UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e GestãoAmbiental
CONFLITOS INSTITUCIONAIS EM EMPREENDIMENTO DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE OITO PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS/PCHs NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO JURUENA, NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Brasília
2007
ii
IANE ANDRADE NEVES
CONFLITOS INSTITUCIONAIS EM EMPREENDIMENTO DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE OITO PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS/PCHs NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO JURUENA, NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge Rosa Carneiro
Brasília 2007
iii
Dissertação de autoria de Iane Andrade Neves, intitulada Conflitos Institucionais em Empreendimento do Setor Hidrelétrico: Estudo de Oito Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs na Bacia Hidrográfica do rio Juruena, no Estado de Mato Grosso, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental, defendida e aprovada, em seis de dezembro de 2007, pela banca examinadora constituída por:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Jorge Rosa Carneiro - Orientador
____________________________________________________________
Dra. Rosangela de Souza Biserra - Examinadora Externa
____________________________________________________________
Profª. Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade - Examinadora Interna
Brasília 2007
iv
DEDICATÓRIA
A Deus, ao meu pai Ivo Antônio Neves e a
todos aqueles que, de alguma forma,
acreditaram e contribuíram para a
realização deste estudo.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília (UCB);
Aos professores Paulo Jorge Rosa Carneiro (Orientador) e Antônio José Andrade Rocha, professor e ex-diretor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental da UCB a quem devo valiosos momentos de trabalho e amizade;
Aos colaboradores diretos e indiretos, seja pela disponibilidade de materiais ou em conversas, especialmente os colegas da Mappa Engenharia e Consultoria; da Juruena Participações e Investimentos S.A; representada pelo técnico Frederico G. Muller; da Agência Nacional de Energia Elétrica; da Fundação Nacional do Índio; da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso.
Aos parceiros de reflexão sobre o objeto desta pesquisa José Francisco Rodrigues Furtado, Robson Cândido da Silva e minha irmã Isis Andrade Neves;
Aos professores e funcionários do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental, pela convivência harmônica, apoio e amizade;
À amiga, comadre e professora Ida Claudia Pessoa Brasil pela atenção, carinho e toques durante os diferentes momentos do mestrado;
À estimada turma de 2005, pelo jeito de estudar e trabalhar, agregando esforços e estimulando a aprendizagem entre todos.
vi
RESUMO
O estudo desta dissertação refere-se à avaliação da relação entre as instituições envolvidas no processo de licenciamento de oito Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) projetadas para serem implementadas na bacia hidrográfica do rio Juruena, em Mato Grosso (MT), a partir da visão propiciada pelo conjunto de normas ambientais, em especial do setor elétrico, sobre os recursos naturais, as comunidades indígenas residentes na região de influência, a sociedade nacional e o Estado. O modelo de geração de energia no Brasil está baseado, principalmente, em fontes hidráulicas, e quando houve uma redução na construção de novas usinas hidrelétricas, foram estabelecidas novas referências para o setor elétrico brasileiro, com claros incentivos pelo governo para a construção de PCHs. Os estudos exigidos para um empreendimento hidrelétrico servem de cenário para a relação entre as instituições envolvidas que tratam da análise dos impactos ambientais e socioeconômicos, tendo em conta as práticas públicas do setor elétrico e sua relação com os diferentes órgãos públicos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Secretaria do Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA/MT) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A FUNAI representando as comunidades indígenas; a SEMA/MT representando o Estado de Mato Grosso e seus recursos naturais; e a ANEEL responsável pelo recurso hidrelétrico. O tema trata do levantamento dos dispositivos legais e procedimentos em torno de empreendimentos hidrelétricos, que acabam sendo o centro de conflitos entre instituições públicas. Esse tema justifica-se pela necessidade de equacionamento da questão ambiental sobre empreendimentos de infra-estrutura para o país e o fato da aplicação da legislação ambiental ser passível de diferentes interpretações pelos vários entes públicos envolvidos.
Palavras-chaves: Questão ambiental; meio ambiente; setor elétrico; conflitos =institucionais; PCH.
vii
ABSTRACT
The study refers to the evaluation of the relationship between the institutions involved in the process of licensing of eight Small Powerplants (PCH in Portuguese) designed to be implemented in the basin of the river Juruena, on the state of Mato Grosso (MT). This consider the vision provided by the set of environmental standards, particularly electric sector, on the natural resources, indigenous communities living in the region of influence, the national society and the state. The model of energy generation in Brazil is based mainly on hydraulic sources. When there was a reduction in the construction of new hydroelectric plants, have been established new references for the brazilian electric sector, with clear incentives by the government for the construction of PCH. The studies required for a Hydroelectric plant serve as a backdrop to the relationship between the institutions involved with the analysis of the socioeconomic and environmental impacts, considering the public practice of Electric Sector and its relationship with the different public agencies: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA/MT) and Fundação Nacional do Índio (FUNAI). The FUNAI representing indigenous communities, the SEMA/MT representing the State of Mato Grosso and its natural resources, and ANEEL is responsible for hydroelectric resource. The issue identifies the legal norms and procedures of hydroelectric plants which have just been the center of conflicts between public institutions. This theme is justified by the need for resolution of environmental matter about infrastructure’s implementation for the country and the different interpretations of environmental legislation by the various public areas involved.
Keywords: Environmental Issue; environment; electricity sector; institutional conflicts; PCH.
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estado de Mato Grosso e hidrografia........................................................31
Figura 2 - Trecho do rio Juruena e tributários...........................................................32
Figura 3 - PCHs no rio Juruena, terras indígenas e municípios................................38
Figura 4 - Hidrografia, rodovia e terras indígenas no Estado de Mato Grosso.........39
Figura 5 - Trecho do rio Juruena, municípios, malha viária e terras indígenas.........43
Figura 6 - Grupos indígenas na região do Alto Rio Juruena.....................................45
Figura 7 - Área do estudo da Avaliação Ambiental Integrada/AAI............................80
Figura 8 - Imagem de satélite da área do estudo de AAI..........................................81
ix
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 - Margem do rio Juruena................................................................................30
Foto 2 - Índio Nambikwara em traje de banho...........................................................52
Foto 3 - Índia Nambikwara confeccionando adorno..................................................52
Foto 4 - Índio Rikbaktsa.............................................................................................52
Foto 5 - Índios Enawenê-Nawê em dança tradicional...............................................52
Foto 6 - Índios Paresi em reunião..............................................................................52
Foto 7 - Índios Menky desenhando mapa..................................................................52
x
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Bacia Hidrográfica do alto e médio Juruena, PCHs e terras indígenas......92
Mapa 2 – Localização dos eixos dos barramentos em relação a TI Nambikwara................................................................................................................96
Mapa 3 - Imagem de satélite da bacia hidrográfica do alto e médio Juruena..........103
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Bacias Hidrográficas do Estado de Mato Grosso.....................................29
Tabela 2 - PCHs quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto.............34
Tabela 3 - Caracterização das Terras Indígenas na região das oito PCHs...............46
Tabela 4 - Informações relacionadas às entidades governamentais no caso das oito PCHs da Bacia do Alto rio Juruena............................................................................90
Tabela 5 - Distância das oito PCHs às onze Terras Indígenas.................................95
xii
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 - Termo de Referência da FUNAI..............................................................109
Anexo 2 - Informação sobre o uso dos recursos hídricos.......................................115
Anexo 3 - Termo de Referência da AAI...................................................................116
Anexo 4 - Oficialização da não incidência das oito PCHs em terras indígenas......134
Anexo 5 – Licenças de Instalação das oito PCHs...................................................135
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAI Avaliação Ambiental Integrada
AER Administração Executiva Regional
AHE Aproveitamento hidrelétrico
AIA Avaliação de Impacto Ambienta
ANA Agência Nacional de Águas
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
ART Artigo
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCC Conta de Consumo de Combustível
CF Constituição Federal
CGPIMA Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente
CMAM Coordenação de Meio Ambiente
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
DAF Diretoria de Assuntos Fundiários
DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
ELETROBRÁS Centrais Elétricas Brasileiras S/A
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental
FEMA Fundação Estadual do Meio Ambiente
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNDEPAN Fundação de Desenvolvimento do Pantanal/
Hd Queda de Projeto
xiv
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
LI Licença de Instalação
LO Licença de Operação
LP Licença Prévia
MJ Ministério da Justiça
MMA Ministério do Meio Ambiente
MP Ministério Público
MT Mato Grosso
MW Megawatt
NAL Núcleo de Apoio Local
PCE Projetos e Consultoria de Engenharia
PCH Pequena Central Hidrelétrica
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PPA Acordo de Compra de Energia (Power Purchase Agreement)
PROINFA Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
RAS Relatório Ambiental Simplificado
SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente
SIN Sistema Interconectado Nacional
SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
TCU Tribunal de Contas da União
TI Terra Indígena
TR Termo de Referência
UHE Usina Hidrelétrica
xv
SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................................vi ABSTRACT.............................................................................................................................vii LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................viii LISTA DE FOTOGRAFIAS......................................................................................................ix LISTA DE MAPAS....................................................................................................................x LISTA DE TABELAS................................................................................................................xi LISTA DE ANEXOS.................................................................................................................xii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..................................................................................xii INTRODUÇÃO........................................................................................................................16 CAPÍTULO 1 – MARCO CONCEITUAL.................................................................................20 1.1 - Conflito................................................................................................................23
1.2 - Bacia Hidrográfica...............................................................................................27 1.3 - Empreendimento do Setor Hidrelétrico...............................................................32 1.4 - Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs..............................................................33 CAPÍTULO 2 – DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO...........................................................39 2.1 - Situação político-administrativa da região das oito PCHs..................................39 2.2 - Situação dos grupos indígenas da região das oito PCHs..................................44 2.2.1 - Territorialidade dos cinco grupos indígenas na região do empreendimento.....................................................................................................................46 CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA.............................................................................................53 CAPÍTULO 4 - IDENTIFICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS...........................................56 4.1 - ANEEL................................................................................................................62 4.2 - SEMA/MT............................................................................................................67 4.3 - FUNAI.................................................................................................................69 CAPÍTULO 5 – IDENTIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS LEGAIS DAS OITO PCHS EMPREENDIMENTO COMPLEXO JURUENA......................................................................74 5.1 - ANEEL................................................................................................................74 5.2 - SEMA/MT............................................................................................................77 5.2.1 - Responsabilidade dos estudos e exigibilidade de EIA.........................79 5.2.2 - Renovação das licenças de instalação e AAI.......................................80 5.3 – FUNAI.................................................................................................................83 CAPÍTULO 6 – ANÁLISE ENTRE DISPOSITIVOS LEGAIS, PROCEDIMENTOS E CONFLITOS DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO INSTITUCIONAL...................... .............91 CONCLUSÃO.......................................................................................................................100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................106 ANEXOS...............................................................................................................................109
16
INTRODUÇÃO
Cada vez mais a questão ambiental se insere no cotidiano da população,
assim como nas políticas públicas, tornando-se um assunto de interesse nacional e
mundial. As discussões que cercam a realização de empreendimentos de
significativo impacto na natureza, sejam por interesse e demandas de setores da
sociedade, sejam por resultado de implementação de políticas do setor público,
acabam por integrar diferentes grupos (sociedade, empresários, comunidades
indígenas, entes federados, e órgãos que representam cada setor) e interesses na
gestão dos recursos naturais.
A utilização dos recursos hídricos, sendo um de seus usos a geração de
energia elétrica, passou a ser uma questão vital para o país em virtude do aumento
da demanda por energia e possíveis situações que envolvem outros interesses
(irrigação, transporte, lazer, e outros). Há também a possibilidade de racionamentos,
como o ocorrido em 2001, que se deu em função de que a disponibilidade de
energia, naquele momento, não atendia as necessidades decorrentes do
crescimento do país.
O modelo de geração de energia no Brasil está baseado, principalmente, em
fontes hidráulicas, e a partir dos anos 1990, quando houve uma redução na
construção de novas usinas hidrelétricas, foram estabelecidas novas referências
para o Setor Elétrico Brasileiro, com claros incentivos pelo governo, para a
construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs.
Na década de noventa, e mesmo antes, foram também estabelecidos outros
instrumentos legais, regulamentares e normativos para a proteção dos recursos
ambientais (recursos hídricos inclusive), assim como se desenvolveram
procedimentos mais precisos para os estudos técnicos que visualizam as
conseqüências ambientais de um empreendimento dessa natureza. O Estudo de
Impacto Ambiental/EIA é um desses instrumentos, que incluem os diagnósticos e
prognósticos ambientais e o plano básico para implementação de medidas de
controle (mitigação) e compensação de impactos.
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Os órgãos de meio ambiente, responsáveis pela definição das diretrizes que
regem os estudos, condição elementar para a concessão das licenças, são
obrigados por lei a considerar o entendimento de outras entidades e segmentos da
sociedade o que nem sempre se dá sob condições ideais ou adequadas de
conhecimento dos problemas que envolvem empreendimentos de geração
hidrelétrica, gerando conflitos de interesse.
Os estudos exigidos para um empreendimento hidrelétrico servem de cenário
para a relação entre as instituições envolvidas que tratam da análise dos impactos
ambientais e socioeconômicos, tendo em conta as práticas públicas do Setor Elétrico
e sua relação com os diferentes órgãos públicos (ANEEL, SEMA/MT e FUNAI).
Desse modo, a presente dissertação tem como tema o levantamento dos
dispositivos legais e procedimentos em torno de empreendimentos hidrelétricos, que
acabam sendo o centro de conflitos entre instituições públicas: de um lado a que tem
por competência regular e fiscalizar a produção de energia elétrica, e do outro os
órgãos responsáveis por outros grupos da sociedade. Neste caso, a FUNAI
representando as comunidades indígenas; a SEMA/MT representando o Estado de
Mato Grosso e seus recursos naturais e, também, a sociedade nacional; e a ANEEL
responsável pelo recurso hidrelétrico.
Constatou-se o fato da aplicação da legislação ambiental ser passível de
diferentes interpretações pelos vários entes públicos envolvidos, como no caso de
algumas pequenas centrais hidrelétricas do Estado de Mato Grosso. A própria
definição do limite da área impactada é analisado e considerado diferentemente pela
ANEEL, SEMA/MT e FUNAI, no caso específico das oito PCHs do Complexo
Energético Juruena.
Buscou-se neste estudo analisar de que forma os conflitos entre os diferentes
órgãos da administração pública interferem, ou não, no desenvolvimento de infra-
estrutura do país, mesmo que atuando em consonância com o cumprimento das leis
ambientais e em sintonia com a utilização sustentável dos recursos naturais.
A hipótese levantada é de que, os Órgãos Públicos (ANEEL, SEMA/MT e
FUNAI) trabalham individualmente para a realização de um empreendimento, sendo
a legislação ambiental palco de conflitos pela diferente interpretação dada às
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normas do licenciamento ambiental, devido ao ethos1 de cada entidade. A
elaboração de diferentes instrumentos de gestão ambiental para a aprovação de um
empreendimento, definida por cada entidade pública acaba por alongar o processo
legal, devido às análises não integradas realizadas administrativamente.
O objetivo geral do estudo é avaliar a relação entre as instituições envolvidas
no processo que trata da análise dos impactos ambientais e socioeconômicos de
oito PCHs projetadas para serem implementadas na bacia hidrográfica do rio
Juruena (MT), a partir da visão propiciada pelo conjunto de normas ambientais, em
especial do Setor Elétrico, sobre os recursos naturais, as comunidades indígenas
residentes na região de influência, a sociedade nacional e o Estado.
Os objetivos específicos do estudo são:
1. Identificar as normas da ANEEL, SEMA/MT e FUNAI adotadas para
implementação de empreendimento denominado de Pequena Central
Hidrelétrica/PCH;
2. Identificar os procedimentos institucionais de gestão adotados por cada
órgão público definido nesse estudo para a realização do empreendimento
Complexo Juruena;
3. Analisar a relação entre os dispositivos legais e seus
encaminhamentos nas três esferas públicas, com avaliação dos conflitos e
contradições do processo de negociação institucional entre a ANEEL, SEMA/MT e
FUNAI, com proposição de medidas de diminuição de conflitos.
As análises realizadas foram alicerçadas, metodologicamente, em pesquisas
bibliográficas, em relatórios técnicos oficiais, legislação, páginas institucionais e em
trabalhos acadêmicos; e em pesquisas empíricas por meio de relatos com
informantes envolvidos na questão ambiental; e pesquisa documental, legislação e
documentos institucionais e organizacionais. Fez-se a identificação de como estão
sendo realizados os procedimentos necessários para os estudos ambientais de cada
um dos três órgãos alencados.
1 Ethos (antrop): Característica comum a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade (www.kinghost.com.br/dicionário/ethos.htlm, acessado em 22.11.2007. Nesse caso, a forma como cada órgão público define seus procedimentos acaba pro caracterizá-lo.
19
Esse tema justifica-se pela necessidade de equacionamento da questão
ambiental sobre empreendimentos de infra-estrutura para o país, resultando em um
processo lento muitas vezes decorrente das divergências de aplicação da legislação
pertinente. Se durante o processo houvesse uma estruturação de trabalho entre os
diversos entes públicos no sentido de uma solução que atendesse a todos os
interesses envolvidos, sobretudo os configurados como conflitos sócios ambientais,
o ganho seria de todos.
No Capítulo 1, o marco conceitual apresenta os principais temas desta
dissertação: os conflitos socioambientais, o que são empreendimentos do setor
hidrelétrico, e as pequenas centrais hidrelétricas na bacia hidrográfica do rio
Juruena.
O Capítulo 2 descreve a área de estudo, sua posição político-administrativa
na região do empreendimento e a situação dos grupos indígenas na área do entorno
das PCHs.
O Capítulo 3 apresenta a metodologia utilizada para o desenvolvimento do
trabalho.
O Capítulo 4 trata da identificação da legislação dos três órgãos levantados
neste processo de construção de PCH, a ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI.
O Capítulo 5 aponta os procedimentos institucionais de gestão adotados por
cada um dos três órgãos públicos para a realização do empreendimento na bacia
hidrográfica do rio Juruena.
Já o Capítulo 6 analisa a relação entre os dispositivos legais e os
procedimentos nas três esferas públicas do empreendimento denominado
“Complexo Juruena”, com avaliação dos conflitos do processo institucional entre a
ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI, com proposição de medidas de diminuição de
conflitos interinstitucionais que incidem sobre questões socioambientais. E por fim a
conclusão do trabalho.
20
CAPÍTULO 1 – MARCO CONCEITUAL
Diante dos diferentes encaminhamentos, na esfera federal e estadual, sobre a
implantação das oito PCHs, ao longo da bacia hidrográfica do Alto Rio Juruena - MT,
provavelmente o monitoramento e equacionamento das atividades é ineficiente.
Diferenças de procedimentos e de esferas de competência, que acabam por
configurar conflitos de gestão para o assunto em destaque.
Na verdade, a resolução dos diferentes questionamentos dos órgãos
responsáveis pela análise da iniciativa que determina a implementação de
empreendimentos hidrelétricos no Brasil, se deve a própria questão ambiental ser
relevante e exigir, dos órgãos públicos, uma postura conservadora no que se refere
à gestão dos recursos naturais. Por isso, tornam-se necessárias articulações entre
os diversos setores participantes da construção de um empreendimento, para que,
de fato, não se perca de vista os preceitos Constitucionais do Art. 225 sobre a
conservação para um meio ambiente ecologicamente equilibrado:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Ocorre, entretanto que por apresentarem histórias e objetivos institucionais
distintos, a ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI acabam por não estabelecer uma
referência comum em relação aos termos, conceitos e interesses envolvidos,
entrando, naturalmente em conflito.
Nos últimos anos a questão ambiental passou a ser mais bem apreciada nos
projetos de infra-estrutura e outros setores da sociedade. Novos métodos e técnicas
de exploração dos recursos naturais passaram a ser discutidos. Novos investimentos
em tecnologias vêm sendo alcançados, sempre com o objetivo de atender aos
interesses das gerações presentes sem o comprometimento das gerações futuras
(MMA, 2000).
21
Em 2003, passou-se a exigir, no âmbito do licenciamento ambiental de usinas
hidrelétricas, que os estudos de impactos ambientais se reportassem à bacia
hidrográfica, em conformidade com a Resolução CONAMA № 001/86 (MMA, 2006):
No entanto a incorporação das diretrizes gerais dos instrumentos de avaliação
para fins de licenciamento ambiental vem se consolidando de forma diferente nos
diversos organismos envolvidos gerando certa defasagem na interpretação dos
instrumentos de gestão disponíveis.
No Estado de Mato Grosso ainda não se está exigindo estudos integrados e
estratégicos das bacias hidrográficas como instrumento precedente à liberação de
licenças, autorizações e concessões, mas parece ser apenas uma questão de
tempo, pois as dificuldades de entendimento e diálogo entre os grupos de interesse
e organismos gestores está exigindo um esforço mais efetivo. Ocorre que o MP
propôs um estudo de gestão integrado de bacia, sendo que a SEMA/MT condicionou
ao processo de licenciamento um estudo desta natureza, sendo exposto no capitulo
de procedimentos.
