Departamento de Engenharia Civil
Análise do Comportamento de Solos Estabilizados com Cinzas de RSU para
Aplicação em Obras Geotécnicas
Aluna: Daniela Silva de Araújo
Orientadora: Michéle Dal Toé Casagrande
Co-Orientadora: Lucianna Szeliga
Introdução
Atualmente uns dos maiores problemas da sociedade são a gestão e a disposição
final de resíduos sólidos urbanos (RSU). Estima-se que anualmente sejam produzidas
de 2 a 3 bilhões de toneladas de lixo urbano em todo o mundo (IPT/CEMPRE, 2010),
com destaque para países em desenvolvimento, locais onde o uso de lixões e aterros
sanitários se apresenta como prática comum para destinação dos resíduos. Tais fatos são
agravados por diversas problemáticas como: falta de áreas apropriadas para a destinação
desses resíduos, conflitos de uso de solo e contaminação de recursos naturais como a
água e solo, sendo esta consequência da prática indevida de aterros sanitários e lixões.
A fim de se obter uma solução alternativa ecologicamente correta para estes
problemas, o reuso e a reciclagem de materiais vêm sendo amplamente utilizados.
Esta pesquisa propõe o uso de cinzas de resíduos sólidos urbanos como potencial
material alternativo para uso em obras geotécnicas, sendo que estas cinzas são
subprodutos de resíduos oriundos de aterros sanitários obtidos através da incineração
em usinas geradoras de energia elétrica. Tal prática contribui para a redução do volume
e do tratamento térmico do lixo.
A utilização de materiais alternativos em obras geotécnicas contribui para a
redução dos custos e do uso de recursos naturais. No caso de solos que não atendem
totalmente às necessidades e exigências de um projeto geotécnico, estes materiais os
modificam melhorando suas propriedades e assim, obtém-se um novo material com
resistência e deformabilidade adequadas para os fins desejados em obras. Cinzas
volantes e cinzas de fundo de RSU têm capacidade de agir como estabilizantes de solos,
sendo utilizados em obras como camadas de aterros sanitários, aterros sobre solos moles
e na estabilização de taludes, por exemplo. Sendo assim, a presente pesquisa visa
oferecer uma melhor forma de interpretar e compreender o comportamento de um tipo
de solo arenoso em misturas de cinzas de RSU, trazendo um melhor fim para o lixo
urbano e contribuindo com o meio ambiente.
Objetivos
Esta pesquisa tem como principal objetivo determinar a viabilidade do uso de
cinzas de RSU, oriundas da Usina Verde S.A., como possível agente estabilizante a ser
aplicado em um solo arenoso.
À partir de análises dos comportamentos físico, químico e mecânico do solo puro
e de misturas com duas porcentagens de cinza de fundo e cinza volante (30% e 40%),
almeja-se alcançar a melhoria dos parâmetros de resistência dos materiais. Além disso,
deseja-se realizar estudos de misturas solo arenoso-cinza volante-cal para tempos de
cura de 0, 60 e 90 dias.
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O material estudado é composto de um solo arenoso sem fração fina que
geralmente não apresenta grande aumento em sua resistência quando apenas a cal é
adicionada. Sendo assim, a adição de cinza volante juntamente com a cal é uma possível
forma de tornar viáveis reações pozolânicas e estabilizar o solo estudado.
À partir do objetivo geral buscou-se atingir os seguintes objetivos específicos:
realização de ensaios normatizados de caracterização física e química do solo, das
cinzas de RSU e das misturas cinza-solo; a avaliação do comportamento mecânico do
solo puro, do solo misturado a diversos teores de cinza volante e de fundo e do solo
misturado com cinza volante e cal, sendo esta avaliação realizada através de ensaios
triaxiais consolidados isotropicamente drenados (CID) que fornecem parâmetros de
resistência ao cisalhamento dos materiais; a análise da influência exercida pelos tipos e
teores de cinzas acrescidas ao solo; a análise da influência exercida pela adição de cal e
pelo tempo de cura nas misturas areia-cinza volante-cal e, por fim, através dos
resultados, definir se existe viabilidade técnica e ambiental para o uso das misturas
utilizadas na pesquisa, obtendo-se um novo material a ser aplicado em obras
geotécnicas.
Metodologia
Foram realizados ensaios com misturas areia-cinza e areia-cinza-cal sendo estas
compostas por solo arenoso proveniente da praia da Barra da Tijuca, cinza volante,
cinza de fundo e cal. As porcentagens de cinzas foram variadas e adotou-se 3% de cal
nas misturas nas quais esta foi aplicada. As misturas com cal foram analisadas a fim de
se estabelecer o tipo de influência que o tempo de cura exercia sobre as propriedades
dos materiais, logo, para solo-cinza-cal foram adotados tempos de cura de 0, 60 e 90
dias.
Primeiro foram feitos ensaios de caracterização física do solo puro e das misturas
tendo como objetivo obter os índices físicos de todos os materiais estudados na pesquisa
e tornar evidente os parâmetros que podem ser correlacionados com o desempenho
mecânico dos mesmos. Posteriormente, à partir dos resultados dos ensaios de
caracterização mecânica foi analisado o comportamento dos materiais, sendo que estes
ensaios consistiram em ensaios triaxiais consolidados isotropicamente drenados (CID).
1 - Materiais Utilizados
Quatro materiais distintos foram utilizados: solo arenoso (A), cinza volante (CV),
cinza de fundo (CF) e cal. Estes materiais foram trabalhados puros e em misturas
obtidas com diferentes teores de cinzas e um teor de cal determinado de 3 %.
O solo arenoso (Figura 1.1) é proveniente da praia da Barra da Tijuca, cuja
localização se encontra na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro (RJ). O material foi
coletado entre os postos 5 e 6, em frente ao condomínio Beton, à partir da escavação de
um buraco com aproximadamente 40 cm de profundidade. Isso foi feito com o intuito
de evitar que possíveis impurezas fossem coletadas juntamente com o solo, sendo que o
mesmo foi devidamente armazenado em sacos plásticos.
