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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
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Rua Dona Leopoldina 907 - 60110-001 FORTALEZA - CE – Telefone: (85) 3454 1299 Fax: (85) 3454 1829
Curso de Pós-Graduação
LÍNGUA PORTUGUESA COM ÊNFASE EM GRAMÁTICA E LITERATURA
Prof. José Arnaldo da Silva
Bom Jardim 2016
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Período
Disciplina Língua Portuguesa com ênfase em Gramática e Literatura
Código
Ementa Prática de leitura de textos de diversos gêneros literários e noções fundamentais sobre a língua e sobre a gramática de uso.
Competências
e Habilidades
Oportunizar situações para que o aluno possa rever e refletir sobre o conhecimento sobre a língua e sobre a norma padrão. E desenvolver competências de leitura a partir do estudo de aspectos fundamentais que constituem os diferentes gêneros literários.
Objetivos
Gramática:
1Identificar e reconhecer as classes gramaticais;
Compreender os conceitos gramaticais por meio dos textos;
Analisar as palavras isoladamente e no texto com a finalidade de
compreender a estrutura da Língua Portuguesa;
Reconhecer os processos de elaboração e articulação do discurso oral e
escrito.
Literatura:
Reconhecer a relevância da Literatura de Língua Portuguesa para a
construção do imaginário social e dos valores pessoais;
Elucidar questões sobre as relações Brasil e Portugal no campo da
Literatura;
Conhecer os maiores autores de cada época e o contexto histórico;
Conhecer as diferenças entre conto, novela e romance; Discutir e
interpretar obras literárias famosas a partir da crítica literária.
Programa
Unidade I – GRAMÁTICA Unidade II – LITERATURA Unidade III – LITERATURA PORTUGUESA Unidade IV – LITERATURA BRASILEIRA
Procedimentos Metodológicos
– Análise e interpretação de textos; – Comparação de textos de escolas literárias diferentes; – Exercícios sobre o uso da norma culta/padrão; – Atividades individuais e em grupos.
Recursos – Aulas expositivas com uso de power point. – Atividades em laboratório.
Avaliação
Progressão continuada do desenvolvimento de atividades práticas, orais ou por escrito como: – Leitura e interpretação de textos diversos; – Pontualidade e assiduidade; – Apresentação de seminário. – Prova escrita.
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AULA DE PORTUGUÊS
1) A linguagem
2) na ponta da língua,
3) tão fácil de falar
4) e de entender.
5) A linguagem
6) na superfície estrelada de letras,
7) sabe lá o que ela quer dizer?
8) Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
9) e vai desmatando
10) o amazonas de minha ignorância.
11) Figuras de gramática, esquipáticas,
12) atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
13) Já esqueci a língua em que comia,
14) em que pedia para ir lá fora,
15) em que levava e dava pontapé,
16) a língua, breve língua entrecortada
17) do namoro com a prima.
18) O português são dois; o outro, mistério.
Carlos Drummond de Andrade
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“Quem não lê tem pouca vantagem sobre quem não sabe ler.”
Mark Twain, escritor e humorista norte-americano.
“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.”
Monteiro Lobato
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SUMÁRIO
UNIDADE I – NOÇÕES SOBRE GRAMÁTICA ............................................................ 07
1 GRAMÁTICA DE USO .......................................................................................................... 07
2 ACENTUAÇÃO GRÁFICA..................................................................................................... 07
3 A CRASE ................................................................................................................................. 09
4 O USO DA VÍRGULA ............................................................................................................ 12
5 O USO DO PONTO-E-VÍRGULA .......................................................................................... 14
6 O USO DOS PRONOMES ...................................................................................................... 14
UNIDADE II – LITERATURA ....................................................................................... 17
1 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO .................................................................................... 17
2 FUNÇÕES DA LINGUAGEM ................................................................................................ 18
3 DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO ............................................................................................ 19
4 FIGURAS DE LINGUAGEM ................................................................................................. 19
5 O QUE É LITERATURA ........................................................................................................ 23
7 ESTILOS DE ÉPOCA: ADEQUAÇÃO E SUPERAÇÃO ...................................................... 23
6 A NATUREZA DA LINGUAGEM LITERÁRIA ................................................................... 26
8 AS GRANDES ESCOLAS LITERÁRIAS .............................................................................. 27
UNIDADE III – LITERATURA PORTUGUESA ............................................................. 29
1 O TROVADORISMO (1189 – 1418) ...................................................................................... 29
2 O HUMANISMO (1434 – 1527) ............................................................................................. 32
3 O RENASCIMENTO (1527-1580) .......................................................................................... 36
4 BARROCO EM PORTUGAL (1580 – 1756) .......................................................................... 37
5 O NEOCLASSICISMO PORTUGUÊS (1756 – 1825) ........................................................... 39
6 O ROMANTISMO EM PORTUGAL (1825 – 1865) .............................................................. 41
7 O REALISMO E O NATURALISMO EM PORTUGAL (1865 – 1890) ............................... 43
8 PARNASIANISMO EM PORTUGAL (1882-1893) ............................................................... 45
9 O SIMBOLISMO EM PORTUGAL (1890 – 1915) ................................................................ 47
10 O MODERNISMO EM PORTUGA (1915 AOS DIAS ATUAIS) ....................................... 47
UNIDADE IV – LITERATURA BRASILEIRA ................................................................ 52
1 O QUINHENTISMO BRASILEIRO (1500 – 1601) ............................................................... 52
2 O BARROCO BRASILEIRO (1601 – 1768) ........................................................................... 53
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3 O NEOCLASSICISMO BRASILEIRO (1678 – 1836) ........................................................... 54
4 O ROMANTISMO NO BRASIL (1836–1881) ....................................................................... 56
5 O REALISMO E O NATURALISMO NO BRASIL (1881/1902) ......................................... 61
6 O PARNASIANISMO NO BRASIL (1882 – 1893) ................................................................ 64
7 O SIMBOLISMO NO BRASIL 1893 – 1902) ......................................................................... 65
8 O PRÉ-MODERNISMO NO BRASIL (1892 – 1922) ............................................................ 66
9 O MODERNISMO NO BRASIL 1922 – 1980) ...................................................................... 71
10 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS NA LITERATURA BRASILEIRA ...................... 74
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77
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Unidade I – NOÇÕES SOBRE GRAMÁTICA
1 GRAMÁTICA DE USO
Durante o processo de produção de textos, surgem sempre dúvidas gramaticais; nesta
unidade trataremos dos casos em que alguns exercícios podem ajudar a solucionar certos
problemas; no entanto há outros casos que gramáticas e livros do tipo tira-dúvidas resolvem
tranquilamente; a consulta a esses materiais torna-se obrigatória por parte de quem se propõe
a escrever na escola, no trabalho ou mesmo por motivos particulares.
Vale lembrar que a eliminação de alguns erros será efetuada a partir do treinamento
linguístico e a prática constante da escrita. Cabe ao produtor o trabalho constante da revisão e
escrituração dos textos para que a assimilação das técnicas redacionais e normas gramaticais
sejam efetivadas.
2 ACENTUAÇÃO GRÁFICA
O português, assim como outras línguas neolatinas, utiliza o acento gráfico. Embora
toda palavra da língua portuguesa, de duas ou mais sílabas, possua uma sílaba tônica, nem
sempre recebe tal acento. Observe as palavras
arte, gentil, táxi e mocotó. Você constatou que a tonicidade recai sobre a sílaba inicial em arte
e táxi e sobre a final em gentil e mocotó. Portanto, é importante frisar, todas as palavras com
duas ou mais sílabas terão acento tônico, mas nem sempre terão acento gráfico. A tonicidade
está para a oralidade (fala) assim como o acento gráfico está para a escrita (grafia).
Oxítonas
1. São acentuadas as palavras oxítonas que terminam em -a, -e ou -o abertos, e com
acento circunflexo as que terminam em -e e -o fechados, seguidos ou não de s:
a : já, cajá, vatapá
as : ás, ananás, mafuás
e : fé, café, jacaré
es : pés, pajés, pontapés
o : pó, cipó, mocotó
os : nós, sós, retrós
e : crê, dendê, vê
es : freguês, inglês, lês
o : avô, bordô, metrô
os : bisavôs, borderôs, propôs
* Incluem-se nesta regra os infinitivos seguidos dos pronomes oblíquos -lo(s) ou -la(s): dá-lo,
matá-los, vendê-la, fê-las, compô-lo, pô-los etc.
2. Não se acentuam as oxítonas terminadas em i e u, e em consoantes, além daquelas
seguidas dos pronomes oblíquos -lo(s), -la(s):
ali, caqui, rubi, bambu, rebu, urubu, sutil, clamor, fi-lo, puni-la, reduzi-los, feri-las etc.
3. Acentuam-se as oxítonas com mais de uma sílaba terminadas em -em e ens:
alguém, armazém, também, conténs, parabéns, vinténs.
4. Acentuam-se as palavras oxítonas com os ditongos abertos grafados -éi, -éu ou -ói,
podendo estes dois últimos serem seguidos ou não de -s:
anéis, batéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s); corrói (de corroer),
herói(s), remói (de remoer), sóis.
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5. Acentua-se as vogais tônicas -i e -u precedidas de ditongo, nas palavras oxítonas, em
posição final ou seguidas de s:
Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús.
Paroxítonas
1. Assinalam-se com acento agudo ou circunflexo as paroxítonas terminadas em:
i: dândi, júri, táxi
is: lápis, tênis, Clóvis
ã/ãs: ímã, órfã, ímãs
ão/ãos: bênção, órfão, órgãos
us: bônus, ônus, vírus
l: amável, fácil, cônsul, imóvel
um/uns: álbum, médium, álbuns
n: albúmen, plâncton, hífen, Nílton
ps: bíceps, fórceps, tríceps
r: César, mártir, revólver
x: fênix, látex, tórax
2. Não se acentuam graficamente os ditongos representados por -ei ou -oi da sílaba
tônica das palavras paroxítonas: assembleia, boleia, ideia, coreico, epopeico,
onomatopeico, proteico; alcaloide, apoio (verbo), apoio (subst.), boina, comboio
(subst.), tal como comboio, heroico, jiboia, paranoico etc.
3. Não se acentuam as formas do plural dos verbos crê, dê, lê, vê: creem, deem, leem,
veem - e de seus compostos - descreem, desdeem, releem, reveem etc.
4. Não mais se utiliza o acento agudo nas paroxítonas, com -i e -u tônicos precedidos de
ditongo: baiuca, feiura, bocaiuva etc.
5. Não se acentuam, com acento circunflexo, o primeiro o do hiato oo, seguido ou não de
-s: abençoo, enjoo, coroo, perdoo, voo(de voar) etc.
6. Não mais se utiliza o acento diferencial para distinguir uma palavra de outra que tem a
mesma grafia: para, flexão de parar, e para, preposição; pela(s) (é), subst. e flexão de
pelar, e pela(s), per+la(s); polo(s) (ó), subst, e polo(s), combinação antiga e popular de
por e lo(s); etc.
Atenção!
Permanece o acento diferencial em pôde/pode: pôde (pretérito perfeito do
indicativo), pode é a forma do presente do indicativo;
Permanece o acento diferencial em pôr/por: pôr é verbo. por é preposição.
Permanecem os acentos que diferenciam o singular do plural dos verbos ter e vir,
assim como de seus derivados: Ele tem duas motos. / Eles têm duas motos; Ele vem
de Guaxupé. / Eles vêm de Guaxupé.; Ele mantém a palavra. / Eles mantêm a
palavra.
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Notas
a) O substantivo éden faz o plural edens, sem o acento gráfico.
b) Os prefixos anti-, inter-, semi- e super-, embora paroxítonos, não são acentuados
graficamente: antirrábico, antisséptico, inter-humano, inter-racial, semiárido,
semisselvagem, super-homem, super-requintado.
c) Não se acentuam graficamente as paroxítonas apenas porque apresentam vogais
tônicas abertas ou fechadas: espelho, famosa, medo, ontem, socorro, pires, tela etc.
Proparoxítonas
Todas as proparoxítonas são acentuadas graficamente: abóbora, bússola, cântaro,
dúvida, líquido, mérito, nórdico, política, relâmpago, têmpora etc.
Observações:
1. Não se acentua, com acento agudo, o -u tônico precedido de g ou q e seguido de e ou i,
com ou sem s: argui, arguis, averigue, averigues, oblique, obliques etc.
2. Acentuam-se sempre o i e o u tônicos dos hiatos, quando formam sílabas sozinhas ou
são seguidos de s: aí, balaústre, baú, egoísta, faísca, heroína, saída, saúde, viúvo, etc.
3. Acentuam-se graficamente as palavras terminadas em ditongo oral átono, seguido ou
não de s: área, ágeis, importância, jóquei, lírios, mágoa, extemporâneo, régua, tênue,
túneis etc.
4. Emprega-se o til para indicar a nasalização de vogais: afã, coração, devoções, maçã,
relação etc.
3 A CRASE
Usa-se o acento indicativo de crase quando houver a contração da preposição a e do
artigo feminino a ou com os pronomes demonstrativos aquela e suas variações.
Eu vou a + a feira = Eu vou à feira.
Note como houve o encontro da preposição a e do artigo a. Caso trocássemos feira por
mercado, veríamos que ocorreria o encontro da preposição a com o artigo o.
Eu vou a + o mercado = Eu vou ao mercado.
Regra prática
a) Trocar a palavra feminina por uma masculina semelhante. Se ocorrer com a palavra
masculina o encontro ao, com a feminina ocorrerá a fusão à.
O professor se referiu ao aluno = O professor se referiu à aluna.
b) Trocar a preposição a pela preposição para.
A secretária foi para a reunião = A secretária foi à reunião.
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Regras específicas
Nem sempre será possível, aplicar as regras práticas. Haverá casos que solicitarão o uso
de algumas regras específicas.
1. Horas: ocorrerá a crase. Irei ao clube hoje às 14 horas. A reunião será das 15 às 20
horas.
2. Dias da semana: ocorrerá crase somente no plural.
Das segundas às sextas-feiras, haverá reuniões.
3. Nome de lugares: A ocorrência da crase será constatada com o auxílio do verbo vir ou
voltar.
Irei à Argentina = Venho da Argentina.
Vou à Roma Antiga = Voltei da Roma Antiga.
Irei a Marília = Venho de Marília.
Vou a Roma = Voltei de Roma.
Ao usar o verbo vir ou voltar, deve-se observar a incidência do artigo na preposição
de:
da = à de = a
4. À moda ou à maneira: ocorrerá crase com estas expressões mesmo que subentendidas:
Comi um bife à moda milanesa ou Comi um bife à milanesa.
Escrevo à maneira de Nelson Rodrigues, ou Escrevo à Nelson Rodrigues.
Observação: A palavra desde elimina a ocorrência da crase:
Estou esperando você desde as 2 horas.
Veja que se usarmos meio-dia, não haverá o encontro a + o:
Estou esperando você desde o meio-dia.
Observação:
a) No singular não ocorrerá a crase:
Haverá reunião de segunda a sexta- feira.
b) Não ocorrerá crase antes dos meses do ano:
De janeiro a março, teremos dias quentes.
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5. Distância: ocorrerá crase quando é determinada a distância:
Vi sua chegada a distância.
Vi sua chegada à distância de dez metros.
6. Casa: ocorrerá crase quando não existir o sentido de lar ou quando estiver modificada.
Volte a casa. (sentido de lar)
Vou à casa de meus irmãos. (modificada = de meus irmãos)
7. Terra: ocorrerá crase quando não estiver no sentido de solo:
Cheguei a terra. (solo)
O lavrador trabalha a terra. (solo)
Cheguei à terra natal.
Os astronautas regressaram à Terra tranquilos.
8. Pronomes: ocorrerá crase somente nestes casos:
a) pronomes relativos a qual e as quais:
Esta é a garota à qual me referi.
b) pronomes demonstrativos aquela, aquela, aquilo:
Referi-me àquele livro.
Note que se usássemos outro pronome apareceria a preposição a:
Referi-me a este livro = Referi- me a + aquele livro.
Observação: Esta regra ocorrerá com qualquer palavra subentendida:
Fui à Marechal Deodoro. = Fui à rua Marechal Deodoro.
Esta caneta é igual à que comprei. = Esta caneta é igual à caneta que comprei.
Observação: Com os pronomes demonstrativos a e as, só ocorrerá crase com verbos
que exigirem a preposição a:
Assisti a todas aulas do dia, menos às de física.
Note que o verbo assistir neste caso pede a preposição a:
Assisti a todas e assisti a + as de física.
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b) Pronomes possessivos femininos (minha, tua, sua, nossa...): a ocorrência de crase é
facultativa:
Assisti a tua peça musical, ou Assisti à tua peça musical.
9. Locuções Adverbiais, Prepositivas e Conjuntivas Femininas. Normalmente respondem
às perguntas onde? como? por quê?
Veja:
Comerei à luz de vela. – Comerei como? à luz de vela.
Caso não usasse o acento indicativo de crase a frase teria outro sentido. Comerei a luz
de vela – Significa que a luz de vela será comida, o que é incoerente.
Adiou à noite. – Adiou quando? à noite.
Adiou a noite. – Significa que a noite foi adiada.
Observe algumas locuções: à risca, às cegas, à direita, à força, à revelia, à escuta, à
procura de, à espera de, às claras, às vezes, às pressas, à paisana, à tarde, à noite, à toa,
à medida que, à proporção que, etc.
4 O USO DA VÍRGULA
Regra Geral: a ordem direta de uma oração é sujeito, verbo e complemento. Qualquer
alteração nessa ordem pede o uso da vírgula para que a leitura não seja prejudicada.
Eliana escreve cartas todo dia. – ordem direta.
Todo dia, Eliana escreve cartas.
Como pôde ser visto, o complemento “todo dia” estava antes do sujeito “Eliana”,
modificando, assim, a ordem direta da oração.
Regras específicas
1. Separar vários sujeitos, vários complementos ou várias orações.
PROIBIÇÃO DO USO DA VÍRGULA
Não se separa por vírgulas o sujeito do verbo e, também, o verbo de seus
complementos:
Eliana, escreve cartas todo dia. (emprego errado)
Eliana escreve, cartas todo dia. (emprego errado)
Eliana, todo dia, escreve carta. (emprego certo, pois houve alteração na ordem da
oração)
Eliana escreve, todo dia, cartas. (emprego correto, pois houve alteração na ordem
direta)
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Os professores, alunos e funcionários foram homenageados pelo diretor.
Gosto muito de redação, literatura, gramática e história.
Fui ao clube, nadei bastante, joguei futebol e almocei.
2. Separar aposto, termo explicativo.
O técnico da seleção brasileira, Zagalo, convocou vinte e dois jogadores para o
amistoso.
Jorge Amado, grande escritor brasileiro, é autor de inúmeros romances adaptados para
televisão.
O presidente da empresa, Sr. Ferret, deu uma enorme gratificação a seus funcionários.
3. Separar vocativo.
A inflação, meu amigo, faz parte da cultura nacional.
“Isso mesmo, caro leitor, abane a cabeça” (Machado de Assis)
4. Separar termos que se deseja enfatizar.
Eliana chegou à festa, maravilhosa como uma Deusa, iluminando todo o caminho por
que passava.
5. Separar expressões explicativas e termos intercalados.
A vida é como boxe, ou seja, vivemos sempre batendo em alguém.
O professor, conforme prometera, adiou a prova bimestral.
6. Separar orações:
coordenadas (mas, porém, contudo, pois, porque, logo, portanto)
Participamos do congresso, porém não fomos remunerados.
