Análise da geopolítica ambiental contemporânea e seus
desdobramentos na ciência geográfica
Vagner Zamboni Berto
Resumo:
Compreender a geopolitica ambiental contemporânea exige muito mais que
acompanhar noticiários ou protocolos elaborados em conferências internacionais,
resultados de pesquisas ou a compreensão dos efeitos nocivos para o ambiente
geralmente associados exclusivamente a ação humana. Este trabalho visa
apresentar a origem da questão ambiental e principalmente como a ciência
geográfica trabalha com essa geopolítica ambiental. Como pano de fundo dessa
relação apresenta-se como principal motivo para a degradação ambiental o
desenvolvimento do sistema capitalista.
Palavras-chave: Ciência Moderna, Geopolítica ambiental, Geografia e Capitalismo.
Abstract: Understanding the contemporary geopolitical environment requires much more than news or follow protocols developed at international conferences, research results or understanding of the adverse effects on the environment often associated exclusively human action. This paper presents the origin of the environmental and geographical science primarily as works with this geopolitical environment. In the background of this relationship is presented as the main reason for environmental degradation, the development of the capitalist system. Key words: Modern Science, Environmental Geopolitics, Geography and Capitalism.
INTRODUÇÃO
Compreender a geopolitica ambiental contemporânea exige muito mais que
acompanhar noticiários ou documentos elaborados em conferências internacionais,
resultados de pesquisas ou a compreensão dos efeitos nocivos para o ambiente
geralmente associados exclusivamente a ação humana. No presente trabalho,
entende-se que a origem a problemática ambiental contemporânea é, também, um
problema que se inicia com a ciência moderna, com o modo que esta apreende o
objeto natureza versus homem.
No decorrer destre trabalho, apresenta-se um breve histórico da evolução
dessa problemática ambiental. Para tal, busca-se na bibliografia uma compreensão
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mais abalisada sobre o tema, em especial, dentro da ciência geográfica uma vez
que na epistemologia dessa ciência está a relação sociedade/natureza.
No primeiro momento do trabalho apresenta-se uma breve reflexão sobre a
ciência moderna e o nascimento da problemática ambiental. Em seguida, aborda-se
a temática dentro da perspectiva da ciência geográfica no que tange a algumas
reflexões teórico-conceituais da relação Geografia e ambiente. Por fim, aborda-se a
questão da geopolitica ambiental contemporânea.
A ciência geográfica também vai se apresentar na discussão da crise
ambiental como detentora de instrumentos teóricos e técnicos uma vez que está no
fulcro de sua epistemologia a relação sociedade-natureza, e, como se pode
perceber, a questão geopolítica ambiental se dá nesse contexto, como as
sociedades se relacionam entre si e com o ambiente que as sustenta. Como pano
de fundo dessa relação apresenta-se como principal motivo para a degradação
ambiental o desenvolvimento do sistema capitalista.
Para elaboração do trabalho optou-se pelo método investigativo, buscando no
levantamento e análise bibliográfica uma melhor compreensão do assunto que é
cada vez mais relevante na contemporaneidade, uma vez que a questão é
transfronteiriça e diz respeito a toda a sociedade.
1. A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL: HERANÇA DA CIÊNCIA MODERNA?
Na história da humanidade as diferentes sociedades desenvolveram as mais
diversas técnicas para se apropriar de elementos da natureza. Tais técnicas são
advindas tanto da necessidade de cada período histórico, quanto da reflexão teórica
sobre suas práticas. Essa apropriação social da natureza acaba por transformar o
meio, configurando um espaço organizado que reflete o estado das relações sociais
de produção (LEFF. 2006).
Conforme análise de Santos (1996), a principal forma de relação entre a
sociedade e a natureza (meio), se dá através da técnica. Afirma este geógrafo que
"as técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o
homem realiza sua vida. produz e. ao mesmo tempo, cria espaço" (SANTOS. 1996.
p. 25) e, que a integração entre espaço e tempo ocorre por intermédio das técnicas,
no trabalho.
Ainda comentando sobre a técnica, Santos (1996) coloca que:
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[...] através dos objetos, a técnica é história no momento da sua criação e no de sua instalação e revela o encontro, em cada lugar, das condições históricas (econômicas, socioculturais, políticas, geográficas), que permitiram a chegada desses objetos e presidiram à sua operação. A técnica é tempo congelado e revela uma história (SANTOS, 1996, p. 40).
Essas relações entre o conhecimento teórico e os saberes práticos foram de
sobremodo ampliados com o advento do capitalismo, da ciência moderna e da
institucionalização da racionalidade económica. Leff, com pertinência, considera que
Com o modo de produção capitalista produz-se a articulação efetiva entre o conhecimento científico e a produção de mercadorias por meio da tecnologia. O processo interno e expansivo da acumulação capitalista gera a necessidade de ampliar o âmbito natural que, como objetos de trabalho, se apresentam ao mesmo tempo como objetos cognoscíveis (2006, p. 22).
Ainda segundo o mesmo autor, pode-se compreender o papel que assume o
conhecimento científico ligado à necessidade de ampliar a mais-valia relativa, "o que
induz à substituição progressiva dos processos de mecanização por um processo de
cientifização dos processos produtivos" (p. 22). É importante ressaltar que essa
transformação da natureza historicamente não se deu devido à necessidade
emergente de conhecimento tecnológico, mas sim como resultado das
transformações polítíco-econômícas e ideológicas advindas da decadência do modo
de produção feudal na Europa e a ascensão do sistema capitalista.
Conforme analisa Gonçalves (2005), toda a sociedade e toda cultura
produzem um conceito de natureza ao mesmo tempo em que estabelecem suas
relações sociais. Assim, a ciência moderna é instituída por uma sociedade, por uma
cultura, e traz consigo uma determinada concepção de natureza. Nesta perspectiva,
segundo o autor supracitado, a ciência moderna se estrutura a partir de três eixos: a
oposição homem e natureza, a oposição sujeito e objeto e o paradigma atomístíco
individualista.
A oposição entre homem e natureza é bastante presente na sociedade
ocidental. O autor observa que até mesmo as universidades são estruturadas de
acordo com essa oposição, a qual cinde a atividade científica, colocando as
"ciências da natureza" de um lado, e as "ciências sociais" e "humanas", de outro.
Essa visão estabelece ainda que as descobertas de cada um desses campos
científicos não mantêm uma relação entre si. Até mesmo na ciência geográfica,
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lembra o autor, onde essa oposição, em princípio, não caberia, reproduz-se no seu
interior essa dicotomia de cunho positivista através da separação entre "geografia
física" e "geografia humana". Em vista disso, acredita que enquanto persistir esta
ruptura entre as dimensões da natureza e da sociedade, os geógrafos não
conseguirão superar o problema da dicotomia da Geografia. E adverte: "a ecologia
vem ocupando esse espaço teórico e político que os geógrafos não têm sabido
ocupar" (p. 38).
Subjacente a essa oposição homem-natureza, tão marcante no pensamento
ocidental, está o paradigma de que o homem não é natureza, mas sim um ser social
e justamente por isso se distinguiria dos demais seres da natureza. Tal visão traz
consigo a ideia hegemónica que justificaria a dominação do homem sobre a
natureza.
A oposição entre sujeito e objeto está fundamentalmente destacada na
questão do método, o qual assume posição de destaque na ciência moderna com o
filósofo francês René Descartes, pois "com o domínio do método o homem poderá
ter acesso aos mistérios da natureza e, assim, tornando-se senhor e possuidor
desta, utilizando-a para os fins que desejar" (p. 40). A questão do método, do
"caminho a ser seguido", nos mostra que "o cientista constrói um objeto que julga
ser indevido ou insuficientemente desconhecido [...] e a partir de diferentes
abordagens de um dado fenómeno [propõe] uma outra explicação, um outro
caminho" (p. 40). Demo (1989, p. 16) salienta, contudo, que "a metodologia não
aparece como solução propriamente, mas como expediente de questionamento
criativo, para permitir tanto opções mais seguras quanto mais consciência tiverem de
sua marca aproximativa".