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Figura 1.1 - Solo arenoso utilizado no estudo
A cinza volante e a cinza de fundo (Figuras 1.2 e 1.3, respectivamente) foram
obtidas através da incineração do Resíduo Sólido Urbano (RSU) realizada no mês de
abril de 2013 na Usina Verde, que se encontra na Cidade Universitária da UFRJ, Ilha do
Fundão, Rio de Janeiro (RJ). Nas cinzas de fundo existia a presença de um tipo de
material mais grosseiro, além de restos de resíduos como fios de ferro, pilhas, azulejo,
entre outros. Sendo assim, a cinza de fundo foi destorroada e passada na peneira #4
(4,74 mm) antes que todos os ensaios fossem feitos. Além disso, tanto a cinza de fundo
quanto a cinza volante foram recebidas úmidas e armazenadas em sacolas plásticas.
Figura 1.2 - Cinza Volante de RSU
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Figura 1.3 - Cinza de Fundo de RSU
A Usina Verde é uma empresa brasileira de capital privado que traz soluções
ambientais para a destinação final de resíduos sólidos urbanos e industriais. O RSU
utilizado é coletado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro
(COMLURB) em bairros próximos à Ilha do Fundão. Após a coleta, o mesmo lixo é
levado para uma usina de triagem que se encontra no bairro do Caju (RJ), na qual ocorre
a separação do material que passará pela incineração. Ao chegar na Usina Verde, o lixo
passa por uma segunda triagem na qual segregam-se possíveis materiais recicláveis que
não tenham sido separados na primeira fase de triagem. Cerca de 5% dos resíduos são
reciclados ao longo deste processo e o restante é destinado à incineração.
As misturas utilizadas na pesquisa continham uma cal hidratada calcítica do tipo
CH-III, comercialmente conhecida como "Cal Hidratada Itaú", da Votorantim
Cimentos. É composta por um pó fino na forma de hidróxido de cálcio e magnésio,
produzida de acordo com a NBR 7175/2003 - Cal Hidratada para Argamassas. Na
Tabela 1.1 se encontram os dados técnicos fornecidos pelo fabricante, segundo as
exigências da norma. Tendo como base o princípio de que o lote comercial atende às
exigências da norma, não foi realizado nenhum ensaio de caracterização particular da
cal, sendo a amostra de cal obtida em Abril de 2013 em um saco de 20 kg. Tal amostra
foi utilizada ao longo de toda a pesquisa.
Tabela 1.1 - Exigências Físicas e Químicas da Cal (Fonte: Sandroni & Consoli, 2010)
Tipo da Cal CH I CH II CH III
Exigência Físicas
Finura (%
Retido
Acumulado)
Peneira 0,6mm
(máx) 0,50% 0,50% 0,50%
Peneira
0,075mm (máx) 10% 15% 15%
Retenção de Água (mín) 75% 75% 70%
Incorporação de Areia (mín) 3,00% 2,50% 2,20%
Estabilidade ausência de cavidades ou
protuberâncias
Plasticidade (mín) 110 110 110
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Na produção das misturas a serem usadas nos ensaios triaxiais foi utilizada água
proveniente da rede pública de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. Porém, nos
ensaios de caracterização física, usou-se água destilada a fim de atender às
especificações da norma.
1.1 - Misturas Solo- Cinza
O solo e as cinzas usados na pesquisa foram secados em estufa a 60° C e, logo em
seguida, armazenados em sacos plásticos vedados e guardados em uma câmara úmida.
A preparação das misturas solo-cinza ocorreu da seguinte forma: primeiro calculou-se a
quantidade de cada material individualmente em relação ao peso seco total que seria
usado. Depois da realização da mistura a seco, tais materiais passaram por ensaios de
caracterização física, química e mecânica que serão descritos mais à frente. Nos ensaios
mecânicos foi adicionada uma quantidade de água suficiente para a obtenção da
umidade determinada a ser utilizada no ensaio, e depois o mesmo material foi colocado
em sacos plásticos com a finalidade de se preservar a umidade. Foram utilizadas as
porcentagens de 30% e 40% de cinza volante e de cinza de fundo.
A determinação das porcentagens de cinzas foi baseada em pesquisas feitas por
Vizcarra (2010), que analisou de que forma as cinzas de RSU influenciam em mistura
com um solo regional submetido a um carregamento dinâmico e encontrou melhores
resultados ao usar 40 % de cinza volante. A determinação também foi baseada em
pesquisas feitas por Quispe (2013), que analisou a influência das cinzas misturadas a
um solo argiloso submetido a um carregamento estático e que encontrou melhores
resultados para a porcentagem de 40 % de cinza volante e de 30 % de cinza de fundo.
Com a realização de ensaios de cisalhamento direto no solo arenoso puro
apresentando 5, 10, 15 e 20 % de umidade, determinou-se a umidade a ser utilizada nos
ensaios. A melhor resistência do material foi obtida quando o mesmo possuía 10 % de
umidade e, com isso, esta porcentagem passou a ser utilizada em todas as misturas e no
solo puro.
1.2 - Misturas Solo- Cinza- Cal
Foi arbitrado o teor de cal de 3% em substituição ao peso seco das cinzas e a
realização dos ensaios e da preparação das misturas ocorreu de forma igual às misturas
solos-cinza. Seguem na Tabela 1.2 as siglas dos materiais usados no estudo:
Exigências Químicas
Anidrido
Carbônico (CO2)
Fábrica (máx) 5% 5% 13%
Depósito (máx) 7% 7% 15%
Óxidos de Cálcio e Magnésio não
hidratado calculado (CaO +MgO)
(máx)
10% 15% 15%
Óxidos totais na base de não
voláteis (CaOt + MgOt) (mín) 90 88 88
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Tabela 1.2 – Símbolos utilizados para os solos e misturas
Material/Mistura %
Solo
% Cinza
Volante
(CV)
% Cinza
de
Fundo
(CF)
Cal Símbolo
Solo Arenoso 100 - - - A100
Mistura 1 70 30 - - CV30A70
Mistura 2 60 40 - - CV40A60
Mistura 3 70 - 30 - CF30A70
Mistura 4 60 - 40 - CF40A60
Mistura 5 70 27 - 3 CV27Cal3A70
Mistura 6 70 27 - 3 CV27Cal3A70_PM
Para misturas com tempo de cura de 0, 60 e 90 dias adicionou-se as siglas T0, T60
e T90, respectivamente. Já para as misturas pré-moldadas, foi adicionada a sigla PM ao
seu respectivo símbolo.
