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Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação 2012/2013

ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA PÚBLICAS

Práticas Discursivas José Rebelo

Análise do Discurso

TEDTalk: “Sherry Turkle: Connected, but alone?”

Diana Isabel Pereira Mendes Nº59769

21 de Janeiro de 2013, Lamego

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RESUMO:

Este artigo pretende abordar um discurso realizado na palestra TED, cuja oradora é Sherry Turkle, Directora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Em termos teóricos, a socióloga americana explora o tema das relação homem-máquina, sendo estas pouco doseadas, ultrapassando as relação humanas. Apologista de que a hiperconexão pode conduzir a um isolamento, a oradora pretende, com isto, agitar as mentes do seu auditório.

Contudo, este paper não se dedica aos fundamentos teóricos da Sherry Turkle, mas propõe uma análise exaustiva do discurso em si, considerando os pareceres de José Rebelo, Dominique Maingueneau, Austin, Roman Jakobson, Bakhtine, Maria Augusta Babo, Maurice Mouillard e G. Genette.

Os parâmetros examinados são as seguintes estratégias enunciativas: Citação, Modalização, Dictização, o triângulo díctico, Retórica e Argumentação considerando o argumento polifónico e o argumento de autoridade, Pressuposição, Exortação e, finalmente, a Denegação. PALAVRAS-CHAVE: Sherry Turkel; Palestra TED; Alone Together; tecnologias; hiperconexão; Citação; Modalização, Dictização; Retórica; Pressuposição, Exortação e Denegação.

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CONTEXTO

Sherry Turckel é professora de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia do instituto de Tecnologia de Massachusetts, doutorada em Sociologia e Psicologia da personalidade na Universidade de Harvard. É Directora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Os seus estudos vão de encontro com a psicanálise e a interacção homem-máquina.

Em Fevereiro de 2012, foi oradora na palestra TED, onde expôs o tema “Alone together”, resultante de estudos exaustivos sobre os efeitos das tecnologias nas relações humanas, tendo como base o seu livro intitulado de “Alone Together”. Em relação à TED1 trata-se de uma fundação privada sem fins lucrativos dos EUA, conhecida pelas suas conferências, cujo objectivo é divulgar livremente ideias. As palestras duram 18 minutos, e são filmadas e posteriormente publicadas no site oficial TEDTALK2 e, ainda, no Youtube.

Os oradores fazem-se acompanhar pela sua apresentação estilo Power Point, controlando-a durante a palestra. Segundo as ideias defendidas por Sherry, a tecnologia muda o que fazemos, mas também quem somos. Reforça ainda que “esperamos mais da tecnologia e menos do outro”. Ela acredita que as nossas expectativas quanto às tecnologias são tão elevadas, que pensamos obter como retorno um real companheirismo.

A socióloga acrescenta que o grande problema da sociedade actual é o vazio, o receio da solidão, pelo que há a urgência de estarmos constantemente hiperconectados, mas por outro lado, acabamos inevitavelmente por nos isolar. Estamos hipnotizados e confundimos o real com o virtual.

Ao contrário do que se pense, Turkel não está contra as tecnologias digitais, apenas chama a atenção para da nossa parte, existir um comportamento mais doseado e consciente na utilização das mesmas.                                                                                                                1 Technology, Entertainment, Design 2 http://www.ted.com/talks 2 http://www.ted.com/talks

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ANÁLISE DO DISCURSO

[...]disciplina que, em vez de proceder a uma análise linguística do texto em si mesmo ou a uma análise sociológica ou psicológica do seu «contexto», visa articular a sua enunciação com um determinado lugar social. (Maingueneau, 1996)3

Comecemos por verificar no discurso de Sherry Turkle, as funções da linguagem

propostas por Roman Jakobson em Essais de Linguistique Générale.4 De entre as 6 estão presentes no discurso em questão as seguintes:

- expressiva ou emotiva – “indica a atitude do destinador a respeito do objecto do seu discurso”5. Ora, a oradora da palestra, sendo formada em psicologia, dá a conhecer o seu caso pessoal referente a uma mensagem que a filha lhe mandara, para além de episódios que lhe acontecera em relação a pessoas (fontes no discurso) que lhe fizeram um comentário, e realidades que ela pessoalmente assistiu, como a mulher cativada por um robô. Deste modo, a abordagem de Sherry é intimista, dando a conhecer a sua faceta de mãe, o que eficazmente fará com que o público se sinta identificado, integrado e ainda, cativado.

«A mensagem dizia, "Mãe, vais arrasar". Eu adoro isto. Receber aquela mensagem foi como receber um abraço. E então, esta é a situação. Eu personifico o paradoxo central. Sou uma mulher que adora receber mensagens, que vos vai dizer, que demasiadas, podem ser um problema.»

- apelativa – “visando a obtenção de determinados efeitos junto ao destinatário”6. «Agora avancemos rapidamente para 2012. Estou de volta ao palco do TED novamente.» «Vejo alguns primeiros passos. Comecem a pensar na solidão como uma coisa boa. Dêem-lhe espaço. Encontrem maneiras de demonstar isto enquanto um valor para os vossos filhos. Criem espaços sagrados em casa -- a cozinha, a sala de jantar -- e recuperem-nas para conversar. Façam a mesma coisa no trabalho. No trabalho, estamos tão ocupados a comunicar que muitas das vezes não temos tempo para pensar, não temos tempo para falar, sobre as coisas que realmente importam. Mudem isso.»

                                                                                                               3 Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil 4 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial 5 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial 6 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial  

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- poética – “procura, pela modulação da linguagem, conferir à mensagem a melhor configuração possível.”7

«eu partilho, logo existo» «Vamos falar sobre como podemos usar a tecnologia digital, a tecnologia dos nossos sonhos, para fazer desta vida a vida que podemos amar.»