A separação entre sujeito e objeto traz algumas implicações importantes à
ciência moderna, tais como a visão do homem como sujeito, sujeito esse que
prevalece sobre a natureza tida como objeto. A necessidade de se colocar o homem
como não-natureza soa um tanto quanto irónica quando se percebe que o que
ocorre, via de regra, é a dominação do homem pelo homem (GONÇALVES, 2005).
No entender de Grum (1996). a abordagem das questões ambientais dentro
da perspectiva cartesiana se torna impossível devido à separação entre o que é
natural e o que é social.
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O problema metodológico enfrentado por Descartes é o seguinte: se existe uma unidade da razão, deve haver algo que necessariamente não seja uno e, portanto, seja divisível. Este algo é o mundo, a natureza, tornada objeto da razão. A consequência disso é que a razão só pode legitimar sua autonomia como divisora do mundo físico. A razão cartesiana pressupõe a divisibilidade infinita do objeto. (GRÚM, 1996, p. 35)
Outro crítico de Descartes é Ferry (1992), que aponta que a distinção
proposta por este entre homem e natureza, acabou por confundir a segunda com
uma máquina, onde "A natureza é, para nós, letra morta. No sentido exato: ela não
nos fala mais porque deixamos há muito tempo – desde Descartes, pelo menos, de
lhe atribuir alma e crer habitada por forças ocultas" (FERRY. 1992. p. 14-15).
Uma concepção mais abrangente e inter-relacional acerca das relações entre
a natureza e a sociedade é apresentada por Casseti (1995). Este autor rejeita
qualquer separação entre estas duas dimensões, entendendo a relação sociedade-
natureza como "um processo de produção de mercadorias ou de produção de
natureza" (p. 14), onde o homem se diferenciaria dos demais animais devido ao fato
de se apropriar e transformar o espaço natural a partir do trabalho e da capacidade
de produção do conhecimento, conhecimento este que apreende a natureza como
objeto da reflexão teórica do homem.
Em detrimento desses argumentos o autor assegura que a maneira como se
dá a relação entre sociedade-natureza depende primeiramente da maneira como se
dão as relações entre os homens na sociedade:
a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por conseguinte, as relações entre a sociedade e a natureza (CASSETI, 1995, p. 17).
Gonçalves (2005. p. 44) comenta que "as instituições que se impuseram
sobre nossa sociedade pretendem aparecer a cada um de nós como [...] naturais".
Contudo, o significado dessa natureza quer dizer imutável. A ideologia impregnada
nessas afirmações esconde que a ideia de que se deve deixar tudo como está
pretendendo-se "congelar a história, a sociedade e a cultura, enfim, manter o status
quo". Tentando elucidar essas afirmações, o autor, na mesma página, chama a
nossa atenção para o fato de que
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devemos ter muito cuidado quando nos tentam convencer de que isso ou aquilo é natural, pois, quase sempre, o que se está querendo exatamente escamotear é aquilo que é da história, da sociedade e da cultura, isto é, a tensão e o conflito de onde o novo, o diferente, podem brotar.
Assim, fica claro que a ciência também é instituída, não é neutra, imparcial,
mas que principalmente representa um conjunto de ideias de uma determinada
sociedade num determinado período de tempo.
O paradigma atomista-individualista da ciência moderna, por sua vez, está
pautado na ideia de que todos os objetos são compostos por unidades indivisíveis: o
átomo. A ideia reducionista não ficou presente somente na Física com o átomo, mas
também em outras ciências como na Biologia, com o organismo, em seguida a
célula e. mais tarde, a molécula; nas ciências do homem, o indivíduo (GONÇALVES,
2005).
Contudo, um maior desenvolvimento das ciências nas primeiras décadas do
século XX, fez ruir cada uma dessas unidades ditas elementares: do átomo chegou-
se aos quarks e aos léptons1 encarado como um campo de interação específica.
Com o desenvolvimento da etologia. ficou evidente que "a vida em sociedade já
existe naquilo que chamávamos de natureza, sobretudo no reino animal"
(GONÇALVES. 2005. p. 46). entretanto, isso não reduz o homem à condição de
igualdade com os outros animais devido ao mesmo se organizar socialmente de
modo próprio.
Contrapondo-se ao reducionismo atomístico-individualista da ciência
moderna, emerge na ciência do século XIX, e especialmente na do seguinte, um
novo modelo para a compreensão da realidade: a teoria dos sistemas. Estaganha
grande destaque no século XX à luz da teoria evolucionista de Charles Darwin, a
qual postula que todos os seres vivos são produtos do processo de evolução. Esta
visão concebe a natureza como estando em constante transformação, e a aceitação
do movimento como modo de existência da matéria, como afirma Sodré (1976. p.
80). "assentou na concepção metafísica da natureza o golpe mais rude".
1 Como informa Moreira (2007), os quarks e os léptons são partículas fundamentais, isso quer dizer
que elas não são formadas por outras partículas da natureza e que estão no núcleo do átomo. Acredita-se hoje que os quarks são a unidade estrutural mais fundamental a partir da qual todas as partículas nucleares se formam.
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As ciências que antes buscavam uma partícula elementar vão se opor ao
reducionismo atomístico-individualista até o surgimento, em 1968, da Teoria Geral
dos Sistemas. Verifica-se a adoção do conceito de sistemas em vários contextos
científicos, como por exemplo, o sistema atómico, sistema solar, sistema celular ou
molecular, sistema social, sistema urbano (GONÇALVES. 2005).
Como se pode perceber nas linhas anteriores. Gonçalves (2005), Grúm
(1996) e Ferry (1992), são críticos ferrenhos da ciência moderna, entretanto, existem
algumas críticas elaboradas a esta concepção negativista da ciência moderna, como
se pretende mostrar a seguir.
Para se compreender melhor as propostas metodológicas da ciência
moderna, é necessário fazer uma análise do contexto sócio-histórico em que ela
surge. No período anterior aos séculos XVI e XVII, marco inicial desta vertente da
ciência tem-se na Europa Ocidental a chamada Idade Média ou Idade Feudal, que
segundo Inforsato e Silva (2000. p. 172) é "caracterizada pelo predomínio de certo
obscurantismo, profundamente influenciados pela Igreja, pela crença em poderes
sobrenaturais [...] e. um temor das forças “ocultas” da natureza”.
Neste contexto histórico é que surge Descartes, que segundo Inforsato e Silva
(2000. p. 173).
Estava profundamente preocupado com a confusão em que se encontrava o pensamento científico de sua época. Ele compreendia que não era suficiente pesquisar e resolver enigmas científicos, era preciso legitimar a própria ciência. O pensamento científico estava muito disperso e era confundido com outros conhecimentos, como o pensamento escolástico, caracterizado por discussões sem fim; com os dogmas que se confundiam com as verdades científicas e mesmo com o pensamento religioso.
Desse modo, pode-se entender que Descartes "foi buscar um método
rigoroso e livre de influências religiosas, para que as certezas pudessem ser
encontradas" (INFORSATO; SILVA. 2000. p. 174). Nasciam aí os pilares da ciência
moderna.
Para rebater os princípios da oposição entre sociedade-natureza, e entre
sujeito e objeto. Inforsato e Silva (2000) afirmam que o objetivo de Descartes estava
pautado em trilhar um caminho seguro, onde o homem pudesse obter resultados
favoráveis, dessa forma, criticando o pensamento escolástico que impedia qualquer
recurso à experiência. Os referidos autores afirmam que:
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Descartes buscava uma compreensão próxima da verdade do que realmente seria a natureza, e este conhecimento deveria ser útil para o bem-estar do homem. A natureza tão inóspita e cruel para o homem do seu tempo poderia enfim ser dominada e ficar livre de todo o ocultismo que despertava temores (INFORSATO; SILVA, 2000, p. 175-176).