2 - Métodos e Procedimentos de Ensaio
A seguir são apresentados os ensaios laboratoriais realizados ao longo da pesquisa
com o intuito de se obter uma caracterização física, química e mecânica do solo e das
misturas solo-cinza e solo-cinza-cal. Através de ensaios Triaxiais Consolidados
Isotropicamente Drenados parâmetros de resistência foram obtidos visando a avaliação
da aplicabilidade das cinzas volante e de fundo como estabilizantes do solo estudado.
a) Propriedades físicas e de classificação dos materiais:
- Densidade Real dos Grãos;
- Índice de vazios máximo e mínimo do solo;
- Análise granulométrica.
b) Propriedades mecânicas:
- Ensaio Triaxial Consolidado Isotropicamente Drenado.
2.1 - Ensaios de Caracterização Física
A amostra de solo arenoso e as misturas estudadas passaram por ensaios de
caracterização física, realizados no Laboratório de Geotecnia e Meio Ambiente da PUC-
Rio, com o fim de se determinar suas propriedades índice. Estes ensaios foram feitos de
acordo com os procedimentos normatizados pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT), seguindo os métodos determinados pelas seguintes normas:
NBR 6457/1986 – Amostras de Solos – Preparação para Ensaios de
Compactação e Caracterização;
NBR 7181/1984 – Solo – Análise Granulométrica;
NBR 6508/1984 - Solo - Determinação da densidade real dos grãos;
NBR 12004/1990 – Solo – Determinação do índice de vazios máximo de solos
não coesivos;
NBR 12051/1991 – Solo – Determinação do índice de vazios mínimos de solos
não coesivos.
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2.1.1 - Densidade Real dos Grãos:
Os grãos do solo e das misturas solo-cinza e solo-cinza-cal tiveram suas
densidades reais determinadas através dos procedimentos descritos pela norma NBR
6508 (ABNT, 1984), nos quais foi utilizado o material passante na peneira #40 (0,425
mm). Deste material passante na peneira #40 e seco em estufa a 105° C, foram usadas
aproximadamente 100 gramas. Depois, foram colocadas 30 gramas da amostra de
material em três picnômetros de 250 ml e acrescentou-se água nos mesmos a fim de
fazer com que todo o solo ficasse submerso. Com o auxílio de uma válvula a vácuo, foi
realizado o processo de deaeração da mistura, de modo a retirar todo o ar que estivesse
presente nos vazios do solo. Logo após, preencheu-se lentamente o restante do volume
com água destilada, tomando o devido cuidado para que não ocorresse entrada de ar.
Devido a aplicação de vácuo a temperatura dos picnômetros sofreu uma baixa e, com
isso, os picnômetros foram deixados imersos em banho-maria a fim de que a
temperatura dos mesmos se equilibrasse. Posteriormente, pesou-se cada conjunto
(picnômetro+solo+água) e após a obtenção deste valor, houve um descarte do material
seguido do preenchimento do picnômetro com água destilada. Pesou-se então o novo
conjunto (picnômetro+água). Para a determinação da temperatura da água foi utilizado
um termômetro, atentando-se para garantir que a temperatura do primeiro conjunto
fosse igual a temperatura do segundo conjunto quando os mesmo estavam dispostos em
banho-maria.
2.1.2 - Análise Granulométrica:
A curva granulométrica do solo, das cinzas puras e das misturas feitas foi
determinada de acordo com a norma NBR 7181 (ABNT, 1984). Assim, peneirou-se
1000 gramas do material na peneira #40 (0,425 mm). Depois, o material retido nesta
peneira foi lavado e secado por 24 horas em estufa a 105° C, sendo este período de
secagem sucedido por um processo de peneiramento grosso.
Para a sedimentação utilizou-se 70 gramas do material passante na peneira #40.
Misturou-se este material com 125 ml de uma solução de hexametafosfato de sódio e
deixou-se o mesmo em repouso por cerca de 12 horas. Depois, submeteu-se o material à
dispersão mecânica sendo que, em seguida, transferiu-se o mesmo para uma proveta de
1000 ml no qual o restante do volume foi preenchido com água destilada. Com isso,
foram realizadas as devidas leituras.
Após a sedimentação lavou-se todo o material na peneira #200. Deste material, a
parte que ficou retida foi levada à estufa a fim de passar pelo processo de secagem e,
posteriormente, ser submetido ao peneiramento fino.
O solo arenoso utilizado na pesquisa só precisou passar pelo processo de
peneiramento grosso. Como as cinzas são compostas por fração grossa e fina o ensaio
foi realizado através da granulometria conjunta, que engloba as etapas de peneiramento
e sedimentação das mesmas e das misturas solo-cinza.
2.1.3 - Índices de Vazios Máximos e Mínimos:
Tanto o solo puro quanto as misturas tiveram seus índices de vazios máximos e
mínimos determinados com o auxílio de um funil, de um cilindro metálico e de uma
mesa vibratória. Primeiro, obteve-se as dimensões do cilindro metálico e com esses
dados o volume do mesmo foi calculado. Também obteve-se o valor de seu peso.
O índice de vazios máximo foi determinado de acordo com a norma NBR
12004/1990. Primeiro, a amostra de material foi homogeneizada e, em seguida,
despejada no cilindro metálico com o auxílio do funil, atentando-se para que a altura da
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queda do material fosse constante e que o material ficasse no estado mais fofo possível.
Ao longo do procedimento, com movimentos circulares, o funil foi movido de forma
constante da borda para o centro do molde, de modo que as camadas tivessem
espessuras uniformes. O molde foi então preenchido até 1 a 2 cm acima do topo,
retirando-se o excesso de material com uma régua biselada. Depois, pesou-se o
conjunto.
O índice de vazios mínimo foi obtido de acordo com a norma NBR 12051/1991.
O processo de homogeneização e o modo como o funil foi utilizado para o despejo do
material ocorreram da mesma forma que a descrita para a obtenção do índice máximo.
Primeiro, 1/3 do volume do cilindro foi preenchido com o funil. Depois, colocou-se um
disco-base e um peso no seu interior com o objetivo de aplicar uma sobrecarga no
material. Fixou-se o cilindro à uma mesa vibratória por cerca de 1 minuto. Repetiu-se
este processo por 3 camadas, até que o cilindro estivesse preenchido até 1 a 2 cm acima
do topo. Logo após, o excesso de material foi retirado e o conjunto foi então pesado.