- fática – “mantém ou reforça o elo de comunicação, o contacto entre destinador e destinatário.”8

«Receber aquela mensagem foi como receber um abraço. E então, esta é a situação.» «As pessoas dizem, "Eu digo-lhe o que está errado com ter uma conversa. Passa-se em tempo real e não pode controlar o que vai dizer". Então, esse é o ponto principal.» «Nós usamos a tecnologia para nos definirmos a nós próprios através da partilha dos nossos pensamentos e sentimentos mesmo enquanto os estamos a ter. Então, antes era: Eu tenho um sentimento, eu quero fazer uma chamada. Agora é: Eu quero ter um sentimento, eu preciso de enviar uma mensagem»

- metalinguística – “fixa as regras, o código, em que a mensagem deveria ser produzida”9.

«Quando falei no TED em 1996, relatando os meus estudos das primeiras comunidades virtuais, Eu disse, "Aqueles que tiram o maior partido das suas vidas no ecrã chegam a ela num espírito de auto-reflexão". E é isso que estou a pedir aqui, agora: reflexão e, mais do que isso, uma conversa sobre onde é que o uso atual da tecnologia estará a levar-nos, o que nos poderá estar a custar.» CITAÇÃO

Citar é, talvez, o único “roubo” consentido ou com sentido: uma repetição comentada, um confronto entre sujeitos. (Mourão, 1986)10

Apesar dos intensos estudos dedicados à distinção entre citação e intertextualidade, há

ainda tendência para os confundir, uma vez que a sua natureza é semelhante.                                                                                                                7 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial 8 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial 9 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial  10 Revista Comunicação e Linguagens Textualidades Junho, 1986 (pág.118)  

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Deste modo, coube a Maurice Mouillaud clarificar ambos os conceitos, sendo que, o primeiro relaciona-se com o dito por “vozes preenchidas dos campos político, social, económico, cultural ou desportivo que conservam o seu estatuto”11. Enquanto, que o último se destina ao desaparecimento das “marcas de enunciação e absorve o respectivo conteúdo”12.

De acordo com José Rebelo, conclui-se que a citação assemelha-se a um “pacto simbólico com o enunciador.”13 Onde se tem o conhecimento de “quem disse o quê. E porquê.”

A exposição das citações presentes no discurso será acompanhada pela análise das mesmas quanto à tipologia da citação proposta por Maurice Mouillaud. A mensagem dizia, "Mãe, vais arrasar". Enunciado assertivo , pois significa que a autenticidade no discurso existe no discurso em si. Basta Sherry turkle ter dito para ser verdade. E ele diz que não quer interromper os seus colegas porque, diz ele, "Estão demasiado ocupados com os seus emails", mas depois ele interrompe-se a si mesmo e diz, "Quer saber, não lhe estou a dizer a verdade. Sou eu que não quer ser interrompido. Eu acho que deveria querer, mas na realidade, preferiria simplesmente fazer coisas no meu Blackberry". Os fragmentos do discurso do “ele” são dependentes do discurso principal da oradora. Utilização de verbos declarativos (dizer). Um rapaz de 18 anos que usa mensagens para quase tudo diz-me melancolicamente: "Algum dia, algum dia, mas certamente não agora, gostaria de aprender a ter uma conversa". Quando pergunto às pessoas "O que há de errado em ter uma conversa?" As pessoas dizem, "Eu digo-lhe o que está errado com ter uma conversa. Passa-se em tempo real e não pode controlar o que vai dizer". Os fragmentos do discurso do “ele” estão igualmente dependentes do discurso principal da oradora. Utilização de verbos declarativos (dizer). Fui apanhada de surpresa quando o Stephen Colbert fez-me uma questão profunda, uma questão profunda. Ele disse, "Todos esses pequenos tweets, todos esses pequenos golinhos de comunicação online, não se somam num grande gole de conversa real?" Constata-se a referência à fonte, neste caso, Stephen Colbert. Passa a existir uma importância maior no ele ter dito, mais do que o dito do enunciador.

                                                                                                               11 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial 12 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial (pág.56) 13 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial (pág.57)  

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A alusão à fonte serve de instrumento de legitimação, uma vez que se realça os efeitos de estatuto de Stephen Colbert, pois trata-se de um comediante bastante conhecido por ter apresentado o Daily Show. Uma campanha publicitária promete que online e com avatares, podem "Finalmente, gostar dos vossos amigos gostar do vosso corpo, gostar da vossa vida, online e com avatares". Existe a referencia à fonte, uma campanha publicitária. A importância já não se manifesta, apenas, no dito do enunciador, mas também o facto de ele ter dito (a campanha publicitária promete).

Para existir efectivamente a citação, é obrigatória a existência de nexo entre os discursos. O que é verificável neste discurso de Sherry Turkle. Importa acrescentar o objectivo da socióloga em fazer algumas referências de outras vozes. Apesar do seu estatuto, a mesma tem que envergar um discurso que seja, ou pareça pelo menos verdadeiro. Ora, como garantia, a técnica para o conseguir, trata-se de expôr as suas provas, que consistem nas vozes das pessoas que, de algum modo, acabaram por fazer parte do estudo da mesma.

[...]A citação é, nos seus primórdios um acto linguístico de testemunho, mas também um acto de legitimação que autentica a verdade do discurso. [...] Citar torna-se assim o discurso de autoridade. (Maria Augusta Babo)14

Quanto aos limites referentes à citação em O Discurso do Jornal, pode-se dizer que é

verificável a continuidade discursiva, pelo que a citação foi então bem sucedida. Há claramente a conservação do estatuto dos enunciados reportados e o pacto simbólico entre Sherry e as outras fontes. São estas marcas que distinguem claramente entre citação e intertextualidade. INTERTEXTUALIDADE

Fala-se mais de intertextualidade a propósito da literatura ou, mais genericamente, quando se trata de textos de forte sentido, de obras. (Maingueneau, 1996)15

O ponto de partida do processo de intertextualidade é a própria citação estudada no

segmento anterior. Metaforizando, para perceber melhor a construção da mesma, basta lembrar o

crescimento de uma borboleta, da fase pré-larval, passando para larva até chegar à fase adulta, onde adquire autonomização. O mesmo acontece neste caso, embora, aparentemente a comparação pareça estranha, a verdade é que quando se apaga as marcas de enunciação da citação e se procede à neutralização do enunciador, os conteúdos impregnam-se. Ou seja,                                                                                                                14 Revista Comunicação e Linguagens Textualidades Junho, 1986 - A Citação: fundamento primeiro da textualidade (pág 117) 15 Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil  

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aquando da intertextualidade é possível verificar que a citação liberta-se das marcas explícitas do transporte e da inclusão de um texto de outro autor no da socióloga americana. Os segmentos fluem naturalmente, pois é como que a citação camuflada estivesse agora amadurecida e à mercê da utilização da oradora da palestra, sem que seja preciso o cuidado de referir quem disse e em que contexto.