Trabalhe, pois a vida não está fácil.
Antônio não estudou; não conseguiu, portanto, passar o ano letivo.
7. Separar orações adjetivas:
O fumo, que é prejudicial à saúde, terá sua venda proibida para menores.
8. Separar orações adverbiais, principalmente quando vieram antes da principal.
Para que os alunos aprendessem mais, o professor trabalhava com música.
Assim que puder, mandar-te-ei um lindo presente.
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9. Orações reduzidas de particípio e gerúndio.
Chegando atrasado, o aluno conturbou a aula.
Terminada a palestra, o médico foi ovacionado pelo público.
10. Para indicar omissão de palavras:
Eu leio romances clássicos; você, policiais. (Foi omitido o verbo ler.)
O uso da vírgula com o conectivo E
a) Separar as orações com sujeitos diferentes.
O policial prendeu o ladrão, e sua esposa ficou muito orgulhosa.
b) Usa-se vírgula antes do e quando precedido de intercalações.
Eliana foi promovida, devido a sua capacidade, e todos do departamento a
cumprimentaram.
c) Usa- se vírgula depois do e quando seguido de intercalações.
Eliana foi promovida e, por ser muito querida, todos do departamento a
cumprimentaram.
5 O USO DO PONTO-E-VÍRGULA
Usa-se, basicamente, o ponto-e-vírgula para obter mais clareza em períodos longos, em
que há muitas vírgulas.
Compramos, em 15 de abril, da empresa Lether Informática, 10 mesas para
computadores; da Decortex, 15 cortinas bege; em 20 de abril, da Pen, 5 caixas de canetas
azuis e vermelhas.
Fomos, ontem pela manhã, ao clube; faltamos, portanto, à aula.
6 O USO DOS PRONOMES
1. Pronomes demonstrativos: esse, este e aquele.
a) Este: usamos para indicar objetos que estão próximos do falante e para indicar
tempo presente ou futuro:
Esta minha blusa está me incomodando, vou tirá-la.
Este dia está insuportável, preciso fazer algo diferente.
Esta noite pretendo dormir cedo.
b) Esse: usamos para indicar objetos que estão com a pessoa com que se fala e com a
pessoa que nos ouve ou lê, e também em tempo passado.
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Peço a essa empresa compreensão quanto à demora da entrega do pedido.
Essa noite não consegui dormir bem.
c) Aquele: usamos para indicar objetos que estão com a pessoa de quem se fala e
também para indicar algo muito distante.
Aquela blusa da sua amiga é muito bonita.
Lembra quando estudávamos no primário? Aquela escola era o máximo.
2. Pronomes oblíquos:
a) Pronomes: o e a usam-se com verbos transitivos diretos.
Comprei o carro. / Comprei- o.
Antes de verbos terminados em: R, S e Z, usa- se LO ou LA:
Comprar a casa. / Comprá-la.
Fez o exercício. / Fê-lo.
Comemos o bolo. / Comemo-lo.
Antes de sons nasais, usa-se NO ou NA:
Dão presentes. / Dão-no.
Levam fama. / Levam-na.
b) Pronome lhe: usa-se com verbos transitivos indiretos.
Fiz a ele uma proposta = Fiz-lhe uma proposta.
Informei ao diretor o assunto = Informei-lhe o assunto.
c) Pronomes: eu e mim.
Antecedido de preposição para e sucedido de verbo no infinitivo, usa-se eu.
Isto é para eu fazer. / Pediram para eu comprar o livro.
Antecedido por preposição, usa-se mim.
Observação: Este e aquele:
Usamos aquele na indicação de elementos que foram mencionados em primeiro lugar e
este para os que foram por último.
João e Jonas são amigos, porém este é extrovertido; aquele, muito tímido.
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Entre mim e ti está tudo acabado.
Isto é para mim?
Observe: sem mim, de mim, por mim
d) Consigo e contigo:
Consigo = ele mesmo
João trouxe consigo o livro de redação.
Contigo = com você
João, preciso falar contigo ainda hoje.
e) Conosco e com nós:
Quando acompanhado de um agente modificador (mesmos, todos, próprios ou
numerais) usa-se com nós.
Eliana virá conosco.
Eliana virá com nós mesmos.
3. Colocação pronominal:
Próclise, colocação antes do verbo.
a) Com palavras negativas:
Nunca me diga isso.
Não te quero mais.
b) Nas frases exclamativas, interrogativas e optativas:
Como se fala aqui!
Quem te disse?
Deus lhe pague, moço.
c) Com pronomes interrogativos, indefinidos e demonstrativos:
Esta é a bela moça de quem lhe falei.
Alguém me ajude, por favor.
Aquilo a irritava profundamente.
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d) Com advérbios.
Aqui se trabalha muito.
Sempre me convidam para padrinho.
e) Com infinitivo, regido de preposição.
Ela veio (para) nos ajudar.
O professor chegou para me passar a matéria da prova.
f) Com gerúndio, regido de preposição em.
Em se tratando de redação, Pedro é o melhor.
Em me ajudando, reparará o seu estúpido erro.
Mesóclise, colocação do pronome no meio do verbo.
a) Usa-se apenas com verbos no futuro do presente e no futuro do pretérito do
indicativo, desde de que não ocorram casos que pedem próclise.
Dir-te-ei toda a verdade. (Te direi a verdade – errado)
Ajudá-lo-ei sempre que possível. (Ajudarei-o sempre – errado)
A festa realizar-se-á em 23/12. (A festa se realizará – errado)
Ênclise, colocação do pronome depois do verbo.
a) Usa-se em orações que se iniciam com verbos, desde que não peçam mesóclise.
Revelaram-me a verdade sobre você.
b) Usa-se ênclise sempre que não ocorrer incidência de próclise ou mesóclise.
Ela disse-me palavras bonitas.
Quero beijar-te agora.
Unidade II – LITERATURA
1 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO
1. Emissor ou remetente: é aquele que codifica e envia a mensagem. Ocupa um dos polos do
circuito da comunicação.
2. Receptor ou destinatário: é aquele que recebe e decodifica a mensagem.
3. Mensagem: é o conteúdo que se pretende transmitir.
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4. Canal: é o meio pelo qual a mensagem é transmitida do emissor para o receptor.
5. Código: é um sistema de signos convencionais que permite dar à informação emitida (pelo
emissor) uma interpretação adequada (pelo receptor).
6. Contexto ou referente: ambientação, situação em que se dá o processo de comunicação.
2 FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Em todo ato de comunicação existe uma intenção por parte do emissor da mensagem.
Dependendo do objetivo que o emissor deseja atingir com sua mensagem, nela vai
predominar uma determinada função da linguagem. A função, portanto, está intimamente
relacionada ao objetivo do emissor da mensagem, seja ela verbal ou não verbal. As funções
de linguagem são as seguintes:
Função Referencial: Ocorre toda vez que a mensagem faz referência a acontecimentos, fatos,
pessoas, animais ou coisas, com o objetivo de transmitir informações.
Ex.: O tempo amanhã será nublado, com melhoria no fim do período.
Ela abriu a porta, entrou, sentou-se na poltrona e sorriu.
Função emotiva: Está centrada no emissor, na 1º pessoa (eu). Expressa os sentimentos de
quem fala em relação àquilo de que está falando.
Ex.: Estou muito feliz.
Este jantar está excelente!
Função apelativa: Está centrada na 2º pessoa (tu). Conhecida também como função conativa,
é dirigida ao receptor com o objetivo de influenciá-lo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Exprime-se através do vocativo e do imperativo. É sempre uma ordem ou um pedido que se
faz.
Ex.: Não deixe de ver aquele filme amanhã.
Cale a boca agora mesmo.
Função fática: Ocorre quando o emissor deseja verificar o canal de comunicação está
funcionando, ou se ele, emissor, está sendo compreendido.
Ex.: Entenderam?
Hein? Ok?
Função metalinguística: Esclarece o próprio código, ensina alguém, esclarece algo.
Ex: estética: 1. Parte da filosofia que trata das leis e dos princípios do belo. 2. Caráter
estético; beleza. 3. (fig.) Plás-tica, beleza física. (Minidicionário Luft)
Função poética: É a criatividade da mensagem. Percebe-se um cuidado especial na
organização da mensagem através de rimas e ritmos
Ex.:
Mar Azul
mar azul
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
Ferreira Gullar
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3 DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO
Dependendo do contexto em que se encontra, uma palavra pode ter uma significação
objetiva, comum a todos. É o valor denotativo da palavra:
Ex: Raiz s.f. (Bot.) Órgão da planta geralmente fixo no solo donde retira água e
substância minerais.
A mesma palavra, em outro contexto, pode sugerir outras interpretações. É o valor
conotativo da palavra:
Ex: Raiz s.f. (fig.) Princípio, origem.
Denotação – Linguagem informativa, comum a todos; objetiva um conhecimento
prático, científico; a palavra empregada no seu sentido real.
Exemplo: Minha geladeira quebrou.
Conotação – Linguagem afetiva, individual, subjetiva; objetiva uma apreciação estética
(bela e criativa); a palavra é empregada no seu sentido figurado, poético.
Exemplo: Minha namorada é uma geladeira.
4 FIGURAS DE LINGUAGEM
São os registros da linguagem afetiva relacionadas gramaticalmente. Diz-se que
linguagem é afetiva, quando as palavras são usadas com sentido figurado.
As principais figuras de linguagem costumam ser classificadas em figuras de som,
figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras.
Figuras de palavras
Antonomásia – Consiste na substituição de um nome por outro que com ele seja afim
semanticamente ou por uma ação notória.
Exemplos: “O poeta dos escravos” (Castro Alves) / “O rei do cangaço” (Lampião) / “O rei
do pop” (Michael Jackson) / “O rei do futebol” (Pelé) / Cidade Maravilhosa (Rio de Janeiro)
etc.
Catacrese – Costuma ocorrer quando, por falta de um termo específico para designar um
conceito, toma-se outro "emprestado“, empregando algumas palavras fora de seu sentido
original.
Exemplos: “Embarcar num trem.” / Segunda-feira haverá sabatina. / Enterrar uma agulha
no dedo. / cavalgar um burro; / braço da cadeira, / pé da mesa, / cabeça de cebola, / dente de
alho, / asa do bule ,/ aterrissar no mar, / barriga da perna, etc.
Metáfora – É uma comparação implícita, pois o elemento comparativo fica subentendido.
Exemplo: “As mãos que dizem adeus são pássaros”.
Metonímia - A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre
ambos estreita afinidade ou relação de sentido.
Exemplos:
a) parte pelo todo
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
b) o lugar pela coisa
Fumei um saboroso havana. (= Fumei um saboroso charuto.)
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c) O instrumento pela pessoa que o utiliza A melhor tesoura da região.
O gatilho mais rápido do oeste.
d) O autor pela obra
Eu leio Clarice Lispector.
e) A marca pelo produto
Ela bebeu Coca-cola, comprou Bombril e deu ao filho mingau de Maizena.
f) O continente pelo conteúdo
João comeu dois pratos de feijoada e bebeu dois copos de suco.
Prosopopeia ou personificação – Consiste em atribuir a seres inanimados predicativos que
são próprios de seres animados.
Exemplos:
“O jardim olhava as crianças sem dizer nada.”
“As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres.”
Comparação ou símile – É a figura de linguagem que consiste na aproximação entre dois
seres em função de uma semelhança entre eles, ou seja, é possível atribuir características de
um elemento ao outro, sempre usando os termos comparativos explícitos citados acima.
Exs.: “De tão branca, a moça parecia um fantasma”.
“Ele dirigia como um louco”.
“Trabalhava tal qual um profissional”.
“Ele era tão bom quanto um santo”.
“Seus olhos brilhavam que nem esmeraldas”.
Sinestesia – Trata-se de mesclar, numa expressão, sensações percebidas por diferentes órgãos
do sentido.
Exs.: “A luz crua da madrugada invadia meu quarto”.
“O sol de outono caía com uma luz pálida e macia”.
“Dirigiu-lhe uma palavra branca e fria como agradecimento”.
Figuras de construção
Aliteração – Consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais.
Exemplos:
“Esperando, parada, pregada na pedra do porto.”
“O rato roeu a roupa do rei de Roma”.
“Quem com ferro fere com ferro será ferido”.
Anacoluto – Consiste em deixar um termo solto na frase. Normalmente, isso ocorre porque se
inicia uma determinada construção sintática e depois se opta por outra. Palavra ou palavras
jogadas no início de um período sem desempenhar função sintática.
Exemplos:
“A vida, não sei realmente se ela vale alguma coisa”.
“Poesia. Ora, ninguém gosta de choradeiras poéticas.”
“Eu, toda vez que chego, você me chama pra conversar”.
Anáfora – Consiste na repetição de uma mesma palavra no início de versos ou frases.
Exemplos:
“Noite – montanha. Noite vazia. Noite indecisa. Confusa noite. Noite à procura,
mesmo sem alvo.” (Carlos Drummond de Andrade)
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“Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!”
(M. Bandeira)
Assíndeto – é a omissão das conjunções ou conectivos aditivas.
Exemplos:
“... há de morrer como viveu: sozinho! Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem
pão! sem lar!” (Olavo Bilac)
“É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias” (Vinícius de Moraes)
Elipse – Consiste na omissão de um termo que é facilmente identificado.
Exemplos:
“Na estante, livros e mais livros”. (há)
“Chegamos tarde ontem”. (Nós)
“Não fosse sua carona, eu ainda estaria no meio do caminho”. (Se)
Hipérbato – Se refere a uma inversão brusca da ordem dos termos de uma oração.
Exemplos.:
Brincavam antigamente na rua as crianças.
Dança, à noite, o casal de apaixonados no clube.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante.
Pleonasmo – consiste na repetição de um termo da oração ou do significado de uma
expressão, isto é, alguma informação que é repetida desnecessariamente. Podem ser literários
e vicioso.
Literários Exs.:
Chovia uma triste chuva de resignação. (Manuel Bandeira)
Me sorrir um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã. (Chico Buarque)
Viciosos Exs.:“Todos subiram em cima do palco”. / “Menino, entre já para dentro”. / “Vi com meus
próprios olhos”.
Polissíndeto – É uma figura caracterizada pela repetição enfática dos conectivos
(geralmente a conjunção e).
Exemplos:
"Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre, vacila e grita, luta e ensanguenta, e rola, e
tomba, e se espedaça, e morre." (Olavo Bilac)
"Deus criou o sol e a lua e as estrelas. E fez o homem e deu-lhe inteligência e fê-lo chefe da
natureza.
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Silepse – É uma figura de linguagem que faz concordância não através de regras gramaticais,
mas sim pela ideia associada em nossa mente. Conhecida também como concordância
ideológica. Pode ser de gênero, de número ou de pessoa.
Exemplos:
de gênero: “Bom Jardim é encantadora!” (a concordância é feita com a palavra cidade, feminina,
que está subentendida)
“Alguém andava bem saudosa.” (concorda com a ideia de feminino.)
de número: O pessoal pôs-se a gritar e choravam.
O casal de pássaros nada fez, apenas voaram, foram embora.
de pessoa:
“Aliás todos os sertanejos somos assim.”
“Os amigos nos revezávamos à sua cabeceira.”
Figuras de pensamento
Antítese – É a oposição entre dois pensamentos, duas ou mais ideias. “É a oposição de duas
verdades, uma dando vida à outra.” La Bruyère).Figura fundamental, básica do pensamento e
do sentir: nascimento x morte; ódio x amor; dia x noite; alegria x dor etc.
Exemplo: E Carlos, jovem de idade e velho de espírito, aproximou-se.
O que sempre foi simples tornou-se complexo.
"O mito é o nada que é tudo." (Fernando Pessoa)
Apóstrofe – Consiste no chamamento a uma pessoa ou coisa que pode ser real ou imaginária,
pode estar presente ou ausente; usada para dar ênfase.
Exemplo:
Ó mar salgado, / quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal!
(Fernando Pessoa)
Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus!
(Castro Alves)
Eufemismo – Busca suavizar uma expressão através do uso de termos mais agradáveis.
Exemplos:
Ele é desprovido de beleza. (= feio)
O prefeito ficou rico por meios ilícitos. (= roubou)
Fernando faltou com a verdade. (= mentiu)
Osvaldo partiu dessa pra melhor. (= morreu)
Hipérbole – Consiste em engrandecer ou diminuir exageradamente a verdade.
Exemplo: Eu já disse um milhão de vezes que não fui eu quem fez isso!
Hoje está um frio de rachar!
Aquela mãe derramou rios de lágrimas quando seu filho foi preso.
Não convide o João para sua festa, porque ele come até explodir!
Ironia – Figura pela qual se diz o contrário do que se quer dizer.
Exemplo: Que pessoa educada! Entrou sem cumprimentar ninguém.
Paradoxo – Consiste numa proposição aparentemente absurda, resultante da união de ideias
contraditórias.
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Exemplos.: É só um pobre rapaz rico que não sabe nada da vida.
Quanto mais vivemos, mais nos aproximamos da morte.
Essa menina parece que dorme acordada.
“Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer”. (Camões)
5 O QUE É LITERATURA?
A palavra serve para comunicar e interagir. E também para criar literatura, isto é, criar
arte, provocar emoções, produzir efeitos estéticos.
Estudar literatura implica apropriar-se de alguns dos conceitos básicos dessa arte, mas
também deixar o espírito leve e solto, pronto para saltos, voos e decolagens.
A literatura é uma das formas de expressão artística do ser humano, juntamente com a
música, a pintura, a dança, a escultura, o teatro, etc. Assim como o material da escultura são
as formas e os volumes e o da pintura são as formas e as cores, o material básico da literatura
é a palavra. Literatura é a arte da palavra.
Como parte integrante da cultura, a literatura já passou por diferentes formas de
expressão, de acordo com o momento histórico e com a situação da produção. Na Grécia
antiga e na Idade Média, por exemplo, sua transmissão ocorria basicamente de forma oral, já
que pouquíssimas pessoas eram alfabetizadas. Nos dias de hoje, em que predomina a cultura
escrita, os textos literários são escritos para serem lidos silenciosamente pelos leitores.
Contudo, juntamente com o registro escrito da literatura, publicada em livros e revistas, há
outros suportes que levam o texto literário até o público, como o CD, o audiolivro, a Internet e
inúmeras adaptações feitas para cinema e TV.
O que é literatura? Não existe uma definição única e unânime para literatura. Há quem
prefira dizer o que ela não é. De qualquer modo, para efeito de reflexão, é possível destacar
alguns aspectos que envolvem o texto literário do ponto de vista da linguagem e do seu papel
social e cultural.
6 A NATUREZA DA LINGUAGEM LITERÁRIA
Você já deve ter tido contato com muitos tipos de texto literário: contos, poemas,
romances, peças de teatro, novelas, crônicas, etc. E também com textos não literários, como
notícias, cartas comerciais, receitas culinárias, manuais de instrução. Mas, afinal, o que é um
texto literário? O que distingue um texto literário de um texto não literário?
A seguir, você vai ler dois textos: o primeiro é parte de uma notícia de jornal; o segundo
é uma crônica do escritor Moacyr Scliar, criada a partir dessa notícia:
LEITURA:
TEXTO I
Duas mulheres e três crianças que moram debaixo de um viaduto na zona
sudoeste de SP vão conhecer o Iguatemi.
(Folha de S. Paulo, 25/12/2008. Cotidiano)
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TEXTO II
ROTEIRO TURÍSTICO
Apresentamos a seguir o roteiro de nossa excursão “Viagem a um mundo encantado”,
um excitante mergulho no maravilhoso universo do consumo.