O processo foi repetido 3 vezes para a obtenção dos dois índices de modo a se
conseguir um resultado mais preciso. Os dois tiveram seus valores finais definidos
através de uma média das 3 repetições.
2.2 - Ensaios de Caracterização Química
Ensaios de “Espectometria de fluorescência de Raios-X por Energia Dispersiva
(EDX)”, “Ensaio para determinação de matéria orgânica” e “Ensaio de Solubilização
e Lixiviação” foram realizados nas cinzas de fundo e cinza volante com o objetivo de
se determinar os componentes químicos presentes, além de classificar e detectar a
possível existência de periculosidade destas cinzas resultantes de queima de RSU. Tais
ensaios são fundamentais pois é necessário saber se estes resíduos são perigosos e
inertes, informações que definem qual a melhor forma de disposição final dos resíduos
estudados.
Com os ensaios de Espectrometria de fluorescência de Raio-X por Energia
Dispersiva (EDX)” realizados nas cinzas puras e na mistura cinza-solo-cal, as
concentrações de seus elementos químicos foram analisadas e assim a composição
química total das amostras foi determinada. Tais elementos foram determinados
qualitativamente e semi-quantitativamente com o uso do espectrômetro de fluorescência
de raios-X. O equipamento utilizado nesse ensaio pertence ao Laboratório de Química
da PUC-Rio e consiste em um equipamento do modelo EDX-700.
2.3 - Ensaios de Caracterização Mecânica
Um solo pode ter sua resistência ao cisalhamento definida como a tensão máxima
que o mesmo pode suportar sem que ocorra ruptura, ou como sendo a tensão cisalhante
que atua no plano em que ocorre a ruptura. Esta tensão pode ser obtida através da
análise do pico das curvas tensão versus deformação traçadas em função da diferença de
tensões principais (σ1-σ3) ou da relação σ1/σ3 , o que depende do objetivo do ensaio.
O ensaio de compressão triaxial pode ser utilizado para determinar-se os
parâmetros de resistência ao cisalhamento por ser um dos ensaios mais confiáveis. Com
a finalidade de se realizar uma verificação das propriedades mecânicas dos materiais e
das misturas, foram feitos ensaios triaxiais do tipo consolidado isotropicamente drenado
(CID).
2.3.1 - Ensaios Triaxiais CID:
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Nos ensaios foi utilizada uma prensa da marca Wykeham-Ferrance com
velocidade de deslocamento controlada e com capacidade de 10 toneladas. As
velocidades de deslocamento do pistão foram ajustadas com a seleção adequada de
pares de engrenagens e respectiva marcha. Já a câmara triaxial utilizada é própria para
corpos de prova com 1,5" de diâmetro, além de possuir um corpo de acrílico capaz de
suportar uma pressão confinante máxima de 1000 kPa (Ramírez, 2012).
O fabricante da célula de carga é a ELE International Ltda, sendo que a mesma
possui capacidade máxima de 5000 kN e exatidão de 0,1 kN. Os deslocamentos foram
determinados através do uso de LVTD's da marca Wykwham-Farrance, com cursos de
25 mm e resolução de precisão de 0,01 mm. A medida das pressões na câmara, no
medidor de variação de volume e das propressões foi feita com um transdutor da marca
Schaevitz, que possui variações de de ± 2,0 kPa e capacidade máxima de 1700 kPa
(Ramírez, 2012). Os medidores de variação volumétrica foram fabricados na PUC-Rio
de acordo com o modelo do Imperial College. Já para a gravação dos dados fornecidos
pelos transdutores um sistema de aquisição de dados composto pelo hardware
QuantumX de oito canais da empresa alemã HBM e pelo software CatmanEasy foi
utilizado. Através deste sistema ocorre um monitoramento contínuo dos dados e do
comportamento dos corpos de prova ao longo de todo o ensaio.
2.3.2 - Corpos de Prova:
a) Misturas sem cura
Do solo arenoso puro e das misturas com diferentes teores e tipos de cinza, foram
confeccionados corpos de prova por meio da compactação dos mesmos em um molde
cilíndrico tripartido (Figura 2.1). Tal compactação foi feita de modo manual em
aproximadamente 6 camadas. Os valores de umidade e densidade relativa utilizados
foram de 10% e 50%, respectivamente, sendo eles usados tanto para a areia pura quanto
para as misturas.
Figura 2.1 - Molde Tripartido
Para a moldagem dos corpos de prova foi necessário fazer o cálculo da quantidade
de material necessária para que o molde cilíndrico tripartido fosse preenchido de modo
que os parâmetros de compactação fossem seguidos.
Como citado anteriormente, a cinza de fundo possuía um material mais grosseiro
e, por isso, a mesma foi passada na peneira #20 (0,84mm). O material que ficou retido
na peneira foi então descartado enquanto que o material passante foi usado nos ensaios
triaxiais.
Para a moldagem dos corpos de provas foram realizados os seguintes
procedimentos: primeiramente coloca-se a membrana na base do equipamento e insere-
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se o'rings para vedação da membrana com um bipartido. Depois, fixa-se o molde
tripartido na mesma base com uma abraçadeira metálica. Vedam-se as juntas com uma
fita adesiva e dois dos três furos de acesso ao interior do molde. Colocam-se então dois
o'rings na parte superior do molde tripartido e ajusta-se a membrana por cima do
mesmo. Para possibilitar a inserção do material e a moldagem dos corpos de prova se
conecta uma bomba a vácuo ao tripartido, aplicando-se uma sucção na membrana. Com
a membrana succionada coloca-se o papel filtro sobre a pedra porosa e se inicia a
moldagem do corpo de prova por meio de compactação das 6 camadas. Com o corpo de
prova moldado, coloca-se o papel filtro, a pedra porosa e o cap na marte superior dele,
fixando-a com o auxílio dos o'rings. Desmontam-se os acessórios que contribuem na
moldagem do corpo. Depois, a câmara triaxial é colocada no equipamento, vedada e
preenchida com água.
b) Misturas com cura
Apenas uma mistura passou por ensaios com cura, sendo esta mistura a que
continha teor de cinza volante de 27%, 3% de cal e 70% de solo (CV27Cal3A70),
variando-se o tempo de 0 a 90 dias. A fim de se avaliar a influência do tempo de cura na
resistência do material foram utilizados dois métodos diferentes (M1 e M2). Para estes
ensaios a mistura solo-cinza-cal foi realizada conforme descrito nos itens 1.1 e 1.2,
acrescentando-se a quantidade de água necessária para a obtenção do teor de umidade
definido. O material foi colocado em sacos plásticos vedados e levados à câmara úmida,
sendo mantidos no local até que atingissem o tempo de cura almejado para a realização
do ensaio. Depois, os corpos de prova foram moldados conforme as descrições citadas
no item 2.3.2.a).
