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A RO LD O P LIN IO GONGALVESPROFESSOR TITULAR DEDIREITOPROCESSUAL CIVIL NA

FACULDADE DE DIREITO DAUFMG - JUIZ PRESIDENTE DO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO -MG

TECNICAPROCESSUAL

ETEORIA DO PROCESSO

AIDE EDITORA

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G635t Goncalves, AroIdo Plinio, 1943Tecnica ProcessuaI e teoria do processo/

Aroldo Plinio Goncalves, - Rio de Janeiro :

Aide Ed., 1992.220p.

1. Direito processual civil . I.Titulo.

CDD-341.45

ISBN: 85-321-0071-6

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

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INTRODU~Ao .

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omovimento de renovacao do Direito Processual, que eclo-

de emvarios Congressos e se manifesta em importantes obras do

Direito brasileiro, atua como fonte geradora de novas ideias enovas reflexoes sobre antigas questoes da construcao doutrina-

ria.

Dentre suas contribuicoes, anuncia a superacao do tecnicis-

mo do seculo XIX, onde 0rito se fazia pelo rito e a forma se

cumpria pela forma. Essa e realmente uma boa-nova que 0seculoXX, ja caminhando para seu final, pode deixar como conquista

para as geracoes futuras. As novas ideias tendem, entretanto, a

diluir, na propria superacao do tecnicismo do seculo passado, a

visao do processo como estrutura tecnica que se poe como

instrumento para 0exercicio da jurisdicao.

Quando se reflete sobre as superacoes .de velhos modelosproduzidas pelos movimentos inovadores, em alguns momentos

da historia humana, tem-se a impressao de que todos cumprem

urn destino comurn. Nao se passam como as acoes e reacoes

explicadas pela Fisica, que envolvem forcas iguais e contrarias.

Neles, as forcas que se sucedem a s antigas sao mais potentes, enem sempre vao apenas na direcao contraria, .mas abrem-se em

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urn verdadeiro prisma de possibilidades de multi pIos caminhos.

Pode ser lembrado, nos anos sessenta, deste seculo ,0movimen-

to da contracultura, que, reagindo contra uma cultura considera-

da arcaica, propoe-se a fechar as Universidades, a retirar os

professores das salas de aula, e a renovar 0mundo a partir de

outras bases. Seus efeitos se desdobram em march as sobre Paris ,no movimento hippie, nos woodstockes, e em tantas outras ma-

nifestacoes inesqueciveis, que fizeram dos anos sessenta os anos

das revolucoes.

o movimento de renovacao do Direito Processual parece

cumprir tambem esse destino. Tenta superar as insuficiencias de

uma concepcao deficiente de processo, do rito peIo rito e da

forma peIa forma, abolindo 0formalismo. Tenta superar um

direito insuficiente, porque nao deu respostas adequadas a o sproblemas sociais da epoca, eliminando 0fator juridico, que se

torna 0elemento menos importante, confrontado com uma or-

dem social ou politica, Tenta substituir uma tecnica juridica

deficiente, porque construida sobre antigos conceitos que nao

passaram peIo necessario ajustamento, eliminando a tecnica.

Nega-se, ou se exclui como algo necessario, 0papel fundamental

do conhecimento em relacao a s necessidades sociais e humanas,

e a s necessidades da Ciencia do Diretto Processual, 0 importan-

te, no Direito Processual, ja nao sao os conceitos, mas e umanova mentalidade de reforma, que se quer efetiva, e se faz urgen-

te, pOl'que e preciso trans formal' as condicoes sociais. E0meca-

nismo dessa transformacao e direcionado para 0processo, a que

se atribui a missao de reformador SOCial,peIo cumprimento de

finalidades polfticas e sociais.' MARXe sempre relembrado, na

1 V. cANDIDO R.DINAMARCO-"0 que conceitualmente sabemos dos insti-

tutos fundamentals desse ramo jundico ja constitui suporte suficiente para

o que queremos, ou seja, para a construcao de um sistema processual apto

a conduzir aos resultados praticos desejados. Assorna, nesse contexto, 0

chamado aspecto etico do processo, a sua conotacao deontol6gica." In: "A

Instrumentalidade do Processo'' 2a ed. rev. e atuaL. - Sao Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1990, p. 21. Ainda: "0 processualista de hoje pensa

na missao social, polftica e jurfdica do processo." Cf. cANDIDO R. DINA-

8

passagem mais celebre das Teses Contra Feuerbach, a 11il.tese:

"Os fil6sofos se limitaram a interpretar 0mundo diferentemente,

cabe transforma-lo". Mas nao sera lembrado que MARXnao cha-

mava os teoricos como agentes da transformacao e sim os opera-

rios do mundo, que eram conclamados a se unirem. Uma teoria

sera sempre uma teoria, e por si so nao tem 0poder de ser outra

coisa, e MARX certamente percebia isso. Se for usada como arma

de reforrna, a forca que possuir estara no brace revolucionario,

ou no brace reacionario, e nao nos conceitos por ela formula-

dos. GALILEUnao foi processado pela .forca .dequalquer teoria

de ARIST6TELES, mas peIa forca de BELARMINOe de URBANO

VIII, ou peia forca da Inquisicao, que, conforme diz RUSSELL,

"foi muito bem sucedida em seu empenho de acabar com a

ciencia na Italia"z. NIETZSCHE certamente nao suspeitava da

futura exisrencia de GOBINEAU. E imitil perguntar se teriam

eles, se pudessem, dado autorizacao para 0uso pratico que foi

feito de suas construcoes, A responsabilidade que 0teorico tern

com as ideias que coloca em circulacao'' limita-se a sua honesti-dade, pois nao se po de amordacar 0pensamento, nem se colocar

em uma camisa-de-forca a liberdade que constitui instrumento

de sua veiculacao. POl'isso, teoria sao teorias.

Os movimentos de renovacao deste seculo, no campo da

cultura ocidental, como OCOlTeuem outros momentos da Histo-

ria, nasceram da crise da razao, de uma razao que CASTORIADIS

ve como uma criacao humana enlouquecida" e que tern sido

motivo de muitas angustias.

MARCO:"Tecnica e Efetividade do Direito Processual" in Synthesis -Direito

do Trabalho Material e Processual -Rev. Sernestral, nQ4/87, pp. 46/47.

2 Cf. BERTRANDRUSSELL- "Historia da Filosofia Ocideutal" Livro Terceiroa "

Trad. de Brenno Silveira, 3- ed., Sao Paulo: Companhia Editora Nacional,

1969, p. 55.

3 A questao e levantada por MICHELVIRRALYLa Penseefuridique, Paris:

Librairie Generate de Droit et dejurtsprudence, 1960.

4 "Digarnos, antes, que 0homern e urn animal louco que, por meio da sua

loucura, inventou a razao, Sendo um animal louco, naturalmenre fez da

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Assim como, no limiar da Idade Media, SANTOAGOSTI-

NI:IOchorava amargamente por haver cedido a tentacao de ter se

entretido com a literatura grega.? 0Ocidente carrega essa sina.

Ama a razao apaixonadamente, cultua-a como nenhum outro

povo jamais 0fez,HEGEL0mostrou, mas depois se lamenta por

haver cedido a sua seducao e faz0seu mea culpa, repudiando-a.

Tenta encontrar sua absolvicao no culto dos procedimentos ir-

racionais (no sentido Weberiano), A razao nao deu respostas

adequadas aos problemas do mundo? Exc1ui-se, elimina-se a

razao.

A crise da razao, com a negacao da racionalidade, alastrou-

se pelo Ocidente, que mal percebeu que, se naodeu respostas

adequadas a seus problemas, 0fato nao poderia ser tributado arazao, mas a s finalidades que foram dadas a seu usn, eleitas pelos

proprios homens, Se a tecnica se aperfeicoou tanto a ponto de

permitir a eficiencia em grau de excelencia para 0culto da vida

ou para 0culto da morte, a responsabilidade que decorre desse

aperfeicoamento nao e certamente da tecnica, ou da capacidade

que 0homem possui de produzi-la, mas da vontade que a dire-

ciona para os fins. Porque a pedra foi, segundo os antigos textos

sagrados, a primeira arrna de urn crime, para se acabar com os

crimes nao basta destruir as pedras.

o jogo de amor da cultura ocidental com a razao e urn

estranh,o jogo, mas nao mais estranho do que qualquer jogo de

amor. E urn jogo dirigido e presidido pelas emocoes, e forma

nao urn curso regular, mas urn dis-curso, que, como viu ROLAND

BARTHES,6e a unica via possivel em toda experiencia amorosa,

porque a sua trajetoria jamais se da em uma linha reta e conti-

nua. A razao e tao amada e tao cultuada que 0homem ocidental

quase se dissolve nela. Mas pede demais a ela, projeta demais .

nela, espera demais dela, e logo se ressente e a repudia, incrimi-

na-a por nao dar respostas satisfat6rias a todos os seus anseios .'

Entretanto, a separacao nao dura muito, porque 0ser humano

ocidental se fez uno com a razao e necessita dela para se reco-

nhecer a si mesmo, e sem ela se ve fragmentado e, para se

recompor, acaba retornando a ela, E porque a razao 0cativa, ele

a detem cativa."

A penosa caminhada de uma sociedade, que ainda nao

resolveu problemas de ordem vital para a maioria de seus mem-

bros, desperta, nos estudiosos mais conscientes da dignidade

reconhecida a cada ser humano pelo Direito, a indignacao por

sabe-lo existente e por ve-lo, nao obstante, negado. Amdignacao

que nasce da pureza das intencoes tern pressa. A dignidade

humana e valor quenaose negocia, como realmente sempre 0

f6(por 1SS0nasce a ansia de promove-Ia ja. Compreende-se,

entao, 0 apelo para que 0 Direito seia 0 elemento transformador

da sociedade. Mas nao se pode esquecer que a sociedade con-

ternporanea nao tern a pureza das primitivas, e ja nao aceita

prof etas com suas tabuas de leis. Quer fazer 0seu destino e quer

ser agente da sua hist6ria. Seus conflitos sao trazidos a luz do diae resolvem-se no jogo das pressoes e das contradicoes.

o direito material, enquanto canone de conduta e de orga-

nizacao social, sera fator de transformacao, se assim for construi-

do pelos seus destinatarios, que sao tambern os seus criadores. 0sua invencao, a r azao, 0nstrumento e a expressao mais met6dica da sua

loucura . I sto podemos hoje saber, pOl 'que isto acon teceu". Cf CORNELIUS

CASTORIADIS - Reflexoes sobre 0Desenvolvimento e a Racionalidade

trad. de Mauricio Santiago Almeida F., in Revolucao e Autonomia ' U~

Perfil de Cornelius Castoriadis, Belo Horizonte: COPEC-Cooperativa Edito-

ra de Cul tu ra e de Ciencias Socia is L tda ., 1981 , pp.1l7/145, 0recho citadoesta na p. 144.

5 cr. SANTO AGOSTINHO - Confissoes, trad, de J. Oliveira Santos, S.)., e A.

Ambr6sio de Pina, S.]., Sao Paulo: Abril Cultural, 1973, v. Livro I, 14e 15,

pp.36/37.

6 ROLAND BARTHES - Fragmentos de lim Discurso Amoroso - Trad, de

Hortensia dos Santos , Rio de Janei ro : Francisco Alves, 3 !! ed., 1981.

7 Cf, Reporta-se, aqui, ao duplo significado da expressao "a razao cativa" da

obra de SERGIO PAULO ROUANET -A Razao Cativa - As Ilusoes da Cons-

ciencia : de Pla tao a Freud. Sao Paulo: Ed itora Bras il iense, 1985.

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processo, como instrumento disciplinado pela lei para permitir a

manifestacao do Poder Jurisdicional, chamado a resolver os con-

flitos, onde as autocomposicoes falharem, e instrumento pelo

qual 0Estado fala, mas e , tambem, instrumento pelo qual 0

Estado se submete ao proprio Direito que a nacao instiruiu. E

esse Direito e0inico poder capaz de limitar a atuacao do Poder.

Foi a crise de confianca no Direito instituido pela sociedade

politicamente organizada que inspirou a Escola do Direito Livre

na Alemanha, 0Freirecht de KANTOROWICZ,de EHRLICH, de

PHILIPP HECK, mas for=tambem ela que, a partir de 1933• • II _ '

111SPlroua renovacao completa dos ideais do direito e da missao

do juiz", que repudiou as construcoes 16gicas dos romanistas e

confiou no senso inato do juiz a condition qu'il soit de pure

race et qu'il s'inspire, non pas d'un individualisme desuet

mais de la communaute nationale, que admitiu que a lei e umaspecto do direito, mas nao 0mais importante, porque existe un

droit non ecrit qui se degage de l'dme du peuple allemand et

qui estconforme aux necessites de la vie nationale, droit claire-

~'l~nt reconnu,8ou rnieux, senti et energiquement realise par le

Juge allemand. Como recorda DU PASQUIER,0congresso juri-

dieo germano-italiano, realizado em Viena em maio de 1939,

tratando do problema do Direito e dos juizes, adotou teses no

sentido de que 0juiz vincula-se a lei, ressalvando-se que ele

s'inspire de l'esprit de la nouvelle philosophie et non plus des

principes individualistes surannes du steele passe.' Essa novafilosofia que se impunha aos juizes era 0nacional-socialismo.

• A 0 ~ec,ulo:x x rompeu com0mito do seculo passado de que

a crencia e urn conjunto de verdades e certezas, permanentes,

imutaveis, definitivamente estabelecidas. Ao contrario de depor

contra 0conhecimento cientifico, essa postura anseia pelo seu

progresso, por sua continua complementacao, e conduz aquela

palavra de fe, de que fala BACHELARD,do cientista que termina

o seu dia de trabalho dizendo: "Amanha saberei.l'' E nessa

profissao de fe a ciencia recupera a sua dimensao humana. Todo

conhecimento, em qualquer area, e fruto de muitos esforcos

conjugados, em que conceitos e teorias se substituem e se reno-

__,~m, e, naoraras vezes, .a.rerioY:i<_;;aoseazcom esteio nas antigas

concepcoes.repudiadas ou como resposta a elas.

Toda afirmacao sobre a inutilidade, a impropriedade ou

impossibilidade do reexame de conceitos s6 pode ser tomada

como uma atitude deremincia ou como uma atitude auroritaria ,

ou, ainda, como manifestacao de extraordinaria pureza, da qual

uma das formas se revela naquela fe inabalavel no dogma que

leva as pessoas a morrerem por suas verdades. Essa fe e adossantos, mas nao dos cientistas, pois, lembrando novamente BA-

CHELARD,"verdades inatas nao poderiam intervir na ciencia"!".

A liberdade da investigacao cientifica nao pode ser tolhida, e

mesmo a lei, quando fixa definicoes e estabelece conceitos, nao

poderia impedir a acao da doutrina juridica, Poderia, por certo,

tentar impedir a sua divulgacao, como ocorreu com a censura,

quando legalmente admitida, mas a propria hist6ria demonstra

que a liberdade de pensamento, mesmo quando nao encontra

sua correlata garantia de cornunicacao, encontra outros cami-

nhos para se expandir.

A autonomia do Direito Processual, com 0seu bern demar-

cado campo de investigacao, com conceitos e categorias pro-

prias, nao poderia constituir razao para se dispensar uma revisao

de seus principais institutos. A revisita a eles nao e movida por

8 Nt/~1Bt·O inaugural de I'Aleademie fur deutscbes Recht, juin 1934, p.6,article du professeur W Kisch, vice-president de la dite academie intitule

Der deutscbe Ricbter Cf, CLAUDE DUPASQUIER - Introduction a ' fa Tbeo-rie Generate et it la Pbilosopbie du Droit, 4( 1 ed., Neuchdtel. Delacbaus: et

Niestle, 1967, p.196.

Cf. CLAUDE DU PASQUIER, op. cit ., p.196.

10 Cf. GASTON BACHELARD -0Novo Esp ir ito Cient ffico , t rad. de Remberto

Francisco Kuhnen. in Bergson-Bachelard , Sao Pau lo : Abr il Cutura l, 1974,p . l l i . .

11 Cf. BACHELARD, op. c it., p. 334.9

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diletantismo ou por qualquer afinidade com uma jurisprudencia

dos conceitos, hi muito desmistificada pela crftica de VON JHE-

RING sobre 0higubre ceu dos conceitos descarnados, que per-

dem a vitalidade quando se distanciam do real. Longe, tambem,

de sugerir postura conservadora, a tarefa que se constitui nao

apenas no "repensar 0que ja uma vez foi pensado", mas princi-

palmente "em urn pensar ate ao fim 0ja pensado uma vez",-

expressao utilizada por RADBEUCH12 para definir 0 proprio

labor interpretative - e, ainda, a alternativa de se projetar

alguma luz sobre a propria realidade do Direito que tern vinculos

diretos com ofator humano. Assim, embora nao seja certo,

porque intrincados fatores nao autorizain tal previsao, sempre

sera possivel que 0resultado dessa tarefa contribua para que as

transforrnacoes sociais possam se fazer nao de modo caotico,

mas com 0minimo de sofrirnento possivel, com a racionalidade

que aepoca alcanca.

No momenta em que uma ciencia renuncia a continuar

investigando seu objeto e as complexas relacoes a que pode ser

submetido pela analise, tera renunciado, antes, a si propria,

como competencia explicativa da realidade, quando clarificar a

realidade que elege como seu dominio de trabalho e , inegavel-mente, a missao socialcornum de qualquer ciencia.

Aretomada do exame de alguns dos conceitos ja considera-

dos seguramente estabelecidos no Direito Processual pode com-

portar certas surpresas, Aimportancia crescente que os institutos

do Direito Processual adquiriram na epoca contemporanea nao

chegou, ainda, ao apice de seu movimento ascendente. Nao

obstante, a doutrina do Direito Processual nao resolveu alguns

problemas que tern retardado sua marcha e ela naopode negli-

genciar seu proprio progresso justamente quando as formas de

solucao de conflitos do mundo atual dela muito esperam.

Este trabalho nao pretende e nao poderia pretender inven-

tariar todas as movacoes que se prenunciam no Direito Proces-

sual Civil. Mas pretende deixar uma contribuicao sobre a nova

concepcao de processo como procedimento realizado em con-

traditorio entre as partes, que exige que se pensem novamente

alguns conceitos da moderna doutrina que ja nao se ajustam ao

novo quadro do Direito positivo contemporaneo: assim, a pro-

pria concepcao de procedimento, de relacao juridica processual,

da acao, da relacao entre 0direito material eo processo. Preten-

de, tambem, a partir de uma nova concepcao de processo, refle-

tir novamente sobre os escoposque the sao atribuidos.

A nova concepcao de processo sera trabalhada com base na

obra do ilustre Professor italiano ELlO FAZZAIARl,que contem a

sintese de suas investtgacoes sobre 0tema. Nao ha a preocupa-

<;aode se citar passagens no original, a nao ser quando a oportu-

nidade do tratamento do tema 0autorizar, porque, na obra de

FAZZAIARl,toda reflexao e profunda, 0que tira 0sentido de se

relevarem os aspectos mais importantes que justificariam a trans-

cricao academica, As constantes referencias em notas de pe de

pagina suprirao as exigencias de se indicar 0pensamento do

autor citado e do controle de sua autenticidade. 0 metodo

escolhido se explica pela opcao que se faz. entre a tentativa de se

demonstrar erudicao e a tentativa de se conquistar a clareza, a

preferencia e por essa ultima, em coerencia com 0que se enten-

de ser a funcao social da ciencia.

A reflexao sobre os escopos do processo tern inspiracao na

obra do ilustre jurista brasileiro, Professor CANDIDO R. DINA-

MARCO, citado, inclusive, por FAZZALARI,em notas de pe de

pagina. Dele se vai divergir em varios topicos, mas este e apenas

o sinal do reconhecimento da grande influencia que seu pensa-

mento tern exercido na formacao dos processualistas brasileiros

da nova geracao.

Nao se negara, em nenhum momento, 0direito fundamen-

tal da doutrina de fazer suas opcoes filosoficas. 0 que se coloca

em questao sao os problemas da construcao juridica e de sua

fundamentacao.2 Cf. GUSTAVRADBRUCH- Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de

Moncada, Coimbra: Arrnenio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p.186.

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As possiveis elucidacoes sobre as ainda presentes insuficien-

cias ou contradicoes do quadro conceitual utilizado pela doutri-

na do Direito Processual Civil para estabelecer as relacoes entre

procedimento e processo, que incidem inevitavelmente em dife-

rentes modos de se conceber 0processo, e que se refletem no

conceito de acao, e que se projetam na finalidade do processo,

poderao se constituir em contribuicao tanto para a Ciencia do

Direito Processual, como para 0 tratamento de questoes de 01'-

dem pratica, tao necessaria nesse momento em que a nova 01'-

dem constitucional brasileira abriu extenso campo depos-

sibilidades de alteracoes no Direito Processual, aqui referido

como sistema normativo.

CAPITULO I

CIENCIA E TECNICA

1.1. A CIENCIA

~_~iyisa.odo campo do conhecimento, no curso da Historia,

gerou uma multiplicidade de ciencias e, mais ainda, de termino-

logias paradesigna-las de- acordo com variados criterios referi-

dos, principalmenre, arelacao entre teoria e pratica e ao objeto

da investigacao cientifica.

Nao se. p!_t!t~~nde,,_~gJli,ecuperar 0elenco das diversas

propostas de divisao e de designacao das ciencias, mas explicitar

<llg_!'!'Ill~_11Q~Q~Suja obscuridade tern prejudicado a compreen-

sao do tema que se poe como objeto deste estudo.

E , ainda, comum encontrar-se a divisao das ciencias entre

teoricas e praticas, ou especulativas e praticas,

A qualificacao, impropria e ainda amplamente utilizada na

doutrina juridica.P que contrapoe a s ciencias te6ricas as prati-cas, tern a iinica utilidade de ressaltar que as primeiras se voltam

13 Sobre as manifestacoes da doutrina envolvendo a distincao entre ciencias

especulativas e praticas, cf. MIGUELREALE-Filosofia do Direito, 8a ed. rev.

e atualizada - Sao Paulo: Saraiva, 1978, lQv., pp. 264 e s.

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BIBLIOTECA

PUCoMINA.S/BETIM

para a pr0c:iu<_;aoo conhecimento e as segundas paraa aplicacao

dos resultados adquiridos por aquelas ..

Tal terminologia certamente e reminiscencia ciadivisao aris-

totelica entre a ciencia e arte (ars, traducao latina do grego

teXvn, de que derivou a palavra "tecnica").

Sem necessidade de se aprofundar, aqui, as transforrna-

<_;oespOl' que as duas concepcoes passaram na experienciahistorica, registre-se apenas que ARIST6TELES restringe 0

campo da ciencia ao conhecimento teorico, cujo objeto e con-

cebido como necessario, e projeta fora dessa esfera do neces-

sario 0 que, nao sendo necessario, e, entretanto, possivel.

Subdividindo 0 possivel, quanta a a<_;ao a producao, reserva a

expressao arte a acao possivel que tern como objeto a produ-

<_;ao. arte e definida como 0 habito dirigido peIa razao de se

produzir alguma coisa.l"

Hoje, a antiga denominacao, de que se tern ainda resqui-

cios, se substitui, mais adequadamente, por ciencias teoricas e

ciencias aplicadas, admitindo-se que a ciencia aplicada e apenasa ciencia, em sua constituicao intrinsecamente teorica, voltada

para resultados determinados.

Nao se duvida mais de que qualquer ciencia e sempre teori-

ca, embora a atividade humana 'encontre procedimentospara a

aplicacao pratica das aquisicoes do conhecimento.

Toda ciencia, seja natural, social, cultural, divisoes que se

fazem peIo criterio do objeto da investigacao, pode ser entendi-

da como urn conjunto de conhecimentos fundamentados, ou

como uma atividade criadora de conhecimento. De uma ou de

outra forma, independentemente de qual seja seu objeto, toda

ciencia se quer como uma competencia explicativa de uma deter-

minada realidade, seja ela natural ou cultural.

Nao e dernais insistir na dupla possibilidade de emprego do

termo ciencia, pols a falta dessa discriminacao tern gerado muitas

disputas imiteis, no campo do Direito.P

Em uma das cinco acepcoes registradas por LALANDE-

quatro deIas referidas a "saber", a "direcao de conduta", a "habili-

dade tecnica", e a "termo usado para oposicao a letras" - 0

termo ciencia corresponde a "urn conjunto de conhecimentos e

de pesquisas que tern urn grau suficiente de unidade, de genera-

lidade, e susceptfveis de levar os homens que a eIe se consagram

a conclusoes concordantes que nao resultam de convencoes

arbirrarias ou de go~tos e interesses individuais que lhes sejam

comuns, mas de relacoes objetivas que se descobrem gradual-

mente e que possam ser confirrnadas por metodos de verificacao

definidos'l.l'' .

A definicao de LALANDEcompreende a ciencia tanto como

conjunto de conhecimento, tanto como pesquisa. Encerra, tam-

bern, a ideia de que ciencia e descoberta gradual e de que seus

resultados sao sujeiros a verificabilidade." .AH~ISMANeVERGEZ,com base em LALANDE,afirmam que

a ciencra pode ser entendida como descoberta progressiva das

relacoes objetivas que existem no real" (.. .) "urn esforco para

conhecer, para explicar 0 que e".17

.A ~ercebe-se, no exame das duas propostas, que 0termo

ciencia refere-se ou ao conhecimento obtido, ou a atividadedesenvolvida para se obre-lo, sendo empregado ou como produ-

15 Ate hoje se ~iscute, por exemplo, se 0Direito e uma ciencia ou uma arte.

Mesmo considerando-se a multiplicidade de sentidos que 0termo Direito

cO~lporta, essa questao se esvazia, porque obviamente 0Direito enquanto

ob)et.o de urn conhecimento fundarnentado e s6 objeto desse co-nhecimento. Nem por outrarazao se fala em Ciencia do Direito.

16 Cf.. AND~ ~DE - Vocabulaire Technique et Critique de la

Pbilosopbie, Pans: Presses Uniuersiraires de France, 1972 -verbete: Science.

17 Cf. DENIS HUISMAN e ANDRE VERGEZ - Curso Modemo de Filosofia -

Introducao a Filosofia da Ciencia, trad. de Lelia de Almeida Gonzalez 8a

ed., Rio de]aneiro: Freitas Bastos, 1983, p. 42. '4 Cf. ARIST6TELES - Metafisica, L.1, in Obras, trad, de Francisco de P.

Sarnaranch, Madrid: Aguilar, 1977.

1819

 

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to de uma atividade ou como a propria atividade capaz de produ-

zi-lo.

Quando se diz que a ciencia e uma procura, uma investiga-c;ao,umatentativa de compreensao, esta implicito, nessa afirma-

c;ao, que 0intelecto se debruca sobre a realidade procurando

entende-la, pois 0conhecimento nao e um objeto natural que

possa ser simplesm~~te-encontrado em algum lugar, mas e ,antes, construido sobre uma determinada realidade. A atividade

cientffica, enquanto atividade que gera conhecimento, sefaz por

muitas formas, mas uma atividade cientifica racionalizada, capaz

de compreender 0seu proprio operar, exige aJguma meta (em-

bora 0resultado obtido sempre possa de1a escapar e causar

surpresas), alguns metodos que ja foram testados, ou mesmo 0

teste de novos metodos, eo manejo do que usualmente se denomi-

na instrumental teorico, ou seja, alguns concertos, definicoes, no-

C;6es,teorias que auxiliem a investigacao, Nenhuma realidade pene-

tea na mente humana senao pela representacao que se tenha dela,

por isso a atividade cientifica necessita encontrar um meio derelacao do intelecto com0real que se faz objeto da investigacao, e

o encontra nesse instrumental, que tambem sofre retificacoes, na

medida em que novos conhecimentos sao produzidos.

A ciencia, considerada ja nao como atividade, mas como con-

junto de conhecimentos, e , natural mente, a unificacao das desco-

bertas fragmentadas, dos resultados parciais da investigacao.

Assim, as duas acepcoes do termo, como atividade que

produz conhecimento e como conjunto de conhecimentos fun-

damentados, se complementam.

Convem, ainda, explicitar 0que se entende por criacao de

conhecimento, e, para tanto, vale a pena relembrar duas defini-coes propostas, em sintese magistral, por BRONOWSKI:

"ACiencia e um processo de criacao de novos

conceitos que unificam a nossa compreensao domundo'l.l?

A atividade essencial da ciencia e essa procura das seme-

lhancas nao aparentes, da unificacao, no entendimento, do que

se e~contra fragmentado e disperso em algum plano da realida-de. E no momento dessa unificacao do real no conceito, que edassicamente definido como uma unidade mental pela qual se

representa alguma parcela da realidade no intelecto, que a Cieri-

cia exerce a sua atividade criadora.

E oportuno ressaltar, tambem, a qualificacao da atividade

cientifica, e do proprio conhecimento que dela resulta, como um

processo. A antiga concepcao de ciencia como saber definitiva-

mente adquirido em carater irretocavel e imutavel nao se confir-

ma historicamente e nao e mats sustentavel, e a pretensao auniversalidade necessaria, requerida pela imobilidade da perfei-

c;ao, tao explicave] no pensamento grego, que acompanhou asantigas concepcoes de ciencia, foi substitufda pela objetividade

que admite, e requer, processos de correcoes sobre todo co-

nhecimento que nao perdeu sua vitalidade pela mumificacao

seguida da decomposicao.

Os process os e metodos utilizados na atiyidade cientffica

sao rmiltiplos, e sao, tambern, em seu aperfeicoamenro, submeti-

dos a racionalizacao da ciencia, Recuperar suas manifestacoes e

suas avaliacoes, no curso da Historia, seria penetrar em toda a

historia do conhecimento, e, em consequencia, pode-se dizer, na

historia da humanidade.e"

Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Sao Paulo: Ed. da Universidade de Sao Paulo1979, p.19. '

19 Cf. JACOB BRONOWSKI - 0 Senso Comum da Ciencia Trad. de Neil

Ribeiro da Silva, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Sao Paulo: Ed. da Universida-de de Sao Paulo, 1977, p.114.

20 ~ rentativa da ciencia de se tornar um processo racional, nao um saber

mfundado, mas inteligfvel e transparente para si mesmo, tem origens

"Toda den cia e a procura da unidade em seme-

lhancas ocultas" .18

18 JACOB BRONOWSKI - Ciencia e Valores Humanos, Trad. de Alceu Letal,

2021

-

 

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1.2. A TECNICA

A palavra tecnica e objeto de dois verbetes em LAlANDE,

que fez a critica de seu significado tomando-a como adjetivo e

como substantivo. A tecnica, como substantivo, que nomeia um

objeto, e par ele definida com dois sentidos.

"Conjunto de procedimentos bem definidos

e transmissfveis destinados a produzir certos re-

sultados julgados uteis"-----

imemociais, mas, no Ocidente, ate onde a investigacao alcancou, inicia-se

na Grecia, com os charnados Pre-Socraticos, JOHANNES HESSEN atcibui a

forma mais antiga do racionalismo a Platao, que distinguiu 0verdadeiro

saber "pew naps da necessidade l6gica e da validade universal". 0 verda-

deiro saber nao podecia ser fomecido poe um mundo em constantes

mutacoes, submetido a lei do movimento, a geracao e corrupcao, e por

isso nao poderia provir dos sentidos. Estes podem fornecer uma simples

opiniao, uma "doxa". Alem do mundo sensfvel hi um mundo supra-sensi-

vel, 0mundo das ideias que sao modelos dos conceitos e da realidadeempfrica. Aele, Platao julga possfvel ascender, como mostra pela teoria da

anamnesis, pela qual 0conhecimento e uma rerniniscencia, uma rernemo-

racao da alma que contemplou as ideias em uma experiencia extraterrena,

Cf. JOHANNES HESSEN - Teoria do Conhecimento. Trad. do Dr. Ant6nio

Correia, 8ll ed., Coirnbra: Arrnenio Amado-Editora, 1987, pp.63/64. Entre-

tanto, antes de Platao houve Parmenides, Heraclito, e tantos outros, cuja

"doxografia" foi parcialmente recuperada para nossos tempos. JEAN BEAU-

FRET, em ensaio sobre 0Poema de Parmenides, na parte da Palavras da

Verdade, contra a "Opiniao, defensora do partido dos rmiltiplos", escreve:

". ..a doxa, que nao e nem conhecimento nem ignorancia, yoga em alguma

parte entre ...0ser puro e0nao-ser absoluto, s6 se ligando a inconstanciadaquilo que esta incessanternente em devir. A ciencia (episterne), aocon-

trario, e acesso direto ao que existe de propriamente sendo naquilo que

e... , ou seja, aquilo que sernpre se comporta invariaveLmente em relacao a

si mesmo e a que Platao denomina eidos". Cf. in Os Pre-Socraticos -

Fragmentos, Doxografia e Comentarios, Selecao de textos e supervisao do

Prof. Jose Cava1cante de Souza, 2ll ed., Sao Paulo: Abril Cultural, 1978,

pp.163/169 ..Em relacao a aletbeia, a doxa era opiniao sem fundamento,

pura ilusao dos sentidos, recoLhida da aparencia ao contrario da episterne,

a ciencia, 0conhecimento de que se podia apresentar as causas. A investi-

gacao do metoda adequado para a busca de Aletbeia, iniciada, no Ociden-

te, com 0nous de Parmenides, pco~segue ate os nossos dias.

22

"Emsentido especial (...) a palavra tecnica se diz

particularmen te dos metodos organizados que se

fundam sabre um conhecimento cientifico cor-

respondente'v".

~-.

Anocao geral da tecnica e de conjunto de meios adequados

para a consecucao dos resultados desejados, de procedimentos

idoneos para a realizacao de finalidades.

E bastante difundida a concepcao de que a adequacao dos

meios aos fins, a idoneidade do procedimento, que estao na

propria concepcao de tecnica, supoem 0conhecimento da efica-

cia dos meios adotados para a.realizacao do fim, como se le em

EDUARDOGARCiAMA.YNEZ,que sustenta que toda tecnica ge-

nuina deve encontrar-se iluminada pelas luzes da Ciencia, e, por

isso, toda tecnica e de indole cientifica, pois uma tecnica nao

cientffica nao e tecnica, porque se torna incapaz de cumprir 0

seu destino.v'

Essa nocao deve ser tomada com extrema cautela, porque,

depois dos recentes estudos da Filosofia da ciencia e dos nao tao

recentes estudos de MAXWEBERsobre os processos de raciona-

lidade no Ocidente, ji hi base suficiente para se afirmar que hi

tecnicas produzidas antes da ciencia, e que os procedimentos

magicos primitivos eram dotados de adrniravel eficacia para a

consecucao de finalidades desejadas.

Dizer que toda tecnica e "iluminada pelas luzes da ciencia''significa ou negar-se a existencia dessas tecnicas primitivas, ou

ampliar-se tanto 0conceito de ciencia para que dentro dele se

inclua, tambem, 0saber desorganizado e ainda irracional, no

sentido de que nao pode ainda pensar seus proprios fund amen-

21 Cf.ANDRE LAlANDE -Vocabulatre cit., verbete. Technique (SUbSL).

22 Cf. EDUARDO GARCiAMAYNEZ- Introduccion al Estudio del Derecbo -

Vigesimaquinta Edicion Reuisada, Mexico: Editorial Porrua SA, 1975, p.