O Programa Nacional de PCHs encontra-se em vigor como alternativa não
concorrente com as grandes usinas hidrelétricas/UHEs. O programa de dinamização
de infra-estrutura do BNDES trata as PCHs como alternativas de energia renovável,
recebendo incentivo diferencial para sua implementação, por se tratar, igualmente de
condição impar de utilização da energia em regiões afastadas dos grandes sistemas
de transmissão.
E talvez por isso interpretou-se erradamente que nestes casos a problemática
ambiental deveria ser mais facilmente equacionada, atraindo-se o setor privado a
assumir os riscos inerentes a este tipo de investimento (FELICIDADE; MARTINS;
LEME, 2006). O incentivo do poder público, em que o Estado modifica sua
compreensão acerca de suas funções econômicas não altera o nível de importância
atribuído pelo Art. 10 da Lei 6.938/81:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis/IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
22
O investidor privado, certamente deve contar com algum atrativo econômico,
ou as possibilidades de abastecimento de energia elétrica em regiões ainda não
atendida não se materializarão. Todavia incentivo não confere facilidades e o
entendimento da Lei para o uso de recursos naturais não pode ter peso ou
interpretações diferentes.
Devendo-se considerar, ainda, que mesmo que as PCHs apresentem
vantagens, deve-se considerar que custos e benefícios de um aproveitamento
hidrelétrico dependem das condições específicas de cada aproveitamento e não da
escala do projeto; e que é inadequado classificar as hidrelétricas como renováveis
ou não em função de seu porte (TOLMASQUIM, 2005).
Ocorre que o sistema elétrico brasileiro tem se pautado na produção de
energia a partir dos recursos hídricos, por ser considerada a mais abundante
alternativa brasileira de energia, além de ser segura, tanto economicamente como
ambientalmente, mesmo que o assunto seja considerado, de fato, controverso.
Historicamente o governo brasileiro privilegiou essa forma de produção de energia,
em detrimento de outras formas de produção porque em essência, e independente
de qualquer discussão mais acalorada é a forma mais barata e limpa de gerar
energia em grande escala.
E quando se busca o entendimento das políticas públicas dos diferentes
órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos para a efetivação de
empreendimentos, como pequenas centrais hidrelétricas, constata-se que a
diferenciação das ações governamentais acaba por criar animosidades quanto a sua
implementação. E a produção de energia, acaba por potencializar impacto
(antrópico, uso de recursos naturais, dentre outros) e ações sobre a região.
Observam-se duas questões principais: a ambiental e a socioeconômica.
A problemática na questão ambiental deve ser entendida e analisada dentro
das políticas adotadas no processo de implantação de empreendimentos pela esfera
federal, estadual e grupos sociais. Assim, procurou-se apresentar o referencial legal
da questão energética, ambiental e indígena e como se entrelaçam para a
implementação de PCH, focando nas visões desses diferentes agentes do processo
acerca dos recursos naturais e sua relação com a sociedade.
23
1.1 Conflito
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001) apresenta
diferentes conceitos para “conflito”, sendo uma linha de entendimento baseada nas
definições de conflito de competência e conflito de direitos. Conflito de competência
1: discordância a respeito de jurisdição contenciosa entre órgãos da administração
governamental e entidades jurídicas; e conflito de direitos jur: concorrência de
direitos antagônicos de dois ou mais indivíduos, que obriga a que nenhum deles
tenha exercício pleno ou exerça gozo exclusivo do direito do qual se arroga titular,
colisão de direitos.
Podemos ainda conceituar conflito pela esfera social, em que a definição seria
uma forma de interação social, em que o conflito garante uma unidade social e
renovação, uma construção do sujeito social. E nesse início do Século XXI, um novo
tipo de conflito tem estado em diferentes esferas sociais e em diversas etapas do
setor público: o conflito sócio ambiental.
O que se observa é que a área ambiental está estruturada em mais de um
setor da administração governamental, na condição de gestora de um conjunto
específico e próprio de políticas. Na verdade o planejamento ambiental deveria se
integrar setorialmente e entre escalas de governo, cujas ações perpassam diferentes
políticas públicas (MORAES, 2005). Tal nível de planejamento ainda não ocorre nos
licenciamentos ambientais atuais, como das oito PCHs da bacia hidrográfica do rio
Juruena.
Conflito socioambiental ocorre quando dois ou mais atores não estão de
acordo com a distribuição de determinados elementos materiais ou simbólicos com
relação ao controle, uso e acesso dos recursos naturais de determinado ambiente.
Para Frota (2001), a definição para conflitos socioambientais são os
resultados produzidos ao meio antrópico devido a uma perturbação nos meios físico
e biótico, decorrentes da implantação de um empreendimento. Já segundo Litlle
(2001), conflitos socioambientais podem ser definidos como disputas entre grupos
sociais derivados dos tipos de relação mantida com o seu meio natural, inserido no
campo de ação política. O conceito socioambiental engloba três dimensões: o
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mundo biofísico e seus ciclos naturais; o mundo humano e suas estruturas sociais; e
o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses dois mundos.
Os conflitos sociambientais apresentam a seguinte tipologia: 1) os conflitos
em torno do controle sobre os recursos naturais; 2) os conflitos em torno dos
impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural; e 3) os conflitos
em torno do uso dos conhecimentos ambientais (LITLLE, 2001, p.108).
1) Os conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais partem da
iniciativa de grupos sociais definirem que uma matéria-prima encontrada na natureza
é um recurso, e que tem um uso específico. Além da definição dos recursos naturais
como de domínio social, há outra dimensão, a geográfica; isso porque o recurso se
encontra em um lugar específico (LITLLE, 2001, p. 109). No caso do rio Juruena,
este se encontra geograficamente localizado no estado do Mato Grosso, sendo
palco de interesses do estado por estar em seu território; do empreendedor que
definiu o espaço da bacia hidrográfica como local de aproveitamento econômico de
seus recursos; e as comunidades indígenas que têm terras nessa região geográfica,
utilizando os recursos naturais existentes.
Portanto, a geografia do rio Juruena, com suas nascentes na Chapada dos
Parecis e foz no rio Tapajós não apresenta divergência. A questão é sua distribuição
social, onde é preciso decisões políticas para definição de suas utilidades. As
dimensões social e política destes conflitos são expressas por meio das disputas
sobre o acesso aos recursos naturais (LITLLE, 2001, p. 110). No caso das oito PCHs
do rio Juruena, o empreendimento encontra-se fora das terras indígenas, mas o rio
insere-se no território histórico dessas comunidades, entendido como de uso
cotidiano, portanto, sobreposta ao uso requerido pelo empreendedor ao estado.
Assim, os índios querem o rio para seus usos tradicionais, em contraponto ao
empreendedor que solicita acesso a esse recurso natural para produção de energia
elétrica.
Além das dimensões geográfica, social e política, os conflitos socioambientais
contam com uma outra dimensão, a jurídica. Como define Litlle (2001, p. 110), a
dimensão jurídica destes conflitos é expressa por meio das disputas do controle
formal sobre os recursos. Ocorre que cada ator social apresenta seus propósitos e
interesses para a área geográfica cujos recursos naturais estão em disputa, com
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base em dispositivos legais de seus Órgãos públicos, como da própria legislação
ambiental brasileira.
2) Os conflitos em torno dos impactos gerados pela ação humana e natural,
podem contribuir negativamente para o ambiente, gerando impactos diferentes para
a população da região onde ocorre, e de outra beneficiada. E ainda a possibilidade
de esgotamento dos recursos naturais que geram impactos diferenciados nos
variados grupos sociais (LITLLE, 2001, p. 112).
3) E há os conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais, onde
cada grupo social tem conhecimentos ambientais específicos que utiliza para se
adaptar a seu ambiente e desenvolvimento de sua própria tecnologia (LITLLE 2001,
p. 113). Nesta dissertação trabalhou-se com os conhecimentos ambientais utilizados
pelos atores sociais ANEEL, SEMA/MT e FUNAI, em que suas interpretações dos
procedimentos legais para licenciamento ambiental acabam por gerar conflitos.
A questão para a resolução de conflitos socioambientais deve passar por uma
análise específica de cada situação, visto que os ambientes naturais são diferentes,
como os grupos sociais e suas relações geográficas, sociais, políticas e jurídicas.
Geograficamente é preciso determinar sua escala de alcance e depois analisar sua
rede de relações sociais e naturais (LITLLE, 2001, p. 116), caso desta dissertação
em que a escala observada é regional, localizada no estado do Mato Grosso.
Já as mudanças sociais e políticas são entendidas em um contexto histórico,
como as mudanças na esfera jurídica, com novas leis ambientais e novas condutas
legais. Mas acabaram por não unificar os modelos de encaminhamentos dos
procedimentos ambientais a serem praticados dos Órgãos Públicos, visto que muitas
vezes agências governamentais entram em conflito porque cada uma promove os
diferentes interesses de distintos segmentos da sociedade brasileira (LITLLE 2001,
p. 117). Isso porque cada órgão público interpreta a legislação com base no seu
entendimento próprio.
Apesar das particularidades de cada empreendimento, e dos conflitos
advindos de cada processo, com base nos contextos geográfico, social, político,
histórico e ambiental, três procedimentos podem ser delineados para analisar
qualquer um. O primeiro procedimento é a identificação e análise dos principais
atores sociais envolvidos no conflito, onde deve ser entendido com base nos seus
26
interesses econômicos e ambientais. O segundo procedimento é a identificação e a
análise dos principais agentes naturais envolvidos no conflito, e o terceiro é a análise
sintética e global do conflito específico (LITLLE, 2001. p. 119).
Os atores sociais participantes deste empreendimento são representados
pelas instituições públicas que os defendem, o foco está na esfera governamental e
não nos grupos da sociedade civil. Na verdade, a sociedade civil é um espaço de
relações de poder de fato em que está em contínuo e estreito relacionamento com o
Estado, que é o poder legitimado pelas instituições vigentes e do controle de um
território geopolítico (BERNARDO, 2001, p. 43).
E os conflitos socioambientais podem ser trabalhados, também, pelo conceito
de governança. Porque trata da capacidade governativa, com a garantia de
continuidade e implementação de decisões, e a capacidade de ação do Estado na
execução efetiva de políticas públicas; sãos os instrumentos e procedimentos que
garantem a participação, no processo de tomada de decisões, da pluralidade de
interesses e idéias existentes na sociedade (BERNARDO, 2001, p. 47).
A governança é a decorrência de um processo compartilhado de tomada de
decisão que envolve diferentes instâncias (recursos hídricos, energia elétrica,
comunidades indígenas, meio ambiente, infra-estrutura e economia) e espaços de
intervenção pública (ANEEL, SEMA/MT e FUNAI) e contém as políticas do
governo.Tenta captar a riqueza do processo de construção de nexos entre essas
instâncias e espaços, delimitando a política de governo como parte da
materialização de uma política pública (BERNARDO, 2001).
27
1.2 Bacia Hidrográfica
A Lei Federal № 9.433/1997, conhecida também como Lei das Águas,
apresentou princípios e regras para a fixação de parâmetros ambientais e sociais.
No seu Art 1°, inciso V: a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Assim, o marco territorial de
efetivação para empreendimentos é a bacia hidrográfica.
Trata-se de um espaço ambiental e social preferencial de análise e
planejamento, por comportar-se qual um sistema “multinível”, no qual todas as ações
e práticas políticas, econômicas, culturais e outros, sejam elas locais ou mesmo
externas ao sistema, refletem em sua totalidade espacial. Como ressaltam Barbosa,
Paula e Monte-Mór (1997, p. 258 apud ALVARENGA, 2007):
Uma “bacia” tem considerável mérito enquanto unidade física e econômica de análise. (...) Ações ou políticas externas às “bacias” (políticas de preços, por exemplo) podem ter efeitos importantes dentro de um sistema definido nestas, e uma análise econômica, mesmo que incorpore a questão do bem-estar social, pode captar apenas uma parte das interações relevantes dentro do sistema. O gerenciamento adequado requer, assim, que as bacias sejam consideradas como sistemas ‘multiníveis’ que incluam água, solo e componentes sócio-políticos internos e externos. Dessa forma, uma “bacia” característica seria a sobreposição de sistemas naturais e sociais. O sistema natural estaria definido nas bases aquáticas e terrestres (fauna, flora, recursos aquáticos e minerais). O sistema social determinará como essas bases serão utilizadas. Políticas governamentais enquanto uma extensão da organização social e institucional influenciam padrões locais de utilização dos recursos naturais.
Do ponto de vista da hidrologia, segundo Tucci (apud CALASANS et al, 2003,
p. 588-589 apud ALVARENGA, 2007), a bacia hidrográfica pode ser entendida como
“uma área de captação natural da água da precipitação que faz convergir os
escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório. A bacia hidrográfica
compõe-se, basicamente, de um conjunto de superfícies vertentes e de uma rede de
drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar um leito único no
exutório (...). A bacia hidrográfica pode ser considerada um sistema físico onde a
28
entrada é o volume de água precipitado e a saída é o volume de água escoado pelo
exutório”.
Por não coincidir com a divisão político-administrativa do País, a implementação da gestão de recursos hídricos por bacia cria um conflito potencial entre os entes que integram o SINGREH. Os chamados órgãos gestores de recursos hídricos devem agora abrir mão de sua autonomia administrativa sobre a gestão dos recursos hídricos em território estadual para compartilhá-la com a nova instância deliberativa representada pelos Comitês de Bacia (ALVARENGA, 2007).
Podemos definir bacia hidrográfica ou bacia imbrífera como um curso d’água
cuja área da superfície do solo é capaz de coletar a água das precipitações
meteorológicas e conduzi-las ao curso d’água. A determinação é feita por cartas
topográficas com curvas de nível e identificação dos espigões, e consideração das
áreas a montante do local onde se analisa o aproveitamento (REIS, 2003).
No Estado de Mato Grosso, os rios possuem características específicas e
ligações com os locais por onde drenam que acabam representando, por si só, uma
unidade hidrográfica, denominada de sub-bacia, caso da sub-bacia do rio Juruena.
Trabalhando com a questão de sustentabilidade, uma sub-bacia constitui-se
em uma unidade menor da bacia hidrográfica, composta por um rio principal, rios e
córregos que a formam, além de lagos, solos, subsolo, atmosfera, fauna, flora e
atividades humanas, cujas relações determinam o seu efetivo uso e interferem na
qualidade e quantidade de água disponível (MORENO; HIGA, 2005).
Adicionalmente, a bacia hidrográfica, além de se apresentar como novo
cenário da gestão ambiental é também palco da gestão de conflitos, relacionados
com os aspectos quantitativos e qualitativos da água (RIO; MOURA, s.d.: 15 apud
ALVARENGA 2007). Nesse contexto, ao lado dos chamados conflitos institucionais,
interagem os conflitos sociais, decorrentes, por um lado, das diferentes pretensões
setoriais quanto ao uso da água e, por outro, da compreensão do meio ambiente
como uma construção social (ALVARENGA, 2007).
A área deste estudo é a sub-bacia hidrográfica do rio Juruena,
especificamente do Alto rio Juruena, onde se localizam as propostas das oito
Pequenas Centrais Hidrelétricas, inclusas no empreendimento denominado
29
“Complexo Energético Juruena”. A área para licenciamento foi a definida pelo Estudo
de Inventário Hidrelétrico da Bacia do Rio Juruena: Consórcio Juruena.
Tabela 1 – Bacias Hidrográficas do Estado de Mato Grosso CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME
151.0 RIO MAMORÉ 151.1 RIO GUAPORÉ157.0 RIO ARIPUANÃ 157.0 RIO ARIPUANÃ158.0 RIO ROOSEVELT 158.0 RIO ROOSEVELT171.0 171.1 ALTO JURUENA
171.2 RIO DO SANGUE171.3 COMPLEMENTAR171.4 MÉDIO JURUENA171.5 BAIXO JURUENA
174.0 174.1 TELES PIRES ALTO174.2 TELES PIRES MÉDIO174.3 TELES PIRES BAIXO
184.0 184.1 RIO XINGU184.2 RIO RONURO / RIO BATOVI184.3 COMPLEMENTAR
185.0 MÉDIO XINGU 185.1 COMPLEMENTAR240.0 ALTO ARAGUAIA 240.0 ALTO ARAGUAIA
24 250.0 MÉDIO ALTO ARAGUAIA 250.0 MÉDIO ALTO ARAGUAIAA 260.0 260.1 COMPLEMENTAR/CRISTALINO26 260.2 RIO DAS MORTES
260.3 COMPLEMENTAR/TAPIRAPÉ270.0 MÉDIO BAIXO ARAGUAIA 270.0 MÉDIO BAIXO ARAGUAIA660.0 RIO PARAGUAI ALTO 660.0 RIO PARAGUAI ALTO661.0 RIO CUIABÁ ALTO 661.0 RIO CUIABÁ ALTO663.0 AFLUENTES RIO CUIABÁ-ME 662.0 AFLUENTES RIO CUIABÁ-ME664.0 CUIABÁ/PARAGUAI-PANTANAL 663.0 CUIABÁ/PARAGUAI-PANTANAL
FONTE: CNEC, 2000
RIO ARAGUAIA
17
ALTO PARAGUAI
RIO XINGU
RIO TAPAJÓS
RIO JURUENA
RIO TELES PIRES
ALTO XINGU
MÉDIO ARAGUAIA
15 RIO MADEIRA
6 RIO PARANÁ
1 RIO AMAZONAS
2 RIO TOCANTINS
66
18
O rio Juruena (foto 1) é afluente pela margem esquerda do rio Teles Pires,
tributário do rio Tapajós, pertencente à sub-bacia № 17, bacia hidrográfica do rio
Amazonas, (bacia № 1), desenvolvendo-se no sentido Sul-Norte. Com uma área de
drenagem total de cerca de 193.000 km² e extensão de cerca de 970 km, seus
principais cursos d’água são os rios Juína Mirim, Camararé e Juína, pela margem
esquerda, e os rios Arinos, do Sangue e Papagaio, pela margem direita. Tem suas
nascentes na vertente norte da Chapada dos Parecis, no município de Pontes e
Lacerda, a 750 m de altitude, e sua foz no rio Teles Pires, no município de Apiacás,
a 50 m de altitude aproximadamente (PCE, 2002).
30
Foto 1 - Margem do rio Juruena2
Fonte: Foto da JGP (JGP, 2007).
Conforme dados da SEMA/MT, o Alto Rio Juruena tem ainda como tributários
os rios Iquê, Juína, e Vermelho. A área total de 64.309,44 km² compreende, no total
ou em parte, aos municípios de Castanheira, Juara, Juína, Brasnorte, Sapezal,
Comodoro, Campos de Júlio, Conquista do Oeste, Pontes e Lacerda, Aripuanã,
Campo Novo dos Parecis, Nova Lacerda, Vale de São Domingos e Tangará da
Serra. O Baixo Rio Juruena faz a divisa do Estado de Mato Grosso com o Estado do
Amazonas. Neste setor seus principais tributários são os rios São Tomé, Santana, e
Matrinxã. A área total da bacia que drena para o Baixo Juruena está estimada em
29.490,08 Km² e compreende, no total ou em parte, aos municípios de Juara, Nova
Monte Verde, Nova Bandeirante, Juruena, Cotriguaçú e Apiacás.
O rio Juruena apresenta expressivo potencial hidrelétrico, devido às
características que o compõem, como as duas cachoeiras naturais com grande
desnível (Cachoeirão e Juruena), além de ser um rio cujo leito apresenta-se bem 2 Planície de inundação alagadiça na margem do rio Juruena com formações pioneiras fluviais arbustivas com palmeiras e herbáceas, no trecho entre Juruena e Cahoeirão.
31
“encaixado” na topografia da região (toponímia), e, em condições ambientais pouco
afetadas. As águas são limpas, pois o rio não tem outra utilização que não aquela
dada pela natureza. E segundo a ANEEL, as PCHs possibilitam melhor atendimento
às necessidades de pequenos centros urbanos e regiões rurais, devido,
principalmente, no caso de Mato Grosso, a uma vasta e complexa rede hidrográfica
com vazões e outras circunstâncias adequadas a esse tipo de empreendimento.
Fato observado para a implantação de empreendimento como o Complexo
Juruena, segundo a ANEEL, em virtude da vazão regularizada dos rios do Mato
Grosso que nascem no Planalto dos Parecis, os quais possuem muitas quedas e
bom desnível entre a nascente e a foz, facilitando a construção de PCHs, sem a
necessidade de grandes reservatórios (ALMEIDA, 2004).
Figura 1 - Estado de Mato Grosso e hidrografia
Fonte: http: //monitoramento.sema.mt.gov.br/website/MTSAT/viewer.htm
32
Figura 2 - Trecho do rio Juruena e tributários/MT
Fonte: http: //monitoramento.sema.mt.gov.br/website/MTSAT/viewer.htm
1.3 Empreendimento do Setor Hidrelétrico
A energia elétrica de origem hidráulica é uma das mais utilizadas no mundo,
representando cerca de 20% da eletricidade gerada no planeta e sendo a segunda
maior fonte de geração de energia elétrica (TOLMASQUIM, 2005). No caso brasileiro
representa cerca de 90% e é a principal fonte geradora da eletricidade produzida.