Após o material atingir o primeiro tempo de cura (60 dias), a formação de grumos
na massa total do material foi observada. Tal fato era um indicativo de uma maior
adesão entre as partículas, porém, para ser utilizado no método de preparação do corpo
de prova para ensaios triaxiais com areia, esse material teve que ser destorroado, o que
pode ter alterado a resistência do mesmo. Por isso, um segundo método foi pensado
para a realização dos ensaios com cura para a areia. Para o segundo método (M2), a
mistura foi guardada em sacos plásticos que foram deixados em uma câmara úmida por
um dia, com o objetivo de se obter uma maior homogeneização da umidade. Depois, a
pré-moldagem dos corpos de prova foi realizada fora do equipamento triaxial para que
assim os corpos fossem curados já prontos, sendo ensaiados após o tempo determinado.
A moldagem do corpo de prova para este método foi realizada da seguinte forma:
moldes bipartidos foram feitos de tubo PVC com as mesmas dimensões do molde
tripartido. Também fez-se uma base para moldagem do corpo de prova. Depois a
membrana foi fixada à base e inseriu-se o bipartido de PVC ao conjunto. Vedou-se as
juntas com uma fita adesiva e a membrana foi então acomodada na parte superior do
tubo. Logo após, uma bomba a vácuo foi conectada ao bipartido e uma sucção foi
aplicada na membrana. Com a membrana succionada foi iniciado o preenchimento do
molde por meio da compactação de camadas até que todo o seu volume estivesse
preenchido com a quantidade de material calculada anteriormente. Finalizada a
montagem, o corpo de prova foi vedado no molde com papel insulfilme a fim de evitar a
perda de umidade e preservar o corpo. Sete corpos de prova foram moldados, vedados e
armazenado em uma caixa na câmara úmida para que, após o tempo de cura
determinado, fossem ensaiados.
A seguir estão os procedimentos realizados para a transferência do corpo de prova
para o equipamento triaxial: utilizando um bipartido, os o'rings de vedação foram
transferidos para a base mais grossa do equipamento. Posicionou-se a pedra porosa da
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base e o papel filtro na base do corpo de prova. Tirou-se a vedação do corpo de prova
pré-moldado, apoiou-se uma de suas faces na base, encaixou-se a membrana na base do
equipamento e transferiram-se os o'rings de vedação da base para a membrana. As fitas
que estavam sendo usadas para vedar e unir o bipartido de PVC foram descoladas,
desconectando-o do corpo de prova. O tripartido foi fixado ao redor do corpo de prova
com a finalidade de protegê-lo e tornar possível a colocação do papel filtro, da pedra
porosa e o cap do topo. Com o tripartido foi realizada a transferência dos o'rings para o
cap para vedação superior e, depois, retirou-se o tripartido do corpo de prova. Colocou-
se a câmara triaxial no equipamento e, em seguida, a mesma foi vedada e preenchida
com água para que o ensaio fosse realizado.
2.3.3 - Saturação dos Corpos de Prova:
Nos corpos de prova do solo puro e das misturas foi realizada a técnica de
saturação por percolação de água através das amostras, e saturação por contrapressão.
Por meio da percolação, o gradiente de pressão entre a base e o topo do corpo de prova
foi de 5kPa, com a percolação ocorrendo da base para o topo. Já através da
contrapressão, a pressão confinante aplicada no corpo de prova excedia a contrapressão
em 10 kPa, no qual o fluxo de água era permitido pelo topo e base.
Com o intuito de se verificar o grau de saturação as pressões foram monitoradas e
o parâmetro B de Skempton foi calculado à partir da seguinte equação:
(Equação 1)
sendo:
Δu: excesso de poropressão gerado,
Δσc: acréscimo de tensão confinante aplicada.
Para a areia pura e para as misturas, os corpos de prova possuíam valores de
parâmetro B aceitáveis entre 0,83 e 0,87. Porém, caso os valores obtidos fossem iguais
ou maiores que 0,9 ocorreria um processo de saturação com duração de pelo menos
quatro dias. Além da medição do parâmetro B, foi realizado o monitoramento da
quantidade de água que percolava através da amostra, considerando-se que a mesma
estava saturada quando era atingido um volume percolado de duas vezes o volume de
vazios do corpo de prova.
Depois que o corpo de prova foi saturado, iniciou-se a fase de adensamento
isotrópico e conforme ocorria o adensamento, dados da variação de volume eram
coletados. Com os dados obtidos traçou-se o gráfico da variação volumétrica (ml)
versus a raiz do tempo (min0,5
). De acordo com Head (1986), para se calcular a
velocidade de cisalhamento deve-se obter o valor de t100 (min). Fazendo-se o
prolongamento do trecho retilíneo inicial até encontrar a prolongação horizontal do
trecho final (correspondente à estabilização das variações de volume), obtém-se um
ponto de interseção destas linhas, o que fornece a raiz de t100 (min0,5
) no eixo das
abscissas.
Devido ao fato de os ensaios triaxiais terem sido drenados, utilizou-se a seguinte
expressão:
( Equação 2)
sendo:
ν: velocidade máxima de cisalhamento em mm/min,
L: altura do corpo de prova em mm,
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εf: deformação axial estimada na ruptura em %,
tf: tempo mínimo de ruptura em minutos.