317.

23 ,

 

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tos. E nenhuma das duas hipoteses, pelo que ja disse, poderia ser

aceita.

E pOl' isso que os estudos criticos do termo tecnica hoje

incluem tecnicas racionais e tecnicas irracionais, como ja esta em

ABBAGNANO.23

Se e verdade que a tecnica nunca e concebida como um

fazer desordenado, que eventual e acidentalmente alcanca resul-

tados, nao e menos verdade que a ciencia se quer um conjunto

de conhecimentos, organizado e ordenado.

bastante significativos para demonstrar urn postulado que e qua-se intuitivo, quando se reflete sobre os processos culturais e os

resultados deles derivados: 0de que "historicamente a pratica

precede a teo ria, a tecnica precede a ciencia".o processo de racionalizacao da tecnica iria leva-la a pos-

sibilitar ql}e a ciencia se tornasse, realmente, um "saber aplica-

do". Ao alcancar essa etapa, a ciencia engendra novas tecnicas e a

tecnica, racionalizada, permite tanto 0crescimento do co-

nhecimento cientifico como a melhor aplicacao da ciencia, con-

forme finalidades previamente concebidas.

A partir desse ponto de confluencia, e possivel se fazer umaciencia da tecnica e e tambem possivel seobter tanto 0aprimora-

mento de antigas como a producao de novas tecnicas pela aplica-

<.;aodo conhecimento fornecido pela ciencia.

Entretanto, deve ser ressaltado que essa possibilidade eapenas 0que se disse. uma possibilidade.

MAXWEBER, 25 a quem se deve uma sistematizada investiga-

<.;aodos processos da crescente racionalizacao da civilizacao oci-

dental, demonstrou como essa rendencia nao e suficiente para

afastar as formas irracionais em varies de seus dominios, dentre

eles 0 do Direito.26

1.3. RELAr;6ES ENTRE CIENCIA E rECNICA

A concepcao de que a ciencia revela as relacoes entre os

fenomenos e a tecnica utiliza esse conhecimento para a obtencao

de urn resultado desejado - tao divulgada nos estudos da Cien-

cia do Direito, formulada na linha adotada por GARCiAMAYNEZ

- supoe a concepcao de que a tecnica corresponde a um saber

aplicado, como se necessariamente ela viesse a atingir 0nivel de

eficacia equivalente ao nivel de racionalidade do saber que the eteoricamente correlato.

Nao obstante, ha trabalhos bern sistematizados demons-

trando que as relacoes entre a ciencia e a tecnica nem sempre

podem ser captadas, na historia de seu desenvolvimento.

DENIS HUISMAN e ANDREVERGEZ24 fornecem exemplos

multiplicar em dimensao insuspeitada.

25 MAXWEBER - Essais sur fa Tbeorie de fa SCience, Paris: PIon, 1965. A

Sociologia do Direito (Recbtssoziologie) que constituiu um capitulo da

Wi1"tscbaft lind Gesellscbaft ; publicada posrumamente, foi publicada sepa-

radamente hi alguns anos na Franca, com alguns acrescimos que Weber

havia confiado a urn de seus alunos, como relata JULIEN FREUND,a quem

se deve urn excelente estudo feito sobre a racionalizacao do Direito em

Weber, recolhida do conjunto de sua obra, referida no mimero seguinte

deste rodape,

26 A racionalizacao, segundo WEBER, liga-se ao desenvolvimento cumulativo

das civilizacoes, que cresce na medida em que elas manejam e dominam a

tecnica ou certos procedimentos tecnicos. No Direito, 0processo de racio-

nalizacao e multo antigo, e WEBER0emete mesmo ao c6digo de Hamura-

bi. Entretanto, as formas irracionais, que sao aquelas formas primitivas e

arcaicas de Direito, em que 0pensamento jurfdico nao se distingue do rito

religioso, das prescricoes morals e politicas, convivem frequentemente .

23 Cf. NICOLAABBAGNANO-Dicionario de Filosofia, trad. coordenada e rev.

por Alfredo Bosi, com a colaboracao de Mauricio Cunio ...et al., 2l!ed., Sao

Paulo: Mestre Jou, 1982, v. verbete Tecnica.

24 Das velhas formas anrropornorficas de explicacao do mundo, em que os

procedimentos magicos deram origem it formacao de tecnicas eficazes para

a atuacao do homem na busca de resultados uteis, cujas bases cientificas

seriam descobertas posteriormente, lembram as antigas embarcacoes, 0

arco e a flecha, os utensilios, a alavanca, que permitiu 0deslocamento de

enormes blocos de pedras de que resultaram arquiteturas admiraveis, Cf.

DENIS HUISMAN e ANDREVERGEZ,op. cit., p.42 e s. Observe-se que,

prosseguindo na hist6ria, ate os nossos dias, os exemplos poderiarn se

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De qualquer forma, para racionalizar a tecnica, investigando

os meios mais habeis, mais idoneos e mais adequados para a

consecucao de resultados sobre bases obietivas, que podem ser

explicadas e entendidas, ou seja, sobre bases inteligiveis, a cien-cia, em qualquer campo do conhecimento, necessitou, primeira-

mente, se construir a simesma, como competencia explicativa da

realidade que se fez objeto de sua investigacao.

com as formas racionais.Asvariadas formas de irracionalismo passam pelodireito carismatico, que apela a um profeta deixado it pr6pria inspiracao,

porque interpreta oraculos ou recebe revelacoes, do qual WEBER formula

o arquetipo da [ustica do Kadi (Kadi-justiz), profetica e carismatica, que

nao se vincula a normas preexistentes, Os exemplos fornecidos por

WEBER, sob esse arquetipo, sao bem amplos, e podem ser lernbrados a

justica de Salomao, as Ordalias, os linchamentos e as atuacoes dos tribu-

nais revolucionarios, Tais formas irracionais subsistem nos sistemas os mais

racionais, e, para demonstrar a convivencia da racionalidade com a ir-

racionalidade, WEBER toma a distincao entre direito formal e material,

oferecendo quatro hip6teses e afirmando que um pode ser tao irracional

quanto 0outro: 1. 0 direito material irracional que se funda sobre 0

sentimento pessoal do juiz ou sobre 0arbitrio do despota. A justica do

Kadi eo exemplo tipico. 2. 0 direito material racional, quando 0direito ou

a sentenca se baseiam em normas exteriores e anteriores (nao importando

sua fonte. moral, polftica, religiosa ou ideologica). 3. 0 direito formal

irracional - quando 0uiz forrnaliza a sentenca, mas fundando-se sobre

uma revelacao, isso e,0ito da producao da sentenca deve-se it revelacao

do juiz. 4. 0 direito formal racional, quando 0ulgamento e baseado em lei

preexistente, ou seja, em regras sistematizadas e conceitos abstratos elabo-

rados juridicamente. Cf. JULIEN FREUND - La rationalisation du droit

selon Max Webe1',inFormesdeRacionalite enDroit, Archives dePbtloso-

pbie, Tome 23 , Paris: Strey, 1978, pp.67/92.

26

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CAPITULO II

CIENCIA]URlDICA E TECNICA]URlDICA

2.1. REIA<;Ao ENTRE CIENCIAjURiDICA E rECNICA

jURiDICA

o Direito e criado, formulado, para ser aplicado, e entre a

sua ciencia e os procedimentos adequados para sua aplicacao

deveria haver urn indissociavel Iiarne, realimentado mutuamen-

te, em razao de sua natureza, que 0faz em permanente processo

de construcao.

No entanto, as relacoes entre a ciencia do direito positivo e

os procedimentos de sua aplicacao verificaram-se no mesmo

passo que marcou a cadencia do relacionamento entre a ciencia

de qualquer campo do saber e a tecnica que, de alguma forma,

lhe correspondia.

Para investigar os procedimentos adequados, habeis e ido-

neos para a aplicacao do Direito e lhes conferir racionalidade, a

Ciencia Juridica necessitou, primeiramente, construir-se a si

mesma.

Os pass os dessa construcao foram muito ferteis, pois entre

coerencias e contradicoes, puseram em pauta as questoes das

relacoes entre urn direito ideal e urn direito positive, entre o

27

 

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direito natural e 0direito estatal, e 0que estava em jogo, na

verdade, eram os limites da intervencao ~ocial na liberdade indi-

vidual, e, logo, a sua reciproca, que entra em cena, passada a fase

do individualismo: os limites da liberdade humana dentro de

uma sociedade politicamente organizada. Como resultado desse

processo, uma multiplicidade de temas e de perspectivas se abriu

para a investigacao do fenomeno juridico, ou seja, do direito

manifestado na experiencia, do direito positivo, com existenciano tempo e no espaco. Do estudo da genese das normas ate 0

estudo de sua aplicacao hauma infinidade inesgotavel de refle-

xoes, pois 0que esta envolvido, entre esses dois momentos, e a

propria existencia da sociedade humana, as formas de sua orga-

nizacao e de solucao de seus conflitos.

internas, seocupou do Direito em sua natureza e em seus funda-

mentes, a', Sociologia juridica se preocupou com as relacoes

entre os titos sociais ea normatividade, a Ciencia do Direito

restringiu seu campo ao Direito que se positiviza, que se torna

manifesto na experiencia, como fenomeno, 0fenomeno juridico

que se delimita pelo criterio espacio-temporal. Os tres dominios

nao esgotam as possibilidades do estudo do Direito e, se essas

possibilidades se voltam tambem para 0passado, peIa Historia

do Diretto, projetam-se, igualmente, para 0futuro, com a preo-

cupacao em tome de uma Politica Juridica,- ja admitida por

RADBRUCH,28e ate mesmo de uma recente Informatica Juridica,

que ja pretende se sistematizar como campo autonomo do co-

nhecimento jurfdico.f"

o ponto de interesse desse topico, no entanto, nao e 0de

fazer cortes epistemologicos no amplo espaco em que se realiza

a investigacao juridica, mas apenas 0de correlacionar a Ciencia

Juridica e a Tecnica jurfdica, superando algumas dificuldades

que se poem para 0rato da tecnica processual.

2.2. OS CAMPOS DA INVESIIGA<;AO DO DIREITO

o conhecimento juridico sedividiu em varios campos, que

a doutrina ainda separa pol' crlterios diferentes.V mas nos qua-dros por ela apresentados percebe-se que 0dominio de cada

saber e, geralmente, demarcado tanto peIo objeto como pelos

objetivos da investigacao desenvolvida sobre 0Direito. De forma

geral, pode-se dizer que a Filosofia doDireito, com suas divisoes

2.3. DOGM411CAjURiDICA E

TEORIA GERAL DO DI.8EITO

ACiencia juridica, cujo objeto ficou bern Jefinido como "0

fenomeno juridico tal como eIe se encontra historicamente reali-

zado", "tal como se concretiza no espaco e no tempo",30 em

sfntese, 0direito positivo, a "ciencia do sentido objetivo do

27 Cf. MIGUEL REALE-op. cit. , 2Qv. p. 609 e s.; NORBERTO BOBBIO -Teoria

della Scienza Giuridica, Turim, 1950, p.18 e s., GUSTAV RADBRUCH -

Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L.Cabral de Moncada, Coimbra: Anpe-nio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v.II, p.185 e s.; ENRIQUE R. AFTALION,

FERNANDO GARCiAOIANO, JOSE VIIANOVA- Introducciort al Derecbo,

8aed., Buenos Aires: La Ley, 1967, p.73 e s: LUIS RECASENS SICHES -

Tratado General de Pilosofia Del Derecbo, Quinta Edicion, Mexico: Edito-

rial P01"1Ua, S.A. , 1975, p.160 e s. Sem pretender esgotar os quadros do

saber jurfdico, apresentados na doutrina, registre-se que incluem, ainda,

outros dominios, como a Psicologia jurfdica, a Antropologia jundlca, a

Logica jurfdica, com destaque para os trabalhos de PERELMAN,a recente

tendencia do "Politicismo Jurfdico", Cf. ANTONIO HERNANDEZ GIL -Meto-

dologia de fa Ciencia del Derecbo, Madrid, 1971, v.I, pp. 337/352.

28 Cf GUSTAVRADBRUCH -Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de

Moncada, Coirnbra: Arrnenio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v.II, p.185.

29 Cf. PIERRE CATAIA-L 'informatique et fa racionalite du Droit, in Arcbiues

de Pbilosopbie du Droit, Tome 23 -Formes de Racionalite en D1'Oft,Paris:

Strey, 1978, pp. 295/321.

30 Cf. MIGUEL REALE- Licoes Preliminares de Direito. Sao Paulo: Saraiva,

1976, pp.16/17,

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direito positivo",31 tambern se subdividiu na Dogmatica jurfdica

e na Teoria Geral do Direito, dirigida para 0Direito positivo em

geral, sem fronteiras de sistemas, fundada por JOHN AUSTIN e

. amplamente aceita como "urn substitutivo" da Filosofia do Direi-

to, no seculo passado, como mostra RADBRUCH32.

Enquanto a Dogmatica Juridica se volta para 0estudo do

Direito positivo de urn sistema juridico determinado, tendo por

objeto de investigacao "aconduta em funcao de modelos juridi-

cos consagrados no ordenamento juridico em vigor"33, a Teoria

Geral do Direito - que, segundo as propostas originarias de

AUSTIN34, deveria extrair de uma ordem jurfdica determinada

nocoes, conceitos e distincoes fundamentais, para compara-los

com nocoes, conceitos e distincoes fundamentais de outra ou

outras ordens juridicas, estabelecendo, em urn terceiro momen-

to, os elementos comuns, as correlacoes Iogicas entre elas, as

semelhancas existentes em sua estrutura, porque os conceitos

gerais comparecem com certa uniformidade em todos os siste-

mas juridicos que alcancaram analogo nfvel de maturidade _

desenvolveu-se como a ciencia das nocoes elementares da ordem

31 Cf. GUSTAVRADBRUCH- Filosofia do Direito, Trad, do Prof. L Cabral de

Moncada, Coimbra: Armenio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p.185.

32 GUSTAVRADBRUCH-op. cit., p.189.

33 Cf MIGUEL REALE-0Direito C0l110 Experiencia, Sao Paulo: Saraiva, 1968,pp.88191, p.130.

34 Cf.JOHN AUSTIN-Lectures onfurisprudence, London: R. Campbell, 1885.

Sobre a influencia do positivismo analitico na construcao da Teoria do. Direito v. EDGAR DEGODOI DAMATA-MACHADO- Elementos de Teoria

Geral do Direito. Belo .Horizonte: Editora Vega S.A., 1976, p.121 e s, W.

FRlEDMAN - Tbeorie Generate du Droit, Paris: Librairie Generate de Droit

et de jtlrlsprudence-LGDL, 1965, p.211 e s., EDGAR BODENHEIMER _Cien-

cia do Direito, Filosofia e Metodologia jurfdicas - Trad. de Eneas Marzano

Rio de Janeiro: Forense, 1966; p.109 e s., ALBERT BRlMO - Les Grand;

COIII'ants de La Philosophie du Droit et de L'Etat, Paris: Ed. A Pedone, 3il

ed., 1978, p. 276 e s. . .

30

juridica e dos principios fundamentais que regem seu conjun-

to.35

Entretanto, com a diferenca de grau apontada, ambas, a

Dogmatica juridica e a Teoria Geral do Direito, tern como objeto

de investigacao 0Direito posinvo-? e, por isso, estao no quadro

da Ciencia do Direito. Nem por outro motivo, quando justificou

o titulo de sua obra Teoria Pura do Direito, KELSENdefiniu:1

como uma Teoria do Direito positivo em geral, e nao, de uma

ordem juridica especial, uma Ciencia do Direito positlvo.V

2.4. A rECNICAjURiDlCA

!!j.,

JULIEN BONNECASE, fazendo 0levantamento das doutri-

nas juridicas surgidas em Franca, de 1880 ate 0fim da segunda

decada do seculo xx, considera que 0estudo da ciencia do

Direito Civil nao apareceu senao pela via da tecnica juridica e

que ~<:ltstinc;;aoentre ciencia e tecnica no Direito foi 0signo da

grande re~olu~·ao dopensamento juridico.38

A revolucao, de que fala BONNECASE,produziu resultados

realmenteproficuos. Sob 0titulo de Tecnica juridica, a Ciencia

do Direito anunciava que havia uma tecnica de criacao, uma

tecnica de interpretacao e uma tecnica de aplicacao do Direito, e

35 Cf. PIERREPESCATORE -Introductton a la Science du Droit, Luxembourg:

Office des Imprimes de L'Etat, 1960, p.73

36 Cf. HANS NAWIASKY- Teoria General del Derecbo - Trad. POt · el Dr. jose

Safra Valuerde, Madrid: Ediciones Rialp, S.A.., 1962, pp.19;27; PIERRE

PESCATORE-Introduction a la Science du Droit., Luxembourg. Office desImprimes de L'Btat, 1960, pp.74!75.

37 Cf. HANS KELSEN -Teoria Pura do Direito, trad. dejoao Baptista Machado,

Coimbra: Armenio Amado-Editor, Sucessor, S!!ed., p.17..

38 Cf.JULIEN BONNECASE - Science du Droit et Romantisme - Les Conflits

des conceptions juridiques en France de 1880 ii l'beure actuelle, Paris:

Librairie de Recueil Strey, 1928, pp.268;269.

31

 

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passava it investigacao detalhada e exaustiva dos procedimentos

intelectuais da construcao juridica,39

A tecnica juridica, conforme a define CLAUDE DU PAS-

QUIER, e "0 conjunto de procedimentos pelos quais 0 Direito

transforms em regras claras e praticas as diretivas da politica

juddica,,40,

Mas, no estudo desses procedimentos, ernbora a Tecnica

juridica, desenvolvida no amago da Ciencia do Direito, ja

.. percebesse que ha uma "tecnica legislativa" e uma "tecnica da

jurisprudencia", seus estudos se concentram na fofmtilac;ao~dos

concertos, de categorias juridicas, de institutos juridicos, e de

ramos do Direito positivo.

E sobretudo da elaboracao juddico-cientifica que trata essa

tecnica, que, como diz RADBRUCH,executa-se em tres tempos:

tnterpretacao, Construcao e Sistematizac;ao, a que correspon-

dem os conceitos juridicamente relevantes e os genuinos concei-

tos [urfdicos'l".

Enquanto a Ciencia do Direito construia seu instrumental

39 Essa e fundamentalmente a materia da obra magistral de FRAN<';:OISGENY,

que estuda os fundamentos do Direito, separa "0dado", 0 real, a ,materia

que decorre da "natureza das coisas", do "construido'', os procedimentos

da consrrucao intelectual, materia de trabalho dos juristas, que, pelo

metodo da fibre recberbe scientijique, poderao encontrar solucoes para os

problemas daelaboracao, buscando os criterios d~ integracao, que sera~

utilizados na aplicacao do Direito. Cf. FRAN<';:OISGENY -Scien~e et Tet;hnt:

que en Droit Priue Positif 4 vol. Paris: Sirey; 1914-1924. E tambem a

tecnica de elaboracao te6rica e 16gica, compreendendo 0estudo das fon-

tes a formulacao de conceitos, as construcoes jurfdicas, que se dedicaJEAN

DABIN, na classica obra La Technique de l'elaboratiort du droit posttsf -

Bruxelles: Bruylant et Paris: Strey, 1935.

40 CLAUDEDU PASQUIER, op. cit., p,163.

41 Cf. RADBRUCH - Op. cit.;: p.185 e s. No mesmo sentido CLAUDE DU

PASQUIER que distinguindo tres mementos da construcao juridica: a siste-

matica a criadora e a construcao na aplicacao do direito, caracteriza esta,

citando BUCKHARDT,Methode und System como: "ConsU'lIi,'e, c'est alors

ramener /es elements caracteristiques du cas concret aux notions abstrai-

tes incluses dans la regie 011 dans l'institlitionjw'idiqIlC", op. cit., p.170.

32

Ii~ !

1tII

!

teorico para trabalhar seu objeto, os procedimentos de criacao

da lei e da aplicacao do Direito ao caso concreto nao constitui-

ram preocupacao fundamental do pensamento juridico. Este

parava no limiar daquela investigacao, quando, do estudo da

interpretacao da lei, fazia0salta para pesquisar os problemas de

ordem etica ou axiol6gica da atividade do juiz e 0grau de sua

independencia em relacao a lei. Entre esses momentos, ficava

sem explicacao, ou, antes, explicado como une affaire des pratt-

dens, todo 0procedimento que leva 0Direito a incidir sobre

casos concretos ou a dar solucao para osconfhros sociais, sub-

metidos a decisao do Poder,Na expressao de PIERREPESCATORE,tais procedimentos

constituiam 0savoir faire daqueles que elaboram e praticam 0

Direito, podendo assumir duas funcoes distintas: a de fazer leis

- a tecnica legislativa e a de aplicar a lei, en d'autres mots, fa

pratique judicia ire et administratiue=,

Sua descricao dessa atividade e significativa para demons-trar a concepcao generalizada quanta a aplicacao do Direito ao

caso concreto, na epoca em que a tecnica de construcao juridica

resplandescia:

"Consideree comme pratique du droit, la techni-

que juridique consiste a appliquer le droit, a l'exe-A

cuter, a Iernettre en oeuvre, C'est L'babilite pratiquedu magistrat, de l'auocat, du notaire, du jonction-

naire.: Cespraticiens n 'ont pas la meme liberte que

ceux qui jont office de legislateur et leur art se dis-

tingue sensiblement de I'art de la legislation, Pour

lespraticiens, il s'agit avant tout de saisir la realite

des jaits et des situations concretes, de manter les

regles de droit avec intelligence et de faire emploi

judicieux du pouvoir discretionnaire qui leur est

42 Cf. PIERREPESCATORE, op. cit., p. 47.

33

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laisse. Leur art est fa prudence juridique, fa iuris

prudentia au sens etymologique du terme,,43.

E muito compreensivel que, em decorrencia dos resultados

do movimento da codificacao, a Ciencia do Direito tenha as-

sumido sua tarefa de trabalhar sobre essa realidade juridica,

sobre 0fenomeno juridico, 0Direito posto, criado pelos orgaos

competentes, recriando-o no plano epistemologico, conferindo-

lhe unidade, sisternatizando-o, elaborando conceitos, dedican-

do-se a construcao juridica, e no trabalhode agrupar as normas,

elaborando categorias juridicas, institutos juridicos e organizan-

do ramos do Direito positivo. E tambern compreensivel que sob

o imperio do tecnicismo, ou seja, do dorninio do rito e da forma,

o procedimento de aplicacao nao fosse mais do que une affaire

despraticiens'".

A revolucao de que falou BONNECASEalcancaria tambem 0

Direito nesse aspecto, mas viria da Alemanha, onde ja se prepara-

va na renovacao dos conceitos produzida pelo movimento pan-

dectista, e encontraria terreno fertil para seu desenvolvimento naItalia. Passou, tambem, por sua fase de construcao para transfor-

mar esse campo de investigacao em uma ciencia autonoma com

seu referencial teorico proprio, que, hoje, ja se quer uma Teoria

Geral do Processo'".

43 Cf. PIERREPESCATORE, op. cit,., p. 48.

44 Tal concepcao nao foi superada, como demonstra, ilustrativamente, K.

STOYANOVlTCH, fazendo a resenha do livro de ROBERT CHARVlN - "La

Justice en France, Mutations de l'appareil fudiciaire et Lutte de Classes",

auec la collaboration de GERARDQUlOT, Editions Sociales, Paris, 1976, e

justificando por que, de inicio, nao tinha intencao de apresenta-lo: "Ceci

parce qu'il traite du fonctionnement de l'appareil judiciaire, qui est unequestion terre a terre et non pas de questions qui interessent La pbtlosopbie

dt« droit (justice, droit objectif interet genera], sujet de droit, responsabi-

lite...)" Cf.Comptes Rendues, in Arcbiues de Pbilosopbte du Droit, Tome 23

-Formes de Racionalite en Droit. Paris: Strey, 1978, pp.431/433.

45 Cf. ANTONIO CARLOSDE ARAUJOCINTRA, ADAPELLEGRINI GRINOVER

e cANDIDO R.DINAMARCO- Teoria Geral do Processo, 8a ed. rev. e atual.

34

Em seu desenvolvimento e aperfeicoamento, a tecnica juri-

dica tem oferecido excelentes resultados, como conjunto de

meios idoneos para 0trato do Direito.

o Direito, como sistema normativo, nao e elaborado pelos

juristas, mas pelos orgaos que sao legitimados pelo proprio

sistema para produzi-Io. 0poder para elaborar a norma generica

e abstrata destinada a observancia geral, ou e difuso na coletivi-

dade, quando 0sistema juridico acolhe 0costume como formade producao normativa, ou e centralizado pelo Estado, que re-

presenta a comunidade juridica, a sociedade politicamente orga-

nizada pelo Direito.

A Ciencia do Direito tern desenvolvido e aprimorado suas

tecnicas para apreender 0fenomeno jurfdico e realizar seu traba-

lho de construcao juridica. As normas criadas pelo legislador sao

recolhidas, sisternatizadas, classificadas, conceitos sao formula-

dos, atraves da busca das semelhancas ocultas na diversidade,

unificando realidades juridicas em urn modelo generico aplica-

vel a uma multiplicidade de casos, normas sao agrupadas por urn

criterio logico de conexao e coerencia entre a materia social

regida, sobre principios comuns, que conferern unidade ao con-

junto, em grau crescente de categorias juridicas, institutos juridi-

cos e ramos do Direito; constroem-se teorias explicativas e criti-

cas, que oferecem subsidios novamente ao trabalho do legisla-

dor. A construcao juridica se desdobra em construcao tecnica e

em construcao criadorat''.

Toda essa atividade nao poderia deixar de ser extremarnen-

.te valiosa para 0crescimento do conhecimento juridico, para a

- Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991.

46 C_f.~LAUDE DU PASQUlER, op. cit., pp. 167/172. Especificamente sobre a

tecruca de construcao te6rica de agrupamentos normativos, v. CARLOS

MOUCHET - RICARDO ZORRAQUIN BECU, Introduccion al Derecbo Oc-

taua Edicion, Buenos Aires: Editorial Perrot, 1975, pp.149/167, sObre a

elaboracao do conceito, v. RAFAELBIELSA,MetodologiaJurfdic:a, Santa Fe:

L~b,.eria y Editorial Castelloi S.A, 1961, pp. 133;206, e RADBRUCH, op.

crt., p. 188 e s.

35

 

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aplicacao de seus resultados, pelos proprios juristas, e para a

oferta desses resultados, no plano da atividade da criacao e da

aplicacao do Direit047.

2.5. 0 AuxiLIO DA LOGICA

2.5.1. MITIFICA9AO E DESMITIFICA9AOAlgumas palavras sobre 0 auxilio da Iogica, na Ciencia, e,

consequentemente, na .ciencia do Direito Processual. serao iiteis

para os temas discutidos neste trabalho. Essa utilidade e aval~a-da tanto em rela<;iioao prisma pelo qual muitos dos temas sao

visualizados, como para 0 aclaramento de algumas conclusoes,

referentes naoso a esta "tecnica e teoria do processo'' que agora

se escreve, mas, tambem, a algumas teses doutrinarias que des-

pertaram polemicas.Poi corrente, no seculo passado (e neste seculo, ainda se

encontra esse argumento), a discussao em torno da afirmacao de

que aaplica<;ao do Direito pelo juiz resumia-se a um raciocinio

silogistico, em que a lei comparecia como premissa maior, 0_C~80

concreto como premissa menor e a.sentenca como conclusao .

.17 Sobre 0ndiseutfvel valor dessas constru<;6es d.JOSE CARLOS BARBOSAMOREIRA: "Na verdade, 0processo e e sempre sera, de certo ponto de

vista, um mecanismo tecnico, que s6 em termos tecnicos pode ser expliea-

do.( . .. ) Uma tecnica esmerada const itui , em regra, pe,nhor de seguran.<;a .na

conducao de qualquer pesquisa dentifica, e nao ha s~por q~e ? dlrelt?proeessual faca aqui excecao." "Os Temas Fundamenta ls do ~1l:e lto BraS I-

Leiro nos Anos 80 : Dir ei to ProcessuaL Civ iL". In Temas de Direit o Proces-

sual: quarta serie - Sao Paulo: Saraiva, 1989, p.12. S9bre a dignidade da

dimensao pratic a do Dire ito P roce ssuaL, discorreJOSE OL~PI<? DE CAS-TRO FILHO Lembrando Carne lutti, que se orguLhava de se incl uir entre os

praticos, e Redenti, que punha como questao de prime~ra orde~ a neces-

sidade de que 0Direito se f izesse concreto: ft!aprima di ~utto ~lsogna cbe

il codice si appl"cnda c sf applicbt. Questo e cbe urge. Ct. JOSE OLYMPIO

DE CASTRO FILHO _P ritiea Forense, vol. I, 4il. e d., Zil. t iragem, Rio de

Janei ro : Forense , 1989 , pp.7/18 .

48 A discussao e gerada peLa Escola da Exegese, nao porque se houvesse

36

l

I

E compreensivel que, na falta de uma construcao cientifica

mais aprimorada, em uma epoca em que 0 Direito "da aplicacao"

estava se "reconstruindo", pela elaboracao de seus conceitos, 0

pensamento juridico, necessitando de urn ponto de apoio para

explicar 0 procedimento da aplicacao, houvesse recorrido ao

silogismo.

As reacoes ao silogismo da aplicacao vieram, e vieram muito

fortes, mas nao atacaram 0 ponto que merecia 0 pronunciamento

mais incisivo. Contomaram 0 problema com argumentos sobre a

complexidadedos casosconcretos, a liberdade da interpretacao do

juiz, a opcao implicita na aplicacao pela escolha da norma aplicavel,

a questao axiologica que permeia todo 0direitot",

o "silogismo da aplicacao" poderia ter tido seu golpe de

misericordia com 0 auxilio da propria logica, Nao porque fosse

verdadeiro ou falso, correto ou incorreto, provavel ou improva-

vel, conveniente ou inconveniente, mas simplesmente porque

era logicamente inviavel. Nao havia, na verdade, sequer silogis-

mo, no modelo proposto, porque nao havia como se estabelecer

as premissas para a inferencia da conclusao, ja que nao seria

dedica~o a const rucao do s iLog ismo da apl icacao , mas pelos princip ios que

de~en,d~a, sobretudo em sua primeira fase, sobre a inrerpretacao. Tais

prmcipios foram bern expostos por CH. PERELMANejn Theories relatiues

au raisonnement fudiciaire, surtout en droit continental, depuis le Code

Napoleon fusqu'a nos jours, primeira parte de sua obra Methode du

Droit-Logique furidique-Nouuelle Rbetorique, Paris: Dalloz; 1979,

pp.19!96. 0mode lo do silogismo da aplic acao e exposto por CLAUDE DU

PASQUIER, que, no capitulo destinado aL'application du Droit, estuda os

1l1.eeanismos .da aplica<;a<:>:Le syllogisme juridique, Syllogisrne a faits juri-

diques multiples; Syllogismes successifs. Aoperacao de subsuncao do fato

a, norn~a e descrita segundo aquele s esquerna s, porque "Appliqucr line

regIe, c est transpose,' sur un cas particulier et concret fa decision incluse

dans la regle abstraite" ..."Cette application comporte done uripassage de

~'abstrait au concret, du general au particulier, bref une deduction. Son

Instrument est Ie syllogisrne" in op. cit ., p.126.

49 Grandes contribuicoes para a axiologia juridica surgiram em torno desses

argumentos, como as de COiNG, em Grundziige del' Recbtsphilosopbte

sobre as "situacoes-tipos", '

37

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38

possivel se estabelecer previamente a distribuicao dos termos

dos juizos. Nos tres juizos, "a lei e a premissa maior","o caso

concreto e a premissa menor" e "asentenca e a conclusao", naoha meio de se identificar onde esta 0termo maior e 0termo

.menor. E essa identificacao seria de absoluta necessidade para 0

modelo de raciocinio que se postulava, pois 0termo maior e 0termo predicado da conclusao, e a premissa maior deve conte-lo..

o termo menor e 0termo sujeito da conclusao, e a premissa

menor deve conte-Io. Nao ha como se identificar, igualmente, 0

termo medic, que nao aparece na conclusao, mas cornparece nas

premissas. Apenas depois de proferida a sentenca, seria possivel

encontrar as proposicoes que the teriam servido de base, mas

nao antes. Pelo modelo do silogismo, poder-se-ia pensar em

estranhos arranjos e estranhas seriam as conclusoes deles inferi-

das.

E claro que nao se nega que 0"argumento", no sentido

estrito da logica, como cadeias de proposicoes, estruturadas em

premissas e conclusoes, possa auxiliar os fundamentos da deci-

sao judicial, mas nao se pode (por pura impossibilidade logica)conceber a existencia de urn silogismo naquele modelo proposto

para se inferir a sentenca,

De qualquer forma, dentre as consequencias provocadas

pelo "silogismo da aplicacao'' houve uma especialmente evidente

em diversos campos do Direito: urn certo, ou acentuado, ranco

dirigido contra a logica. Era natural, e nao so a doutrina do

Direito olhou a Iogica de vies. Se se meditar, por exemplo, na

Iogica de Port-Royal, que "ensina" condutas e que compos a

formacao cultural de tantos nomes ilustres por longo tempo, ou

na funcao que the foi atribuida de "arte de pensar", ela deveria

aparecer como algo aterrador.A logica passou, no Direito, por urn crivo ideologico, para

ser julgada e condenada a ser excluida, ou quando nada, ser

relegada a permanecer a margern de uma ciencia que se proposa trabalhar comas coisas humanas, sob uma perspectiva huma- .

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na, e nao sob aquela fria argumentacao gerada nos "gabinetes" da

razao.

Mas algo muda em nosso tempo. Corneca-se a descobrir que

a Iogica pode ser outra coisa que nao comandos para 0pensa-

mento e para a conduta ou prisao para uma razao vital, de que

fala ORTEGAYGASSEpo, ou camisa-de-forca para 0Direito.

Fazer 0nventario do que mudou exigiria urn incomensura-

vel esforco. Mas podem ser apontados alguns fatos e conquistas,

que ajudaram a desmitificar 0mito sobre as leis do pensamento,

da verdade e da conduta, e tornar a logica uma aliada na verifica-

«;aoe na correcao dos temas de qualquer argumento da ciencia.

2.5.2. UMINSTRUMENTO PARA UMRACIOciNIO

Alogica passou pelas vicissitudes historicas que toda ciencia

experimenta em seu processo da construcao. "De Aristoteles a

Bertrand Russell'?", sobre ela se formaram grandes sistemas que

foram tateando caminhos, em urn processo muito humano, que

e a busca do conhecimento.

ROBERTBLANCHE,em "Historia da Logica de Aristoteles a

Bertrand Russel1",faz0levantamento desses sistemas utilizando

o criterio temporal como metodologia da exposicao, para pene-

trar nas especificidades de cada urn, comecando pelos precurso-

res da logica, dos chamados pre-socraticos a dialetica de Platao,e prosseguindo pela Iogica aristotelica, pela logica dos estoicos,

pela Iogica medieval, pela chamada "logica de Port-Royal'P", pela

logica classica, iniciada por LEIBNIZ,pela Iogica moderna, cuja

construcao corneca na segunda metade do seculo XIX,pela logis-

50 JOSE ORTEGA Y GASSET - Origem e Epflogo da Filosofia, trad. de LuisWashington Vita,Rio dejaneiro: Livro Ibero-Americano, 1963.