Embora Inforsato e Silva levantem argumentos em defesa da ciência
moderna, eles deixam evidente que não desqualificam as críticas feitas pelos
cientistas contemporâneos à mesma, mas que as indagações realizadas por
Descartes, "revelam as necessidades de seu tempo, e que os questionamentos
levantados hoje a respeito das suas afirmações, não é o mesmo que possa ter
existido naquele momento histórico do século XVII" (INFORSATO; SILVA. 2000. p.
176).
Quanto ao método de Descartes, de que o objeto deve ser dividido em
quantas partes forem necessárias para sua compreensão, é muito criticado pelo
movimento ambientalista. os quais entendem que a grande ramificação
(especialização) da ciência dificulta o trabalho inter e transdisciplinar. apontado
como sendo o mais indicado para a produção de um conhecimento científico mais
condizente com a dinâmica da realidade. Os mesmos autores enfatizam ainda que o
método proposto por Descartes, o de dividir o objeto em partes, acaba por facilitar a
sua compreensão e seu estudo, embora haja algumas limitações nesse método.
Ainda em defesa desse argumento, os autores citam Morin (1998). que afirma a
necessidade de se pensar de forma complexa, de modo que se deve "levar em
conta nos estudos, a parte e o todo. sendo que não é possível entender as partes
sem conhecer o todo e o inverso também, não é possível conhecer o todo sem
conhecer as partes" (INFORSATO; SILVA. 2000. p. 178).
Entretanto, não se pretende desqualificar os pressupostos da ciência
moderna, mas busca-se, em vez disso, compreender que ela forneceu importantes
contribuições para o desencadeamento da crise ambiental atual. E que também foi
muito importante para que se pudesse superar uma época de "obscuridade"
científica vivenciada na Idade Média, e que a mesma vem responder aos anseios de
seu tempo.
Numa abordagem de orientação marxista sobre a relação entre sociedade e
natureza, destacam-se no contexto geográfico as ideias de Quaini (1979) e Smith
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(1988), que também serviram, entre outros, de base para a reflexão aqui
apresentada.
Para Smith (1988), embora Marx reconhecesse que a mediação entre a
sociedade e a natureza ocorre através do processo de trabalho, sendo esse
considerado fundamental para a existência humana, o autor coloca que toda a
análise elaborada por Marx sobre o capitalismo vai buscar "separar a propensão
natural do trabalho das formas social e historicamente determinadas do processo de
trabalho sob o modo de produção capitalista" (SMITH. 1988. p. 150). Comentando
sobre a relação entre homem e natureza. Gómez (2004. p. 38). coloca que:
A troca material entre o homem e a natureza é um processo que ocorre ao longo de toda a existência humana. Enquanto o homem existir ele terá que dedicar parte do tempo da sociedade para se apropriar dos objetos da natureza e de transformá-los em objetos de uso humano através do trabalho. Essa é uma necessidade insuprimível da realidade humana. No entanto, é importante observar que se é verdade que o homem jamais poderá deixar de se apropriar dos objetos da natureza por intermédio do trabalho, o modo como ele realiza essa apropriação é historicamente cambiante. A compreensão do modo como os homens se apropriam e transformam a natureza está indissociavelmente ligado às formas como os homens se relacionam entre si e ao desenvolvimento das forças produtivas da sociedade.
Segundo Smith (1988). na sociedade capitalista a natureza aparece como um
objeto do trabalho no processo de produção e diante da busca constante pela
dominação da natureza, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias que
propiciassem tal feito, acabou-se por ver que a dominação da "natureza exterior"
resultou numa crescente dominação da "natureza interior", ou seja, "[d]as próprias
pessoas e pela crescente fragilidade da existência humana" (SMITH. 1988. p. 62).
Pode-se perceber, em vista disso, que o trabalho social acaba por
transformar, não apenas a natureza externa, mas também a própria natureza
humana. E é na busca do capital, a partir da transformação da natureza,
transformando-a em mercadoria, mediada pelo trabalho, que se tem a destruição
dos recursos naturais.
Para Oliveira (2002. p. 6). no sistema capitalista de produção, o trabalhador é
privado dos meios materiais de reprodução de sua existência, o que acaba por fazer
com que ele transforme sua força de trabalho em mercadoria, em troca de um
salário. A autora ressalta que "o capital separa os homens da natureza, em seu
processo de pró d u cão/ré produção e impõe que o ritmo do homem não seja mais o
ritmo da natureza, mas o ritmo do próprio capital".
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No que tange ao sentido histórico da separação do homem em relação à
natureza ou às condições naturais da produção, Quaini (1979, p. 66) assevera que
para Marx
Isso constitui o lado negativo ou contraditório da história do domínio científico, tecnológico e produtivo da sociedade sobre a natureza (ou desenvolvimento das forças produtivas), quando escreve 'não é a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais inorgânicas de seu intercâmbio material com a natureza, e por consequência sua apropriação da natureza, que necessita de uma explicação ou que é o resultado de um processo histórico, mas a separação destas condições inorgânicas da existência humana (isto é, natureza) desta existência ativa (trabalho), uma separação que realiza plenamente somente na relação entre trabalho assalariado e capital'.
Contrapondo a necessidade do trabalho, como requisito fundamental para a
existência do próprio homem, em que a partir desta relação, a natureza acaba por
naturalizar o homem e o homem por humanizar a natureza - que Marx chama de
'dialética da natureza'. Quaini (1979) vai apresentar duas situações do trabalho: a
primeira no trabalho enquanto condição de existência da sociedade humana, e uma
segunda, na relação sociedade-natureza, num âmbito especificamente capitalista.
Na primeira situação, o autor destaca uma definição de trabalho em Marx.
anterior ao modo de exploração capitalista
Em primeiro lugar o trabalho é um processo que se desenvolve entre o homem e a natureza, no qual o homem por meio de sua própria ação produz, regula e controla o intercâmbio orgânico entre ele e a natureza; contrapõe-se, como uma entre as forças da natureza, à materialidade da natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que formam sua corporeidade, braços e pernas, mãos e cabeça, para se apropriar dos materiais da natureza de forma utilizável para sua própria vida. Operando mediante tal movimento sobre a natureza fora de si e transformando-a, ele transforma ao mesmo tempo sua própria natureza. Desenvolve as faculdades que nela estão adormecidas e submete o jugo de suas forças a seu próprio poder. (QUAINI, 1979, p.71).
Em seguida, apresenta o conceito de trabalho no modo de produção capitalista,
onde a relação sociedade-natureza é produtora de mais-valia. a partir do trabalho
excedente, para os detentores dos meios de produção:
[...] para compreender a formação de mais-valia, é necessário partir do trabalho excedente, isto é, de um certo grau de produtividade que consinta
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ao trabalhador produzir mais do que lhe é necessário 'para a conservação de si mesmo e de sua espécie'. Mas isto significa que a possibilidade de trabalho excedente não deve ser considerada como um fato natural, um dom de natureza, enquanto implica condições históricas e sociais precisas: 'somente a partir do momento em que o trabalho já alcançou um certo grau de sociabilidade, começam relações nas quais o trabalho excedente de um se torna a condição de existência do outro' e, inversamente, a proporção das partes de sociedades que vivem do trabalho alheio cresce com o progredir da capacidade produtiva social, (idem, p. 71)
Na abordagem da crise ambiental que ganha importância em nível mundial na
segunda metade do século XX. o enfoque marxista traz para o estudo desta questão
o conceito de metabolismo social desenvolvido por Marx. o qual nos remete ao que
já fora aqui apresentado, ou seja, ao fato de que o homem, ao transformar a
natureza externa, acaba por transformar a si próprio. E, além disso, segundo
Foladori (2001. p. 106), "a ação de transformar a natureza externa constitui o
processo de trabalho, e seu efeito sobre a natureza interna se manifesta na forma
como se estabelecem às relações sociais de produção".