9h – Início da excursão. Saída dos participantes do viaduto em que residem. O
embarque será feito em ônibus comum, de linha. Não usaremos helicóptero e nem mesmo
ônibus espacial. Não se trata de economia; queremos evidenciar o contraste entre um velho e
barulhento veículo e a moderna e elegante construção que é objeto de nossa visita.
10h – chegada ao shopping. Depois do deslumbramento inicial, o grupo adentrará o
recinto, o que deverá ser feito de forma organizada, sem tumulto, de maneira a não chamar a
atenção. Isto poderia resultar em incidentes desagradáveis.
10-12h – Visita às lojas. Este é o ponto alto de nosso tour, e para ele chamamos a
atenção de todos os participantes. Poderão observar os últimos lançamentos da moda
primavera-verão, os computadores mais avançados, os eletrodomésticos mais modernos.
Numa das vitrines será visualizado um relógio de pulso Bulgari custando aproximadamente
US$ 10 mil. Os nossos guias, sempre bem-informados, farão uma análise desta quantia.
Mostrarão que ela equivale a cem salários mínimos e que, portanto seriam necessários quase
dez anos para adquirir tal relógio. Tais condições oportunizarão uma reflexão sobre a
dimensão filosófica do tempo, muito necessária, a nosso ver – já que é objetivo da agência
não apenas o turismo banal, mas sim um alargamento do horizonte cultural de nossos clientes.
12-14h – Normalmente, este horário será reservado ao almoço. Considerando, contudo,
que o tempo é breve e custa caro (ver acima), propomos aos participantes um passeio pela
área de alimentação, onde teremos uma visão abrangente do mundo fast-food. Lembramos
que é proibido consumir os restos porventura deixados sobre a mesa ou mesmo caídos no
chão.
14-16h – Continuação de nossa visita. Serão mostrados agora os locais de diversão. Os
participantes poderão ver todos – repetimos todos – os cartazes dos filmes em exibição.
16h – Embarque em ônibus de linha com destino ao ponto de partida, isto é, o viaduto.
17h – Nenhum acidente acontecendo, chegada ao viaduto e fim de nossos serviços.
(O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001, p. 41-2.)
A literatura e suas funções
Você viu, pelos estudos anteriores, que a literatura é uma linguagem especial, carregada
de sentidos e capaz de provocar emoções e reflexão no leitor.
Conheça agora o que dizem os teóricos e especialistas em literatura sobre outras funções
que ela desempenha no mundo em que vivemos.
Literatura: comunicação, interlocução, recriação
Literatura é linguagem e, como tal, cumpre, juntamente com outras artes, um papel
comunicativo na sociedade, podendo tanto influenciar o público quanto ser influenciada por
ele.
O leitor de um texto literário ou o contemplador da obra de arte não é um ser passivo, que
apenas recebe a comunicação, conforme lembra o pensador russo Mikhail Bakhtin. Mesmo
situado em um tempo histórico diferente do tempo de produção da obra, ele também a recria e
atualiza os seus sentidos com base em suas vivências pessoais e nas referências artísticas e
culturais do seu tempo. Por outro lado, no momento em que está criando a obra, o artista já é
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influenciado pelo perfil do público que tem em mente. Isso se reflete nos temas, nos valores e
no tipo de linguagem que escolhe.
Literatura: a humanização do homem
Conheça agora o que teóricos e especialistas em literatura dizem sobre o papel que ela
desempenha no mundo em que vivemos.
LEITURA:
TEXTO I
Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre
quando pensamos no papel da literatura. A produção e a fruição desta se baseiam
numa espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia, que de certa forma é
coextensiva ao homem, por aparecer invariavelmente em sua vida, como indivíduo e
como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. E isto ocorre no
primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto. A
literatura propriamente dita é uma das modalidades que funcionam como resposta a
essa necessidade universal, cuja formas mais humildes e espontâneas de satisfação
talvez sejam coisas como a anedota, a adivinha, o trocadilho, o rifão. Em nível
complexo surgem as narrativas populares, os cantos folclóricos, as lendas, os mitos. No
nosso ciclo de civilização, tudo isto culminou de certo modo nas formas impressas,
divulgadas pelo livro, o folheto, o jornal, a revista: poema, conto, romance, narrativa
romanceada. Mais recentemente, ocorreu o boom (crescimento rápido, ação intensa)
das modalidades ligadas à comunicação oral, propiciada pela técnica: fita de cinema,
[...] história em quadrinhos, telenovelas. Isto, sem falar no bombardeio incessante da
publicidade, que nos assalta de manhã à noite, apoiada em elementos de ficção e de
poesia e em geral da linguagem literária.
Portanto, por via oral ou visual, sob formas curtas e elementares, ou sob
complexas formas extensas, a necessidade de ficção se manifesta a cada instante; aliás,
ninguém pode passar um dia sem consumi-la, ainda que sob a forma de palpite na
loteria, devaneio, construção ideal ou anedota. E assim se justifica o interesse pela
função dessas formas de sistematizar a fantasia, de que a literatura é uma das
modalidades mais ricas.
(Antonio Candido. “A literatura e a formação do homem”)
TEXTO II
Hoje já chegamos a uma época em que os romancistas e os poetas são olhados
como criaturas obsoletas, de priscas eras. No entanto, só eles, só a boa literatura
poderá evitar o tráfico final desta mecanização: o homem criando mil milhões, virando
máquina azeitada que age corretamente ao apertar do botão – estímulo adequado. A
Arte, e dentro dela a Literatura, é talvez a mais poderosa arma para evitar o
esclerosamento, para manter o homem vivo, sangue, carne, nervos, sensibilidade; para
fazê-lo sofrer, angustiar-se, sorrir e chorar. E ele terá então a certeza de que ainda está
vivo, de que continua escapando.
A Literatura é o retrato vivo da alma humana; é a presença do espírito na carne.
Para quem, às vezes, se desespera, ela oferece consolo, mostrando que todo ser
humano é igual, e que toda dor parece ser a única; é ela que ensina aos homens os
múltiplos caminhos do amor, enlaçando-os em risos e lágrimas, no seu sofrer
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semelhante; ela que vivifica a cada instante o fato de realmente sermos irmãos do
mesmo barro.
A moléstia é real, os sintomas são claros, a síndrome está completa: o homem
continua cada vez mais incomunicável (porque deturpou o termo Comunicação),
incompreendido e/ ou incompreensível, porque se voltou para dentro e se autoanalisa
continuadamente, mas não troca com os outros estas experiências individuais; está
“desaprendendo” a falar, usando somente o linguajar básico, essencial, e os gestos.
Não lê, não se enriquece, não se transmite. Quem não lê, não se enriquece, não se
transmite. Quem não lê, não escreve. Assim, o homem do século XX, bicho de concha,
criatura intransitiva, se enfurna dentro de si próprio, ilhando-se cada vez mais,
minando, pelas duas doenças do nosso tempo: individualismo e solidão.
(Ely Vieitez Lanes. Laboratório de literatura. São Paulo)
Literatura: o encontro do individual com o social
Segundo o escritor Guimarães Rosa, literatura é feitiçaria que se faz com o sangue do
coração humano. Isso quer dizer que a literatura, entre outras coisas, é também a expressão
das emoções e reflexões do ser humano.
Leia, a seguir, um poema do escritor africano José Craveirinha:
Grito negro
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
Eu serei o teu carvão, patrão!
7 ESTILOS DE ÉPOCA: ADEQUAÇÃO E SUPERAÇÃO
O ser humano se modifica através dos tempos: muda sua forma de pensar, de sentir e de
ver o mundo. Consequentemente, promove mudanças nos valores, nas ideologias, nas
religiões, na moral, nos sentimentos. Por isso, é natural que as obras literárias apresentem
características próprias do momento histórico em que são produzidas. Em certas épocas, por
exemplo, determinados temas podem ser mais explorados do que outros; já em outras épocas,
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os escritores podem estar mais interessados no trabalho formal com os textos do que nas
ideias, e assim por diante.
Ao conjunto de textos que apresentam certas características comuns em determinado
momento histórico, chamamos estilo de época ou movimento literário. Ao escrever, o
escritor recebe influências e sofre coerções do grupo de escritores do seu tempo, mas isso não
quer dizer que ele sempre se limite aos procedimentos comuns àquele grupo. Como a
literatura é um organismo vivo e dinâmico, o escritor está em constante diálogo não só com a
produção do grupo local, mas também com a produção literária de outros países, com a
literatura do passado e, mesmo sem saber, com a do futuro. Por isso, não é difícil os escritores
surpreenderem e levarem a literatura a uma situação completamente inusitada. Assim foi com
Camões em Portugal, com Cervantes na Espanha e com Machado de Assis e Guimarães Rosa
no Brasil.
Diálogos na tradição literária:
As relações entre o escritor e o público ou as relações entre o escritor e o seu contexto
não podem ser vistas de forma mecânica. Classificar um escritor como participante deste ou
daquele estilo de época geralmente é uma preocupação de natureza didática ou científica. Os
escritores nem sempre estão preocupados em escrever de acordo com este ou aquele estilo.
Além disso, entre uma época literária e outra, é comum haver uma fase de transição, um
período em que o velho e o novo se misturam. Machado de Assis, por exemplo, durante certo
tempo foi um escritor com traços românticos; depois os abandonou, dando origem ao
Realismo em nossa literatura.
Há escritores que não se ligam à tendência literária vigente em sua época, mas
produzem obras cuja originalidade chega a despertar, em autores de outras épocas, interesse
pelo mesmo projeto. Esses escritores, de épocas diferentes, mas com projetos artíst icos
comuns, não pertencem ao mesmo movimento, mas perseguem a mesma tradição literária. Por
exemplo, há escritores filiados à tradição gótica no Romantismo, no Simbolismo e na
atualidade.
Há ainda a situação de um autor estar muito à frente de seu tempo, o que lhe traz
problemas de reconhecimento. É o caso, por exemplo, do poeta Joaquim de Sousa Andrade,
mais conhecido por Sousândrade, que, apesar de ter vivido na época do Romantismo, foi
precursor daquilo que aconteceria cinquenta anos depois na literatura, ou seja, o modernismo.
Só a partir da década de 70 do século XX, o escritor teve sua importância reconhecida
definitivamente.
A literatura na escola
A literatura, bem como outras artes e ciências, independe da escola para sobreviver.
Apesar disso, dada sua importância para a língua e a cultura de um país, bem como para a
formação de jovens leitores, transformou-se em disciplina escolar em várias partes do mundo.
Na escola, há diferentes possibilidades de abordar e sistematizar o estudo da literatura:
Poe épocas, por temas, por gêneros, por comparações, etc. No Brasil, no último século, a
abordagem histórica da literatura, isto é, o estudo da produção literária dos principais
escritores e suas obras no transcorrer do tempo, tem sido a mais comum.
8 AS GRANDES ESCOLAS LITERÁRIAS
A história da Literatura Portuguesa e Brasileira caminham quase que lado a lado.
Literatura Portuguesa: Era Medieval, Clássica e Romântica.
Literatura Brasileira: Era Colonial e Nacional.
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OS GÊNEROS LITERÁRIOS
Gênero é o modo como se vincula a mensagem literária. Podem diferenciar-se pelo
conteúdo e pela forma.
FORMA- Poesia e Prosa
CONTEÚDO – Épico (narrativo), lírico e dramático.
GÊNERO ÉPICO:
Conteúdo: Narração de feitos heroicos, com ênfase nos atos de bravuras. Fatos ocorridos
numa determinada sequência e temporal.
Forma: Longos poemas – Epopeias.
Exemplo:
Vasco da Gama o forte Capitão,
Que tamanhas empresas se oferece
De soberba e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre favorece
Pera se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe parece.
Por diante passar determinava.
Mas não lhe sucedeu como cuidava.
(Camões)
GÊNERO LÍRICO:
Conteúdo: Expressão de aspectos pessoais, subjetivos, sentimentais, sempre envolvendo
emoção. Eu- poético: expressa emoções.
Forma: Poemas – sonetos, odes, baladas, elegias, canções.
Exemplo:
Maior amor nem mais estranho existe
que o meu, que não sossega a coisa amada
e quando a sente alegre fica triste
e se vê descontente, dá risada.
(Vinícius de Moraes)
GÊNERO DRAMÁTICO:
Conteúdo: representação de ações. Ênfase no diálogo.
As ações presentes (no palco), a representação de ações nas quais se chocam forças
oponentes, o conflito dos homens e seu mundo, o drama humano.
O tom dramático pode estar presente em textos em prosa, quando retratam esses conflitos, a
miséria ou o drama das personagens.
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Forma: Peças de teatro, novelas de TV, circo-teatro, shows, etc.
Exemplo:
(Pausa. Rudi está estranho)
STELLA – Cala a boca, Rudi.
RUDI – Stella, eu te amei muito, até demais. Mas era um sentimento primitivo, animal,
sem nenhuma lógica... Agora eu mudei.
STELLA – (Cada vez mais desesperada) Não! Você não mudou nada!
RUDI – Você me fez mudar.
STELLA – Tenta me ouvir, eu sou louca por você, sempre fui!
RUDI – Os minutos, as horas, a poeira que cai. O maldito tempo... Você tem que ir
embora.
STELLA – Não. Claro que não...
(Marcelo Paiva)
Unidade III – LITERATURA PORTUGUESA
Os períodos literários - mudanças históricas
As mudanças pelas quais as sociedades sofrem, de alguma forma, ficam registradas
entre os povos: sejam por tradições orais, escritas, por desenhos, objetos, costumes e outras
formas. Portanto, graças a esses registros conhece-se a trajetória dos homens no seu processo
histórico. Influenciados pelo contexto histórico, pela mudança da própria sociedade, esses
registros tomam, periodicamente, feições diferentes e recebem denominações específicas tais
como estilos de época, movimentos literários ou estéticas literárias. Registramos, aqui, de
forma sucinta, um pouco das raízes portuguesas na história brasileira.
As origens da literatura brasileira – era medieval em Portugal
Para conhecer o início da literatura brasileira é preciso conhecer, pelo menos de forma
sucinta, as origens da literatura portuguesa, pois enquanto colônia portuguesa, a fonte de
cultura brasileira era Portugal. A independência cultural foi sendo construída ao longo do
tempo. Os primeiros registros pertencem à Era Medieval.
1 O TROVADORISMO (1189 – 1418)
As primeiras manifestações literárias datam do século XII. A linguagem desses textos
era galego-português, pois na época havia uma integração linguística e cultural entre Portugal
e Galícia (hoje, Espanha). Historicamente, essa época coincide com a expulsão dos árabes da
Península Ibérica e com a formação do Estado português.
As produções que marcam esse período são predominantemente poesias, embora, o
registro de manifestações literárias compreendidas entre 1189 a 1418, caracterizam-se por
cantigas e novelas de cavalaria. Esse período corresponde à Idade Média. Essas poesias
eram cantadas e acompanhadas de instrumento e danças para entretenimento popular e nas
cortes, por isso denominadas cantigas. Os trovadores, pertencentes à nobreza, eram os
profissionais que criavam a letra e a música desses poemas. As cantigas dividiam-se em
líricas e satíricas.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
As líricas, com raízes na Península Ibérica e com traços da cultura árabe, compunham-
se em cantigas de amigo e cantigas de amor, representando, respectivamente o eu-lírico
feminino e masculino. As cantigas satíricas dividiam-se em cantigas de escárnio e maldizer.
Essas produções foram coletadas e passaram a compor os cancioneiros. Os principais
cancioneiros: Cancioneiro da Vaticana, Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca
Nacional.
Cantigas de Amigo – características
As Cantigas de Amigo têm suas origens na própria Península Ibérica, surgindo do sentimento
popular. Cronologicamente, são as mais antigas. Suas principais características são: autoria
masculina; sentimento feminino (voz lírica); origem: galego-português; ambiente rural
(popular); a mulher sofre pelo amigo (namorado, amante) ausente; a mulher é um ser mais
real e concreto e paralelismo (repetição do ultimo verso da estrofe anterior).
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo?
E ai Deus, se verra cedo!
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado?
E ai Deus, se verra cedo!
Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro?
E ai Deus, se verra cedo!
Se vistes meu amado,
por que ei gran coitado?
E ai Deus, se verra cedo!
Martim Codax
Cantigas de Amor – características
As Cantigas de Amor tiveram raízes na poesia provençal (Provença, sul da França) com
uma linguagem própria dos ambientes das cortes francesas, onde eram cantadas. Menos
musicalizadas, nessas cantigas o ‘eu-lírico’ é homem. Apresenta submissão à dama,
vassalagem humilde e paciente; sempre a amada é a mais bela e há promessa de servir;
idealização (elevação) à mulher.
Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo val.
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu ben
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.
Dom Dinis
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Cantigas de escárnio e maldizer
Compondo a literatura satírica, os poemas de escárnio e maldizer grande valor histórico
por registrar valores culturais, históricos e linguísticos da sociedade medieval portuguesa.
Essas produções expressavam um valor poético diferenciado: criticavam os costumes e
tinham como alvo cavaleiros, clérigos devassos, nobres covardes na guerra, prostitutas, as
soldadeiras e os próprios trovadores e jograis.
Cantiga de escárnio – características
Os trovadores não só expressam seu lirismo amoroso como também se preocupam em
ridicularizar os costumes da época, outros trovadores e até as mulheres. Sátiras indiretas;
críticas de forma indireta e velada, através de trocadilhos, da ambiguidade e xpressões
irônicas (sem revelar o nome da pessoa satirizada).
Ai, dona fea! Foste-vos queixar
que vos nunca louv'en meu trobar;
mas ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Ai, dona fea! Se Deus me pardon!
pois avedes [a] tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
João Garcia de Guilhade
Cantiga de Maldizer – características
A Cantiga de Maldizer caracteriza-se por ser uma crítica direta e mais grosseira que a de
escárnio. Suas principais características são: sátira direta com citação nominal do destinatário,
ofendendo-o explicitamente; tema predileto: adultério; palavras obscenas; erotismo e
maldade.
Maria Pérez se maenfestou
noutro dia, ca por [mui] pecador
se sentiu, e log'a Nostro Senhor
pormeteu, polo mal em que andou,
que tevess'um clérig'a seu poder,
polos pecados que lhi faz fazer
o Demo, com que x'ela sempr'andou.
Maenfestou-se ca diz que s'achou
pecador muit', e por en rogador
foi log'a Deus, ca teve por melhor
de guardar a El ca o que a guardou;
e mentre viva, diz que quer teer
um clérigo com que se defender
possa do Demo, que sempre guardou.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
E pois que bem seus pecados catou,
de sa mort'houv'ela gram pavor
e d'esmolnar houv'ela gram sabor;
e log'entom um clérigo filhou
e deu-lh'a cama em que sol jazer,
e diz que o terrá, mentre viver;
e est'afã todo por Deus filhou.
E pois que s'este preito começou
antr'eles ambos houve grand'amor
antr'ela sempr'[e] o Demo maior,
atá que se Balteira confessou;
mais, pois que vio o clérigo caer
antr'eles ambos, houv'i a perder
o Demo, des que s'ela confessou.
Fernão Velho
2 O HUMANISMO (1434 – 1527)
O Humanismo (do latim humanus, que significa “humano”) é o nome dado a uma
corrente filosófica e artística que, na literatura representou um período de transição (escola
literária) entre o Trovadorismo e o Classicismo, bem como da Idade Média para a Idade
Moderna.