51 Esse e parte do titulo da obra de ROBERTBLANCHEque sera referida a

seguir.

52 Denorninacao devida ao tratado publicado anonirnamente ,em 1662 La

Logique au l'art de Penser, mas da autoria de dois religiosos, ANTOINE

ARNAUDe PIERRENICOLE, da Abadia de Port-Royal.

39

 

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tica, da primeira metade do seculo XX,que pretendia cornpreen-

del', com essa denominacao, a 16gicaalgoritmica, a 16gica simb6-

lica e a logica matematica, e pela 16gica contemporanea, que,

"agora que a nova Iogica se substituiu suficientemente a antigapara que a confusao ji nao seja possfvel'P>, volta a antiga deno-minacao de logica formal, ou simplesmente logica, englobando

as Iogicas paralelas que renovam e alargam antigos sistemas, ate

a paral6gica, que se propoe como uma linguagem da Iogica.

A logica, referida nos proximos topicos, e a Iogtca formal

contemporanea, mas iriaisaoque~o nome, e conveniente esclare-

cer alguns dos pontos por ela estabelecidos.

1. Ela nao e, nem uma "arte de pensar", nem uma ciencia

normativat". Nao tern qualquer pretensao de estabelecer ou de

recolher as "leis do pensamenro'P". 0 pensamento, como proces-

so mental, a psicologia ji 0revelou, e utilizou tal achado para

construir 0metodo da livre associacao, pode passar por movi-

mentos bastante complexos, nem sempre sujeitos a descricao,que nao se submetem a leis. Ela nao e, tambem, uma "ciencia do

raciocinio'', porque este pode se formar por intrincadas vias, nao

alcancadas por criterios objetivos de descricao.

2. A logica preocupa-se apenas com 0raciocinio, que e uma

especie de pensamento em que se inferem ou se derivam conclu-

soes a partir de premissas, entretanto, nao para estabelecer leis

para seu desenvolvimento, mas tao-somente para verificar a cor-

recao do resultado ji completado'". Propoe-se, assim, "a estabe-

lecer e enunciar explicitamente as leis da deducao, apresentan-

53 Cf. ROBERT BLANCHE - Hist6ria da L6gica de Arist6teles a Bertrand Rus-

sell, Trad. de Ant6nio J. Pinto Ribeiro-Lisboa: Edicoes 70, s/d, p. 309.

54 Cf.ROBERT BLANCHE, op. cit., p. 348.

55 Sobre esse sistema de 16gica que se da como objeto presidir "as leis formais

do pensamento" cf. RONALDO CALDEIRAXAVIER-Portugues no Direito-

Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1991, 8a ed., p. 297 e s.

56 Cf. IRVING M.COPI - Introducao a L6gica, Trad. de Alvaro Cabral. 2a ed. -Sao PauLo: Mestre jou, 1978, p. 21.

40

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do-as elas proprias sob a forma de uma teoria dedutiva axiomati-

zada?"."

3. Alogica nao pretende estabelecer criterios de verdade ou

falsidade sobre 0conteiido das proposicoes, enquanto simples

enunciados ou juizos. Essas podem ser verdadeiras ou falsas,

mas sao afirmacoes ou negacoes que podem ser formuladas

sobre qualquer tema, sobre qualquer campo do conhecimento, e

apenas a ciencia do respectivo dominio compete 0controle de

sua verdade ou falsidade.A logica nao pretende ser onisciente,

tambem 0problema do enunciado vazio, pelo criteria da existen-

cia, e deixado a ciencia. Ji nao se repudia a tautologia, porque 0

que e evidente em urn campo do conhecimento pode nao 0ser

em outro, e isso vale tambem para urn so campo, quanta a temas

diferentes.

4. Os criterios de verdade e falsidade interessam a Iogicaapenas na estrutura formal das proposicoes, por isso pode-se

falar nao em "enunciados falsos", mas em "falsos enunciados", em

sua estrutura, e quando estes sao tratados como proposicoes da

deducao, As verdades da Ioglca sao formais, porque referidas naoao conteiido das proposicoes mas a elas na estrutura do argu-

mento, como urn sistema proposicional de premissas e conclu-

soes. POl' isso, no argumento dedutivo, 0valor de verdade e

falsidade e substituido pelos predicados de "validade e invalida-

de", e pela forma de relacoes entre proposicoes que sao premis-

sas e proposicoes que sao conclusoes.

5. 0 processo de inferencia ji nao incide sobre a relacao dos

termos de urn juizo, nos moldes da antiga Iogica formal''", mas se

57 cr. ROBERT BLANCHE, op. cit., p. 348.58 As relacoes entre 0sujeito e0predicado que the era atribufdo, no enuncia-

do, foram construidas sobre varies criterios dentre eLes0da quantidade

em que se quantificava 0sujeito para se formular a relacao de inclusao, As

dificuldades causadas peLa celebre triLogia resuLtante da quantidade, em

KANT, em que aos jufzos universais, particuLares e singuLares cor-

respondiam as categorias da unidade, pLuraLidade e totalidade, (Cf. Crftica

da Razao Pura, Trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique

41

 

-- -'

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desenvolve em uma relacao que se da entre classes de obieros,no argumento'P.

6. 0 argumento dedutivo tern como ponto de partida uma

premissa (uma proposicao que sera usada como base para se

inferir uma conclusao). Essa premissa e urn juizo ou uma propo-si~ao, em uma posicao de relacao, e deve conter os elementos do

juizo: S (sujeito) -copula - P - (predicado).

7.Uma premissa e uma proposicao nao isolada, mas rela-

Morujao, Lisboa. Ed. da Fundacao Calouste Gulbenkian, 1985,

pp.104/111), sao percebidas em seus interpretes que oscilam em relacionar

as suas correspondentes categorias os [ufzos universals e os individuais ou

singulares. Assirn, GEORGES PASCAL:"singular, para Kant, e 0jufzo ~ue

refere 0predicado a totalidade do sujeito, e tao-somenre a ele" e explica:

"Pensar e estabelecer, na multiplicidade dada pela intuicao, certas relacoes

que facam dessa multiplicidade uma unidade" "a unidade que a analise

descobre nos jufzos supoe uma unidade sintetica lntroduzida pelo entendi-

mento nas intuicoes" - Cf.0Pensamento de Kant, trad. de Raimundo Vier

3i!ed. Petr6polis: Vozes, 1990, pp.64/65, e GARCIAMORENTE, relacionan-

do-o it categoria da totalidade. "teremos que os jufzos individuais queafirrnam de uma coisa singular, seja 0que for, contern no seu seio a

unidade, os jufzos particulares que afirmam de varias coisas algo, concern

em seu seio a pluralidade, os juizos universais contern em seu seio a

totalidade" Cf. Fundamenros de Filosofia I - Li~oes Preliminares, Trad. de

Guilhermo da Cruz Coronado, Sao Paulo, Editora Mestre jou, 1970, p.240;

no mesmo sentido JOHANNES HESSEN -Teoria do Conhecimento, Trad,

do Dr. Ant6nio Correia, Coirnbra -Portugal-Armenlo Amado-Editora, 1987

~p ..1~9/170. ~a? e ,diffcil de se entender a oscila~ao, porque tudo que ~

individual e umco e absoluto em si, e0que se pode afirrnar ou negar do

summum genus? Esses jufzos e categorias, que se encontram em ARISTO-

TELES,com algumas diferencas de KANT,em razao da forma de se conce-

bel' 0conhecimento, em uma perspectiva ontol6gica ou gnoseol6gica,

geraram dentre as rmiltiplas discussoes aquelas sobre os universais, na

Idade Media, e asposturas diferentes entre 0eatismo de Paris e0nomina-

lismo de Oxford iriarn se refletir sobre 0Direito,

59 "Aestrutura interna da proposicao e analisada nao ja em terrnos de sujeito

c ; atributo unidos por uma c6pula, mas em termos de funcao e argumenro.

E afque se encontra a 16gicadas classes, e a teoria das funcoes proposicio-

nais de um argumento e a 16gicadas rela~oes, correspondendo it teoria das

fun~oes proposicionais de dois ou varies argumentos", Cf. ROBERTBIAN-CHE, op. cit. pp.3101311.

42

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cionada. Nenhuma proposicao tomada isoladamente e umapremissa, Tambern a conclusao e uma proposicao, mas nao isola-

da, porque nenhum juizo tornado isoladamente e uma conclu-solo60. -

8. 0 argumento e urn grupo de proposicoes dentro de uma

estrutura, em que as proposicoes sao premissas ou conclusoes,

.0 argumento dedutivo pretende a certeza de uma conclusao, e0

argumento indutivo pretende oferecer apenas uma pro-

babilidade da afirrnacao da conclusao'".

9. A'deducao se faz entre classes, que e apenas uma colecaode objetos que possuem algumas caracteristicas especificas co-

muns. 0 que e necessario na identificacao dos objetos para

integra-los a uma classe e que compartilhem de caracteristicas,

qualidades, determinacoes especificas. Assim como 0problema

da proposicao vazia e deixado a ciencia de cada campo do co-

nhecimento, a lei da implicacao, que rege a relacao de inclusao

entre classes, nolose detern mais sobre 0problema das classes

v<J.zias62,mas incide apenas sobre 0 modelo formal da inclusao.

60 Cf. IRVINGM.COPI, op. cit. , p. 23.

61 Cf. IRVINGM. COPI, op. cit.,pp.23139_

62 ROBERTBLANCHEmostra como a afli~ao de FREGE,que e considerado 0

criador da l6gica moderna, e de BERTRANDRUSSELL,seu grande divulga-

dor, girava, scm solucao, em torno do problema das classes vazias: "De

falsas prernissas nao se pode, de uma rnaneira geral, concluir nada. Urn

puro pensarnento, nao reconhecido como verdadeiro, nao pode ser urna

prernissa. Eso quando eu reconheci como verdadeiro um pensamento que

ele pode ser para mim urna prernissa, puras hip6teses nao podem ser

empregadas como premissas". (FREGE, Carta a Jourdain, 1910, em BO-

CHENSKI, FL. p_336, citado por BLANCHE) Cf. op. cit., pp.307/308. "A

l6gica e a matematica forcam-nos a admitir que hi urn mundo dos univer-

sais e das verdades que nao incidem diretamente sobre tal ou tal existencia

particular". (RUSSELL,L 'importante philosophique_ de fa fogique, Rev. demetaph. , 1911, pp.289/290, citado por BLANCHE) in op. cit., p.309. E

sublinha 0quanro este era urn dogmatismo l6gico, que supoe urn mundo

inteligfvel, Lugar das ideias e das verdades eternas, verdades estranhas ao

mesmo tempo ao mundo sensivel fora de n6s e, em nos, it consciencia que

dele podernos tomar, mas que se impoern a n6s quando as apreendemos,

Existencia sup6e localizacao espacio-temporal, e como tanto 0"dogmatis-

43

 

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10. Uma classe pode ser incluida numa classemais vasta,

segundo determinadas caracteristicas de que compartilham, mas

pode tambem pertencer a uma outra dasse, de elementos dife-

rentes, quando uma caracteristica e tomada como totalidade

dessa outra dasse, e a classe incluida possui tal caracreristica na

sua individualidade propria. Mas deve haver uma hierarquia das

classes para a validade da inclusao. A c1asse a que pertence 0

individuo deve sec de tipo imediatamente superior ao seu63.

A preocupacao com 0levantamento desses dez topicos,

escolhidos dentre as conquistas que a logica alcancou, em seu

desenvolvimento, teve em mira os temas que serao discutidos

adiante e obedeceu apenas a urn proposito: 0de "explicitar 0

implicito", em razao da multiplicidade dos sistemas de logica que

convivem no tempo presente. Como diz BLANCHE,"alogica tern

a obrigacao de esclarecer 0implfcito'P". Houve uma epoca em

que se dizia que "aclareza e a cortesia do genio", brocardo que

legitimava asobscuridades dos genios. Os genies podem ser

como quiserem, obscuros ou claros, assim como 0proprio pen-

samento que, em sua liberdade de expressao, escolhe livrernente

a forma de se exprimir. Mas a clareza nunca prejudica a ciencia,

e 0esforco para se obte-la sempre pode resultar em algum

beneficio para seu desenvolvimento.

1110 logico" de Frege, quanto 0 "realismo platonizante" de Russell consti-

tuiam posicoes que seriarn superadas no ulterior desenvolvimento da

logica. Cf. op. cit., pp.309!310.

63 Cf. ROBERTBLANCHE,op. cit., p.329 -A inclusao de uma classe em varias

classes, pelas caracterisricas compartilhadas entre objetos individualmente

diferentes,e exernplificada por BLANCHEcom a classe das duzias, que

perrnire incluir a classe dos meses do ano, a c1asse dos apostolos, e uma

variedade de outras classes.

64 Cf. ROBERTBLANCHEop. cit., p.287, p.304, e, no mesmo sentido, "alogica

tern a obrigacao de enunciar explicitamente tudo que fica implicito no

pensamento", p.256.

44

CAPITULO II I

CIENCIA DO DlREITO PROCESSUAL

E TECNICA PROCESSUAL

3.1. ACIENCIA DO DIREITO PROCESSUAL E SEU ORjETO

Nos sistemas juridicos que alcancaram certo grau de racio-

nalidade, a apltcacao do Direito e referida a criterios objetiv~-mente definidos e delimitados pe1as normas integrantes do pro-

prio sistema.o mais alto grau de racionalidade atingido pelos ordena-

mentos juridicos contemporaneos, que seseguiu a conquista dasgarantias constitucionais, importa na superacao do criterio de

aplicacao da justica do tipo salornontco, inspirada apenas na

sabedoria, no equilibrio e nas qualidades individuais do julga-

dol' ou na sensibilidade extremada do juiz, simbolizada pelo

"Fe~omeno Magnaud'f". Esse criterio e substituido por uma

65 i»pbenomene Magnaud e expressao de GENY, q~an~o" na s.e?unda .edi-

<;:aodo Methode d'Intetpretation et Sources en Droit Prll': Positif, analisou

os possfveis efeitos dos metodos emprega~os .pel? J~IZ .Magnaud: que

presidiu, de 1889 a 1904, 0Jribunal de pnmelr.a msrancia de Chat~au-

Tliierry, cujas decisoes se celebrizaram (e0celebrizararn como le bonjuge

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)tecnica de aplicacao do direito que se vincula a elementos nao-

subjetivos, a uma estrutura normativa que possibilita aos mem-

bros da sociedade, que vao a Juizo, contarem com a mesma

seguranca, no processo, quer esteiam perante urn juiz dotado de

inteligencta, cultura e sensibilidade invulgares, quer estejam

i diante de urn juiz que nao tenha sido agraciado com os mesmospredicados.

~ aplicacao do Direito pelo Poder Judictario, que, em fins

do seculo passado, despertou na teoria do Direito urn intenso

interesse em torno da figura do juiz, de sua missao e de seus

deveres perante a lei injusta, passou, tambem, por sua fuse de

racionaliza<;ao, no plano do Direito positivo e da doutrina quesobre ele se desenvolvia.

A ciencta do Direito Processual teve, como qualquer ciencia,

sua fuse de construcao, que lhe permitiu desenvolver suas tecnt-

cas para investigar 0seu objeto, constituido pelas normas que

organizam e disciplinam a propria tecnica da aplicacao do Direi-

to pelo Estado, atraves dos orgaos da jurisdicao,

Sobre essa realidade normativa, dada pelas leis que organt-zam e disciplinam a jurisdicao e0instrumento de sua manifesta-

<;~o:0Direito Processual - enquanto ciencla, na acepcao de

atividade que produz conhecimento - trabalha, elabora seus

conceitos, unifica pontos dissociados e fragmentados, descobre

semelhancas nao aparentes em seu campo de investiga<;ao, de-

senvolve sua tarefa de racionalizacao, de construcao, reiine, no

mesmo conjunto, normas, pelos criterios especificos da conexao

da materia,criando, assim, categorias e institutos juridicos, e

organiza, a partir desses dados, os campos de seu desdobra-

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Magna,u~) e forarn recolhidas e editadas em dois volumes: Lesfugemenrs

du President Magnaud (1900) e Les Nouveaux fugemenss dt« President

Magnaz.lci_ (1904)~ Como diz PERELMAN,0Presidente Magnaud queria ser

o born JUIZ favoravel aos miseraveis e severo com os privilegiados. Nao se

preocupava com a lei, nem com a iurisprudencta, nem com a doutrina, e se

comportava como se fosse a encarnacao do direito. Cf. CH. PERELMAN

Logiquejuridique. Nouvelle Rhetortque, Paris: Dalloz, 1979, pp.71/72.

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mento que podem, sob 0aspecto didatlco-metodologico, consti-

tuir-se em novas disciplinas autonornas .

Na reflexao sobre a Ciencia ea Tecnica do Processo, convem

relembrar com EDUARDOJ.COUTURE,que "aciencia do processonao e so a ciencia das peticoes, da s provas, das apelacoes, das

execucoes, das formas e dos prazos. Seria diffcil construir uma

ciencia de conhecimento do real, com validade universal, servindo-

se, apenas, desses elementos. Antes, porem, de chegar a eles, a

ciencia do processo necessita assentar uma serie de proposicoes de

conteudo real e legitimidade universal, independentemente de

tempo e de espa<;o,sem as quais 0objeto da ciencia - 0processo. h I' d ,,66- nao pode ser concebido, nem c egar a ser rea iza 0 .

3.2.A NECESSIDADE DA DISl1NC;J..OENTRE

A CIENCIA E SEU OBjETO

Como a expressao "direito processual" e utilizada para de-

signar mais de urn objeto, sendo empregada para denotar tanto

uma ciencia, ou seja, uma atividade de conhecimento ou urn

conhecimento organizado, quanta para designar 0proprio com-

plexo normativo que constitui 0seu objeto, surgem alguns pro-

blemas no seu uso.

o Direito Processual, no sentido de ciencia, enquanto con-

junto de conhecimentos, organizado como disciplina, no senti-

do didatico-metodologico, que se insere entre outras disciplinas,

classificadas no campo do Direito Publico, nao "governa a ativi-

dade jurisdicional", e nao "cria orgaos jurisdicionais", nao "cria"

ou "regula 0exercicio dos remedies juridicos que tornam efetivo

todoo ordenamento juridico,,67, porque a ciencia, considerada

66 Cf. EDUARDO J COUTURE - Interpretacao das Leis Processuais, Trad. da

Dra. Gilda Maciel Correa Meyer Russornano, Sao Paulo: Max Lirnonad,

1956, p.157.

67 A discordancia se manifesta aqui em relacao aos conceitos expostos na

vaLiosa obra de ANTONIO CARLOSDEARAUJOCINTRA,ADAPELLEGRINI

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como atividade de conhecimento, ou consideradacomo conjun-

to organizado de conhecimentos, nao tern essa funcao.

Considerado como complexo de normas, objeto do co-

nhecimento da ciencia que dele se ocupa, 0Direito Processual

tern a funcao criadora que toda norma possui, no sentido de

conferir significado juridico a determinadas situacoes produzi-

das por fatos e atos que recebem a valoracao norrnativa.

3.3. ANORMAPROCESSUAL

As normas juridicas sao c1assificadas com base em diversos

cnterios, que permitem sejam recolhidas e sistematizadas, den-

tre outros, os referentes a sua forma de producao, a seu ambito

de validade, a seu grau de obrigatoriedade, a garantia de sua

exigibilidade, a materia por e1aregulamentada, ao objeto de sua

disciplina, a sua posicao na hierarquia do sistema normativo.

Tomando 0objeto de sua regulamentacao como ponto de

referencia, a doutrina desdobra os criterios de classificacao pe1apluralidade da materia disciplinada. Nesse sentido fala em .nor-

mas de direito material, ou substanciai, e em normas de Direito

Processual. Relacionando as duas categorias, com base em crite-

rios ditos de complernentacao, denomina as normas de direito

material como normas substantivas, normas primarias, norrnas

de primeiro grau, e as normas processuais normas secundarias,

normas de segundo grau, normas instrumentais.

E interessante verificar que as teorias, embora utilizando a

mesma denominacao, nem sempre falam a mesma linguagem

sobre essa classificacao. Alguns autores invertem a poslcao das

normas, dentro do quadro definido pelo criterio, e denominamnormas de primeiro grau, normas primarias, as normas proces-

GRINOVER e cANDIDO R DINAMARCO -Teoria Geral do Processo, 8a ed.rev. e atua l. - Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 48.

48

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suais, e reservam a qualificacao de normas secundarias, de se-

gundo grau, a s normas materiais'i".E , ainda, oportuno ressaltar que as duas categorias de nor-

mas sao plenas de substancia, de conteiido, de materia.

Essas constatacoes sao suficientes para que se de razao a

FAZZALARIquando afirma que a qualiflcacao das normas em

normas de primeiro grau e de segundo grau e merarnente con-

venctonalv".Ambas disciplinam condutas, inserem-se no mesmo ordena-

rnento juridico e se complementam mutuamente.'"

A distincao entre elas se mantem pelo conteiido que com-

portam, e nao pe1a referibilidade a qualquer hierarquia, pois

enquanto as normas mal.~tia'isse _<i~stinalJ:u.Ly_aIQrarconduta,

qualificandO-acomo Iicita t:.~~~o ilicita,~~jo~?~O _ ~ ~ ~ r i a a s -~.

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68 Nessa posicao encontra-se LEON DUGUIT, que distingue as regras estabe-

lecidas pelo grupa social em normativas e construtivas au tecnicas. As

primeira s sao imperativos que irnpoern urna abstencao ou uma a<;ao, cons-

tituindo-se como condicao da manutencao da vida em sociedade. Delas,

con forme expoe, tern consciencia cada individuo que, pOl' mais primitivo

que seja, sabe que, se nao se conforrnar a elas, 0grupo reagira contra ele.

o grupa pode estabelecer regras para assegurar diretamente ou indire ra-

mente a execucao da norma. Norrnas const ru tivas au tecnicas sao aquelas

estabelecidas para assegurar na medida do poss ivel 0espei to e a apl icacao

das regras normativas. As norm as cons trut ivas ou tecnicas organ izam, f ixam

competencias, criam as vias para a aplicacao de sancoes juridicas, fixam

condicoes sob as quais os detenrores da forca podern inrervi r, determinarn

o poder e 0a lcance das decisoes, A regra construtiva e en somme Ie regie

organique de fa contrainte e por eta se define a pr6pr ia existencia do

Estado: if n:1'a d'Etat que s 'i!y a monopole de la contrainte, et if V a Etat

des que ce monopole existe. Cf. LEON DUGUIT - Traite de Droit Constitu-

tionnel, Paris: Ancienne Librairie Pontemoing & Cie Editeurs, 1927, v.I ,

pp.106/10S. HANS NAWIASKI entende que as norrna s de direito ma terial

sao apenas seminormas, norrnas parciais, que s6 em conjunto com asnormas processuais e executiva s se convertem em normas juridicas com-

pletas. Cf. HANS NAWIASKI - Teoria General del Derecbo, traduccion de la

segunda edicion en lengua alemana por el Dr. Jose Safra Valverde, Ma-

drid: Ediciones Rialp S.A, 1962, pp.35/3S.

69 Cf. ELlO FAZZALARl -Istttuzioni di Diritto Processuale, quinta edizione,

Padova: CEDAM - Casa Editr ice Dott,Antonio Milano, 1989, pp.91/96.

49

 

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pro~esso. 4 . : : : . - - - -

/l3.4. AJURISDI<;AO

o Estado exerce a funcao jurisdicional, sobre 0 mesmo

fundamento que 0 legitima a exercer, no quadro de uma ordem

juridica instituida, as funcoes legislativa e administrativa.

As ordens juridicas contemporaneas proclamam que todo

poder emana do povo e em seu nome e exercido, que a sobera-

nia pertence ao povo ou a nacao. 0Estado, enquanto repre-

sentante da sociedade politicamente organizada pelo Direito,

assume 0 poder em nome da nacao, legisla, estatuindo deveres,

garantindo direitos, ordenando a vida social, administra, gerindo

os negocios piiblicos e exerce a funcao jurisdicional, pela qual

reage contra 0licito e promove a tutela de direitos.

E preciso, entretanto, ressaltar que, nas ordens juridicas

soberanas, ou seja, no Estado de Direito, 0 poder legitimamente

constituido se exerce nos limites da lei, e a funcao junsdtcional,

que traz implicito 0 poder uno e indivisivel do Esrado, que fala

pela nacao, se exerce em conformidade com as normas que

disciplinam a jurisdicao.

"Toda jurisdicao, exercida em qualquer esfera, provem do

Estado" - diz NELSONSALDANHA- pelo que "0 proprio pro-

blema dos pressupostos processuais, vistos sob certo angulo,

nos levaria a esse problema: 0processo existe, com seus elemen-

tos necessaries, pelo fato de se darem sob a egide do Estado (oudentro do ordenamento juridico demarcado pelo Estado) as

situacoes e os conflitos que pedem que 0 processo exista"70.

70 Cf. NELSON SALDANHA - Estado de Direito, Liberdades e Garant ias. Sao

Paulo: Suges toes Li terarias , 1980, p . 66 .

50

o antigo conceito de Estado foi referido a [uncao de duas

nocoes. status, no sentido original de situacao, condicao, e res

populi-res publica, a coisa publica, que se sintetizaram no

Status-res publica, em que a situacao de organizacao politica

da sociedade se corporifica no Estado?". As doutrinas contra-

tualistas, dos seculos XVII e XVIII, com HOBBES, LOCKE e

ROUSSEAU, contrapuseram 0estado de "natureza" ao estado

"social" ou "politico", 0 direito natural ao direito positivo, civil,

adquirido - express6es utilizadas para designar 0 direito exis-

tente no estado "social" ou "politico" - na tentativa de estabe-

lecer urn fundamento racional para 0 poder. Embora divergin-

do sobre 0carater social do estado pre-politico, negado por

HOBBES, com violencia a manifesta e latente do homo lupus

homini, e afirrnado por LOCKE e ROUSSEAU, sobre 0 carater

cordial do ser humano, 0 seu ponto de convergencia se deu na

construcao teorica do "pac t o social". Tais doutrinas sao

expressoes de uma epoca em que dominava 0 voluntarismo, e

a necessidade de se buscar um fundamento de legitimidade

para 0 poder, sem referi-lo a urn direito "divino", que perrnitis-

se de alguma forma limitar, teoricamente, seu exercicio pelo

Direito, foi trabalhada sob as concepcoes disponfveis na epo-

ca. Na epoca conternporanea, surgem varias teorias sobre 0

Estado, e a tese da cisao entre Estado e sociedade, cuja formu-

lacao mais expressiva e devida a MARX - 0Estado sendo

concebido como instrumento de opressao da classe dominan-

te -, tern recebido varias analises da Ciencia Politica e da

Sociologia Juridica. Uma delas tem se desenvolvido sobre 0

conceito de racionalidade do Estado conternporaneo, baseada

na Iegitimacao pelo procedimento em detrimento da comple-

xidade social, 0que caracrerizarta a crise resultante da contra-posicao entre a superlegalidade politica e a legalidade consti-

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71 ~sas expressoes hist6ricas sao levantadas por ENRICO REDENTI, em tu-

rttto Processuale Ciuile, 1-Nozione e Regole Generali, Bologna: Giufli'e

Editore, 1980, pp.3/4.

5 1

 

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tucional/r', 0 dimension amen to da "crise", sob a concepcao da

"democracia" como espaco da liberdade que nao anula mas per-

mite a manifestacao de conflitos, tem se expandido na reflexao

juddica73, e e sob esse enfoque que a ideia do contraditorio se

desenvoIveu como eIemento fundamental do conceito de

processo,

Os tres enfoques mencionados, referidos a momentos his-

toricos distintos, foram escoIhidos para demonstrar que a ques-

tao da legitim!Q_~cledo poder pode ser con tempI ada sob prismas

diferentes. Entretanto, quaisquer que possam ser as' te;:;rias~oe-

senvolvidas sobre 0Estado, dificilmente sera possivel concebe-Io

sem a funcao jurisdicional, ainda que se mudem as formulacoes

sobre os modelos instrumentais de sua atuacao. E a funcao

jurisdicional, no Estado contemporaneo, nao e apenas a expres-sao de urn poder, mas e atividade dirigida e disciplinada pela

norma juridica.

No que tem de especifico, a funcao jurisdicional substitui a

autodefesa, eliminando 0recurso da autotutela, da vinganca

privada, da represalia, Do primitivo rito da religiao dornestica,

do culto dos deuses lares, quando a represalia era uma das

formas de obrigacao para com os Manes, pela vinganca de san-

gue realizada pelo membra do cla ofendido contra qualquer

representante do cla de onde partira a ofensa, vinganca neces-

saria para 0repouso da alma da vitima/", a s mais antigas leis que

72 Cf. GUSTAVO GOZZI ' Estado Contemporaneo, in Dicionario de Polftica-

NORBERTO BOBBIO, NICOlA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO,

trad. de Carmen C. Varrialle, Gaetano Lo Monaco, joao Ferreira, Luis

Gerreiro Pinto Cascais e Renzo Dini, Brasilia: Editora Universidade de

Brasilia, 2!!ed., 1986, pp.401/409.

73 Cf.JOSE EDUARDO FARIA-Sociologia juridica: Crise do direito e praxis

politica, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, pp.56/58.

74 Cf. FUSTEL DE COULANGES -A Cidade Antiga, Trad, de Jonas Camargo

Leite e Eduardo Fonseca, Sao Paulo: Hemus, 1975, pp.17!32. Sobre as

primitivas sancoes transcendentes a sociedade, derivadas do prindpio da

retribuicao, cf. KELSEN- Teoria Pura do Direito, cit., pp.53-59.

5 2

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hoje sao conhecidas, as da Cidade-Reino deEshnunna tombado

~o~ ~ exercito de Ham.murabi75, 0Estado foi se or~anizando

JundlCame?te, e avocando, progressivamente, a repressao dos

atos repu~tado.s pelo grupo social. Dentre as flutuacoes hist6ri-

cas da racionalldade e da irracionalidade, de que falaWEBER,0

Estado organizou sua funcao jurisdicional dirigida a dar respos-

tas.a sOcied~de sobre as cond~tas vaIoradas negativamente, que

seriam qualificadas de ilicitos, e, em consequencla, assumiu a

tutela dos direitos da sociedade. "Direitos da sociedade" eexpressao intencibnaJmente escoIhida, para que neIa se intradu~-~ ~,,~

z~~ os direitos individuais e coletivos, em suas varias clas-

slfica~6es: socials, culturais; economicos e politicos, cujo reco-

nheCl~ento e ampliacao se observa como uma tendencia comum

nas sociedades contemporaneas.

Baseando-se na mesma concepcao de RUDOLF VONJHE-

RING, a quem reconhece 0itulo de Leplus grand furisconsuim

de l'A~lemagnemoderne, segundo a qual 0Direito era composto

de dois elementos: a regra (Norm) e a realizacao da regra pela

f~r<;a(Zwang), DUGurT conclui que, se0Estado tem 0monop6-

lio da forca sobre seu territorio, nao sao regras de direito senao

aquelas que tern, arras delas, a forca estatal/".

o ~arater de universalidade da sancao juridica, frente a

outros tipos de sancao que estao presentes em outras formas

normativas, e lapidarmente posto em evidencia pOl' MIGUEL

RE~E, quando, discorrendo sobre a pluralidade de ordens nor-

matrvas, e de ordens juridicas grupalistas, extra ou intra-estatais,

demonstra que se pode escapar as sancoes grupais renunctando-

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75 Cf·

c iAs Leis de Eshmmna, Introducao, texto cuneiforme em transcricao

tra ucao e comentario de EMANUELBOUZON, Petropolis. Vozes, 1981. '

76 DUGUIT entende que 0momenta da organizacao do Estado coincide com

aq~ele em qu: as regras construtivas, ou tecnicas, que estabelecem a via

para a repress~o da c~)l1duta rejeitada pelo grupo se correlacionam com as

regras norma,tIvas. Cf Traite de Droit Constitutionnel, troisieme edition

Tome I -~a RegIe deproit -LeProbleme de L 'Etat, Paris: Ancienne Libmi1'~

Fontemomg &Cie, Editeurs, 1927, p.101.

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se aos grupos, mas nao se pode renunciar ao Estado, porque

mesmo se se abandon a 0territorio nacional, junto ao retirante

d . . Idi 77segue uma serie de normas e seu sistema juri ICO .

. " Podem ser aparados os excessos das doutrinas que conce-

bem0Direito tao-so com a garantia da sancao, pois mesmo ao se

investigar apenas 0sistema juridico positivo, sem 0recurso a

outros criterios axiologlcos'", que nao sejam os dele decor-

rentes, constata-se que uma pluralidade de preceitos (em eviden-

cia comparecem os constitucionais), ainda que nao assegurados

pelas sancoes de normas do sistema, atuam como limite a a~aodos individuos e, sobretudo, como limite a atuacao do Poder. 0

sentido 16gico de "principio" - 0que esta posto como funda-

mento e limite, para se evitar a regressao do raciocinio ao infinito

_, e perfeitamente aplicavel ao Direito, quando se trata de

"principios juridicos". Os preceitos constitucionais, que se apre-

sentam como principios juridicos, balizam 0sistema normativo,

impedem sua projecao, atraves de normas que com ele possam

ser incompativeis, em direcao contraria aos fundamentos do

sistema, e limitam a atuacao do poder,pois no Estado fundado

sobre 0Direito, 0poder se exerce nos "limites" determinados

pela lei. Os principios constitucionais, mesmo quando tidos co-

mo nao-auto-apliciveis, ja possuem eficacia intrinseca porque,

obstando a criacao de normas juridicas infraconstitucionais que

os contrariem, nao permitem possam as leis se projetar alem do

sistema jurfdico, em direcao contraria a ele.

Pode-se confirmar, ainda, a cada instante, a observancia do

Direito sem a manifestacao da sancao, pois nao se pode negar

77 Cf. MIGUEL REALE- Licoes Preliminares de Direito, Sao Paulo, Saraiva,1976, pp.76(18.

78 Nao se nega que asdoutrinas axiologicas tern sido extremamente preci<;>sas

para provocar 0"re-pensar" do papel da coacao no Direito. Nesse sentido,

v. EDGAR DE GODOI DA MATA-MACHADO- Direito e Coercao, Belo

Horizonte, 1956, que sustenta a tese de que apenas ao Estado Totalitario

pode-se atribuir 0monopolio do "direito" como forca, porque a lei pode

ter sua vis coatiua, mas nao e,em sua essencia, a propria forca.

54

efeitos juridicos aos atos licitos cumpridos espontaneamente,

que se desenvolvem e se esgotam sem0apelo a protecao jurisdi-

cional. Eesses, em uma sociedade dotada de certa estabilidade,

prevalecem sobre as situacoes de litigio que, quando nao resolvi-

das na esfera particular, sao levadas a apreciacao do Estado,

atraves da provocacao da funcao jurisdicional.