Para um ensaio triaxial do tipo CID o valor de tf é obtido multiplicando-se por 8,5
vezes o valor de t100. Mas se o valor de tf for menor que 120 min, Head (1986) sugere
que seja utilizado o valor mínimo de 120 min. Para os corpos de prova de solo puro e de
misturas foram obtidos valores de tf menores que 120 minutos, logo, foi adotado tf igual
a 120 minutos. Assim, foi determinado que a ruptura ocorreria a uma deformação axial
de 5% e com isso foi calculada uma velocidade máxima (ν) de 0,030 mm/min que era a
mesma para todos os ensaios. À partir da definição da velocidade de cisalhamento, o par
de engrenagens a ser colocado na prensa foi selecionado. Esta prensa forneceria a
velocidade desejada. Foi adotado como deformação máxima o valor de 18%
Para os ensaios triaxiais, as variantes de tensão q (tensão de desvio) e p’ (tensão
efetiva média normal) foram calculadas com as formulações de Lambe.
As análises e os resultados do ensaios realizados ao longo da pesquisa são
apresentados à seguir:
O solo arenoso estudado é composto de uma areia média, limpa e de
granulometria uniforme. Não foi detectada presença de matéria orgânica em sua
composição. Seus índices físicos são: densidade real dos grãos (Gs) de 2,65; coeficiente
de uniformidade (Cu) de 1,76; coeficiente de curvatura (Cc) de 1,1; diâmetro efetivo
(D10) de 0,33 mm; diâmetro médio (D50) de 0,55 mm; índice de vazios mínimo (emín) de
0,51 e índice de vazios máximo (emáx) de 0,74.
Através do ensaio de análise granulométrica foram obtidas as frações que
constituem o solo estudado e, à partir destas frações, o mesmo foi classificado de acordo
com o Sistema Unificado de Classificação dos Solos (SUCS) como SP, sendo então o
solo uma areia mal graduada.
O peso específico real dos grãos é a relação entre a massa e o volume dos grãos.
Através de ensaio ocorre a determinação do volume de material sólido de massa
conhecida, de modo que o volume de vazios seja excluído. Os materiais puros e as
misturas passaram por este ensaio, sendo os resultados do mesmo apresentados nas
tabelas 3.1 e 3.2.
Tabela 3.1 – Resultados do ensaio de densidade real dos grãos para o solo, cinza
volante e misturas.
Amostra Teor de
Cinza (%)
Teor de Cal
(%)
Densidade real
dos Grãos (Gs)
A 0 - 2,654
CV30A70 30 - 2,637
CV40A60 40 - 2,628
CV27Cal3A70 27 3 2,730
CV 100 - 2,596
Tabela 3.2– Resultados do ensaio de densidade real dos grãos para o solo, cinza de
fundo e misturas.
Amostra Teor de
Cinza (%)
Densidade
real dos
Grãos (Gs)
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A 0 2,654
CF30A70 30 2,649
CF40A60 40 2,642
CF 100 2,638
Como a densidade real dos grãos das cinzas puras é menor do que o do solo puro,
e as misturas possuem valores entre os dos materiais puros, temos um indicativo de que
ao se adicionar cinza volante ou de fundo ao solo, um material mais leve poderá ser
obtido, enquanto que a mistura com cal é mais densa.
A figura 3.1 mostra as curvas granulométricas do solo, da cinza volante e da cinza
de fundo. A figura 3.2 mostra as curvas granulométricas do solo, da cinza volante e das
misturas do solo com 30% e 40% de cinza volante. Através da visualização dos gráficos
é possível ver a influência provocada pela adição das cinzas de RSU na composição
granulométrica do material.
Figura 3.1 - Curvas granulométricas dos materiais puros.
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Figura 3.2 – Curvas granulométricas do solo, cinza volante e misturas do solo com 30%
e 40% de cinza volante.
A cinza volante de RSU possui alta fração de material fino, correspondendo então
à granulometria silte, possuindo também uma fração correspondente a uma areia média.
Com as misturas o material obtém uma granulometria intermediária aos materiais puros,
porém sendo mais bem graduado que a areia pura e mais uniforme que a cinza volante.
Ao adicionar-se 40% de cinza volante , a mistura adquire uma maior quantidade de
finos e uma menor quantidade de areia média, quando comparado com a mistura de
30%.
Na figura 3.3 está apresentada a comparação entre as curvas granulométricas do
solo, da cinza de fundo e da mistura do solo com 30% e 40% de cinza de fundo.
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Figura 3.3 – Curvas granulométricas do solo, cinza de fundo e misturas do solo com
30% e 40% de cinza de fundo.
Com a adição desta cinza ao solo é obtido um material semelhante à areia e à
cinza pura, contendo em maior parte uma fração areia e uma pequena quantidade de
finos por causa da inserção de finos. Para as misturas obtidas com a adição de ambas as
cinzas é de se esperar uma estabilização física do solo, já que a textura e a
granulometria inicial foram alteradas, tornando o material mais bem graduado que o
solo puro.
Seguem na tabela 3.1 os índices dos materiais de acordo com o Sistema Unificado
de Classificação dos Solos (SUCS):
Tabela 3.1 – Classificação SUCS dos materiais.
Amostra Índice Nome
Areia SP areia mal graduada
Cinza Volante ML silte com areia
CV30A70 SM areia siltosa
CV40A60 SM areia siltosa
Cinza de Fundo SM areia siltosa
CF30A70 SP areia mal graduada
CF40A60 SP areia mal graduada
Quanto à composição química, os principais elementos encontrados nas duas
cinzas são: Si, Ca, Fe, Al, Cl, Na, K, S, Zn. Através da técnica de oxidação com
dicromato de potássio em meio sulfúrico realizado no Laboratório de
Geotecnia/Química de Solos da COPPE/UFRJ por Vizcarra (2010), determinou-se a
matéria orgânica da cinza de fundo e da cinza volante, conforme mostrado na tabela 3.2:
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Tabela 3.2 – Teor de matéria orgânica da cinza de fundo e volante (Vizcarra, 2010).
Amostra Carbono Orgânico
Matéria
Orgânica
(g/kg) (%) (g/kg) (%)
Cinza Volante 4,52 0,452 7,80 0,780
Cinza de Fundo 78,40 7,840 135,00 13,500
Ambas as cinzas foram classificadas como Não Perigosos (Resíduo Classe II),
de acordo com os limites máximos permitidos estabelecidos no anexo F da Norma
ABNT/NBR 10004:2004. Já através do ensaio de solubilização e de acordo com o
anexo G, a cinza volante foi classificada como sendo uma amostra de Resíduo Classe
IIA – Não Inerte e a cinza de fundo uma amostra de Resíduo Classe IIA – Não
Inerte.