O Humanismo Renascentista (XIV e XVI), nascido em Florença na Itália, foi um
movimento intelectual de valorização do homem, donde o antropocentrismo (homem como o
centro do mundo) era sua principal característica, em detrimento do teocentrismo da Idade
Média.
Note que o termo “Humanismo” possui uma grande dimensão na medida em que abriga
diversos concepções. No geral, corresponde ao conjunto de valores filosóficos, morais e
estéticos que focam no ser humano, daí surge seu nome. Em outras palavras, é uma ciência
que permitiu ao homem compreender melhor o mundo e o próprio ser, fato que durante o
período do Renascimento Cultural, resultou na crise do pensamento medieval.
Contexto histórico
Historicamente, o Humanismo corresponde a uma fase de profundas transformações
sociais: o desenvolvimento do comércio, o surgimento da burguesia e das cidades, a aliança
entre o rei e a burguesia (fermento das monarquias nacionais), o aparecimento da imprensa, a
divulgação da cultura clássica e as Grandes Navegações. O homem como centro e medida de
todas as coisas – posição já sustentada por Protágoras (séc. V, a.C.) e reforçada por Sócrates
ao considerar o homem como agente do conhecimento. Movimento intelectual: volta aos
valores da Antiguidade Clássica.
Durante o Humanismo, surgiu uma nova classe social, a burguesia, que era composta
por comerciantes oriundos do povo. Sua importância em fins do século XV foi tão grande que
o próprio Cristóvão Colombo só conseguiu as caravelas para descobrir as Américas porque foi
financiado pela burguesia.
Manifestações literárias do humanismo em Portugal
A literatura do Humanismo português produziu manifestações literárias nos diversos
gêneros: em prosa, desenvolveu-se principalmente a historiografia, cuja maior expressão foi
Fernão Lopes; na poesia, floresceu uma intensa atividade palaciana, documentada no
Cancioneiro geral, compilado pelo poeta Garcia Resende. Foi também nessa época que o
gênero dramático teve suas primeiras manifestações de vulto representadas pela obra de Gil
Vicente.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Poesia Palaciana
Foi chamada palaciana por ser feita por nobres e para a nobreza, retratando usos e
costumes da Corte. A principal modificação apresentada por essa poesia é a separação entre a
musica e o texto, o que resultou em um maior apuro formal: apresentava ritmo e melodia
próprios, obtidos a partir da métrica, da rima, das sílabas tônicas e átonas. Desenvolveram-se
as redondilhas, tanto a maior (verso de sete sílabas poéticas) quanto a menor (verso de cinco
sílabas poéticas).
Suas principais características são Compilada no Cancioneiro Geral, por Garcia de
Resende, 1516; Realizada na corte, destinava-se ao entretenimento da nobreza; Poesia frívola,
afetada e circunstancial; Poesia para ler (separada da música); O trovador é substituído pelo
poeta. A espontaneidade das cantigas medievais é substituída pelo uso dos versos
redondilhos: 5 sílabas (redondilha menor) e 7 sílabas poéticas (redondilha maior).
Composições de mote glosado: o poeta compõe o poema com base em um mote (tema),
sobre o qual desenvolve a sua glosa, constituída de voltas (estrofes) que retomam o tema um
ou mais versos do mote. Tema principal: o lirismo amoroso. O amor na poesia palaciana:
cortês, idealizado e sofrido (coyta) como nas cantigas de amor; repleto de paradoxos e
conflitos espirituais (influência da poesia de Petrarca).
A métrica da poesia palaciana
Uma característica marcante na poesia palaciana é a utilização de versos curtos de 5
sílabas e de 7 sílabas, chamados versos redondilhas.
Redondilha menor- 5 sílabas.
Ri/bei/ras/ do /mar,/
que/ tem/des/ mu/dan/ças,
as/ min/has/ lem/bran/ças
dei/xai/-as/ pas/sar./
Francisco de Sousa
Redondilha maior-7 sílabas
Se/ nho/ra,/ par/tem/ tão/ tris/tes
meus/ o/lhos / por /vós,/ meu /bem,/
que /nun/ca /tão/ tris/tes /vis/tes
ou/tros /ne/nhuns /por /nin/guém/
João Ruiz de Castelo Branco
Principais autores: Garcia de Resende, Bernardim Ribeiro, João Ruiz de Castelo Branco,
Luiz Vaz de Camões.
Cantiga sua partindo-se
Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
João Ruiz de Castelo Branco
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Prosa do período humanista
Fernão Lopes, primeiro grande prosador da Língua Portuguesa: nomeado por D. João I
de Avis a Guarda-Mor da Torre do Tombo (1418 – início do Humanismo em Portugal).
Encarregado de contar a história dos reis de Portugal. Autor de 3 crônicas: Crônica de El-Rei
D. Pedro, Crônica de El-Rei D. Fernando e Crônica de El-Rei D. João.
Características das crônicas de Fernão Lopes: imparcialidade, pesquisa, investigação,
espírito crítico; visão de conjunto da sociedade portuguesa da época, ao invés de exaltar a
figura individual dos monarcas; critica a corrupção e as intrigas palacianas; nacionalismo;
linguagem sóbria, cuidada; apresentação vibrante dos fatos, plasticidade cinematográfica das
descrições; densidade dos retratos psicológicos dos vultos do passado; escrita caudalosa.
Crônica de El-Rei D. Pedro (fragmento)
A Portugal foram trazidos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho. Chegaram a Santarém
onde estava el-rei D. Pedro, e este com prazer de sua vinda, embora irritado porque Diego
Lopes fugira, saiu fora a recebê-los. E sa-nha cruel sem piedade lhes fez pela sua mão meter
a tormento, querendo que lhe confessassem quem e que participara na morte de D. Inês, e
que é que o seu pai tratava contra ele quando andavam desavindos por causa da morte dela.
Nenhum deles respondeu a tais perguntas cousa que agradasse a el-rei, e dizem que ele
ressentido deu um açoite no rosto a Pero Coelho. Este soltou-se então em desonestas e feias
palavras contra el-rei, chaman-do-lhe traidor, perjuro, algoz e carniceiro dos homens. El-rei,
dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre para o coelho, enfadou-se deles e mandou-os
matar.
A maneira da morte deles dita pelo miúdo seria muito estranha e crua de contar,
porque a Pero Coelho mandou arrancar o coração pelo peito, e a Álvaro Gonçalves, pelas
espáduas. E tudo o que se passou seria cousa dolorosa de ouvir. Finalmente el-rei mandou-os
queimar. E tudo feito diante dos paços em que ele estava, de maneira que, enquanto comia,
olhava o que mandava fazer.
Muito perdeu el-rei de sua boa fama por tal troca como esta, a qual foi tida em
Portugal e em Castela por muito grande mal, dizendo todos os bons que a ouviam, que os reis
erraram muito, faltando à sua verdade, visto que estes cavaleiros estavam açoitados em seus
reinos com garantia.
(As Crônicas de Fernão Lopes, selecionadas e transpostas em português moderno. Antônio José Saraiva, Lisboa,
Gradiva, 3- edição, 1993, p. 52)
O teatro de Gil Vicente
Gil Vicente foi um poeta e dramaturgo português. É considerado, por muitos estudiosos,
como o pioneiro do teatro português. Sua obra mais conhecida é " A farsa de Inês Pereira".
Suas obras marcam a fase histórica da passagem da Idade Média para o Renascimento (século
XVI).
O teatro na Idade Média era dividido em encenações litúrgicas (voltadas para a
catequese) e profanas (realizadas na corte ou nas grandes festas populares).
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O teatro litúrgico era chamado com o nome genérico de auto, podendo apresentar a
dramatização de passagens da Bíblia (mistérios), da vida dos santos (milagres) ou a denúncia
de comportamentos pecaminosos (moralidades).
O teatro profano era representado, sobretudo, pela farsa, espécie de comédia repleta
de personagens caricaturescas, exageradas, envolvidas e situações ridículas e desastrosas.
O teatro profano era representado, sobretudo, pela farsa, espécie de comédia repleta
de personagens caricaturescas, exageradas, envolvidas e situações ridículas e desastrosas.
Sobre o teatro de Gil Vicente
Gil Vicente serviu-se dos dois principais gêneros teatrais de seu tempo: o auto
(litúrgico) e a farsa (profana, cômica).
Dois tipos de peças:
– peças de ação fragmentária: sem ligação entre as cenas (Auto da barca do
inferno);
– peças de enredo: desenvolvem uma trama (Farsa de Inês Pereira).
• Dois tipos de personagens:
– Personagens-tipo: representam toda uma classe social (o Fidalgo, o Frade, o Juiz, o
Cavaleiro,... do (Auto da barca do inferno);
– Personagens alegóricas: personificam ideias ou instituições (Todo-o-Mundo,
Ninguém, do Auto da Lusitânia).
Características do teatro vicentino
Suas peças revelam o bifrontismo humanista: fortes resíduos medievais somados a
antecipações renascentistas;
Uma visão teocêntrica e conservadora da sociedade aliada a uma aguçado espírito
crítico, que não poupa os excessos do clero da época;
As críticas de seu teatro não se dirigem às instituições (Monarquia, Nobreza, Igreja,
Clero), mas contra os indivíduos que as corrompiam;
Convivência de figuras bíblicas com divindades mitológicas greco-romanas;
Toda a sociedade portuguesa do século XV encontra-se retratada nas peças
gilvicentinas: reis, bispos, mendigos, beberrões, nobres orgulhosos, judeus, ciganos,
mouros, negros, soldados, comerciantes, artesãos, agiotas, camponesas ingênuas,
damas da corte, esposas infiéis, etc.
Gil Vicente é considerado, por muitos estudiosos, como o pioneiro do teatro português.
Suas obras mais conhecidas são Auto da Lusitânia, Auto da Barca do Inferno, A farsa de Inês
Pereira, entre outras. Suas obras marcam a fase histórica da passagem da Idade Média para o
Renascimento.
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Auto da Lusitânia (fragmento)
Cortesão Vosso pai é cá senhora?
Lediça Que lhe quereis vós dizê?
Cortesão Pregunto a vossa mercê.
Lediça Per i saiu ele fora
arrecadar nam sei quê.
Quereis-lhe algũa coisa?
Havei-lo mester senhor?
Cortesão Tem ele muito lavor?
Lediça De ventura nam repoisa
nem sossega o pecador.
Cortesão Vossa mãe é também fora?
Lediça Mas em cima está cosendo
e eu ando isto fazendo.
Cortesão Nam devia tal senhora
como vós d’andar varrendo
senam infiar aljofre
e perlas orientais
nam sei como isto se sofre.
Lediça Minha mãe tem no seu cofre
duas voltas de corais.
Cortesão Senhora sam cortesão
e da linagem de Eneas
e por vossa inclinação
folgara de ser de Abraão
sangue de minhas veas.
Mas vosso e nam de ninguém
é tudo o que está comigo
e quero-vos grande bem.
Lediça Bem vos queira Deos amém
quereis oitra coisa amigo?
Cortesão Temo muito que me leixe
vosso amor pobre coitado
de favor com que me queixe.
Lediça Lançai na sisa do peixe
e logo sões remediado.
[...]
3 O RENASCIMENTO (1527-1580)
Teve seu início no século XV e estendeu-se até meados do século XVI e é marcado pela
supervalorização do homem e pelo antropocentrismo, em oposição ao teocentrismo e
misticismo.
Há uma retomada das ideias greco-romanas; o artista não se contenta em apenas
observar a natureza, mas procura estudá-la e imitá-la; valoriza-se a individualidade do artista,
em contraposição à coletividade das obras clássicas.
É nesse período que a identidade nacional lusitana começou a ser definida nos séculos
em meio à ambiência da expansão marítima, que implicou a formação de um imenso império
ultramarino.
Os autores da Antiguidade Clássica só começaram a ser reconhecidos em Portugal no
fim da Idade Média e só se pode falar de um estilo renascentista a partir de 1527, ano em que
o poeta Sá de Miranda regressou da Itália com a Literatura Renascença italiana. Porém, foi
Luís de Camões que aprimora essas novas técnicas poéticas.
Este período ficou conhecido como Classicismo e os escritores introduziram em suas
obras temas pagãos, além do ideal do amor platônico, a exaltação do antropocentrismo, a
imitação de autores clássicos, a predominância da ciência e da razão, o uso da mitologia,
clareza e objetividade, uso de linguagem simples e precisa, o culto da beleza e da perfeição. Essa ambiência passou a suscitar uma organização narrativa dos grande feitos portugueses.
Essas narrativas passaram a ser feitas por grandes poetas, como Luís de Camões, que, em seu poema épico Os Lusíadas, conta toda a história de Portugal desde as origens até meados do século XVI,
como bem se explicita logo nas duas primeiras estrofes do poema:
Os Lusíadas (fragmento)
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
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Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Luís Camões
Luís Vaz de Camões (1524 – 1580) publicou em 1572 Os Lusíadas, poema épico organizado
em: Proposição, Invocação, Dedicação, Narração e Epílogo. Além do poema épico, Camões
ficou conhecido por seus poemas líricos, em que buscava o amor espiritual e expunha as
contradições do coração. Sua poesia lírica toma dois sentidos: popular (redondilhas) e erudita
(sonetos).
Soneto
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
Luís de Camões
Além da obra de Camões, há outro grande poeta português da época do Renascimento,
Francisco Sá de Miranda, que foi o responsável pela introdução da estrutura do soneto (dois
quartetos – estrofes de quatro versos – e dois tercetos – estrofes de três versos) na língua
portuguesa a partir de uma matriz renascentista italiana chamada Dolce Stil Nuovo, que teve
na figura de Petrarca o seu principal representante.
4 BARROCO EM PORTUGAL (1580 – 1756)
Barroco em Portugal Em Portugal, o Barroco ou também chamado Seiscentismo (por ter
sido estilo que teve início no final do século XVI), tem como marco inicial a Unificação da
Península Ibérica sob o domínio espanhol em 1580 e se estenderá até por volta da primeira
metade do século XVIII, quando ocorre a Fundação da Arcádia Lusitana, em 1756 e tem
início o Arcadismo.
O Barroco corresponde a um período de grande turbulência político-econômica, social,
e principalmente religiosa. A incerteza e a crise tomam conta da vida portuguesa. Fatos
importantes como: o término do Ciclo das Grandes Navegações, a Reforma Protestante,
liderada por Lutero (na Alemanha) e Calvino (na França) e o Movimento Católico de Contra-
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Reforma, marcam o contexto histórico do período e colaboram com a criação do “Mito do
Sebastianismo”, crença segundo a qual D.Sebastião, rei de Portugal (aquele a quem Camões
dedicou Os Lusíadas), não havia morrido, em 1578, na Batalha de Alcácer Quibir, mas que
estava apenas “encoberto” e que voltaria para transformar Portugal no Quinto Império de que
falam as Escrituras Sagradas). D. João é visto como o novo messias, o novo salvador.
Mas o que vem a ser a palavra Barroco? Não há um consenso quanto à sua origem. A
mais aceita diz que o termo deriva da palavra Barróquia, nome de uma região da Índia, grande
produtora de uma pérola de superfície irregular e áspera com manchas escuras, conhecida
pelos portugueses como barroco. Aproximando-se assim do estilo, que segundo os clássicos
era um estilo “irregular”, “defeituoso”, de “mau gosto”. Lembre-se de que a tradição clássica
era marcada pela busca da perfeição e do equilíbrio.
Vejamos quais são as principais características barrocas:
Dualismo = O Barroco é a arte do conflito, do contraste. Reflete a intensificação do
bifrontismo (o homem dividido entre a herança religiosa e mística medieval e o espírito
humanista, racionalista do Renascimento). É a expressão do contraste entre as grandes forças
reguladoras da existência humana: fé x razão; corpo x alma; Deus x Diabo; vida x morte, etc.
Esse contraste será visível em toda a produção barroca, é frequente o jogo, o contraste de
imagens, de palavras e de conceitos. Mas o artista barroco não deseja apenas expor os
contrários, ele quer conciliá-los, integrá-los. Daí ser frequente o uso de figuras de linguagem
que buscam essa unidade, essa fusão.
Fugacidade = De acordo com a concepção barroca, no mundo tudo é passageiro e
instável, as pessoas, as coisas mudam, o mundo muda. O autor barroco tem a consciência do
caráter efêmero da existência. Pessimismo = Essa consciência da transitoriedade da vida
conduz frequentemente à ideia de morte, tida como a expressão máxima da fugacidade da
vida. A incerteza da vida e o medo da morte fazem da arte barroca uma arte pessimista,
marcada por um desencantamento com o próprio homem e com o mundo.
Feísmo = No Barroco encontramos uma atração por cenas trágicas, por aspectos cruéis,
dolorosos e grotescos. As imagens freqüentemente são deformadas pelo exagero de detalhes.
Há nesse momento uma ruptura com a harmonia, com o equilíbrio e a sobriedade clássica. O
barroco é a arte dos contrastes, do exagero.
Tensão religiosa = Intensifica-se no Barroco, aspectos que já vinham sendo percebidos
no Humanismo e no Classicismo:
Antropocentrismo X Teocentrismo
A igreja católica, através da Contra-Reforma, tenta recuperar o teocentrismo medieval
(Deus como centro de todas as coisas) e o homem barroco não deseja perder a visão
antropocêntrica renascentista (O homem como o centro de todas as coisas), assim o Barroco
tenta atingir a síntese desses valores, ou seja, tenta conciliar razão e fé, corpo e alma,
espiritualismo e materialismo. Poderíamos dizer que seria, em outras palavras, a
racionalização da fé, a busca da salvação através da lógica. O Barroco apresenta duas faces:
Cultismo E Conceptismo.
Cultismo: Corresponde ao jogo de palavras e imagens visando ao rebuscamento da
forma do texto, à ornamentação e à erudição vocabular. Nessa vertente barroca é comum o
uso exagerado das figuras de linguagem, como metáforas, antíteses, hipérboles, hipérbatos,
entre outras. O cultismo também é chamado de Gongorismo, por ter sido muito influenciado
pelo poeta espanhol Luís de Gôngora.
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Conceptismo: Corresponde ao jogo de ideias e de conceitos, pautado no raciocínio
lógico, visando ao convencimento à argumentação. O conceptismo também é chamado de
Quevedismo, por ter sido muito influenciado pelo também espanhol, Francisco Quevedo.
O jogo não só de ideias, mas também de palavras pode ser compreendido sob dois
aspectos: um primeiro e mais visível relaciona-se ao próprio espírito de contradição do
Barroco e um segundo e mais sutil, relaciona-se à necessidade que os poetas tinham de
escapar da rígida censura da Inquisição, daí o uso exagerado das metáforas (figura de
linguagem usada para sugerir ideias de maneira sutil).
Padre Antônio Vieira é sem dúvida o grande nome do Barroco em Portugal. Por ter
passado boa parte de sua vida no Brasil, alguns estudiosos costumam dizer que ele,
juntamente com Gregório de Matos, é representante do Barroco brasileiro. Entretanto, como
mostram outros autores, não podemos esquecer que mesmo escrevendo no e sobre o Brasil, o
seu ponto de vista era sempre o do defensor dos interesses do intelectual europeu.
O Sermão da Sexagésima é uma de suas principais obras. Nela, Padre Antônio Vieira
faz uma série de reflexões a respeito da arte de pregar, constituindo-se assim uma obra
metalinguística ou seja, utilizasse do próprio sermão para ensinar como fazê-lo, sempre
condenando os exageros do cultismo. Vieira era contrário aos que se preocupavam apenas
com as palavras, esquecendo-se da Palavra de Deus, com letra maiúscula.