A jurisdicao se organiza para a protecao de direitos e dasliberdades, asseguradas na ordem juridica, contra 0ilicito, e

ilicito, em qualquer campo do Direito, e a inobservancia da

conduta normativamente valorada como devida, cuja ocorrencia

na pratica, se se admitir a liberdade do reino humano, nao estara

fora da esfera do possivel.

3.5. 0 PROCESSO

o Direito Processual, como ramo autonorno do co-

nhecimento juridico, desenvolve sua investigacao sobre a norma

que ordena e disciplina a jurisdicao, a norma que regula 0

exerdcio do Poder jurisdicional, e, por isso, nao e raro que se

diga que seu objeto e a norma que disciplina 0processo. A

jurisdicao, entretanto, e organizada para que 0Estado, atraves

dos orgaos jurisdicionais, se manifeste em situacoes que envol-

vern conflitos litigiosos e em situacoes em que, havendo ou nao

divergencias, encontra-se ausente 0litigio.

~a_afirma<;ao_de_q.ue_O_PLocesso cq_Q_~titui0objeto

por excelencia do estudo do Direito Processual de~-~-e~~tomada

com cei'io-c~idado~ poi;-'p~~'a--s~-~o~~ : e e n C f e i - - o ' - s e u -alcance enecessario se entender 0que se esta design ando como "proces-

so".

A questao se reveste da maior importancia, por vanas ra-

zoes. Primeiro, pode considerar-se que vern posta no proprio

ordenamento jurfdico positivo, quando destina suas normas a

reger a "jurisdicao contenciosa e voluntaria", a regular 0"proce-

dimento comum" e os "procedimentos especiais", 0"processo"

55

 

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de conhecimento, de execucao e cautelar/". Em seguida, obser-

va-se que ja se encontra consolidada, no plano teorico, a propos-

ta de urn novo tratamento das relacoes entre procedimento e

processo, que suscita nova reflexao sobre seus conceitos. Por

fim, a Constituicao da Republica de 5 de outubro de 1988, ao

atribuir, no art. 22, item I, competencia privativa a Uniao para

legislar sobre Direito Processual, e no art. 24, item XI, competen-

cia concorrente'" aos Estados e ao Distrito Federal, para legislar

79 0art. lQ do Codigo de Processo Civil expressamente estatuiu que a

[urisdicao civil, "contenciosa e voluntaria", seria exercida em conformidade

com suas normas. Essas normas, como decorre dos arts. 270 e 271, se

destinaram a regular 0"procedimento comum" e os "procedimentos espe-

ciais",0"processo" de conhecimento, de execucao e ca~telar, e ~ a~t. 1.211,

ao delimitar 0ambito espacial e temporal de sua validade, dlSPOSque 0

Codigo rege 0"processo" civil. Alem de delimitar 0quadro da aruacao do

Poder Jurisdicional trazendo para seu ambito relacoes litigiosas e nao

litigiosas, a norma do Codigo de Processo Civil especificou a sua materia,

apontando 0objeto de sua disciplina: procedimento e processo.

80 RAULMACHADO HORTA distingue, na reparticao das competencias, 0

mode1o classico e 0que denomina de moderno, que se caracteriza por

compreender a legislacao exclusiva da Pederacao e a le?isla~ao co~~or-

rente ou comum, em uma competencia mista, a ser exercida pela Uniao e

pelos Estados-membros. E ela que configura 0Fede,r~lismo de ~qui~Drio,

em que a descentralizacao tende a ampliar as matenas ~a. leglsla~a?~ co-

mum it Uniao e aos Estados-membros, ficando no dominio da Uniao a

legislacao de normas gerais e no dos Estados-membros, a complementacao

da legislacao federal. Cf. Organiza~ao Constitucional do Federalismo in

Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, vol. 30, n~

28129, 1985/1986, pp.9/31. Estudando as posslvei,s hipoteses de incompati-

bilidade entre a lei federal e a lei estadual, JOSE ALFREDO DE OLIVEIRA

BARACHO demonstra que, quer na cornpetencia privativa, quer na cornpe-

tencia concorrente, a questao se acerta pelo principio da hierarquia das

leis, esgotando-se, quanta it competencia privativa e exc1usiva, pela dec1a:racao de inconstitucionalidade da lei estadual incon;~atfvel c~n: a lei

federal e na competencia concorrente pelo prcdominio da lei federal

valida, Cf. JOSE ALFREDODE OLIVEIRABARACHO, Teoria Geral do F:de:

ralismo _Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1982, pp.68/69. Em relacao a

extensao, JOSE AFONSO DASILVAc1assifica as competencias em exclusiva,

privativa, cornurn, cumulativa ou paralela, concorrente, e suplen;e~~ar: a

privativa e enumerada como propria de uma entidade com possibilidade

de delegacao, ou de comperencia suplementar, a competencia comum,

56

sobre "procedimentos em materia processual", desperta urn no-

vo interesse sobre procedimento e processo como objeto das

normas estudadas pelo Direito Processual, que ultrapassa 0cam-

po academico,

Anote-se que a doutrina processual brasileira ja vislumbra,

nos arts. 22, I, e 24, XI, da Constituicao da Republica de 5 de

outubro de 1988, distincao entre "norma processual" e "norma

procedimental'f".

cumulativa ou paralela, significa a faculdade de legislar ou praticar certos

atos, em determinada esfera, juntamente e em pe de igualdade, consistin-

do; po is, num campo de atuacao com urn as varias entidades, sem que 0

exerdcio de uma venha a excluir a cornpetencia da outra, que pode assim

ser exercida cumulativamente, a competencia concorrente possui dois

elementos constitutivos: 1. a possibilidade de disposicao sobre 0mesmo

assunto ou materia por mais de uma entidade federativa; 2. a primazia da

Uniao no que tange it fixacao de normas gerais; a competencia suplernen-

tar, que e correlativa da competencia concorrente, significa 0poder de

formular normas que desdobrem 0conceito de principios ou normas

gerais ou que supram a ausencia ou omissao destas. Essa e ados §§ lQa 4Q

do art. 24 da Constituicao de 1988. Cf.JOSE AFONSO DASILVA-Curso de

Direito Constitucional Positivo - Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1990, pp.413/415.

81 Cf. ANTONIO CARLOSDE ARAUJOCINTRA,ADAPELLEGRINIGRINOVER

e cANDIDO R. DINAMARCO- Teoria Geral do Processo, 8a ed. rev. e atual.- Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunals, 1991, p. 83.

Desta "tecnica e teoria . .."vai resultar, no final, que a Constituicao de 05 de

outubro de 1988, abre, definitivamente, asportas para a edicao de Codigos

Estaduais de Processo (civil e penal). Outra nao pode ser a conclusao que

se extrai de leitura do art. 24, item XI e paragrafos, do texto constitucional

em vigor, que disp6e que compete it Uniao, aos Estados e ao Distrito

Federal legislar, concorrentemente, sobre "procedimentos em materia

processual", ou em outras palavras, legislar sobre "procedirnentos em

processo jurisdicional", Para maior clareza vejam-se os capitulos IVe VIseguintes, onde estao explicitados os sentidos dos termos "procedimento"

(genero) e "processo" (especie), nao havendo "distincao" entre des, mas

relacao de inclusao (todo processo e urn procedimento). Fica, pois, aos

"1egisladores estaduais" 0cumprimento da missao que lhes foi deferida,

cabendo-Ihes discutir, votar e aprovar, 0 quanto antes, as Codificacoes

locais de processo (civil e penal) . No que concerne it "disrincao" entre

"nor,:na processual" e "norma procedimenral", ANTONIO CARLOS DE

ARAUJOCINTRA, ADAPELLEGRINI GRINOVER e CANDIDO R. DINAMAR-

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Essa interpretacao so poderia se ajustar a urn contexto teo-

rico em que procedimento e processo sao tratados como realida-

des independentes e distintas. Em uma concepcao de procedi-

mento que comporta 0processo, a diferenciacao teorica entre

normas de procedimento e normas de processo perde todo 0

significado, mesmo diante das disposicoes constitucionais referi-

das. 0 processo sera uma especie de procedimento, e assim se

podera compreenaei:-queamat~ria processu-als06re-quemclde

a competencia concorrente e a materia do Direito Processual,

enquanto norma que disciplina 0processo jurisdicional.

A norma processual e a que disciplina a jurisdicao e seu

instrumento de manifestacao, 0processo, mas a propria exten-

sao do conceito de processo ainda nao se esgotou na doutrina.

CO incidem em leve equfvoco, resultante, talvez, do fato de que 0Consti-

tuinte de 1988 tenha se utilizado das expressoes legislar sobre "direito

processual" (art. 22, item I) e "procedimentos em materia processual" (art.

24, item XI) e da falsa suposicao de que haja "distincao" entre "procedimen-

tos' ' e "processo", Nao, nao ha, 0vinculo e de inclusao ou fica mais bem

explicitado se se recorrer ao auxilio da "logica da relacao entre classes ..."

(v, retro 2.5.2, nQ£9 e 10e adiante 6.3.1fine). Frise-se, e bern, que, com 0

art. 22, item I, 0Constituinte de 05 de outubro de 1988 dispos, isto sirn,

que e da competencia privariva da Uniao legislar sabre "direito processual"

em "processo administrativo", em "processo legislative" e em "processos

jurisdicionais" exclusivamente federais (os das [usticas federais - comum e

especializadas); nos "processos jurisdicionais" das justicas Estaduais editara

normas em concorrencia com as Codificacoes Estaduais, civis e penais (art.

22, XI e paragrafos),

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I i 58

CAPITULO N

PROCESSO E PROCEDIMENTO

4.1.PROCESSO E PROCEDIMENTO:

MULl1PllCIDADE DE ACEPC;6ES

4.1.1. PROCESSO

o termo processo e muito rico em acepcoes. E empregadona linguagem comum, na linguagem cientifica, na linguagem

filos6fica e na linguagem [uridica (com maior ou menor rigor),

com uma variedade tao grande de sentidos que, quando se

pretende dar-lhe uma conotacao especifica, e conveniente deter-

minar a acepcao em que e utilizado.

Na linguagem corrente, fala-se indiferentemente em proces-

so como etapa, como desenvolvimento, como metodo, como

movimento, como transformacao. Na linguagemcientifica, com

suas coriotacoes especificas, 0ermo e amplamente utilizado em

qualquer dominio do conhecimento. Pode-se lembrar que, nainformatica, por exemplo, a ideia sugestiva de processo inte-

grou-se a linguagem da ciencia na expressao processamento de

dados, como tecnica de transformacao de dados (mimeros) em

informacoes, informacoes obtidas de variaveis quantitativas ou

qualitativas, depois que os dados sao organizados, pois os mime-

59

 

. . . ,

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ros sozinhos nao dizem nada. Processamento de dados, proces-

sador de textos, sao exemplos frisantes dos mais recentes usos

do vocabulo, que denotam a intensa carga simb6lica sugerida

pela palavra processo.

Na linguagem filos6fica, NICOLA ABBAGNAN082 registra

tres sentidos para 0 termo: 1. "Procedimento, maneira de operar

ou de agir", exemplificando com extratos da Summa Theologica

de Sto. Tomas de Aquino, "0 Processo de composicao e deresolucao" que indica "0 metoda que consiste no descer das

~~-"'~causasaoefeito, ou no subir, de novo, do efeito a s causas", e"processo ao infinito" "para indicar 0 subir de novo de uma causa

para outra sem parar". 2. "Transforrnacao ou desenvolvimento"

exemplificando com WHITEHEAD (Process and Reality, 1929):

"Processo da hist6ria". 3. "Uma concatenacao qualquer de even-

tos", exemplificando com expressoes de campos cientificos

"Processo de digestao", "Processo quimico".

Em LALANDE,0 vocabulo e registrado significando: Suite

de phenomenes presentant une certaine unite ou se reprodui-

sant avec une certaine regularite83

.Em meio as variedades da acepcao do termo, pode-se perce-

bel' uma constante implicita em seu sentido. a de movimento e

,cl~_~Qnseqiientede.§_~l}YQ_lYiJ:!!ent.Q_S:"ransformas._ao, 0 que se con-

trapoe a i~~~g:1)11101:>i_t~cladea in<!l!~r_abjJidad(;'----------~

'- -Que a vida, a realidade:~-~xperiencia humana, as paixoes,

os sentimentos e, tambem, 0 conhecimento, enfim, tudo que

pertence a este mundo sublunar'i", possuam seus "processos", no

82 Cf. NICOLAABBAGNANO-Dicionario de Filosofia, cit., verbete. Processo.

83 ANDRE LALANDE - Vocabulaire Technique et Critique de fa Pbilosopbie,Paris: Presses Uriiuersitaires de France, 1972 - verbete: Proces ou Proces-

SIIS.

84 Lembrando a filosofia grega pre-socratica que via as transformacoes ou 0

movimento (como processo de geracao e corrupcao, is to e , de genese e

destruicaoj no mundo sublunar, e0mutavel no mundo supralunar, 0ceu

das estrelas fixas, a quintessencia.

60

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sentido de movimento, de desenvolvimento e de transformacao,

ja 0 havia percebido HERACLITO - "tudo flui", "ninguem se

banha duas vezes no mesmo rio,,85, e, na filosofia moderna, e

dificil imaginar que algum pensador 0 tenha exposto com maior

ardor do que HEGEL86.

No Direito, a palavra esta tambern impregnada desse simbo-

lismo, mesmo quando tecnicamente empregada,embora seu uso

indiferenciado, em diversificadas siruacoes, a tenha tornado urndos termos mais equivocos do campo juridico.

4.1.2. PROCEDIMENTO

Apalavra procedimento, na linguagem comum, assume fre-

quentemente 0 mesmo sentido registrado pOl'ABBAGNANOna

primeira acepcao do termo processo: "maneira de operar ou de

~ g iL - - - - - _ _ _ _ _ _ ,- -

Em geral, a doutrina do Direito Processual relembra a ori-

gem etimologica do termo procedimento: "prQ_~e_Q~r~~_=-p~'o_s_:-_~

seguir, seguir em frente, para dela fazer derivar a palavra "p__rgg;_s-

so", com identico sentido etimol6gic-o. Esquece-se, entretanto,de indicar urn outro significado que etimologicamente 0 vocabu-

85 0 eterno fluir das coisas, como tonica de seu pensamento, e expresso em

diversas assertivas. Cf. a reuniao dos fragmentos da filosofia pre-socratica,

com cornentarios de varies fil6sofos modernos e para RERACLITO,sobre-

tudo, HEGEL, NIETZCHE e HEIDEGGER: "Os Pre-Socraticos - Fragmen-

tos, Doxografia e Cornentarios", selecao de textos e supervisao do Prof.

Jose Cavalcante de Souza, 2i!ed. Sao Paulo: Abril Cultural, 1978, pp.92-136.

86 Cf.As bases de seu sistema, principalmente os conceitos desenvolvidos no

Prefacio a Fenomenologia do Espfrito, foram retomadas em sua Filosofia

do Direito, em cujo prefacio explicita 0que e a filosofia, essa "rosa na cruz

do sofrimento presente", que tern a sua rnissao em "conceber 0que e,porque 0que e e a razao" e "tudo que e racional e real e tudo que e real eracional", e cujo Prefacio se ocupa do movimento dialetico do conceito -Cf.

HEGEL Principios da Filosofia do Direito, Trad. de Orlando Vitorino, s/l:

Livraria Martins Fontes Ltda., 1976, p.1 a 51. Cf.AROLDOPLfNIO GON<;AL-

VES - Introducao Ontol6gica, inNatureza juridica dos Recolhimentos Para

o Fundo de Garantia Por Tempo de Service -Belo Horizonte, 1977 (Tese

de Doutorarnento), pp.1/91, principalmente pp.6/15.

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10 procedimento comporta, e em sentido proprio mesmo, nao

apenas figurado, extraido de TITO uvio, e ainda hoje tao co-mum em nossa lfngua, quando se usa 0verbo proceder como

transitivo indireto (isto procede de...) e, ernbora 0retorno a sorigens das palavras nem sempre auxilie 0aclaramento de con-

ceitos, a retomada do tema, pelo sentido de derivacao, com-

preendido no termo procedimento, pode se revelar de alguma

utilidade.

No latim, processus, -a, -um, e participio passado de proce-

do, e processus, -us, e substantivo. A origem de processo e,

portanto, do verbo procedo, -is, -ere, -cessi, -cessurn, que teve

dois sentidos proprios e alguns sentidos figurados. 0 primeiro

sentido proprio, utilizado pOI'CESAR(DeBello Gallico) e CIcE-

RO (Tusculanae), c<:;>rrespondea avancar, alongar-se, 0segundo,

usado por THO LMO, refere-se a prolongar, continual'. Na

mesma raiz, ha, no latim, 0verbo progigno, -is, -ere, -genui,

-geniturn, com 0sentido proprio de: prolongar araca engen-drando, ge_f_ar,ssim empregado por ciCERO (DeDivinatione),

eo adjetivo prognatus, -a, -urn, com0senti do proprio de: safdode, descendente de , como utilizado por HORACIO (Satiras) 87.

Proceder e, tambern, "originar-se", "descender de" e procedi-

mento e, tambem, "0 originar-se", e "odescender de".

Essa Iembranca pode ser de alguma utilidade no tratamento

dos novos conceitos que serao examinados.

4.2.PROCEDIMENTO E PROCESSO:

DUAS TENDENCIAS TEOR/CAS DISl1NTAS

A postura da doutrina contemporanea sobre 0modo de secompreender 0procedimento e 0processo, sobre os criterios

que devem ser utilizados para a conceituacao de cada urn deles,

87 Pode-se consulrar 0Dicionario Escolar Latino-Portugues do Professor ER-NESTa FARlA.

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sobre a relacao que pode existir entre eles, e basica para a adocao

de todo urn quadro conceptual, urn sistema de conceitos, que

servira como instrumental teorico para 0tratamento do proces-

so.

As doutrinas particulares, quando possuem fundamentos

comuns, podem ser agregadas em escolas ou em correntes de

urn determinado campo do pensamento juridico. Podem ser,

ainda, designadas genericamente como "doutrina", mas a e~sa

expressao se ajunta urn determinado qualificativo, que sera a

marca pela qual se reconhecem os fundamentos que, sendo pOl'

elas compartilhados, sustentam diversas construcoes teoricas so-

bre urn dado tema, que se poe como objeto do conhecimento. As

diferencas internas que apresentem nao serao importantes para

impedir seu recolhimento dentro de uma mesma tendencia de

pensamento.

E nesse sentido que se pode falar na existencia, no campo

do Direito Processual, de duas tendencias distintas, firmadas

sobre dois fundamentos teoricos diferentes, cada uma delas

trabalhando com base em seus conceitos, suas definicoes, suas

categorias, seus institutos. As diferenc;as do quadro __t:.<?_t:ico~c:>_

incidem apenas no conceito isolado de procedimeE~()~_de

P!~~J._!!l~s,_gI~Et.~am __!~ fund~~~.~a!~~_~:<:?_}:)E~ft9roces-_

sual. E necessario se ressaltar, entretanto, que essa diferenca de

t fa t a i n e n to - d a ( I o - a o s - t e m ~ d e ~ r r e ~ f u n d ~ ~ e n - ta l i! i~ n i ~ , _a con- .

cep~aoque~seaaote sODreQ£o~ediment_()_~~-~~Q"6J~~_p_1'9cesso,or- .

que e p~r-e-ia'que-se'comec;ad:a estabelecer _~Q_c!9.!!1l1sistemae

~gnc~itos d~~que:o~Iii£eit(i:iiQsi~~i~i _ri~~SSi!fLl1~r_c!_~l!~_.cons-

tru~6~s j_!lridi~C!~:

- No de-se-;wolvimento do Direito Processual Civil como cien-

cia autonoma, a doutrina, sob a influencia de BULOW, reagiucontra a postura tradicional de seculos passados, que absorvia 0

-processo n o pr;;ce~I~~nio .~:Con:sfC!era~es~e-~:?mo-mera.suces-

sao--de atos que compunham 0rito da .aplicacao judicial do

dir'~it~.--Emprogressives -passos, busc~~- estabelecer a distincao

63

 

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entre processo e procedimenro.e encontrou, e_~,~_~iterioseleo- t, . b d dif . - ~ r10glCOS,a .'ase ~, llerenCla<_;ao.. ,~-~-'r.

Essa distincao perdurou por muito tempo de forma quase fsoberana, ate que comecou a despontar, dentro da doutrina, [

uma outra proposta pela qual era possivel se considerar as rela- !coes entre procedimento e processo. Em movim~nto~ ,concer: Inentes a desenvolvimento de ideias, falar-se em ptonetrrsmos e I

algo bastante arriscado, mesmo porque, como ocorre em geral, f'as ideias que conduzem a mudancas sao latentes nos sistemas tprecedentes, e, adernais, nao' se fez tim' levantamentohistorico fcom esse objetivo. Mas dentre os autores mais divul~ados, po?e- fse encontrar em REDENTI urn esforco bern conduzido em dire- t:

<_;ao essa nova visualizacao do procedimento e do processo, e fem FAZZALARI,0 sistema aperfeicoado dessa nova postura

88

4.2.1.PROCEDIMENTO E PROCESSO:

A DISTIN(AO BASEADA EM CRImRIO "TELEOLOGICO"

Alinha doutrinaria que separa 0 procedimento do processo

firmou-se sobre 0 criterio releologico, pelo qual se atribui finali-dades ao processo e se considera 0 procedimento delas destitui-

do. Nela, 0 procedimento e "puramente formal", algo que tanto

pode ser uma tecnica, como os atos de uma tecnica, como a

ordenacao de uma tecnica, enfim, separa-se do processo como

ideia impregnada de finalidades pOl' ser estranho a qualquer

releologia'".

88 0ema nao encontrou, ainda, suficiente divulga<;ao na doutrina brasileira,

onde sequel' aparece dentre as grandes preocupa<;6es por e~amanif~stadas

ou dentre as perspectivas abertas no estudo do processo, Invenrariadas e

examinadas por JOSE CARLOSBARBOSAMOREIRAem "Os Temas Funda-mentais do Direito Brasileiro nos anos 80: Direito Processual Civil" - e

"Sobre a Multiplicidade de Perspectivas no Estudo do Processo" in Ternas

de Direito Processual, Quarta Serle, Sao Paulo: Saraiva, 1989, pp.1/10 e

pp.i iz z i.

89 Assim, como se ie em NICETO ALCAlA-ZAMORAY CASTILLO=r»:mos que rnientras fa idea de proceso responde a una contern1?laclon

teleologica, fa de p1'Ocedimiento obedece a uri enfoque [ormalista. Cf,

64

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Essa posicao predomina na doutrina processual brasileira

con temporanea, ern queo procedimento comparece como recni-

ca que "disciplina, organiza ou ordena em sucessao logica 0

processo"9o,'-aiecnica de "ordenacao e racionalizacao da ativida- '

de'a:-se-l:--desenvolvida"(...) "forma imposta ao fen6meno proces-

sual"91. A doutrina patria, em sua expressao mais jovem e bri-

lhante, aprofundou 0 conceito do procedimento como "meio

extrinseco" de desenvolvimento do processo, "m~io-pelo,qllaLa---,leie~p_,!,_9~_~t9s e formulas da ordem legal do processo", ate

redUzi-lo a manifestacao exterior do processo, "sua realidade

(e._t}Q_~~Qologicaerceptfvel'f". ) ( w < ; . n c . . r O c ( ) , ' J . ; l : U ; ,Em contraposicao, ao processo e atribuida natureza teleolo-

gica, "nele se caracteriza sua finalidade de exercicio do poder",

como "instrumento atraves do qual a [urisdicao opera (instru-

mento para a positivacao do poder)"93.

Adistincao pelo criterio teleologico propicia ao processo a

abertura de urn leque de finalidades-", dentre as quais a atuacao

do direit095, mas suscita, dentre outras questoes, urn problema

para 0 qual nao se encontra resposta adequada. E que, se 0

Bstudios Procesales, Madrid: Editorial Tecnos, 1975, p. 455. No mesmo

sentido, reporta-se a sua obra Processo, autocomposicion, pp. 127-9,

A

90 WELLINGTON MOREIRAPIMENTEL- Comentarios ao C6digo de Processo

Civil, 23.ed. Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1979, v. 3, p. 9.

91 WELLINGTON MOREIRAPIMENTEL, op, cit., p,10.

92 ANTONIO CARLOS DE ARAUJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e

cANDIDO R.DINAMARCO, op. cit., p. 247.

93 Cf. ANTONIO CARLOSDE ARAUJOCINTRA ADAPELLEGRINI GRINOVER

e CANDIDO R. DINAMARCO, op. cit., p.247.'

94 Cf. cANDIDO R. DINAMARCO - A Instrumentalidade do Processo, 23.ed.

rev. e atual. - Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

95 JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA refere-se as finalidades que nao sao

exclufdas perante 0fim publico do processo, em As Bases do Direito

Processual Civil in Temasqe Direito Processual. Sao Paulo: Saraiva, 1977,

pp.3/15. '

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Pbrocedimento se constitui em meio necessario, (pois nao se la oliu, ainda, a necessidade da existencia do procedimento), f

para a existencia, ou 0desenvolvimento, ou a ordenacao, do f.

processo, tern, entao, 0carater teleologico que toda tecnica

i~trinsecamente comporta, como meio id6neo para atingir fina- ilidades. l\!.eSrrlo.sof!§iderad2~~!_Tioerie de atos, como forma de lordenacao, comomeio de se_est~~p~~~m~osatos'do p:ro'cessO;o~-- fprocedimento estaria Iinpregnado desenttdo releologico.jpor-> !q~esua finalidade, ja.explieita-ern sua_funcionalidade,nao~_pode;"",,~ ~ . tria ser negada . \

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4.2.2.A BASE DA DISTI-N9AO

PELO CRITERIO TELEOLOGICO

As reacoes contra as posicoes tradicionais do seculo pas-

sado gerarani multiples resultados e urn deles foi0estigma que

se abateu sobre 0procedimento.

Se0procedifnento envolvera 0processo, a ponto de delui-

10 na mera sucessao de atos, a reacao veio tao forte que provocou

a postura doutrinaria exatamente em polo contrario. A doutrina

processual moderna, em sua larga maioria, diluiu 0procedimen-

to no processo. 0 processo absorveu-o e anulou sua importan-cia. - .

Nao obstante, essa postura nao supera 0quadro do seculo

passado, pois continua operarrdo dentro dele, ernbora nela ja se

note a integracad .de varios conceitos renovados, que fazem

pensar em urn passo ensaiado para urn novo itinerario, que ainda

nao se completou. Mesmo trazendo latentes as inovacoes da

construcao juridica que se reelaboraram nas ultimas decadas,

~~sa linh~ doutrinal~ia trata 0processo com apelo a uma catego-

na conceitual do seculo passado, a da relacao juridica, que japassou por graves criticas na teo ria do Direito e que e absoluta-

mente impropria para explicar as posicoes que assumem os

sujeitos envolvidos no processo.

66

4.2.j.PROCEDlMENTO E PROCESSO

VISTOS SOB UMA PERSPECITVAJJ?:&L<;A

A evolucao dos conceitos de procedimento e de processo,

como se percebe na exposicao dos itens anteriores, nao se fez em

trajeto linear, mas foi bastante assemelhada a uma dialetica de

oposicao, em que a antitese se levanta contra a tese, para nega-la,

ate que advem 0momenta da smtese, que absorve as afirmacoes

e as negacoes em uma nova tese.Como assinala ELIO FAZZALARI96 ,0desenvolvimento dos

contornos dos dois institutos e o proprio "emprego apropriado

dos dois termos tardaram muito". 0 conceito de procedimento

mudou, acompanhando 0desenvolvirnento da realidade norma-

tiva, do Direito positivo, e nao foi por acaso que as maiores

contribuicoes, para sua alteracao, vieram do campo do Direito

Administrativo, que iria se inspirar justamente no modele de

processo, buscado nos dominios do Direito Processual. Entre-

tanto, a dotrtrtna pro~~sual nj.o e~g'~iu dessa mudal1~-~--~con-

sequencias ac!~qg_'l<i::!~12aral~fj1}_iLQRiQ~~$.~Q;.eSillo diante-de

urn novo conceito de procedimento, os processualistas naoaproveitaram essa contribuicao para a conceituacao do processo

e, necessitando de urn suporte teorico para defini-Io, prenderam-

se ao antigo modele da relacao juridica proccssual?". Esse "velho

e antigo cliche pandectista", na expressao de FAZZALARI,eria

imperado, ainda, con forme expoe ele, em alguns decenios deste

seculo'".

Entretanto, nao se pode tratar a questao no passado, como

o faz FAZZALARI,porque a relacao juridica ainda predornina,

mas, agora, nao ja com a sua antiga soberania, sobre toda a

doutrina.

96 Cf. ELIO FAZZALARI - Istituzioni di Diritto Processuale, quinta edizione

Padova: CEDM1 - Casa Edi tr ice Dot t. Anton io Milano , 1989 , pp. 72/73. '

97 Cf. FAZZALARI,op. cit., pp. 72/73.

98 Cf. FAZZALARl, op. cit., p. 73 .

67

 

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I

Pelo criterio logico, as caracteristicas do procedimento e do fl"

processo nao devem ser investigadas em razao de elementos

finalisticos, mas devem ser buscadas _d~!l!rQdo proprio sistema

I ~[uridico que os disciplina. E 0sistema normativo rey~_~ qu~, I

antes que "distincao'', hi entre eles -lima relacao de indusao-;--- Ipm-que 0processo ~uma especie do genero procedimen!S~L<:,.s.e !pode ser dele separado e por uma diferenca especifica,_UJIli_, r,'

propriedade que possui e que 0orna, entao, distinto, naJl1e~I!l:~ rescala em que pode haver distincao entregeneroe e_!'.2.~i~.:A~' Idiferencaespeciflca'entre 0procedimento em geral.que-pedeou i

nao se desenvolver como processo, e 0procedimento que eprocesso, e a presenca neste do ele_Ql~ll~_Oue 0e~p~<=jfica_;_Q_,

contraditoriov'O proce~so e u~_p:,-"5?c::~s!i_!!lellt(),masao gual- ,

quer pr6cedimento; e - 0 pro'cedimento 9.e g~e, P<!rt_ifip,!-!!!._~qg_~:

lesque's~oTniei-essad6s fioato finiCde carater imperativo, por ,----.....-.---,.----," . ...-..--.-.-.-"-"-"---I

ele preparado, mas nao apenas participam; participam de uma j

forma especial, em cori.tradito_riQ<;_I}Ii.~les, porque seus"fntel:es:.----

ses em relacao aoa,t9fin,aJ~s.aQ.QP.o~~os. _ L - " .- - • . - - . - • • " . - - I '

Fica evidente que essa concep~~o trabalha com urn novoconceito de procedimento e dele extrai urn novo conceito de

processo.

Ao se concluir este topico, nao se pode deixar de registrar as

palavras dirigidas por FAZZALARIa propria ciencia do Direito

Processual, ante a constatacao de urn fato que os processualistas

de ambas as correntes ji perceberam, 0da crescente tendencia

da sociedade conternporanea para resolver suas questoes (suas

quaestiones) adotando 0modelo do processo, com 0contradi-

torio que 0especifica.

"Insomrna, la nostra era assiste alla diffusione

del processo in tutti i settori dell'ordinamento, spe-

cie, per COSt dire, in qualli piu caldi; e il futuro ne

fara sentire maggiormente it bisogno. Rimane, per-

cia, compito della dottrina approfondire eperfezio-

nare i moduli processuali (cia di partecipazione

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degli interessati, in contraddittorio, all'iter di 101'-

mazione di un ato), enucleare principi, offrirli a chi

fa le leggi ed a chi deve appltcarlerr?

A doutrina do Direito Processual, por certo, nao recusara 0

papel que constitui a missao social de toda a ciencia de elucidar,

de .esclarecer, de aperfeicoar e aprofundar a realidade, objeto de

sua investigacao, e, depois, tornar 0resultado de seu trabalho -

o conhecimento, por minimo que seja - disponivel, nao so para

os que devem fazer as leis e os que iran aplica-las, mas para a

propria sociedade.

99 Cf. FAZZALARl,op. cit., pp.14/15. Impende insistir na Codificacao Estadual

de Processo (civil e penal), em face da diretiva de polftica juridica emanada

do texro da Constituicao de 05 de outubro de 1988 (an. 24, XI e paragra-

fos). E is to porque, como se deixou bern claro, nao ha "distincao" entre

"norma processual" e "norma procedimental" ou entre "processo" e "proce-

dimento". "Procedimento" e genero, "processo" e especie. Como se insistiu,

a marca ou sinal especffico esta no "contradit6rio" e a relacao e de "inclu-sao". Como ja esta no rodape 81, irnporta destacar, mais uma vez, que, com

o art. 22, item I,0Constituinte de 05 de outubro de 1988 dispos, isto sim,

que e da competencia privativa da Uniao legistar sobre "direito processual"

em "processo administrativo", em "processo legislative", e em processes

jurisdicionais exclusivamente federais (os das justicas Federais comuns e

especializadas); nos process os jurisdicionais das justicas Estaduais editara

norrnas em concorrencia com as Codificacoes Estaduais, civis e penais(art.22, XI e paragrafos).

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CAPITULO V

o PROCESSO COMO RELA< ;Ao ]URlDICA

5.1. RELA<;;AOjUR!DICAPROCESSUAL

CHIOVENDA,ao lancar as bases ci a ciencia do Direito Proces-

sual Civil, fixou0conceito de processo como relacao juridica.

"IIprocesso civile contiene un rapporto giuridi-

co. E l'idea giil inerente al iudicium romano; non-

cbe alla deJinizione chedel giudizio davano i nostri

processualisti medieuali.- Iudicium est actus trium

personarum, actoris, rei, iudicis (Bulgaro, De iudi-

ciis, § 8). E l'idea che la dottrina e lapratica espri-meuano giil inconsapeuolmente colla parola litis-

pendenza, intesa questa come la pendenza d'una

lite nellapienezza dei suoi effetti giuridici. Litispen-

denza e rapporto giuridico processuale sono concet-tiedespressioni non equivalenti ma cotncidentt'F",-----

100 GIUSEPPECHIOVENDA-Istituztoni di Diritto Processuale Civile volume 1Concetti Fondarnentali -LaDottrina Delle Azioni-Ristarnpa Inal~erata Della

ji!Edizione, Napoli: Casa Editrice Dott, Eugenio jovene, 1940-XVIII,p.50.

70

A figura da relacao juridica que ja se constituira como urn

dogma na doutrina civilista, para explicar direitos e deveres,

faculdades e obrigacoes, e alcancara outros ramos do Direito,

alastrou-se tambem pelo Direito Processual Civil que a adotou

sem grandes polemicas.