Em Os Termos-Chave da Análise do Discurso encontra-se uma importante contribuição de G. Genette que designa a intertextualidade por transtextualidade. Segundo as relações transtextuais, a adequada a este caso designa-se por hipertextualidade, sendo a:

operação pela qual um texto (dito hipotexto) se introduz num texto anterior (chamado hipertexto) sem que se trate de um comentário. Isto envolve os fenómenos de transformação (paródia, disfarce, transposições) ou de imitação (pastiche, imitação...). (Maingueneau, 1996)16

A melhor maneira para o descrever é, eu partilho, logo existo. Confrontando com a expressão “eu partilho, logo existo”, rapidamente vem à memória a tão célebre frase protagonizada por René Descartes no “Discurso do Método”. Verifica-se que a primeira parte foi transformada, uma vez que no lugar de “Eu penso”, está “Eu partilho”. Assim sendo, dentro da tipologia da intertextualidade trata-se de paródia, uma vez que Sherry Turkle assinala uma ideia diferente da de Descartes. Para esclarecer as dúvidas quanto à citação e intertextualidade, é oportuno referir o segmento posterior onde a oradora da palestra TED refere o seguinte: O problema com este novo regime de "eu partilho, logo existo" é que, senão tivermos uma conexão, não nos sentimos como nós próprios. Neste caso, o “eu partilho, logo existo” está na qualidade de citação, pois expõe marcas de enunciação. MODALIZAÇÃO

De acordo com Maingueneau, o processo de modalização visa definir qual a posição que o sujeito tem para com o enunciado.

O discurso só é discurso enquanto remete a um sujeito, um EU, que se coloca como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais e, ao mesmo tempo, indica que atitude está tomando em relação àquilo que diz em relação a seu co-enunciador (fenômeno de “modalização”). Ele indica, em particular, quem é responsável pelo que está dizendo: um enunciado simples como “Está chovendo” é colocado com verdadeiro pelo enunciador, que se apresenta como responsável pelo enunciado, como o fiador de sua veracidade. Mas esse enunciador poderia ter modalizado seu grau de adesão (“talvez esteja chovendo”), atribuindo à responsabilidade do enunciado a outra pessoa (“De acordo com Paulo, está chovendo”) ou comentado sua própria fala (“Falando francamente, está chovendo”) etc. Ele poderia até mostrar ao co-enunciador estar apenas fingindo assumi-lo. (Maingueneau 2001, p. 55)

                                                                                                               16 Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil

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Assim, o linguista propõe quatro modalidades lógico-linguísticas:

1) Assertiva – Modalização por reforço do dito. Pretende a produção de uma declaração impreterível. O enunciador legitima o conteúdo, afirmando ou negando.

2) Necessidade ou à possibilidade de – Tentativa de o enunciador se proteger de uma situação em que o seu dito não se confirme.

3) Afectividade/Apreciativa – Assemelha-se à modalidade assertiva, e acaba por ser um reforço de uma ideia.

4) Co-enunciativa – Poderá tomar a forma de uma pergunta retórica, não esperando resposta.

Aplicação

1) Assertiva: As pessoas querem estar umas com as outras, mas também noutro lado -- conectadas a todos os diferentes sítios onde querem estar. As pessoas querem personalizar as suas vidas. Querem entrar e sair de todos os sítios onde estão porque a coisa mais importante para a maioria delas é controlar o foco da sua atenção. Então, vocês querem ir àquela reunião da direção, mas só querem prestar atenção às partes que lhes interessam.  O processo de legitimação destina-se a um plano exterior ao do próprio enunciado. A constante repetição do verbo “Querem” também reforça a ideia de que se trata de uma afirmação impreterível.    Temos a possibilidade de editar, e isso significa que podemos apagar, e isso significa que podemos retocar, a face, a voz, a carne, o corpo -- não de menos, não demais, na medida certa.  Novamente, o processo de validação destina-se a um plano exterior ao do próprio enunciado. Verifica-se a repetição da expressão “e isso significa que podemos”, o que indica que se trata de afirmação  impreterível.          Primeiro, que podemos colocar a nossa atenção onde quer queremos que esteja; segundo, que iremos ser sempre ouvidos; e terceiro, que nunca teremos de estar sozinhos. E aquela terceira ideia, de que nunca teremos de estar sozinhos. é fulcral para mudar as nossas mentes.  O processo de legitimação destina-se a um plano exterior ao do próprio enunciado.

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É verificável como que uma enumeração que organiza as ideias da oradora, “primeiro que” e “segundo que”, indicando também uma repetição e entende-se o raciocínio improrrogável da mesma.

2) Necessidade ou à possibilidade de: Sherry Turkle faz uso deste tipo de modalização, para que os seus pareceres não sejam postos em causa, se não se confirmarem. Assim protege-se e tende a utilizar nos seguintes excertos a repetição de “poder”.  E algumas pessoas pensam que isso é uma coisa boa. Mas podem acabar por se esconderem uns dos outros mesmo que estejamos constantemente ligados uns aos outros.  Mas o que pode parecer a medida certa para aquele executivo de meia-idade pode ser um problema para um adolescente que precisa de desenvolver relacionamentos cara a cara.  As relações humanas são ricas e são confusas e são exigentes. E quando as limpamos com tecnologia. E quando o fazemos, uma das coisas que pode acontecer é que sacrificamos a conversa por uma mera conexão. Nós defraudamo-nos a nós próprios. E ao longo do tempo, parece que esquecemos isto, ou parece que deixamos de nos preocupar.  Conectar aos bocadinhos pode resultar para recolher bocados discretos de informação, pode funcionar para dizer, "Estou a pensar em ti", ou até para dizer, "Amo-te", --  Então, uma fuga à conversa pode realmente fazer uma diferença porque pode comprometer a nossa capacidade de auto-reflexão.