A produção de energia elétrica depende de diferentes fatores, como a vazão
de água efetivamente usada para produzir a energia mecânica que acionará o
gerador elétrico. Esta vazão recebe o nome da vazão turbinável (ou turbinada), pois
deverá acionar a turbina que transmitirá energia ao gerador. O valor da vazão
turbinável e suas características ao longo do tempo estarão relacionados com o tipo
de aproveitamento (a fio d´água ou com reservatório), com regularização (se
existente) e com a utilização da água e do aproveitamento totalmente voltado à
33
produção de energia elétrica. Com a produção apenas para a produção de energia
elétrica, toda a vazão poderá ser turbinada. Já em um aproveitamento que
contemple irrigação, navegação e geração de energia elétrica, a vazão turbinável
poderá ser apenas parte da vazão regularizada total (REIS, 2003).
Em uma central hidrelétrica, a água aciona uma turbina hidráulica, um gerador
elétrico para produção de energia elétrica. A turbina hidráulica efetua a
transformação de energia hidráulica em mecânica, sendo o mesmo princípio da roda
d’água que movimentada pela água, faz gira um eixo mecânico (REIS, 2003).
Usinas hidrelétricas possuem um custo de investimento bastante variável em
função do tamanho do reservatório, caso dos custos baseados nas obras civis de
grandes reservatórios (REIS, 2005).
1.4 Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs
PCHs3 são aproveitamentos que tem potência entre 1 e 30 MW e área
inundada até 3,0 km², delimitada pela cota d’água associada à vazão de cheia com
tempo de recorrência de 100 anos (TOLMASQUIM, 2005).
As principais características das PCHs são: possuir rápida entrada no sistema
de potência e flexibilidade para mudar rapidamente a quantidade de energia
fornecida ao sistema devido às mudanças na demanda (uma característica útil para
aumentar o rendimento e melhorar o desempenho de um sistema elétrico
interligado); apresentar baixos custos de operação e manutenção, como de
produção de energia; e apresentar características mais suaves de inserção
ambiental (REIS, 2003).
Assim, em janeiro de 2000, a ELETROBRÁS lançou as diretrizes para
“Estudos e Projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas”, com as atividades
necessárias para a viabilização dos projetos de pequenas centrais hidrelétricas,
3 A definição e legislação sobre PCHs encontra-se no capítulo 4, referente à ANEEL.
34
desde sua fase de identificação até sua implantação, incluindo também os aspectos
metodológicos (TOLMASQUIM, 2005).
A classificação de PCHs proposta pela ELETROBRÁS são: 1. quanto à
capacidade de regularização; 2. quanto ao sistema de adução; quanto à potência
instalada e quanto à queda de projeto.
Quanto à capacidade de regularização do reservatório podem ser: a fio
d’água; de acumulação, com regularização diária do reservatório; e de acumulação,
com regularização mensal de reservatório (TOLMASQUIM, 2005).
Quanto ao sistema de adução existem dois tipos: adução em baixa pressão
com escoamento livre em canal/alta pressão em conduto forçado; e adução em
baixa pressão por meio de tubulação/alta pressão em conduto forçado. A escolha de
um ou outro tipo dependerá das condições topográficas e geológicas que o local do
aproveitamento apresente, como do estudo econômico comparativo (TOLMASQUIM,
2005).
Quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto, a tabela a seguir
classifica as PCHs. Deve-se considerar, no entanto, os dois parâmetros
conjuntamente, pois isoladamente não permitem uma classificação adequada
(TOLMASQUIM, 2005).
Tabela 2 - PCHs quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto
CLASSIFICAÇÃO POTÊNCIA – P QUEDA DE PROJETO - Hd (m)
DAS CENTRAIS (kW) BAIXA MÉDIA ALTA
MICRO P < 100 Hd < 15 15 < Hd < 50 Hd > 50
MINI 100 < P < 1.000 Hd < 20 20 < Hd < 100 Hd > 100
PEQUENAS 1.000 < P < 30.000 Hd < 25 25 < Hd < 130 Hd > 130
Fonte: ELETROBRÁS, 2000.
35
Nas oito PCHs4 que serão implantadas no rio Juruena e estudadas nessa
dissertação, o tipo de PCH a ser desenvolvida será a fio d’água, de adução em baixa
pressão por meio de tubulação em conduto forçado e pequena (entre 1 e 30 MW).
Esse tipo de PCH é empregado quando as vazões de estiagem do rio são
iguais ou maiores que a descarga necessária à potência a ser instalada para atender
à demanda máxima prevista. Nesse caso, despreza-se o volume do reservatório
criado pela barragem. O sistema de adução deverá ser projetado para conduzir a
descarga necessária para fornecer a potência que atenda à demanda máxima. O
aproveitamento energético local será parcial e o vertedouro funcionará na quase
totalidade do tempo, extravasando o excesso de água. Uma PCH a fio d’água
dispensa estudos de regularização de vazões, estudos de sazonalidade da carga
elétrica do consumidor, e facilita os estudos e a concepção da tomada d’água
(ELETROBRÁS, 2000).
A usina a fio d’água tem uma capacidade de armazenamento muito pequena
e, em geral, dispõe somente da vazão natural do curso do rio. Podem ter um
pequeno reservatório para represar água durante as horas que não são de pico para
utilizá-la nas horas de pico do mesmo dia (REIS, 2003).
As oito PCHs são:
A PCH Cidezal com potência de 17,1 MW, reservatório de 0,70 km² e 2,7 km
de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 416,50 m, com uma
barragem e 690 m de largura total e 22,25 m de altura máxima, vazão média mensal
de 158,6 3m/s e queda bruta de 11,5 m.
A PCH Parecis com potência de 15,4 MW, reservatório de 2,88 km² e 8,50
km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 346 m, com uma
barragem de 400 m de largura total e 15,40 m de altura máxima, vazão média
mensal de 187,5 3m/s e queda bruta de 9 m. O circuito hidráulico de geração,
posicionado na margem leste da calha, consiste de tomada d’água no corpo da
barragem, conectada à casa de força ao pé da barragem por uma câmara
intermediária.
4 O Complexo Juruena trata na verdade de onze empreendimentos (8 PCHs, 2 UHEs e 1 PCH com um reservatório que exigiu estudos de EIA/RIMA como as duas UHEs). Este estudo definiu as usinas que exigiram um estudo ambiental simplificado.
36
A PCH Rondon com potência de 13,1 MW, com reservatório de 1,68 km2 e
11,5 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 296,50 m, com
uma barragem 420 m de largura total e 18,30 m de altura máxima, vazão média
mensal de 198,7 3m/s e queda bruta de 7 m. O circuito hidráulico de geração,
posicionado na margem oeste da calha, consiste de tomada água no corpo da
barragem, conectada à casa de força como a PCH Parecis.
A PCH Telegráfica com potência de 30 MW, reservatório de 1,07 km² e 5,9
km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 289,50 m, com uma
barragem de 335 m de largura total e 17,25 m de altura máxima. A vazão média
mensal será de 04,4 3m/s e a queda bruta de 18,2 m O circuito hidráulico de
geração localiza-se na margem leste do rio e consiste de um canal de derivação com
aproximadamente 1,05 km com seção trapezoidal com 20 m de largura na base. No
extremo de jusante, o canal alimenta uma câmara de carga e condutos forçados que
conduzem a vazão derivada até a casa de força na margem do rio.
A PCH Ilha Comprida esta situada no rio Juruena, divisa dos municípios de
Campos de Júlio e Sapezal (MT), terá potência de 18,7 MW, com reservatório de
2,26 km² e 8,7 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 364
m, com uma barragem de 465 m de largura total e 20,90 m de altura máxima, vazão
média mensal de 170,5 3m/s e queda bruta de 12 m. O circuito hidráulico de geração
será posicionado na margem oeste da calha. A casa de força será posicionada ao
pé da barragem.
A PCH Sapezal terá potência de 16,2 MW, com reservatório de 2,90 km2 e
7,2 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 390 m, com
uma barragem de 346 m de largura total e 19,60 m de altura máxima, vazão média
mensal de 165,7 3m/s e queda bruta de 10,5 m. A casa de força será posicionada ao
pé da barragem e na margem leste da calha do rio.
A PCH Segredo terá potência de 21,0 MW, com reservatório de 2,24 km2 e
7,6 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 379,50 m, com
uma barragem de 580 m de largura total e 24,20 m de altura máxima, vazão média
mensal de 167,7 3m/s e queda bruta de 15,5 m. O projeto viabiliza um canal de
derivação para aproveitamento de uma pequena queda concentrada de
37
aproximadamente 6 m a jusante. Esse canal terá cerca de 950 m de comprimento
em seção trapezoidal com 16 m de largura na base.
A PCH Divisa5 está localizada no rio Formiga, a uma distância de 94,9 km de
sua foz no rio Juína, formador do rio Juruena, por sua margem direita, no município
de Campos de Júlio (MT). Terá potência de 9,5 MW, com reservatório de 0,26 km² e
2,1 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 364 m, com
uma barragem de 465 m de largura total e 20,90 m de altura máxima, vazão média
mensal de 34,2 3m/s e queda bruta de 37 m. O circuito hidráulico de geração será
posicionado na margem oeste da calha. A casa de força será posicionada ao pé da
barragem.
A seguir, o posicionamento das PCHs ao longo do rio Juruena conforme
figura 3:
5 PCH Divisa está localizada em um tributário do rio Juruena, e não no curso do rio como as outras sete. Mas foi considerada no Complexo Juruena e no estudo do componente indígena.
38
Figura 3 - PCHs no rio Juruena, terras indígenas e municípios
Fonte: Inventário, 2002.
39
CAPÍTULO 2 – DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
2.1 Situação político-administrativa da região das oito PCHs
O trecho do Alto Juruena, com potencial para a construção de vários
aproveitamentos hidrelétricos, está na região da chapada dos Parecis e faz a divisa
entre os municípios de Sapezal e Campos de Júlio. Assim, os oito aproveitamentos
hidrelétricos localizam-se integralmente nestes municípios (JGP, 2007). Mas
próximos aos municípios de Campo Novo dos Parecis, Brasnorte, Tangará da Serra,
Diamantino e Juína, e o porquê também, da descrição desses municípios,
importantes para integração da região.
Figura 4 – Hidrografia, rodovia e terras indígenas no Estado de Mato Grosso
Fonte: http: //monitoramento.sema.mt.gov.br/website/MTSAT/viewer.htm
40
A região geográfica de influência do Alto Juruena tem mostrado uma grande
vocação agroindustrial, com uma produção agrícola importante, especialmente de
grãos. Há pouco mais de dez anos a soja difundiu-se velozmente, na chapada dos
Parecis, com uma área plantada de mais de 500 mil hectares, nos municípios e
cidades pioneiras de Sapezal, Juina, Campos Novos e Tangará da Serra, e com
uma produtividade média de 3.000 ton/ha, significativamente maior que as das
regiões sudeste e sul do país (JGP, 2007).
Além da soja, são destaques econômicos da região a produção de arroz, a
indústria de madeira e a criação de gado. Esta é uma das regiões de rápido
crescimento no país, principalmente por causa das atividades de exportação
baseadas na agroindústria, o que impacta diretamente o mercado de energia elétrica
regional, para o qual é previsto um crescimento superior a media do Mato Grosso
(JGP, 2007).
A base econômica dos municípios nesta região está representada pela
agricultura mecanizada, do plantio de soja, algodão, milho, arroz e milheto, onde
ocorrem os solos do tipo Latossolos Vermelho-Escuro e Vermelho-Amarelo
distróficos, de textura argilosa à média, localizados nos patamares mais elevados
dos interflúvios fluviais entre os rios Formiga, Juruena e Sapezal. Em Sapezal, o
escoamento da produção de grãos é feito de Itacoatiara, no estado do Amazonas,
por meio de hidrovia, utilizando-se o rio Madeira. No caso de indústrias, são aquelas
vinculadas as produções de grãos na região, como as de beneficiamento de arroz,
de sementes e de algodão (PCE, 2002).
A região do município de Sapezal foi utilizada por viajantes e aventureiros
desde o século XVIII, mas apenas ocupada e desenvolvida a partir da abertura da
fronteira agrícola mato-grossense. O núcleo urbano de Sapezal se formou com as
famílias de agricultores que se instalaram na década de 70 nas fazendas adquiridas
em diversas regiões do município. Os agricultores foram colonos sulistas, a maioria
oriunda do norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste do
Paraná, que, embora tenham vindo para a região na época da política
governamental de colonização dos anos denominados pelos historiadores de "Febre
de Colonização", entre 1970 e 1980 não foram instalados pelas instituições
governamentais ou privadas de colonização (PCE, 2002).
41
A zona urbana começou a ser povoada com a abertura da estrada MT-235
(Estrada Nova Fronteira) e do Loteamento da Cidezal Agrícola, de propriedade de
André Antônio Maggi, em meados de 1987. Com a construção do primeiro armazém
graneleiro de Sapezal: "Amaggi Armazéns Gerais", a família Ghedin foi a primeira a
se instalar na área urbana de Sapezal em 1987, Estas iniciativas do empresário
André Antônio Maggi geraram neste mesmo ano, os primeiros sinais de vida do
comércio de Sapezal e estimulou a vinda de famílias para povoar o município. (PCE,
2002).
A Lei № 6.534, de 19 de setembro de 1994, criou o município. O município de
Sapezal conta com uma população total de 7.889 habitantes, população urbana de
5.506 e população rural de 2383 habitantes, sendo a população flutuante de 1.500
habitantes. A população economicamente ativa é de 6.500 trabalhadores (PCE,
2002).
A organização da colonização e povoamento da região de Campos de Júlio
deu-se por ocasião da abertura da “fronteira agrícola mato-grossense”, ocorrida a
partir da década de setenta, no sentido sul/norte/oeste. A Lei Estadual № 5.000, de
13 de maio de 1986, criou o distrito de Campos de Júlio, com território no município
de Comodoro. Após oito anos no estágio de distrito, o povoado de Campos de Júlio
reuniu condições de reivindicar a emancipação política e administrativa,
conquistando-a no dia 28 de novembro de 1994, através da Lei Estadual № 6.561/94
(PCE, 2002).
A colonização de Juína começou a partir de 1978, quando inúmeras famílias,
especialmente do centro-sul do país, migraram para a região. Em 23 de janeiro de
1976, ocorreu uma reunião no distrito de Fontanilhas, às margens do Juruena, tendo
como palco o hotel Fontanilhas. Em 10 de junho de 1979, foi criado o distrito de
Juína, com território jurisdicionado ao município de Aripuanã. Juína passou a
município em 09 de maio de 1982, com área de quase 30 mil quilômetros
quadrados, desmembrado do município de Aripuanã (PCE, 2002).
O Município de Campo Novo do Parecis foi criado por desmembramento do
Município de Diamantino. Do povo Paresi, toma o nome do município. Também do
nome paresi tem origem a denominação do grande planalto da região: Planalto dos
42
Parecis, também denominada Chapada dos Parecis. A lei nº 5.315, de 04 de julho
de 1988, criou o município (PCE, 2002).
Do estado do Paraná vieram os primeiros trabalhadores de Brasnorte. A
maioria dos migrantes procedia de cidades e zonas rurais que foram inundadas
pelas águas do rio Paraná, por ocasião do fechamento das comportas da Usina de
Itaipu, que alagou áreas de terras. A região de Brasnorte sempre pertenceu ao
município de Diamantino. A Lei nº 4.239, de 4 de novembro de 1980, criou o distrito
de Brasnorte e a Lei nº 5.047, de 05 de Setembro de 1986 criou o município (PCE,
2002).
O povoamento da região do município de Tangará da Serra se deu a partir
do loteamento das glebas Santa Fé, Esmeralda e Justino. Em 1960, Joaquim Oléas
e Wanderley Martinez fundaram a empresa Sociedade Imobiliária Tupã para
Agricultura Ltda - SITA. O objetivo era a implantação de um pólo agrícola, face à
fertilidade do solo e clima propício da região.
A região de cabeceiras do rio Juruena, com relação ao uso está protegida
pelas Terras Indígenas Paresi e Utiariti. O entorno das cabeceiras e do curso do rio
não protegidas pelas terras indígenas estão ocupadas por atividades agrícolas e
secundariamente pela pecuária, principalmente de corte, cria e recria. Atualmente,
os agricultores e pecuaristas da região estão utilizando técnicas de manejo do solo,
tais como: plantio direto, terraceamentos, plantio em curvas de nível e rotação de
culturas (PCE, 2002).
Quanto ao suprimento de energia elétrica para estes municípios, inicialmente
foi feito através de geradores termelétricos, constituindo vários novos sistemas
isolados. Progressivamente, alguns deles passaram a ser supridos com a energia
elétrica produzida em PCHs e, mais recentemente, foram sendo interligados ao
Sistema Nacional (JGP, 2007).
O caso do município de Sapezal, criado em 1994, é atípico nesse contexto.
Inicialmente o município foi atendido pela PCH Santa Lúcia I. A partir de 1999,
passou a ser atendido também pela Usina Térmica de Sapezal, com capacidade
instalada de 9,9 MW, composta por sete geradores a diesel que queimavam uma
média de 8.000 m3 de óleo diesel por ano. Com a construção da PCH Santa Lúcia II,
seguida pela interligação da região ao SIN em 2005, foi possível interromper a
43
geração termelétrica, reduzindo custos e a emissão de gases de efeito estufa (JGP,
2007).
Com o exemplo de Sapezal, muitos outros municípios da região passaram a
ser atendidos por PCHs. Numa etapa seguinte à progressiva substituição das
termelétricas por PCHs, a região está sendo progressivamente interligada ao SIN –
Sistema Interligado Nacional. A área é atendida pela CEMAT, através do Sistema
Comodoro. Segundo dados da CEMAT, de janeiro de 2005 a agosto de 2006 foram
registrados os seguintes valores de demanda máxima nas subestações do sistema
interligado (JGP, 2007): SE Campo Novo: 11,75 MW em março de 2005; SE
Brasnorte: 2,16 MW em agosto de 2006; SE Tangará da Serra: 22,37 MW em junho
de 2006; SE Juina: 9,38 MW em junho de 2006; e SE Sapezal + SE Campos de
Júlio: 13,88 MW em março de 2005.
Figura 5 - Trecho do rio Juruena, municípios, malha viária e terras indígenas
Fonte: http: //monitoramento.sema.mt.gov.br/website/MTSAT/viewer.htm
44
2.2 Situação dos grupos indígenas da região das oito PCHs
A área do Alto e Médio Rio Juruena é historicamente ocupada por diferentes
grupos indígenas. Analisando a área que será direta e indiretamente afetada pela
construção das oito PCHs, projetadas para o rio Juruena, são cinco grupos com
organização, línguas, troncos e famílias lingüísticas distintas. Ao sul, em uma
extensa faixa que segue em direção a Rondônia, estão os Nambikwara que fazem
parte de uma família lingüística com três línguas e com variações dialetais internas.
Das cabeceiras do Juruena, seguindo a norte pelo rio Buriti até a foz no rio
Papagaio, uma ampla faixa de terra a leste, habitada pelos Paresi, que falam o
Paresi, tronco lingüístico Aruak (MAPPA, 2007).
A faixa de terra ao norte do território Paresi, tendo como limite oeste o Rio
Papagaio e seguindo para leste, era ocupada pelos Menky (Manoki/Irantxe).
Descendo o rio Juruena em direção ao norte, o território dos Rikbaktsa, que se
estendia nas duas margens do rio até próximo à atual divisa do estado do
Amazonas, e que falam uma língua específica dentro do tronco lingüístico Macro-jê.
E ao norte da área dos Nambikwara, estão os Enawenê-Nawê, de tronco Aruak, e
tal como os Paresi, mas com uma língua própria (MAPPA, 2007).
As descrições mostram que há entre os grupos um território próprio com
estratégias distintas de sobrevivência que os diferenciam, e isto ocorre por ser esta
uma região com área de cerrado, de floresta amazônica e outras de transição de um
para outro bioma. É, portanto, possível identificar grupos que ocupam mais
definidamente o Cerrado, caso dos Paresi e alguns subgrupos dialetais Nambikwara;
e ao norte os Rikbaktsa que ocupam a área de várzea e floresta. Cada um
desenvolvendo técnicas próprias nas roças, caça e coleta. A localização territorial
dessas etnias na região da bacia hidrográfica do rio Juruena está representada na
figura 7 a seguir:
45
Figura 6 - Grupos Indígenas na região do Alto Rio Jurena
Fonte: www.geocities.com/juliomelatti/ias-i/mpjuruena.