A profundidade com que a ideia do processo como "relacao

juridica" arraigou-se na ciencia do Direito Processual Civil pode

ser apreendida na exposicao de CANDIDO R. DINAMARCO: "Adoutrina da relacao juridica processual nasceu na Alemanha hi

pouco mais de urn seculo e tern hoje ampla aceitacao em toda a

literatura do mundo romano-germanico, Embora a ideia ja

andasse pela doutrina do processo, dela nao se tinha senao mera

intuicao e foi apenas no seculo passado que se observou a sua

existencia - ressaltando-se que se trata de relacao nitidamente

distinta da de direito substancial, da qual difere, em seus pres-

supostos, em seu objeto e em seus sujeltos.l'"

Essa ideia intuida no seculo passado brotava realmente do

espirito da epoca, como se vera, e encontrou sua formulacao nas

teses de WINDSCHEID, no momenta que se conciliou uma de-terminada nocao de Direito subjetivo, que se firmava tambem

segundo 0espirito da epoca, com a de processo. Mas a ampla

aceitacao a que se refere DINAMARCO,dessa que, na sua exposi-

<;;ao,e uma "forrnulacao, clara e convincente, quase elementar no

estagio atual da ciencia do processo'J'", comecou a encontrar

suas objecoes em outros campos da reflexao juridica, quando 0

pilar do conceito de relacao juridica, 0Direito subjetivo, nas

dimens6es concebidas no seculo passado, foi posto em questao.

A descoberta das semelhancas nao aparentes e das relacoes

existentes entre os conceitos com que a ciencia do Direito

Processual Civil trabalha tern sido retardada, talvez porque 0

Direito Processual Civil tenha se acomodado nos progressos

101 Cf. CANDIDO R. DINAMARCO- Execucao Civil,vol. 1, 2"-ed. rev. e ampl.,

Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 95.

102 Cf. CANDIDO R. DINAMARCO- Execucao Civil, cit. p. 95.

71

 

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que ja obteve, dando por encerrada sua reflexao sobre a adequa-

c;ao de seu proprio instrumental tecnico para capturar 0objeto

de sua investigacao.

EDUARDO COUTURE, afirmando que La doctrina domi-

nante concihe elproceso como una relacion juridtca'P>, men-

ciona os argumentos que se levantaram contra tal concepcao e

tenta dernonstrar que a relacao e uma "uniao real ou mental

vinculo que aproxima uma coisa da outra, perrnitindo quemantenham sua individualidade". Entretanto, nao e so de umacorrelacao, de uma interacao, ~que-sefala quando se emprega 0

termo relacao juridica, mas de vinculo entre sujeitos. COUTURE

o demonstra: Cuando en el lenguage del derecho procesal se

hahla de relaci6njuridica, no setiende sino a senalar el vincu-

lo 0ligamen que une entre sf a los sujetos del proceso y sus

poderes y deheres respecto de losdiversos actosprocesales. (...)

Sehahla, entonces, de la relaci6njuridica procesale en el senti-

do apuntado de ordenaci6n de la conducta de los sujetos del

proceso en sus conexiones reciprocas, al cumulo depoderes y

jacultades en que sehallan unos respectode los otros'P".Os graficos que representam as relacoes paralelas, as formas

angulares de relacao, sao repetidos habitualmente para caracteri-

zar a relacao jurfdica processual, ressaltando, justamente, esse

vinculo entre sujeiros do qual falaCOUTURE.

As teorias que trabalham com os antigos conceitos de rela-

<;aojuridica e de Direito subjetivo, na classica acepcao, sao ainda

predominantes na ciencia do Direito Processual'Y'. OSKARVON

103 Cf. EDUARDO CoUTURE -Fundamentos Del Derecbo Procesal Civil terce-

ra edici6n (posturna), Reimpresion inalterada, Buenos Aires: Edfciones

Depalma, 1974, p.132.

104 Cf. EDUARDO COUTURE, op. cit., pp. 133/134.

105 Cf. OSKARVON BULOW - La 'Teol'ia de las Excepciones Procesales, Los

P~'esupuestos Procesales. Trad. de Miguel Angel Rosas Lichtschein, Buenos

Aires: Bdtciones furidicas Europa-Arnerica, 1984, J. RAMIRO PODETTI -

Teoria y Tecnica del Proceso Civil J' Trilogia Estructural de fa Ciencia del

Proceso Civil, Buenos Aires: Ediar Soc. An6n. Editores, 1963, UGO ROCCo

72

BULOW, J. RAMIROPODETTI, UGOROCCO, SALVATOREATTA,CARNELUm, LIEBMAN... seria longa a relacao dos nomes repre-

sentativos da doutrina ja classica, que se encontram nessa linha, e

dela nao diverge, nesse ponto, a doutrina processual brasileira.

CARNELUTTIrecorda que a intuicao da conexao entre rela-

c;ao juridica e processo, tendo germinado na Alemanha e se

transplantado para a Italia, continuou sendo cultivada. E faz a

crftica da concepcao de__Q_t:Qf~~S.O como relacao juridica, e da'dOutdna qi.leSUStenta que no processoa l:elac;aojuddka assume

~significado diferenciado. Entretanto, suaresposta ao problema ea pluralidade de reIac;6esjurrd1Cisgerad~.~~processo: L a sim-

p7everCiacrae--qiieelproceso-'no";s -.~-~~elaCi6njurfdica sino

que genera una red, por no decir una marana de relaciones

juridicas, no estd en ahsoluto consolidada en la ciencia del

derechoprocesal; y esto hastariapara demonstrar todo elcami-

no que esta ciencia ha de recorrertodavia a pesar de conside-

rarse muy auanzada=", Em suas obras, percebe-se que ha uma

pronunciada intuicao de que 0 conceito de Direito subjetivo

deveria ser retrabalhado, mas seu quadro conceitual e ainda 0desupra-ordenacao e de subordinacao, do carater imperativo do

Direito subjetivo, de obrigacoes como sujeic;6es107.I~

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5.2. A QUESTAO DA RELAC;AOjURiDICA

o model() clas~_~code relacao juridica construiu-se sobre a

ideia dequee ela urn ~I1J?-~e:no-rm~ti~o--e~tl:e.-d~~essoas, das

- Tratado de Derecbo Procesal Ciuil, Bogota: Ternis Buenos Aires: Depal-

ma, 1970, SALVATORESATTA-Diritto Processuale Ciuile, nona edizioncriuedura ed ampliata a CIlI'Cl di Carmine Punzi, Padova: CEDAM, 1981.

106 Cf. CARNELUTTI -Derecbo y Proceso, Trad. de Santiago Sentis Melendo

Bueno Aires: Ediciones furidicas Europa-America, 1971, p. 41. '

107 Cf. CARNEL.UTn, op. cit. , pp. 16/17. Na nota 32 da p. 17, hi!referencias as

obras anterrores que tentaram aprofundar tais conceitos.

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q~~is_~~_<l:~o~~~xigj_r~~d.ll911Jr<':l_,C::!!tnptiment_Q deJJ.m __everj ll~i~~Ii_co.o desenvolvimento desse modelo e bern descrito por CLAU-

DE DU PASQUIER108, que relembra a lic;ao de ORTOLAN (1802-

1873), segundo a qual "Todo direito tern necessariamente urn

sujeito ativo e urn ou varios sujeitos passivos, e sejam eles ativo

ou passivos, somente podem ser pessoas+?",

Nascia, assim, a teoria dos do is sujeitos, que comecaria a seraperfeicoada quando ROGUIN nela incIuiu urn terceiro elemen-

to: a prestacao. Aconfluencia de direitos e deveres para a presta-

c;ao permi tia a afirmacao do jus et obligatio sunt correlata.

a_teoria da 0 a ao ·uridica nao se distin uiu em suas bases

fu_nQ~.1!tais,_d~_£__ons_1ruC;6_es do Dir.eito_prjyado do secu 0

passa~02 _~!!1pr~gn<':lg~_das~conCepISQes-indixid!J~li$_t:as_da_epoca.

]OAO BAPTISTAVILLELAdes creve como essas concepcoes,

assentadas na "ideia de concorrencia", se refletiram no Direito.

"0 principio cardeal que tudo informava era 0da obrigacao

concebida como vinculo juridico exercitavel pelo constrangi-

mento." Nao se vislumbrava outra forma de se organizarem asrelacoes sociais e humanas senao pela opressao, pelos elos de

uma tiranica dominacao de que, conforme diz, nem 0 Direito de

familia com seu conteiido etico e afetivo escapava. "Todos os

direitos da ordem privada, segundo a ideia individualista, se

reduzern aquela forrnulacao dos classicos COLIN e CAPITANT

lembrada ainda por BERTRAND: 'laculdadeS_Cl.ll-pr~r+Qgati:v.as _____

pertel1ceE:t~s ~~~~!n~ivid~_~_i~uais ele p_o_cLe_pL~v.:a@~em relacaoa seus_~en1dh'!.ntes~o.

108 Cf. ClAUDE DU PASQUIER ~Introduction a la Tbeolie Generate et a laPbilosopbie du Droit, 4i l ed. , Neuchate l: Delachaux et Nies tle, 1967 , p .102e s.

109 Cf. ClAUDE DU PASQUIER, op . c it ., p.102.

110 Cf. JOAO BAPTISTAVILLElA -Por uma nova teoria dos contraros, in Revista

Forense, vol. 261, ano 74, jan.ifev.. mar. de 1978, pp.27/35, v. especialmen-te p. 32.

74

o conceito de relacao juridica foi elaborado nesse quadro.

Seus elementos se definiram com a contribuicao definitiva de

WINDSCHEID para as novas bases c ienriflcas do Direito subjeti-

vo, a partir das quais 0 "vinculo de exigibilidade", ligando "sujeito

ativo" e "sujeito passivo", por urn poder da vontade, se estrutura-

va para logo se alastrar por todo 0 campo do Direito.

5.3. A QUESTAO DO DIREITO SUBJE11VO

"Nous nous sommes longuement attardes sur

cettc heure priuilegiee de l'histoire du droit subjec-

tif, ou cet enfant monstrueux semble sortir des lim-

bes"111

As palavras de MICHEL VILLEY dao a dimensao das muta-

c ;6es que, desde sua genese, iriam fazer do direito subjetivo uma

criatura monstruosa do Direito, ate que a ciencia juridica desper-

.tou para a necessidade de refletir sobre a sua propria criacao,recuperando-a ajustada aos novos tempos - a la recherche del'horizont tbeorique, como se expressa FRAN<;OIS LONG-

II . I d to·IIU2CHAMPS sobre as novas vias que evam a esse tern a se utor .

A icleia do direito subjetivo tern ~ fase mais proficua,

conforme narra HELMUT GOiNG, no Aufklarung, no iluminis-. , . . : : - : = - : : : - n ~ - '~ - ~

mo, em que floresce 0 cllf~}tO_n:l_~u~'al_~.<:l~_~~~.s~9~~!_~!no. Mas

sua genese e mais remota e tern sido referida pel a doutrina que

111 Cf. MICHEL VILLEY - La Genese du Droit Subjetif chez: Guillaurnc d'Oc-

cam, in Arcbiues de Pbilosopbie du Droit, Tome LX~Le Droit Subject if en

Question, Paris: Sircy, 1964, p.127.112 Cf. FRAN<;:OIS LONGCHA...'vIPS~Quelques Obseruations SUI' la notion de

droit subjectifdans la doctrine, in Arcbiucs de Philosopbte du Droit, tome

IX Le Droit Subjcctifen Question, Paris: Sircy, 1964. p.70.

113 Cf. HELMUT GOiNG - Signtficatton de fa notion de droit subjectt], trad.

par N. Poulanrzas, inArcbiucs de Philosophic du Droit, Tome IX ~LeDroit

Subject tf cn Question, Paris: Sircy, 196.f , pp. 1/15.

75

 

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se dedica ao tema a GUILHERME DE OCCAM, que segundo

MICHELVlLLEYfoi, provavelmente, 0 primeiro a definir 0 direi-

to subjetivo e a edificar sobre ele uma teoria. As teses de GUI-

LHERMEDE OCCAM, forrnuladas para demonstrar a heresia de

joao XXII, em defesa de Michel de Cesene e da Ordem Prancisca-

na, destinaram-se a sustentar que Jesus Cristo e os apostolos

tinham 0 uso dos bens, sem deles tel' a propriedade. A revolta

dos Franciscanos contra 0 papa de Avignon, na defesa da ideia da

pobreza e do poder profano, conduziu-o a concepcao de urn

direito inserido em uma hierarquia de poderes, na qualosconfe-

ridos pelas leis humanas podiarn ser renunciados. 0 poder se

organizava hierarquicamente em tres pianos: no primeiro, estava

a potestas absoluta, fonte de toda ordem juridica, que era a

liberdade de Deus; no segundo, os jura poli, constitufdos pelo

poder dos homens, e no terceiro, os jura fori, pelos quais 0

governante recebia, por delegacao do povo, 0 poder legislativo.

As leis positivas engendravam 0 dominium. e 0 jus utendi, e os

direitos subjetivos, no sentido estrito, garantidos pela sancao da

autoridade estatal, importando em potestas vindicandi. Os di-

reitos subjetivos, como poder, admitiam renuncia e enquanto

direhos assegurados pela lei, poderiam ser reivindicados114.

De OCCMvl, no seculo XIV,a WINDSCHEID no seculo XIX,

as rransforrnacoes se fizeram na quebra da hierarquia do regime

feudal, ~g$_gl!~i!.q~~l!bje1jY9~_cloracionalismo foram pens ados

em termos de uma liberdade absoTuta-que, derivada do direito

natural, ou a ele identificada, se opunha ~Q pr_op(LQ__D~topositivo e.ao.Estado. ------------

Com WINDSCHEID, 0 c~:mceit9_9.<::--direitosubjetivo deu

~!:!g~I!!_<l_o_<j!!-l:~J~c;ii~uridica;-TI- ~o sentido prenunciado p~

OCCAM.0antigo vinczilUi11j;Jiis aperfeicoou-se como 0 vinculo

norrnativo que liga sujeitos, em dois palos, passivo e ativo;ald-

1HCf. MICHEL VILLEY- La Genese du Droit Subiect i] cbez Guillaume d'Oc-

cam, in Arcbiues de Pbilosopbie du Droit, Tome IX -LeDroit Subjectif en

Question, Paris: Sire)" 196·1, pp. 116/125.

76

buindo ao sujeito ativo 0 poder de exigir do sujeito passivo uma

~~inacl<i~~q~~uti~impondo--a-eSte~o_a~ve:r-de p~~s_ti:[a~'Como afirma HELMUTGOiNG: En Allemagne on .estoenu ,

depuis Windscheid, a une rupture entre Lafacon de voir du

droit priue et du droit de Laprocedure. C'est porquoi on a

remplace la notion d'actio par celle de "Anspruch". Le sens de

celle-ci consiste ici dans ledroit subjectif a exiger d 'autrui qu 'if

fasse quelque chose, ou qu'il s'abstienne'P.Ve-se por que 0 conceito de direito de acao, que iria surgir

das posturas divergentes entre WINDSCHEID~eMUTHER, nasce

sob 0 signo de urn conceito de relacao juridica engendrado por

uma nocao de direito subjetivo. Essa opcao ressurgida com

WINDSCHEID conciliava 0 direito subi~~j~Q_daAujkkirung,.JJ_o-

der absoluto dec_<?lT~E:te~a~.i_b~rd.a.(_le,compoder de exigir de

~~l!_1~~~~~.~0f!11$§_6e§..!,Com a classica obra "Aacao do direito

romano do ponto de vista do direito civil", de 1856, WINDS-

CHEID lancava as bases da moderna concepcao de direito subje-

tivo, como narra FRANZWIEACKER1l6.

Sao conhecidas as objecoes feitas a teoria de WINDSCHEIDpor outras teses que pretenderam aperfeicoar 0 conceito de

ldjreito subjetivo (de VON HERING, DABlN,JELLINEK, dentre

outras) mas, na procura de novos fundamentos, a doutrina nao

feria nenhum ponto essencial do conceito, estabelecido como

r potier ab_soJllt,0-~sg~£7_.~_!?r~pria()~ci_~~~()ll_~?fl~Orerrogatival~obre ~_:~n~~t~_a~~ela~. _ ------- ---- -----

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115 Cf. HELMUT GO·..NG - Significarion de la notion de droit subjectif . rrad.

par N Poulanrzas, in Arcbiues de Pbtlosopbic du Droit, Tome IX -LcDroit

Subjcctifen Question, Paris: SinJ_V,1964, p.9.

116 C.f.FRANZWIEACKER -Storia del Diritto Priuato Moderno con particolare

riguardo alia Gcrrnania, volume secondo, traduzione iraliana eli Umber-

to Santarelli (§§ 1-19, tomo I) e Sandra - A Fusco (§ 20Jine, tomo IJ),

Milano: Giuffre Editore, 1976, p.145.

117 Em seu desenvolvimento, no seculo passado, a par tir da classica obra de

WINDSCHEID 0direito subje tivo foi concebido como faculdade juridic a

abstrara, uma facultas agendi que 0titular usava scm prestar comas a

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Do campo do Direito Privado 0conceito ganhou 0do

Direito Publico, e nessa passagem foi fundamental a contribui-

, <;aoda obra classica de JELLINEK- System, der Subjektiven OJ-

fentlichen Rechte, de 1892. 0 transporte se deu com a mesma

conotacao do vinculo normativo entre sujeitos e da exigibilidade

da prestacao. 0 particular, no p610 ativo da relacao jurfdica,

podendo exigir do Estado, no p610 passivo da relacao juridica,

uma determinada prestacao.

5 . 4 .AS DIFICUWADES NA APLICA~AO DO MODELO

cLAssICO DE RELA~AO jURiDICA E DO cLAssICO

CONCEITO DE DIREITO SUBjE11VO .

A teo ria Ciarelacao juridica em breve se revelou insuficiente

p~m~_!~~pon~~l:as_si~~~<;.Q~s=i~~riclicas-giie,aevid~octa,ao cor-

~eseon~~_':l_,,~~~~s entre sujeitos. 0problema do direit:ode

propriedade recebeu -novas-f6rmUia<;oes, mas 0 patrio poder, a

nacionalidade, 0 direito a honra e, genericamente, 0 que mais

tarde se denominaria direitos personalissimos ficavam sem res-

postas ,!Q_~guadas e f O - v i ; ; _ - ; ; u l u l ; l T u r i s : ~ '

LEONDUGUITd~o~stl"aque af'l9<;~~que esta na base do

ning~em, ou como poder garantido porquc dorado de exigibilidade. Deve-

se, ainda, a ~NDSCHEID. a base da classificacao dos direitos subjetivos:

ab~olutos, senam os direitos que existent contra todos: relativos, os que

cxistern ~on,tra urna,pe.ssoa ou um numero determinado de pessoas, Quan-

to aos direitos subjetivos relatives, a doutrina nao encontrou qualquer

p.ont~ pa.ra coloc~r e~l ?uvida 0 vinculo jurfdico que, nos direitos obriga-

cronais, lIgav~d~ls~~JCltos ~ou mesmo urna pluralidade de pessoas, por-

q~e as .reIa<;oesJu.ndlcas, bilaterais ou plurilaterais, se caracrerizam pela

~Ipolandade das situacoes dos sujeitos). Mas a respeito dos direitos subje-

trvos absolutes, a construcao foi acidentada, havendo teses que sustenta-

yam ~ l:e~a<;aojuridica imediata do sujeito com a coisa, propostas de

s~b~tltUl<;ao,dos conceitos tradicionais e adocao de uma nova definicao dos

dlr~ltos rears como direitos correlaros de uma obrigacao passivarnenre

universal, negacao da existencia de uma obrigacao, no senti do especffico

do termo, nesse tipo de relacao.

78

conceito de relacao [uridica e a da autonomia da vontade, que

constitui 0 iUO:damento-'ae-todo 0 s'istemaindi~dualista do secu-

10 passado~(Ein"o<;:io"ae'coiitrato'a no~aoae-n6erCladelT~-ex-

traindo do C6digo Civil frances os postulados que sustentam

suas conclusoes, As consequencias decorrentes do principio da

autonomia da vontade, conforme discorre, levou ao dogma da

doutrina do seculo passado, com herancas no vinculum juris

dos romanos, que nao permitiu que 0 Direito fosse concebidosenao como uma relacao entre sujeitos, dos quais urn deve uma

prestacao negativa ou positiva que 0 outro pode exigir119.

Das dificuldades que a doutrina encontrou para sustentar

essa tese, perante situacoes que exigem protecao em razao de

seu fim social e que devem ser garantidas pelo Direito, mesmo

sem a existencia de qualquer relacao entre as pessoas, fala DU-

GUIT, ressaltando as concepcoes de MICHOUD, sobre a ir-

realidade das nocoes de Direito objetivo e direito subjetivo, e

sua indispensabilidade para a ciencia do Direito; de PLANIOL,

sobre a excepcional situacao dos direitos reais e, pOl' fim, a

jurisprudencia administrativa e judicial que se formou em Fran-<;a,permitindo a criacao de fundacoes de Direito privado, atraves

. . . . . . . . . ,. \118 DUGUIT contesta a doutrina que denomina individualista e que funda toda

< <norma na autonomia da pessoa humana. Nega, expressamente, essa auto-

nomia, que, se existe, conforme diz, e urn simples faro, e fatos nao fundam

normas. Em lugar da autonomia, propoe, sob a inspiracao de DURKHEIM

(La Division du Travail SOCial, 1891), 0princfpio da solidariedade social

como fundante da norma social. Essa sera moral, economics ou juridica,

pelo grau de reacao produzida, no interior do grupo social, a sua violacao.Toda regra social torna-se norma juridica quando penetra na consciencia

da ~assa de individuos, componentes de determinado grupo social, a

nO<;,aode que 0gr~po pode intervir, ou 0pr6prio grupo ou aqueles que

detem a forca mals, concentrada dentro dele, para reprimir a violacao

daquela regra. Cf. LEON DUGUIT -Traite de Droit Constitutionnel, Paris:

Ancienne Librairie Fontemoing &Cie, Edtteurs, 1927, v.I, pp, 65/116.

119 Cf. LEON DUGUIT "Las Transformaciones del Derecbo (Publico y Priua-

do), trad. Las Transformaciones del Derecbo Publico, por Adolfo G. Posa-

da y Ramonjaen, Las Transformaciones del Derecbo Prioado, por Carlos

G. Posada, Buenos Aires: Editorial Heliasta 5.R.L., 1975, p. 216.

79

 

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de testamento, contra as concepcoes dos civilistas e da propria

disposicao do Codigo de Napoleao, que no art. 906, § 22, exigia,

para a validade da disposicao testamentaria, que 0beneficiario

fosse ao menos concebido antes da morte do testador, 0 inicio

dessa construcao jurisprudencial se deu pelo celebre caso do.

reconhecimento, pelos Tribunais franceses, da validade do ato

que culminaria na criacao da Academia Goncourt, 0testamento

deixado pelo escritor Edmond Goncourt (1822-1896), que, re-presentando tambem a vontade de seu irmao, 0escritor Jules

Goncourt (1830-1870), dispunha que todos os seus bens deve-

dam ser vendidos para a criacao de uma sociedade literaria que

teria renda e a obrigacao de premiar, a cada ano, uma obra da

literatura.

Os argumentos utilizados, quando os herdeiros dos irmaos

Goncourt pretenderam invalidar 0ato, a polemica criada em

torno da impossibilidade de existencia de direitos sem sujeitos,

e os fundamentos dos arestos sao amplamente relatados por

DUGUIT, para demonstrar como se realizou uma profunda trans-

formacao nas concepcoes juridicas, ao se admitir a possibilidadede que 0sistema juridico proteja e garanta certas situacoes, em

razao de sua finalidade social, e sem que haja relacao entre

sujeitos 120.

o conceito de relacao juridica, com suas conotacoes indivi-

dualistas e seu precario alcance, e rejeitado/ por DUGUIT de

modo absoluto, tanto pela sua fundamentacao quanta pela sua

estreiteza, que 0torna inaplicavel aos atos juridicos que se pro-

jetam fora das figuras criadas pela autonomia da vontade. Em

varies capitulos da obra aqui referida, (Las Transformaciones ...)

cita, como exemplo, 0"contrato" de adesao, 0"contrato" coletivo

de trabalho, e outras figuras, a que a doutrina, mais tarde, acres-centaria, com muita facilidade, prazos, capacidade, e tantas ou-

tras.

120 Cf. DUGUIT -Las Transformaciones ... cit., pp. 216/220.

80

5SAS REA<;OESDA DOUTRINA E A FORMUIA<;AO DE

NOVAS PROPOSTAS

As reacoes que surgiram no campo doutrinario, inspiradas

em questoes teoricas e questoes de ordem pratica, discutidas nos

Tribunais, que, como se mostrou, desafiavam solucoes, foram

direcionadas para urn ponto: a superacao do conceito de relacao

jurfdica, Os fundamentos, entretanto, em que se assentaram aspropostas, se diversificaram, e doutrinas que partiram de bases

diferentes chegaram tambem a conclusoes diferentes. Quando se

compara a doutrina de KELSENcom as de BONNECASE DU-,GUIT, JEZE e ROUBIER percebe-se que em comum so tiveram

urn ponto essencial: a rejeicao do conceito de relacao juridica.

5.6.A NEGA<;AODA REIA<;AOJURiDICA PEIA SUA

REDU<;i,.oA UMA CONEXAO DENORMAS E A

CORREIATA NEGA<;AODO DIREITO SUBjETIVO

Em sentido diametralmente oposto ao adotado pelas dou-

trinas tradicionais, KELSENanalisa 0conceito de relacao juridica

e os possiveis empregos da expressao, para demonstrar que, em

todas as hipoteses em que se podena falar em relacao juridica, 0que existe nao e uma conexao de vontades, urn vinculo entre

sujeitos, mas uma conexao de normas que determinam a condu-

ta dos individuos.

Comecando pela analise da concepcao tradicional, KELSEN

afirma que: "Dizer que dever e direito se correspondem significa

que 0direito e urn reflexo do dever, que existe uma relacao entre

dois individuos dos quais urn e obrigado a uma determinadaconduta em face do outro"121.

Desse ponto de partida, mostra a estreiteza da concepcao

121 Cf. HANS KELSEN - Teoria Pura do Direito, 5iled. , trad. de joao Baptista

Machado, Coimbra: Arrnenio Amado -Editor Sucessor, 1979, p. 231.

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tradicional, porquanto ha "relacoes juridicas'', isto e , determina-das pela norma, noloso entre dois individuos mas entre 0ndivi-

duo que tern competencia para criar normas gerais e os que tern

competencia para aplica-las, entre individuos que tern competen-

cia para imposicao de atos coativos e individuos contra.os quais

esses atos se dirigem.

Essa extensao da relacao juridica nolosignifica, entretanto,

outra coisa que a relacao entre sujeitos de deveres. A relacaoentre 0sujeito do dever de criar ou aplicar a norma e0sujeito de

direitos estabe1ecidos por essa norma e duplamente reflexa, pois

esses direitos nao sao reflexos imediatos do dever do orgao aos

quais incumbe a criacao ou a aplicacao da norma, mas dos

proprios deveres estatuidos por essa mesma norma.

Por outro lado, afirma, nolo ha qualquer posicao de supra-

ordenacao oh de infra-ordenacao entre esses sujeitos, pois os

orgaos, a quem incumbe criar ou aplicar a norma, somente

podem aruar no exercicio de urn poder juridico, ou seja, estao

subordinados a norma que lhes confere poder ou competencia

para 0exercicio da funcao, Assim, nao sao esses orgaos queestatuem os direitos conferidos ou os deveres impostos mas,

sim, a propria norma que lhes adjudicou tal competencia. Nolo

ha, verdadeiramente, relacao entre sujeitos, mas apenas relacoes

entre normas, e entre as condutas que sao por elas reguladas,

formando 0seu conteiido.

Prosseguindo em sua analise, examina uma outra pos-

sibilidade de "relacao juridica" entre a conduta de dois indivi-

duos: "Quando a ordem juridica confere ao individuo, em face

do qual urn outro esta obrigado a conduzir-se de determinada

maneira, 0poder juridico de, atraves de uma acao, iniciar urn

processo que conduza a norma individual, a estabelecer pelo

eribunal, pela qual e ordenada a sancao prevista pela norma gerale a dirigir contra 0individuo que se conduz contrariamente ao

dever"122.

122 Cf. KELSEN, op. cit., p. 234.

82

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A"rela<;aojurid_i~.~"entre 0individuo dotado do poder juri-

dicae 6-ifidiViduoobrigado noloe, entretanto, "outra coisa senao

a conexao ou relacao entre a conduta que consiste no exercicio

deste poder juridico, a acao, e a conduta contra a qual a sancao e

dirigida, 0delito, isto e , a conexao entre doisfatos determinados

pela ordem jUlJdicil:~Qino_pres.supostos para sanC;aO"123.

- " A distin~ao da teoria tradicional que via na relacao entre 0

Estado, representado pelo tribunal, e 0reu, uma relacao desupra-ordenacao e de subordinacaoe, segundo diz, a mesma que

existe entre 0autor e0reu, pois0poder de instaurar a acao, ou

"0 poder juridico do titular do direito de acao consiste na sua

competencia para intervir na producao da norma individual que

ordena a sancao a dirigir contra 0individuo que se conduz

contrariamente ao dever"124.

Assim, a relacao de supra-ordenacao e infra-ordenacao "na-

da mais e senao a supra-ordenacao e infra-ordenacao que existe

entre a ordem juridica e os individuos cuja conduta ela regula",

ou seja, 0fato de que a conduta desses individuos forma 0

conteudo das normas da ordem juridica, e a autoridade que serepresentou foi apenas a autoridade da ordem juridica, que

obriga e confere poderes 125.

A terceira possibilidade de uma "relacao juridica" se da

"quando a obrigacao de urn individuo em face do outro esta

numa interconexao determinada pela ordem juridica, com a

obrigacao deste outro, em face do primeiro"126. KELSENexern-

plifica com0contrato de compra e venda em que a.obrigacao de

prestar a coisa esta em conexao com a obrigacao de pagar 0

preco. Essa relacao juridica nada mais e do que a conexao entre

'123 Cf.KELSEN, op. cit" p. 234.

124 Cf. KELSEN, op. cit., p. 234.

125 Cf. KELSEN, op. cit" p. 235.

126 cr. KELSEN, op. cit., p. 235,

83

 

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normas que prescrevem a conduta do vendedor e do compra-

dor.

Por ultima hip6tese de "relacao juridica", KELSEN toma a

relacao da vida, em critica a teoria de VON]HERING, do direitosubjetivo como interesse juridicamente protegido.

Cor 00direito subjetivo nao e0nteresse protegido, mas

a propri« protecao, que consiste nas normas, tambern roda e

qualquer relacao da vida nao e extrinsecamente regulada, mastoma forma no direito, atraves da norma. E nada mais e, entao,

~"'~do que urn instituto juridico, urn complexo de deveres juridi-

cos e de dretros subjetivos, "no sentido tecnico do termo", ou

se]a, como KELSENrepete a exaustao, 0reflexo daqueles deve-

res,

Sob (1ualquer angulo, nessa perspectiva normativista, a rela-

c;ao juridica sera sempre negada e seu conceito substituido por

uma conexao de normas juridicas, enquanto conexao de condu-

tas reguladas pelas normas.

Em correlacao com a negacao da relacao juridica, KELSEN

rejeita a concepcao tradicional de direito subjetivo. De infcio,demonstra que nao ha base para a distincao tradicional entre

direito subjetivo absoluto e direito subjetivo relativo, pois ambos

se unificam no mesmo conceito, sendo que "urn jus in rem e

tambem umjus inpersonam", podendo se considerar, em tal

distincao, apenas uma relacao prirnaria entre sujeitos, e sec un-

dariamente, a conduta do sujeito em relacao a coisa 127. Apartirda unificacao dos conceitos demonstra a precariedade das

construcoes tradicionais e, na linha de sua concepcao de direi-

to centrada no ilicito, em que a norma e vista sob 0aspecto

coativo, uma vez reduzido 0conceito de direito subjetivo aunidade conceitua:l, KELSENthe retira a substancia, conceben-

do-o como urn "reflexo do dever juridico".

127 Cf. KELSEN, op . c it ., pp. 190 /193.

84

5. 7 . A TEORIA DAS SI1VA<;6ES jURiDICAS

Embases diferentes da adotada por KELSEN,mas destinan-

do-se, tambem, a superacao do conceito de relacao juridica,

desenvolveu-se a teo ria das situacoes juridicas. Elanao excluira a

faculdade, ou0dever do campo do Direito, que nao e concebido

apenas como urn instrumento coativo, mas nao aceitara, tam-

bern, a classica concepcao de relacao juridica como vinculo entre-suj~if~~-ed~_~~~~!iosubjetivo como poder sobre a conduta de

- - -" " "o u t r e m ~ - ~ ~ "

Como toda construcao doutrinaria, passou ela pela fase

polemica de elaboracao, desde a tese deJULIENBONNECASE128,

que dividia as 'siruacoes juridicas em concretas e abstratas, para

nessas incluir os direitos de liberdade, de personalidade, en-

quanta faculdades juridicas abstratas, ate a de PAULROUBIER,

que demonstrou que situacoes juridicas nao nascem automa-

ticamente da lei, e que ofereceu a contribuicao definitiva para 0

tratamento te6rico do tema.

ROUBIER rejeitou a proposta de BONNECASE,entendendoque nao era possivel falar-se em situacoes juridicas abstratas, que

sao apenas complexos normativos. Somente 0ate juridico e

susceptivel de criar a situacao juridica. As fontes geneticas do

Direito criam as normas, e estas definem os atos Ruedao nasci-

mento a s situacoes legais, mas nao sao em si mesmas essas

situacoes.

IJ

128 "La situation [urtdique concrete - def iniu BONNECASE - qui absorbe la

notion de rapport de droit concret est, par opposition a la situationfuridique abstraite, une rnaniere d'etre deriuee pour unepersonne deter-

rninee d'uri acte juridique ou d'urt fait furidique qui a fait fouer a sonprofit ou a son encontre les regles d'une institution juridique et lui a du

coup confere effectiuement les auantages et les obligations inberents aux

fonctionnement de cette institution. Autrernent du, tandis que la situa-

tion [uridique abstraite est simple maniere d'etre tbeorique, une voca-

tion, pourrait-on dire, a beneficie» cucntuellement d'une institution, fa

situation furidique concrete est tine realitepositiue". JULIEN BONNECASE

- Introduction a {'"Etudedu Droit, Paris: Sircy, 2it ed. 1931, pp. 105/106.

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Na doutrina francesa, ROUBIER destaca duas grandes con-

tribuicoes para 0desenvolvimento da teoria das_situacoes juridi-

cas, vindas do campo do Direito Publico: a de LEON DUGUIT e a

de GASTONJEZE. DUGUIT, no classico Traite de Droit Constitu-

tionnel, rejeitando a teo ria da relacao juridica, como uma cons-

trucao do individualismo do seculo passado, e a concepcao chis-

sica de direito subjetivo, que via como mera metafisica, dividiu as

situacoes juridlcas em legals ou objetivas, que derivariam direta-

mente da lei e individuais ou subjetivas, que resultariam de

manifestaC;6e~ individuais de vonrade+". GASTON JEZE, cuja

doutrina se formou na mesma linha, indicou as diferencas entre

a situacao subjetiva ou individual e a situacao objetiva ou legal. A

situacao juridica subjetiva ou individual, em sua concepcao, e

particular e temporaria, sendo fixada a partir de urn ate de

declaracao individual de vontade, como, por exemplo, a aquisi-

c;aode urn bern, de que pode derivar a situacao de adquirente ou

de Iegatario, a situacao juridica legal egeral e permanente, sendo

fixada para todos, da mesma maneira, como por exemplo a

situacao do proprietario ou dos conjuges130,

PAULROUBIER131 , apontando as dificuldades apresentadas

por essa divisao quando confrontada com a questao da ir-

retroatividade das leis. demonstrou que as situacoes juridicas,

cujo mirnero e infinito, cabendo a cada ramo do direito determi-

na-las e definir seus efeitos, tern urn cicIo de desenvolvimento

que se cumpre em tres momentos: 0da constituicao, 0da produ-

c;aodos efeitos eo da extincao. No que concerne ao momento da

129 Cf. DUGUIT, Traite de Droit Constitutionnel, Paris, 1927, YoU, pp.

200/307. Cf. tambem Las Transformaciones ... cit.