Assim, para elaboração deste trabalho, acredita-se que o estudo da qualidade
ambiental urbana deve procurar enfatizar uma abordagem que procure elucidar a
relação sociedade-natureza. que vise uma análise dessa interação a partir das
relações de trabalho e. assim a questão ambiental, que assume grande proporção
no mundo moderno, principalmente no que tange as assume grande proporção no
mundo moderno, principalmente no que tange as cidades, poderá ser mais bem
elucidada.
A ciência geográfica também tem muito a contribuir com a discussão da
relação sociedade-natureza. uma vez que esta questão se faz presente desde a
institucionalização desta como ciência, na segunda metade do sécuo XIX, abrigando
discussões internas da questão ambiental além de grandes mudanças no que diz
respeito a concepções teóricas dessa relação sociedade-naturez, sobretudo com o
advento da(s) chamada(s) Geografia(s) Crítica(s) em meados da década de 1970.
2. GEOGRAFIA E AMBIENTE: REFLEXÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS
O progresso das ciências não está ligado unicamente à aplicação de seus
conhecimentos, mas também na reflexão teórica que se desenvolve no decorrer de
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processos históricos e ideológicos, onde emergem e se [re]produzem (LEFF. 2006).
Seguindo essas ideias, procura-se, por grande parte dos geógrafos, através da
ciência geográfica a elucidação dos processos, de como as sociedades
[re]produzem o seu espaço, especificamente a partir da análise do seu objeto de
estudo, o espaço geográfico, produzindo conhecimentos que contribuam para
explicar e propor soluções aos desafios vividos pelas sociedades para que se tenha
o desenvolvimento de uma sociedade melhor para todos.
A reflexão sobre o espaço geográfico, sobre conceitos e métodos de análise
elaborados pelos geógrafos, é responsável pela produção do conhecimento
geográfico, no sentido de compreensão sobre as relações entre a sociedade e a
natureza. Tais relações, que se dão no transcorrer da história, dão origem ao espaço
geográfico, espaço este que deve ser compreendido, segundo Santos (1996), como
contínuo, uma herança da história natural, que se cria fora do homem e se torna um
instrumento material de sua vida e cuja distinção entre natureza e sociedade se
daria pela diferenciação entre coisas (natureza) e objetos (aquilo que é criado a
partir de uma intencionalidade).
Deste modo, pode-se compreender o espaço geográfico como construído a
cada dia. uma vez que ele não é imutável, estando sempre sofrendo alterações de
acordo com as necessidades de cada momento vivido pela sociedade. O espaço
corresponde a "pedaços de tempo submetidos à mesma lei histórica, com
manutenção da estrutura" (SANTOS. 1996. p. 70), possui um valor simbólico e
material diferenciado, pois os objetos e ações também mudam. Um exemplo típico é
o centro de algumas cidades, que nodecorrer das décadas acabou tendo minguado
o seu prestígio social e económico, devido, entre outras, à descentralização das
atividades prestadas no espaço citadino.
A Geografia utiliza-se de diversos meios teóricos e técnicos para buscar
compreender o espaço geográfico, de uma forma mais abrangente, fazendo uso. por
exemplo, de atividades de campo, de elementos estatísticos, de mapas, do
sensoriamento remoto, da cartografia digital, do sistema de posicionamento global
(GPS), entre outros.
De acordo com Casseti (1995). o espaço geográfico é fruto das relações
sociedade-natureza tendo como mediador o trabalho, enfatizando que o que
assegura essa unidade dialeticamente contraditória é a produção material, tornando-
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se evidente que a relação sociedade-natureza é uma relação de trabalho,
determinadas pelas relações entre os próprios homens. Neste sentido, o autor
afirma que
[...] a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econõmico-social e, por conseguinte, as relações entre a sociedade e a natureza. (CASSETI, 1995, p. 17)
A adoção de uma Geografia em que a análise dialética do espaço geográfico
se faz presente junto as adversidades vivenciadas com maior ênfase na segunda
metade do século XX (culturais, políticas, económicas, sociais etc.), proporcionou
uma nova maneira de se compreender a relação entre sociedade e natureza, pois
segundo Casseti (1995. p. 20) "a forma de apropriação e transformação da natureza
responde pela existência dos problemas ambientais, cuja origem encontra-se
determinada pelas próprias relações sociais".
É também no século XX que se discute mais acentuadamente o papel que a
ciência moderna desempenhou na separação do homem da natureza notadamente
por ser na segunda metade do século passado que eclodiu a chamada crise
ecológica, quando o desequilíbrio entre a sociedade moderna e a natureza
assumem dimensões globais, fato este atribuído principalmente à revolução técnico-
científica dos séculos XVI e XVII. momento em que a natureza passa a ser
concebida enquanto recurso (VESENTINI, 1989).
Como herança da ciência moderna, calcada especialmente no método
racional empirista, chega-se a uma compreensão do homem como externo a
natureza. Como legado desse modo de compreender a relação sociedade-natureza,
tem-se um homem que vê a natureza como algo a ser dominado, no entanto,
percebe-se que essa relação traz escamoteada a dominação do homem pelo próprio
homem. Essa relação de dominação existente entre os homens ganha maior
notoriedade com a Revolução Industrial, onde o modo de produção vigente acaba
transformando o espaço geográfico numa velocidade e escala muito maior. O
processo de urbanização, que se intensifica drasticamente a partir desse momento,
principalmente na Europa, acaba por transformar o modo de vida e a organização
das sociedades. A ciência geográfica, institucionalizada na segunda metade do
século XIX, primeiramente na Alemanha e em seguida na França, fundamentada
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principalmente em dois paradigmas calcados no positivismo2, o determinismo
(escola alemã), e o possibilismo (escola francesa), esse período da ciência
geográfica, conhecido como Geografia Tradicional, estava fortemente impregnado
por uma pretensa neutralidade científica, que Andrade (1987) coloca como sendo
uma forma de camuflar os compromissos sociais e políticos que a mesma possuía
com o Estado. Não se pode esquecer, contudo, que nem todos os geógrafos ditos
tradicionais, compartilhavam dessa abordagem positivista. Os geógrafos anarquistas
Piotr Kropotkin e Elisée Reclus. por exemplo, opuseram-se radicalmente a esta
perspectiva.
O período posterior à Segunda Guerra Mundial, essencialmente na década de
1950. marcou o início de uma grande crise mundial que implicou na transformação
das categorias social, política, económica e cultural e atingiu a Ciência Geográfica,
levando-a a uma nova forma de tratar os aspectos naturais.
De acordo com Andrade (1987. p. 96). os geógrafos clássicos, ao serem
chamados para dar uma contribuição à reconstrução da Europa no pós-guerra
perceberam que "a geografia que se limitava a observar, a descrever e a explicar a
paisagem, utilizando o 'olho clínico', não usava técnicas que a levassem a ver o que
se fazia, de forma invisível, na elaboração da paisagem". A partir disso, são
intensificadas as pesquisas em dados estatísticos e o desenvolvimento da
cartografia com o advento do computador e do sensoriamento remoto.
Essa renovação pela qual passava a ciência geográfica buscou romper com o
pensamento tradicional, levando muitos geógrafos a repensar a natureza da
Geografia, reformulando seus princípios científicos e filosóficos, e buscando novos
paradigmas que permitisse à Geografia disputar importância com outras disciplinas
da área de planejamento e de crítica social.
Sobre essas transformações vivenciadas na ciência geográfica, Moraes
(1994. p. 98) aponta que
O movimento de renovação, ao contrário da Geografia Tradicional, não possui uma unidade; representa mesmo uma dispersão, em relação àquela. Tal fato advém da diversidade de métodos debusca do novo foi empreendida por variados caminhos; isto gerou propostas antagónicas e
2 Vale ressaltar que embora o Positivismo de Auguste Comte tenha dado suporte metodológico para
maior parte dos geógrafos da chamada Geografia Tradicional ele não foi o único. Ver, entre outros, Andrade, 1987; e Gomes, 1996.