3) Afectividade/Apreciativa:

Nesta modalidade, a oradora manifesta a sua posição próxima e intimista para com o enunciado. A validação da modalidade é dependente do enunciador respectivo. Trata-se da sua própria perspectiva, e apreciação. É o que o enunciador (Sherry Turkle) pensa, sente, ouve e diz. Assim sendo, detecta-se nos seguintes excertos pelos termos “Eu acho que”, “E o que estou a ver é que”, “Achei”, “Senti-me” e “Vejo”. Eu acho que deveria querer, mas na realidade, preferiria simplesmente fazer coisas no meu Blackberry". Ao longo das gerações, vejo que as pessoas não se fartam umas das outras, se e apenas se podem estar longe umas das outras, em quantidades que podem controlar.  E o que estou a ver é que as pessoas habituam-se tanto a serem defraudadas de uma conversa real, tão habituadas a safar-se com menos, que se tornaram quase dispostos a dispensar as pessoas completamente.

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 E como aquela mulher encontrou conforto no seu companheiro robótico, não o achei extraordinário; Achei um dos momentos mais dolorosos e complicados nos meus 15 anos de trabalho. Mas quando dei um passo atrás, Senti-me no centro frio e duro de uma tempestade perfeita.  Vejo alguns primeiros passos.

4) Co-enunciativa:

Neste caso particular, a relação entre enunciador e co-enunciador pode ser através da formulação na interrogativa, tal como se mostra de seguida:

E acabei de escrever um novo livro, mas desta vez não é um que me irá por na capa da revista Wired. Então, o que aconteceu? Ainda estou empolgada pela tecnologia, mas acredito, e estou aqui para defender a ideia, de que estamos a deixá-la levar-nos para sítios para onde não queremos ir. Nós alienámo-nos da nossa dor ou dos nossos devaneios e vamos para os nossos telefones. Porque é que isto é importante? É importante para mim porque penso que estamos a preparar-nos para ter problemas - problemas certamente na forma como nos relacionamos uns com os outros, mas também problemas na forma como nos relacionamos com nós próprios e na nossa capacidade para a auto-reflexão. Estamos a desenvolver robôs, chamam-os de robôs sociais, que são especificamente desenhados para serem companheiros -- para os idosos, para as nossas crianças para nós. Será que perdemos a confiança de que estaremos lá uns para os outros? Durante a minha pesquisa trabalhei em lares, e introduzi estes robôs sociáveis que foram desenhados para dar aos idosos a sensação de que eram percebidos.  Então, o que fazemos? Conectamo-nos mais e mais. Mas no processo, predispomo-nos a estar isolados. Como é que vamos da conexão ao isolamento? Acabamos isolados se não cultivarmos a capacidade para a solidão, a capacidade de ser separado, para se reunirem a si próprios. DICTIZAÇÃO

«O que é transparente na dictização discursiva é a presença do sujeito. O que torna o discurso dictizado opaco, é precisamente o desinvestimento do sujeito.» (Rebelo, 2000)17

A dictização é tanto maior quanto maior for a presença do sujeito. E tanto menor quanto

maior a ausência do sujeito. Porque é possível termos discursos em que o sujeito está camuflado, dissimulado num sujeito colectivo ou numa instituição, por exemplo. Ou atrás de

                                                                                                               17 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial  

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um sujeito universal, dizendo “Todos pensam que” (“é óbvio que; “é provável que”) em vez de “eu penso que” ou “nós pensamos que”. Assim protegendo-se enquanto “eu”.

A partir da dictização e modalização distingue-se o discurso científico do ideológico. Sendo que o primeiro é nula a presença do sujeito e de fraca modalização. Enquanto que o último, assiste-se a uma forte presença do sujeito e forte modalização.

Assim, ao longo do discurso de quase 20 minutos da socióloga americana Sherry Turkle, podem contabilizar-se aproximadamente 62 presenças de deícticos pessoais em termos da primeira pessoa do singular “eu”. Verificamos que o discurso é ideológico, bastante pessoalizado, onde se detecta claramente e facilmente a intensa presença do sujeito, assim encontra-se no grau máximo de modalização, maior é a transparência, e consequentemente menor é a opacidade. ACTOS DE FALA

De acordo com o filósofo inglês Austin (1970), a produção de um acto de fala implica três actos em simultâneo:

§ Locutório «produz-se uma sequência de sons com uma organização sintáctica e que se refere a qualquer coisa» (Maingueneau, 1996)18

É um acto de fala propriamente dito. Tinha acabado de escrever um livro que celebrava a nossa vida na internet e estava prestes a ser capa da revista Wired. Estávamos a explorar os diferentes aspetos de nós próprios. Nos últimos 15 anos, tenho estudado tecnologias de comunicação móvel. e tenho entrevistado centenas e centenas de pessoas, jovens e adultos, acerca das suas vidas online.

§ Ilocutório «realiza-se na sua própria palavra uma acção que modifica as relações entre os interactantes: garantir, prometer...)» (Maingueneau, 2000)19

Há, de facto, uma intenção subjacente ao acto de fala. Acaba por adquirir uma função fática da linguagem para cativar o auditório. Agora avancemos rapidamente para 2012. Então, uma fuga à conversa pode realmente fazer uma diferença porque pode comprometer a nossa capacidade de auto-reflexão.