O Sermão da Sexagésima (fragmento)
Padre Antônio Vieira
Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três
princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para
uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de
concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o
entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um
homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem
espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite,
não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos.
Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si
mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O
pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a
graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a
conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do
pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte,
ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de
fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. [...]
5 O NEOCLASSICISMO PORTUGUÊS (1756 – 1825)
Arcadismo vem da palavra Arcádia – região do Peloponeso na Grécia – considerada
região de morada dos deuses. Lá habitavam pastores que, além do pastoreio, se dedicavam à
poesia.
As arcádias portuguesas foram grupos de poetas que queriam redescobrir o equilíbrio e
a sabedoria da antiguidade greco-latina, também chamada de clássica. Daí, então, o nome
Neoclassicismo.
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Entendendo o Contexto
A luz da razão volta a brilhar forte sobre a Europa do século XVIII. O cientista olha
para o céu e se pergunta sobre a configuração das estrelas, o filósofo questiona o direito da
nobreza a uma vida privilegiada. Assim, razão e ciência iluminam a trajetória humana,
explicando fenômenos e propondo novas formas de organizar a sociedade.
O Iluminismo (O século das luzes)
Conjunto de tendências ideológicas, filosóficas e científicas desenvolvidas no século
XVIII, como consequência da recuperação de um espírito experimental, racional, que buscava
o saber enciclopédico.
O Neoclassicismo, também conhecido como Arcadismo, foi um movimento literário
formado por artistas e intelectuais que se concentraram no combate à mentalidade religiosa e
à arte barroca através do resgate do racionalismo e do equilíbrio do Classicismo do século
XVI.
Principais características
1. Equilíbrio – Os árcades propunham o retorno ao modelo clássico porque neles
encontravam o equilíbrio dos sentimentos por meio da razão. Essa razão é a força
controladora dos excessos.
No Neoclassicismo, a linguagem simples, sem muitas figuras de linguagem, combatia,
então, os exageros do Barroco.
2. Bucolismo – Inspirados pelo preceito do poeta latino Horácio, (fugere urbem) fugir da
cidade, os árcades acreditavam que somente em contato com a natureza o homem poderia
alcançar o equilíbrio, a sabedoria e a espiritualidade. Em seus poemas, os árcades
apresentavam temas ligados a cenários de vida no campo. No entanto, os poetas continuavam
na cidade e usavam a natureza como moldura para seus poemas.
3. Convencionalismo – Frases feitas, clichês, lugar comum. Combate ao rebuscamento do
Barroco. Os árcades usam expressões como: Campos verdes, árvores frondosas, ovelhas e
gado, dias ensolarados, regatos de água cristalina, aves que cantam.
Carpe diem (aproveite o dia)
Diferentemente do Barroco que via o carpe diem como referência à fugacidade da vida,
no Arcadismo o pastor chama a amada para que juntos aproveitem o dia e os momentos.
O século XVIII representou para Portugal o início de um processo de modernização
econômica, política, administrativa, educacional e cultural. A produção cultural foi ampla e
variada, incentivada pelas academias literárias árcades.
Manuel Maria du Bocage foi a principal expressão literária desse período. Com uma
vida marcada por conflitos e desilusões, sua trajetória literária começou em 1793, com seu
primeiro volume das “Rimas”.
Poesia lírica – presa aos valores do Arcadismo (pastores, cenas naturais);
Poesia satírica – voltada principalmente contra o absolutismo político e religioso;
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Poesia erótica – muito censurada, marcada por uma linguagem direta, maliciosa, trazendo,
muitas vezes, cenas de atos obscenos.
Poesia ecomiástica – destinada à bajulação.
Soneto de todas as putas
Bocage
Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas te em reinado:
Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleopatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,
O teu conno não passa por honrado:
Essa da Russia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques, pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
6 O ROMANTISMO EM PORTUGAL (1825 – 1865)
O Romantismo floresceu em todos os países ocidentais. Em Portugal, a tendência se
desenvolveu a partir de 1836, nessa época o país passava por uma profunda crise econômica,
política e social. A situação do país se agravava com a invasão napoleônica e a independência
econômica do Brasil, em 1820, iniciou-se uma revolução liberal para a modernização do país.
O advento do Romantismo em Portugal vem apenas confirmar a diluição do Arcadismo.
Portugal é reflexo dos dois acontecimentos que marcaram e mudaram a face da Europa na
segunda metade do século XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial,
responsáveis pela abolição das monarquias aristocratas e pela introdução da burguesia que
então, dominara a vida política, econômica e social da época. A luta pelo trono em Portugal se
dá com veemência, gerando conturbação e desordem interna na nação.
Com isso, Almeida Garrett acaba por exilar-se na Inglaterra, onde entra em contato com
a Obra de Lord Byron e Scott. Ao mesmo tempo, por estar presenciando o Romantismo
inglês, envolve-se com o teatro de William Shakespeare.
Em 1825, Garrett publica a narrativa Camões, inspirando-se na epopeia Os Lusíadas. A
narrativa deste autor é uma biografia sentimental de Luís de Camões.
Este poema é considerado introdutor do Romantismo em Portugal, por apresentar
características que viriam se firmar no espírito romântico: versos decassílabos brancos,
vocabulário, subjetivismo, nostalgia, melancolia, e a grande combinação dos gêneros
literários.
Características: O Romantismo foi encarado como uma nova maneira de se expressar,
enfrentar os problemas da vida e do pensamento. Esta escola repudiava os clássicos, opondo-
se às regras e modelos, procurando a total liberdade de criação, além de defender a
“impureza” dos gêneros literários. Com o domínio burguês, ocorre a profissionalização do
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escritor, que recebe uma remuneração para produzir a obra, enquanto o público paga para
consumi-la.
Em 1836, as ideias românticas começaram a fluir, foram levadas da França e da
Inglaterra pelos emigrados durante a revolução. Em Portugal, podemos considerar a existência
de duas gerações românticas:
Primeira Geração: marcada por preocupações históricas e políticas; nela se destacam
Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho.
Trecho de "Eurico, o presbítero" – Alexandre Herculano
E Hermengarda sentia ao contacto daquela mão fria e trémula apertando a sua,
no acento dessas frases, tempestuosas como o oceano, tristes como céu proceloso, que
lá, no peito do vulto que tinha ante si, havia um coração de homem vivo, onde chaga
antiga e cancerosa vertia ainda sangue.
A espécie de pesadelo em que se debatia desaparecera com a realidade. O
repentino impulso da sua alma foi lançar-se nos braços de Eurico. Fora ele o objecto
do seu quase infantil e único amor, amor condenado ao silêncio antes do primeiro
suspiro, antes do primeiro volver de olhos; era ele o cavaleiro negro, cujo nome se
tornara conhecido e glorioso por todos os ângulos da Espanha; era ele, finalmente, o
homem que duas vezes acabava de salvá-la. Reteve-a, todavia, o pudor e, talvez, aquela
misteriosa tristeza que escurecia as ideias desordenadas vindas de tropel aos lábios do
guerreiro. Procurando asserenar a violência dos afectos que a agitavam, Hermengarda
respondeu com uma voz fraca e trémula:
— Bendita a mão do Senhor, que te salvou, Eurico, leal e nobre entre os mais
nobres e leais filhos dos Godos! Graças à piedade do céu, que por meio de tantas
desventuras e perigos nos uniu nos paços que restam ao filho do duque de Cantábria!
No devanear do terror revelei-te, sem querer, o segredo do meu coração: a sua
história, ouviste-a. Perdoa à memória de meu pai, e, se de mim depende a tua
felicidade, as palavras que me saíram involuntariamente da boca te asseguram que
serás feliz. O orgulho que a ambos nos fez desgraçados não o herdou Pelágio. Que o
herdasse, mal caberia nestas brenhas, na caverna dos fugitivos. E depois, que nome há
hoje na Espanha mais ilustre que o do cavaleiro negro, o nome de Eurico?
Morreres?!... Oh, não! Salvaste Hermengarda do opróbrio: se nunca te houvera
amado, ela te diria como te diz hoje: sou tua, Eurico!
Segunda Geração: as características românticas estão definidas e amadurecidas; nela se
destacam Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, Soares dos Passos e João de Deus.
Trecho de "Amor de Perdição" – Camilo Castelo Branco.
As onze horas em ponto estava Simão encostado á porta do quintal, e a distância
convencionada o arreeiro com o cavalo à rédea. A toada da música, que vinha das
salas remotas, alvoroçava-o, porque a festa em casa de Tadeu de Albuquerque o
surpreendera. No longo termo de três anos nunca ele ouvira música naquela casa. Se
ele soubesse o dia natalício de Teresa, espantara-se menos da estranha alegria
daquelas salas, sempre fechadas como em dias de mortório. Simão imaginou
desvairadamente as quimeras que voejam, ora negras, ora translúcidas, em redor da
fantasia apaixonada. Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas
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ilusões, quando o amor as inventa. Simão Botelho, com o ouvido colado à fechadura,
ouvia apenas o som das flautas, e as pancadas do coração sobressaltado.
[...]
7 O REALISMO E O NATURALISMO EM PORTUGAL (1865 – 1890)
Já sabemos que a segunda metade do século XIX é marcada por uma grave crise em
Portugal. Imerso em situação de grande atraso, o país contempla uma Europa renovada no
plano político, social, econômico e cultural. Não apenas contempla, mas se vê invadido pelas
novas conquistas do velho mundo, já que uma juventude operosa e inteligente está atenta
àquilo que lhes chega - em 1864, Coimbra se ligava à rede europeia de caminho-de-ferro -
principalmente de França. O surgimento de uma evolução tecnológica e, por decorrência,
cultural tende a esvaziar os ideais românticos que prevaleceram por quase 40 anos.
É nesse ambiente que floresce a "Geração de 70", influenciada pelos modelos franceses
buscados em Balzac, Stendhal, Flaubert e Zola.
Os jovens acadêmicos portugueses absorvem as novas teorias, tais como o Determinismo de
Taine, o Socialismo "utópico" de Proudhon, o Positivismo de Auguste Comte, além do
Evolucionismo de Darwin, entre outras novidades no campo das Ciências e da Filosofia:
O Determinismo de Taine, segundo o qual o Homem - e seu comportamento e,
portanto, a Arte - está condicionado a três fatores: a herança (determinismo biológico
ou hereditário); o meio (determinismo social ou mesológico) e o momento
(determinismo histórico);
O Positivismo de Auguste Comte, que defendia a existência da razão e da ciência
como fundamentais para a vida humana, pregando uma atitude voltada para o
conhecimento positivo, concreto e objetivo da realidade;
O Criticismo e o Anticlericalismo de Renan, que pregava uma revisão do papel
histórico da igreja católica, apontando-a como "mistificadora da verdadeira fé";
O Socialismo "utópico" de Proudhon, que propunha a organização de pequenos
produtores em associações de auxílio mútuo, calcado em ideias antiburguesas e
antirreligiosas;
O Evolucionismo de Darwin, entre outras novidades no campo das Ciências e da
Filosofia.
Características do Realismo-Naturalismo em Portugal
O Realismo-Naturalismo implica o distanciamento da subjetividade para o escritor.
Aprofunda a narração de costumes contemporâneos da primeira metade do século XIX e de
todo o século XVIII. Desnudam-se as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima;
e buscam-se para ambas causas naturais ou culturais. O escritor se sente no dever de descobrir
a verdade de suas personagens, no sentido positivista dissecar os motivos de seu
comportamento.
Estreitando o horizonte das personagens e de seu comportamento nos limites de um
acontecimento, o romancista acaba recorrendo, com frequência, ao tipo e à situação típica. A
procura do típico leva, muitas vezes, o escritor ao caso, e, daí, ao patológico. Em termos de
construção, ocorre uma "limpeza" do processo expressivo, com a eliminação dos exageros
românticos.
Assim, do Romantismo ao Realismo, há uma passagem do idealizante ao factual, que
pode ser esquematizada nas seguintes características:
Objetividade: exame da realidade exterior ao indivíduo, realidade sem o intermédio da
imaginação e do sentimentalismo;
Racionalismo: a inteligência como único meio para a compreensão da realidade
objetiva;
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Universalismo, impessoalismo: busca da verdade universal, impessoal, captada pelos
sentidos e pela inteligência, e só aceita quando passível de ser testada, examinada,
experimentada;
Arte compromissada, engajada: crítica, análise e denúncia da sociedade;
Contemporaneísmo: arte voltada para o seu próprio tempo, para os problemas de sua
época;
Antiburguesismo, anticlericalismo, antitradicionalismo, antimonarquismo;
Preocupação formal: busca de clareza, de equilíbrio, de concisão no estilo, enxuto e
limpo;
Lentidão da narrativa: descrições minuciosas, morosas, pormenorizadas das
personagens - o plano da ação e da narrativa em segundo lugar;
Linguagem predominantemente denotativa, com privilégio da metonímia em
detrimento da metáfora;
Exaltação sensorial, linguagem sinestésica: só é verdadeiro o que pode ser captado
sensorialmente.
Embora fossem contemporâneos e muitas vezes se tenham "interpenetrado", o Realismo
e o Naturalismo apresentaram diferenças no enfoque dado ao tratamento dos assuntos e
características próprias:
Realismo – a "humanização" das personagens:
o psicologismo: análise psicológica das personagens, esféricas, dinâmicas;
o "humanização" das personagens: a mulher, geralmente adúltera e pecaminosa;
o homem, fraco e covarde;
o enfoque da burguesia como classe social;
o fotografia objetiva da realidade;
o romance de "interpretação aberta", deixando ao leitor a tarefa de tirar suas
próprias conclusões.
Naturalismo - a "zoomorfização" das personagens:
o abordagem científica da sociedade e dos atos humanos, com o privilégio dos
aspectos doentios, patológicos, defeituosos e o afastamento do psicologismo e
da profundidade realistas, a fim de examinar o plano científico e biológico;
o personagens degradadas, párias da sociedade, vistas como "produto da raça e
do meio", não raro sublevadas à categoria animal, agindo por instinto, num
processo conhecido como zoomorfização das personagens, através de
comparações entre o homem e o animal;
o exame das classes inferiores, do proletariado, dos marginalizados;
o enfoque dos aspectos torpes e degradantes da realidade;
o romance de tese, experimental, calcado na experimentação científica, com
preocupação social e política.
Uns dos principais autores e Obras do Realismo e o Naturalismo em Portugal foram
Eça de Queiroz: O Crime do Padre Amaro; O Primo Basílio; O Mandarim; A Relíquia; Os
Maias; A Ilustre Casa de Ramires; Correspondência de Fradique Mendes; A Cidade e as
Serras; A Tragédia da Rua das Flores. Antero de Quental: Sonetos de Antero; Beatrice e Fiat
Lux; Primaveras Românticas; Odes Modernas; Bom Senso e Bom Gosto; Sonetos Completos;
Raios de Extinta Luz e Guerra Junqueiro: A musa em férias; Os simples; A velhice do
Padre Eterno.
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O Crime do Padre Amaro (fragmento) – Eça de Queiroz
“Depois dos primeiros desesperos, desabafos em patadas no soalho e blasfêmias de que
pedia logo perdão a Nosso Senhor Jesus Cristo, quis serenar, estabelecer a razão das coisas.
Aonde o levava aquela paixão? Ao escândalo. E assim, casada ela, cada um entrava no seu
destino legitimo e sensato - ela na sua família, ele na sua paróquia. Depois, quando se
encontrassem, um cumprimento amável; e ele poderia passear a cidade com a sua cabeça
bem direita, sem medo dos apartes da Arcada, das insinuações da gazeta, das severidades de
sua excelência e das picadinhas da consciência! E a sua vida seria feliz. - Não, por Deus! a
sua vida não poderia ser feliz sem ela! Tirado à sua existência aquele interesse das visitas à
Rua da Misericórdia, os apertozinhos de mão, a esperança de delicias melhores - que lhe
restava a ele? Vegetar, como um dos tortulhos nos cantos úmidos da Sé! E ela, ela que o
entontecera com os seus olhinhos e as suas maneirinhas, voltava-lhe as costas mal lhe
aparecia outro, bom para marido, com 25$000 por mês! Todos aqueles suspiros, aquelas
mudanças de cor - chalaça! Mangara com o senhor pároco!” (,,,)
Nirvana
Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;
Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;
Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!
Antero de Quental
8 PARNASIANISMO EM PORTUGAL (1882-1893)
O parnasianismo em Portugal foi um movimento literário restrito baseado no
parnasianismo francês e no lema “arte pela arte”. O poeta João Penha (1838-1919) é
considerado o introdutor do movimento no país.
Além dele, outros escritores portugueses que se destacaram com a produção de uma
poética parnasiana foram: Gonçalves Crespo (1846-1883), António Feijó (1859 - 1917) e
Cesário Verde (1855-1886)
Vale lembrar que o parnasianismo foi um movimento literário, especialmente poético,
com origens no século XIX, na França.
Oposto aos ideais românticos, ele surge numa época de profundas transformações da
sociedade europeia com o avanço tecnológico, descobertas científicas e a revolução industrial
inglesa.
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Principais Características
Linguagem objetiva e impessoal
Descrição visual
Estilo ornado e culto
Preocupação com a estética
Perfeição formal
Metrificação e versificação
Preciosismo (palavras e rimas raras)
Espírito científico
Temas da realidade cotidiana
Valorização dos temas clássicos
Preferência pelas formas poéticas fixas (soneto)
Principais autores: João Penha (1838-1919), Gonçalves Crespo (1846-1883): António
Feijó (1859-1917) e Cesário Verde (1855-1886).
Eu e Ela
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más idéias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distração,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiro,
Formando unicamente um coração.
Beatos ou apagãos, via à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavaleiro de Faublas...
Cesário Verde
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9 O SIMBOLISMO EM PORTUGAL (1890 – 1915)
O marco do Simbolismo em Portugal é a publicação da obra Oaristos (1890), livro de
poemas de Eugênio de Castro.
O movimento literário, contudo, já influenciava Portugal a partir das revistas
acadêmicas "Os Insubmissos" e "Boêmia Nova" que tinham entre seus colaboradores os
autores Eugênio de Castro e Antônio Nobre.
O Simbolismo prolonga-se até a Proclamação da República, em 1910, sob a influência
da nova realidade política. O fim do movimento ocorre, porém, em 1915, no meio da Primeira
Guerra Mundial, o marco cronológico do Modernismo em Portugal. É nesse contexto que
Mário Sá-Carneiro e Fernando Pessoa lançam a revista "Orpheu".
O movimento Simbolismo em Portugal está intimamente ligado ao estado de depressão
que domina a sociedade em consequência da crise da monarquia, da crise econômica e
financeira e do ultimato inglês.
O ultimato inglês ocorre a partir de 1870, quando a Inglaterra inicia o plano
expansionista com o lema: um domínio do Cabo do Cairo.
Autores e Obras
Eugênio de Castro (1869 - 1944) – A obra de Eugênio de Castro é dividida em duas fases: a
simbolista e a neoclassicista. E o autor de Oaristos, marcado pelo uso de novas rimas, nova
métrica, aliterações e riqueza no vocabulário. Os temas são marcados pela paixão fatal,
pessimismo e necrofilia.
Antônio Nobre (1867 - 1900) – A poesia de Antônio Nobre é marcada por um profundo
pessimismo, subjetivismo e egocentrismo. É autor de Torres, onde revela o culto ao
profetismo sebastianista e nacionalismo saudosista.
Oaristos
Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre.
Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio, e tanta ameaça?
Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa.
Eugênio de Castro
10 O MODERNISMO EM PORTUGAL (1915 aos dias atuais)
No início do Séc. XX, havia um sentimento geral de que não era mais possível renovar
a arte tradicional. As escolas literárias repetiam suas fórmulas. A superficialidade convivia
com a crença de que a evolução tudo comandava e pouco cabia ao homem nesse processo.
No entanto, um movimento forte e amplo - o Modernismo - viria dar fim a este
marasmo e implantar o inconformismo.
Modernismo, não foi apenas produto de uma evolução estética: ele decorreu de todo um
estado de espírito formado pela cultura da época e que repercutiria em todas as artes,
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integrando literatura, pintura, música arquitetura, cinema, etc. A primeira Guerra Mundial foi
o grande divisor das águas.
Nesse contexto surgiram as vanguardas europeias, que antecederam e originaram o
Modernismo literário.
Vanguarda vem do francês e significa extremidade dianteira dos exércitos em luta. E a
literatura de vanguarda foi realmente combativa, polêmica, desbravadora e irreverente. Os
vanguardistas da época valiam-se do deboche, da ironia e da luta verbal com o objetivo de
substituir a arte passadista pela arte moderna.
As principais vanguardas europeias foram o Cubismo, Dadaísmo, Futurismo e o
Surrealismo. Todas essas vanguardas tiveram um caráter agressivo, experimental, demolidor e
inovador. Combatiam o racionalismo e o objetivismo das teorias científicas do
Realismo/Naturalismo/Parnasianismo e pregavam o irracionalismo. Com isso, buscavam uma
compressão mais subjetiva do homem, voltada mais para seu interior que para seu exterior.
De 1940 a nossos dias, o Modernismo português desenvolveu várias tendências; Neo-
Realismo. Ecletismo, Humanismo dramático, Realismo contraditório e Experimentalismo
polivalente.
Características – Atitude irreverente em relação aos padrões estabelecidos; Reação contra o
passado, o clássico e o estático; Temática mais particular, individual e não tanto universal e
genérica; Preferência pelo dinamismo e velocidade vitais; Busca do imprevisível e insólito
Abstenção do sentimentalismo fácil e falso; Comunicação direta das ideias: linguagem
cotidiana. Esforço de originalidade e autenticidade; Interesse pela vida interior (estados de
alma, espírito) Aparente hermetismo, expressão indireta pela sugestão e associação verbal em
vez de absoluta clareza. Valorização do prosaico e bom humor; Liberdade forma: verso livre,
ritmo livre, sem rima, sem estrofação preestabelecida.
Contexto histórico
Politicamente, Portugal vive a agonia de um regime monárquico, que só terminaria em
1910, com a proclamação da república;
Influenciados pelo fascismo italiano, os integralistas organizam-se politicamente em
1914. Em 1926, surge o Estado-Novo, sob a ditadura de Salazar que permanece durante os
anos de 1933 a 1974. Mesmo assim, a produção artística não cessa; Revolução dos Cravos, foi
uma das poucas ações pacíficas bem-sucedidas no país. A intenção do Movimento das Forças
Armadas era, desde o início, garantir que o vermelho atribuído ao processo fosse somente o
das flores.
1ª Geração (1915 – 1927) – Geração Orpheu
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram os mais famosos participantes da revista
Orpheu que deu origem à primeira geração do Modernismo português: o Orfismo ou geração
Orpheu, cuja atuação, entre 1915 e 1927, coincidiu com a vigência da chamada “República
Jovem”, a Primeira República portuguesa.
O núcleo fundamental do Orfismo foi a revista Orpheu (1915), que teve dois números. O
primeiro foi um projeto luso-brasileiro, com a direção de dois brasileiros. Luis Montalvor e
Ronald de Carvalho; o segundo número, mais expressivo, teve a direção de Fernando Pessoa e
Mário de Sá-Carneiro. As demais revistas, que aglutinam as novas tendências, tiveram
também duração efêmera: Exílio e Centauro (1916), Portugal Futurista (1917),
Contemporânea (1922/23) e Athena (1924/25).
Os traços marcantes da Geração Orpheu são as tendências futuristas (exaltação da
velocidade, da eletricidade, do "homem multiplicado pelo motor"; antipassadismo,
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antitradição, irreverência). Agitação intelectual, "escandalizar o burguês", o moderno como
um valor em si mesmo.
domínio da metafísica e do mistério (Meta = depois, além; Physis = física). Neste
sentido, a metafísica é algo intocável, que só existe no mundo das ideias.
desejo de “escandalizar” o burguês
desajuste social e cultural
cosmopolitismo considera os homens como formadores de uma única nação, não
vendo diferenças entre as mesmas, avaliando o mundo como uma pátria.
elitismo
incorporação das propostas das vanguardas
2ª Geração (1927 – 1940) – Geração Presença
Em 1927, um grupo de artistas fundou uma nova revista, Presença (cujo primeiro
número saiu a 10 de Março, vindo a publicar-se, embora sem regularidade, durante treze
anos), que tentou retomar e aprofundar as propostas de Orpheu. Contando com a colaboração
de alguns participantes da geração anterior, os "presencistas" defenderam uma arte de caráter
mais psicologizante. Seus principais representantes foram: José Régio, João Gaspar Simões e
Branquinho da Fonseca.
3ª Geração (1940 até os dias atuais)– Geração Neo-Realista
Esta se coloca contra as posturas da anterior, principalmente pela defesa do engajamento da
literatura, da sua contribuição na conscientização do publico leitor, quanto aos problemas
sócio econômicos e políticos do país. Também era sua função conscientização dos males da
censura, e retrata um país conturbado pela ditadura e pela 2ª guerra. Ferreira de Castro, Carlos
de Oliveira, Fernando Namora, Alves Redol, José Cardoso Pires e Vígilio Ferreira são alguns
de seus principais representantes.
Postado por Modernismo em Portugal e Fernando Pessoa às 17:49 Nenhum comentário:
A poesia de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888, numa casa do Largo de São Carlos,
em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o
irmão, Jorge.
Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban,
na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os
estudos secundários.
Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu,
ainda, na Universidade do Cabo, terminou os seus estudos na África do Sul. No tempo em que
viveu neste país, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em
Lisboa e viajado para Tavira, para contactar com a família paterna, e para a Ilha Terceira,
onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com
diferentes nomes.
O Mar Portuguez
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
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Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu.
Mas nele é que espelhou o céu”.
Fernando Pessoa (ele mesmo)
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Sua capacidade de deixa-se possuir por outros seres, que como ele são poetas, e de
assim criar os outros eus, os heterônimos, tem sido tema de numeráveis estudos debates e
controvérsias. Destruiu as certezas inquestionáveis e quebrou o mito da personalidade como
algo inteiro, algo assim mesmo.
Os heterônimos, portanto, não são máscaras literárias, não se confundem com
pseudônimos. Pessoa não inventou personagem-poetas, mais criou obras de poetas, e, em
função delas, as biografias de Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, seus
principais heterônimos.
Álvaro de Campos, o poeta das sensações do homem moderno, é um poeta modernista,
futurista, cubista. Por sua temática – as sensações do homem no mundo moderno – pode se
considera-lo um sensacionista.
Lisbon Revisited (l923)
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
[...]
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Ricardo Reis, o poeta neoclássico, é a passagem do tempo a irreversibilidade do destino, a
necessidade de fluir o momento presente. A obra caracteriza-se por versos curtos com
vocabulário muitas vezes erudito, sintaxe clássica, referencias mitológicas.
As Rosas
As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Alberto Caeiro, o poeta-pastor, é considerado por Pessoa o seu mestre, é o homem
reconciliado com a natureza, que rejeita todas as estéticas, todos os valores, todas as
abstrações. Autodidata, de grande simplicidade sua sabedoria consiste em ver o mundo de
forma sadia e plena, sensorialmente, em comunhão direta com ele e com seus fenômenos.
O Guardador de Rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
[...]
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Unidade IV – LITERATURA BRASILEIRA
1 O QUINHENTISMO BRASILEIRO (1500 – 1601)
Quinhentismo é a denominação genérica de todas as manifestações literárias ocorridas
no Brasil durante o século XVI, no momento em que a cultura europeia foi introduzida no
país. Note que, nesse período, ainda não se trata de literatura genuinamente brasileira, a qual
revele visão do homem brasileiro. Trata-se de uma literatura ocorrida no Brasil, ligada ao
Brasil, mas que denota a visão, as ambições e as intenções do homem europeu mercantilista
em busca de novas terras e riquezas. As manifestações ocorridas se prenderam, basicamente, à
descrição da terra e do índio, ou a textos escritos pelos viajantes, jesuítas e missionários que
aqui estiveram.
Literatura Informativa
A Carta de Caminha inaugura o que se convencionou chamar de Literatura Informativa sobre
o Brasil. Este tipo de literatura, também conhecido como literatura dos viajantes ou literatura
dos cronistas, como consequência das Grandes Navegações, empenha-se em fazer um
levantamento da “terra nova”, de sua floresta e fauna, de seus habitantes e costumes, que se
apresentaram muito diferentes dos europeus. Daí ser uma literatura meramente descritiva e,
como tal, sem grande valor literário. A principal característica da carta é a exaltação da terra,
resultante do assombro do europeu diante do exotismo e da exuberância de um mundo
tropical. Com relação à linguagem, o louvor à terra transparece no uso exagerado de adjetivos.
Você conhece a Carta de Pero Vaz de Caminha? Leia a seguir alguns fragmentos.
Carta a el-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil
Senhor, posto que o capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta Vossa terra nova, que se ora nesta
navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta. (...)
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até terça-feira d’
oitavas de Páscoa, que foram 21 dias d’Abril, que topamos alguns sinais de terra (...) E
à quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves, a que chamam fura-buchos. Neste
mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d’um
grande monte, mui alto e redondo, e d’outras serras mais baixas ao sul dele e de terra
chã com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs o nome o Monte Pascoal
e à terra A Terra de Vera Cruz. (...)
E dali houvemos vista d’homens, que andavam pela praia, de 7 ou 8, segundo os
navios pequenos disseram, por chegaram primeiro. (...) A feição deles é serem pardos,
maneira d'avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem
nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas.
E estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto. (...)
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com
cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão
çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não
tínhamos nenhuma vergonha. (...)
E uma daquelas moças era toda tinta, de fundo a cima, daquela tintura, a qual,
certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa,
que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, fizera vergonha, por não
terem a sua como ela. (...)
O capitão, quando eles vieram, estava assentado em uma cadeira e uma alcatifa
aos pés por estrado, e bem vestido, com um colar d'ouro mui grande ao pescoço. (...)
Um deles, porém, pôs olho no colar do capitão e começou d'acenar com a mão para a
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
terra e despois para o colar, como que nos dizia que havia em terra ouro. E também viu
um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal, como
que havia também prata. (...)
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal,
ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e
temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os
achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! Porém, o
melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. (...)
Original da Carta de Caminha – Para o leitor de hoje, a literatura informativa satisfaz a
curiosidade a respeito do Brasil nos seus primeiros anos de vida, oferecendo o encanto das
narrativas de viagem. Para os historiadores, os textos são fontes obrigatórias de pesquisa.
Mais adiante, com o movimento modernista, esses textos foram retomados pelos escritores
brasileiros, como Oswald de Andrade, como forma de denúncia da exploração a que o país
sofrera desde então.
Veja os principais documentos que compõem a nossa literatura informativa: 1. Carta do
descobrimento (Pero Vaz de Caminha): foi escrita no ano de 1500 e publicada pela primeira
vez em 1817. 2. Tratado da terra do Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi escrito por
volta de 1570 e impresso pela primeira vez em 1826. 3. História da Província de Santa Cruz,
a que vulgarmente chamamos Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi editado em 1576. 4.
Diálogo sobre a conversão dos gentios (Padre Manuel da Nóbrega): foi escrito em 1557 e
impresso em 1880. 5. Tratado descritivo do Brasil (Gabriel Soares de Sousa): escrito em
1587 e impresso por volta de 1839.
2 O BARROCO BRASILEIRO (1601 – 1768)
O Barroco não surgiu de repente, foi uma manifestação cultural que aos poucos se
transformou em um Estilo de Época. O Brasil ainda se estruturava sócio economicamente
como país colônia de base açucareiro. Somente a Bahia e Pernambuco produziam alguma
atividade cultural.
O Barroco no Brasil é marcado também pela expulsão definitiva dos franceses (1615) e
pelas invasões holandesas, na Bahia (1624) e em Pernambuco (1630). O Nordeste passa por
rápidas mudanças econômicas, por meio do contato com os holandeses, até sua expulsão, em
1654. Com o declínio da cana-de-açúcar, a hegemonia econômica transfere-se para Minas
Gerais, onde há extração de minérios outra fonte de riqueza, que contribui para o
desenvolvimento econômico.
O Barroco brasileiro foi o movimento artístico mais importante do período colonial,
colocando em ascensão o catolicismo e a fé. Nasceu da crise de valores renascentistas,
ocasionada pelas lutas religiosas e pela crise econômica vivida em consequência da falência
do comércio com o Oriente. Inicia-se no Brasil em 1601, com a publicação do poema épico
Prosopopeia, de Bento Teixeira. Estende-se por todo o século XVII e início do XVIII. Seu
rebuscamento reflete o conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus
(antropocentrismo x teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o
paganismo renascentista, o material e o espiritual, que tanto atormenta o homem do século
XVII. Surge uma tendência sensualista, caracterizada pela busca do detalhe num exagerado
rebuscamento formal.
Podem ser notados dois estilos no Barroco literário:
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Cultismo – caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante; a valorização
do detalhe mediante jogo de palavras. Tem forte influência do espanhol Luís de Gôngora; no
Brasil podem ser citados: Gregório de Matos Guerra e Bento Teixeira.
Conceptismo – marcada pelo jogo de ideias, de conceitos, seguindo um raciocínio
lógico, racionalista, usando uma retórica aprimorada. O espanhol Quevedo foi um dos
principais nomes desse estilo; no Brasil, tem-se como exemplo o Padre Antônio Vieira.
O Barroco é também chamado de Seiscentismo por ser a estética (isto é, todas as
manifestações artísticas da época: música, escultura, pintura, arquitetura e literatura)
dominante do século XVII (1600 a 1700 d.C).
A origem da palavra Barroco ainda é muito controvertida. Barroco é sinônimo de
bizarro. Para os artistas plásticos isto significa mau gosto e até mesmo coisa absurda. Alguns
especialistas afirmam que etimologicamente a palavra está ligada a um processo mnemônico
(relativo à memória) que designava uma sofisma (silogismo aristotélico com conclusão falsa).
Outros dizem que designa a um tipo de pérola de forma irregular, ou até mesmo um terreno
desigual, assimétrico.
O Barroco caracterizou-se por ser o primeiro estilo de época da literatura no Brasil. E
Gregório de Matos Guerra, por representar o primeiro poeta efetivamente brasileiro. É sob
luzes e sombras que a arte barroca aparece, influenciada intensamente pelas tensões de sua
época.
Autores de obras literárias do Movimento Barroco no Brasil: Padre Antônio Vieira,
Gregório de Matos, Bento Teixeira e Botelho de Oliveira.
A poesia sacra de Gregório de Matos às vezes é simples pretexto para exercício do
cultismo. Veja o jogo de palavras no poema a seguir.
O todo sem parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo
Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.
3 O NEOCLASSICISMO BRASILEIRO (1678 – 1836)
Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, o centro econômico migra do Nordeste
para o Sudeste. Destaca-se, nessa época, Vila Rica (atual Ouro Preto) como polo irradiador de
ideias.
Acontece nesse período a Inconfidência Mineira – revolta contra os pesados tributos
cobrados por Portugal.
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Funda-se a chamada “Escola mineira”, com poetas influenciados pelo Iluminismo e
comprometidos com o pensamento mais avançado do século XVIII.
O Neoclassicismo no Brasil inicia-se em 1678 com a publicação de “Obras poéticas” de
Cláudio Manuel da Costa e se estende até 1836 com a publicação de “Suspiros poéticos e
Saudades” de Gonçalves de Magalhães.
Principais autores árcades:
Cláudio Manuel da Costa - Seu pseudônimo árcade era “Glauceste Satúrnio”. Sua
obra lírica era bastante influenciada pelo Classicismo português, embora tenha traços do
Barroco. Temas: o sentimento amoroso e a natureza.
Tomás Antônio Gonzaga - Pseudônimo poético: Dirceu; e sua musa inspiradora:
Marília. Importantes obras: Marília de Dirceu/ Cartas chilenas. Preso e degredado para
Moçambique por participar da Inconfidência Mineira.
Basílio da Gama - Obra principal: o poema épico “O Uraguai” – uma luta entre índios
e o exército luso-espanhol. O índio aparece, pela primeira vez, como o bom selvagem.
Santa Rita Durão – Sua obra mais importante: o poema épico “Caramuru”, que se
caracterizava pela exaltação da paisagem brasileira e contra a chegada dos portugueses à
Bahia.
O Neoclassicismo no Brasil foi um movimento essencialmente poético:
a) Poesia lírica – poesias descritivas e elogiosas da vida rural;
b) Poesia satírica – denuncia desmandos administrativos da Capitania de Minas;
c) Poesia épica – inova com a utilização de temas de nossa história colonial.
Marília de Dirceu
Tomás Antônio Gonzaga
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
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Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
O Uruguai (Fragmento) Basílio da Gama
"O rei é vosso pai: quer-vos felizes.
Sois livres, como eu sou; e sereis livres.
Não sendo aqui, em qualquer outra parte.
Mas deveis entregar-nos estas terras.
Ao bem público cede o bem privado.
O sossego da Europa assim pede.
Assim o manda o rei. Vós sois rebeldes,
Se não obedeceis; mas os rebeldes
Eu sei que não sois vós - são os "bons" padres,
Que vos dizem a todos que sois livres,
E se servem de vós como de escravos,
E armados de orações vos põem no campo."
4 O ROMANTISMO NO BRASIL (1836–1881)
O Romantismo foi para além da literatura, foi um movimento artístico e filosófico que
surgiu no final do século XVIII na Europa, indo até o final do século XIX. A maior
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
característica do Romantismo era a visão de mundo que se contrapunha ao racionalismo do
período anterior (neoclassicismo). O movimento romântico cultiva uma visão de mundo
centrada no indivíduo, e portanto, os autores voltavam-se para si mesmo, retratando dramas
pessoais como tragédias de amor, ideias utópicas, desejos de escapismo e amores platônicos
ou impossíveis. O século XIX seria, portanto, marcado pela arte voltada para o lirismo, a
subjetividade, a emoção e a valorização do “eu”.
No Brasil, o período histórico era marcado por um sentimento nacionalista, em especial
pelo fato marcante que foi a Independência, em 1822. Encontramos, pois, elementos que
caracterizam o período, presentes nas obras dos autores românticos. É o exemplo da exaltação
da Pátria feita por Gonçalves Dias, e do clima nostálgico presente nas poesias de Álvares de
Azevedo e Fagundes Varela, sem falar no engajamento nas causas sociais, presente
fortemente na obra de Castro Alves, o qual abordou temas polêmicos como a escravidão.
A produção Romântica foi rica e vasta, tanto em outros países, quanto aqui, tanto em
prosa, quanto em versos.