130 Cf. Os trabalhos de JEZE, Les Principes Generaux du Droit Administrarif,

2iled., 1914, e numerosos artigos publicados na Revue du Droit Adminis-

trati], de 1913 a 1924, sao amplamente citados por ROUBlER, em sua

classica obra Les Conflits des Lois dans le Temps - tome Premier, Paris:

Libraire du Recueil, Sircy, 1929, p.346 e s.

131 PAULROUBIER- Tbcorie Generate du Droit, Paris: Sircy, 1946.

86

constituicao, ou da extincao, a questao a ser resolvida, conforme

diz, incumbe ao legislador. Este se coloca diante de simples fatos

que podem ser, indiferentemente, naturais ou humanos. A ~ei

discriminara entre esses fatos e atos aqueles que sao susceptiveis

de produzir a constituicao ou a extincao da situacao juridica e os

d _ I 132 E I - ,que sao vistos como incapazes para engen ra- a . m re acao a

producao dos efeitos, 0interesse de ROUBIER se concentra em

estuda-Ios enquanto referidos a possibilidade ou a impos-sibilidade de serem alcancados pela nova lei, pois a sua investiga-

c;ao e dirigida ao problema da irretroatividade das leis. .

Das quatro categorias de situacoes juridicas especiais estu-

dadas por ROUBIER13 3 , e oportuno recordar que as situacoes

juridicas concorrentes tern urn carater duplo, no sentido de que

interessam simultaneainente a duas pessoas, como 0credito que

interessa ao mesmo tempo ao devedor e ao credor, a prescricao

.que tera efeito simultaneo sobre 0patrimonio daque1e a quem

beneficia e daquele contra quem opera. E, ainda, convern rel em-

brar que as situacoes juridicas dependentes surgem como conse-

quencia de uma outra siruacao juridica, de tal modo que a lei quegoverna sua constituicao pode ser vista como governando os

efeitos desta que a gerou. Assim 0direito ao nome, a obrigacao

alimentar sao, como exemplifica ROUBIER, consequencias de

certas situacoes de estado, como casamento, parentesco, como a

consrituicao de uma tutela e consequencia da siruacao juridica

da menoridade.

Asuperioridade da categoria da situacao juridica sobre a da

relacao jurfdica, para 0tratamento dos temas do Direito, e de-

monstrada por ROUBIER em razao de sua amplitude. Todas as

leis sao feitas para determinar certo mimero de situacoes juridi-

cas que podem ser unilaterais ou oponiveis a todas as pessoas,

132 Cf. PAULROUBIER- Les Conflits des Lois dans le Temps, cit., tome premier,

pp. 346/381.

133 As permanentes, as concorrentes, as dependentes e as retroativas, Cf.

ROUBIER, op. cit., p.406 e s.

87

 

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que podem ser constituidas pela ocorrencia de um fato, ou de

um ate OU de uma pluralidade de fatos e atos, e que nao pode-

dam ser explicadas pela categoria da relacao juridica porque nao

decorrem de vinculo entre sujeitos.

Em todas as propostas, a teoria das situacoes juridicas se

estruturou nao como vinculo juridico entre dois sujeitos, com 0

poder de exigibilidade de um sobre a conduta do outro. Asitua-

<;3.0uridica forma-se por f~~ojuridico ou ato juridico, prod~id~

segundo a lei que governa a sua constituicao. E, uma vez consn-

tuida, e ' e t a : 0complexo dedireitos e deveres de umapessoa,

direitos e deveres que nao se confinam mais no plano abstratoe

generico da norma, mas que se realizam na situacao de um

determinado sujeito. Assim, na situacao juridica de advogado,

nascem para uma pessoa direitos e deveres, que nao sao os

mesmos de uma pessoa que se encontra na situacao de comer-

dante ou de empregado.

Nas slruacoes juridicas concorrentes, pode-se qualificar 0

status ou a posicao juridica de que um determinado sujeito etitular. Em uma situacao juridica de parentesco, por exemplo,

perante a lei, pode-se falar na posicao [uridica do filho, com seu

complexo de direitos e deveres, e na posicao [uridica do pai,

igualmente com seu complexo de direitos e deveres, como se

pode falar na struacao [urfdica do service publico, na posicaojuridica da Administra<;ao Publica, com seu complexo de direitos

e deveres, e na posicao juridica do servidor publico, igualmente

com seu complexo de direitos e deveres.

Os exemplos seriam infinitos como infinitas sao as pos-

sibilidades que nascem das normas, que se criam para organizar

a vida social e regular a conduta, tanto quando definem a compe-

tencia para a pratica de atos, como quando valoram os atos como

licitos ou ilicitos.

Pode-se lembra, aqui, que a doutrina das slruacoes juridicas

nao encontrou terreno fertil no Brasil, pelo tempo e pela forma

em que foi aqui introduzida. Atentativade sua aplicacao nao teve

grande sucesso, quando 0 Decreto-lei nQ4.657, de 04 desetem-

88

bra de 1942, alterou a Lei de Introducao ao C6digo Civil e

substituiu, no art. 6Q , a doutrina dos direitos adquiridos, cons-

truidos sobre a concepcao de direito subjetivo, pela das situa-

c;6esjuridicas134. Era a tese de PAULROUBIER,adotada na refor-

ma do C6digo Civil frances. No Brasil, as situacoes juridicas

penetraram no Direito sob a vigencia da Constituicao de 1937,

que abolira a protecao especial que, no plano da norma constitu-

cional, era conferida ao direito adquirido perante os efeitos da

lei nova. Sem essa protecao, a situacao juridica esteve na letra da

Leide Introducao ao CodigoCivil ate 1957, mas na letraapenas,

porque a Constituicao de 1946, em seu art. 141, § 3Q, reintrodu-

ziu a garantia do direito adquirido no sistema brasileiro e, con-

frontado com 0preceito constitucional, 0artigo da Lei de Intro-

ducao ao C6digo Civil nao poderia subsistir no sistema. Os

juristas brasileiros nunca deixaram de trabalhar com0conceito

de direito adquirido, mesmo quando 0Direito brasileiro 0subs-

tituiu pelo criterio da situacao juridica135 e, depois que a Consti-

tuicao de 19460 recuperou, seu retorno na lei infraconstitucio-

nal se deu com a alteracao da Lei de Introducao ao C6digo Civil

de 1957136. •

134 0 texto era 0seguinte: "A lei em vigor tera efeito imediato e geral. Nao

atingira, entretanto, salvo disposicao expressa em co~trado, as situacoes

jurfdicas definitivamente constituldas e a execucao do ato juridico perfei-

to".

135 Cf. VICENTERAO -0Direito e a Vida dos Direitos, 2!!ed., Sao Paulo: Ed.

Resenha Universitaria, 1976, v.I, Tomo III, p.370.

136 Observe-se que a resistencia da doutrina brasileira as inovacoes da epoca

do Estado Novo manifestou-se, rambern, em outros campos. Assim, em

rel~<;ao ao Anteprojeto de C6digo de Obrigacoes, conforme analise delOAO BAPTISTAVILLEIA:"A circunstancia de que 0Anteprojero se tenha

produzido em tempo de restricao a s liberdades publicas tera concorrido,

possivelrnente, para uma certa indisposicao que se formou a seu respeito e

para que sobre ele se cerrasse comoda, porern imerecida cortina de silen-

cio, ap6s a reconsrirucionalizacao do Pais, em 1946." Cf Introducao in

Anteprojetg de C6digo de Obrigacoes, Arquivo do Ministerio da lusti<;a.

Ano 41- n-174, Outubro/Dezembro 1988, p.1l.

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5.B. DIREITOS SUBjE11VOS E SITUAr;AO jURiDICA

A teoria das situacoes juridicas nasceu para superar a dou-

trina da relacao juridica e para fornecer urn criterio "maisobjeti-

vo"137para se falar em direitos, nao em "direitos objetivos", no

direito como norma, mas em direitos constiruidos para urn de-

terminado sujeito, que assume sua titularidade.

A expressao direito subjetivo, entretanto, e, pela tradicao;muito forte, e as tentativas de subsritui-la por outras nao tiveram

grandes exitos na doutrina138.

Contudo, e conveniente assinalar que a teoria ,~!,~.~_~~~ac;oes

juridicas nao pretendeu eliminar a nocao do direlto,que,decorre

da norma para urn determinado titular. Pretendeu, sim, assenta-

1 0 em outras bases, defini-lo em outrostermos, porque a reflexao

juridica dernonstrou que 0direitoqualificado de, subjetivo, ou

com qualquer terminologia 'alternativa, poderia ser vistocomo

uma faculdade ou como urn poder de agir, mas nao poderia ser

concebido como urn "poder sobre a conduta alheia"139.

137 Esse criterio "mais objetivo' ', assim qualificado por BONNECASE e por

ROUBIER, tern side utilizado, amplamente, pela doutrina, que ja denomina

a linha desses autores de "objetivista", quando fazern 0evantamento das

teorias sobre a irretroatividade da lei. Nessesentido.w, CAlO MARIO DA

SILVAPEREIRA- Instituicoes de Direito Civil, (Edicao Universitaria), vol. I,

2!!ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.108 e s.

138 Cf. EDGARDE GODOI DAMATA-MACHADO- Elementos de Teoria Geral

do Direito, Belo Horizonte, Editora Vega, 1976, pp. 258/259.

139 Cabe aqui uma observacao sobre as concepcoes de "poder" desenvolvidas

no campo da Ciencia Polftica, como relacao que envolve a possibilidade de

se "provocar intencionalmente 0comportamenro de outrern, ou de se

exercer influencia" sobre a conduta alheia, ou mesmo a mais ampla "pos-sibilidade de agir e de provocar efeitos", registradas por MARIOSTOPPINO

no verbete Poder, do Dicionario de Polftica, de NORBERTO BOBBIO,

NICOLA MATTEUCCIe GIANFRANCOPASQUINO, trad. de Joao Ferreira e

outros, Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia, 2!!ed., 1986. Na teoria

da relacao juridica e no conceito classico de direito subjetivo, 0poder ja eaquele acolhido pela norma jurfdica, ja nao e fenomeno psicol6gico ou

sociologico, mas jurfdico.

90

5.9.0 PROBIEMA DO DIREITO SUBjE11VO COMO PODER

DE EXIGIR A CONDUTA DE OUTREM

Negando que pudesse haver urn direito sobre a conduta de

outrem, a doutrina se dividiu, na negacao de todo direito decor-

rente da norma e na busca de novas bases para se falar em urn

direito decorrente da norma. De qualquer modo, teve neces-

sidade de estruturar urn novo quadro para superar 0antigo'

conceito de relacao jurfdica, formada por urn vinculo entre sujei-

tos, em que se fazia presente 0direito de urn sujeito ativo exigir

de urn sujeito passivo uma conduta, ou uma prestacao, 0que

significa 0mesmo, e essa necessidade resultou nas tendencias ja

discutidas.

Entretanto, talvez nenhuma construcao haja mostrado tao

profundamente, com tanta clareza, 0que significava essa tentati-

va de superacao, que nasceu e cresceu em diversas direcoes, do

que a interrogacao de GOETHE, lembrada por RADBRUCHquan-

do examinou os fundamentos da pena de morte140.

"Wer hat dir, Henker, diese Macht Uber micb gegeben?"

ld R 141'pergunta perplexa de Margan a, no austo , ea mesma

que se poe sobre 0vinculo da relacao juridica, que liga sujeito

ativo e sujeito passivo: Que ser humane possui poder sobre a

conduta de outro ser humano? Que pessoa tern poder sobre 0

ate de pessoa? Que vinculo pode conferir a urn ente que 0

Direito reconhece como livre, rratando-o como sujeito de direi-

tos e deveres, ao the reconhecer a personalidade, poder sobre

outro ente igualmente livre, porque tambern dotad? de persona-

I140 Cf. RADBRUCH - Filosofia do Direito, trad. do Professor L Cabral de

Moncada, Coimbra: Arrnenio Amado, Editor, Sucessor, 1961, VoLII, pp.

99/108.

141 Cf. GOETHE - Fausto, Trad, de Jenny Klabin Segall, Belo Horizonte: Ed.

Itatiaia, Sao Paulo: Ed. da Universidade de Sao Paulo, 1981. 0verso

original: WeI' ha t dir, Henker , diese Macht Uber micb gegebcn? lireralmen-

teo "Quem deu a ti, Carrasco, esse poder sobre rriirn?" foi traduzido: "Car-

rasco, quem te deu, nas trevas,/Sobre mim tal poder?", p.198.1I

91

 

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Iidade, que 0orna igualmente sujeito de seus atos, agente e nao

instrumento do querer de outrem? Que tratamento eesse que se

da a vontade, a ponto de se torna-la soberana e dominante sobre

uma outra vontade, subjugada e dominada? Que pacto pode

tornar a vontade, que se constitui na consciente deterrninacao

para 0agir, senhora de outra vontade?

A subsrituicao do termo vontade pelo termo interesse, pelo

perten<_;a-dominio, por qualquer outro termo, nao resolvia aquestao, porque 0seu ponto de estrangulamento nao estava em

se sabeicfClue-oDireito protegia para conferir tamanho poder a

urn ser humano sobre outro ser humano, ou a uma pessoa, de

dtreito privado ou de direito publico, sobre outra pessoa de

qualquer das categorias.

Direito de exigir a conduta alheia,jus in rent,que e tambem

umjus inpersonam, direito de obrigar alguem a pratica de urnato, direito de exigir de outrem uma prestacao, exigibilidade

sobre a conduta de outrem ... Nao e de causar admiracao que a

doutrina juridica reagisse, como podia, enos limites em que

podia.A doutrina contemporanea reconhece que 0iinico ato im-

perativo que pode incidir sobre a universalidade de direitos de

uma pessoa e0ato imperativo do Estado, proferido segundo urn

procedimento regulado pelo Direito, que disciplina 0proprio

exercicio do poder, manifeste-se ele no cumprimento de qual-

quer das funcoes do Estado, legislativa, administrativa ou jurisdi-

cional.Sublinhe-se que esse reconhecimento nao tern como conse-

quencia a negacao de direitos, que existem no plano da norma

juridica material, ou substancial, direitos que de~adecor rem e se

manifestam, se realizam nas sttuacoes juridicas. E a forca impera-

tiva de uma vontade particular sobre 0ato de outrem que se

contesta. E por isso que a funcao jurisdicional e dita substitutiva.Por ela a atividade do Estado se substitui a atividade do particu-, ,

lar, quando urn direito deve ser garantido, ou quando sua pro-

pria existencia, perante 0ato de outrem (acao ou omissao), deve

92

ser apreciada e declarada. A atividade do Estado se substitui a doparticular quando urn dever deve ser coativamente exigido e uma

medida reparatoria deve ser aplicada. 0 ato imperativo do Esta-

do, 0provimento, pode reparar direitos lesados, mas nenhum

particular tern poder para, atraves do predominio de sua vonta-

de, vincular outro sujeito. So ao ordenamento juridico se pode

reconhecer a forca para atos de imperio, so pelos procedimen-

tos, por ele definidos e regulados, tais atos podem ser admitidos.Mesmo quando sepensa na hipotese da legitima defesa, torna-se

evidente, no Direito contemporaneo, que e toda submetida a.um..

quadro disciplinado pela lei, que a define, estabelece seus limites

e as condicoes em que ela e permitida.

o despertar da doutrina juridica para a fragilidade do con-

ceito de rela<_;:lo-juildica,como vinculo entre sujeitos, vinculo de

~X!gn?HId~de,-A~oteve como consequencia necessaria, como se

viu, a destruicao da concepcao de direitos decorrentes da norma,

mas a modificacao de seus fundamentos e a sua visualizacao sob

urn novo prisma. 0 direito que decorre da norma passou a ser

visto nao mais como umpodersobre outrem, mas uma posicao

de'~antagem de urn sujeito "em relacao a urn bern", posicao que

nao se funda em relacao de vontades dominantes e vontades

subjugadas, mas na existencia de uma situacao juridica, em que

se pode considerar a posicao subjetiva, a posicao do sujeito em

relacao a norma que a disciplina. ~

]a foi explicitado que a teoria da situacao juridica evoluiu de

sua consideracao como complexo de normas para uma situacao

constiruida por fatos e atos que a lei reconhece como idoneos

para sua formacao. 0 "dtreito subjetivo", ou qualquer outra de-

nominacao que se de ao direito que decorre da norma, direito

renovado em seus fundamentos sob a concepcao de uma posicao

juridica de vantagem do sujeito em relacao a urn bern, surge, nao

do nada, evidentemente, mas quando e produzido urn fato juri-

dico (genericamente considerado) que cria as condicoes para

seu nascimento. Assim, 0proprio tempo que, como dizia RAD-

BRUCH, nao interessaao direito pelas voltas que a Terra da em

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torno de si mesma ou em torno do Sol, mas pela significacao

juridica que Ihe e conferida, pode ser 0fato legalmente previsto

como idoneo para 0nascimento de todo urn complexo de direi-

tos, nas situacoes juridicas de diversas categorias, como idoneo

para produzir direitos pode ser0fato humano. A eleicao desses

fatos e do Estado, atraves da funcao legislativa.Nessa perspectiva, pode-se falar nos direitos que, configu-

rando-se como uma posicao de vantagem do sujeito em relacaoa urn bern, manifestam-se na situacao juridica, como se pode

falar na posicao juridica subjetiva que se qualifica como urn

dever, ou seja, como uma conduta que, perante a norma, deve

ser observada.

Se se quiser manter a classica terminologia dos direitos

"subjetivos", sobre 0novo fundamento, sao eles posicoes juridi-

cas do sujeito, de vantagem em relacao a urn bern. Essas posicoes

juridicas nao se formam do nada, mas sao posicoes derivadas da

situacao juridica, que tambernnao se forma do nada, mas do ato

(ou fato) a que a lei confere forca para tanto. Sao, portanto,

posicoes apreendidas quando se confronta 0ato do sujeito coma qualificacao que a norma the confere, como poder ou faculda-

de. Como se disse, qua~do_,s.e_~l~~mdever,~_nCl,p_Q~!~!!Q.~_gpj~ti-

va a ele concernente, nao se esta referindo.a uma.conduta.subju-,

gada a outrem, mas auma conduta que deve ser observa-porque

qualificada, pelos canones no.rriiativ6si·,c0me-devid:a~---'

A classificacao das posicoes juridicas de vantagem de urn

sujeiro em relacao a urn bern, segundo as possibilidades de sua

manifestacao, teoricamente consideradas, pode ser feita, porque

o direito que decorre da situacao juridica e sempre uma faculda-

de ou urn poder. 0 clever que dela decorre nao traz grandes

problemas de classificacao, pois todo dever significa observanciade uma conduta estabelecida pelanorma, segundo a valoracao

dos atos pelo ordenamento juridico.

Sob 0selo da licitude, a posicao subjetiva de vantagem do

sujeito em relacao a urn bern deixara de ser uma merafaculdade

abstrata, peJa realizacao de uma faculdade que a norma assegura

94

ao sujeito, ou por urn poder que a norma the confere, ou pela

conjuga~ao das faculdades ou dos poderes com os deveres que a .

norma atribui a outrem ou a generalidade das demais pessoas.

FAZZALARIaz, em relacao ao ordenamento juridico italia-

no, 0levantamento das possibilidades de manifestac;;ao, nas si-

ruacoes juridicas de direito substancial (ou de direito material),

do chamado "direito subjetivo", ou seja, da posicao de vantagem

de urn sujeito em relacao a urn bern. Seu quadro e perfeitamenteaplicavel ao ordenamento juridico brasileiro, e dele se podem

obter as seguintes hipoteses. 1. 0direito realizado por uma

faculdade do titular; 2. 0direito realizado por urn poder do

titular (que corresponde, em termos, ao chamado direito potes-

tativo, mas sem a classica conotacao de poder sobre a conduta de

outrem, como, por exemplo, a rernincia a urn direito, a confissao

judicial); 3. 0direito realizado pela obrigacao de outro (que

corresponde, em termos, ao "direito de credito", sem a conota-

~ao do "vinculo" da relacao [uridica); 4.0 direito realizado pela

faculdade do titular e pelos deveres de todos os demais (que

corresponde, em termos, ao "direito absoluto" de propriedade);5.0 direito realizado somente pelo dever de todos (nesse criterio

estao os direitos da personalidade e os direitos reais em que falta

a faculdade, como a servidao negativa) 142.

Nao e demais in~isti.r~Jn_qu~ fac].!lQild~§___(;'!_PQ(::let:es-nao

~!g~_g!~i~f.:!<::llJQ~d~§~_Roderese ~m_ll!l!l'!Lde..di1:eitos.$ob£e

atos de ... .)~!!~~P.~S_s9as,_mas_~~Q_pr.errog'!.ti~._q!!(;'!_gJ!;:iv<!m_da,

n o i f f i a e g!:!_~9E~!!§~~~·at~jQl?xQP-riQagente_em_re1ac;;ao,asua.._propria condu_t<l:,.Umafaculdade e a posicao de vantagem do

.sujettoem relacao a urn bern e realiza-se pelo simples ato (con-

duta) sem necessidade de previas declaracoes de vontade, sendo

que esta constitui a consciente determinacao para 0ato. Na

faculdade essa determinacao nao necessita ser explicitada, mani-

festa-se naturalmente na conduta. Urn poder que decorre da

142 Cf . ELla FAZZAlARI - Istituzioni di Diritto Processuale, Quinta Bdixione,

Padova: CEDAM - Casa Edi trice Dot t. Anton io Milani , 1989, p. 264.

95

 

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norma e a posicao de vantagem do sujeito em relacao a um be~,

que se realiza pela declaracao da vontade do age~te: ou_seja,

quando e condicao do ato a manifestacao, a exterionzacao da. _ . d . 143

consciente determinacao que 0 PIO UZlU .

143 Alarga-se, hoje, a quadro, e aprofunda-se a importancia dos.direi.t~s _indivi-

duais, socia is, politicos, culturais e econornicos. Mas a ~nt~ga dl"_lsaodos

direitos subjetivos em absolutos e relatives, priva~o~ e pU~,lic<;>s:inda ~en~side resolvida pelo criterio da oponibilidade do direito ao .suJeIto passivo

da "relacao juridica",e continua a basear-se na not~ ~s~enClal que acompa-

nhou a conceito do vinculo entre sujeitos e da exigibilidade ~a ~ondut~.de

outrem. Nessa postura, alguns problemas emergentes do Direito ~OSltl~O

contemporaneo continuam sem solucao adequada, Assim, ~a ~lasslfi.cac;;ao

dos direitos subjetivos, entre as relatives, no campo do. D~relto,Pr~vado,

foram recolhidos os obrigacionais e, no campo do Direito Publ. lc~ , 0

direito de ac;;ao,a direito de peticao e os direitos politicos, entre as d~re~tos

subjetivos absolutos, no campo do Direito Privado Ioram ~os.tos o~ dl~eltos

rea is e os direitos personalissimos, e, no campo do Direito Publico, a

liberdade jurfdica, com os seus desdobrarnentos em varios di~e~~osde

liberdade (as liberdades de pensamento, de cir~ulac;;ao,de relIgta?, ?e

associacao, de comunicacao, dentre outras). 0 antigo problema ~o ~Irelto

absoluto foi resolvido pela sua oponibilidade elga omnes, C ; que significavaa poder do titular sobre a conduta de todos os dema~s ~leI_TI?rosda

coletividade. Essa concepcao, vinda do esquema da relacao jurfdica, que

parecia valida para 0direito de proprieda?e, instituto dorado de u~a

ampla prescricao normativa protetora, que impede e _vedaa perturba~a~

dos direitos do proprietario, dirigindo deveres a terc~Il'?S, volta a S~SClt~[

um antigo problema, quando se trata de outros direitos, que n~o s~o

dotados de igual protecao, pela indicacao dos deveres dos de~ats feita

pela lei. 0 problema aparece quando uma faculdade normatlvame~te

conferida nao encontra, tarnbem na norma, os correlates deveres',A res-

posta da doutrina, presa a relacao ju~'f~i~a,s6 poderia se~'a r~curso a n~~r~

faculdade jurfdica abstrata, sem possibilidade de co~cre~za~ao como due.l-

to, a nao ser no momenta em que e turbad~. A s~luc;.aonao e coeren.te" pO.tSse urn direito e objeto da protecao legal, ISSOslgnt.fic~~u~ sua eXlst~n~ta

precede a violacao, e a propria violacao s6 poderia 1I1cld~rsabre. direito

existente. A discussao desse terna envolveu, sob outro pnsma, a mte~es-santissima e arualissima questao do direito de liberdade, "quando defi~ld~

pelo aspecto negativo, que se exprime pelo. ?ro~ardo tu.do_que nao ~

juridicamente proibido e juridicamente permitido .A p~rmlssao, no .se?tt-

do negative, conforme ja explicitara KELSEN(Cf. Teoria Pun~ do Dlre~to,

op. cit. , pp, 35/37, e Teoria Geral de Norrnas, t ra~. ~e Jose Florent ino

Duarte, Porto Alegre, Fabris, 1986, pp, 123/125) significa so~ente que

nenhuma norma tern tal conduta pOl' objeto, 0que resultaria no total

96

5.10.A QUESTAO DA CONCEP<;AODO PROCESSO COMO

RELAr;AO JURiD/CA

o problema que se coloca ao se considerar 0processo

como uma relacao juridica e 0problema da pr6pria relacaojuridica. .

A se admitir 0processo como relacao jurfdica, na acepcao

tradicional do iermo~'t~r~~e=ia'que '~dmitir, conseqiientemente,que !:J~.e.urn vinculo constituido entre sujeitos em queum pede

- exigir do outro uma determinada prestacao-eu seja, uma condu-

ta2fiterminada. Seria 0mesmo que se conceber que hi direito de

urn dos sujeitos processuais sobre a conduta do outro, que

perante 0primeiro e obrigado, na condicao de sujeito passivo, auma determinada prestacao, OU que hi direitos das partes sobre

a conduta do juiz, que, entao, compareceria como sujeito pas-

sivo de prestacoes, ou, ainda, que hi direitos do juiz sobre a

conduta das partes, que, entao, seriam os sujeitos passivos da

prestacao.

A doutrina processual utilizando a figura da relacao juridica

desamparo juridico do titular daquela liberdade, definida pelo negativo,

pois nao ha como se torna-la eficaz. Para exemplificar com a atualidade do

tema no Brasil, basta a lembranca dos direitos e das liberdades piiblicas

que decorrem da liberdade jurfdica, que ficavamsem protec;;ao are que,

pela Constituicao da Republica de 05 de outubro de 1988, foi insritufda a

garantia do Mandado de Injuncao, que veio como urn instrumento para a

criacao de instrurnento, da prorecao jurfdica, urn instrumento que cria

instrumento, que faz lembrar a expressao de BERGSON sabre a tecnica.

des mails qui font des outils. Mas 0Mandado de Injuncao tem endereco

cerro quanto aos direitos cuja eficacia visa a garantir. Ha direiros, alem

daqueles que podem constituir objeto de provocacao da protecao, que

dependern de regulamentacno e cuja eficacia nao se tornou efetiva. Esses,

pelo conceito de relacao juridica, continuam sendo, para os possiveis

titulares, mera.faculdade jurfdica abstrata, embora nao se coloquem no

mesmo plano da liberdade definida pelo negativo. Nao se pode, entretan.

to, deixar de considerar que 0problema da eficaciase levanta sobre outro

plano, pois tais direitos constitucionalmente garantidos ja existem efetiva-

mente enquanto atuam como um principio de limitacao a a<;aodo Iegisla-dor ordinario.

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"trilateral" inovou a velha bipolaridade do vinculo normativo

existente na relacao juridica, mas mesmo a inovacao nao poderia

dispensar, na relacao "angular" ou trilateral, 0vinculo juridico de

exigibilidade entre os sujeitos do processo, vinculo que constitui

a marca de qualquer "relacao juridica". ..

E e esse 0ponto significativo da questao. Foi demonstrado

que, quer se negue ou se admita 0direito subjetivo, ja nao se

pode afirmar que ele se constitui em "poder sobre a condutaalheia". Em consequencia, nao ha como se admitir que, no

processo, uma das partes possa exigir da outra 0cumprimen.to

de qualquer conduta, por urn vinculo entre sujeito ativo e sujeito

passivo.

o processo nao se confunde com a situacao de direito

material, ou situacao de direito substancial, cuja existencia ou

cujos efeitos nele se discutem, mas deve se relevar que mesmo na

situacao de direito material, como se expos, ja nao se concebe a

possibilidade de que urn s,ujeito possua 0poder de exigir a

conduta de outro sujeito. E por isso que 0particular tern, na

funcao da jurisdicao, a possibilidade de pedir que 0Estado 0

substitua, na imposicao do ate de carater imperativo. Assim,

mesmo a situacao de direito substancial ja nao se poderia, coe-

rentemente, aplicar a figura da relacao juridica que, nascida do

individualismo do seculo passado, constituia-se em vinculo entre

sujeitos, vinculo que, mesmo quando dito de "coordenacao",

expressava, apenas, mementos alternados de subjugacao.

No processo nao poderia haver tal vinculo entre as partes,

porque nenhuma delaspode, juridicamenre, .impor a outra a

pra!i<::'<l<::.ualquerato processual. ._ -'_-.

No exercicio de faculdades ou poderes, nos atos proces-

suais, a parte sequer se dirige

aoutra, mas sim ao juiz, que

conduz 0processo. E, do juiz, as partes nao exigem conduta ou

atos. Mesmo a doutrina tradicional ja via a dificuldade de se

sustentar 0 poder da parte sobre a conduta do juiz, resolvendo a

questao pela concepcao de que a "relacao'' entre eles, juiz e parte,

seria de "subordinacao''. N~Qha'rela§ao_juridica enrreojutz e a

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'SA, -quatquerconduta, ou a pratica de qualquer ato, podendo, qual-

quer das partes, resolver suas faculdades, poderes e deveres em

onus, ao suportar as consequencias desfavoraveis que possam

advir de sua omissao.

A analise de algumas hip6teses pode ser ilustrativa dessas

situacoes, a comecar pelos deveres das partes e de seus procura-

dores, previstos no Capitulo II, do Titulo II, do Livro I, doC6digo de Processo CivilBrasileiro de 1973. Nenhum deles, nem

a boa fe, nem a lealdade, nem a responsabilidade por danos pela

litigancia de ma-fe, nem a responsabilidade por despesas e mul-

tas tern a sua origem na manifestacao de vontade de qualquer das

partes, em vinculo de exigibilidade'Y. Esses deveres decorrem

tao-somente da situacao juridica que confere a pessoa a posicaode parte no processo.

o mesmo se poderia dizer quanto aos deveres do juiz, que

se podem relacionar, no C6digo de Processo Civil de 1973, com

base nos arts. 125a 128: assegurar a s partes igualdade de trata-

mento, velar pela rapida solucao do Iitigio, prevenir ou reprimiratos atentat6rios a justica; decidir; decidir nos Iimites da lei;

decidir nos limites da lide. A relacao poderia prosseguir pelo art.

35 da Lei Complementar nQ035, de 14 de mar<_;ode 1979, que,

nos itens I a VI, tanto se refere a deveres no processo como a

deveres em relacao ao processo (cumprir e fazer cumprir prazos,

ate 0 relacionamento do juiz com as partes). Contudo, verifica-se

de plal10_g:y~_o~_deveres do jui~ na?_<!~rivam de.._poderes das

par_tes_sobl:e..se~2tos,- mas sao deveres_q!l.£4ti:orr.~!!L.9_auncaoju~cional. Seufundamento esta ~r6prias no_!mis~.qiie···

disciIili-nam-a J~t!~t~aoeoi2rOCes.sD,_que ..e.a.estrutura.normati- C>

v;Lem~que_ ela. ~~!llanifesta, ond~_0_exet:c;if:i9_QQ._poder ..e.."a,.._,"

r~i~?~?~_.e2g~L5!~~umpri~_Q~_v_e!:'_Q.c!~y~r_E~I?_guaI 0

144 Sobre 0erna, v. a excelente exposicao de]OSE CARLOSBARBOSAMOREI-

RA- "AResponsabiLidade das Partes por Dano ProcessuaL no Direito Brasi-

Leiro" in Temas de Direito Processual, Sao Paulo: Saraiva, 1977, pp. 16/33.

99

 

3

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Estado se obrigou, quando a§_~umiu-a-func;ao.de_se-substituir-aQ_

particular para-gar-antir seus (hl~lt.Q~,_para reagir contra 0ilicito,

exercendoUrnPOael:-'q~~, ~(;~ot()<:lo .p.Q_der,no Estado d~i)il:'el:'

to, limita-se pela le( ....,- ---~

Inexistindo vinculo entre sujeitos, pelo qual atos possam

ser exigidos, pelo qual condutas possam ser impostas entre as

partes e 0juiz, nao ha como se aplicar ao processo a figura da

relacao.jurfdica.qus; conforme se exp6~_!;;QnstHlida-nQ-.secl]IO:-pa~_s~.49,_~':..1l...!9_g..Q_indi.Y:idualis.mQ_j.u.ridi!;Q,._j.~..D.~Q_.e_ncontra-t~l:"

renQ_propi_cio Rara c<itLtiliJl.arVicejand_Q.llo_Djl:eitO.

Ha ainda que se registrar problemas que surgem quando se

explica a natureza do processo pela ecletica mistura de do is

quadros conceituais diferentes. Posicoes subjetivas sao faculda-

des, poderes e deveres que decorrern de uma situacao juridica.

Subordinacao e subjugacao sao conceitos que se situam no qua-

dro da relacao juridica. Assim, faculdades, poderes e deveres

como posicoes subjetivas decorrem da situacao juridica, que se

constitui, como foi visto, sob a disciplina da lei. Faculdades,

poderes e deveres, no quadro ..conceitual da re.la<;ao juridica,de COl' rem 1 -~vinculosde subordinacao de vontade deumsujeito

sobre a vontade do outro. &cJJldades. poderes e deveres, na

sit!J;t~~9_iuridicaJao qll..alifica~ao de cond1}.tas valoradas como

licit3§_;_a.f~ldades _~P'QQ~E~12ossibiliq_~_g..e.s._j.uridicamente

~_~~e:.s~radas,e dev~res,_(~mn_<La....cQnd.t.Ua-a-sel:..cumprLd_a~ato

gerado por uma vontade irnplicita (faculdade), 0ato gerado por

uma vontade declarada (poder) e 0ato de cumprimento da

norma (dever) sao manifestacoes exteriorizadas do comporta-

mento dos sujeitos, ou seja, conteiido de condutas.

Quando se usa dentro do mesmo argumento conceitos per-

tencentes a categorias juridicas diferentes, criam-se, inevitavel-

mente, dificuldades para a cornpreensao do proprio argumento.

