 17).
Ao refletir sobre as dimensões didático-pedagógicas desta temática na educação
chegamos à necessidade de práticas educativas inovadoras que, para Cunha (2009, p.
182), inovação pedagógica “pressupõe uma ruptura paradigmática e não apenas inclusão
de novidades [...], envolve uma mudança na forma de entender o conhecimento”.
Para Macedo (2010, p. 35), "os atos de currículo fazem parte das práxis formativas,
trazem o sentindo de não encerrar a formação num fenômeno exterior determinado pela
mecânica curricular e suas palavras de ordem". O que representa que os estudantes
assumem papeis de protagonistas, autores e atores no processo de ensino-aprendizagem
em detrimento das concepções tradicionais em que o papel exercido é de espectador.
Seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Como presença consciente no mundo não posso escapar a responsabilidade ética no meu mover-me no mundo [...]. Isto não significa negar os condicionantes genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados. Reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, [...] é problemático e não inexorável (FREIRE, 2007, p. 19).
Neste contexto, o ensino das práticas corporais de matriz africana compreendida
enquanto atos de currículo representa mais do que proporcionar aos estudantes acesso a
um conhecimento negligenciado nas escolas tradicionais, representa possibilidade de
oportunizar a tomada de consciência sobre os temas abordados, corroborando as ideias
de Freire (2007, p. 19)
Logo, dar sentido a essa relação e perceber que cada comportamento ou atitudes
foram externados de maneira pensada e analisada perante seu papel na sociedade,
importância do valor existencial da cultura sobre a população, cria oportunidades de gerar
várias possibilidades sobre o seu lugar no mundo e que façam se reconhecer como
sujeitos de sua própria história.
Capoeira e Dança afro-brasileira no cotidiano escolar
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A capoeira é um jogo, é uma luta, é uma dança, uma arte, onde se ataca e se
defende, em meio a malícia dos cânticos, o encanto dos instrumentos potencializando os
pensamentos e movimentos submersos na alegria de fazer parte dessa roda, dessa
conquista, desse mundo, dessa cultura, história, tradição e arte.
As tradições africanas possuem, como um de seus elementos mais fortes, a
capoeira, mesmo que sendo revelado em solo brasileiro e a dança afro-brasileira como
heranças das manifestações corporais trazidas pelos escravos em suas comemorações.
"Os nossos ancestrais negros expressavam todos os acontecimentos naturais da
organização da sua comunidade: agradecer as colheitas, o nascimento, a saúde, a vida e
até a morte" (OLIVEIRA, 2005, p. 62).
Cabe o profissional, com compromisso e interesses pedagógico-educacionais, buscar uma integração com as teorias que fundamentam no sentido de poder ampliar, redimensionar e exercitar a capoeira, dentro de uma perspectiva realmente crítica, buscando identificar a sua relevância sociopolítica no contexto educacional como um todo. (FALCÃO, 2003, p. 58)
A capoeira enquanto possibilidade educacional propõe experiências nos aspectos
afetivos, cognitivos, sociais e psicomotores, movimentos e vivências de cultura,
diversidade, linguagem corporal, ritmo, dentre outros. A relação entre o mundo e a roda,
os instrumentos, os coros e os dois corpos que se desafiam no tempo-espaço na análise
e tomada de decisão em frações de segundos proporcionam um momento mágico ao
praticar capoeira.
A capoeira reflete o sentido de uma atividade descomprometida, à vontade, sem objetivos práticos e imediatos. Vista sob a ótica do jogo, ela consegue atender a necessidade de fantasia, utopia, justiça e estética e, ainda, desperta o gosto pelo inesperado, pelo imprevisível. (FALCÃO, 2003, p. 67)
A maneira que se expressa diante tais comportamentos sobre a história, o que se
vive e o que sente no momento do jogo da capoeira, remete a vários significados ao
analisar-se a capoeira de várias formas, de várias maneiras, de se ver a capoeira em
sua totalidade. Assim, propõe uma experiência educativa que considere o sujeito, sua
história e seu papel potencial para transformar sem transgredir a tradição histórica da
capoeira.