15
perspectivas excludentes. O mosaico da Geografia Renovada é bastante diversificado, abrangendo um leque muito amplo de concepções. Entretanto, é possível agrupá-las em função de seus propósitos e de seus posicionamentos políticos, em dois grandes conjuntos: um pode ser denominado Geografia Pragmática, e o outro de Geografia Crítica.
Comentando sobre a Geografia Pragmática ou Nova Geografia, Gomes
(1996) ressalta que apesar dela tentar refutar as tradições geográficas e adotar
novas técnicas e novas perspectivas apoiadas na visão sistémica, por modelos
lógico-matemáticos, ela hesitou em contestar os fundamentos geográficos e os
fundamentos sociais que sustentavam a Geografia Clássica, ainda visíveis em sua
base de sustentação.
Com o advento da Teoria Crítica vivenciada na ciência geográfica a partir da
década de 1970 no Brasil, busca-se uma Geografia que procure dar um enfoque
histórico e dialético para as diversas questões (sociais, culturais, económicas,
políticas e ambientais) que afligem o mundo contemporâneo, e dessa maneira
procurando construir entendimentos que expliquem a realidade sobre o ângulo da
classe proletária defendida pelo marxismo, sendo feitas, desse modo. grandes
críticas à Geografia Teorética Quantitativa. Cabe ressaltar também que nem toda a
Geografia Crítica foi marxista, nem possuía uma mesma concepção do marxismo,
embora possa haver predominância dessa concepção, há diversas abordagens e
leituras do espaço geográfico, se relacionando, mas não chegando a formar uma
unidade como. por exemplo, a Geografia da Percepção ou Comportamental. e a
Geoqrafia Ambiental. Essa corrente crítica de pensamento é conhecida como
Geografia(s) Crítica(s) ou Radical, cujos representantes são chamados de
"geógrafos radicais" por
[...] tomarem uma atitude que, ao analisar as injustiças sociais e os bloqueios a um desenvolvimento social, vão às raízes, às causas verdadeiras destes problemas, e de críticos por assumirem os seus compromissos ideológicos, sem procurarem esconder-se sob falsa neutralidade. (ANDRADE, 1987, p. 122)
Um dos temas que ganham maior importância pelos geógrafos nas décadas
de 1960 e 1970, se refere à questão ambiental. A questão ambiental eclode após
esse período, segundo Mendonça (1993). devido aos efeitos da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), sobretudo, pela capacidade de destruição das armas
construídas pelo homem, e que após esse conflito, lentamente vão surgindo na
Europa e nos EUA, iniciativas para preservação do ambiente.
16
Além da Segunda Guerra (1939-1945), Mendonça (1993) aponta também que
a globalização das economias capitalistas e socialistas muito contribuiu para a
abordagem da questão ambiental, mais enfaticamente a economia capitalista norte-
americana. que ao levar até aos países não industrializados os seus principais
ramos industriais e junto com eles a dominação cultural, ideológica e o
descompromisso em garantir a qualidade de vida e do ambiente em nome da
reprodução do capital, vão acabar contribuindo pujantemente com a degradação
ambiental nesses países. Isto foi marcante no espaço urbano, onde. conforme
Mendonça (1993. p. 38). o que "deveria promover desenvolvimento social - acabou
por garantir a situação de dependência atual onde estão presentes desempreao.
analfabetismo, êxodo rural, epidemias, violência, subnutrição, degradação ambiental
etc".
A seguir, apresenta-se uma discussão sobre a geopolítica da problemática
ambiental de forma a compreender a evolução desta temática na ciência geográfica
principalmente no período posterior a segunda Guerra Mundial.
3. A GEOPOLITICA DA PROBLEMATICA AMBIENTAL
A crise ambiental ganha importância nos fóruns científicos a partir da segunda
metade do século XX, especialmente das décadas de 1960 e 1970. Vesentini (1989)
esclarece que essa crise ambiental, gritante na atualidade, é, antes de tudo. fruto do
desequilíbrio nas relações entre a sociedade moderna e a natureza, cuja origem
está fundamentada na visão da natureza enquanto recurso, subserviente da
"revolução técnico-científica" dos séculos XVI e XVII e, intrinsecamente, ligada "ao
desenvolvimento do capitalismo e a ocidentalização de quase todo o planeta"
(VESENTINI. 1989. p. 10).
Dentre os principais eventos que ampliaram a discussão ambiental em âmbito
mundial na década de 1970 destacam-se, nos EUA. os movimentos de lutas civis
pelos direitos dos negros e das mulheres, a oposição à guerra do Vietnã e o
movimento de contracultura, dentre outros. A isso se podem acrescentar outros fatos
como o questionamento da "esquerda tradicional", ocorrido na França em maio de
1968. além dos riscos da utilização da energia nuclear (VESENTINI, 1989).
17
De acordo com Chacon (2003. p. 70), a problemática ambiental já existia há
muito tempo e vinha se agravando, entretanto "foi somente depois desses
problemas se concretizarem no âmbito da classe média, no espaço por ela ocuoado
e em sua Qualidade de vida. aue o movimento ecolóaico de fato começou".
Um marco da importância que assume a 'consciência ecológica' em nível
mundial, está na organização da primeira Conferência das Nações Unidas (ONU)
sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia em 1972. Esse evento
sociopolítico foi de extrema importância para a abordagem das questões ambientais,
principalmente por reconhecer a elevada degradação ambiental que já se
encontrava a biosfera. Entretanto, ressalta Mendonça (1993), na prática esse evento
não resultou numa mudança de posturas quanto à forma de exploração do
património ambiental.
Monteiro (1981, p. 19) relata que “na Conferência de Estocolmo, cerca de mil
delegados de 122 nações, produziram 12.000 páginas de documentos condensados
posteriormente em 500”. Porém este esforço, no final, resultou apenas em
“recomendações”.
Por essa razão a Conferência tornou-se um símbolo, um referencial na
História deste século como o momento da eclosão da “questão ambiental”. Segundo
Monteiro (1981, p. 19) “ela reflete claramente que os interesses políticos e as
injunções econômicas estão acima das preocupações com a qualidade do ambiente,
e acima de tudo, que o universo está dividido entre nações ricas e nações pobres
cujos pontos de vista sobre a questão ambiental são conflitantes”.
Acot (1990) relata que na Conferência de Estocolmo foram lançadas as bases
de uma Legislação Internacional do Meio Ambiente, onde se uniu a proibição do
armamento atômico aos grandes problemas ecológicos, e onde a discriminação
racial, o Apartheid e o colonialismo foram condenados. O autor realizou um
levantamento histórico de como ocorreu a degradação do meio ambiente entre o fim
do século XIX e os anos setenta do século XX, mostrando a necessidade de
compreender melhor as causas e os mecanismos dos desequilíbrios ambientais.
Para Marcondes (1999. p. 460), o grande destaque dessa Conferência está
em "tratar politicamente o tema como ambiente humano, enfocando o homem e a
perspectiva social como partes integrantes do problema, na busca de um diálogo
entre os países industrializados e os em desenvolvimento". Nesta década, surgem
18
vários movimentos e até partidos políticos de natureza ecológica ou ambientalista
em quase todo o mundo.
A partir deste momento surgem diferentes opções para o trato da questão
ecológica, que podem ser divididos em dois grupos, segundo Vesentini (1989, p. 31):
"os estudiosos da questão ambiental e os militantes ecologistas". Dentro do grupo
dos estudiosos encontra-se uma grande diversidade de especialistas das mais
diversas ramificações da ciência como. por exemplo, das ciências biológicas e
biomédicas. da Geologia, da Geografia, da Antropologia e da Economia. No que
concerne aos militantes ecologistas. o autor afirma que há manifestantes desde a
extrema direita, passando por posições de centro-direita, centro-esquerda até as de
extrema esquerda, devido principalmente à preocupação com a questão ecológica
não defender uma classe em particular. Neste contexto, ainda conforme Vesentini
[...] a questão ambiental, na realidade, ultrapassa os limites usuais entreos conhecimentos científicos, as ciências parcelares. Ela vai além da oposição homem/natureza, razão/matéria, ciências humanas/ciênciasexatas, apresentando desafios de renovação para as disciplinas e novas perspectivas [...] de análise mais global, holística (VESENTINI, 1989, p. 31).