Na poesia, a obra que marca o início das produções românticas é “Suspiros Poéticos e
Saudades”, de Gonçalves de Magalhães. A poesia romântica é dividida em 3 gerações:
Primeira Geração: Nacionalismo - influenciada pela Independência do Brasil, a
poesia buscava a identificação do país com suas raízes históricas, linguísticas e culturais. O
desejo era o de contruir uma arte brasileira, livre da influência de Portugal, e o sentimento era
de nacionalidade, resgatando elementos da história do país. Foi fortemente marcada pelo
indianismo e trazia à toda elementos da natureza (flora e fauna) brasileiros. O índio era
exaltado como herói, pois representava o povo brasileiro, e o Brasil em sua essência.
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
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Segunda Geração: Mal do Século - Neste período, que se iniciou por volta de 1850, a
poesia vinha de encontro às ideias e temáticas da geração anterior: o eu-lírico volta-se mais
para si e afasta-se da realidade social à sua volta. Traz em si o pessimismo e o apego aos
vícios. Os sentimentos são exagerados e aparecem de forma idealizada na poesia. Além disso,
elementos como a noite, a melancolia, o sofrimento, a morbidez e o medo do amor são
recorrentes em seus textos poéticos. O eu-lírico vivem em meio solidão, aos devaneios e às
idealizações.
Se Eu Morresse Amanhã!
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Álvares de Azevedo
Terceira Geração: Condoreirismo - a última geração da poesia romântica se inspira
em Victor Hugo, e traz um foco político e social. Na época, ideias abolicionistas e
republicanas vinham à tona, e junto com elas o desejo de se libertar do Império. É a fase que
prenuncia o Realismo, que viria em seguida, tanto é que tem como foco a realidade social, a
crítica à sociedade, a poesia liberal, enfim, era o final do movimento romântico no Brasil. O
condoreirismo se refere à figura do condor, uma ave que tinha voo alto, assim como os poetas
românticos faziam em busca de defender seus ideais libertários.
O CORAÇÃO
O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor.
Recife — 1865.
Castro Alves
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O Navio Negreiro (fragmento)
“’Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar – dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
– Constelações do líquido tesouro…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…
‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…
Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é
esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Castro Alves
A Prosa Romântica – O primeiro romance brasileiro em folhetim foi "A Moreninha",
de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. O romance brasileiro caracteriza-se por
ser uma "adaptação" do romance europeu, conservando a estrutura folhetinesca europeia, com
início, meio e fim seguindo a ordem cronológica dos fatos.
O Romance brasileiro poderia ser dividido em duas fases: Antes de José de Alencar e
Pós-José de Alencar, pois antes desse importante autor as narrativas eram basicamente
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urbanas, ambientadas no Rio de Janeiro, e apresentavam uma visão muito superficial dos
hábitos e comportamentos da sociedade burguesa.
E com José de Alencar surgiram novos estilos de prosa romântica como os romances
regionalistas, históricos e indianistas e o romance passou a ser mais crítico e realista.
Fragmento do livro Iracema – José Alencar
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do
Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo
a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros
ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que
corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de
seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos
ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha
matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da
juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol
não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não
algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos
olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o
corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu.
Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O
moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e
amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou
de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava.
Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando
consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
– Quebras comigo a flecha da paz?
– Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a
estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
– Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já
possuíram, e hoje têm os meus.
– Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à
cabana de Araquém, pai de Iracema.
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5 O REALISMO E O NATURALISMO NO BRASIL (1881/1902)
O Realismo, no Brasil, nasceu em consequência da crise criada com a decadência
econômica açucareira, o crescimento do prestígio dos estados do sul e o descontentamento da
classe burguesa em ascensão na época, o que facilitou o acolhimento dos ideais abolicionistas
e republicanos. O movimento Republicano fundou em 1870 o Partido Republicano, que lutou
para trocar o trabalho escravo pela mão-de-obra imigrante.
Nesse período, as ideias de Comte, Spencer, Darwin e Haeckel conquistaram os
intelectuais brasileiros que se entregaram ao espírito científico, sobrepujando a concepção
espiritualista do Romantismo. Todos se voltam para explicar o universo através da Ciência,
tendo como guias o positivismo, o darwinismo, o naturalismo e o cientificismo. O grande
divulgador do movimento foi Tobias Barreto, ideólogo da Escola de Recife, admirador das
ideias de Augusto Comte e Hipólito Taine.
A literatura realista e naturalista surge na França com Flaubert (1821-1880) e Zola
(1840-1902). Flaubert (1821-1880) é o primeiro escritor a pleitear para a prosa a preocupação
científica com o intuito de captar a realidade em toda sua crueldade. Para ele a arte é
impessoal e a fantasia deve ser exercida através da observação psicológica, enquanto os fatos
humanos e a vida comum são documentados, tendo como fim a objetividade. O romancista
fotografa minuciosamente os aspectos fisiológicos, patológicos e anatômicos, filtrando pela
sensibilidade o real.
Contudo, a escola Realista atinge seu ponto máximo com o Naturalismo, direcionado
pelas ideias materialísticas. Zola, por volta de 1870, busca aprofundar o cientificismo,
aplicando-lhe novos princípios, negando o envolvimento pessoal do escritor que deve, diante
da natureza, colocar a observação e experiência acima de tudo.
O afastamento do sobrenatural e do subjetivo cede lugar à observação objetiva e à
razão, sempre, aplicada ao estudo da natureza, orientando toda busca de conhecimento.
Para Eça de Queirós, “o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a
apoteose do sentimento; – o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte
que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houve de mau na nossa
sociedade.”
O Realismo e o Naturalismo no Brasil se estabelecem com o aparecimento, em 1881, da
obra realista Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e da naturalista O
Mulato, de Aluísio de Azevedo, influenciados pelo escritor português Eça de Queirós, com as
obras O Crime do Padre Amaro (1875) e Primo Basílio (1878). O movimento se estende até o
início do século XX, quando Graça Aranha publica Canaã, fazendo surgir uma nova estética:
o Pré-Modernismo.
Características do Realismo/ Naturalismo
Realismo Naturalismo
Reformismo social > crítica às classes
sociais dominantes
Variação do realismo aprofundamento de
alguns caracteres ; visão do mundo mais
mecanista e mais determinista.
Racionalismo > impessoalidade Homem=animal: libera os instintos,
dependendo das condições ambientais
Cientificismo, verossimilhança,
detalhamento, materialismo,
psicologismo, senso de
contemporaneidade.
Preferências por temas sobre anomalias
humanas, aspectos repulsivos da vida
humana e patologias sexuais, além de
focalizar camadas mais baixa da
sociedade.
Universalismo Observar as ações, porque elas
exteriorizam o drama íntimo do ser.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Realismo e naturalismo têm os mesmos princípios científicos, filosóficos e artísticos. O
naturalismo diferencia-se do Realismo por uma assimilação mais intensa das teorias
científicas que vigiam na época –principalmente a tese determinista- e por uma interpretação
mais radical da necessidade de se fazer da obra artística um instrumento de denúncia social.
Memórias póstumas de Brás Cubas (fragmento)
Machado de Assis
Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais
atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já
lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é
romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas;
mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era
bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que
o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília,
e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos;
muita preguiça e alguma devoção, – devoção, ou talvez medo; creio que medo. (...)
No fragmento acima, nota-se todo o estilo irônico do autor, aqui com suas baterias
voltadas contra as idealizações românticas que haviam moldado o gosto do público leitor.
Repare que Machado parte de uma adjetivação que nos leva a montar um perfil da heroína
romântica (a mais atrevida, a mais voluntariosa, bonita, fresca, carregada de feitiço, faceira)
para só num segundo momento provocar a ruptura: ignorante, pueril, preguiçosa.
Trecho do livro O mulato – Aluísio Azevedo
Ana Rosa, com efeito, de algum tempo a essa parte, fazia visitas ao quarto de
Raimundo, durante a ausência do morador.
Entrava disfarçadamente, fechava as rótulas da janela, e, como sabia que o
morador não aparecia àquela hora, começava a bulir nos livros, a remexer nas gavetas
abertas, a experimentar as fechaduras, a ler os cartões de visita e todos os pedacinhos
de papel escrito, que lhe caíam nas mãos. Sempre que encontrava um lenço já servido,
no chão ou atirado sobre a cômoda, apoderava-se dele e cheirava-o sofregamente,
como fazia também com os chapéus de cabeça e com a travesseirinha da cama.
(...)
Observe que a personagem Ana Rosa, criada segundo alguns “caprichos românticos e
fantasias poéticas”, não resiste à força da atração física que Raimundo lhe desperta, chegando
a invadir o quarto do rapaz. O importante é notar como a moça é dominada pelos instintos;
como se fosse um animal, “lê” o mundo por meio dos sentidos (ela “conhece” o rapaz pelo
cheiro que ele imprimiu nos objetos); a excitação provoca reações físicas (enervação
voluptuosa, febre), transformando-se num caso patológico, doentio.
Observação: Como observa, há vários pontos de coincidência entre o romance realista
e o naturalista; dir-se-ia até que ambos partem de um mesmo ponto x e ambos chegam a um
mesmo ponto y, só que percorrendo caminhos diversos. Tanto um como outro atacam a
monarquia, o clero e a sociedade burguesa. Inclusive, pode ser encontrado, num mesmo
autor, determinadas posturas mais realistas convivendo com enfoques mais naturalistas.
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O Realismo psicológico de Machado de Assis
O realismo psicológico de Machado de Assis concentra-se nos pensamentos das
personagens, os quais são reveladores de seus interesses, sentimentos e conflitos. O escritor
despreza tanta objetividade, concentrando-se sua narrativa na visão de mundo de seus
personagens, expondo suas contradições. A classificação mais adotada para definir a escola
literária a que pertence Machado de Assis na segunda fase de sua obra é Realismo
Psicológico. O recurso que ele utiliza para discutir a sociedade é a abordagem, em
profundidade, da individualidade e do caráter dos personagens.
Seus romances e seus contos, em que ele cultiva todos os gêneros, traduzem-se,
sobretudo, pelo realismo psicológico, o que faz com que sua obra permaneça sempre atual. Os
críticos dividem a obra machadiana em duas fases, tendo as Memórias Póstumas de Brás
Cubas como marco divisório. É na segunda fase que encontraremos o escritor em toda a
plenitude de seu talento criador.
As obras que fazem parte da Trilogia Realista – Dom Casmurro, Memórias Póstumas
de Brás Cubas e Quincas Borbas – são marcadas pela ironia e pelo pessimismo.
Machado de Assis não costuma seguir uma narrativa linear. É como se as histórias
fossem contadas à medida que os personagens lembram dos fatos. Faz uso, portanto, da
disgressão, isso é, desvia do tema central para trazer recordações e reflexões sobre o assunto.
Além disso, o autor colocava o narrador para falar com o leitor, recurso notado em obras
como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Trecho do livro “Dom Casmurro” de Machado de Assis
Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei
se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as coisas, como eu. É o que contarei no outro
capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui
ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal,
nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
— Está na sala, penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar
um susto.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era
um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano,
moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas janelas. Se não
foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos,
toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
— Há alguma coisa?
— Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para a
lição. Como passou a noite?
— Eu bem. José Dias ainda não falou?
— Parece que não.
— Mas então quando fala?
— Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de
pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria.
Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...
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— Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para vencer
já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho
que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá alcançar?...
Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho.
— Teimo; hoje mesmo ele há de falar.
— Você jura?
— Juro! Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana
oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e
queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me
perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura
eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do
meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus
olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar
crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá me uma comparação exata e poética para dizer o
que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra
da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de
ressaca. (...)
6 O PARNASIANISMO NO BRASIL (1882 – 1893)
A Parnasianismo foi um movimento literário que surgiu na França, na metade do século
XIX e se desenvolveu na literatura europeia, chegando ao Brasil. Esta escola literária foi uma
oposição ao romantismo, pois representou a valorização da ciência e do positivismo.
O nome parnasianismo surgiu na França e deriva do termo "Parnaso", que na mitologia
grega era o monte do deus Apólo e das musas da poesia. Na França, os poetas parnasianos que
mais se destacaram foram: Théophile Gautier, Leconte de Lisle, Théodore de Banville e José
Maria de Heredia.
Características do Parnasianismo
Objetividade no tratamento dos temas abordados. O escritor parnasiano trata os temas
baseando na realidade, deixando de lado o subjetivismo e a emoção;
Impessoalidade: a visão do escritor não interfere na abordagem dos fatos;
Valorização da estética e busca da perfeição. A poesia é valorizada por sua beleza em
sí e, portanto, deve ser perfeita do ponto de vista estético;
O poeta evita a utilização de palavras da mesma classe gramatical em suas poesias,
buscando tornar as rimas esteticamente ricas;
Uso de linguagem rebuscada e vocabulário culto;
Temas da mitologia grega e da cultura clássica são muito frequentes nas poesias
parnasianas;
Preferência pelos sonetos;
Valorização da metrificação: o mesmo número de sílabas poéticas é usado em cada
verso;
Uso e valorização da descrição das cenas e objetos.
No Brasil, o parnasianismo chegou na segunda metade do século XIX e teve força até o
movimento modernista (Semana de Arte Moderna de 1922).
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Os principais representantes do parnasianismo brasileiro foram Alberto de Oliveira,
Raimundo Correia, Olavo Bilac, Francisca Júlia e Vicente de Carvalho.
Musa Impassível
Francisca Júlia
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.
Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;
Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
7 O SIMBOLISMO NO BRASIL 1893 – 1902)
O simbolismo foi um movimento que se desenvolveu nas artes plásticas, teatro e
literatura. Surgiu na França, no final do século XIX, em oposição ao Naturalismo e ao
Realismo.
Principais características
Ênfase em temas místicos, imaginários e subjetivos;
Caráter individualista;
Desconsideração das questões sociais abordadas pelo Realismo e Naturalismo;
Estética marcada pela musicalidade (a poesia aproxima-se da música);
Produção de obras de arte baseadas na intuição, descartando a lógica e a razão;
Utilização de recursos literários como, por exemplo, a aliteração (repetição de um
fonema consonantal) e a assonância (repetição de fonemas vocálicos).
No Brasil, o simbolismo teve início no ano de 1893, com a publicação de duas obras de
Cruz e Souza: Missal (prosa) e Broquéis (poesia). O movimento simbolista na literatura
brasileira teve força até o movimento modernista do começo da década de 1920.
Principais artistas simbolistas da literatura brasileira foram Cruz e Souza e Alphonsus
de Guimaraens.
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Fragmento do poema
Violões que Choram – Cruz e Sousa
Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.
Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.
Sutis palpitações à luz da lua.
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.
Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.
Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...
E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre remagens frias.
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febirl agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas no sonho,
Almas que se abismaram no mistério.
8 O PRÉ-MODERNISMO NO BRASIL (1892 – 1922)
O avanço científico e tecnológico no início do século XX traz novas perspectivas à
humanidade. As invenções contribuem para um clima de conforto e praticidade. Afinal, o
telefone, a lâmpada elétrica, o automóvel e o telégrafo começam a influenciar,
definitivamente, a vida das pessoas. Além disso, a arte mostrou um inovado meio de
comunicação, diversão e entretenimento: o cinema.
É em meio a tanto progresso que eclode a Primeira Guerra Mundial. Em meio a tantos
acontecimentos, havia muito que se dizer, e por isso, a literatura é vasta nos primeiros anos do
século XX. Logo, os estilos literários vão desde os poetas parnasianos e simbolistas (que
ainda produziam) até os que se concentravam na política e nas peculiaridades de sua região.
O Pré-Modernismo foi um período de intensa movimentação literária que marcou a
transição entre o simbolismo e o modernismo e foi caracterizado pelas produções desde início
do século até a Semana de Arte Moderna, em 1922.
Para muitos estudiosos, esse período não deve ser considerado uma escola literária, uma
vez que apresenta inúmeras produções artísticas e literárias distintas; em outras palavras um
sincretismo estético, com presença de características neo-realistas, neo-parnasianas e neo-
simbolistas.
Características do Pré-Modernismo
Ruptura com o academicismo;
Ruptura com o passado e a linguagem parnasiana;
Linguagem coloquial, simples;
Exposição da realidade social brasileira;
Regionalismo e nacionalismo;
Marginalidade das personagens: o sertanejo, o caipira, o mulato;
Temas: fatos históricos, políticos, econômicos e sociais.
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Enquanto a Europa preparava-se para a guerra, o Brasil vivia a chamada política do
“café-com-leite”, onde os grandes latifundiários do café dominavam a economia.
Ao passo que esta classe dominante e consumista seguia a moda europeia, as agitações
sociais aconteciam, principalmente no Nordeste.
Na Bahia, ocorre a famosa “Revolta de Canudos”, que inspira a obra “Os Sertões” do
escritor Euclides da Cunha. Em 1910, a rebelião “Revolta da chibata” era liderada por João
Cândido, o “Almirante Negro”, contra os maltratos vividos na Marinha. Aos poucos, a
República “café-com-leite” ficava em crise e em 1920 começam os burburinhos da Semana de
Arte Moderna, que marcaria o início do Modernismo no Brasil.
Os principais escritores pré-modernistas são: Euclides da Cunha, Lima Barreto,
Monteiro Lobato, Graça Aranha e Augusto dos Anjos.
Os marcos literários são, especialmente, o já citado “Os Sertões”, de Euclides da Cunha,
e Canaã, de Graça Aranha.
O Pré-Modernismo não chega a ser considerado uma “escola literária”, pois não há um
grupo de escritores que seguem a mesma linha temática ou os mesmos traços literários.
Trechos de "Os Sertões" de Euclides da Cunha
A terra
"Ao sobrevir das chuvas, a terra, como vimos, transfigura-se em mutações
fantásticas, contrastando com a desolação anterior.
Os vales secos fazem-se rios. Insulam-se os cômoros escalvados, repentinamente
verdejantes. A vegetação recama de flores, cobrindo-os, os grotões escancelados, e
disfarça a dureza das barrancas, e arredonda em colinas os acervos de blocos
disjungidos -de sorte que as chapadas grandes, entremeadas de convales, se ligam em
curvas mais suaves aos tabuleiros altos. Cai a temperatura. Com o desaparecer das
soalheiras anula-se a secura anormal dos ares. Novos tons na paisagem: a
transparência do espaço salienta as linhas mais ligeiras, em todas as variantes da
forma e da cor.
Dilatam-se os horizontes. O firmamento, sem o azul carregado dos desertos,
alteia-se, mais profundo, ante o expandir revivescente da terra.
E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.
Depois tudo isto se acaba. Voltam os dias torturantes; a atmosfera asfixiadora; o
empedramento do solo; a nudez da flora; e nas ocasiões em que os estios se ligam sem
a intermitência das chuvas -o espasmo assombrador da seca."
O homem
"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-
lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações
atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e
sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura
normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de
humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro
umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas
palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a
espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e
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firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço
geométrico os meandros das trilhas sertanejas. (...)
É o homem permanentemente fatigado."
A luta
"Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de
guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos.
Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da
estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o
caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de
fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes,
mantas, cantis e mochilas...
A caatinga mirrada e nua, apareceu repentinamente desabrochando numa
florescência extravagantemente colorida no vermelho forte das divisas, no azul
desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos talins e estribos oscilantes...
Um pormenor doloroso completou essa encenação cruel: a uma banda avultava,
empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo.
Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver
desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e
vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca."
Poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
As vanguardas artísticas europeias
Chamamos de Vanguardas Artísticas Europeias o conjunto de tendências artísticas – em
sua maioria provenientes de Paris, então centro cultural da Europa – que provocou ruptura
com a tradição cultural do século XIX. As correntes de vanguarda surgiram antes, durante e
depois da Primeira Guerra Mundial, introduzindo uma estética marcada pela experimentação
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
e pela subjetividade que influenciaria fortemente diversas manifestações artísticas em todo o
mundo.