46
Na região desses cinco grupos indígenas, são onze terras indígenas definidas
pela FUNAI: TI Nambikwara, TI Tirecatinga, TI Pirineus de Souza, TI Paresi, TI
Juininha, TI Uirapuru, TI Utiariti, TI Erikbaktsa, TI Japuíra, TI Enawenê-Nawê e TI
Menku conforme Tabela 3:
Tabela 3 – Caracterização das Terras Indígenas na região das oito PCHs
Terra Indígena Área (ha) Situação Jurídica
Sociedade Iindígena
Índios (07/2006)
Administração Funai
Enawenê-Nawê* 742.088,7 Regularizada Enawenê-Nawê 490 JuinaJuininha 70.537,5 Regularizada Paresi 90 Tangará da SerraParesi 563.586,5 Regularizada Paresi 913 Tangará da SerraUirapuru 21.680,0 Identificada Paresi 23 Tangará da SerraUtiariti 412.304,2 Regularizada Paresi 318 Tangará da SerraNambikwara 1.011.961,0 Regularizada Nambikwara 388 Vilhena (RO)Pirineus de Souza* 28.212,0 Regularizada Nambikwara 372 Vilhena (RO)Tirecatinga 130.575,2 Regularizada Nambikwara 177 Tangará da SerraMenku* 47.094,9 Regularizada Menky 105 Tangará da SerraErikbaktsa 79.934,8 Regularizada Erikbaktsa 729 JuinaJapuira 152.509,9 Regularizada Erikbaktsa 301 Juina
TOTAL 3.260.484,7 - - 3.906 - Fonte FUNAI, 2006 / MAPPA, 2007.
2.2.1 Territorialidade dos cinco grupos indígenas envolvidos na região do empreendimento6:
Nambikwara
Os Nambikwara, do grupo lingüístico Nambikwara, também conhecidos como
Cabixis tinham grande território localizado entre o noroeste do Mato Grosso e o sul
de Rondônia. Hoje os Nambikwara estão na região do vale do Guaporé e em parte
da Chapada dos Parecis, onde as TIs Nambikwara, Pirineus de Souza e Tirecatinga
6 O texto referente às cinco etnias envolvidas no empreendimento das oito PCHs do Complexo Juruena, é parte integrante do “Estudo Complementar do Diagnóstico Antropológico das oito Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs: Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis, Cidezal, Segredo, Ilha Comprida e Divisa”, da Empresa Mappa Engenharia e Consultoria, 2007.
47
se inserem. A região que se inicia a leste com o Rio Papagaio, ao sul pelo Rio
Guaporé - no noroeste do estado do Mato Grosso, e adentrando a oeste em direção
ao atual estado de Rondônia foi descrita por viajantes durante o período colonial e
do império como habitada pelos Nambikwara (MAPPA, 2007).
A situação de ocupação deste grupo sofreu alterações a partir da implantação
das linhas telegráficas de Cuiabá a Porto Velho de 1907 a 1909, e das estradas para
suprir os postos. As estações passam a ser pontos de contato mais regulares de
alguns grupos, embora muitos ainda sequer tivessem sido contactados, e neste
processo o posto criado em Pirineus de Souza passa a agrupar vários índios
reduzidos na região (Proc. FUNAI 3169/81 apud MAPPA, 2007).
E em 1960, a construção da estrada Cuiabá-Porto Velho (BR-29, depois BR-
364) dividiu o território Nambikwara e trouxe um grande fluxo de pessoas para a
região. A abertura da estrada colocou em um período muito curto de tempo um
grande número de trabalhadores contratados pelas empreiteiras na região, que
derrubavam a floresta e abriam pistas de pouso para o serviço de construção da
estrada. Com a rodovia vieram madeireiros, fazendeiros e o próprio Estado do Mato
Grosso passou a colonizar a área, causando um grande impacto sobre a população
Nambikwara (MAPPA, 2007).
Em 1968, o governo cria a reserva Nambikwara, com a intenção de transferir
para dentro desta os outros subgrupos Nambikwra da região. Apenas na década de
1980, com a alteração do trajeto e asfaltamento da BR-364, novas terras começam a
ser estudadas e definidas. Durante o estudo da terra indígena, constatou-se que
parte da área ao norte, próximo ao rio Camararé, não era ocupada pelos
Nambikwara do Campo, mas pelos Enawenê-Nawê (Salumã), grupo Aruak que
havia sido contactado anos antes pela Missão Anchieta.
Embora tenha sido proposta uma pequena alteração no limite oeste da área,
foi mantido os mesmos limites. A demarcação ocorreu em 1985 sob pressão do
Banco Mundial, que financiava o asfaltamento da BR-364, resultando uma área de
1.011.961 ha. Esta demarcação só seria homologada em 1990, pelo Decreto №
98814, de 10.1.1990.
48
Paresi
Os Paresi se autodenominam Halití que significa gente, povo; são integrantes
do tronco lingüístico Aruak, ramo central, e a partir do século XIX, a denominação a
esses índios passou a ser Paresi. O território tradicional Paresi concentra-se na área
das cabeceiras dos rios Arinos, Sangue, Papagaio, Juruena e alto Paraguai, no
centro-oeste do Mato Grosso, onde permanecem até os dias atuais. Esta região, do
divisor de águas da bacia amazônica e paraguaia, é composta por um planalto
arenoso que recebeu o nome desta sociedade indígena (MORENO e HIGA, 2005).
Os Paresi tradicionalmente ocupam a região do Planalto do Mato Grosso, no divisor
de águas que separa a Bacia Amazônica e a Bacia do Paraguai, uma região de
cerrado (MAPPA, 2007).
Parte do grupo Paresi foi atingida pela extração de minérios no século XIX, e
depois pelo ciclo da borracha, em que alguns deles seriam empregados. No início do
século XX, concomitante à expansão da seringa, a “Comissão Rondon”7, cortaria o
território Paresi e estabeleceria várias estações ao longo das linhas telegráficas e
com elas veio a instituição de postos, escolas e emprego de índios como
trabalhadores dos postos telegráficos.
A região leste de seu território, mais próxima ao rio Juruena, foi à última a ser
atingida, apesar de ser a rota de passagem para a região norte. Cortada pela linha
telegráfica e com vários postos de telégrafos, a área leste de seu território teve a
presença intensa e estratégica das missões religiosas, sobretudo dos Jesuítas, que
instalaram em Utiariti uma missão para onde seriam levados índios, sobretudo
crianças, de várias etnias. O trabalho de pacificação e catequese, ou a assistência
oficial, não significava obrigatoriamente a definição de áreas de reservas. Foram os
primeiros índios da região a ser contatados, mas a definição de suas terras ocorreu
apenas a partir do final da década de 1960.
7 Comissão das Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas, chefiada depois pelo Marechal Rondon.
49
Rikbaktsa
Os Rikbaktsa, também chamados Canoeiros, pela habilidade na canoagem,
e/ou Erikbaktsa, pertencem ao tronco lingüístico Macro-Jê e habitam a bacia do rio
Juruena, no norte e noroeste de Mato Grosso. Mais raramente são chamados de
“Orelhas de Pau”, pelo uso de enormes botoques feitos de caixeta, introduzidos nos
lóbulos alargados das orelhas (ISA, 2006 apud MAPPA, 2007).
Os Rikbaktsa ocupavam tradicionalmente a região compreendida pela
margem direita do rio Aripuanã até a margem esquerda do rio Juruena, e entre o rio
Juruena e o rio Arinos, em uma linha das imediações da foz do rio Juína-Mirim,
afluente da margem esquerda do rio Juruena, até a foz do Jacutinga, no rio Arinos.
Hoje, estão concentrados em espaços definidos pelas TIs Erikibaktsa, Japuira e
Escondido. Os Rikbaktsa têm o idioma classificado dentro do tronco linguístico
Macro-Jê e seu território tradicional estaria compreendido ao longo do Juruena, a
norte da confluência do Rio Papagaio com o Rio Juruena (MAPPA, 2007).
Diferentemente dos Paresi e dos Nambikwara, que estavam na rota de
passagem que levava de Cuiabá ao Amazonas, esta região permaneceu
praticamente isolada até meados do século XX, sendo visitada apenas
esporadicamente por expedições que desciam o rio Juruena, sem, contudo,
existirem referências explícitas ao grupo. Apenas no final dos anos 1940 é que
começam a aparecer notícias, à medida que os seringueiros iam avançando sobre
seu território (MAPPA, 2007).
Alguns anos após os primeiros contatos, os jesuítas, por meio da Missão
Anchieta, iniciam um processo de pacificação dos Rikbaktsa que durou entre 1957 e
1962, abrindo diversos postos na região. De 1961 a 1974 os índios continuaram
dispersos pelo seu território habitando várias aldeias entre o Sangue e o Juruena,
entre o Arinos e Juruena (Japuíra) e entre o Aripuana e o Juruena. Hoje os índios
estão localizados em três áreas regularizadas que incidem sobre o território
tradicional: a área da Reserva Rikbaktsa, denominada Erikbaktsa, Japuíra e
Escondido, todas pressionadas pela rápida expansão e desflorestamento da região
(MAPPA, 2007).
50
Menky (Manoki)
Os Menky são classificados como grupo isolado, não fazendo parte de
nenhum tronco lingüístico. Não se sabe há quanto tempo esse povo se desmembrou
de outro grupo indígena, os Irantxe, tendo suas línguas apenas diferenças dialetais
(MORENO e HIGA, 2005 apud MAPPA, 2007).
Seu território está localizado no oeste do Mato Grosso, na região do rio
Papagaio, afluente da margerm direita do Juruena e pouco mais de 50 km do
município de Brasnorte. Os Menky fazem parte do grupo Manoki, também conhecido
como Irantxe, e habitam a área do rio Papagaio próxima à confluência com o rio
Juruena. Segundo Arruda, em seu estudo para a revisão da área Irantxe, a leste e a
sudoeste desta área Menky seria território tradicional, o que seria comprovado por
viajantes e pesquisadores (MAPPA, 2007).
Na virada do século XIX para o século XX, passam a ser atingidos pelo
avanço dos seringueiros sobre seu território. A partir de 1909, segue-se a
aproximação com os Manoki (Irantxe), que começam a visitar as Estações
Telegráficas criadas por Rondon. Mas é a partir da década de 1930, com a
instalação da Missão Utiariti e com o maior afluxo de seringueiros na região, que o
seu território passa a ser atingido, com conflitos e epidemias que resultou em uma
redução da população Irantxe (MAPPA, 2007).
Depois de extinta a Missão Utiariti e da transferência destes índios para a
Reserva Irantxe, criada em 1968, em 1971 os membros da Missão Anchieta em
expedição por terra junto com dois Manoki fizeram contato com um grupo que se
identificou como Menky, que falavam a mesma língua dos Manoki. Este grupo teria
se separado dos demais Irantxe (Manoki) quando do massacre do córrego Tapuru,
no começo do Século XX (MAPPA, 2007).
51
Enawenê-Nawê
Enawenê-Nawê, como os índios se autodenominam, significa “os que
possuem o espírito”. Esse povo tem seu território tradicional localizado entre o rio
Juruena e a Serra do Norte, em Mato Grosso. Área que se estende do rio Preto, ao
norte, até a TI Nambikwara, no sul do estado; e dos rios Papagaio e Sapezal, a
leste, e ao rio Doze de Outubro, a oeste (MORENO e HIGA, 2005 apud MAPPA,
2007).
O grupo Enawenê-Nawê foi o último contatado na região do Alto Juruena.
Habitantes da região do rio Camararé, norte da reserva Nambikwara e seus
afluentes da margem esquerda, seu território ficou protegido do contato das frentes
de expansão e das missões que atuaram durante a primeira metade do século XX
na região. Comumente se identificam os Enawenê-Nawê como os Salumã, que eram
referidos como um grupo originário dos Paresi, citado por Rondon e Roquete Pinto,
cuja língua específica é do tronco Aruak, como a língua dos Paresi (MAPPA, 2007).
O grupo foi contatado em 1974, e além da aldeia principal, havia alguns
acampamentos com malocas menores, que eram ocupados em determinados
períodos para pesca e roça. Sua dieta não inclui carne de caça, o que faz com que a
pesca tenha grande importância. A demarcação da terra e o trabalho de assistência
fizeram com que o grupo voltasse a crescer, dobrando de tamanho em 20 anos.
Sem a ameaça dos Cinta-Larga, puderam voltar a ocupar áreas mais ao norte
(MAPPA, 2007).
A seguir fotos das cinco etnias na região das PCHs da bacia
hidrográfica do rio Juruena:
52
Fotos das cinco etnias na região das PCHs na bacia do rio Juruena
Fonte: Fotos da MAPPA Engenharia e Consultoria, 2007.
53
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA
A pesquisa, tal como o objeto da presente dissertação, é “um procedimento
formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e
se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades
parciais” que, segundo Marconi e Lakatos (2001, p. 43) requer levantamento de
dados de diferentes fontes, cujos processos podem ser a documentação direta e a
indireta.
A documentação direta trata do levantamento de dados no próprio local,
sendo que podem ser obtidos de duas maneiras: pela pesquisa de campo ou pela
pesquisa de laboratório. Marconi e Lakatos (2006) relata que no caso da pesquisa
de campo ela é utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou
conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta, ou de
uma hipótese que se queira comprovar, ou ainda descobrir novos fenômenos ou
relações entre eles. Já a pesquisa de laboratório é um procedimento de investigação
mais difícil, porém mais exato. Ela descreve e analisa o que será ou ocorrerá em
situações controladas. Exige instrumental específico, preciso, e ambientes
adequados.
Nos dois casos são utilizadas a observação direta intensiva (observação e
entrevista) e a observação direta extensiva (questionário, formulário, medidas de
opinião e atitudes técnicas mercadológicas) (MARCONI; LAKATOS, 2001).
Quanto a documentação indireta esta se serve de fonte de dados coletados
por outras pessoas, constituindo-se de material elaborado ou não, dividindo-se em
pesquisa documental (ou de fontes primárias) e pesquisa bibliográfica (ou de fontes
secundárias) (MARCONI; LAKATOS, 2001).
Portanto, a presente dissertação será realizada com base em pesquisa de
campo (no caso específico do levantamento do componente indígena, não ocorrido
para os outros estudos analisados), pesquisa documental e pesquisa bibliográfica.
A pesquisa de campo se utilizou do processo de observação direta intensiva
(índios e funcionários da FUNAI), cuja técnica da observação “utiliza os sentidos na
54
obtenção de determinados aspectos da realidade, que não consiste apenas em ver e
ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar” que
podem ser: Sistemática, Assistemática; Participante, Não-participante; Individual, em
Equipe; na Vida Real, em Laboratório (MARCONI; LAKATOS, 2006, p. 224).
E assim, essa dissertação utilizou as técnicas da observação sistemática,
participante e realizada na vida real. Sistemática8 por se realizar em condições e
propósitos preestabelecidos (na bacia do rio Juruena e no Termo de Referência
definido pelo órgão indigenista); Participante9 por estar em contato com o grupo
estudado (FUNAI e comunidades indígenas); e realizada na Vida Real, no ambiente
do estudo/in loco (na bacia do rio Juruena no Estado de Mato Grosso). As
informações foram alcançadas durante as realizações da coleta de dados para a
confecção de relatório técnico para a FUNAI, peça fundamental para o processo
administrativo do licenciamento ambiental das oito PCHs no rio Juruena.
A pesquisa documental se baseou nos documentos dos órgãos públicos e
particulares responsáveis pela realização das observações. São materiais
elaborados ou não, escritos ou não-escritos10, que nessa dissertação compõem os
documentos oficiais dos órgãos públicos federais ANEEL e FUNAI, e estadual
SEMA/MT. Da ANEEL constam os estudos de Inventário Hidrelétrico, o Plano Básico
e outros escritos referentes às PCHs; da FUNAI, o Processo referente ao
empreendimento das PCHs no rio Juruena, Estudos de Identificação e Delimitação
das terras indígenas impactadas, Ofícios, Memorandos, Diagnóstico Antropológico e
Estudo de Complementação/Componente Indígena; e da SEMA/MT, os diagnósticos
ambientais, o AAI do Complexo Juruena e demais materiais que fazem menção ao
Complexo Juruena.
A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias se dá com base nas
legislações pertinentes à ANEEL, SEMA/MT e FUNAI, que fornecem a base para o
entendimento do contexto administrativo e legal das questões abordadas referentes
8 Na observação sistemática, o observador sabe o que procura e o que carece de importância em determinada situação; deve ser objetivo, reconhecer possíveis erros e eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe (MARCONI; LAKATOS, 2006, p. 195). 9 Na observação participante, o pesquisador fica tão próximo quanto um membro do grupo que está estudando e participa das atividades normais deste (MARCONI; LAKATOS, 2006, p. 196). 10 Fontes não escritas são fotografias, gravações, imprensa falada (televisão e rádio), desenhos, pinturas, canções, indumentárias, objetos de arte, folclore dentre outros (MARCONI; LAKATOS, 2001, p. 43).
55
ao seu objeto. Além da legislação federal e estadual concernente ao licenciamento
ambiental de PCH, é levantada a bibliografia já publicada em livros, revistas dentre
outros acerca do assunto estudado.
Tendo-se a legislação federal e estadual referente ao licenciamento ambiental
como base, parte-se para identificar e caracterizar os principais encaminhamentos e
procedimentos de realização de análises sobre estudos ambientais de usinas
hidrelétricas nos diferentes agentes públicos. O método utilizado é o de análise
textual, temática e interpretativa.
E a partir da avaliação dos estudos realizados para o licenciamento ambiental
da construção de oito PCHs na bacia do Alto Rio Juruena, é realizada uma análise
sobre o cumprimento dos estudos exigidos no processo de aprovação dos projetos e
dos encaminhamentos junto aos órgãos competentes. Verificam se os aspectos
informados e considerados na elaboração de cada um consideram a questão do
impacto ambiental sob a mesma ótica. A análise considera a política implementada
por meio da apropriação dos conteúdos de relatórios e processos.
Por fim, são revisitados os objetivos propostos com a finalidade de se
certificar o seu alcance e pertinência à presente dissertação.
56
CAPÍTULO 4 – IDENTIFICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS
O Licenciamento Ambiental, de utilização compartilhada entre a União e os
estados da federação, o Distrito Federal e os municípios, em conformidade com as
respectivas competências, têm o objetivo de regular as atividades e os
empreendimentos que utilizam os recursos naturais e podem causar degradação
ambiental (TCU, 2007).
A constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Título VIII, do Meio
Ambiente, em seu artigo 225, diz:
Todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
E referente aos estudos ambientais, o inciso IV, parágrafo 1º do artigo acima
citado define que: “o poder público deve exigir, na forma da lei, para instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.
Assim foi instituído o licenciamento ambiental, um procedimento
administrativo, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente/PNMA,
obrigatório para autorizar e regulamentar as atividades ambientais, cujo objetivo é
agir preventivamente sobre a proteção do meio ambiente, bem comum do povo, e
compatibilizar sua preservação com o desenvolvimento econômico e social. Ambos,
direitos constitucionais para a sociedade brasileira (TCU, 2007).
A Lei № 6.938, de 31 de agosto de 1981, da Política Nacional de Meio
Ambiente, institui o conceito de licenciamento ambiental entre os instrumentos da
política brasileira no setor e que em seu art. 10 estabelece:
57
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - Ibama, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
A Lei 6.938/81 determina a necessidade de licenciamento para as atividades
que se utilizam de recursos ambientais, consideradas efetiva e potencialmente
poluidoras, bem como as capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental.
Portanto, os conceitos de poluição e degradação trazem termos abstratos que
deixam abertura para a determinação da necessidade, ou não, de licenciamento. A
definição legal do termo poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante
de atividades humanas. O termo degradação é traduzido pela legislação como a
alteração adversa das características do meio ambiente. Considerando que não há
como fixar, de forma definitiva, as atividades que causam degradação ou mesmo o
grau de alteração adversa ocasionado, caberá consulta ao órgão ambiental para
determinar se o empreendimento necessita de licenciamento (TCU, 2007).
Há, porém, atividades que, conforme a legislação vigente, já se sabe que
devem ser necessariamente licenciadas, e parâmetros pré-estabelecidos, caso de
PCHs.
A Lei 6.938/81 englobou normas estaduais existentes e, instituiu o Sistema
Nacional do Meio Ambiente/SISNAMA.
Em 1983, a Lei № 6.938/81 foi regulamentada pelo Decreto 88.851, de 01 de
junho, vinculando a avaliação de impactos ambientais aos sistemas de
licenciamento, possibilitando ao CONAMA competência para fixar os critérios
básicos exigidos para estudos de impacto ambiental para licenciamento, com
poderes para baixar as resoluções que entender necessária. O Decreto 99.274, de
06 de junho de 1990, sucedeu ao Decreto 88.851/1983, então revogado.
Então em 1986, o CONAMA publica a Resolução № 001, de 23 de janeiro,
instituindo a obrigatoriedade de Estudos de Impacto Ambiental/EIA, documento
técnico exigido pelos órgãos competentes, necessário para o licenciamento de
58
empreendimentos com significativo impacto ambiental. Mas em 1997, há a
publicação da Resolução 237, que em seu art. 1º, inciso I diz sobre licenciamento:
Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades que utilizam recursos ambientais, consideradas efetiva e potencialmente poluidoras ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas aplicáveis ao caso.
Cabe destacar que o inciso IV, § 1º do art. 225 da Constituição Federal de
1988 não tornou o EIA exigível em todos os casos, permitindo àqueles relacionados
a empreendimento ou atividade não “potencialmente causadora de significativa
degradação ambiental” a possibilidade de dispensa da realização desse estudo. O
que não significa que a CF tenha dispensado o órgão licenciador competente de
proceder à Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) do empreendimento a ser
licenciado por meio de outros estudos ambientais (TCU, 2007).