De acordo com Moreira (2004), é na década de 1970 que uma série de
questionamentos sobre a crise das formas classistas de representação de mundo
toma maior consistência. Como consequência da ineficácia desse modelo baseado
nos pressupostos da ciência moderna frente às atuais exigências, advindas de
novas descobertas científicas, surgem amplos debates sobre "o estatuto da verdade
científica e de todo o paradigmático de representação clássica nela referenciado"
(MOREIRA. 2004, p. 51).
Comentando sobre a questão ambiental e ecológica que assumem dimensões
globais no século XX, especialmente na segunda metade deste. Monte-mór (1998.
p. 174) instiga que a questão ambiental e ecológica "vêm trazer transformações
profundas na compreensão do processo de produção e na organização económica e
espacial da sociedade contemporânea", entretanto, o real impacto dessa
consciência sobre o ambiente construído deixa muito a desejar, principalmente no
que diz respeito às áreas urbanas, uma vez que elas
[...] têm sido vistas tradicionalmente como espaços mortos, do ponto de vista ecológico. Ainda que tomadas como focos principais da problemática ambiental contemporânea - seja pela lógica da produção industrial e suas
19
mazelas ambientais, seja pelos padrões de consumo que atuam intensamente na destruição e desperdíciodos recursos naturais e humanos - as metrópoles, as cidades e as áreas urbanas têm sido ainda pouco consideradas nos seus aspectos ambientais. (MONTE-MÓR, 1998, p. 174).
Essa crise paradigmática vivenciada nas décadas de 1960 e, principalmente,
na década de 1970, também acabou por impulsionar uma reflexão teórica interna na
ciência geográfica. Moreira (2004. p. 47) salienta que "a geografia, a exemplo de
outros campos de saber, mostrou-se teoricamente desarmada para o desafio
intelectual então posto, entrando numa fase de transformações críticas [...]". Desse
modo. a abordagem do ambiente na ciência geográfica toma grande impulso a partir
desse momento e, segundo Canali (2004, p. 184), "com a crescente demanda por
estudos ambientais, a Geografia poderá retomar e atualizar alguns conceitos ou se
apropriar de novos".
A partir da eclosão da crise ambiental, ocorrida entre 1968 e 1972, alguns
geógrafos se dedicaram a estudos para a compreensão da relação sociedade-
natureza, fazendo com que a Geografia se mostrasse como uma ciência capaz de
estabelecer esta relação.
Segundo Acot (1990), tendo em vista as diversas degradações da natureza
consecutivas à ação transformadora dos homens, houve uma necessidade de reagir
e compreender melhor as causas e os mecanismos dos desequilíbrios.
Segundo Gregory (1992), o interesse pela conservação do meio ambiente
começou na metade do século XIX, mas teve pouca influência na Geografia Física
até o século XX, tendo recebido pouca atenção por parte dos geógrafos.
Entre as décadas de setenta e de oitenta do século XX, com a intensificação
da “onda ambientalista”, os pesquisadores começam a discutir e produzir trabalhos
ligados à área de Geografia Física, sendo que a maior parte destes, por estarem
ligados às Universidades, tinham, assim, uma vida acadêmico-científica.
Para Monteiro (1981), as décadas de setenta e de oitenta do século passado,
houve uma tomada de consciência da população em relação às inúmeras agressões
que vinham se multiplicando no Brasil em relação à natureza e aos níveis
insatisfatórios da qualidade ambiental, numa sucessão de eventos que assustou
pela rapidez e intensidade.
20
Segundo o Troppmair (1983), os anos 70, do século XX, as pesquisas
ambientais estavam direcionadas para verificação dos danos causados ao meio
ambiente. Já na década seguinte ressalta o autor, ganha destaque a pesquisa
interdisciplinar, assim como o planejamento do uso dos recursos naturais visando a
otimização da organização espacial-ambiental.
A Geografia, nas décadas de oitenta e de noventa do século XX poderia ser
chamada de Ambientalista, tendo em vista a tomada de consciência da população
com a preservação do meio ambiente e a preocupação dos pesquisadores em
produzir trabalhos voltados para a questão ambiental.
Segundo Moraes (1994), é importante entender a formação do território
brasileiro e suas principais características para entender como ocorrem o
planejamento e a gestão ambiental. Os órgãos ambientais devem ser um elemento
de articulação e coordenação intersetorial, cujas ações perpassem diferentes
políticas públicas. A gestão ambiental é a ação institucional do poder público no
sentido de objetivas a política nacional de meio ambiente, ou seja, a política
ambiental estatal. A gestão ambiental deve acompanhar toda atividade de gestão do
território e a sociedade deve exercer controle sobre o Estado no que se refere ao
uso dos recursos e ao respeito ao patrimônio natural nacional.
Silva (1995) relata que as instituições governamentais brasileiras ligadas ao
meio ambiente, em seus diferentes níveis (federal, regional, estadual ou municipal)
apresentam-se com reduzida capacidade de operação real sobre os problemas
ambientais de sua responsabilidade. Há deficiências de preparo científico entre os
técnicos destas instituições e há falta de recursos e dispersão dos fundos
disponíveis em ações diretas. Relata, ainda, que a inserção de pesquisas ambientais
brasileiras no quadro geopolítico é tarefa premente e inarredável. Neste mundo em
transformação acelerada é suicídio cultural não estudar sua realidade ambiental e
não tentar adquirir capacidade de previsão quanto a possíveis eventos futuros
relativos ao ambiente, a maior herança para gerações futuras.
Bernardes e Ferreira (2003, p. 27) ao abordarem a crise ambiental no século
XX, relataram que “um dos mais importantes movimentos sociais dos últimos anos,
promovendo significantes transformações no comportamento da sociedade e na
organização política e econômica, foi a chamada „revolução ambiental‟”. Segundo
esses autores, com raízes no final do século XIX, a questão ambiental emergiu após
a Segunda Guerra Mundial, promovendo importantes mudanças na visão do mundo.
21
Relatam, ainda, que “pela primeira vez a humanidade percebeu que os recursos
naturais são finitos e que seu uso incorreto pode representar o fim de sua própria
existência”. Assim, com o surgimento da consciência ambiental, a ciência e a
tecnologia passaram a serem questionadas. A geopolítica ambiental demonstra
atualmente que essa é questão central em todas as dimensões atuais do
desenvolvimento.
Contudo, ainda não se desenvolveu uma clareza a respeito do que precisa
ser feito nesse sentido e, principalmente, quais os fatores dentro desse contexto
devem ser priorizados na busca pelo progresso e desenvolvimento da humanidade.
A partir do momento em que o mundo passou a presenciar catástrofes e problemas
ambientais alguns organismos internacionais passaram a exigir uma mudança de
postura mundial.
Diante desse contexto, a questão ambiental engloba a escala planetária como
nova Ordem Social e Política do mundo contemporâneo forçando uma pauta política
ambiental mundial, com novos cenários de interpretação, concepção e
implementação de políticas públicas para e no território.
Devido a problemática ambiental ter se tornado uma questão que deva ser
tratada por vários países em conjunto, uma vez que essa questão obriga adoção de
políticas comuns por ter se tornado um problema que atinge a escala planetária,
considera-se mais adequado para se referir a essa questão usar o termo geopolítica
da problemática ambiental.