                                                                                                               18 Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil 19 Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil  

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Pensem simplesmente nas pessoas numa fila de espera ou num semáforo vermelho.  E é isso que estou a pedir aqui, agora: reflexão e, mais do que isso, uma conversa sobre onde é que o uso atual da tecnologia estará a levar-nos, o que nos poderá estar a custar.  Comecem a pensar na solidão como uma coisa boa. Dêem-lhe espaço. Encontrem maneiras de demonstar isto enquanto um valor para os vossos filhos. Criem espaços sagrados em casa -- a cozinha, a sala de jantar -- e recuperem-nas para conversar. Façam a mesma coisa no trabalho. No trabalho, estamos tão ocupados a comunicar que muitas das vezes não temos tempo para pensar, não temos tempo para falar, sobre as coisas que realmente importam. Mudem isso.

§ Perlocutório «pode-se produzir um acto elocutório para realizar acções muito variadas: uma pergunta pode ser destinada a lisonjear o co-enunciador, a mostrar que se é modesto» (Maingueneau, 2000)20

Está relacionado com os efeitos do discurso, por exemplo, se persuade ou não.

Neste discurso, a intenção de Sherry turkle é de convencer o auditório sobre as ideias de que é apologista e conseguir essa adesão durante a palestra. O que se verifica é que essa intenção foi de facto materializada no silêncio do auditório durante a palestra, as gargalhadas do público que se verificou pelo menos cinco vezes, e ainda os aplausos intensos no final. RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO

De acordo com Olivier Reboul, as figuras de estilo têm importância no discurso ideológico, exercendo as funções:

- pedagógica – Anima o discurso e torna-o de fácil absorção através de metáforas, sinédoques, entre outros.

Assim, por exemplo, muitas pessoas partilham comigo este desejo, de que algum dia uma versão mais avançada do Siri, o assistente digital no iPhone da Apple, será mais como um melhor amigo, alguém que vai ouvir quando os outros não o fazem.

- lexical – Enriquece o vocabulário com novos termos; Chamo-lhe o efeito Goldilocks: não muito perto, não muito longe, a medida certa.

- estética – poesia pura

A melhor maneira para o descrever é, eu partilho, logo existo.                                                                                                                  20  Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil  

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E estamos com medo, como jovens apaixonados, que demasiada conversa poderá estragar o romance.  Vamos falar sobre como podemos usar a tecnologia digital, a tecnologia dos nossos sonhos, para fazer desta vida a vida que podemos amar.

Nesta situação particular, o objectivo de argumentação não se destinava a levar o

destinatário à prática de uma acção no imediato. Sherry Turkle pretendia com o seu discurso, agitar as mentes do seu público, para que este reflectisse e evitasse que as relações homem-máquina se sobrepusessem às relações humanas, cara-a-cara. Argumento polifónico

Sherry teve a preocupação de referir diversas fontes, desde a filha, o homem de negócios de 50 anos, o rapaz de 18 anos, Stephen Colbert e a campanha publicitária. Argumento de autoridade

A oradora apresenta um argumento no qual refere como fonte, o comediante Stephen Colbert, que fora apresentador do Daily Show. Este indivíduo tem envergado um estatuto, o qual é conhecido pelo público, o que legitima o discurso de Sherry Turkle. Pressuposição

«Se A pressupõe B, é necessário que B seja verdadeiro para que A também o seja.» (Rebelo, 2000)21

Segundo Dominique Maingueneau, «o pressuposto é uma das duas grandes formas de

implícito, aquilo que está inscrito na estrutura linguística.» Há a acrescentar as três categorias de saberes impostas por Oswald Ducrot, o saber

anterior, o não saber e o saber novo (que pressupõe o não saber).  Fui apanhada de surpresa quando o Stephen Colbert fez-me uma questão profunda, uma questão profunda. Saber anterior: “Existem questões”; “Existe Stephen Colbert” (comediante, apresentador de Daily Show) Saber novo: “Stephen Colbert fez-me uma questão profunda” : “Todos esses pequenos tweets, todos esses pequenos golinhos de comunicação online, não se somam num grande gole de conversa real?”                                                                                                                  21 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial

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Aquele robô deu um grande espetáculo Saber anterior: “Existem robôs” Saber novo: “dar um grande espectáculo” “Aquele robô” implica um movimento anafórico, pois remete para trás.    Nestes dias, aqueles telefones nos nossos bolsos estão a mudar as nossas mentes e corações porque nos oferecem 3 fantasias gratificantes. Saber anterior: “existem telefones” Saber novo: “estão a mudar as nossas mentes e corações” “Aqueles telefones” – implica um movimento anafórico, pois remete para trás. EXORTAÇÃO

1. Ritual – restaurar/consolidar o contacto com o público 2. Insólita – exortação inesperada 3. Ideológica

A exortação é uma estratégia enunciativa que tem como objectivo restaurar ou consolidar

relações de contacto entre os diversos participantes no processo comunicacional. A exortação acaba por adquirir a função fática de linguagem. «Receber aquela mensagem foi como receber um abraço. E então, esta é a situação.» «As pessoas dizem, "Eu digo-lhe o que está errado com ter uma conversa. Passa-se em tempo real e não pode controlar o que vai dizer". Então, esse é o ponto principal.» É semelhante ao dito: “E então, caros ouvintes”. No discurso de Sherry Turkle não existe exordação ritual, uma vez que ela inicia a palestra com “Há um momento atrás”. Quanto a exortação insólita também não manifesta.

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DENEGAÇÃO

O conceito foi elaborado por Freud para designar um processo defensivo que consiste em enunciar desejos, pensamentos, sem, todavia, os reconhecer ou admitir. (Rebelo, 2000)22

Há muito tempo para reconsiderarmos a forma de usá-la, como a construímos. Não estou a sugerir que desliguemos os nossos aparelhos, apenas que desenvolvêssemos uma relação mais autoconsciente com eles, uns com os outros e com nós próprios. Alguém perguntou a Sherry Turkle se teve a intenção de pedir para desligarmos os nossos aparelhos? Verifica-se que a oradora teve a urgência de esclarecer uma questão que não fora reformulada, apenas para evitar más interpretações.