Nos casos em que o impacto ambiental de determinada atividade for
considerado não-significativo, o órgão ambiental competente poderá demandar,
como subsídio ao processo decisório, outros estudos ambientais que não o EIA, tais
como relatório, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar,
diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e
análise preliminar de risco. Assim, a Resolução CONAMA 237/97, no parágrafo
único de seu art. 3º, assevera que “o órgão ambiental competente, verificando que a
atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa
degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais”.
Há que considerar outras resoluções, como a Resolução № 6 de 16/09/1987
e a Resolução № 279, de 27/06/2001, que tratam de procedimentos ambientais
referentes a licenciamento ambiental e energia elétrica. Já a Resolução CONAMA №
6 de 16/09/1987 obriga as concessionárias de exploração, geração e distribuição de
energia elétrica, a submeterem seus empreendimentos ao licenciamento ambiental
pelos procedimentos nela definidos.
A Resolução CONAMA № 279, de 27/06/2001, estabelece procedimento
simplificado para o licenciamento ambiental dos empreendimentos com impacto
59
ambiental de pequeno porte, necessários ao incremento da oferta de energia elétrica
no País, nos termos do Artigo 8º, inciso 3º, da Medida Provisória № 2152-2, de 1º de
junho de 2001. Em seu Artigo 2º está definido que Relatório Ambiental
Simplificado/RAS é:
Estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento. Estes devem ser apresentados como subsídio para a concessão da Licença Prévia requerida, que conterá informações relativas ao diagnóstico ambiental da região de inserção do empreendimento, sua caracterização, a identificação dos impactos ambientais e medidas de controle, mitigação e compensação.
O que se pode verificar é que para o licenciamento, a definição do tipo de
impacto e empreendimento definirá o tipo de estudo a ser realizado.
O licenciamento é composto por três tipos de licença: Prévia, de Instalação e
de Operação. Cada uma refere-se a uma fase distinta do empreendimento, não
eximindo o empreendedor da obtenção de outras autorizações ambientais
específicas junto aos órgãos competentes, como atividades que se utilizam de
recursos hídricos, por exemplo, também necessitarão da outorga de direito de uso
desses, conforme os preceitos constantes da Lei 9.433/97, ou no caso de PCHs da
concessão da agência reguladora, para autorização da exploração de centrais
hidrelétricas até 30 MW, Resolução ANEEL 395/98 (TCU, 2007).
Ocorre que as licenças não são exigidas para todo e qualquer
empreendimento. E nessa exigência ou não, os diferentes agentes públicos ou
privados divergem, como também na identificação do órgão ambiental competente
para licenciar.
Na obtenção do licenciamento de empreendimento ou atividade
potencialmente poluidora, o interessado deverá dirigir sua solicitação ao órgão
ambiental competente para emitir a licença, podendo esse ser o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA, os órgãos de meio
ambiente dos estados (caso da SEMA no Mato Grosso) e do Distrito Federal ou os
órgãos municipais de meio ambiente. De acordo com o art. 23, incisos III, VI e VII da
Constituição Federal, é competência comum da União, dos estados, do Distrito
60
Federal e dos municípios proteger o meio ambiente, combater a poluição em
qualquer de suas formas e preservar as florestas, a fauna e a flora. No âmbito do
licenciamento, essa competência comum foi delimitada pela Lei 6.938/81. Esse
normativo determinou que a tarefa de licenciar é em regra, dos estados, cabendo ao
IBAMA uma atuação supletiva, substituir o órgão estadual (TCU, 2007);
A solicitação de Licença Prévia/LP deve ser feita na fase preliminar do
planejamento das atividades. A LP dependerá da aprovação dos estudos
ambientais11 que devem ser apresentados como condição para a concessão de
licença. De posse da LP, o próximo passo do empreendedor é elaborar o Projeto
Básico12 do empreendimento (projeto de engenharia). O projeto deve possibilitar a
avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução
(TCU, 2007).
As licitações de obras, instalações e serviços que demandem licença
ambiental somente devem ocorrer após a obtenção da Licença de Instalação/LI,
porque após a LI, o empreendimento já tem sua viabilidade ambiental atestada pelo
órgão competente bem como sua concepção, localização e projeto de instalação
devidamente aprovados.
Mas foram somente nos últimos vinte anos que as principais normas do setor
elétrico brasileiro passaram por uma série de transformações normativas, como o
processo de desestatização e a criação de uma agência reguladora, bem com por
normas voltadas ao meio ambiente, quanto à proteção e conservação dos recursos
naturais (REIS, 2006).
Os três órgãos do Estado definidos no estudo apresentam história e forma de
atuação que os diferencia em seus procedimentos.
A ANEEL, autarquia em regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia - MME foi criada pela Lei № 9.427 de 26 de Dezembro de 1996. Tem como
11 Por estudos ambientais entende-se aqueles que avaliam os aspectos ambientais relacionados a localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida. 12 O projeto básico é o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar a obra, o serviço, o complexo de obras ou o complexo de serviços objeto da licitação. Ele é elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, de forma a assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento (TCU, 2007).
61
atribuições: regular e fiscalizar a geração, a transmissão, a distribuição e a
comercialização da energia elétrica, atendendo reclamações de agentes e
consumidores com equilíbrio entre as partes e em beneficio da sociedade; mediar os
conflitos de interesses entre os agentes do setor elétrico e entre estes e os
consumidores; conceder, permitir e autorizar instalações e serviços de energia;
garantir tarifas justas; zelar pela qualidade do serviço; exigir investimentos; estimular
a competição entre os operadores e assegurar a universalização dos serviços.
A missão da ANEEL é proporcionar condições favoráveis para que o mercado
de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da
sociedade
A FUNAI foi criada por meio da Lei № 5.371, de 5/12/1967, em substituição
ao Serviço de Proteção aos Índios/SPI. Quando o SPI foi criado, pelo Decreto-Lei №
8.072, de 20 de junho de 1910, o seu objetivo foi de executar a política indigenista,
com a proteção dos índios e assegurar a implementação de uma estratégia de
ocupação territorial do País.
Já a FUNAI tem as seguintes finalidades: estabelecer as diretrizes da política
indigenista e garantir o seu cumprimento; gerir o patrimônio indígena; fomentar
estudos sobre as populações indígenas que vivem em território brasileiro e garantir
sua proteção; demarcar, assegurar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios, exercendo o poder de polícia dentro de seus limites, para evitar
conflitos, invasões e ações predatórias que representem riscos para a vida e a
preservação cultural e do patrimônio indígena.
Em 19/12/1973, a Lei № 6.001, conhecida como Estatuto do Índio, formalizou
os procedimentos a serem adotados pela Funai para proteger e assistir as
populações indígenas, especialmente no que diz respeito à definição de suas terras
e ao aprimoramento do processo de regularização.
A SEMA foi inicialmente instituída pelo poder público do Estado de Mato
Grosso através da Lei № 4559, de 07/06/1983, com o nome de Fundação de
Desenvolvimento do Pantanal/FUNDEPAN, após várias alterações para adaptação
as novas metodologias, têm sua estrutura definida para Fundação Estadual do Meio
Ambiente/FEMA pelo Decreto Estadual № 393 de 12 de agosto de 1999. E em 2005,
62
a Lei Complementar № 214, de 23 de junho, cria a Secretaria de Estado do Meio
Ambiente/SEMA.
Os objetivos da SEMA/MT são a elaboração, gestão, coordenação e
execução de políticas do meio ambiente e de defesa civil, no âmbito do Estado de
Mato Grosso.
4.1 ANEEL
Apesar das Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs terem surgido no final do
século XIX, a sua definição somente foi mencionada na legislação do setor elétrico
pela Portaria DNAEE № 109, de 24 de novembro de 1982, que possuíssem potência
instalada total de, no máximo, 10 MW, e apresentassem as seguintes características
cumulativas: operarem a fio d’água ou com regularização diária; provisão de
barragens e vertedouros com altura máxima de 10 m; sistema adutor formado
apenas por canais a céu aberto e/ou tubulações, não utilizando túneis; com
estruturas hidráulicas no circuito de geração para vazão turbinável de, no máximo,
20 m³/s; dotadas de unidades geradoras com potência individual de até 5 MW
(TOLMASQUIM, 2005).
Mas como eram exigidas muitas condicionantes e não havia incentivo do
mercado, em virtude das tarifas serem controladas pelo governo federal, sendo elas
um instrumento de controle da inflação e a falta de linha de crédito para o setor,
acabaram por provocar dificuldades no desenvolvimento de um programa para
implantação de PCHs, o que levou a redefinição do conceito por nova portaria do
DNAEE, a Portaria № 136, de 6 de outubro de 1987, que manteve apenas as
características associadas à potência total de 10 MW e com unidades geradoras de,
no máximo, 5 MW (UMBRIA, 2006).
No entanto, a simplificação adotada não gerou os resultados esperados, e
não houve aumento desses empreendimentos, mostrando que havia uma
necessidade de revisão do critério de enquadramento de empreendimentos
63
hidrelétricos na condição de pequenas centrais hidrelétricas, que não considerassem
apenas a potência instalada (TOLMASQUIM, 2005).
No final de 1997, por meio de sucessivas medidas provisórias, o limite para
autorização para centrais hidrelétricas aumentou de 10 MW para 25 MW, até a Lei
№ 9.648, de 2 de maio de 1998, em que esse limite foi fixado em 30 MW, por meio
de uma alteração no art. 26, da Lei № 9.247, de 26 de dezembro de 1996, que criou
a Agência Nacional de Energia Elétrica/ANEEL (UMBRIA, 2006).
A Lei № 9.648/98 autorizou a dispensa de licitações para empreendimentos
hidrelétricos de até 30 MW de potência instalada, para Autoprodutor e Produtor
Independente. Além disso, a concessão passou a ser outorgada mediante
autorização, até o limite de 30 MW, desde que os empreendimentos mantivessem as
características de PCHs.
Em 1998, a Resolução da ANEEL № 394, de 04 de dezembro, estabelece o
conceito de PCH. As características para esses aproveitamentos são de que a
potência deve ser entre 1 e 30 MW e a área inundada até 3 km², delimitada pela
cota d’água associada à vazão de cheia com tempo de recorrência de 100 anos.
Ainda na Resolução ANEEL № 394, no art. 3º, prevê-se que o
empreendimento que não atender a condição de área máxima inundada poderá
consideradas as especificidades regionais, ser também enquadrado na condição de
PCH, desde que deliberado pela Diretoria da ANEEL, com base em parecer técnico,
que contemple aspectos econômicos e sócios ambientais (TOLMASQUIM, 2005).
Assim, em 9 de dezembro de 2003, por meio da Resolução № 652, a ANEEL
estabeleceu as diretrizes para os casos em que a área do reservatório fosse superior
a 3 km². Esta resolução, no seu art. 3º estabeleceu que será considerado com
características de PCH o aproveitamento hidrelétrico que:
Será considerado com caracrterísiticas de PCH o aproveitamento hidrelétrico com potência superior a 1.000 kw e igual ou inferior a 30.000 kw, destinado a produção independente, autoprodução ou produção independente autônoma, com área de reservatório inferior a 3,0 km².
64
E no seu art. 4º, o aproveitamento hidrelétrico que não atender a condição para a
área do reservatório, respeitada os limites de potência e modalidade de exploração, será
considerado com características de PCH, caso se verifique pelo menos uma das seguintes
condições:
I - atendimento à inequação: A ≤ 14,3 x P
Hb
sendo:
P = potência elétrica instalada em MW;
A = área do reservatório em km², que é a área da planta à montante do
barramento, delimitada pelo nível d’água máximo normal de montante;
Hb = queda bruta em m, definida pela diferença entre os níveis d’água máximo
normal de montante e normal de jusante (TOLMASQUIM, 2005).
II – reservatório cujo dimensionamento, comprovado, foi baseado em outros
objetivos que não a geração de energia elétrica.
Para a inequação do inciso I, ficou estabelecido adicionalmente, que a área
do reservatório não poderá ser superior a 13 km². Na verificação da condição do
inciso II, a ANEEL articulará com a Agência Nacional de Águas/ANA, os Comitês de
Bacia Hidrográfica, os Estados e o Distrito Federal, conforme o caso, de acordo com
a respectiva competência quanto aos objetivos para definir as dimensões do
reservatório destinado ao uso múltiplo (TOLMASQUIM, 2005).
Para exploração de PCH, a ANEEL exige uma autorização, outorgada em
processo não-oneroso e sem licitação, após a aprovação do projeto básico. Quando
o processo de exploração de determinado trecho de um rio apresentar um
solicitante, o prazo de conclusão deverá ser de até 135 dias corridos; quando
apresentar mais de um, o prazo será de 165 dias corridos (Lei № 9.074/95 e Lei №
9.427/96).
Para a instalação de PCH, o processo definido pela ANEEL inicia com pedido
de registro, contendo informações do estudo de inventário hidrelétrico13, potência a
13 O inventário hidrelétrico é um estudo do potencial hidroenergético, de partição de quedas e definição prévia do aproveitamento energético, de forma a particionar o rio em vários pontos favoráveis, considerando dados técnicos, econômicos e ambientais (TOLMASQUIM, 2005).
65
ser instalada e o prazo para desenvolvimento do projeto básico. A Resolução da
ANEEL № 393/98, estabelece os procedimentos gerais para registro e aprovação
dos estudos de inventário do potencial hidrelétrico de bacias hidrográficas.
A Resolução ANEEL № 393/98 estabelece procedimento simplificado para
aproveitamentos de até 50 MW, ou imponham a segmentação natural da bacia em
sub-bacias com o aproveitamento no limite de 50 MW. E devendo ser apresentado à
ANEEL relatório de reconhecimento da bacia ou sub-bacia, justificando a
simplificação adotada para os estudos de inventário hidrelétrico.
Segundo Tolmasquim (2005), o registro dos estudos de inventário hidrelétrico
assume caráter de registro ativo quando a ANEEL o considerar subsistente e válido,
com o acompanhamento contínuo do andamento dos estudos. O processo seguinte
é a consulta aos órgãos ambientais para a definição dos estudos ambientais (esfera
federal e/ou estadual); e consulta aos órgãos públicos responsáveis pelos recursos
hídricos (federal ou estadual) para definição do aproveitamento ótimo e garantia do
uso múltiplo dos recursos hídricos.
O estudo que se segue, para o caso das PCHs é o Projeto Básico14. Os
estudos de Projeto Básico são implementados segundo autorização dada pela
ANEEL ao empreendedor, referente ao seu processo, em conformidade com o
disposto na Resolução ANEEL № 395, de 04/12/98, e das Normas e Procedimentos
para a Realização de Estudos e Projetos Hidrelétricos, de Agosto de 1999, da
ANEEL.
A Resolução da ANEEL № 395/98 estabelece os procedimentos gerais
registro e aprovação de estudos de viabilidade e projeto básico de empreendimentos
de geração hidrelétrica, assim como da autorização para exploração de centrais
hidrelétricas até 30 MW. O Projeto Básico toma como base os estudos de Inventário
Hidrelétrico do rio, no caso trecho do rio Juruena, já aprovados pela ANEEL, e se
refere às informações das áreas de geologia, hidrologia, cartografia, hidráulica,
estruturas, hidroenergia, elétrica, mecânica e meio ambiente.
Com a análise e aceitação do primeiro projeto, e havendo mais de um
solicitante para o mesmo aproveitamento, a ANEEL informará aos outros 14 O projeto básico deve ser compatível com a complexidade do empreendimento e com as articulações e licenças legais necessárias.
66
interessados que possuam registro ativo, com prazo de noventa dias para
apresentação do projeto básico. Após o prazo, e existindo projetos adequados, a
ANEEL, visando aumentar o número de agentes produtores de energia elétrica e
assegurar competitividade para a outorga de autorização, dará preferência ao menor
empreendedor ou proprietário da terra e condições determinadas15 (TOLMASQUIM,
2005).
Após a definição do vencedor e por exigência da ANEEL, deverão ser
apresentados, no prazo de trinta dias, documentos que comprovem a regularidade
jurídica e fiscal do empreendedor, como qualificação técnica e capacidade de
investimento para a execução do empreendimento, nos termos do art. 19, da
Resolução da ANEEL № 395/98. E após essa comprovação, a ANEEL outorga a
autorização.
O Estado ainda dá outros incentivos às PCHs como o PPA/Acordo de Compra
de Energia, PROINFA e BNDES.
A própria legislação proporciona condições de incentivo aos empreendedores
de PCH como:
- autorização não-onerosa para explorar o potencial hidráulico (Lei № 9.074,
de 7 de julho de 1995, e Lei № 9.427, de 26 de dezembro de 1996);
- descontos superiores a 50% nos encargos de uso dos sistemas de
transmissão e distribuição (Resolução 281, de 10 de outubro de 1999);
- livre comercialização de energia para consumidores de carga igual ou
superior a 500 kW (Lei № 9.648, de 27 de maio de 1998);
- isenção relativa à compensação financeira pela utilização de recursos
hídricos (Lei № 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e Lei № 9.427, de 26 de
dezembro de 1996);
15 Os critérios são: possuir participação na produção de energia elétrica do sistema interligado inferior a 1%; não seja distribuidor de energia elétrica na área de concessão ou subconcessão onde o empreendimento se localiza; proprietário ou dispor da maior área a ser atingida pelo aproveitamento, comprovado por documentação; e possuir participação na comercialização de energia elétrica no território nacional inferior ao volume de 3000 GWh/ano.
67
- participação no rateio da Conta de Consumo de Combustível/CCC, quando
substituir geração térmica a óleo diesel, nos sistemas isolados (Resolução 245, de
11 de agosto de 1999); e
- comercialização da energia gerada pelas PCHs com concessionárias de
serviço público, tendo como limite tarifário o valor normativo estabelecido na
Resolução 22, de 1 de fevereiro de 2001 (TOLMASQUIN, 2005).
4.2 SEMA/MT
A Constituição Federal estabeleceu uma conexão necessária e específica
entre o comando de preservação do meio ambiente com as competências dos entes
federados para esse fim ser alcançado. Depreende-se, portanto, que a repartição
constitucional de competências em matéria ambiental vem ao encontro do princípio
da autonomia dos entes federados, previsto nos artigos 1° e 18 da CF, segundo os
quais os Estados-Membros possuem autonomia político-administrativa nos termos
definidos pelo texto constitucional (MILARÉ, 2006).
É nesse sentido que se pode concluir que o Estado de Mato Grosso têm
competência, que lhe foi constitucionalmente atribuída, para legislar sobre a matéria
ambiental afeta ao seu interesse regional. O que está de acordo com o que
estabelece a Constituição Federal, o artigo 263 da Constituição Estadual, que prevê
que é dever do estado (como dos municípios e da coletividade) defender e proteger
o meio ambiente ecologicamente equilibrado em prol das presentes e futuras
gerações (MILARÉ, 2006).
E, no exercício de sua competência, constitucionalmente atribuída, é que o
Estado de Mato Grosso instituiu o seu Código Ambiental Estadual, por meio da Lei
Complementar 38, de 21 de novembro de 1995, estabelecendo os princípios e as
diretrizes que devem ser observados para a consecução da preservação ambiental
(MILARÉ, 2006).
68
Nessa esfera estadual, o órgão é a Secretaria de Meio Ambiente do Estado
de Mato Grosso/SEMA16, área da região da Amazônia legal. São tratados os
estudos exigidos pelo Código Ambiental do Estado, analisando-se os critérios para a
concessão das licenças e as próprias licenças já concedidas.
Quanto ao Diagnóstico Ambiental, que deve ser encaminhado a Secretaria de
Meio Ambiente, este contém os resultados dos estudos executados no local de
implantação das PCHs, para obtenção da Licença Prévia, conforme determina o
Artigo 18 do Código Ambiental do Estado de Mato Grosso, Lei Complementar №
38/95.
O diagnóstico ambiental apresenta os estudos dos meios físico, biótico e
sócio-econômico e de uma avaliação dos principais impactos ambientais que
poderão ocorrer nas fases de implantação e operação do empreendimento. A opção
por usina de pequeno porte, no caso do rio Juruena, está de acordo com as
características hidrológicas, topográficas e geológicas/geotécnicas local.
Na esfera da SEMA/MT trabalha-se com o Código Ambiental do Estado do
Mato Grosso (Lei Complementar 38, de 21/11/1995), em que na seção IV, do
Licenciamento Ambiental, Art. 18, define:
As pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as entidades da administração pública, que vierem a construir, instalar, ampliar e funcionar no Estado de Mato Grosso, cujas atividades possam ser causadoras de poluição ou degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento ambiental. E que os pedidos de licenciamento serão objeto de publicação resumida no Diário Oficial do Estado e na imprensa local ou regional.
Já o inciso 4º, do Artigo 19, do mesmo código define que as atividades de
pequeno nível de poluição e/ou degradação ambiental poderão ser licenciadas
mediante a apresentação de um projeto Executivo simplificado, a critério do órgão
ambiental.