O uso desse vocábulo remete a ideia da importância do tema, pois da mesma
maneira que sua origem está no modo de produção capitalista adotado no passado,
os benefícios por ela gerados não foi vivenciado de forma comum, logo, a
responsabilidade do ônus ambiental não podem recair apenas sobre os países que
hoje apresentam os maiores problemas ambientais, nem muito menos a pretexto de
preservar o que ainda resta, relativizar a soberania das nações que ainda
apresentam relativa riqueza de biodiversidade. Por isso, acredita-se que o caminho
deva partir de ações em conjunto entre todos os países, pois os impactos são
sentidos por todos os habitantes do planeta, por isso a necessidade de uma
geopolítica ambiental.
O mundo passava na última década do século passado por profundas
transformações políticas principalmente no que tange ao fim do conflito Leste-Oeste
e via desde algum tempo a emergência de outro conflito tão antigo quanto este de
22
ordem ideológica, o chamado conflito Norte-Sul, de ordem econômica, denunciando
um abismo existente entre as economias do norte, ricas e desenvolvidas e as do sul,
pobres e agroexportadoras, mas que estavam diretamente interligadas pelo fluxo de
matérias primas e mão-de-obra barata para as indústrias dos países ricos que se
instalaram no mundo subdesenvolvido.
Dentro desse contexto, como já descrito anteriormente, a sociedade civil
organizada, passa a questionar esse tipo de desenvolvimento e principalmente a
contestar essa exploração que por via de regra, acaba por impactar sobre a
qualidade de vida de todas as classes sociais, inclusive daquelas que estão longe
dos grandes centros industriais e/ou de extração de recursos minerais que geram
grandes impactos ambientais.
Nesse sentido, aponta Oliveira (2010) ganhou destaque a presença marcante
da Organização das Nações Unidas (ONU) que em 1972 organizou a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Foi a partir dessa Conferência,
cujo resultado marcante foi a elaboração de uma declaração de princípios
(Declaração de Estocolmo), que o mundo passou, gradativamente, a tratar de forma
diferente os problemas ambientais.
A partir desses questionamentos apontados pela sociedade em geral, como
principalmente pelas organizações não governamentais (ONG‟S), e organismos
internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) em seus vários
órgãos, debates em torno da questão ambiental passam a ser constantes na mídia e
a ser um tema recorrente na pauta de discussões de quase todos os governos,
inclusive o Brasil, que passa a ser diligentemente cobrado sobre a proteção da
Amazônia, tratada como um dos três últimos redutos da biodiversidade3 do planeta.
A mundialização da economia no século XX consegue ampliar a área de atuação
das forças do mercado, ao estender as teias de apropriação do território e dos
recursos naturais a ele associados às “mais antigas periferias da economia-mundo”
(BECKER, 2001, p. 135; BECKER 2006, p.24), sobretudo, a Amazônia.
Becker (2005, p. 77) ainda aponta que esse contexto geopolítico,
principalmente na década de 1980/1990, levou a um pensamento mundial apontado
para a soberania compartilhada e o poder de gerenciar a Amazônia, que, segundo a
3 Segundo Berta Becker (2005, p. 77) há três grandes redutos naturais em todo o mundo contemporâneo: a
Antártica, que é um espaço dividido entre as grandes potências; os fundos marinhos, riquíssimos em minerais e vegetais, que sao espaços não regulamentados juridicamente; e a Amazônia região que estã sob a soberania de estados nacionais, entre eles o Brasil.
23
autora, chegou a abalar o Direito Internacional. Na geopolítica moderna, sua atuação
se dá “por meio de influir na tomada de decisão dos Estados sobre o uso do
território, uma vez que a conquista de territórios e as colônias se tornaram muito
caras” (BECKER, 2005, p. 71).
Essa mobilização do mundo voltada para a preservação da Amazônia acabou
por pressionar o governo brasileiro a desenvolver políticas especificas voltada para
defesa da grande floresta. Entre as principais ações do governo para a proteção da
floresta estão a criação do Programa Calha Norte e o Sistema de vigilância para
proteção da Amazônia (SIVAM/SIPAM). Este último, surge como uma resposta a
possíveis questionamentos que seriam levantados na Conferência do Rio (ECO-92),
sobre quais ações o governo brasileiro estava tomando para manutenção da
Floresta Amazônica. Ao contrário da Conferência de Estocolmo (1972) a Eco-92
teve um caráter distintivo devido à presença de inúmeros chefes de Estado,
comprovando assim, a importância da questão ambiental no início dos anos de
1990.
A Conferência do Rio (ECO-92), promovida pela ONU, tinha vários objetivos,
segundo Candotti (1992, p. 115), os três grandes objetivos eram:
Primeiro, levar à consideração das políticas de comércio e indústria dos países participantes um programa de redução dos impactos sociais e ambientais causados pelo sistema produtivo. Responder a pressão dos movimentos sociais preocupados com a crescente devastação dos recursos e ambientes naturais. Promover o debate de novos modelos de desenvolvimento econômicos atentos à justiça social, à conservação dos ecossistemas e aos limites da exploração das matérias-primas; segundo, estabelecer tratados e convenções internacionais dedicados à preservação das condições de sobrevivência das espécies que habitam o planeta e o equilíbrio dos ecossistemas complexos. Definir códigos e normas que orientem programas de conservação ambiental, e limitem os danos provocados pela ação do homem sobre a terra, a água e o ar. Promover a cooperação internacional em projetos de recuperação e proteção dos ambientes físicos e naturais; e, por fim, aproximar o debate dos temas ecológicos e às políticas ambientais às grandes questões do desenvolvimento econômico, da pobreza, da saúde, da educação, das concentrações urbanas e do crescimento populacional. Associas as iniciativas de proteção da biodiversidade e a valorização da sociodiversidade.
Embora esses objetivos sejam muito bonitos, pra não dizer utópicos, eles
esbarram numa série de dificuldades apontadas pelo mesmo autor, uma vez que as
políticas adotadas pelos Estados então pautadas em relações comerciais que
24
suplantam os limites nacionais como se pode perceber nas dificuldades que Candotti
(1992, p. 116) elenca:
A dinâmica dos mercados da economia mundial determina uma competição de preços e qualidade que sacrifica os custos da conservação do ambiente. 2. As relações de poder entre as nações do mundo apoiam-se em arsenais militares, produtividade industrial e agrícola e rentabilidade dos investimentos financeiros. Fatores que desconhecem as razões da conservação ambiental. A dinâmica da produção industrial e agrícola depende da capacidade de inovar e desenvolver tecnologia. A circulação destes conhecimentos obedece aos vínculos impostos pelos interesses empresariais e os direitos que protegem a propriedade intelectual. Limites estes raramente conciliáveis com os interesses públicos e a construção de um patrimônio científico e tecnológico comum da humanidade. As recentes transformações do quadro político global redefiniram as prioridades e a direção dos investimentos dos países ricos. Recursos que poderiam ter sido destinados para programas ambientais nos países do sul foram orientados para a recuperação das economias dos países do leste europeu.
Desse modo, é possível compreender quão complexa é a relação entre o
desenvolvimento de uma geopolítica ambiental mundial e a sua implantação. Os
estados nacionais não detêm mais o controle absoluto sobre seus territórios, ou
melhor, não são os únicos a implantarem seus interesses na dinâmica
desenvolvimentista de seus espaços delimitados por relações de poder, mas
também se curvam aos interesses do capital. Mesmo os interesses do capital
colocando em risco a própria sobrevivência da humanidade. Por mais que as
discussões internacionais sobre a necessidade emergente de uma geopolítica
ambiental tenha se tornado urgente, sua implementação ainda depende de
interesses de grandes grupos econômicos.