As principais correntes vanguardistas
Futurismo: primeiro movimento merecedor da classificação de vanguarda, caracteriza-
se pelo interesse ideológico na arte. Sua produção preconiza a subversão radical da cultura e
dos costumes, negando o passado em sua totalidade e pregando a adesão à pesquisa metódica
e à experimentação estilística e técnica. No Brasil, características do Futurismo podem ser
percebidas na obra literária de Mário de Andrade.
Cubismo: resultado das experiências de Pablo Picasso (1881 – 1973) e de Georges
Braque (1882 – 1963), esteve, inicialmente, ligado à pintura e teve por princípio a valorização
das formas geométricas. Na literatura, caracteriza-se pela fragmentação da linguagem e
geometrização das palavras, dispostas no papel de maneira aleatória a fim de conceber
imagens. Sua influência no Brasil pode ser percebida através da leitura do livro Memórias
Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.
Dadaísmo: Criado na Suíça durante a Primeira Guerra Mundial em 1916, durante a
Primeira Guerra Mundial, constitui um grito de revolta contra o capitalismo burguês e o
mundo em guerra. Por isso, os dadaístas são contra as teorias e ordenações lógicas. Utilizam
uma linguagem permeada pelo deboche e pelos ilogismos dos textos, além da aversão a
qualquer conceito racionalizado sobre a arte.
Surrealismo: Surgido na França em 1924, preocupa-se com a sondagem do mundo
interior, a liberação do inconsciente e a valorização do sonho. Esse fascínio pelo que
transcende a realidade aproxima os surrealistas das ideias do psicanalista austríaco Sigmund
Freud. Na Literatura Brasileira, influenciou escritores como Oswald e Mário de Andrade e,
posteriormente, Murilo Mendes e Jorge de Lima.
As vanguardas apresentaram ao mundo uma nova maneira de fazer Arte, pautada na
liberdade de criação e no rompimento com o passado cultural tradicionalista.
Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, tendo
como objetivo mostrar as novas tendências artísticas que já vigoravam na Europa. Esta nova
forma de expressão não foi compreendida pela elite paulista, que era influenciada pelas
formas estéticas europeias mais conservadoras. O idealizador deste evento artístico e cultural
foi o pintor Di Cavalcanti.
Em um período repleto de agitações, os intelectuais brasileiros se viram em um
momento em que precisavam abandonar os valores estéticos antigos, ainda muito apreciados
em nosso país, para dar lugar a um novo estilo completamente contrário, e do qual, não se
sabia ao certo o rumo a ser seguido.
No Brasil, o descontentamento com o estilo anterior foi bem mais explorado no campo
da literatura, com maior ênfase na poesia. Entre os escritores modernistas destacam-se:
Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira. Na pintura, destacou-se
Anita Malfatti, que realizou a primeira exposição modernista brasileira em 1917. Suas obras,
influenciadas pelo cubismo, expressionismo e futurismo, escandalizaram a sociedade da
época. Monteiro Lobato não poupou críticas à pintora, contudo, este episódio serviu como
incentivo para a realização da Semana de Arte Moderna.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Como foi a Semana de 22
A Semana, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, foi a explosão de ideias
inovadoras que aboliam por completo a perfeição estética tão apreciada no século XIX. Os
artistas brasileiros buscavam uma identidade própria e a liberdade de expressão; com este
propósito, experimentavam diferentes caminhos sem definir nenhum padrão. Isto culminou
com a incompreensão e com a completa insatisfação de todos que foram assistir a este novo
movimento. Logo na abertura, Manuel Bandeira, ao recitar seu poema Os sapos, foi
desaprovado pela plateia através de muitas vaias e gritos.
Embora tenha sido alvo de muitas críticas, a Semana de Arte Moderna só foi adquirir
sua real importância ao inserir suas ideias ao longo do tempo. O movimento modernista
continuou a expandir-se por divulgações através da Revista Antropofágica e da Revista
Klaxon, e também pelos seguintes movimentos: Movimento Pau-Brasil, Grupo da Anta,
Verde-Amarelismo e pelo Movimento Antropofágico.
Todo novo movimento artístico é uma ruptura com os padrões utilizados pelo anterior,
isto vale para todas as formas de expressões, sejam elas através da pintura, literatura,
escultura, poesia, etc. Ocorre que nem sempre o novo é bem aceito, isto foi bastante evidente
no caso do Modernismo, que, a principio, chocou por fugir completamente da estética
europeia tradicional que influenciava os artistas brasileiros.
Poema “Os Sapos” –
Manuel Bandeira
Enfunando os papos, Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos.
O meu verso é bom Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas..." Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - A grande arte é como Lavor de joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Curiosidades sobre a Semana de Arte Moderna
Durante a leitura do poema "Os Sapos", de Manuel Bandeira (leitura feita por
Ronald de Carvalho), o público presente no Teatro Municipal fez coro e
atrapalhou a leitura, mostrando desta forma a desaprovação.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
No dia 17 de fevereiro, Villa-Lobos fez uma apresentação musical. Entrou no
palco calçando num pé um sapato e em outro um chinelo. O público vaiou,
pois considerou a atitude futurista e desrespeitosa. Depois, foi esclarecido que
Villa-Lobos entrou desta forma, pois estava com um calo no pé.
9 O MODERNISMO NO BRASIL 1922 – 1980)
O Modernismo foi um movimento cultural, artístico e literário da primeira metade do
século XX. Situa-se entre o Simbolismo e o Pós-Modernismo - a partir dos anos 50 - havendo,
ainda, estudiosos que considerem o Pré-Modernismo uma escola literária.
O movimento modernista foi culturalmente rico no Brasil e incidiu intensamente sobre
as artes e a vida social nacional no início do século XX, especialmente na esfera literária e nas
artes plásticas.
Em nosso país ele nasceu a partir da influência exercida pelo Cubismo e o Futurismo,
vanguardas da Europa surgidas na era que precedeu a Primeira Grande Guerra. No Brasil,
porém, os artistas enfatizaram temas próprios da vida cultural local. A Semana de Arte
Moderna, produzida em 1922 na cidade de São Paulo, é considerada o marco inicial do
Modernismo brasileiro. Esse momento foi marcado pela efervescência de novas ideias e
modelos.
Contexto Histórico – O Modernismo surge num momento de insatisfação política no
Brasil que, em suma, em decorrência do aumento da inflação, fazia aumentar a crise e
propulsionava greves e protestos. A Primeira Guerra Mundial também trouxe reflexos para a
sociedade brasileira. Assim, numa tentativa de reestruturar o país politicamente, também o
campo das artes - estimulado pelas Vanguardas Artísticas Europeias - encontra a motivação
para romper com o tradicionalismo. Esta escola é caracterizada pela livre escolha estilística e
a proximidade da língua oral.
Características do Modernismo
Libertação estética.
Ruptura com o tradicionalismo.
Experimentações artísticas.
Liberdade formal (versos livres, abandono das formas fixas, ausência de pontuação).
Linguagem com humor.
Valorização do cotidiano.
Costuma-se classificar o Modernismo em três gerações: a primeira, mais intensa e
contundente; a segunda, conhecida também como a Geração de 30, integrada por escritores e
poetas de grande renome e importância; e a terceira, classificada igualmente como Pós-
Modernista, e por esta razão será enfocada em um próximo texto.
Primeira Geração do Modernismo (1922-1930)
Nesta fase, conhecida como a "Fase Heroica", os artistas buscam a renovação estética
inspirada nas vanguardas europeias (cubismo, futurismo); portanto, este período caracterizou-
se por ser o mais radical e também, pela publicação de revistas e de manifestos, bem como
pela formação de grupos modernistas.
Os principais autores foram Mário de Andrade; Oswald de Andrade; Manuel Bandeira;
Antônio de Alcântara Machado; Cassiano Ricardo; Menotti Del Picchia e Guilherme de
Almeida.
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Poema de Oswald de Andrade
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Segunda Geração do Modernismo (1930-1945)
Chamada de "Fase de Consolidação", este momento é caracterizado por temáticas
nacionalistas e regionalistas com predomínio da prosa de ficção.
É um momento de amadurecimento. Na década de 30 a poesia brasileira se consolida, o
que significa o maior êxito para os modernistas.
Os principais autores são:
Em prosa: José Lins do Rego; Jorge Amado; Rachel de Queiroz; Clarice Lispector e
Graciliano Ramos e Dionélio Machado.
Trecho de O Quinze - Rachel de Queiroz
“Uma vontade obscura e incerta de ascender, de voar! Um desejo de se
introduzir a grandes passos na imensa treva da noite, e a atravessar, e a romper,
esquecido das lutas e trabalhos, e penetrar num vasto campo luminoso onde tudo fosse
beleza, e harmonia, e sossego. Desejo de se integrar numa natureza diferente daquela
que o cercava, de crescer, de subir, de bracejar num emaranhado de ramos, de se sentir
envolto em grandes flores macias, de derramar seiva, a seiva viva e forte que o
incandescia e tonteava. Mas o cansaço o amolentava.”
“Onde ficava afinal o mérito superior do Paulo, que o colocava tão alto no
conceito da família, que punha sob o bigode branco do major um sorriso desvanecido,
quando dizia, numa conversa:
– Meu filho, o doutor...
Seria por suportar com mais paciência a maçada das aulas, onde um velho
pedante disserta, por se enfrascar com inexplicável interesse em leituras difíceis, que só
de recordá-las sentia calafrios de preguiça e de tédio? E o seu esforço constante, sua
energia, sua saúde, sua alma que nunca suportou a servidão a uma disciplina ou a um
professor, que não admitia que o mandassem agir e que o mandassem pensar... não
valeriam muito mais que um interesse estéril de juristas por abstrações, ou o quase
culto do servilismo de aluno pelo mestre; depois de formado, o mestre fora substituído
pelo juiz, de quem suportava as anedotas e a carranca, de quem comia os jantares, a
quem namorava a filha, visando apenas promoção, prestígio... Então ser superior é
renunciar ao seu feitio e à sua vontade e, recortando todo o excesso de personalidade,
amoldar-se à forma comum dos outros?”
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Em poesia: Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília
Meireles e Vinícius de Morais.
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
Terceira Geração do Modernismo (1945- 1980)
Conhecida como fase "Pós-Modernista", não há um consenso a respeito de seu término,
pois muitos estudiosos afirmam que essa fase termina em 1960, enquanto outros definem o
fim dessa fase nos anos 80; há ainda os que consideram que a terceira fase modernista
prolonga-se até os dias atuais.
Nesse momento, tem-se um predomínio e diversidade da prosa, a saber: prosa urbana,
prosa intimista e prosa regionalista. Além disso, surge um grupo de escritores denominado
“Geração de 45”, muitas vezes chamados de neoparnasianos, pois estes buscavam uma poesia
mais equilibrada.
Os autores de maior expressão dessa fase são: João Cabral de Melo Neto (1920-1999);
Clarice Lispector (1920-1977); João Guimarães Rosa (1908-1967); Ariano Suassuna (1927);
Lygia Fagundes Telles (1923) e Mário Quintana (1906-1994).
Emergência
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo —
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Mário Quintana
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Morte e Vida Severina
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
(...)
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra
ENCONTRA DOIS HOMENS
CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA
REDE, AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS
ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI
EU QUEM MATEI NÃO!"
A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
dizei que eu saiba.
A um defunto de nada,
irmão das almas,
que há muitas horas viaja
à sua morada.
E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
Severino Lavrador,
irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
— E de onde que o estais trazendo,
irmãos das almas,
onde foi que começou
vossa jornada?
— Onde a Caatinga é mais seca,
irmão das almas,
onde uma terra que não dá
nem planta brava.
— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
— Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
(...)
João Cabral de Mello Neto
10 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA LITERATURA BRASILEIRA
(1980 aos dias atuais)
Poesia
Um sucessão de novas vanguardas poéticas oscila entre o formalismo (estética radical, e
não-comprometimento da literatura), e a participação (o compromisso sócio-político, adesão
da arte à necessidade de expressar a vida). Em ambas as tendências, verifica-se uma
interpretação entre a palavra, a musica popular e a crítica como demonstram seus movimentos
artísticos, exemplo: bossa-nova.
Concretismo
O Concretismo começa a despontar no Brasil com a publicação da revista Noigandres
pelos três poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Porém, fixa-se
no Brasil com a Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna
de São Paulo.
O poema concretista é chamado de poema-objeto por causa dos recursos estilísticos
adotados: a eliminação de versos e a incorporação de figuras geométricas. Os poemas
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
concretos possuem carga semântica, mas diferenciam-se por enfatizar o conteúdo visual e
sonoro das palavras.
Diferenciação entre tipos de poesia durante o Concretismo no Brasil
● Poesia-Práxis: Lançada a partir de 1961 com o Manifesto Didático, liderada por Mário
Chamie, considerava a palavra um organismo vivo, o qual gera o outro.
● Poesia social: movimento de reação contra a poesia concreta por poetas que a considerava
exagerada em formalismo. Propunham a volta dos versos, a linguagem simples e a visão da
poesia como instrumento de expressão social e política. É ilustrador dessa perspectiva:
Ferreira Gullar.
● Tropicalismo: movimento musical dos anos 67 e 68, que contribuiu para a literatura com a
visão de aproveitamento de qualquer estética literária, sem preconceitos. Essa manifestação
resultou em certo anarquismo, porém rigorosamente censurado.
● Poesia Marginal dos anos 70: poesia sem edição, livre dos padrões de produção e
distribuição, com tiragem pequena. Alguns autores dessa prática são conhecidos: Paulo
Leminski e Chacal.
Prosa
Os prosadores tiveram uma participação menos intensa nos movimentos
experimentalistas desse período. Neste período usará muitos aspectos expressivos, e produção
de alguns contistas e romancistas contemporâneos que confirmam a maturidade da nossa
literatura.
Na ficção psicológica de tom intimista e ao mesmo tempo engajado, destacam-se
Dionélio Machado, Lígia Fagundes Telles, Fernando Sabino, Carlos Heitor Cony, Dalton
Trevisan, Antonio Callado e Hermilo Borda Filho.
Como exemplo podemos citar Fernando Sabino, que publicou "O encontro marcado" no
ano de 1956, que focaliza a geração que amadureceu durante a Segunda Guerra mundial, com
seus sonhos e desilusões, e Carlos Heitor Cony, que publicou "A Travessia" em 1967, que
retrata o universo burguês degradado , num exemplo penetrante de neo-realismo psicológico,
que antecede a manifestação de uma postura mais explicitamente política, dando ênfase ao
compromisso do indivíduo perante a sociedade.
Rápido e rasteiro
Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra
parar.
aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.
Chacal
Beba coca-cola
beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
c l o a c a
Décio Pignatari
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
Trecho de “Ver o pôr-do-sol” – Lígia Fagundes Telles
Ela encarou-o um instante. Evergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr-do-sol!... Ali, meu Deus... Fabuloso, fabuloso!... Me implora um
último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira,
só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr-do-sol num cemitério...
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
- Raquel, minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era
de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse
possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando
pelo buraco da fechadura...
- E você acha que eu iria?
- Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se
pudéssemos conversar um pouco numa rua afastada... - disse ele, aproximando-se mais.
Da década de 1980 à atualidade
Como poesia, alguns autores de ficção mais representativos iniciaram seu percurso nas
décadas anteriores: Domingos Pellegrini, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Ângelo, Luiz
Vilela, Marina Colasanti, Roberto Drummond, Sérgio Sant’Ana, Siviano Santiago.
Entre as tendências da prosa das últimas décadas, destacam-se o thriller e a novela
policial, que como no cinema americano e na televisão, utilizam a violência como tema de
impacto.
Um conto de um dos novíssimos autores que exemplifica com perfeição o tom e o estilo
dos novos prosadores é o: Socorrinho, de Marcelino Freire. O Texto exige um leitura muito
atenta às mudanças de vozes, de pontos de vista e de situações.
Teatro: Renascimento do Gênero
O teatro é o gênero menos desenvolvido ao longo do período modernista. O
desencadeamento deste gênero ocorreu durante a 2ª guerra mundial, onde profissionais do
teatro estrangeiro chegaram ao Brasil provocando mudanças.
Destacam-se também alguns autores brasileiros neste renascimento teatral: Nelson
Rodrigues (A mulher sem pecado, 1939), Jorge Andrade (Pedreira das Almas, 1958), Chico
Buarque (Calabar, 1973) e Ariano Suassuna (Auto da Compadecida, 1959). Um exemplo é a
obra o Auto da Compadecida, a peça retoma com diálogos simples e vivos, o famoso “jeitinho
brasileiro”.
Trecho da obra “Auto da Compadecida” – Ariano Suassuna
Chicó – É, o cachorro já estava morto, mas você sabe como esse povo rico é cheio de
agonia com os mortos. Eu, às vezes, chego a pensar que só quem morre completamente
é pobre, porque com os ricos a agonia continua por tanto tempo depois da morte, que
chega a parecer que ou eles não morrem direito ou a morte deles é outra.
João Grilo – Você ainda não viu nada! Eu ter tirado a bexiga do cachorro não quer
dizer coisa nenhuma. Danado é o gato que tomar o lugar do morto.
Chicó – Do morto? Que morto?
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Organizada por: Prof. José Arnaldo da Silva
João Grilo – O cachorro, companheiro. Você vai ver uma coisa.
Chicó – Não estou entendendo nada.
João Grilo – Pois vai entender daqui a pouco. Vou entrar também no testamento do
cachorro.
Chicó – Como, João?
João Grilo – Eu não lhe disse que a fraqueza da mulher do patrão era bicho e
dinheiro?
Chicó – Disse.
João Grilo – Pois vou vender a ela, para tomar o lugar do cachorro, um gato
maravilhoso, que descome dinheiro.
Chicó – Descome, João?
João Grilo – Sim, descome, Chicó. Come, ao contrário.
Chicó – Está doido, João! Não existe essa qualidade de gato.
João Grilo – Muito mais difícil de existir é pirarucu que pesca gente e você mesmo já
foi pescado por um.
Chicó – É mesmo, João, do jeito que as coisas vão eu não me admiro mais de nada.
João Grilo – Para uma pessoa cuja fraqueza é dinheiro e bicho não vejo nada melhor
do que um bicho que descome dinheiro.
Chicó – João, não é duvidando não, mas como é que esse gato descome dinheiro?
João Grilo – É isso que é preciso combinar com você. A mulher vem já para cá,
cumprir o testamento. Eu deixei o gato amarrado ali fora. Você vá lá e enfie essas
pratas de dez tostões no desgraçado do gato, entendeu?
Chicó – Entendi.
João Grilo – Quando eu gritar por você, venha, me entregue o gato e deixe o resto por
minha conta.
Chicó – E o que é que eu ganho nisso tudo?
João Grilo – Uma parte no testamento do cachorro.
Chicó – E se o negócio der errado?
João Grilo – Lá vem você com suas latomias! Quer ou não quer? Se não quer diga
logo, que eu arranjo outro sócio.
Chicó – Quero.
João Grilo – Então vá.
Chicó – E a bexiga do cachorro?
João Grilo – Homem, vá-se embora pelo amor de Deus que a mulher vem por aí!
Espere. A bexiga é que vai nos garantir se o negócio der errado. Leve-a, encha-a de
sangue e bote no peito dentro da camisa. Vá, vá.
REFERÊNCIAS
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