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Quando numa roda de capoeira angola, os jogadores, antes do jogo, agacham-se em reverência, e no cantar de uma ladainha, invocam todo um passado de lutas e sofrimento; quando se busca nesse momento de celebração, toda a memória e a tradição espiritual de um povo que segue resistindo há séculos de dominação; quando esse diálogo corporal se inicia expressando uma estética que remete a toda uma ancestralidade que incorpora referências rituais de um passado que continua vivo, tatuado no corpo de cada capoeira, talvez possamos entender melhor a noção de circularidade do tempo; talvez possamos sentir essa força instaurada de um passado que vigora a cada vez que os acordes de um berimbau ecoam como navalha cortando o ar. (ABIB, 2005, p.109).
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 71-72), vê-se a referência à
presença da capoeira como conteúdo:
Num país em que pulsam a capoeira, o samba, o bumba-meu-boi, o maracatu, o
frevo, o afoxé, a catira, o baião, o xote, o xaxado, entre muitas outras
manifestações. [...] A diversidade cultural que caracteriza o país tem na dança uma
de suas expressões mais significativas, constituindo um amplo leque de
possibilidades de aprendizagem.
O jogo da capoeira acontece através dos sons saídos do berimbau, pandeiro e um
atabaque que irá informar quais serão os movimentos corporais que serão executados
naquele momento, ou seja, se vão acontecer movimentações corporais mais rápidas ou
mais lentas e a sua prática oportuniza a criança estar cada vez mais conhecendo seu
corpo e o corpo do outro com as suas dimensões corporais sócio-histórico-cultural.
A dança afro-brasileira, surge também, como manifestação artística dos negros,
que, através matrizes estéticas, configuraram características peculiares a sua
compreensão de movimento corporal no tempo e no espaço. “O negro educou-se ouvindo
dizer que o seu corpo era feio e grosseiro, que não podia dançar balé clássico por ter o
seu quadril largo e os pés chatos" (OLIVEIRA, 1992 p.53).
"No processo de construção identitária, o reconhecimento da corporeidade negra e
sua valorização significam fator de consolidação de uma identidade negra" (SILVEIRA,
SILVEIRA e PAZ, 2011, p. 4). A dança afro-brasileira enquanto matriz artísticas da dança
e da arte "está imbuída de um gestual e de um dinamismo próprios, cuja simbologia não
pode ser dissociada de sua matriz cultural, em especial a africana, onde o dançar se
traduz como poder de comunicação em sentidos mais profundos" (OLIVEIRA, 2005, p.
62).
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A dança afro analisada, desde as dimensões estéticas até as de manifestação de
uma cultura, ganha dimensões outrora inimagináveis no que tange a possibilidades
pedagógicas. A compreensão das questões psicológicas, afetivo-sociais e cognitivas do
movimentar-se em meio a dança, da percepção das relações consigo mesmo, com o
outro, com o mundo, possibilitando transformar a escola num ambiente prazeroso,
atrelado a valorização e estímulos à compreensão da cultura afro-brasileira, com sentido
e significado para todos os envolvidos
A dança afro-brasileira,
Com seu ritmo e musicalidade, não se pauta por técnicas metódicas de
movimentos, pois respeita as vivências corporais de seus praticantes,
caracterizando-se por ser uma dança enérgica e com um ritmo frenético, onde se
faz necessário uma entrega corporal, a ponto de perceber a perfeita sincronia
entre os movimentos e o ritmo empregado na sua execução. Seus movimentos
estão centrados na cabeça, tronco, quadril e pés. Estes movimentos vão se
completando simultaneamente, sendo possível para quem observa esta dança,
confundir o ritmo tocado com os corpos em movimento como se estes dois
elementos distintos fossem apenas um na sua execução (SILVEIRA, SILVEIRA e
PAZ, 2011, p. 9)
Nesta prerrogativa, ao assumir uma noção de corpo, faz-se necessária a
compreensão das dimensões indissociáveis do corpo, num organismo que estabelece
relação consigo e com o outro, contribuindo para a percepção de si e dos pares que nos
cercam. Assim, "os fenômenos sociais só podem ser cabalmente compreendidos no
contexto de um organismo em interação com o ambiente que o rodeia" (DAMÁSIO, 2001,
p.17). Em alguns casos elas ressurgem de tal forma que os olhos brilham, o corpo
arrepia, sentindo a emoção de ter a reconstrução das nossas “raízes” que foram
esquecidas nos nossos passados.