Como resultados dos ensaios de caracterização mecânica foram obtidas trajetórias,
envoltórias de resistência e parâmetros de resistência ao cisalhamento, além de uma
análise da influência do tipo de cinza, dos teores e do tempo de cura no comportamento
das amostras durante o cisalhamento. Curvas de tensão desviadora versus deformação
axial foram obtidas em ensaios triaxiais para o solo e para as misturas. Como exemplo,
a figura 3.4 mostra a curva obtida para a mistura CV27Cal3A70_T60_PM, cujo ensaio foi
realizado com o corpo de prova pré moldado (Método 2) no tempo de cura de 60 dias,
em compressão axial nas tensões confinantes de 50, 150 e 250 kPa.
Figura 3.4 – Curvas tensão desviadora e deformação volumétrica versus
deformação axial para a mistura CV27Cal3A70_T60_PM em ensaios triaxiais.
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Pode-se visualizar um exemplo das envoltórias e parâmetros de resistência ao
cisalhamento obtidos na figura 3.5 . As envoltórias estão plotadas no espaço p':q.
Figura 3.5 – Comparação entre as envoltórias de resistência do Solo Puro (A100) e
misturas CV30A70 e CF30A70.
Como resumo e comparação geral dos valores de coesão e ângulos de atrito para o
solo arenoso e para todas as misturas estudadas, sendo elas com tempo de cura ou não,
segue a tabela 3.3.
Tabela 3.3 – Resumo dos valores de coesão e ângulo de atrito para o solo puro e
misturas solo-cinza e solo-cinza-cal estudadas no presente trabalho.
Parâmetros de Resistência – Deformação axial de 17%
Misturas Parâmetros de Lambe Parâmetros de Mohr
a (kPa) α (°) c (kPa) ф (°)
A 0 29,1 0 33,82
CV30A70 7,91 28,07 9,35 32,23
CV40A60 0 27,96 0 32,06
CF30A70 11,42 28,73 13,65 33,24
CF40A60 6,96 28,9 11,37 33,50
CV27Cal3A70_T0 2,31 26,37 2,66 29,72
CV27Cal3A70_T60 1,57 29,73 1,91 34,82
CV27Cal3A70_T90 0 27,42 0 31,25
CV27Cal3A70_T60_PM 0 30,52 0 36,12
À partir dos resultados obtidos observou-se que as misturas demonstraram ter um
comportamento parecido com o do solo puro, levando em consideração deformações
axiais mais elevadas, quando ganhos de resistência das misturas ainda têm tendência a
crescer ou se tornam constantes com valores superiores ou iguais aos do solo puro. Por
isso pode-se dizer que tanto a cinza volante quanto a de fundo pode ser inserida, já que
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os parâmetros de resistência não passam por consideráveis alterações ou sofrem
melhorias. No que diz respeito à cinza volante, as misturas com 30 e 40% mostraram ter
praticamente o mesmo ângulo de atrito, havendo apenas uma diferença de décimos entre
os seus valores. Com relação ao solo puro, a diferença foi de cerca de menos 1,6°. A
mistura com 30% teve um ganho de coesão de 9,35 kPa. Com isso, a porcentagem
ótima considerada é de 40% por esta utilizar um maior volume de resíduo.
Dentre as misturas com cinza de fundo, as porcentagens de 30 e 40% mostraram
ter quase o mesmo ângulo de atrito, diferindo-se do solo puro em apenas alguns
décimos. As misturas CF30A70 e CF40A60 também possuíam um aumento no valor de
coesão de 13,65 kPa e 11,37 kPa, respectivamente. Assim, a porcentagem ótima de
cinza de fundo a ser considerada é de 40% .
A diferença entre os ângulos de atrito da cinza volante e da cinza de fundo foi de
aproximadamente 1 a 1,5°. As misturas com cinza de fundo tiveram maiores valores de
coesão do que as misturas com cinza volante. Por isso, dentre as misturas sem cal, a que
apresentou um comportamento mais semelhante ao solo foi a CF40A60. Das misturas
com cal e cura a que teve uma piora significativa foi a CV27Cal3A70, obtendo uma queda
de 4° no ângulo de atrito mas com pequeno aumento de coesão no material. A mistura
CV27Cal3A70_T90 demonstrou ter tido uma queda de 2,6° no ângulo de atrito ao ser
comparado ao solo puro, porém sem acréscimo da coesão. A mistura CV27Cal3A70_T60
foi a que apresentou melhores resultados, com 60 dias de cura, obtendo valores de
ângulo de atrito e de coesão maiores que os do solo puro.
Durante a comparação dos métodos de moldagem do corpo de prova, a mistura
com pré-moldagem CV27Cal3A70_T60_PM demonstrou ter tido um ganho significativo
no ângulo de atrito, com o acréscimo de 2,3° quando comparado ao do solo, sendo que
não apresentou coesão.
Ao se misturar a cinza volante com água e cal, a mesma reage com a sílica e a
alumina presentes na composição da cinza, formando componentes cimentícios. O solo
granular obtém uma estabilização química fornecida pela mistura cinza-cal, adquirindo
melhorias na resistências através da adição de pequenas quantidades de ligantes nos
pontos de contatos dos grãos.
Anteriormente, em 2013, Quispe avaliou o comportamento de um solo argiloso
estabilizado com cinzas de RSU oriundas da Usina Verde. Esta avaliação foi realizada
com ensaios de caracterização física, química e mecânica. Com ensaios triaxiais
estáticos foi analisada a influência nos parâmetros de resistência do material provocada
pelos dois tipos de cinzas, com o teor usado (20, 30 e 40%) e com tempo de cura (0,30 e
60 dias). O resultados desta pesquisa mostraram que todas as misturas solo-cinza
tiveram uma melhoria nos parâmetros de resistência em comparação ao solo puro.
Porém, as misturas solo- cinza volante tiveram melhores resultados. Conforme mostra o
autor, as misturas com 40% de cinza volante e 30% de cinza de fundo demonstraram ter
as melhores características de resistência e poderiam ser usadas com estabilizantes. A
mistura com 60 dias de cura mostrou ter parâmetro muito parecidos com a mesma
mistura sem cura.