Em 2000, a Lei Complementar № 70, de 15/09, altera dispositivos da Lei
Complementar № 38 de 21/11/1995, que passam vigorar:
16 A SEMA era anteriormente denominada Fundação Estadual de Meio Ambiente/FEMA.
69
Art. 3°, Inciso XII: Opinar sobre o Licenciamento ambiental das usinas
termoelétricas ou hidrelétricas com capacidade acima de 30 MW, para o que,
obrigatoriamente, seja exigida a prévia elaboração de Estudo de Impacto
ambiental/EIA e apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental/RIMA,
dependendo a validade da Licença de aprovação pela Assembléia Legislativa.
Art. 24, Inciso VII: Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos,
com área de inundação acima de 300 ha (trezentos hectares), de saneamento ou de
irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem, retificação de cursos
d’água, abertura de barras e embocadura, transposição de bacias e diques. Inciso
XI: Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária
acima de 30 MW.
Ocorre, então, em 2002, uma adaptação do Código Ambiental de Mato
Grosso. Na verdade faz-se uma adaptação às normas da ANEEL, modificando, em
seu art.24, as regras de licenciamento ambiental e eliminando a obrigatoriedade do
EIA/RIMA para as PCHs com até 30 MW e 3 km² de reservatório. Mas com a
solicitação de outros estudos de avaliação dos meios físico, biótico e sócio-
econômico para averiguação dos impactos ambientais e medidas de controle
(ALMEIDA, 2004).
O que se verifica é que os empreendimentos hidrelétricos ou termoelétricos,
com potência até a 30 MW e área inundação abaixo de 300 ha são tidos como de
pequeno e/ou médio impacto ambiental, e o licenciamento é feito por diagnóstico
ambiental.
4.3 FUNAI
Quanto ao papel da Fundação Nacional do Índio – Funai, este é o de
estabelecer diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista nacional, mas
como se percebe hoje, a questão indígena se insere em vários empreendimentos e
em vários órgãos estatais. E o tratamento legal dado, por exemplo, a questão de
energia, é interpretada de forma diferente entre o órgão indigenista oficial e os
70
outros órgãos públicos e setores privados da sociedade. A questão ambiental foi
apropriada pela legislação indigenista, somente nos últimos vinte anos, pois antes a
questão da integração do índio a sociedade nacional e mesmo a busca pela
definição e garantia de terras, ocupavam o centro da política indigenista.
A Constituição de 1891 não fez referência direta à questão indígena. Mas, em
seu artigo 64, transferiu ao domínio pleno dos estados as terras devolutas em seus
respectivos territórios. Isso, porque um dos primeiros decretos do Governo
Provisório mantivera na alçada dos estados a promoção da “catequese e civilização
dos índios e o estabelecimento de colonos”. Situação que se modificaria em 1906,
com o decreto n° 1606, que criou o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio,
em que as funções de colonização, catequese e civilização saíram do âmbito
estadual e foram para a esfera federal (CORDEIRO, 1999).
Nos textos constituições de 1934, 1946 e 1967, a questão indígena foi
abordada, mas tratando da questão fundiária.
A Emenda Constitucional № 1, de 17 de outubro de 1969, estabeleceu a
competência legislativa da União no que dizia respeito à incorporação dos silvícolas
à comunhão nacional (art. 8º, XVII, alínea o). A mesma Emenda, por seu artigo 198
dispôs sobre as terras indígenas. De todas as Constituições que o Brasil teve até
1969, foi a E.C. № 1 que dedicou maior espaço à questão indígenas (ANTUNES,
2006).
Já a Constituição de 1988 dedica um capítulo aos índios, artigos 231 e 232.
Nesses dois artigos encontram-se os elementos essenciais para a definição jurídico-
constitucional do que diz respeito aos indígenas e seus direitos coletivos e
individuais (ANTUNES, 2006).
Art. 231:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
71
Ainda no Art. 231, § 3° sobre aproveitamentos de recursos naturais em terras
indígenas:
Os aproveitamentos dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei .
No art. 232:
Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
A questão ambiental passa a ser um item levantado nos estudos com a
publicação do Decreto 1775/96 (que dispõe sobre o procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas) e da Portaria MJ 14, de 9/1/1996 (que regula a
elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação das terras
indígenas). Nos estudos com base nessa portaria há um item que trata do meio
ambiente.
Quanto aos empreendimentos que podem interferir em terras indígenas, a
FUNAI via Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente/CGPIMA
estabelece critérios descritos em Termo de Referência/TR. No Termo de Referência,
a FUNAI define o que o estudo deverá apresentar, além da definição da área
considerada como impactada e as terras indígenas. Trata-se do norteador dos
trabalhos técnicos. Mas a FUNAI utiliza também em seus estudos, o Decreto №
1.141, de 5 de maio de 1994, que dispõe sobre as ações de proteção ambiental,
saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas.
No Decreto № 1.141/94, Capítulo II, que trata da proteção ambiental, o art. 9°
assim determina:
72
Art. 9° As ações voltadas à proteção ambiental das terras indígenas e seu entorno destinam-se a garantir a manutenção do equilíbrio necessário à sobrevivência física e cultural das comunidades indígenas, contemplando: I - diagnóstico ambiental, para conhecimento da situação, como base para as intervenções necessárias; II - acompanhamento e controle da recuperação das áreas que tenham sofrido processo de degradação de seus recursos naturais; III - controle ambiental das atividades potencial ou efetivamente modificadoras do meio ambiente, mesmo aquelas desenvolvidas fora dos limites das terras indígenas que afetam; IV - educação ambiental, dirigida às comunidades indígenas e à sociedade envolvente, visando à participação na proteção do meio ambiente nas terras indígenas e seu entorno; V - identificação e difusão de tecnologias indígenas e não-indígenas, consideradas apropriadas do ponto de vista ambiental e antropológico.
A FUNAI interpreta que as atividade no entorno de terras indígenas interferem
na reprodução física e cultural das etnias, e, portanto, havendo empreendimentos
nessa área, há impacto para as comunidades indígenas. A distância é fator
relevante para a determinação de impactos ambientais e antrópicos, em que os
impactos antrópicos causados por um empreendimento são muitas vezes, mais
determinantes que os ambientais. Por isso, o raio de impacto definido pela FUNAI
ser sempre muito mais amplo que o definido pelo órgão licenciador ou mesmo pelos
estudos técnicos da obra.
Houve ainda uma tentativa de definição de critérios por meio da Instrução
Executiva № 02/PRES/FUNAI, de 21 de março de 2007, publicada no DOU de 16 de
abril de 2007 que estabelecia normas sobre a participação da FUNAI no processo de
licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades potencialmente
causadoras de impacto no meio ambiente das Terras Indígenas, na cultura e povos
indígenas.
Entretanto, essa normatização foi revogada pela Instrução Normativa № 3, de
27 de abril de 2007 por considerar que:
(...) a publicação da Instrução Normativa no- 02/PRES/FUNAI, de 21 de março de 2007, foi realizada de modo extemporâneo; Que os órgãos envolvidos no processo de licenciamento ambiental de obras e empreendimentos que afetem povos e Terras Indígenas não foram consultados sobre a formulação da Instrução Normativa № 02/PRES/FUNAI, de 21 de março de 2007.
73
E o Termo de Referência/TR estabelece a metodologia a ser seguida, e itens
a serem contemplados como: caracterização físico-biótica das TIs presentes na
bacia hidrográfica; caracterização do modo de vida dos grupos indígenas com
ênfase na importância dos recursos hídricos; relações sociopolíticas, econômicas e
culturais com a sociedade envolvente; saúde e educação; identificação dos impactos
ambientais e medidas mitigadoras e compensatórias, dentre outras exigências.
A caracterização do empreendimento e seus impactos são aprovados ou não
por meio de relatório entregue com base nas solicitações do Termo de Referência
(Anexo 1).
74
CAPÍTULO 5 – IDENTIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS LEGAIS DAS OITO PCHS DO COMPLEXO JURUENA
Os dispositivos legais que dão diretriz a atuação das entidades públicas foram
descritos no capítulo anterior. Com base nessa legislação, este capítulo identifica os
procedimentos adotados por esses órgãos para o empreendimento das oito PCHs
denominado Complexo Juruena. A seguir, linha do tempo dos três órgãos e seus
procedimentos. *As datas se referem à entrega dos estudos nos órgãos e sua
aprovação.
1- Inventário 5- Avaliação Ambiental Integrada Hidrelétrico/ANEEL 4- Estudo do AAI/SEMA 2- Plano Básico/ANEEL Componente 6- Complementação do 3- Diagnóstico Ambiental/SEMA Indígena/FUNAI Componente Indígena/FUNAI __________|_________________|_______|______|______|___________|________ 2002* 2003* 2004 2005 2006 2007*
5.1 ANEEL
Os procedimentos exigidos pela ANEEL para as oito PCHs do Complexo
Juruena iniciaram com o Inventário Hidrelétrico17, para a Agropecuária Maggi Ltda e
para Linear Participações e Incorporações Ltda, cujo trecho inventariado foi o segmento entre a foz do rio Juína, a jusante, e a ponte da rodovia MT-235, a montante.
Na verdade, o trecho do rio Juruena denominado Alto Juruena teve dois
estudos de inventário encaminhado a ANEEL. No primeiro, a Maggi Energia S/A
desenvolveu os Estudos de Inventário Hidrelétrico do rio Juruena, no trecho a
17 No inventário havia mais duas PCHs, Travessão e Cristalina, mas foram encontrados custos índices superiores ao Custo Marginal de Expansão no Horizonte Decenal 2000 – 2009 (US$ 36,00/MWh), o que indicou a inconveniência da continuidade de seus estudos na fase de Projeto Básico.
75
montante da rodovia MT-235, consubstanciado no documento: “Bacia Hidrográfica
do Alto Juruena - Estudo de Inventário Hidrelétrico – Trecho MT-235 – Nascentes”
elaborado pela Rischbieter Engenharia Indústria e Comércio Ltda., em 2001.
Portanto, das nascentes (cabeceira do rio Juruena) até a rodovia MT-235
(RISCHBIETER, 2001).
No segundo estudo, a PCE Engenharia realizou os Estudos de Inventário
Hidrelétrico no segmento do rio Juruena considerado nesta dissertação, compreendido entre a foz do rio Juína no rio Juruena e a antiga rodovia MT-235, em
abril de 2002. Os estudos do inventário da PCE Engenharia foram aprovados pela
ANEEL conforme publicado no Diário Oficial da União – № 193, de 04 de outubro de
2002. O rio Juruena, no trecho definido no segundo inventário, entre a foz do rio
Juína e a ponte da rodovia MT-235, desenvolve-se no sentido sul-norte e constitui o
limite dos municípios de Sapezal e Campos de Júlio, ambos no Estado do Mato
Grosso. O trecho estudado é apenas parte da bacia do alto rio Juruena, não sendo
considerado o trecho a montante da rodovia MT-235.
Os dados referentes às oito Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs foram
retirados além do Inventário, do Diagnóstico Ambiental, Plano Básico e Avaliação
Ambiental Integrada da Bacia do Alto Juruena, esta última de autoria da Empresa
JGP Consultoria Participações Ltda, fornecido pelos empreendedores. As PCHs
Cidezal, Sapezal, Parecis, Rondon, Telegráfica, Segredo, Ilha Comprida, estão
localizadas no próprio rio Juruena, no sentido das nascentes à foz, e nessa ordem
(MAPPA, 2007). A PCH Divisa está localizado no rio Formiga, tributário do rio
Juruena.
Esses estudos foram implementados segundo autorização da ANEEL à
Agropecuária Maggi Ltda e à Linear Participações e Incorporações Ltda, datada de
16 de março de 2001, Processo no 48500.002970/00-72, e em conformidade com o
disposto na Resolução ANEEL № 393/98 de 04.12.98, bem como nas Normas e
Procedimentos para a Realização de Estudos e Projetos Hidrelétricos, de Agosto de
1999, desta mesma Agência (PCE, 2002).
Os estudos energéticos da bacia hidrográfica do rio Juruena revelaram um
potencial hidroenergético para implantação de aproveitamentos, com potências P
inferior a 50 MW e com uma potência superior. Os Estudos de Inventário de
76
engenharia definidos foram referentes ao “Inventário Simplificado18” e não o
“Inventário Pleno”, devido às características geomorfológicas locais que
determinaram aos aproveitamentos características semelhantes a de PCH:
barragem de pequena altura, reservatório de reduzida dimensão (inferior a 3,0 km2)
e a fio d’água (PCE, 2002).
No caso da PCH Divisa, que encontra-se no rio Formiga, tem inventário
próprio. O estudo de inventário das atividades de Engenharia Consultiva foram
desenvolvidas pela PCE Engenharia para Linear Participações e Incorporações
Ltda. O objetivo foi o mesmo do inventário do rio Juruena, o de inventariar a vocação
hidroenergética do rio Formiga.
O rio Formiga é afluente pela margem direita do rio Juína, que é afluente do
rio Juruena, formador do rio Tapajós. O rio Formiga pertencente à sub-bacia № 17,
bacia hidrográfica do rio Amazonas (Bacia № 1), no Estado de Mato Grosso.
Os estudos do inventário do rio Formiga19 foram implementados segundo
autorização da ANEEL, datada de 27 de novembro de 2000, Processo №
48500.007466/00-50, e em conformidade com o disposto na Resolução ANEEL №
393/98 de 04.12.98, e as Normas e Procedimentos para a Realização de Estudos e
Projetos Hidrelétricos, de Agosto de 1999 (PCE, 2002).
Como no manual para confecção do inventário exige-se informações sobre as
terras indígenas próximas ao empreendimento, o inventário as apresenta. O estudo
concluiu que o trecho inventariado na bacia do alto rio Juruena “está contornada por
terras indígenas, embora não estejam inseridas nas mesmas”.
E as terras indígenas compreendidas pelo estudo são apenas as Terras
Indígenas Nambikwara e Enawenê-Nawê, a jusante dos barramentos/ao norte, e a
montante as Terras Indígenas Paresi e Juininha/oeste, pela porção sul das Terras
18 Os estudos de engenharia seguiram às diretrizes para “Estudos de Inventários Hidrelétricos Simplificados”, da ANEEL, minuta de 27.08.1999.
19 O potencial hidroenergético do rio Formiga foi estimado em 25,5 MW, em cinco pequenos aproveitamentos: PCH Formiga, PCH Campos de Júlio, PCH Ilhotas, PCH Nordeste e PCH Divisa. Mas dentre os aproveitamentos indicados, a PCH Divisa é a mais atrativo, em razão do pequeno reservatório (área de reservatório igual a 25,6 ha) e do pequeno porte das obras civis, compatível com a motorização indicada. E assim, após registro e aprovação, pela ANEEL, do estudo de inventário, foi desenvolvido o projeto básico apenas da PCH Divisa.
77
Indígenas Nambikwara. Diferentemente do entendimento do órgão indigenista. As
informações tratadas no inventário são apenas uma descrição da situação
político/fundiária, como dado para avaliação do empreendimento, conforme texto:
Em geral, podemos afirmar que existe uma convivência sadia e harmoniosa entre a população indígena e fazendeiros da região permitindo que essas comunidades indígenas tenham a garantia do seu território, mantendo suas culturas e tradições.
Os dados do inventário a respeito da identificação dos impactos ambientais
sobre os aproveitamentos nas alternativas de divisão de queda propostas foi
realizada por uma matriz de interferências. A partir das ações dos empreendimentos
foram estabelecidas análises das interações através da relação de causas e efeitos,
sem nenhuma qualificação ou hierarquização, considerando-se apenas a relação
com a causalidade (PCE, 2002).
Os fatores ambientais foram escolhidos por se tratarem de componentes do
meio ambiente que irão sofrer transformações com a implantação e operação dos
empreendimentos. Para confeccionar a matriz de interferências analisou-se cada
fator ambiental e a magnitude das transformações que sofrerá com a implantação
(PCE, 2002).
5.2 SEMA/MT
Os estudos de avaliação do potencial energético e do Diagnóstico Ambiental
das PCHs Cidezal, Rondon, Telegrafia, Divisa, Ilha Comprida, Parecis, Sapezal e
Segredo foram realizados pela empresas PCE Projetos e Consultoria de Engenharia
e TD Engenharia Ltda, de acordo com as normas da ANEEL para projetos de
Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs. O Diagnóstico Ambiental contempla a área das cabeceiras do rio Juruena a foz do rio Juína.
O Relatório do Projeto Básico das PCHs abrangem as áreas de geologia,
hidrologia, cartografia, hidráulica, estruturas, hidroenergia, elétrica, mecânica e meio
78
ambiente. Os estudos de engenharia foram desenvolvidos pela PCE – Projetos e
Consultorias de Engenharia Ltda., sendo os Estudos Ambientais implementados
pela TD Engenharia Ltda.
Há outro fato referente às PCHs Telegráfica, Rondon, Parecis, Sapezal e
Cidezal. Essas PCHs foram contempladas com Decreto de Utilidade Pública. Os
procedimentos para aquisição das áreas de implantação dos aproveitamentos e
áreas a serem inundadas, acrescidas de faixa de 50 metros, conforme determina a
legislação estadual (Lei Complementar № 232/05), já foram concluídos e incluíram a
realização de reuniões públicas conforme estipulado na Resolução ANEEL Nº
259/03 (JGP, 2007).
O conjunto de aproveitamentos tem previsão de interconexão com o Sistema
Interconectado Nacional/SIN em Jauru, a aproximadamente 290 km do AHE
Juruena. No entanto, outras alternativas de interconexão encontram-se em estudo
(JGP, 2007).
Para o diagnóstico ambiental é necessário ainda, dados sobre as outras
utilizações dos recursos hídricos na bacia do rio Jureuna. E de acordo com as
informações no inventário e da FEMA20, não há dados referentes a estudos
detalhados do uso da água no rio Juruena e seus afluentes. O uso das águas do rio
Juruena e de seus afluentes a montante dos eixos dos barramentos destina-se,
principalmente, à dessedentação de animais e secundariamente à recreação e lazer
dos moradores das áreas adjacentes e a outros usos não consultivos. Na área das
oito PCHs estudadas não existem práticas de irrigação. Além disso, o rio Juruena
não recebe efluente doméstico e a preservação das matas ciliares ao longo do seu
curso indica que o mesmo recebe pouco lixiviamento de partículas sólidas,
explicando assim a boa qualidade da água detectada no levantamento de campo
(PCE, 2002). No anexo 2, documento da SEMA/MT sobre o assunto.
O abastecimento de água da população da área urbana e rural dos
municípios citados anteriormente é realizado através de poços tubulares profundos
localizados fora das áreas diretamente afetadas pelos aproveitamentos.
20 A época do inventário, 2002, o órgão de meio ambiente do Mato Grosso SEMA era denominado FEMA.
79
5.2.1 Responsabilidade dos estudos e exigibilidade de EIA/RIMA
A responsabilidade pelo órgão competente para licenciamento ambiental é
fator de conflito. Devido a isso, os empreendedores das oito PCHs consultaram o
IBAMA sobre a competência do licenciamento do Complexo Juruena. Assim, por
meio do Ofício Nº 382/05, de 02 de junho de 2005, o IBAMA informou estar de
acordo com que o licenciamento ambiental das PCHs fosse conduzido pela
SEMA/MT. Quanto as duas UHEs que fazem parte do Complexo Juruena e não
foram estudadas nesta dissertação, foi emitido o Ofício IBAMA Nº 747/05, de 30 de
novembro de 2005, com o mesmo teor. A competência para licenciar os
empreendimentos na bacia do alto rio Juruena são de responsabilidade estadual, ou
seja, da SEMA/MT.
Quanto a exigibilidade de EIA/RIMA, no caso de licenciamento ambiental de
obras de aproveitamento hidráulico de pequeno impacto no Estado do Mato Grosso,
este pode se valer de modalidades diversas do EIA/RIMA, tendo em vista o disposto
no Código Ambiental Estadual vigente, que autoriza a sua dispensa mediante a
realização de outros estudos, nos termos em que orientou a Resolução CONAMA
237/97, em seu artigo 1°, inciso III, e a Lei Complementar 38/95. (MILARÉ, 2006).
Assim, conforme o parágrafo único do artigo 3° da Resolução CONAMA
237/97, o órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou
empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do
meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de
licenciamento.
80
5.2.2 Renovação das licenças de instalação e Avaliação Ambiental Integrada/AAI
Os aproveitamentos foram licenciados pela SEMA/MT21, com base na
apresentação dos Diagnósticos Ambientais (fase de Licença Prévia/LP) e
posteriormente dos Projetos Básicos Ambientais (fase de Licença de Instalação/LI).
As Licenças de Instalação foram inicialmente emitidas em 2002, com validade de um
ano. Elas foram renovadas em 2004, com validade de dois anos. No entanto, um
segundo pedido de renovação, encaminhado no início de 2006, foi indeferido com
base em pareceres técnicos que formularam exigências complementares, como a
confecção de um AAI (JGP, 2007).
AAI é uma Avaliação Ambiental integrada e refere-se à interação dos efeitos
diferentes empreendimentos, desenvolvimento econômico e social na bacia e à
interação entre os diferentes processos, representado pelas variáveis que
caracterizam os impactos ambientais, no tempo e no espaço (MMA, 2006).