"O corpo negro retrata a possibilidade na qual através da dança e da estética
mostra-se presente no mundo, representando a filosofia de uma civilização sustentada
por fundamentos rituais e mitológicos de cunho religioso" (OLIVEIRA, 2005, p. 63).
Neste ínterim, a percepção corporal para a dança afro-brasileira deve estar
articulada às razões históricas em que se fundam o ritmo e a musicalidade em suas
manifestações.
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Percebe-se que esta noção de corporeidade necessita uma "uma aceitação do seu
corpo, do corpo do outro e de suas raízes africanas para ser fiel ao que a dança afro-
brasileira se propõe: provocar emoção e reconhecimento histórico". (SILVEIRA, SIVEIRA
e PAZ, 2011, p. 9).
A compreensão da dança afro-brasileira inserida numa rede de evidências de
complexidade na qual os processos artísticos que caracterizam a especificidade da dança
concorrem para experiências de doação e entrega corporal pelo ritmo e musicalidade forte
e expressiva que transcende e se insere no contexto social a ser percebido como aspecto
constituinte de uma formação identitária.
Assim, a capoeira, configurada na tríade jogo/dança/luta (FALCÃO, 2003),
possibilita que a linguagem dos corpos simbolize um ambiente lúdico característico dessa
mesma tríade, haja vista o envolvimento dos corpos na roda de capoeira, via ações de
golpes e contragolpes ritmados e conduzidos pela orquestra, cânticos e palmas de acordo
com a tradição histórica.
A dança afro-brasileira, partindo das danças dos orixás, constitui-se,
prioritariamente, como atividade cuja expressividade corporal rompe com padrões
previamente determinados (OLIVEIRA, 1992). Há uma ênfase nos pés em contato com o
solo que possibilitam, em meio ao todo da linguagem corporal expressiva, que outras
matrizes estéticas surjam.
A apropriação dos elementos da dança em cada gesto está imbricada pela
valorização da cultura de matriz africana. As experiências rítmicas possuem uma
representatividade histórica e cultural que definem as particularidades tanto da capoeira
quanto da dança afro-brasileira.
Considerações finais
Os desafios pedagógicos e as práticas curriculares para efetiva aplicação dos
conhecimentos da cultura afro-brasileira no cotidiano escolar são dos mais diversos e, o
processo de apropriação deste conhecimento, tendo como referência as práticas
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corporais de matriz africana, possibilitará um ambiente que atenda às disposições legais
numa experiência de educação tendo o corpo em movimento como eixo articulador.
Conclui-se que ambas, capoeira e dança afro-brasileira, cada uma com sua
especificidade, cujas matrizes estéticas constituídas e difundidas revelam a
expressividade, corporeidade, musicalidade e, sobretudo, as heranças sócio-histórico-
culturais, servem como estratégia pedagógica, oportunizando tanto a vivência quanto a
reflexão sobre o processo de resistência e afirmação da população negra na sociedade
brasileira.
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i Alexandra Amorim – e-mail: paixã[email protected].
Mestranda no Programa de Pós- Graduação em Dança na UFBA, possui graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pela UCSAL, possui duas especializações-GAMA FILHO E UNEB. Professora de Capoeira da Escola Kimimo e atua na Pedagogia Universitária- UNIRB e UNEB-Jacobina com as disciplinas de Capoeira e Dança no curso de Educação Física. ii Dulce Tamara Lamego Silva e Aquino – e-mail: [email protected]
Pró-Reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da Universidade Federal da Bahia. Possui Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais, como representante da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior ANDIFES.