Diante dessas diflculdades, a reflexao jurfdica deve indagar 0que

se pretende dizer com tal linguagem, 0que se esta chamando

por urn deterrninado nome. Sem resolver a questao, ela nao tern

qualquer condicao de prosseguir em seu crescimento.

100

A exposicao que se fez sobre a teoria das situacoes iuridicas

nao levara a afirmacao de que 0processo e uma situacao juridica.

~_teo~~~~da .situacao juridica cumpre 0 seu papel quando de-

monstr~_~i~e§~}.i1?U!qa_Q~ge se considerar vinculos imperativos

~ntr{!~ujeitos, .quando substitui a relacao juridica, mas nem por

ISS0 se pode dizer que 0 processo seja uma situacao juridica 145.

Situacoes juridicas nele estarao presentes, mas nao 0definem,

porque, como instrumento do exercicio da jurisdicao, ele e uma

estrutura normativa que as comporta. E essa estrutura normativa

de .um,procediIJ,1ento que prepara urn ato final,de carater impe-

ratrvo, urn provimento.irealizado em contraditorio entre as par-

tes, que se estudara a seguir.

145 A tentativa de superacao da concepcao de processo como relacao i Idil - _ . ,. ,. juri Icaev?~ a construcao de outras teonas, dentre asquais a da situacao jurfdica.

A visao do processo como "situacao juridica'' de GOLDSCHMIDT,. ' , encon-trou alentadas ~ntlcas ~a doutrina, dentre as quais as produzidas pela

p~ofunda retlexa.o de HEllO TORNAGHI - Instituicoes de Processo Penal,

Sao Paulo: Saraiva, 1977, pp. 387/397. Tanto a concepcao de GOLDS.Ct;~nDT quanta as crfticas estao estruturadas sobre 0mesmo campo

~eO!'l~oque, se pretende superar, e GOLDSCHMIDT 0tentou. Situacoes

Jun~hcas ex~stem dentro do processo, diz TORNAGHI, no que tern toda

razao. Mas ISS,O0 reconduz it relacao juridica, e 0 circulo se fecha sern

ourra. alternativa (a nao ser, e claro, das construcoes mais frageis, como a

do processo como contrato, quase-contrato, instituicao, service publico),

101

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o PROCESSO COMO PROCEDIMENTO

REALlZADO EM CONTRADITORIO

ENTRE AS PARTES

6.1.PROCEDIMENTO: A11VIDADE PREPARATORIADOPROVIMENTO

A caracterizacao do processo como uma especie de procedi-

mento exigiu a reelaboracao do conceito de procedimento. Para

edificar este como uma unidade mental, suficientemente generica,

para comportar uma multiplicidade de particularidades, 0ponto

de partida foi0ato do Estado, dotado de carater imperativo, para 0

qual se volta toda a estrutura normativa que disciplina a atividade

constituida peIo procedimento.I_Q_procedimento e uma atividadepreparat6ria de urn determinado ato ~~t;;:tal,atividade regulada poruma estrutura normativa, composta de uma seqiienCi~(ae·-~.?rmas,

de atos e de posicoes subjetivas, que se desenvolvem em uma

dinamica bastante especifica, na preparacao de urn provimento. 0

provimento e urn ato do Estado, de carater imperativo, produzido

pelos seus orgaos no ambito de sua competencia, seja urn ato

administrativo, urnato Iegislativo ou urn ato jurisdicional. No exer-

102

cicio das funcoes administrativa, legislativa e jurisdicional, 0

Estado pratica varies atos que nao se revestem de imperatividade

e que sao necessaries na dinamica de sua atuacao. Mas qu~n~o 0

ato do Estado se destina a provocar efeitos na esfera dos direitos

dos administrados, da sociedade, dos jurisdicionados, quando e

urn ato dotado de natureza imperativa, urn ato de poder, tem-se

o provimento que, para que seja emanado, valida e eficazmente,

deve ser precedido da atividade preparatoria, disciplinada noordenamento juridico. Em razao de seu carater imperativo, 0

provimento se distingue de todos os demais atos (seiam at?s ~os

brgaos daadrninistracao, dos orgaos legislativos e dos orgaos

judiciaries), po is no Estado de Direito 0poder se exerce nos

limites da lei e0Estado cum pre suas funcoes dentro do quadro

legal que disciplina suas atividades.

A atividade preparatoria do provimento e 0procedimentoque, normalmente, chega a seu termo final com a edicao do ato

por ele preparado, por isso, esse mesmo ato de carater imperati-

vo geralmente e a conclusao do procedimento, 0 seu ato fina1.146

6.2. A RENOVA9AO DO CONCEITO DE PROCEDIMENTO

A renovacao do conceito de procedimento ja vinha despon-

tando na doutrina do processo, mas de urn modo incompleto,

indiferenciado, ou ainda bastante informe, com varias questoes

nao resolvidas ou resolvidas de forma insatisfat6ria.

Em estudos publicados a partir de 1936, ENRICO REDENTI

, di b 'ti' 147 t d da vislumbra 0proce imento so uma nova 0ca, en en en 0

146 Cf. FAZZAlARI- Istituzioru di Diritto Processuale, QUinta Edizione, Pado-va: CEDAM-Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1989, pp. 7/8.

147 Conforme menciona REDENTI, os Profitt, publicados pela Giuffre em

1936, foram os progenitores do Diritto Processuale Civilt, publicado pela

primeira vez em 1947 e 0projeto do amplo Trattato della giustizia civile

nao chegou a ser conclufdo. Cf. Proemio alia Terza Ediztone e Proemio

alia segonda Edizione, in Diritto Processuale Civile, Terza edizione ag-

103

 

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o processo como a atividade destinada a formacaodo provimen-

to jurisdicional. A lei se ocupa de determinar os atos que devem

compor essa atividade, quando sao legalmente necessarios ou

simplesmente consentidos, como devem ser coordenados e com-

binados entre eles. A atividade preparatoria do provimento en-

volve atos do proprio autor do provimento e dos outros sujeitos

que devem concorrer para a sua formacao, por isso sua disciplina

se da por varies esquemas normativos. Esses esquemas, segundoREDENTI, propostos para as diversas possibilidades de proces-

sos, devem tomar 0nome 'de~procediment6, que se entende

como il modulo legaledelfenomeno in astrattor'",

Os paradigmas ou modulos legais, como diz REDENTI, nao

se encontram sempre perfeitamente tracados e prontos para 0

usn, no texto da lei. Muitas vezes e necessario construi-los pela

via da interpretacao, com auxilio de criterios gerais, come il huon

geometra procede alle sue triangulazione dalla conoscenza di

lati e di angoli.149

o "modulo legal",0modelo normativo capaz de comportar

toda a variedade de procedimentos, se elabora pela mesma ativi-

dade de generalizacao e abstracao desenvolvida na formulacao

de qualquer conceito. Sua construcao e possfvel a partir das

especies de procedimentos previstos pela lei, que, conforme diz

REDENTI, podem ser recolhidos ou distinguidos em grupos ou

subgrupos (jamiglie), em razao da classificacao dos provimentos

finais que visam a forrnar .150

giornata e rielaborata da Tito Carnacini eMario Vellani, 1-Noztone e

Regole Generali, Giuffre Bditore, 1980.

148 Cf . REDENTI, op. c it ., pp. 99/100.

149 Cf. REDENTI - II Giudizio Civile con Pluralita di Parti, Milano: Dott. A.

Giuffr« Editore, 1960, pp. XI/XII. A obra e rei rnpres sao c ia edicao origina l de

1911. No prefacio fei to para a reimpressao, REDENTI refere-se ao problema da

configuracao dos paradigmas ciasa<;6es civis, que por uma visao "planimetrica

del sistema stesso uiene a trouarsi inposizione marginate"Cf. p. XI.

150 Cf. REDENTI -Diritto Processuale Civile, cit. p. 100.

104

Tambem LIEBMANjii.revela uma certa aproxima<_;aodessa

nova concepcao, quando discorre sobre a estrutura do procedi-

mento, em que os atos processuais formam elos de uma cor-

rente. M a s a aproximacao de LIEBMANe apenas relativa, pois suadoutrina separa 0processo do procedimento, mantendo quanto

a este a concepcao antiga, ainda dominante na teoria processual,

quando enuncia que 0termo processo e mais amplo, porque

pode compreender mais de urn procedtmento.l>!

o ato estatal de carater imperativo para cuja preparacao

todo procedimento se volta e 0seu motivo,-sua~ratio,mas nao eelemento proprio para que dele se deduza a especifica dinamica

do procedimento, que nao e urn mero encadeamento de atos,

A CON1RIBUIc;AO DE ELlO FAZZALARI

A contribuicao definitiva para a renovacao do conceito de

procedirnenro, no Direito Processual, organica, sistematizada,

coerente e logica, vern de ELIO FAZZALARI,que partiu de umabern estruturada visao do ordenamento jurfdico e de urn quadro

conceitual multo bern definido para investigar as formas pos-

siveis de "enucleacao", ou de conexoes de normas, ou seja, de

agrupamentos normativos vistos quanta a especial forma do

entrelacamenm dessas normas, dos atos por elas regidos, nao so

na qualificacao de sua juridicidade, mas na sua predicacao quan-

do tais atos sao correlacionados com tais normas, para a caracte-

rizacao do procedimento e do processo.

FAZZALAru preocupa-se em definir previamenre os con-

ceitos que utiliza no desenvolvimento de sua argumenta-

151 Cf . LIEBMAN - Manual de Direi to Processual C ivil , VoL.I, traducao e notas

de Candido R. Dinamarco, Rio de Janeiro : Ed. Forense, 1984, pp. 228;229.

Essa ,posi<;:ao aproximada tambem se ver if ica em ANTONIO CARLOS DE

ARAUJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRIN OVER e CANDIDO R. DINAMAR-

CO, quando , vendo 0processo como uma relacao juridica incluern emseu conceito, 0procedimenro. Cf. op. cit. 253. "

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~ao, porque estes, muitas vezes designados com 0mesmo nome

dos co~ceitos tradicionais, nao possuem a mesma conotacao e,

consequentemente, referem-se a realidades juridicas diferentes.

, A norma jur~dica, do ponto de vista de sua estrutura logica,

e conte~~lada, nao apenas como "canone de valoracao de uma

conduta , IStOe, como regra vinculante e exclusiva que expressa

os valores da soctedade.P? mas tambem em relacao a condutapor ela descrita, a que se liga a valoracao normativa. Sendo 0ate

sinonimo de conduta (que tern no comportamento 0seu conteu-

do), dessa valoracao resulta a qualificacao do ate juridico como

Iic~t~ (0 uso do _pr?prio bern), ou como devido. A posicao do

sUJelto. e~ ~el~~~oa n~rma permite falar em posicao subjetiva,

ou posicao juridica subjetiva, e qualificar a conduta como facul-

dade ou pod~r, se e valorada como Iicita, e como dever, se e

valorada como devida.

Da pos~~ao do sujeito em relacao ao objeto do comporta-

mento descrito na norma, FAZZALARIxtrai 0conceito de direito

subjetivo, nao como urn poder sobre a conduta alheia ou de

direito a prestacao decorrente de relacao juridica mas comoum~ !,osi~ao de vantagem do sujeito assegurada ~e1a norma,

p~sl<;ao que se apreende pelo "objeto do comportamento" des-

cnto na norma relacionado ao sujeito. Se da norma decorre uma

~ac~ldade ou urn ~oder, para 0sujeito, sua posicao de vantagem

incide sobre 0objeto daque1a faculdade ou daquele poder que a

norma the conferiu 153.

o quadro conceitual com 0qual FAZZALARItrabalha sera

explicitado, na medida em que for convenientepara a clarezadesta exposicao.

Entretanto, e importante sublinhar, desde ja, que os atos

licitos qualificados como faculdades ou poderes nada tern avercom a concepcao tradicional de direitos subjetivos, e que seu

152 Cf. FAZZAIARI, op. cit . pp. 19126.

153 Cf. FAZZAIARI, op. cit . pp. 46/50.

106

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contraponto nao e0ilicito. Q~_~_t<?~icitos constituem poderes,

s.<!onsistem em declaracoes de vontade (uma confissao judicial)

e, faculdades, se consistemem atos em que a vontade, embora

presente, como em qualquer ato valido, nao necessita ser decla-

rada porque e irnplicita como "consciente determinacao do agen-

te de ter 0comportamento descrito na norma.P" Os exemplos

~ferecidos por FAZZALARIauxiliam a distincao: as partes tern

poder de "proferir juramento decisorio" ,faculdade de alegarfaros e dever de exibir prova:155 Quando ha consequencias legais

vinculadas iifalta do exercicio dos poderes e faculdades, desfavo-ravels ao titular do ato, surge a figura do onus. Como diz FAZZA-

LARI, os poderes e faculdades caracterizam-se como onus, quan-

do a falta de seu exercicio a lei processualliga uma consequencia

desfavoravel ao titular do ato. Ao sujeito e dado cumprir ou nao

o ato, mas a falta de cumprimento se resolve na possibilidade de

dana para ele 156.

o segundo ponto que merece relevo e a explicitacao de que

a qualificacao do ate como licito (poderes e _faculdades) nao se

faz em contraposicao ao ilicito, 0 ilicito nao e incluido na estru-tura do procedimento e do ponto de vista logico, nem 0poderia

ser, pois nao poderia compor 0conceito de ate juridico, E esobre atos juridicos que se fala no procedimento, sao eles que 0

comp6em em todo 0seu iter, ate 0momenta final. E claro quenao se exc1ui 0ilicito da experiencia do Direito, mas ne1a de

comparece como inobservancia da conduta devida, descrita pela

norma substancial, pela norma de direito material. Ted de,

naturalmente, assim como 0direito material cuja tutela e reque-

rida, suas relacoes com 0ate final, 0provimento, no processo,

mas nao integra a sua estrutura.P?

154 Cf. FAZZAlARl, op. cit. p. 338, v., ainda, p. 330 e p. 401-

155 CF. FAZZAlARI, op, cit ., p. 401-

156 Cf. FAZZAlARI, op. c it ., p . 401.

157 Cf. A concepcao de norma jurfdica, como canone de conduta, vi nculat iva

(no sentido de que a conduta deve se conformar a eta) e exdusiva (porque

107

 

3

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7(0 procedimento nao e atividade que se esgota no cumpri-

mento de urn unico ato, mas requer toda uma serie de atos e uma

sene de normas que os disciplinam, em conexao entre e1as,

regendo a sequencia de seu desenvolvimento. Por isso se fala em

procedimento como sequencia de normas, de atos e de posicoes

subjetivas.

se sobrepoe a outras norrnas) de que decorre a juridicidade, em FAZZAlA-

RI, lembra STAMMLER,na definicao do Direito como urn querer vinculati-

vo, entrelacante, autarquico e inviolavel, e tambem pela opinio iuris vel

necessitatis, toda linha de pensamento, de diversas tendencias que, pelas

contribuicoes do historicismo juridico, se formou sobre a juridicidade. 0

ilicito nao e realcado nessa juridicidade, senao como elemento que a

rompe. Nesse ponto FAZZALARIesta mais proximo da linha humanista,

com a qual concilia sua abordagem logica da norma, e em posicao absolu-

tamente distanciada de KELSEN.Mesmo a norma penal em FAZZALARI,

como norma de conduta, refere-se it conduta devida, e sua expressao

logica que liga0illcito a sancao nao descreve a norma substancial, mas a

norma jurisdicional. Ressalte-se que no campo do estudo da estrutura

logica da norma e das funcoes que decorrem de sua vinculacao com a

conduta regida, hi excelente contribuicao de NORBERTOBOBBIO -Teoriado Ordenamento Jurfdico, trad, de Claudio de Cicco (capitulo 1) e de

Maria Celeste C.J. Santos (capftulo 2 a 5), Sao Paulo: Polis, Brasilia: Editora

Universidade de Brasilia, 1989. KELSEN,que ja havia desenvolvido 0ema,

em topicos da Teoria Pura do Direito, teve seus trabalhos sobre a norma

recolhidos em publicacao postuma sob 0titulo de Teoria Geral das Nor-

mas. As funcoes da norma jurfdica, que sao estudadas do ponto de vista

teleologico ou sob 0prisma formal, na Ciencia do Direito, enquanto

referidas ao sistema jurfdico, estao ali descritas como fungoes da norma,

enquanto dever-ser de conduta, em relacao a propria conduta por ela

disciplinada. Por esse criterio, KELSENcLassificaas funcoes da norma como

de: 1) Imposicao de urna conduta, em que imposicao e sinonimo de

prescricao, que se diferencia de descricao, enquanto se remete a algo que

deve ser. Toda proibicao pode ser descrita como imposicao, precisamente

como imposicao da conduta ou de sua omissao, porque 0conceito de

conduta compreende "0 fazer e a omissao passiva de uma ac;ao".A imposi-

c;aocompreende, assim, a prescricao e a proibicao: a imposicao do fazer-

a prescricao, e a imposicao do omitir aquele fazer - a proibicao, 2)

Autorizacao - que e 0el' poder para a conduta. 3) Permissao - 0tel' a

conduta consentida. A perrnissao compreende dois sentidos: 0senti do

positivo e sentido negativo. (0 sentido negativo, para KELSEN, nao e

funcao na norma; para BOBBIO, gera problema do espaco vazio. Significa

108

1[

o ato de carater imperativo, urn provimento, tern no proce-dimento sua fase preparatoria, mas nao e, entretanto, suficiente

para esgotar sua definicao. Aatividade que precede sua ernissao,

ouedicao, ou emanacao, e constituida de atos que sao disciplina-

dos segundo urn modelo normativo proprio, que determina sua

especial forma de coordenacao e de conexao, no desenvolvimen-

to, ou, no iter do procedimento, ate 0ato final.

Essa especial forma de coordenacao sera descrita a seguir,

mas, antes, convern recordar que, para FAZZALARI,0procedi-

mento nao e um conceito ..particular de uma disciplina, mas.urn

conceito geral do Direito, e deve ser "colhido", extraido, de urn

complexo de normas que incidem sobre atos e posicoes subjeti-

vas que preparam 0provimento, que e, como se viu, urn ato do

Estado, emanado de seus orgaos, na orbita de sua competencia,

dotado de carater imperativo.

Nao e excessivo ressaltar que a expressao "posicao subjeti-

va"contem um sentido muito espedfico. Nao se refere a posicaode sujeitos em uma relacao com outro sujeito ou a posicao de

sujeitos em urn quadro qualquer de liames. Posicao subjetiva e a

posicao de sujeitos perante a norma, que valora suas condutascomo Iicitas, facultadas ou devidas.

No procedimento, os atos e as posicoes subjetivas sao nor-

mativamente previstos e se conectam de forma especial para

tornar possivel 0advento do aro final, por ele preparado. Nao so

que a conduta nem e proibida, nem imposta. 0 ser permitido ai e 0serlivre. Em KELSEN,0sentido positivo da autorizacao pode significar que

uma norma que profbe uma conduta definida e abolida, ou que a normaque proibe tal conduta e limitada por outra (Ex. a proibicao de matar e a

legftima defesa). A lirnitacao da proibicao importa em permissao. Essa

funcao e reduzida a funcao de derrogacao (que aparece como a 4l!espe-cie), ou seja, a abolicao ou limitacao da validade, norma que profbe uma

conduta definida. Isto porque a permissao nao pode ser cumprida nem

violada. Sobre os desdobramentos e a imporcincia de cada uma dessas

funcoes KELSEN fala longamente, mas prosseguir no terna desviaria 0

proposito dessa exposicao. Cf. KELSEN- Teoria Geral das Normas - trad.

de Jose Florentino Duarte, Porto Alegre: Fabris, 1986, pp. 120/144.

109

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o ato final, em sua existencia, mas a propria validade desse ato e,

consequenrernenre, sua eficacia, dependerao do correto desen-

volvimento do procedimento.

A forma especial de conexao dos atos e posicoes subjetivas

normativamente previstas, que torna possivel a identificacao de

qualquer procedimento, e descrita por FAZZALARI:

"II procedimento si coglie quando ci trova difronte a una serie di norme, ciascuna delle quali

regola una determinata condotta (qualificandola co-

trw lecita 0doverosa), rna enuncia C01nepresupposto

della propria incidenza ilcompimento di un 'attiuita

regolata da altra norma della serie, e COStvia fino alla

norma regolatrice di un ato finale"158

Quando 0pressuposto para a incidencia de uma norma e0

cumprimento de uma atividade prevista na norma anterior da

serie do complexo normativo, nao se esta diante da simples

ordenacao de uma cadeia normativa, que poderia ser Iinearmen-

te concebida.

Pressuposto, em linguagem filosofica e da Iogica, e premissa

nao explicita, e essa, como se mostrou, em topicoanterior, e a

proposicao da qual sao extraidas outras proposicoes, peIo

processo de inferencia, e, como se recordou, as conclusoes po-

dem se tornar novas premissas de novas conclusoes, na cadeia de

proposicoes, no raciocinio dedutivo'P". Essa e a nocao funda-

158Cf. FAZZAlARI,op. cit., pp. 57/58.

159FAZZALARItrabalha com a Iogica, como ele pr6prio declara quando expli-

cita a eleicao de seu metodo: Dal particolare at genera le, dal generate al

particolare. e if metodo della doppia scala ehe, quattro secoli ja , ci bainsegnato Bacone. Cf. op. cit., p. 16. Mas esta visto que nao trabalhou com

a logica das classes, no desenvolvimento do raciocinio que 0levou a

relacionar 0processo com0procedimento, atraves da extracao da especie

do genero, quando ao inves de urna relacao, que levaria it inclusao, proce-

deu a uma cisao.

110

mental para a apreensao do novo conceito de procedimento. Foi

ele inicialmente referido como uma estrutura que prepara urn

ato final imperativo, 0provimento, e essa estrutura e constituida

de tal forma que, na cadeia normativa que disciplina os atos e as

posicoes subjetivas, a incidencia de uma norma so pod era se

verificar validamente sobre os atos da sequencia, se a norma

anterior houver sido observada e cumprida, na sua previsao de

atos que poderiam ter sido exercidos ou que deveriam ter sidocumpridos. Em outras palavras, na sequencia normativa que

com poe a estrutura do procedimento, a observancia da inelden-

c ia da norma que preve 0ato que pode ser exercido ou deve ser

cumprido e pressuposto, e condicao de validade, da incidencia

de outra norma que dispoe sobre a realizacao de outro ato,

sendo deste 0pressuposto, assim ate que 0procedimento se

esgota atingindo seu ato final, quando se verificaram todos os

pressupostos normativamente previstos para a emanacao do

provimento. A observancia da incidencia da norma significa que

os atos que ela permite sao realizados ou tern a possibilidade de

sua realizacao garantida, e0atos que eIa estatui como devidos

sao realizados, quando nao se permite a sua conversao em onus.

Se 0procedimento fosse considerado apenas como uma

serie de normas, atos e de posicoes subjetivas, 0ato juridico

isoladamente considerado poderia produzir neIe seus efeitos.

Mas0procedirnento e mais do que uma mera sequencia norma-

tiva, que disciplina atos e posicoes subjetivas, porque faz depen-

der a validade de cada urn de sua posicao na estrutura, que

requer 0cumprimento de seu pressuposto. 0ato praticado fora

dessa estrutura, sem a observancia de seu pressuposto, nao pode

ser por ela acolhido validamente, pOl'que nao pode ser nela

inserido.

6.3.1.0 PROCESSO COMO ESPECIE DO GENERO

PROCEDlMENTO

Como foi exposto, FAZZALARIcaracterizou osprovimentos

como atos imperativos do Estado, emanados dos orgaos que

11 1

 

o

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exercem 0poder, nas funcoes legislativa, administrativa ou juris-

dicional. 0 procedimento, como atividade prep aratoria do provi-

mento, possui sua especifica estrutura constituida da sequencia

de normas, atos e posicoes subjetivas, em uma determinada

conexao, em que 0cumprimento de uma norma da sequenciae

pressuposto da incidencia de outra norma e da validade do ato

nela previsto.

oprovimento implica na conclusao de urn procedimento,

pots a lei nao reconhece sua validade, se nao e precedido das

atividades preparatorias que ela estabelece. Mas 0provimento

pode ser visto como ato final do procedimento nao apenas

porque este se esgota na preparacao de seu advento. Pode ser

concebido como parte do procedimento, como seu ato final,

como 0ultimo ato de sua estrutura.jE na possibilidade de se

enuclearem os provimentos, em conjunto, segundo essa otica,

pela qual eles sao 0proprio ato final do procedimento, que

FAZZALARI encontra a perspectiva propria para 0estudo do

processo.V'?

o processo comecara a se caracterizar como uma "especie"

do "genero" procedimento, pela participacao na atividade de

preparacao do provimento, dos "interessados", juntamente com

o autor do proprio provimentoj Os interessados sao aqueles em

cuja esfera particular 0ato esta destinado a produzir efeitos, ou

seja, 0provimento interferira, de alguma forma, no patrimonio,

no sentido de universum iUS,161dessas pessoas.

A primeira aproximacao do conceito de processo e assim

desenvolvida:

"Se, poi, al procedimento di formazione del

prouuedimento, alle attiuita preparatorie attraverso

lequa li siuerificano ipresupposti del provvedimen-

160 Cf. FAZZALARI,op. cit., p. 7/8.

161 Cf. FAZZALARI,op. cit., p. 54.

112

to stesso, sono chiamati a participare, in una 0pii:

fasi, anche gli interessati, in contraddittorio, coglia-

I, d I" " h 'o essenza e processo ..c e e, appunto, un pro-

cedimento al quale, oltre all'autore dell'atto finale,

partecipano, in contraddittorio fra loro, gl'interes-

sati, cioe i destinatari degli effetti di tale atto".162

o _processo ~9mec:;aa se definir pela partictpacao dos

interessados ne>pr?~ntonafase~ 0 r ep a ra - ;O u s e ja : - no_'Pcroc~ili~tQ:M~~~~~~~~~[ni~a()sec'onduiiiPela ap~e~';si~ di'e~pe_<:i~_<:aest~ut_uraegal que indui essa-partidpa<;;ao~'aa-qual ~e

~xtl'<l:!r~?_eE~di~!:l~oqueidentifica 0p~()<::esso,que_~_g_RQl1rQ_Q~-"

sua distincao. a partictpacao dos interessados, em contraditorioe n t r e ~ d e s : · - _ _ : . - - : : : : · - - -.~~

"Se,poi, ilprocedimento e regolato in modo chevipartecipino anche colora nella cui sfera giuridica

l'atto finale e destinato a svolgere effeti (talcbe l'au-

tore di esso debba tener conto della loro attiuita), e

se tale partecipazione e congegnata in modo che i

contrapposti interessati (quelli che aspirano alia

emanazione dell'atto finale - interessati in senso

stretto - e quelli che uogliono evitarla - contro-

interessati) siano sul piano di simmetrica parita,allora il procedimento comprende il contradditro-

rio, si fa pitt articolato e complesso, e dal genus

procedimento-a consentito eriucleare fa species

processo.P''

Chega-se, assim, ao processo como "especie"164de procedr-

162 FAZZALARIop. cit., p. 8.

163 Cf. FAZZALARI,op. cit., pp. 57/58.

164 Lem~rando 0que foi exP.osto anteriormente, sobre as dourrinas que

consideram 0 processo mars amplo que 0 procedimento, incluindo este

113

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mento realizado atraves do contradit6rio entre os interessados

que, no processo jurisdicional, sao as partes. '

Dentro da linha de raciocinio desenvolvida pOl'FAZZALARJ,

.talvez a relacao entre 0"genero" procedimento e a "especie"

processo possa ficar mais bern explicitada se se recorrer ao

auxilio da 16gicada relacao entre classes para a apreensao de seu

.argumento.

Uma classe se define pelas qualidades, ou propriedades,comuns dos membros que nela se incluem. Aclasse dos procedi-

mentos e constituida pela atividade que possui uma "estrutura

normativa'' determinada, voltada para a preparacao do provi-

mento. A dasse dos processos (jurisdlcionais, legislativos, admi-

nistrativos, e outros admitidos pelos ordenamentos juridicos

como os arbitrais) possui em comum a preparacao do provimen-

to com a parncipacao dos interessados, em contradit6rio entre

eles. Como se disse, anteriormente, a respeito dos prindpios

logicos da inclusao, ela e valida se obedecida a hierarquia das

classes. 0 procedimento, como "estrutura normativa" que prepa-

ra0provimento, constitui a dasse imediatamente superior pela

abrangencia que comporta, para que nela se inclua a dasse dos

processos.

E interessante observar que a via encontrada porEAZZALA-

RI,que foia da cisao, quando ceifou 0genero, para extrair de seu

~)aqueLe, pode-se testar 0resultado apresentado para FAZZALARl.Se se

rnvertesse a proposicao, dizendo-se que 0processo eo genero e0procedi-

mento a especie, isso significaria que todos os procedimenros deveriam

center todas as qualidades especfficas do processo, 0que nao seria correto

porque hi procedimentos que nao possuem a especificidade que caracteri-

za .0 ~rocesso: 0 contradirorio. 0 processo, sim, contern as qualidades

atribufdas ao procedirnenro. Por isso, se se diz que "todo procedimento epreparacao de ,U~provi,mento", e possfvel se dizer que 0processo compa-

rece com~ espe~le do genero procedirnenro porque participa da qualidade

que the fOI predicada. Arela<;aoentre genero e especie pela quantificacao do

~ujeito do dis~urso, no juizo, nas antigas formulacoes do jufzo universal (fodo

s.e P)OU particular (Alguns 8 sao P), ou do jufzo singular (8 e P) traziaalgumas

dificuldades, que foram superadas pela l6gica das relacoes entre classes.

114

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amago a especie, importou, implicitamente, em uma relacao que

e , logicamente, de inclusao, porque a c1asse dos processos, pela

sua qualidade de atividade que prepara 0provimento, comparti-

lha, com os procedimentos, dessa "especifica qualidade" que os

define .

o que ha de realmente extraordinario nos resultados de

suas investigacoes e a identificacao do elemento que permite

definir 0procedimento e do elemento que constitui a diferencaespecifica do processo, sendo que este e urn procedimento.

6.3.2.0 PROCESSO COMO PROCEDlMENTO REALIZADO

EM CONTRADITORIO

-,j> Ha processo sempre onde houver 0procedimento realizan-

do-se em contradit6rio entre os interessados, e a essen cia deste

esta na "simetrlca paridade'T'" da participacao, nos atos que

preparam 0provimento, daqueles que nele sao interessados

porque, como seus destinatarios, sofrerao seus efeitos.

Aespecie de procedimento denominada processo se subdi-

vide, tambem, em subclasses, e pode-se falar em especies de

processos. processo administrativo, em que se desenvolve a ati-

vidade da Administracao, processo legislativo, em que se desen-

volve a atividade legislativa, processo jurisdicional, em que se

desenvolve a atividade do Estado de fazer a justica, por meio de

seus juizes, Ha, ainda, os "processos" infra-estatais, que sao aque-

les que, no campo do Direito Privado, em que prevalece a auto-

nomia da vontade, preparam urn ato final sem a caracteristica do

ato estatal, porque nao dotado da imperatividade do provimen-

to, mas que tern 0carater de uma deliberacao, e cuja dinamica se

faz pelo modelo do processo jurisdicional, FAZZALARIlembra

exemplos que mostram a extensao, em tendencia crescente, do

arquetipo do processo jurisdicional, ao campo do Direito Prtva-

do para solucao de controversias, entre outros, nas deliberacoes

internas de partidos politicos, de sindicatos, de associacoes es-

165 Cf. FAZZALARl,op. cit., p. 80.

115

 

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portivas, de sociedades comerciais. Os exemplos poderiam ser

multiplicados na realidade social brasileira, em que se observa 0

movimento ascendente de organizacao de associacoes, emvarios

setores, e a introducao da pratica dernocratica dos debates que

precedern as decisoes dos grupos.

E daro que a atividade que prepara 0provimento, seja

administrativa ou jurisdicional, nem sempre constitui processo,

pois 0contraditorio pode dela estar ausente. 0 provimento

) administrative e 0provimento jurisdicional podem tel' como

atividade preparatoria 0simples procedimento, como.se.da.ipor

exemplo, no ambito da adrninistracao, em relacao a urn pedido

de inscricao em concurso publico, tim pedido de licenca para

porte de arma, urn pedido de matricula em Instituicao Publica de

Ensino e, no ambito do judiciario, em relacao a urn pedido de

tutela, enfim, aos atos da chamada "jurisdicao voluntaria". Mas se

ocorrer divergencia de interesses sobre 0provimento, entre seus

destinatarios, 0procedimento pode se transformar em processo.

Observe-se, apenas, que, em relacao aos exemplos referentes amateria de natureza simplesmente administrativa, a transforma-

< ; < 1 0 do procedimento em processo exigira, naturalmente, 0 pres-

suposto de sua instauracao perante 0orgao jurisdicional, on~e

nao houver especializacao dos orgaos da justica para a aprecra-

c;ao de materia administrativa. Essa questao nao prejudicara a

compreensao da transforrnacao do procedimento em processo

se se recordar que a [urisdicao e una, comportando especializa-

<;aode orgaos do Poder para seu exercicio.

Pode entender-se, entao, pOl'que 0estudo da jurisdicao, ou

seja, da norma processual, que e a norma que disciplina seu

correto exercicio, deve se fazer sobre 0processo que, sendo uma

especie de procedimento, oferece, como diz FAZZAlARI,a estru-

tura mais completa para que sejam reunidos e ordenados coe-rentemente os varies aspectos que envolvem a manifestacao des-

sa atividade fundamental do poder.166

166 "... 10 studio della giurisdizione (e cosi di quella civile) deveJar perno sul ~

116

Da manifestac;ao do poder jurisdicional, em razao da mate-

ria constitucionalmente organizada, segundo a esrrutura dos

orgaos jurisdicionais, podem ser apontadas as varias especles de

processo. Nos termos da Constttutcao da Republica de 05 de

outubro de 1988, no ordenamento juridico brasileiro, pode-se

falar em processo jurisdicional civil, penal, trabalhista, milttar,

eleitoral, constitucional e Iegislanvo.Js? 0 processo jurisdicional

administrativo - em plano de jurisdicao autonorna _, eo arbi-tral nao foram contemplados rio texto constitucional, que e de

onde se extrai, fundamentalmente, a Iegitimidade dos orgaosque podem atuar no exercfcio da jurisdi~ao.168

Em relacao ao processo de apreciacao de inconstitucionali-

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processo. IIprocesso e la sola stl'lIttuI'a nela quale, e in uiru« della qualei vm? asperu di queU'attivitil Jondamentale possono essere coerensaart ed

ordinatt. con un camhiamento, rna ancbe, io credo, con urt innegabile

progresso rispetto ai precedenrt sistemi, fondatt Sill concetto di azione

ancora uti.le, .n~4 da elaborare e coltocare at suo posto, e su quello dt

rapporto giuridico processuale, orrnai da ripudtare del tutto". Cf. FAZZA-lARI, op. cit., pp. 98/99.