Como o solo argiloso possui coesão maior que o solo arenoso e ângulo de atrito
menor, tanto a adição de cinza volante quanto a adição de cinza de fundo tornam os seus
ângulos de atrito parecidos com os do solo arenoso puro e misturas deste com as cinzas.
Isso deve ocorrer devido ao fato de ambas as cinzas possuírem granulometria arenosa,
tornando o solo argilo-arenoso mais semelhante a uma areia. Além disso, quando cinzas
volantes são adicionadas com cal a um solo arenoso, as mesmas promovem reações
pozolânicas, porém, um solo argiloso geralmente já possui componentes necessários
para tais reações. Assim, realizando comparações entre as misturas com os dois tipos de
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solos, a mistura que possui maior ângulo de atrito é a CV27Cal3A70_T60, sendo
semelhante à mistura SP60CV40 feita com o solo argiloso. Logo, a inserção das cinzas
em ambos os solos se mostra viável no intuito de estabilizá-los.
Conclusão
Com base nos resultados obtidos ao longo da pesquisa conclui-se que, tanto a
cinza volante quanto a cinza de fundo de RSU quando adicionadas ao solo arenoso
fornecem um novo tipo de material que, quando comparado ao solo puro, apresenta
características semelhantes a ele, ou seja, ocorre pouca alteração nos parâmetros de
resistência do material puro ou pouca melhoria destes mesmos parâmetros.
Como principais conclusões a respeito da adição de cinzas de RSU ao solo
estudado pode-se apresentar:
Com base no sistema de classificação SUCS o solo foi classificado como
sendo do tipo SP (areia mal graduada), a cinza de fundo como sendo SM
(areia siltosa) e a cinza volante como ML (silte com areia). As misturas com
30 e 40% de cinza volante e as misturas com 30 e 40% de cinza de fundo
foram classificadas como SM (areia siltosa) e SP (areia mal graduada),
respectivamente;
A análise da composição química da cinza volante mostrou que a mesma
possui teores médios de SiO2, Al2O3 e Fe2O3 e elevado teor de CaO, além de
baixos teores de matéria orgânica. Esses elementos, quando estão em
conjunto, viabilizam a ocorrência de reações pozolânicas que fazem parte do
processo de estabilização química do solo, influenciando nos resultados das
misturas solo-cinza-cal. Já a cinza de fundo possui maiores teores de SiO2,
Al2O3 e Fe2O3 e de matéria orgânica em comparação com a cinza volante
pura;
A cinza volante foi classificada como Resíduo Classe II A – Não inerte por
apresentar como parâmetros Alumínio, Cloretos, Cromo Total, Sulfato
(expresso como SO4) e Fenóis Totais com valores de concentrações maiores
que os valores máximos permitidos no ensaio de solubilização. Quanto a
cinza de fundo, a mesma foi classificada como Resíduo Classe II A – Não
Inerte, por ter como parâmetros Cloretos, Sódio, Sulfato (expresso como
SO4) e Fenóis Totais com valores acima dos permitidos por norma;
A mistura com 40% de cinza de fundo (CF40A60 ) obteve resultados melhores
nos parâmetros de resistência, porém, sendo praticamente igual ao solo puro e
demonstrando ter um ganho de 11,37 kPa de coesão. Além disso, todas as
outras misturas se mostraram viáveis por terem parâmetros de resistência bem
parecidos com os do solo puro;
Tanto as misturas com cinza volante como cinza de fundo apresentam 40%
como sendo a melhor porcentagem, já que os parâmetros de resistência dessas
misturas se mostraram praticamente iguais aos do solo puro e um maior
volume de resíduo é utilizado;
Como acredita-se que o aumento do tempo de cura torna viáveis as reações
químicas que ocorrem entre os materiais, ele contribui para que exista uma
maior cimentação do material, aumentando assim a sua resistência. Porém, ao
longo da pesquisa observou-se que a 0 dias de cura o material apresentou uma
piora, sendo aos 60 dias de cura superior ao solo puro, e perdendo resistência
com 90 dias de cura. Logo, a mistura CV27Cal3A70_T60 foi a que apresentou
Departamento de Engenharia Civil
melhor resultado, com maiores valores de coesão e de ângulo de atrito do que
o solo puro;
O maior ganho de resistência ocorreu na mistura com tempo de cura de 60
dias;
Com base nos resultados dos ensaios triaxiais CID, conclui-se que todas as
misturas se tornam iguais ao solo quando submetida a baixas tensões
confinantes (50 kPa) sendo que, a mistura solo-cinza quando submetida a
essa tensão, tem um crescimento de resistência até aproximadamente 2 a 3%
de deformação axial, mantendo-se constante depois deste ponto, fato que
também foi observado com o solo puro;
Para tensões confinantes de 150 e 250 kPa, misturas solo-cinza têm
resistência menor que o solo puro para baixas a médias deformações axiais,
podendo se tornar igual ou superior ao mesmo em relação ao seu valor.
Assim, foi feita a análise dos parâmetros de resistência de todos os materiais
à deformação axial de 17%;
À partir da análise da variação volumétrica dos materiais durante o
cisalhamento, nenhuma mistura apresentou um padrão de comportamento.
Com os resultados obtidos concluiu-se que a adição das duas cinzas ao solo
arenoso estudado é viável, já que os parâmetros de resistência e de deformabilidade dele
melhoraram ou não causaram significativas alterações.
Referências
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Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, São Paulo, 2012
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[4] LAMBE, T. W. & WITHMAN, R. V. Soil Mechanics. John Wiley & Sons, Inc.
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resíduo sólido urbano (RSU) sob carregamento estático. Dissertação de mestrado, PUC-
Rio, Rio de Janeiro-RJ, 2013.
[8] RAMIREZ, G.G.D., Estudo experimental de solos reforçados com borracha moída
de pneus inservíveis. Dissertação de Mestrado, PUC-RJ, Rio de Janeiro-RJ, 2012.
[9] VIZCARRA, G.O.C. Aplicabilidade de Cinzas de Resíduo Sólido Urbano para Base
de Pavimentos. Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, Rio de Janeiro-RJ, 2010.