Mesmo com as dificuldades para se adotar e mais ainda, para implantar
ações práticas no que concerne proteção ambiental é evidente que foi a partir da
realização da Conferência de Estocolmo que muitos países passaram a alterar suas
Constituições de acordo com as orientações recomendadas nas declarações da
ONU. Logo, quando ocorreu a Conferência do Rio, em 1992, a preocupação com a
questão ambiental por parte dos Estados já era latente, tanto que o evento contou
com delegações de 178 países. Desta forma, Soares (2004, p. 45) comentando
sobre a importância de eventos como a Conferência de Estocolmo e a do Rio de
Janeiro afirma que elas:
25
“[...] têm exercido o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar seja nas legislações domésticas dos Estados, seja na adoção dos grandes textos do direito internacional da atualidade. Por outro lado, ambas as declarações cumprem a função própria dos grandes textos de natureza fundamental da história da humanidade, qual seja de petrificar em textos escritos e solenes aqueles valores que já se encontravam estabelecidos nos sistemas jurídicos da maioria das nações e nas relações internacionais recíprocas, ao mesmo tempo em que declaram outros valores que constituem novidade e representam exteriorizações da emergente consciência da necessidade da preservação do meio ambiente global.”
Para Bomfim (2010), a questão ambiental se faz latente nos meios de
comunicação, entretanto, para que as ações que impactam sobre o ambiente
comecem a ser sentidas na prática ainda carecem de muitos esclarecimentos e
atitudes. De acordo com esse autor, a reversão do quadro de destruição da natureza
deve começar por tocar em pontos cruciais e caros ao modelo capitalista de
desenvolvimento, principalmente ao que tange a sociedade de consumo, ao
desenvolvimento ilimitado, ao direito sem limites de propriedade dos ricos, a
expropriação do trabalhador, o processo de mercantilização de tudo entre outros
fatores.
No entender do referido autor, muitos temas devem ser melhor discutidos pela
sociedade tais como o desenvolvimento sustentável, apontado como saída para este
imbróglio ambiental que nossa sociedade está vivendo, tido por alguns como a única
solução, mas Bomfim (2010, p.4) questiona quando aponta que
[...] até mesmo o chamado “desenvolvimento sustentável” é uma “justaposição inconciliável entre duas palavras, no caso “desenvolvimento” e “sustentável”. Tudo que se fala a respeito de “responsabilidade ambiental”, consciência ecológica”, “áreas de preservação”, “políticas verdes”, etc., não conseguem impedir a destruição da natureza, em nome do desenvolvimentismo. Se coletivamente não desejamos a destruição da natureza, por que isso segue acontecendo? [...] É bem provável que as mazelas oriundas da degradação não são sentidas por todos ou pelo menos da mesma forma. E que nem todos perdem com a degradação, porque seus agentes são reais alguns até ganham com ela.
E, como resposta ao por que dessa questão ser de impossível resolução
dentro do sistema capitalista o autor abaliza uma série de considerações muito
pertinentes e não discutidas pela mídia em geral, tais como: primeiro, os países
subdesenvolvidos nunca vão atingir os mesmos níveis de desenvolvimento dos
países ricos porque isso é impossível, a igualdade é um mito; segundo, o próprio
26
termo subdesenvolvimento ou em desenvolvimento trás a ideia de que isso é apenas
um estágio, uma fase para atingir o desenvolvimento, fase esta nunca vivenciada
pelos atuais ricos e desenvolvidos; terceiro, os países pobres estão subordinados a
um jogo geopolítico que os faz permanecer no mesmo patamar, e que não podem
rejeitar devido as consequências serem muito piores.
Nesta questão, é muito valioso ressaltar a ideia de Layrargues (1997, p. 18),
que bem coloca que no sistema capitalista os pobres são os culpados pela própria
pobreza e que “ocorreu um movimento de dupla conveniência entre Norte e Sul,
onde o primeiro desejando omitir a poluição da riqueza, e o segundo, desejando
obter investimentos para mitigar a pobreza, orquestram seus interesses particulares
em total harmonia”. Este autor ainda argumenta que há algo de estrutural nas
propostas políticas que surgiram nas propostas políticas apresentadas nesses
grandes eventos como ECO-92 e o Protocolo de Quioto (1997) que é lógica
mercadológica do desenvolvimento sustentável, que está relacionada a uma
pretensa simbiose entre países ricos e países pobres que é o surgimento de um
novo mercado, o dos créditos de carbono.
Becker (2005), comentando sobre a mercantilização da natureza aponta que
a mesma está se transformando ele mercadoria fictícia porque ela não foi produzida
para a venda no mercado e que a partir dessa ficção são gerados mercados reais,
assim como terra, dinheiro e trabalho, no início da industrialização, foram
transformadas em mercadorias fictícias, gerando mercados reais. É o capitalismo se
reinventando, transformando a geopolítica ambiental e o desenvolvimento desigual
entre as nações em mais um viés de mercado.
Voltando ao que Bomfim (2010, p. 10), já havia questionado sobre esse tema,
vale lembrar que segundo o autor
“a conveniência dos países pobres em aceitar a ajuda dos países ricos, numa falsa simbiose, que permite a estes últimos continuarem a poluir, na verdade é apenas uma forma de controle temporário, um paliativo, que não tem impedido o crescimento da degradação ambiental diante de um grande contingente de homens e mulheres já degradados por sua condição de vida”.
Além do mais, Bomfim (2010, p. 11) muito bem salienta o grande dilema do
desenvolvimento sustentável dentro do sistema capitalista quando afirma que:
27
“Nosso sistema social tem uma lógica de consumo associada ao produtivismo. De imediato, qualquer proposta de ruptura dessa lógica nos parece trazer consequências, como: crise, recessão, desemprego, carestia, atraso, etc. Quando consumimos pouco, a indústria cai, o desemprego aumenta, o setor terciário também sofre, a crise se instala e todos os seus efeitos mais perversos podem aparecer (fome, guerra...). Por isso, dentro desse sistema não se pode atacar o consumismo, a grosso modo. Esse é o maior dilema para a proposta de desenvolvimento sustentável, que comumente hipostasia a questão, apontando como problema a produção de lixo em vez do consumo”.
Por isso, o autor ressalta que se não se reverter o quadro de consumismo
associado ao produtivismo, qualquer ação, a posteriori, está nos efeitos e não na
causa, por isso será apenas um paliativo, um movimento superficial e sem efeito,
logo, o problemas está no sistema adotado como um todo, assentado na lógica
consumista- produtivista-predatória.
4. CONCLUSÃO
Portanto, pensar a questão geopolítica ambiental atualmente (leia-se,
principalmente da segunda metade do século XX em diante), assume importância
máxima nas pautas de grandes encontros internacionais envolvendo todas as
temáticas sejam elas financeiro-econômicas, desenvolvimentistas, sociais, culturais,
etc.
Abordar essa temática também é repensar sobre as próprias bases
epistemológicas da ciência geográfica e cabe aos geógrafos e demais cientistas
contribuírem com discussões e ações sobre a atuação do homem sobre a natureza.
No caso específico da Geografia, essa relação está no cerne do próprio existir da
ciência geográfica, ou seja, a relação sociedade-natureza.
Também se faz importante uma mudança na forma de desenvolvimento que
as sociedades adotaram, é próprio do sistema capitalista e exploração de muitos
para a manutenção da riqueza e bem-estar de poucos. Ficou claro no texto acima,
ou pelo menos era o que o texto pretendia mostrar, que é impossível perseguir o
desenvolvimento sustentável enquanto se atacar os efeitos da crise geopolítica
ambiental e não suas causas propriamente ditas. As ações que vão realmente vão
impactar de forma positiva sobre a situação ambiental vivenciada no mundo atual
estão necessariamente fundamentadas numa mudança no padrão consumo-
produção-predação desenfreados do sistema mundo.
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Manuel Correa de. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à
análise do pensamento geográfico. São Paulo: Atlas. 1987.
ACOT, Pascal. História da ecologia. Tradução de Carlota Gomes. Rio de Janeiro:
Campus, 1990. 212p.
BECKER, Bertha Koiffmann. Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é
possível identificar modelos para projetar cenários? Revista Parcerias
Estratégicas. n. 12, setembro de 2001.
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