                                                                                                               22 Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial

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CONCLUSÃO Esta análise exaustiva da palestra TED protagonizada pela socióloga americana Sherry Turkle, destaca como estratégias enunciativas, a citação, modalização, dictização, retórica, pressuposição e denegação. A oradora utiliza algumas fontes para legitimar o seu discurso, faz uso bem sucedido de citações onde é verificável uma coesão entre os discursos. Quanto aos eixos de modalização e dictização, concluímos que é, de facto, um discurso ideológico com grau máximo de modalização, forte dictização, em que a oradora tenta assim reforçar uma posição. Como em qualquer processo comunicativo, utiliza-se o pressuposto e o posto, tendo em conta os saberes comuns de cada indivíduo. A comunicação só é possível se se partilhar estes mesmos saberes anteriores. Interessante destacar o papel da oradora na qualidade de socióloga e psicóloga, uma vez que é do conhecimento comum que os psicólogos frequentemente utilizam a sua história pessoal para criar uma empatia imediata com o auditório, Sherry Turkle não foi excepção à regra, utilizou a mesma técnica que produziu efeitos positivos no auditório, desde a atenção ao longo dos 18 minutos que durou a palestra e as gargalhadas do público. Como oradora, não tendo em conta a linha do raciocínio da mesma, domina de forma bem sucedida a retórica, arte de bem dizer, e ainda, a dialéctica, arte de bem falar. Quanto às limitações deste estudo, uma vez que se teve em conta o discurso na íntegra, os excertos referidos para exemplificarem as estratégias enunciativas não são todas as amostras existentes no discurso, contudo, a esmagadora maioria está presente.

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BIBLIOGRAFIA Rebelo, José (2000): O discurso do jornal: o como e o porquê, Lisboa, Notícias Editorial Maingueneau, Dominique (1996): Les Termes clés de l’ analyse du discours. Éditions du Seuil Revista Comunicação e Linguagens Textualidades Junho, 1986

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ANEXO - DISCURSO NA ÍNTEGRA Há um momento atrás, a minha filha Rebecca mandou-me uma mensagem de boa sorte. A mensagem dizia,"Mãe, vais arrasar". Eu adoro isto. Receber aquela mensagem foi como receber um abraço. E então, esta é a situação. Eu personifico o paradoxo central. Sou uma mulher que adora receber mensagens que vos vai dizer que demasiadas, podem ser um problema. Na verdade, esta recordação da minha filha traz-me ao princípio da minha história 1996, quando dei a minha primeira palestra no TED, a Rebecca tinha 5 anos e estava sentada mesmo ali na primeira fila. Tinha acabado de escrever um livro que celebrava a nossa vida na internet e estava prestes a ser capa da revista Wired. Nesses dias de glória, estavamos a experimentar salas de chat e comunidades virtuais online. Estávamos a explorar os diferentes aspetos de nós próprios. E depois desligamo-nos. Estava empolgada. E, como uma psicóloga, o que mais me empolgou foi a ideia de que usaríamos o que aprendemos no mundo virtual sobre nós próprios, sobre a nossa identidade, para vivermos melhores vidas no mundo real. Agora avancemos rapidamente para 2012. Estou de volta ao palco do TED novamente. A minha filha tem 20 anos. É uma estudante universitária. Ela dorme com o seu telemóvel...assim como eu. E acabei de escrever um novo livro, mas desta vez não é um que me irá por na capa da revista Wired. Então, o que aconteceu? Ainda estou empolgada pela tecnologia, mas acredito, e estou aqui para defender a ideia, de que estamos a deixá-la levar-nos para sítios para onde não queremos ir. Nos últimos 15 anos, tenho estudado tecnologias de comunicação móvel. e tenho entrevistado centenas e centenas de pessoas, jovens e adultos, acerca das suas vidas online. E o que eu descobri é que os nossos pequenos aparelhos, aqueles pequenos aparelhos nos nossos bolsos, são tão poderosos psicologicamente que não apenas mudam o que nós fazemos, mas mudam quem nós somos. Algumas das coisas que fazemos agora com os nossos aparelhos são coisas que, há apenas alguns anos atrás. acharíamos estranho ou perturbador, mas elas depressa se tornaram familiares, é apenas como fazemos as coisas. Assim, apenas para dar alguns exemplos rápidos: As pessoas mandam mensagens ou emails durante reuniões da direção da empresa. Elas mandam mensagens e fazem compras e estão no Facebook durante as aulas, durante palestras, na verdade durante todas as reuniões. As pessoas falam-me sobre a nova capacidade importante de fazer contacto visual enquanto estamos a mandar mensagens. (Risos) As pessoas explicam-me que é difícil, mas pode ser feito.