No caso foi solicitação do Ministério Público Federal para a realização de
Estudo Integrada de Bacia Hidrográfica abrangendo dez aproveitamentos
planejados. A SEMA/MT acatou essa recomendação e emitiu Termo de
Referência/TR para um AAI o qual se encontra no Anexo 3. No caso da PCH
Jesuíta, o Diagnóstico Ambiental não foi aceito, pelo entendimento da SEMA/MT do
tamanho do reservatório estar fora dos padrões de uma PCH. Por isso, TR foi
elaborado para a confecção de EIA/RIMA. Também foram emitidos pela SEMA/MT
os termos de referência para elaboração dos EIA/RIMAs das UHEs Cachoeirão e
Juruena.
A AAI do Alto Juruena, conforme solicitação da SEMA/MT propôs-se a avaliar
a situação ambiental atual da bacia do Alto Juruena (figuras 7 e 8) e sua condição
futura, considerando os empreendimentos hidroelétricos já implantados, aqueles
licenciados sem a implantação e os demais empreendimentos propostos e/ou
possíveis, considerando a utilização total do potencial hidroelétrico para este trecho
do rio. O objetivo da realização do AAI foi à análise de alternativas de partição de 21 A época da aprovação dos diagnósticos ambientais, a secretária de meio ambiente era FEMA/MT.
81
queda e na identificação e avaliação de impactos ambientais sinérgicos e/ou
cumulativos decorrentes da implantação do conjunto de aproveitamentos,
contemplando cenários prognósticos para horizontes de 10 e 20 anos (JGP, 2007).
Figura 7 - Área do estudo da AAI
Fonte: JGP, 2007
82
Figura 8 – Imagem de satélite da área do estudo do AAI
Fonte JGP, 2007.
83
5.3 FUNAI
O histórico dos fatos ocorridos de 2003 a 2007, do Processo/FUNAI №
08620.0407/2003, referente aos Estudos de Complementação dos Impactos Sócio-
ambientais e Sócio-culturais das oito Pequenas Centrais Hidrelétricas (Telegráfica,
Sapezal, Rondon, Parecis, Cidezal, Segredo, Ilha Comprida e Divisa) caracterizam a
linha de trabalho da FUNAI e mostram os procedimentos adotados pelo órgão
indigenista frente a um empreendimento do setor elétrico. A área definida para estudo contempla a bacia do alto e médio rio Juruena.
Trata-se de ofícios e informações acerca do empreendimento, e para a
produção do estudo complementar do componente indígena, o Termo de
Referência.
O texto a seguir, referente aos procedimentos adotados pela FUNAI e fatos
decorrentes destas é parte integrante do “Estudo Complementar do Diagnóstico
Antropológico das oito Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs: Telegráfica, Sapezal,
Rondon, Parecis, Cidezal, Segredo, Ilha Comprida e Divisa”, da Empresa Mappa
Engenharia e Consultoria, 2007.
Em 2003, no mês de fevereiro, a empresa Documento Arqueologia e
Antropologia, solicita à FUNAI autorização para antropólogo realizar levantamento
da situação das sociedades indígenas nas terras dos índios Nambikwara, Enawenê-
Nawê e Menky. A autorização para realização do levantamento é concedida pela
Administração da FUNAI em Cuiabá-MT.
Em março do mesmo ano, a Fundação Estadual do Meio Ambiente do Estado
do Mato Grosso/FEMA/MT, comunica à FUNAI a tramitação dos processos de
licenciamento ambiental identificado como Complexo Juruena e, ressalta que, os
processos serão submetidos ao órgão indigenista para manifestação quanto aos
estudos antropológicos a serem realizados. E em outubro, a empresa Documento
Arqueologia e Antropologia encaminha à FUNAI relatório final referente ao Programa
de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural do
Complexo Juruena.
84
Em abril de 2004, a FEMA/MT solicita à FUNAI posicionamento quanto à
incidência das UHEs, denominadas Cachoeirão e Juruena em terras indígenas. E
em julho, a FUNAI solicita ao órgão ambiental estadual plantas cartográficas
detalhadas com a posição do barramento e os contornos dos reservatórios e destaca
que os impactos diretos nas sociedades indígenas, não se restringem à construção
de empreendimentos no interior das terras indígenas e/ou a inundação de parte de
suas terras.
Em 2005, no mês de janeiro, com base nas plantas das áreas de influência
direta e indireta das UHEs Cachoeirão e Juruena, fornecidas pela FEMA/MT a
Diretoria Fundiária/DAF da FUNAI constata que o projeto da UHE Cachoeirão dista
aproximadamente 24, 85 km da terra indígena Nambikwara, 28,23 km da terra
indígena Enawenê-nawê e 40,14 da terra indígena Tirecatinga, e que a UHE
Juruena a ser implantada está localizada a 34,63 km da terra indígena Nambikwara,
38,17 km da terra indígena Tirecatinga e 56,16 km da terra indígena Utiariti.
Em fevereiro/2005, o Coordenador-Geral do CGPIMA encaminha
correspondência à FEMA/MT na qual: destaca que a viabilidade da implantação dos
referidos empreendimentos só poderá ser avaliada a partir dos EIA/RIMA, e dos
Estudos Etnoecológicos das comunidades indígenas atingidas direta e
indiretamente; solicita cópia do Termo de Referência utilizado pela FEMA/MT na
elaboração dos Estudos Ambientais; questiona a competência do órgão ambiental
estadual para licenciar empreendimentos que afetam terras indígenas; e solicita
informações sobre os licenciamentos ambientais das PCHs Telegráfica, Segredo,
Sapezal, Rondon, Parecis, Jesuíta, Ilha Comprida, Divisa e Cidezal, planejadas para
serem implantadas ao longo do rio Juruena.
Em março/2005, a FEMA/MT encaminha o Ofício № 139/COIF/DIMI,
contendo os seguintes expedientes: carta georreferenciada com os dados referentes
à posição dos empreendimentos em relação às terras indígenas; e, cópias das
licenças de instalações/LIs, concedidas juntamente com o parecer técnico de cada
uma das nove PCHs - Telegráfica LI № 044/2004, Segredo LI № 045/2004, Sapezal
li № 1.071/2004, Rondon LI № 040/2004, Parecis LI № 039/2004, Jesuíta (em
estudo) , Ilha Comprida LI № 043/2004, Divisa LI № 102/2004 e Cidezal LI №
041/2004. Com referência as UHEs Cachoeirão e Juruena, informa-se que estão
85
sendo realizados novos estudos ambientais. Também são encaminhados a FUNAI
pelos empreendedores - Consórcio Juruena, os Ofícios LP20, LP21, LP22, LP23 e
LP24, dando conhecimento da chamada da Eletrobrás para contratação das PCHs e
solicitando o parecer sobre o Diagnóstico Antropológico protocolado pela Empresa
Documento Arqueologia e Antropologia em 17.10.2003.
Em junho de 2005, em atenção ao pedido do Consórcio Juruena a CGPIMA
comunica que a anuência do Diagnóstico Antropológico dependerá dos resultados
da análise e posicionamento da FUNAI em relação “aos processos de licenciamento
e documentos pertinentes”. O Consórcio Juruena encaminha à FUNAI, Ofício
№382/2005, da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental do IBAMA, no qual
é ressaltada a competência da FEMA/MT para licenciar as PCHs em função da não
interferência dos empreendimentos em terras indígenas.
Em agosto/2005, representante do Consórcio Juruena, em função da ameaça
de cancelamento do contrato das PCHs pela Eletrobrás, solicita à CGPIMA,
prioridade absoluta na análise do Diagnóstico Antropológico vinculado às licenças
das PCHs. E em outubro é realizada reunião entre os técnicos do CGPIMA e a
Empresa Linear com o objetivo de obter a anuência da FUNAI para o início das
obras de cinco PCHs Telegráfica, Rondon, Sapezal, Cidezal e Parecis, sendo
deliberados os seguintes encaminhamentos:
1) A FUNAI sente necessidade de complementação de estudos,
encaminhamentos e ações, que uma vez solicitadas à Linear, esta se compromete a
atender prontamente;
2) Em razão da necessidade da Linear de iniciar imediatamente as obras,
será firmado entre esta e a FUNAI, Termo de Compromisso assegurando que tais
obras não impedirão a vazão do rio;
3) A assinatura do Termo de Compromisso caracterizará a anuência da
FUNAI, para o início das obras;
4) A Linear enviará minuta de Termo de Compromisso à FUNAI, para
análise e assinatura;
5) A FUNAI fará a análise dos estudos já apresentados e solicitará
eventuais complementações, e que a Linear compromete-se a atender.
86
Concomitantemente com a realização dos estudos complementares e das obras a
serem implantadas, na forma do Termo de Compromisso, a FUNAI solicitará a
realização de programas e ações de mitigação ou compensação, em razão dos
eventuais impactos nas terras indígenas na região do empreendimento.
Ainda em outubro de 2005, por meio da informação CGPIMA/FUNAI № 285,
de 21.10.2005 e do Ofício № 449, de 4.11.2005, a FUNAI encaminha aos
empreendedores o Termo de Referência/TR, para a realização de estudos
complementares do Diagnóstico Antropológico. E em novembro a FUNAI encaminha
o Ofício № 504/CMAM/CGPIMA/05 à SEMA/MT, concedendo anuência para
implantação das cinco PCHs Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis e Cidezal,
autorizando sob condicionantes o início das seguintes obras:
(...) abertura de acessos; implantação dos canteiros de obras; construção de estruturas de concreto; obras de terra e terraplanagem sobre as margens do Rio Juruena; construção de obras de concreto da tomada d’água e casa de força sob o Rio Juruena e outras obras que não afetam a vazão natural do Rio Juruena.
Em janeiro de 2006 é encaminhado à SEMAM/MT o Ofício №
02/CMAM/CGPIMA/06, ratificando a anuência concedida pela FUNAI sob o Ofício №
504/CMAM/CGPIMA/05 para o início das obras da cinco PCHs. A Coordenadora-
Geral Substituta da CGPIMA, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, em resposta
ao Ofício PRDC/MT/C/№ 027, de 3.2.2003, encaminha à Procuradoria-Geral da
República o Ofício № 054/CMAN/CGPIMA/06, de 26.1.2006, informando que as
PCHs Segredo, Sapezal, Jesuíta, Parecis, Cidezal, Ilha Comprida, Telegráfica e
Rondon, não estão localizadas em terras indígenas.
Em maio/2006 é realizada na sede da Administração Executiva Regional da
FUNAI/AER em Cuiabá, reunião com a equipe técnica da Empresa MAPPA
Engenharia e Consultoria Ltda e funcionários do órgão indigenista para tratar das
consultas às comunidades indígenas sobre a realização dos Estudos
Complementares para o Licenciamento Ambiental das PCHs do Complexo Juruena,
MEMO № 83/GAB/AERCGB/06.
87
Em junho de 2006 com a anuência das comunidades indígenas Enawenê-
nawê, Menky, Nambikwara, Paresi e Rikbaktsa e autorização da Coordenação-Geral
do Patrimônio Indígena e Meio Ambiente - CGPIMA - MEMOS/NAL Juína N°s
081/06 e 89/06; MEMOS/AER Tangará da Serra №s 145/06 e 156/06;
MEMO/SEMAN/AER/Cuiabá N°180/06 e MEMOS/CGPIMA №s 507/06, 543/06,
635/06, e 670/06, os técnicos da empresa MAPPA ingressaram nas terras indígenas
Enawenê-nawê, Menky, Nambikwara, Pirineus de Souza, Tirecatinga, Juininha,
Paresi, Uirapuru, Utiariti, Erikbaktsa e Japuíra, para realizarem os levantamentos de
campo referentes à implantação de apenas cinco PCHs Telegráfica, Sapezal,
Rondon, Parecis e Cidezal. Conforme Relatório Simplificado da Empresa MAPPA, os
objetivos principais dos trabalhos de campo foram:
1) coletar informações detalhadas sobre as comunidades e terras
indígenas da Bacia do Alto Rio Juruena; e,
2) apresentar aos índios o processo de licenciamento ambiental do setor
elétrico, os possíveis impactos sócio-ambientais e sócio-culturais gerados com a
implantação das oito PCHs, e as medidas mitigadoras, compensatórias e
indenizatórias de responsabilidade do empreendedor. Durante os trabalhos de
campo foram georrefenciadas 11 terras indígenas, 88 aldeias e vários pontos no rio
Juruena, totalizando 283 pontos georreferenciados. Todas as reuniões realizadas
nas terras indígenas e nas Administrações Regionais da FUNAI foram formalizadas
por meio de lavratura de atas.
Em dezembro/2006 realizou-se reunião na Aldeia Sacre II da Terra Indígena
Utiariti com presença das lideranças das etnias Enawenê-nawê, Paresi, Erikbaktsa e
Nambikwara, dos representantes das Administrações da FUNAI de Cuiabá e
Tangará da Serra e dos Núcleos de Apoio Local/NAL, de Juína e Vilhena/RO, do
técnico do CGPIMA/FUNAI, dos empreendedores Juruena Participações e
Investimentos e Maggi Energia e dos técnicos da empresa MAPPA Engenharia e
Consultoria Ltda. A reunião foi para apresentação dos Estudos de Avaliação dos
Impactos Ambientais e Antrópicos das cinco PCHs Telegráfica, Sapezal, Rondon,
Parecis, e Cidezal e visita técnica à PCH Salto Belo, implantada na margem direita
do Rio Sacre limite leste da Terra Indígena Utiariti.
88
Ainda em dezembro é realizada na Administração Central da FUNAI, reunião
entre os técnicos da CGPIMA, os representantes da Empresa MAPPA e os
empreendedores para deliberar sobre o andamento dos trabalhos de licenciamento
do Complexo Juruena, sendo deferidas as seguintes medidas:
1) Agendar reunião para o dia 10.1.2007, na Administração da FUNAI em
Juína/MT, para com a presença das lideranças indígenas, representantes do
CGPIMA/FUNAI, da Empresa Mappa Engenharia e Consultoria Ltda, da Jurena
Participações e Investimentos S/A, Maggi Energia S/A e do Público em geral, e
reapresentar os Estudos de Avaliação Geral dos Impactos Ambientais das cinco
PCHs: Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis e Cidezal;
2) Aprovar preliminarmente os estudos sobre os Impactos Antrópicos e
Ambientais, as Medidas Mitigadoras e Compensatórias e o Programas e
Subprogramas, Elaborados pela Empresa MAPPA Engenharia e Consultoria Ltda,
apresentados em 2.12.06, na Aldeia Sacre II, na Terra Indígena Utiariti (MT),
referentes às PCHs Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis e Cidezal; e,
3) Ratificar, para fins de renovação das LIs, das PCHs Telegráfica LI № 044,
Rondon LI № 040, Parecis LI № 039, Sapezal LI № 042 e Cidezal LI № 041, nos
termos dos Ofícios № 504/CMAM/CGPIMA/05, de 22.11.2005, №
02/CMAM/CGPIMA/06, de 02/01/2006 e № 97/CMAM/CGPIMA/06, de 16.2.2006,
encaminhados à Superintendência de Infra-Estrutura, Mineração, Indústria e Serviço
do Estado do Mato Grosso.
Em janeiro de 2007 realizou-se nova reunião técnica no auditório do Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial/SENAI, na cidade de Juína/MT, com a
presença dos técnicos do CGPIMA/MT, representantes da FUNAI das
Administrações de Cuiabá e Tangará da Serra, dos Núcleos de Apoio de Juína e
Vilhena/RO, das Empresas Juruena Participações e Investimento S.A e Maggi
Energia SA, dos técnicos da MAPPA Engenharia Consultoria Ltda, das lideranças
das terras indígenas Menku, Nambikwara, Enawenê-Nawê, Pirineus de Souza,
Uirapuru, Erikbaktsa, Japuira, Paresi, Tirecatinga, Utiariti e Juininha, sendo
aprovado:
1) Programas e Subprogramas das Medidas de Compensação e Mitigação
e Indenização elaborados pela Empresa MAPPA;
89
2) Renovação das Licenças de Instalações - LIs -, das oito PCHs; e,
3) Autorização para realização dos estudos de impactos das PCHs
Segredo, Ilha Comprida e Divisa.
Ainda em janeiro/2007 por meio do Ofício n°.018/CMAM/CGPIMA/07, de
29.1.2007, encaminhado ao Superintendente de Infra-Estrutura, Mineração, Indústria
e Serviço do Estado do Mato Grosso, a FUNAI manifesta-se favorável à renovação
das licenças de Instalação das oito PCHs - Telegráfica, Rondon, Sapezal, Cidezal,
Parecis, Ilha Comprida, Divisa e Segredo.
Em fevereiro/2007, a equipe técnica da Empresa MAPPA realizou reuniões
nas TIs Enawenê-nawê, Menky, Utiariti, Tirecatinga, Paresi, Juininha, Uirapuru,
Nambikwara e Erikbatsa, solicitada pelas comunidades indígenas para
complementação das informações a respeito das oito PCHs que integram o
Complexo Juruena e dos Estudos de Complementação dos Impactos Sócio-
ambientais e Sócio-culturais, objeto do Termo de Referência da FUNAI.
Em março é realizada reunião entre os funcionários da Administração da
FUNAI em Cuiabá/MT, técnicos da Empresa MAPPA e representante dos
empreendedores MAGGI Energia S.A e Juruena Participações e Investimentos para
apresentação da versão preliminar do Plano de Gestão Integrada das Terras
Indígenas da Bacia do Alto Juruena, resultante dos Estudos de Avaliação dos
Impactos Ambientais da implantação das oito Pequenas Centrais Elétricas que
integram o Complexo Juruena, sendo deferidas as seguintes medidas:
1) Aprovação dos Planos de Sustentabilidades Organizacional, Sócio-
ambiental, Sócio-econômica e Etnodesenvolvimento, Cultural e de Áreas Naturais
Protegidas;
2) Realização de reunião entre FUNAI Empreendedores e a Empresa
MAPPA para entendimento do custo do Plano; e,
3) Apreciação do Plano pelas comunidades indígenas.
Ainda em março/2007, a Presidência da FUNAI, por meio da Portaria №
160/PRES/2007, de 8.3.2007, constitui um Grupo de Trabalho com a finalidade de
acompanhar os Processos de Licenciamento Ambiental incidentes nas Terras
Indígenas da Bacia do Alto Juruena. Nesse mês, a Secretaria de Estado do Meio
90
Ambiente - SEMA/MT renovou as Licenças de Instalação das PCHs Parecis,
Rondon, Telegráfica, Sapezal, Cidezal, Ilha Comprida, Divisa e Segredo.
Em maio/2007, a empresa MAPPA Engenharia e Consultoria encaminha ao
Coordenador do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria № 160/PRES/2007, o
Relatório Simplificado do Estudo Complementar do Diagnóstico Antropológico das
PCHs: Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis, Cidezal, Segredo, Ilha Comprida e
Divisa, juntamente com o Plano de Gestão Integrada das Terras Indígenas da Bacia
do Alto Rio Juruena.
Em junho/2007 é realizada reunião na Administração da FUNAI na cidade de
Cuiabá/MT, em que o Grupo de Trabalho instituído pela Portaria № 160/PRES/2007,
aprova os eixos temáticos do Plano de Gestão Integrada da Bacia do Alto Juruena.
Em agosto é protocolado na DAF a entrega do relatório e esse anexado ao
processo.
Em outubro o estudo é analisado e aprovado por meio da Informação
327/CEMAN/CGPIMA/FUNAI.
91
CAPÍTULO 6 – ANÁLISE ENTRE OS DISPOSITIVOS LEGAIS, PROCEDIMENTOS E CONFLITOS DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO INSTITUCIONAL
Conflitos sócio-ambientais são aqueles:
“[...] que tem elementos da natureza como objetivo e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos e interesses privados”. [...] Em geral, eles se dão pelo uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes econômicos particulares, pondo em jogo interesses que disputam o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum, sejam esses conflitos implícitos ou explícitos (GUIMARÃES J; LIMONCIC, 2005, p. 27 apud SCOTTO, 1997, p. 58)”.
Com relação ao caso das oito PCHs projetadas para a bacia do Alto rio
Juruena, verifica-se interesses conflitantes pelo recurso natural: o empreendedor
interessado no uso dos recursos hídricos do rio Juruena na esfera econômica; o
Estado de Mato Grosso e os municípios na construção da obra e desenvolvimento
da região, portanto interesses sociais e econômicos; e a preocupação dos recursos
naturais na esfera cultural para as comunidades indígenas. O respeito à legislação
pertinente se verifica em relação aos interesses próprios de cada agente, na
utilização dos dispositivos legais em relação ao seu entendimento quanto ao uso de
espaços e o controle dos recursos ambientais existentes (tabela 4):
Tabela 4 – Informações relacionadas às entidades governamentais no caso das oito PCHs da Bacia do Alto rio Juruena
Agente Público
Documentos exigidos
Contexto Político Área de impacto considerada
Processo Aprovado
ANEEL
Inventário Hidrelétrico
Simplificado e Plano Básico
Suprimento de energia
Bacia do alto Juruena (da ponte da rodovia MT 235 a foz do rio
Juína)
2002
SEMA/MT
Diagnóstico Ambiental
(simplificado) e AAI
Questão ambiental Bacia do alto Juruena (das nascentes a foz
do rio Juína)
2002
e 2007
FUNAI
Estudo do Componente Indígena e
Complemento do Componente
Indígena
Proteção de minoria/comunidades
indígenas
Bacia do alto e médio Juruena
2003
e 2007
92
A própria definição da área a ser impactada (direta e indiretamente) é
diferente para a ANEEL, SEMA/MT e FUNAI. Como trabalham com áreas distintas,
dados e levantamentos não são realizados em todos os percursos considerados.