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Os pais mandam mensagens e emails ao pequeno-almoço e ao jantar enquanto os seus filhos se queixam de não ter a atenção total dos pais. Mas depois estas mesmas crianças negam umas às outras a sua atenção total. Esta é uma foto recente da minha filha e das suas amigas juntas embora não estando juntas. E até mandamos mensagens nos funerais. Eu estudo isto. Nós alienámo-nos da nossa dor ou dos nossos devaneios e vamos para os nossos telefones. Porque é que isto é importante? É importante para mim porque penso que estamos a preparar-nos para ter problemas - problemas certamente na forma como nos relacionamos uns com os outros, mas também problemas na forma como nos relacionamos com nós próprios e na nossa capacidade para a auto-reflexão. Estamos a habituarmo-nos a uma nova forma de estarmos sozinhos e juntos. As pessoas querem estar umas com as outras, mas também noutro lado -- conectadas a todos os diferentes sítios onde querem estar. As pessoas querem personalizar as suas vidas. Querem entrar e sair de todos os sítios onde estão porque a coisa mais importante para a maioria delas é controlar o foco da sua atenção. Então, vocês querem ir àquela reunião da direção, mas só querem prestar atenção às partes que lhes interessam. E algumas pessoas pensam que isso é uma coisa boa. Mas podem acabar por se esconderem uns dos outros mesmo que estejamos constantemente ligados uns aos outros. Um homem de negócios de 50 anos lamentou comigo que sente já não ter mais colegas no trabalho.Quando vai para o trabalho, não para, para falar com ninguém, não telefona. E ele diz que não quer interromper os seus colegas porque, diz ele, "Estão demasiado ocupados com os seus emails". mas depois ele interrompe-se a si mesmo e diz, "Quer saber, não lhe estou a dizer a verdade. Sou eu que não quer ser interrompido. Eu acho que deveria querer, mas na realidade, preferiria simplesmente fazer coisas no meu Blackberry". Ao longo das gerações, vejo que as pessoas não se fartam umas das outras, se e apenas se podem estar longe umas das outras, em quantidades que podem controlar. Chamo-lhe o efeito Goldilocks: não muito perto, não muito longe, a medida certa. Mas o que pode parecer a medida certa para aquele executivo de meia-idade pode ser um problema para um adolescente que precisa de desenvolver relacionamentos cara a cara. Um rapaz de 18 anos que usa mensagens para quase tudo, diz-me melancolicamente: "Algum dia, algum dia, mas certamente não agora, gostaria de aprender a ter uma conversa". Quando pergunto às pessoas "O que há de errado em ter uma conversa?" As pessoas dizem, "Eu digo-lhe o que está errado com ter uma conversa. Passa-se em tempo real e não pode controlar o que vai dizer". Então, esse é o ponto principal.

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Enviar mensagens, email, publicar, todas estas coisas deixam apresentarmo-nos como queremos. Temos a possibilidade de editar, e isso significa que podemos apagar, e isso significa que podemos retocar, a face, a voz, a carne, o corpo -- não de menos, não demais, na medida certa. As relações humanas são ricas e são confusas e são exigentes. E quando as limpamos com tecnologia. E quando o fazemos, uma das coisas que pode acontecer é que sacrificamos a conversa por uma mera conexão. Nós defraudamo-nos a nós próprios. E ao longo do tempo, parece que esquecemos isto, ou parece que deixamos de nos preocupar. Fui apanhada de surpresa quando o Stephen Colbert fez-me uma questão profunda, uma questão profunda. Ele disse, "Todos esses pequenos tweets, todos esses pequenos golinhos de comunicação online, não se somam num grande gole de conversa real?" A minha resposta foi não, eles não se somam. Conectar aos bocadinhos pode resultar para recolher bocados discretos de informação, pode funcionar para dizer, "Estou a pensar em ti", ou até para dizer, "Amo-te", -- Quer dizer, vejam como me senti quando recebi aquela mensagem da minha filha -- mas elas não funcionam realmente para aprendemos uns com os outros, para realmente nos entendermos e percebermos uns aos outros. E nós usamos as conversas uns com os outros para aprender como ter conversas com nós próprios. Então, uma fuga à conversa pode realmente fazer uma diferença porque pode comprometer a nossa capacidade de auto-reflexão. Para os miúdos a crescer, essa capacidade é a base do desenvolvimento. Oiço repetidamente, "Preferiria mandar mensagens do que falar". E o que estou a ver é que as pessoas habituam-se tanto a serem defraudadas de uma conversa real, tão habituadas a safar-se com menos, que se tornaram quase dispostos a dispensar as pessoas completamente. Assim, por exemplo, muitas pessoas partilham comigo este desejo, de que algum dia uma versão mais avançada do Siri, o assistente digital no iPhone da Apple, será mais como um melhor amigo, alguém que vai ouvir quando os outros não o fazem. Eu acredito neste desejo reflete uma verdade cruel que aprendi nos últimos 15 anos. Aquela sensação de que ninguém está a ouvir-me é muito importante nas nossas relações com a tecnologia. É por isso que é tão apelativo ter uma página no Facebook ou um feed no Twitter -- tantos ouvintes automáticos. E a sensação de que ninguém está a ouvir-nos faz-nos querer gastar tempo com máquinas que parecem se importar connosco. Estamos a desenvolver robôs, chamam-os de robôs sociais, que são especificamente desenhados para serem companheiros -- para os idosos, para as nossas crianças para nós. Será que perdemos a confiança de que estaremos lá uns para os outros? Durante a minha pesquisa trabalhei em lares, e introduzi estes robôs sociáveis que foram desenhados para dar aos idosos a sensação de que eram percebidos.

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E um dia entrei e uma mulher que tinha perdido uma criança estava a falar para um robô com a forma de uma foca bebé. Parecia estar a olhá-la nos olhos. Parecia estar a acompanhar a conversa. Isso confortou-a. E muitas pessoas acham isto extraordinário. Mas aquela mulher estava a tentar dar um sentido à sua vida com uma máquina que nunca teve experiência da curva de uma vida humana. Aquele robô deu um grande espetáculo. E nós somos vulneráveis. As pessoas vivenciam a empatia simulada como se fosse a verdadeira. Assim, durante aquele momento quando aquela mulher estava a vivenciar aquela empatia simulada, estava a pensar, "Aquele robô não pode sentir empatia. Não enfrenta a morte. Não conhece a vida". E como aquela mulher encontrou conforto no seu companheiro robótico, não o achei extraordinário; Achei um dos momentos mais dolorosos e complicados nos meus 15 anos de trabalho. Mas quando dei um passo atrás, Senti-me no centro frio e duro de uma tempestade perfeita. Nós esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros. E eu pergunto-me, "Como é que as coisas chegaram a este ponto?" E acredito ser porque a tecnologia apela à maioria de nós onde somos mais vulneráveis. E nós somos vulneráveis. Sentimo-nos só, mas temos medo da intimidade. E portanto, das redes sociais a robôs sociáveis, estamos a desenhar tecnologias que nos darão a ilusão de companheirismo sem as exigências de uma amizade. Recorremos à tecnologia para nos ajudar a sentirmos conectados de maneiras que podemos controlar facilmente. Mas não estamos tão confortáveis. Não estamos tão em controlo. Nestes dias, aqueles telefones nos nossos bolsos estão a mudar as nossas mentes e corações porque nos oferecem 3 fantasias gratificantes. Primeiro, que podemos colocar a nossa atenção onde quer queremos que esteja; segundo, que iremos ser sempre ouvidos; e terceiro, que nunca teremos de estar sozinhos. E aquela terceira ideia, de que nunca teremos de estar sozinhos. é fulcral para mudar as nossas mentes. Porque a partir do momento em que as pessoas estão sozinhas, mesmo que por alguns segundos, elas tornam-se ansiosas, entram em panico, ficam agitadas, elas agarram-se a um aparelho. Pensem simplesmente nas pessoas numa fila de espera ou num semáforo vermelho. Estar sozinho parece ser um problema que necessita ser resolvido. E então, as pessoas tentam-no resolver ao conectarem-se. Mas neste caso, conexão é mais como um sintoma do que uma cura. Expressa-se, mas não resolve, um problema de fundo. Mas mais que um sintoma, a conexão constante está a mudar a maneira como as pessoas pensam de si próprias. Está a moldar uma nova maneira de ser.

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A melhor maneira para o descrever é, eu partilho, logo existo. Nós usamos a tecnologia para nos definirmos a nós próprios através da partilha dos nossos pensamentos e sentimentos mesmo enquanto os estamos a ter. Então, antes era: Eu tenho um sentimento, eu quero fazer uma chamada. Agora é: Eu quero ter um sentimento, eu preciso de enviar uma mensagem. O problema com este novo regime de "eu partilho, logo existo" é que, senão tivermos uma conexão, não nos sentimos como nós próprios. Nós quase não nos sentimos a nós próprios. Então, o que fazemos? Conectamo-nos mais e mais. Mas no processo, predispomo-nos a estar isolados. Como é que vamos da conexão ao isolamento? Acabamos isolados se não cultivarmos a capacidade para a solidão, a capacidade de ser separado, para se reunirem a si próprios. A solidão é onde encontramo-nos a nós próprios de forma a alcançar as outras pessoas e formar ligações reais. Quando não temos a capacidade para a solidão, viramo-nos para as outras pessoas, de forma a nos sentirmos menos ansiosos ou de forma a nos sentirmos vivos. Quando isto acontece, não somos capazes de apreciar quem eles são. É como se os estivessemos a usar como peças sobresselentes para apoiar o nosso sentido frágil do ser. Caímos no pensamento que estando sempre conectados vai-nos fazer sentir menos sozinhos. Mas estamos em risco, porque, na realidade, o contrário é que é verdade. Senão somos capazes de estar sozinhos, vamos estar ainda mais sozinhos. E se não ensinarmos às nossas crianças a estarem sozinhas, eles só vão saber como estar sozinhas. Quando falei no TED em 1996, relatando os meus estudos das primeiras comunidades virtuais, Eu disse, "Aqueles que tiram o maior partido das suas vidas no ecrã chegam a ela num espírito de auto-reflexão". E é isso que estou a pedir aqui, agora: reflexão e, mais do que isso, uma conversa sobre onde é que o uso atual da tecnologia estará a levar-nos, o que nos poderá estar a custar. Estamos apaixonados pela tecnologia. E estamos com medo, como jovens apaixonados, que demasiada conversa poderá estragar o romance. Mas é tempo de falar. Nós crescemos com a tecnologia digital e assim vemo-la como desenvolvida. Mas não está, ainda é cedo. Há muito tempo para reconsiderarmos a forma de usá-la, como a construímos. Não estou a sugerir que desliguemos os nossos aparelhos, apenas que desenvolvessemos uma relação mais autoconsciente com eles, uns com os outros e com nós próprios. Vejo alguns primeiros passos. Comecem a pensar na solidão como uma coisa boa. Dêem-lhe espaço. Encontrem maneiras de demonstar isto enquanto um valor para os vossos filhos. Criem espaços sagrados em casa -- a cozinha, a sala de jantar --

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e recuperem-nas para conversar. Façam a mesma coisa no trabalho. No trabalho, estamos tão ocupados a comunicar que muitas das vezes não temos tempo para pensar, não temos tempo para falar, sobre as coisas que realmente importam. Mudem isso. Acima de tudo, todos nós precisamos de realmente nos ouvir uns aos outros, incluíndo as partes aborrecidas. Porque é quando tropeçamos ou hesitamos ou perdemos as palavras que nos revelamos uns aos outros. A tecnologia está a fazer uma proposta para redefinir a ligação humana -- como nos preocuparmos uns com os outros, como nos preocupamos com nós próprios -- mas está também a dar-nos a oportunidade de afirmar os nosso valores e o nosso caminho. Eu sou otimista. Temos tudo o que precisamos para começar. Temo-nos uns aos outros. E temos a maior probabilidade de sucesso se reconhecermos a nossa vulnerabilidade. Que escutemos quando a tecnologia diz que pegará em algo complicado e promete algo mais simples. Assim, no meu trabalho, oiço que a vida é difícil, as relações estão cheias de risco. E depois há a tecnologia -- mais simples, esperançosa, otimista, sempre jovem. É como chamar a cavalaria. Uma campanha publicitária promete que online e com avatares, podem "Finalmente, gostar dos vossos amigos gostar do vosso corpo, gostar da vossa vida, online e com avatares". Somos atraídos para um romance virtual, para jogos de computadores que parecem-se com mundos, para a ideia que os robós, robôs, serão um dia os nossos verdadeiros companheiros. Passamos um serão na rede social em vez de ir ao bar com os amigos. Mas as nossas fantasias de substituição tem-nos custado. Agora todos temos de nos focar nas muitas, muitas maneiras em que a tecnologia nos pode levar de volta às nossas vidas reais, os nossos próprios corpos, as nossas próprias comunidades, as nossas próprias políticas, o nosso próprio planeta. Eles precisam de nós. Vamos falar sobre como podemos usar a tecnologia digital, a tecnologia dos nossos sonhos, para fazer desta vida a vida que podemos amar. Obrigada. (Aplausos)