Para a ANEEL, a área do estudo é o trecho inventariado: o segmento entre a foz do rio Juína, a jusante, e a ponte da rodovia MT-235, a montante (na bacia do alto Juruena). Para a SEMA/MT a área de estudo é a contemplada no
Diagnóstico Ambiental: a área das cabeceiras do rio Juruena à foz do rio Juína (bacia do alto Juruena). E para a FUNAI, a área do estudo a ser considerada é a área da bacia do alto e médio rio Juruena, das cabeceiras até a foz com o rio Arinos, conforme mapa 1 a seguir:
93
MAPA A3 DOS TRAÇADOS
94
Os conflitos são contínuos e evolutivos, como a permanência das PCHs
depois da construção e a solicitação das comunidades indígenas por “royalts” sobre
a energia produzida. Isso porque estão baseados no contexto social em que se
encontram.
Observa-se que os três agentes públicos (ANEEL, FUNAI e SEMA/MT)
apresentam diferentes níveis de conhecimento e entendimento acerca da utilização
dos recursos naturais e trabalham também, de forma distinta as informações
disponíveis. Os níveis de comando de cada um desses agentes demonstram a
diferença de poder existente entre eles e o que representam. E há ainda a questão
cultural, com valores distintos para o uso dos recursos naturais, uma visão de mundo
diferente das comunidades indígenas/FUNAI, em contraponto com a sociedade
nacional e seus representantes/ANEEL e SEMA/MT.
E a representatividade ligada a real competência de cada agente público: a
questão da legalidade dos interesses da ANEEL, FUNAI e SEMA/MT e a correta
interpretação/cumprimento da legislação vigente.
Quanto à definição do instrumento para o licenciamento ambiental, a
Resolução CONAMA 237/97 leva em consideração a competência discricionária do
órgão ambiental para valoração e apreciação tendente a exigir ou descartar o
EIA/RIMA, podendo substituí-lo por modalidade mais simples de Avaliação de
Impacto, como o Diagnóstico Ambiental (MILARÉ, 2006).
Portanto, no caso concreto da 8 PCHs da bacia do alto rio Juruena, com a
verificação dos pressupostos legais e os objetivos (considerando o não significativo
impacto ambiental) estabeleceu o diagnóstico ambiental como espécie de avaliação.
Já o caso do estudo do inventário: os aproveitamentos estudados não
definem impactos ambientais significativos nas comunidades indígenas regionais
tendo em vista as distâncias dos futuros empreendimentos em relação a estas
áreas, o pequeno porte das hidrelétricas a serem implantadas e a pequena
dimensão das áreas de inundação destes empreendimentos.
Fato esse contestado pela FUNAI e demonstrado no estudo complementar
solicitado pelo órgão indigenista. A proximidade dos barramentos em relação a TI
Nambikwara (mapa 2) e a intensa relação do grupo indígena Enawenê-Nawê com o
95
ciclo hidrológico do rio Juruena, são impactos ambientais a serem considerados.
Mesmo estando fora dos limites das terras indígenas, 20 km, 30 km devem ser
analisados segundo a FUNAI. É preciso considerar ainda os impactos antrópicos, de
valoração importante para essa entidade, que acaba por abarcar um território maior
que as terras indígenas consideradas, diferentemente do que avaliam a ANEEL e a
SEMA/MT.
Muito da divergência sobre a área de estudo e/ou impactada se deve a
utilização, muitas vezes, por parte do órgão indigenista, da amplitude do conceito de
território22, que não se restringe ao conceito de limites de terras indígenas23. Caso
não apenas dos Nambikwara, etnia mais próxima às PCHs, conforme mapa 2 ilustra,
mas que pela ótica da FUNAI se estende aos demais povos indígenas.
A importância da territorialidade e do domínio dos limites das terras pode ser
percebido, pelo território tradicional (mais extenso) e a área identificada e
demarcada, no caso dos Nambikwara da TI Nambikwara, fato este de conhecimento
da FUNAI, descrito no Relatório de Identificação e delimitação da Reserva Indígena
Nambikwara:
Os índios têm plena consciência das terras que a eles foram reservadas, sabendo inclusive que as terras que eles ainda utilizam, entre os rios Formiga e Juína, não mais lhes pertencem (FUNAI, PROCESSO 0832/82, p. 23 apud MAPPA, 2007).
Os Nambikwara da Reserva tem plena consciência dos limites da mesma e do que esta representa em termos legais. Se perguntados sobre a extensão de suas terras, eles respondem que estas vão do Doze de Outubro até o Juína e subindo este até o rio Caraná, ou seja, os limites exatos da Reserva. Quando falam da questão da terra, expressam em suas palavras, um misto de revolta e resignação pelo “pedacinho de terra” que o governo decretou para eles. Sabem que aquilo que ficou fora da reserva não mais lhes pertence muito embora continuem visitando antigas aldeias, onde seus antepassados estão enterrados, e caçando em lugares tradicionais de caça. Dizem que, “enquanto der”, ou seja, enquanto deixarem continuarão se utilizando de tais áreas (FUNAI, PROCESSO 0832/82, p. 20).
22 Vivência, culturalmente variável, de relação entre uma sociedade específica e seu espaço (ALMEIDA, 2004). 23 Processo jurídico conduzido sob a égide do Estado (ALMEIDA, 2004). Neste processo há a definição de limites dos espaços tradicionais indígenas, definidas com o terras indígenas.
96
Mesmo utilizando espaços no rio Formiga, não há pedido dos índios para
reestudo dessa terra indígena. A própria Coordenação-Geral de Meio Ambiente e do
Patrimônio Indígena - CGPIMA/FUNAI -, em resposta à consulta da Procuradoria-
Geral da República (Anexo 4), reconhece a não incidência dos projetos de geração
de energia no Estado do Mato Grosso em terras indígenas.
Conforme coordenadas geográficas fornecidas pela SEMA-MT e posterior plotagem realizada pela Diretoria de Assuntos Fundiários desta Fundação, informamos que nenhum dos empreendimentos citados estão localizados dentro de Terras Indígenas do Estado do Mato Grosso.
Quando se analisa as distâncias de cada PCH às onze terras indígenas
(tabela 4), os dados revelam a preocupação da FUNAI com o entorno e o
entendimento de que os impactos antrópicos de um empreendimento tem um raio
muito maior que o considerado pelos outros órgãos.
Tabela 5 - Distância das oito PCHs às onze Terras Indígenas
Telegráfica Rondon Parecis Sapezal Cidezal Segredo Ilha Comprida
Divisa Terra Indígena
30,00 MW 13,1 MW 15,4 MW 16,2 MW 17,1 MW 21,0 MW 18,6 MW 9,5 MWNambikwara 16,7 21,1 29,2 34,4 40,7 30,7 33,1 27,3
Enawenê-Nawê
19,6 24,8 44,2 66,1 77,3 64,2 57,9 79,8
Tirecatinga 51,2 47,9 45,9 45,4 45,1 47,0 42,0 58,6 Pirineus de
Souza 103,0 105,2 102,6 106,8 113,5 102,8 105,6 102,2
Paresi 126,6 121,3 102,6 81,3 69,7 85,2 88,7 71,2 Juininha 158,3 153,2 133,7 112,2 100,8 116,1 120,3 101,5 Uirapuru 170,1 165,7 145,6 124,0 113,4 77,4 71,3 74,5 Utiariti 69,6 67,5 74,3 73,5 64,2 118,1 123,0 101,3 Menku 76,6 80,0 99,6 120,4 130,0 120,9 113,8 138,4
Erikbaktsa 167,0 171,0 191,0 212,5 223,0 209,3 204,0 227,2 Japuíra 215,0 219,8 239,9 261,0 272,0 258,2 253,1 275,8
Fonte: MAPPA, 2007.
97
Mapa 2 – Localização dos Eixos dos Barramentos em relação à TI Nambikwara
Fonte: MAPPA, 2007
98
Por outro lado, deve-se considerar o fator Interesse Público. O Estado é o
agente principal e obrigatório no processo de resolução de conflitos gerados por um
empreendimento. A questão é: o Estado é o definidor dos requisitos para o uso
consciente dos recursos naturais, e deseja o seu uso. A ANEEL (esfera federal) com
o cumprimento das normas para autorização de PCH, tem interesse na produção de
energia, incluso incentivos fiscais e facilidades. Neste sentido entra em conflito com
a FUNAI (esfera federal), responsável pelas comunidades indígenas que também
utilizam os recursos naturais, nesse caso os recursos hídricos do rio Juruena. E a
SEMA/MT representa a esfera estadual que tem interesse na construção das PCHs
em benefício da sua federação.
O ponto comum é que em caso de eventuais impactos, estes poderão ser
minimizados com a implantação de programas ambientais como medidas
compensatórias.
No inventário, os estudos e a avaliação dos impactos ambientais, a
possibilidade de impactos ambientais pela implantação dos empreendimentos foi
definida como de baixo grau de intensidade, com benefícios regionais que
favorecem o desenvolvimento dos municípios na área de inserção dos
empreendimentos (PCE, 2002).
Uma justificativa apresentada é que o grau de impacto das alternativas é
significativamente pequeno, quando comparado a outros empreendimentos de
geração de energia a partir de potencial hidráulico inseridos em áreas de maior
desenvolvimento (inventário). Porque baseados em arranjos simples, barramentos
de pequena altura e equipamentos de geração de energia fundamentados no
aproveitamento dos desníveis naturais dos rios, ao invés da formação de extensos
reservatórios de acumulação, o contexto ambiental se mostrou extremamente
favorável (PCE, 2002).
Assim, segundo à ótica da ANEEL, os aproveitamentos estudados e
aprovados apresentaram baixos índices de impacto ambiental devido ao porte,
localização e alternativa de implantação. Destaca-se, do ponto de vista ambiental,
que não há nenhuma restrição marcante à implantação dos mesmos, tendo-se
registrado apenas graus de impacto diferenciados.
99
E a SEMA/MT com base na legislação ambiental e diagnóstico ambiental
apresentado expediu as LIs do empreendimento. Mas em janeiro de 2006, as
Licenças de Instalação das PCHs venceram e não foram renovadas. Foi quando se
estabeleceu a necessidade de elaboração do AAI como condição para a renovação
das mesmas. Emitiu-se um TR, que focou principalmente a análise de alternativas
de partição de queda e a identificação e avaliação dos impactos ambientais
sinérgicos e/ou cumulativos decorrentes da implantação do conjunto de
aproveitamentos, com prognósticos de cenários para horizontes de 10 e 20 anos. As
novas LIs (Anexo 5) ficaram condicionadas a um estudo do conjunto das oito PCHs,
diferentemente das primeiras que consideraram cada uma individualmente.
100
CONCLUSÃO
A pesquisa buscou atender o objetivo de identificar os dispositivos legais e os
procedimentos para empreendimentos do setor hidrelétrico e os conflitos entre
instituições públicas que têm por competência a defesa de recursos naturais, onde a
energia hidrelétrica é vista como bem público, e de órgãos responsáveis por outros
grupos da sociedade, relacionados aos três agentes públicos ANEEL, SEMA/MT e
FUNAI, com base em um estudo concreto: das oito PCHs inseridas na bacia
hidrográfica do alto rio Juruena.
Para isso foi realizada a caracterização dos processos exigidos pela
legislação e com base nos documentos/estudos para os três Órgãos, uma análise
legal referente aos conflitos e proposição de recomendações.
O argumento inicialmente levantado foi que os Órgãos Públicos (ANEEL,
SEMA/MT e FUNAI) trabalham individualmente para a realização de um
empreendimento, sendo a legislação ambiental palco de conflitos. Confirmou-se que
as instituições possuem diferentes pontos de vista das normas do licenciamento
ambiental e modos de interpretação/adequação de estudos de impacto ambiental,
devido a sua cultura e sua herança de atuação política na esfera de implementação
de projetos ambientais.
A elaboração de diferentes instrumentos de gestão ambiental para a
aprovação de um empreendimento, definida por cada entidade pública acaba por
alongar o processo legal, devido às análises não integradas realizadas
administrativamente. O processo iniciado em 2002 com o inventário e tendo a
aprovação dos estudos indígenas aprovados apenas no fim de 2007, perfazem na
verdade, cinco anos de negociação para o início das obras, considerando que foi um
estudo ambiental simplificado.
Um dos grandes conflitos detectado foi a definição do tipo de estudo, atrelado
ao significativo impacto do empreendimento. Ocorre que o EIA só é exigido quando
houver significativo impacto ambiental e que as outras modalidades de avaliação de
impacto ambiental, como o diagnóstico, encontram-se em condições de igualdade
101
com o EIA, e que o objetivo de um estudo é o de avaliar e quantificar, previamente, o
grau de impacto que determinado empreendimento possa causar.
Com a análise legal detectou-se que o setor elétrico atende a uma legislação
especifica para PCHs, com critérios para o licenciamento ambiental. Cartilha para
apresentação de inventário, definição de uma PCH, dentre outros.
A SEMA/MT também define seus critérios por meio de termos de referência
para diagnósticos ambientais e/ou EIA/RIMA. Mas, anteriormente, há dispositivos
para a definição do estudo apropriado para o licenciamento.
A FUNAI, entretanto, não apresenta dispositivos legais para licenciamento,
sendo sua legislação voltada principalmente, para a questão fundiária. A CF/88
define no Art. 231, no § 3°que os aproveitamentos dos recursos hídricos em terras
indígenas só podem ser realizados com autorização do Congresso Nacional.
O texto constitucional trata de empreendimentos dentro das terras indígenas,
dentro dos limites físicos demarcados pela FUNAI. No entorno não há menção na
CF, sendo o Decreto № 1.141/1994, que trata da proteção ambiental, saúde, e apoio
às atividades produtivas das comunidades indígenas, a determinar o controle
ambiental das atividades potencial ou efetivamente modificadoras do meio ambiente,
mesmo aquelas desenvolvidas fora dos limites das terras indígenas que afetam. Mas não estipula quanto fora dos limites, sendo os critérios abrangentes, com o
espaço definido pelo CGPIMA/FUNAI à época do empreendimento.
Em 2003, no primeiro estudo do componente indígena, a área de impacto
definida estava apenas na região do alto Juruena. Em 2005, definiu-se o alto e o
médio Juruena com a inclusão da etnia Rikbaktsa e mais duas terras indígenas.
Assim, o licenciamento de empreendimentos e atividades potencialmente
poluidores, que utilizam a Avaliação de Impactos Ambientais/AIA em suas análises,
subsidia apenas as decisões de aprovação de projetos individuais. Isso porque as
PCHs são estudadas uma a uma e não em conjunto.
Atualmente os estudos exigidos para licenciamento levam em conta os efeitos
locais dos empreendimentos, em que cada entidade tem interpretado essa condição
de forma particular, o que não deveria estar acontecendo. Em geral, ainda não se
está exigindo estudos integrados e estratégicos das bacias hidrográficas como
102
instrumento precedente à liberação de licenças. Entretanto, tal procedimento está
começando a mudar.
Com as PCHs da bacia do Alto rio Juruena, o Ministério Público Federal
solicitou estudo integrado dos empreendimentos no rio Juruena e a SEMA/MT
acatou, como condicionante para a renovação das licenças de instalação.
Mas a metodologia da AAI também parece ser palco de diferentes
interpretações. Isto pode ser observado no Estudo de Avaliação Ambiental Integrada
da Bacia do Alto Juruena, de autoria da Empresa JGP Consultoria Participações
Ltda, exigido pela SEMA/MT ao empreendedor. Isso, porque a análise dos impactos
foi feita apenas no trecho do rio Juruena, desconsiderando, inclusive uma PCH do
Complexo que tem seu projeto no rio Formiga, tributário do rio Juína e posterior
tributário do Juruena. Não foram consideradas outros empreendimentos hidrelétricos
na bacia do rio Juruena, mas apenas os que necessitavam de licença.
Observou-se, portanto, que ainda não há uma análise do efeito cumulativo
(sinérgico) das PCHs em toda a bacia, e sua relação com o ambiente para um
desenvolvimento sustentável da região. Considera-se apenas o curso do rio onde
está o empreendimento, e não os seus tributários e outros empreendimentos como
rodovias neste espaço definido.
Outro fator observado com os estudos é a constatação de que a bacia do rio
Juruena não apresenta projeto para utilização das águas, que não o uso
hidroenergético. Mas para a sociedade no entorno dos empreendimentos, as PCHs
representam possibilidades de melhorias. Com a formação dos reservatórios dos
aproveitamentos existe a possibilidade de usos múltiplos da água, um impulso para
outros usos dos recursos hídricos como: captação de água para irrigação de
pequenas áreas, piscicultura, manutenção das vazões mínimas para operação das
usinas, atividades de recreação e lazer.
Uma estruturação do comitê da bacia do rio Juruena para discussão do
possíveis usos da água (hoje o potencial é voltado para a produção de energia
hidroelétrica) representa a viabilização de outras praticas de uso, economicamente
viáveis e sustentáveis para outros atores sociais.
103
No caso da piscicultura, após a implantação dos reservatórios pode-se
estabelecer um uso compartilhado com atividades de pesca utilizando-se das águas
dos lagos para criar espécies adequadas ao ambiente lótico. Esta possibilidade
deverá ser discutida com lideranças locais para a existência de interesse na região,
e caso afirmativo, deve-se proceder com estudos.
E quanto a considerações sobre o aspecto sócio-econômico, é possível
afirmar que apesar do elevado investimento inicial, esse é compensado pelo
reduzido custo de operação e manutenção ao longo da vida útil de uma usina24.
Outro fator já comprovado em estudos é o de que os países desenvolvidos são os
que apresentam os maiores índices de aproveitamento de seu potencial hidrelétrico.
E que onde é maior a pobreza, menor é o desenvolvimento do potencial hidrelétrico
disponível25.
Assim, o que é preciso entender é que aproveitamentos hidrelétricos, quando
consideradas as questões legais, ambientais e sociais se mostram como um vetor
de desenvolvimento para o ser humano.
Para um uso conjunto da bacia do rio Juruena, o empreendedor pode se
associar às comunidades indígenas como um parceiro na preservação dos recursos
hídricos. Como as cabeceiras do rio Juruena estão em terras indígenas, espaço
esse preservado, a manutenção da qualidade da água passa a ser positivo,
diferentemente do entorno degradado conforme ilustra o mapa 3:
24 Vida útil que pode ir muito além dos 50 anos normalmente considerados nos estudos de avaliação econômica de projetos (Tolmasquim, 2005, p. 20). 25 Estudo apresentado pelo Banco Mundial, na International Conference for Renewable Energies, realizada em Bonn, em junho de 2004 (Tolmasquim, 2005, p. 20).
104
Imagem de satélite
105
O mapa 3 é a prova da situação real a ser trabalhada. Reconhecidamente a
região foi historicamente território de diferentes etnias, que nos dias de hoje tem
suas terras reconhecidas e demarcadas. Na época da realização dos estudos de
identificação, a região passou a ser o pólo de expansão agrícola e seu povoamento
intensificado pela sociedade nacional.
Pela imagem de satélite percebe-se a ocupação ao longo e entorno do rio
Juruena bem como de seus tributários por propriedades agropecuárias, base da
economia do Estado de Mato Grosso. Ainda assim, os recursos hídricos do rio
Juruena não são usados para irrigação ou mesmo abastecimento. Fato que o setor
elétrico, com a construção das PCHs pretende modificar, com programas de
integração para a bacia hidrográfica.
É preciso, portanto, uma maior integração entre os Órgãos Públicos, como o
reconhecimento de uma estrutura de ocupação já consolidada na região, e um
trabalho em conjunto, como a definição de um Termo de Referência único, como da
própria área direta e indireta do empreendimento.
Outra medida a ser levantada é da integração de projetos de produção de
energia e comunidades indígenas. Um fato, por exemplo, que deve estar presente
nos processos de licenciamento é de que a própria Lei Brasileira reconhece a
importância dos índios e suas terras indígenas para a preservação do meio
ambiente. Essa preservação, como no caso das nascentes do rio Juruena, é uma
garantia da matéria-prima de uma central hidrelétrica.
106
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ANEXOS
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Anexo 1 – Termo de Referência da FUNAI
111
112
113
114
115
116
Anexo 2 – Informação sobre uso dos recursos hídricos
Fonte: PCE, 2007.
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Anexo 3 – Termo de Referência da AAI
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135
Anexo 4 – Oficialização da não incidência das oito PCHs em terras indígenas
Fonte: MAPPA, 2007.
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Anexo 5 - Licenças de Instalação das oito PCHs
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