167 JC?S~F~.I?~RlCO ~QUES denomina categorias anomalas de jurisdi<;ao

nao-judiciaria as exercidas por orgao administrativo no conrencioso adrni-

?istrativo que nao chegou a se implantar e POl" orgao legislativo, no

julgamenro do Presidente da Republica, Ministros de Estado, Ministros do

Supremo Tribunal Federal e Procurador Geral da Republica, nos rerrnos

previstos na Constituicao. Cf. Manual de Direito Processual Civil SaoPaulo: Saraiva, 1985-1986, 1Qvol., p. 2. '

168 ? ~rt. 114, § 1Q da Constitui<;ao de 1988, permitiu as partes elegerem

arbirros, frustrada a negocia<;ao coletiva. Entretanto, essa arbitragem se

c~loca n~ c~mpo d~ rela<;?es. pl:i~adas, como a propria negoclacao, pois

nao SUbStltUI0provrmenro jurisdicionsj, como se extrai do §3Q do mesmo

artigo. A arbit~agem, na hip6tese referida, e apenas uma fase preparat6riade U?l p~ocedlm.ento, desenvolve-se na Easepre-processuat da instaura<;ao

~OdISSldIO c~l~tlvo, mas voluntaria e nao necessaria, pois, inexistindo, naoI~p~de seu ajurzamenro. Todo 0Capitulo XIV, do Titulo I, do Livro IV do

Codigo de Processo Civil, cuja constitucionalidade poderia ser discutida

.pel:ante a Constitui<;ao ant~rior, sob cuja egide 0C6digo entrou em vigor,

esta. revoga?o, porque .maIs do que um simples neg6cio juridico, preve 0

ato rrnperanvo do provimenro, e este e, constitucionalmente reservado ao

poder jurisdicional do Estado, cujos orgaos sao definidos na Constituicao,

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A • d .,. 169 b s adade da lei em tese, as divergencias outrinarras so re u

natureza, como "processo" ou como processo de "jurisdicao vo-

luntaria", ou seja, simples procedimento, nao poderao ser resol-

vidas sem 0exame do direito positivo, que determina a estrutura

do procedimento em que se da 0controle da constitucionalida-

de. As duvidas, entretanto, nao alcancam 0Direito brasileiro,

pois 0contradit6rio ressalta do art. 103 e paragrafos, da Consti-

tuicao da Republica de 05 de outubro de 1988, sendo que 0§ 3Q

expressamente determina a previa citacao do Advogado-Geral da

Uniao, "que defendera 0ato ou 0texto impugnado", quando 0

Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitu~ionalidade em

tese (abstrata) de norma legal ou ato normativo. E, portanto, urn

verdadeiro processo, e nao urn simples procedimento, ou urn

"processo de jurisdicao voluntaria",

o procedimento legislativo, conforme observa FAZZALARI,

sempre e processo, sempre se realiza como "especie" processo,

sempre se realiza com a participacao de parlamentares que re-

presentam e reproduzem os interesses divergentes dos grupos e

comunidades dos cidadaos. E na sua caracterizacao que FAZZA-LARIsublinha 0valor da pr6pria estrutura do processo para a

democracia, 0momenta em que ele comparece nitidamente

como urn instrumento para a garantia da liberdade: "Sitratta,

dunque non di meri procedimenti, bensi di processi. QUi il

processo conferma, semai ve ne sia bisogno, la sua essenza di

struttura priuilegiata per La gestione democratica di attiuita

fondamentali; e dunque, di strumento per la salvaguardia de-

lle libertd'170.

169 Em linha contraria a de FAZZALARI,CAPPELLEITI sustenta a rese de que "ajurisdicao constitucional e uma dentre as grandes manifestacoes da jurisdi-

~ao nao 'contenciosa', law sensu, 'voluntaria'" Cf. MAUROCAPPELLEITI-

o Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Com para-

do, trad. de Aroldo Plinio Goncalves, Revisao de Jose Carlos Barbosa

Moreira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984, pp. 125/126.

170 Cf. FAZZAIARI,op. cit., p. 580. Nao custa repetir, resistir, persistir e insistir

na necessidade da urgente edicao dos C6digos Estaduais de Processo (civil

118

6.4. 0 CONTRADIT6RIO

A ideia do contradit6rio nao e recente. RUDOLFVONJHE-RINGdeixou paginas memoraveis sobre a administracao da justi-

ca, na qual a primeira exigencia era a da "justica no processo".

Para ela, para essa justica interna e intrinseca, a "organizacao" do

processo deveria estar voltada, pois, no processo, era ela a pri-

metra e tambem a iinica exigencia essencial, perante a qual todas

as demais, no processo, seriam secundarias, Essa "justica no

processo" e bern explicitada por VONJHERING, quandofala das

relacoes das partes no processo, que, com 0uiz, terceiro e nao

parte, era, segundo entendia, de "subordinacao [uridica". Mas a

relacao entre as partes deveria ser caracterizada pela igualdade

juridica: "devem combater-se com armas iguais e devem-lhes ser

distribuidas com igualdade a sombra e a luz" .171 0 conceito de

contradit6rio, entretanto, e bern atual, e ainda nao foi totalmenteassimilado, embora seu principio fundamental, "audiatur (...) et

altera pars", "audita altera parte", "audi alteram partem", seja

bastante difundido, e ja esteja presente na Teoria Geral do Direi-

to, com a conotacao bastante aproximada da que lhe seria dada

pelo Direito Processual Civil. Assim, na segunda parte de sua

"Introduction a fa Sciencedu Droit (dividida em Bncyclopediedu Droit, em TbeorieGenerate du Droit e em Introduction a laPhilosophie du Droit)", PIERREPESCATOREfala sobre le carac-

tere contradictoire de la procedure, explicitando 0adagio au-

diatur (...) et altera pars, que significa, conforme diz, que uma

decisao nao pode adquirir a autoridade da coisa julgada para

quem nao participou do debate judiciario, que 0contradit6rio

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e penal), jique esta e a vontade polftica do Constituinte de 1988 (art. 22,

XI) - que cumpre seja rigorosamente respeitada -, voltando em parte, e

isto pouco importa, ao regime da Constituicao de 1891.

171 Cf. RUDOLF VON JHERING - A evolucao do Direito, Salvador: Livraria

Progresso Bditora, 1956 (Nao hi mencao ao tradutor, mas trata-se da obra

cujo titulo original e Zweck im Recht, de 1878), p. 307.'

119

 

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possibilita 0melhor esclarecimento do juiz, e que, entretanto,

significa, sobretudo, a possibilidade que a parte d~ve tel' de se

fazer ouvir: "Ceprincipe doit etre entendu toutefois en ce sens

que toute partie interessee doit auoir fapossibilite de sefaire

entendre" .172

A conotacao citada como uma aproximacao do conceito

atual de contraditorio explica-se, pois ele exige mais do que a

audiencia da parte, mais do que 0direito das partes de ~e

fazerem ouvir. .Hoje.iseu conceito evoluiu para 0de garantia

de participacao das partes, no sentido em que ja ~alava V?N

]HERlNG, em simetrica paridade de armas, no sentido de JUS-

tica interna no processo, de justica no pro~esso, qua~do as

mesmas oportunidades sao distribuidas com igualdade as par-

~. do contraditorio nao e apenas "aparticipacao dos sujeitos 0

processo'', Sujeitos do processo sao 0[uiz, seus auxiliares, 0

Ministerio Publico, quando a lei 0exige, e as partes (autor, reu,

intervenientes). QSQlltradit~<)l:i() a garantia de participacao.cem

simetrica paridade, das partes, daqueles aquem se des~!n~1!!.,?§efeitos da sentenca, daqueles que sao os "interessados", OU~l~!

aqueles sujeitos do processo que suportar~o o~efeitos do provi-mento e da medida jurisdicional que ele vier a impor.

o juiz e sujeito do processo, eo sujeito que tem a ti~ularida-

de nao apenas do ate do provimento final, mas de pro:l~ent~s

emitidos no curso do procedimento, sempre que decisoes sao

proferidas, e de outros tantos atos processu~is qu~ a lei lhe

reserva, na preparacao do ate final, enquanto investido na fun-

c:;aojurisdicional, enquanto ?rgao pelo qual 0~s.tado fala. Sendo

sujeito de atos processuais, e claro que ele parncipa do proc~~so.

A participacao do juiz, na fase de instrucao, que afasta de~mtIva-mente a possibilidade de que ele seja visto como um simples

automato, e posta em relevo por BARBOSA MOREI~" que, com

base em varias disposicoes do Codigo de Processo ClVlIde 1973,

172 Cf. PIERREPESCATORE, op. cit., p. 374.

120

demonstra que ele nao se limita a "uma postura de estatua"173. A

maior participacao dos juizes no processo e urn direito que,

conforme alerta, assiste a propria sociedade, para 0qual 0legis-

lador deve ser sensibilizado e despertado-?".

Contudo, saliente-se, a participacao do juiz nao 0transfor-

rna em um contraditor, ele nao participa "em contraditorio com

as partes", entre ele e as partes nao hi interesse em disputa, ele

nao e urn "interessado", ou urn "contra-interessado" no provi-mento. 0 conrraditorto se passa entre as partes porque importa

no jogo de seus interesses em direcoes contrarias, em divergen-

cia de pretensoes sobre 0futuro provimento que 0iter procedi-

mental prepara, em oposicao. E essa oposicao, essa contrarieda-de de interesses, de que 0provimento seja favoravel a uma e

desfavoravel a outra, que marca a presenca das partes e que tern

a garantia de igual tratamento no processo. 0 contraditorjo. nao

e, por isso, a "mera participacao no processo". Essa era a ideia

originaria do contradttorto, quando a participacao era concebida

como 0auge das garantias processuais. Participacao no processo

tern todos os sujeitos do processo, caso contrarto nao seriam"sujeitos dos atos processuais". Entretanto, a participacao em

contraditorio se desenvolve "entre as partes", porque a disputa se

passa'entre':elas; elassao as,detentoras de interesses que serao

atingidos peloprovimento.

o 'juiz, perante os interesses em jogo, e terceiro, e deve tel'

essa posicao para poder comparecer como sujeito de atos de urn

determinado processo e como autor do provimento. Essa e umagarantia das partes, que se expressa tanto pelo principio do juizo

natural, e nao pos-consttruido, tanto pelas normas que contro-

173 Cf. JOSE CARLOS BARBOSAMOREIRA - "Sobre a 'Participacao do Juiz no

Processo Civil", inParticipacao e Processo, Coordenacao de Ada Pellegrini

Grinover, Candido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe, Sao Paulo: Edito-

ra Revista dos Tribunais, 1988, pp. 380/394.

174 Cf. JOSE CARLOSBARBOSAMOREIRA, "Sabre a 'Participacao: do Juiz noProcesso Civil", inop. cit., p, 390,

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~a~ a ~ompetenCi~ do juiz. Investido dos deveres da jurisdicao, 0

JUtZ nao entra no jogo do dtzer-e-contra-dtzer, nao se faz contra-

ditor. Seus atos passam pelo controle das partes, na medida em

que a lei lhes possibilita insurgir-se contra e1es. Sublinhe-se,

nesse ponto, 0pro fundo sentido do duplo grau de jurisdicao

como garantia de direitos processuais. 0 controle das partes

sobre os atos do juiz e de suma importancia e, nesse aspecto, a

publici dade e a comunicacao, a cientificacao do ato processual a spartes (que e, tambem, garantia processual) e de extrema rele-

vancia, Entretanto, as partes nao se colocam em combate com 0

juiz, nem este em contraditono com as partes. Ele fala sempre

pelo Estado, enquanto investido da funcao jurisdicional, e os

atos dectsorios do processo tern 0selo da imperatividade. As

partes exercem 0seu controle sobre ele, pelo remedio legal

adequado a datureza do ato, mas esse controle se dara sempre

atraves do pedido de pronunciamento do proprio Poder Judicia-

rio, chamado a intervir para a protecao dos direitos processuais,

Quando tal controle se fa z pela impugnacao do ato imperativo, pela

via recursaI, eo mesmo Poder JurisdicionaI, em outro grau, massempre 0mesmo Poder, a quem incumbe a reapreciacao do ato. A

revisao recursal nao importa, como bern demonstra BARBOSAMO-

REIRA,"reforma" ou "confirmacao" da decisao impugnada, mas em

sua substirulcao.V" Na hip6tese de cassacao dadecisao, ou anula-

c;ao,0provimento em grau de recurso implica na dererminacao

para que a substituicao se faca pelo proprio autor doprovimento

viciado, para que nao se suprima grau de julisdic;ao. De qualquer

modo, a revisao nao se fa z POI'outro orgao que nao 0urisdicional,

em qualquer grau de sua manifestacao.

o contraditorio realizado entre as partes nao excIui que 0

JUlZ participe atentamente do processo, mas, ao contrario, 0

exige, porquanto, sendo 0contraditono urn principio juridico, e

175 Cf.J?~ECARLOSBARBOSAMOREIRA- Comentarios ao C6digo de Proces-

so CIVIL,vol. V: art. 476 a 565, 5a ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense1985, pp. 384/389. '

12 2

.\

necessano que 0 JUlZ a ele se atenha, adote as providencias

necessarias para garanti-lo, determine as medidas adequadas

para assegura-lo, para faze-lo observar, para observa-lo, e1emes-

mo.176 Nessa exigencia, convern ressaltar que mesmo as provas

176 Nesse senti do, dispoe 0atual art. 16 do Nouveau Code de Procedure Civile

da Franca: LeJuge doit, en toutes circonstances, faire obseruer et obseroerlui-meme le principe de la contradiction. A nova redacao provocou 0

retorno aos textos de 1971 e 1972, substituindo 0art. 16 do novo C6digo

instituido pelo Decreto nQ75-1123, de 05 de dezembro de 1975: "Le juge

doit en toutes circonstances faire observer leprincipe de la contradiction"e sua alfnea 1'1, que dispensava 0juiz de observar "Ie principe de la

contradiction des debats lorsqu 'il releue d'office uri moyen de pm' droit",

disposicao anuLada pelo Conseil d'Etat, em 12 de outubro de 1979, ap6s

reacao manifestada por varias associacoes de advogados, conforme relatam

JEAN VINCENT e SERGE GUINCHARD - Procedure Civile, uingtierne edi-

tion, Paris: Dalloz, 1981, p. 432. Como expoern EMMANUELBLANCeJEAN

VIATTE,0antigo texto de 1971, que foi revigorado, tinha originariamente

a seguinte redacao: "lejuge doit, en toutes circonstances, fatre observer et

obseruer lui-rneme Ieprincipe de la contradiction. II ne peut fonder sa

decisori sur les rnoyens de droits autres que d'ordre public qu'il a releues

'd'office ou sur les explications complernentaires qu'il a dernandees, sansauoir au prealable inuite les parties a presenter leurs obseruations". Cf

Nouveau Code de Procedure Civile commente dans l'orde des articles,

Paris, Librairie duJOU1'naldes Notaires et des Avocats, 1980, p. 33). Sobre

os Moyens (conceito rnuito amplo que design a nao apenas motivos e

fundarnentos, mas os meios de convencimento em geral que comportam

varias classificacoes, estudadas por JEAN VINCENT e SERGE GUINCHARD,

op. cit., pp. 400/401) e os Moyens d'office, foram copiosos os arestos dos

Tribunais, que culminararn na revogacao da citada alinea: Um tribunal n50

pode levantar de offcio un moyen nao invocado pelas partes e sobre 0qual

uma delas nao haja side chamada a se manifestar; A Corte deve dar vista ,i

parte para que apresente suas alegacoes, desde que levante de offcio u r.

moyen nao invocado; Umjuiz frances nao pode aplicar lei estrangeira pur

ele invocada de offcio, senao ap6s dar vista as partes para que, em contra-

ditorio, se manifestern sobre sua aplicacao e sua interpretacao; Os [ufzesnao pod em reter, mesmo a titulo de inforrnacao, contra uma das partes,

laudos tecnicos que nao tenham side eLaborados em contraditorio com

ela; E vedado aos juizes fundarnentar suas decisoes sobre uma pe<;aprodu-

zida por uma parte, que nao tenha side submetida a discussao contradito-

ria. As ementas, que servirarn de base a citacao, podem ser encontradas no

Nouveau Code de Procedure Ciuile et Code de Procedure Civile, soixante-

treizierne edition, Paris: Dalloz, 1981, nas notas referentes ao art. 16.

12 3

 

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11'-.

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necessarias para a instrucao do processo, determinadas de ofi-

d b d di ,. 177do, devem ser postas no e ate 0contra itono,

Em recente obra, ADA PELLEGRINIGRINOVER faz urn pro-

fundo exame da garantia do contraditorio na Italia, naAlemanha,

nos Estados Unidos da America e no Brasil, salientando, quanta

a parncipacao do juiz, a observancia do contraditorio que alcan-

<;aas provas introduzidas de oficio, eo zelo pela correta garantia

da i 1 '1' - d 178integra un izacao os prazos.A preocupacao com 0rapido andamento do processo, com

a superacao do estigma damorosidade da justica que prejudica

o proprio direito de acesso ao judiciario, porque esse direito e

tambem 0direito a resposta do Estado ao jurisdicionado, e

compartilhada hoje por toda a doutrina do Direito Processual

Civil. As propostas de novas categorias e de novas vias que

abreviem 0momento da decisao sao particularrnente voltadas

177 LOURIVALVILELAVIANA,aprofundando a reflexao sobre a extensao do

contradit6rio, levanta a questao da eventual reLapsia ou inaptidao. do

defensor, no processo penal, e indaga se0uiz deve assistir inerte ao fato.

ConcLui que "no caso de omissao, nao houve contraditorio (que e garantia

assegurada consritucionalmenre), nao se atendeu a defesa plena (que e

tambern imperativo constitucional)".Cf. Defesa Penal, in Revista do Curso

de Direito da Universidade Federal de Uberlandia, voL 14, nQ1, janeiro-de-

zembro, 1985, pp. 33/44, v. especialmente p. 41). Amesma solucao quanta

a inexistencia do contraditorio, no cfvel, aplica-se quando 0uiz omite seu

dever de assegurar as partes 0debate sobre as elementos capazes de influir

no convencimento que sustentara a decisao.. .

178 Cf. ADAPELLEGRINIGRINOVER- Novas Tendencias do Direito Processual

_de acordo com a Constituicao de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universi-

taria, 1990, pp. 17/44. Sobre a necessidade do equilfbrio na fixac:;aodos

prazos para que seja viavel sua utilizacao, podem ser relembradas as

ponderacoes de LUISEULALIODEBUENOVIDIGAL,de que a reducao deprazos nao contribui para abreviar 0j,u~gament~ ~ e apenas causa. ~e

angustia para os advogados. Cf. Comentanos ao Codigo de Processo CIVIL,

2a ed. Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, vol. VI,arts. 485 a 495, p.

223. A questao e tarnbem posta por ALCIDESDE MENDON~A LIMA:"nao

se agrava 0processo por meio de prazos ,longos e nem se beneficiam os .

litigantes com prazos curtos". Cf. Introducao aos Recursos Civeis, 2aed.,

rev. e atual., Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 269.

124

para a economia e a celeridade como predicados esseneiais da

decisao justa, sobretudo quando a natureza dos interesses em

jogo exige que os ritos sejam simpliftcados.V? Contudo, a econo-

mia e a celeridade do processo nao sao incompativeis com as

garantias das partes, 180 e a garantia constitucional do contradito-

rio nao permite que seja ele violado em nome do rapido anda-

mento do processo.l'"

A decisao nao se qualifica como justa apenas pelo criterioda rapidez, e se a justica nao se apresentar no processo nao

podera se apresentar, tambern, na sentenca:: -~~

o juiz, sendo terceiro em relacao aos efeitos do provimen-

to, nao e urn "terceiro no processo", no desenvolvimento do

procedimentorealizado em contraditorio para preparar 0provi-

mento, como nao 0e em relacao ao proprio ato final do provi-

mento. Nao e urn estranho no desenvolvimento do iter proces-

sual, pois dele nao pode estar ausente, em relacao a ele nao pode

ser alheio, e necessario que esteja presente, atuante nos atos

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179 Cf. cANDIDO R. DINAMARCO - Manual das Pequenas Causas, Sao Paulo:

Ed. Revista dos Tribunais, 1986, pp. 3/8.

180 Cf. KAZUOWATANABE.. (et al.) -Juizado Especial de Pequenas Causas,

Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985.

181 A tendencia para a celeridade e caractetistica da epoc~. Lernbre-se, a

prop6sito, 0instituro do "processo de adesao'' que permite 0pedido de

reparacao civil no proprio processo criminal a que 0esado e facultado a

aderir e que foi objeto de recente Simp6sio realizado em Sarre na Alema-

nha, conforme divulgado por JOAO BAPTISTAVILLELAna ~esenha da

publicacao. "Will, Michael R. (H1·Sg.). Scbadensersatx irn. Strafuerfabren:

Recbtsuergleicbendes Symposium zum Adbasionsprozess. Kebl am Rhein:

Engel, 1990". "In Sfntese, Nova Fase, nQ52, vol. XVIIIjaneiro-marco, 1991,

pp. 109/112. No Direito brasileiro as inovacoes certamente virao com aaplicacao do art. 98, item I da Constituicao da Republica de 1988, pela

criacao dos juizados especiais para a conciliacao, ° julgamcnto e a execu-

c:;aode causas civeis de menor complexidade e infracocs pcnais de menor

potencial ofensivo, mediante procediinenro oral e sumarissimo. Agrande

aber~ura para a celeridade, enrretanro, esta na competencia concorrente,

prevrsta no art. 24, XI, da Constituicao de 1988, que pcrmitira novas

construcoes e ja constitui um desafio a criatividade dos juristas.

125

 

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judiciais que visem a assegurar 0desenvolvimento correto e

pleno do principio do contradit6rio. Faze-Io observar significara

cumprir 0dever da jurisdicao, para assegurar que 0contradito-

rio nao seja negligenciado, violado, que a participacao das partes

em simetrica paridade seja eficazmente garantida 182. Observa-lo,

eIe mesmo, significara que 0juiz se submete a s normas do

processo peIas quais os atos das partes sao garantidos, que 0uiz

nao pode se recusar ao cumprimento da norma que instituiu 0

direito de igual participacao das partes, em simetrica paridade.

A necessidade da observancia do contradit6rio tambem na

execucao forcada e ressaltada por SERGIO LA CHINA, que se

preocupa em apontar as normas do Direito italiano e examinar

os principios que visam a impedir a emanacao do provimento

inaudita altera parte.'fo principio do contradit6rio, tecnicamente considerado,

segundo expoe, se articula em dois tempos essenciais: informa-

zione, reazione, a prime ira, sempre necessaria, e a segunda,

sendo eventual, devendo ser necessariamente garantida na pos-

sibilidade de sua manifesracao. 183

o juiz tern 0dever de informar e de garantir que a inform a-

~ao seja dada, para que a parte, querendo,possa intervir. E

quando se diz querendo, pretende-se realcar que a parte jamais

poderia ser obrigada a vir praticar os atos processuais que lhe

sao destinados, podendo optar pOl'suportar os eventuais onus

de sua omissao. Nao se pode perder de vista que 0contraditorio

e a garantia, a possibilidade assegurada da participacao das par-

tes em simetrica paridade, e uma garantia, considerada do angu-

10 do Estado, e urn dever, mas do angulo do jurisdicionado

182 Cf. JOSE CARLOS BARBOSA MOREIRA - A garantia do contradit6ri o na

atividade de instrucao - in Temas de Direiro Processual: tercei ra ser ie , Sao

Paulo: Sara iva , 1984, pp. 65/77 .

183 Cf . SERGIO LACHINA, L'Esecuzione Forzata e Le Disposizioni Generali

del Codice di Procedura Civile, Milano: Dott. 'A Giuffre Editore, 1970, pp.

391/402, v. especialmente p, 394.

126

i

,jamais pode ser identificada a uma coacao, porque sempre sera

protecao assegurada peIo Direito.

A ideia da participacao, como elemento integrante do con-

tradit6rio, ja era antiga. Mas0conceito de contradit6rio desen-

volveu-se em uma dimensao mais arnpla.ja nao e a mera partici-

pacao, ou mesmo a participacao efetiva das partes no processo.

6 contradit6rio e a garantia da participacao das partes, em sime-

trica igualdade, no processo, e e garantia das partes porque 0

jogo da contradicao e delas, os interesses divergentes sao delas,

sao elas os "interessados e os contra-interessados" na expressao

de FAZZALAR ( enquanto, dentre todos os sujeitos do processo,

sao os iinicos destinatarios do provimento final, sao os iinicos

sujeitos do processo que terao os efeitos do provimento atingin-

do a universalidade de seus direitos, ou seja, interferindo impe-

rativamente em seu patrimonio.

o contradit6rio nao e 0"dizer" e 0"contradizer" sobre

materia controvertida, nao e a discussao que se trava no proces-

so sobre a relacao de direito material, nao e a polernica que se

desenvolve em torno dos interesses divergentes sobre 0conteii-

do do ato final. Essa sera a sua materia, 0seu conteiido possivel.

2contradit6rio e a igualdade de oportunidade no proces-

so, e a i ual oportunidade de igual tratamento, que se funda n<l:._

liberdade de todos pemnte a ei. '

E essa igualdade de oportunidade que comp6e a essencia

do contradit6rio e~uanto garantia de simetrica parfdade rte_participa~ao nO_.p!"2ces~o."·~--·--------""-"'-'" .. --'"

A s varias especiesde processo nao se regem pOl' norrnas,

que preveern atos e posicoes subjetivas, iguais "em conteiido e

mimero", como diz FAZZALARl , normas qualitativa e quantitati-

vamente iguais. Ha processos mais extensos e process os mais

sumarios. M~~9 contradit6rio sera serru?-re_Q.J!).§sf!l..2,nquanto

igualdade d_<:,_~pc:?!SU!!.isl~~esL2.':!_g~nti~.9.5!articipa9iQ'simetrI-~!~}iu~_l: 184 ~--,------- ....

184 Cf. FAZZALARI, op. cit" p. 85.

127

 

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Aessencia do contraditorio, que e a igualdade simetrica de

oportunidade dos participantes que sofrerao os efeitos do ate

final, do provimento, a igualdade de oportunidade de "dizer e

contradizer", nao se confunde com 0seu objeto, que se constitui .

das questoes que se suscitam sobre os atos processuais. E essas

questoes devem ser distinguidas da quaestio, no especifico sen-

tide de res dubia, que nem sempre se torna questao controversa.

o objeto do contraditorio, como elucida FAZZALARI,econstituido das questoes relativas aos atos processuais que com-

poem a propria atividade processuaL Sabre a admissibilidade

desses atos, no sentido de que sejam licitos ou devidos, vale

dizer, de que os sujeitos do processo tenham a faculdade, 0

poder ou 0 dever de pratica-Ios, se tais atos sao pertinentes OU

uteis, formam-se as questoes. Sao questoes que incidem sobre os

atos dos sujeitos do processo.

A quaestio,185 no sentido proprio de quesito, de res du-

bia,186nao se identifica com as questoes objeto do contraditorio,

porque 0seu conteudo incide sobre os requisitos legais do

proprio ato, e nao sobre a admissibilidade do ato (no sentidoexpos to , de que 0referido ato constitui uma faculdade, urn

poder ou urn dever do sujeito do processo), ou sobre sua opor-

tunidade.

Aquaestio, no sentido de res dubia, pode ou nao compare-

cer no processo como objeto do contraditorio, pois nem sempre

o contraditorio se fixa sobre ela.

A sua solucao pode resultar do exame dos requisitos legais

do ate pelo proprio sujeito que dele seja titular, que faz0previo

contra le dos pressupostos legais de sua existencia e subsistencia

jurfdica. E, uma vez resolvida, pode ocorrer que a quaestio

sequel' seja suscitada no processo, Pode ocorrer, ainda, que elaseja levantada e que seja resolvida sem divergencias. Mas, pode

185 Cf. AROLDO PLINIO GON~VES -A Presc ricao no Proce sso do Traba lho,

Belo Hor izon te : L iv raria Del Rey Ltda, 1987, 2<1ed. , p . 55.

186 Cf. FAZZALARI, op. cit., p. 86.

128

ocorrer a t~rc~ira hipotese, que ea da solucao disputada, que e a

da controversla sobre a solU(;;aojuridicamente correta para resol-

ver a res dubia. Nesse caso, em razao da disputa, da controversia

. a q~aestio passa a ser questao controvertida, e, nesse caso, sobre

ela instala-se 0contraditorio, como 0"dizer e contradizer". FAZ-

~ _~dye:te sobre a sinonfmia impropna que se estabelece

etlt~~ que~ta~ e questao controvertida", porque a questao, no

sentl~o proprio de res dubia, nao e necessariamente controver-tida. E a manifestacao do contraditorlo em torno de1a que faz

.com que 0usa das duas expressoes questao ~questao con trover-

sa seja, com certa frequencla, indiferenciado, e como a questao

conrrovertlda e a mais frequente nos processos que concreta-

mente se,~esenv~!v~m, a ideia de contradtrorto surge impregna-

da do sentido de dizer e contradizer".187

6.5. CONDlr;OES E RESULTADOS DA CARAClERlZAr;.AO DO

CONlRADIT6RlO

o corttradrtorjo, como garantia de participacao paritana

em simetrica igualdade, das pessoas a que sedestina 0provimen-

to, no processo, supoe, naturalmente, mais de urn sujeito na

fuse preparatoria do ate final. '

A doutrina, utilizando os conceitos tradicionais, 'tern tide difi-

culda~es para caracterizar a natureza do processo penal, Ievantan-

do ate mesmo quest6es paradoxais, como as pastas pol' CARNE-

~U!f1.' _de,que nao e ele urn processo "de partes" e de que a

iurtsdtcao e una potestad que pertenece atjuez y no at Estado. 188

Essa dificuldade desaparece com 0conceito atual do con-

traditorio. No processo penal, os interessados no ato final sao0

187 Cf. FAZZALAIU, op. cit, pp. 85/86.

188 Cf. CARNELUTTI -.r:e1·ech~~rocesal C:i~ily Penal, Trad. de Santiago Sen tisMeleno , Buenos Aires: EdtclOnesju1'ldtcas Eumpa-Ame,ica 1971 01 I70 e vol. II p. 63. ' ,v. ,p.

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acusado e0Estado, que atua como parte, atraves do Ministerio

Publico. Entre eles 0contraditorio se desenvolve. As questoes

suscitadas em torno do argumento de que 0Estado e tambern 0

autor do ato final resolvem-se pela essencia do contraditorio,

Essa essencia exige, como diz FAZZALARI,ue do processo pam-

cipem pelo menos dois sujeitos, urn interessado e outro contra-

interessado, urn dos quais recebera os efeitos favoraveis e 0

outro os efeitos desfavoraveis do ato final. 0 autor do ato final

pode ser urn dos contraditores, mas 0que 0distingue, como

autor do ato e como contraditor, e a sua posicao, nessa qualida-

de, de simetrica paridade em relacao ao outro, ou aos outros

contraditores.l''? A dupla atividade do Estado, como parte, atra-

yes do Ministerio Publico e como poder, que atua pelo orgao

jurisdicional, nao prejudica 0processo se nele ha a garantia do

conrradirorte, e e exatamente a presenca do contraditorio, no

processo penal, que necessariamente 0caracteriza como proces-

so, que faz dele urn procedimento realizado em contraditorio

entre as partes.

Outro tema que se poe a reflexao, a luz do conceito do

contraditorio, e 0da caracterizacao do processo de execucao.

FAZZALARIaz ressalvas quanto a ele, porque.nele nao vislumbra

o contraditorio. Entretanto, mesmo considerando-o como urn

procedimento sem contraditorio, entende que sua estrutura le-

gal e disposta para cornportar urn verdadeiro processo.P?

No ordenamento juridico brasileiro, nao pode subsistir dii-

vida de que 0processo de execucao e processo, em' toda a

extensao desse termo, e nao porque haja nele manifestacao do

poder jurisdicional. 0 poder jurisdicional se manifesta em "juris-

dicao contenciosa" e em "jurisdicao voluntaria". 0 que torna 0

processo de execucao urn verdadeiro processo e a presenca do

contraditorio, e este emerge de varias questoes que incidem

189 Cf. FAZZALARI,op. cit ., pp. 83/84.

190 Cf. FAZZALARI,op. cit ., p. 98.

130

sobre a faculdade, 0poder ou 0dever de praticar urn ato, sua

oportunidade e utilidade no processo. Surge, igualmente, a res

dubia sobre a subsistencia de atos que, nao raro, transformam-se

em questao controvertida.

CANDIDO R. DINAMARCOdemonstra, em outros termos, a

presen~a da controversia e do contraditorio na execucao, quan-

do, conforme diz: "0 juiz e seguidamente chamado, na realidade,

a proferir juizos de valor no processo de execucao, seja acerca

dos pressupostos processuais, condicoes da acao ou dos pres-

supostos espedficos dos diversos atos levados ou a levarafei-

to. "191 Em sua exposicao, fornece varios exemplos em queques-

toes sao resolvidas, e ressalta que a preparacao do ato final da

execucao e feita com a garantia do contraditorio.

i',". 0 processo e0procedimento que se desenvolve em contra-

ditorio entre os interessados, na fase de preparacao do ato final

e entre 0ato inicial do procedimento de execucao ate0ato final,

aquele provimento pelo qual ela e julgada extinta, esta presente

o contraditorio, como possibilidade de participacao simetrica-

mente igual dos destinatarios do ato de carater imperativo que

esgota 0procedimento. E claro que 0provimento, no processode conhecimento, tern conteudo distinto do ato final da execu-

~ao e e mesmo pressuposto substancial desta. Mas e tambern

claro que 0ato final da execucao se caracteriza como provimen-

to, porque incide imperativamente sobre a situacao juridica das

partes, produzindo tambern efeitos sobre 0seu uniuersurn ius.

Como procedimento realizado em contraditorio, 0proces-

so caracteriza-se pOI'ser uma atividade cuja estrutura normativa

(organizada pOI'uma forma especial de conexao das normas e

dos atos por elas disciplinados) exige que; na fase que precede 0

provimento, 0ato final de carater imperativo, seja garantida a

participacao daqueles que sao OSdestinatarios de seus efeitos,

em contraditorio, ou seja, em simetrica igualdade de oportuni-

191 Cf. CANDIDOR. DINAMARCO - Execucao Civil, Zil ed., rev. e ampl . - Sao

Paulo: Editora Revi sta dos Tribunals, 1987, p. 107.

131

 

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dades, e, pelo "dizer e contradizer", que resulta da controversia

sobre os atos, seja-Ihes assegurado 0exercicio do mesmo contro-

Ie sobre a atividade processual.

A caracterizacao do processo como procedimento realizado

em conrraditorio 'entre as partes nao e compativel com 0concei-

to de processo como relacao juridica.192 Ressaltou-se, neste capi-

tulo, 0quanto foi possivel, a ideia de contradirorio como direito

de participacao, 0conceito renovado de contraditorio comogarantia de parricipacao em simetrica paridade, 0contradit6rio

como oportwiidade departicipacdo, como direito, hoje revesti-

do da especial protecao constitucional. 0 conceito de relacao

juridica e 0de vinculo de exigibilidade, de subordinacao, de

supra e Infra-ordenacao, de sujeicao. Uma garantia nao e umaImposicao, e uma liberdade protegida, nao pode ser coativamen-

te oferecida e nao se identifica como instrumentc de sujeicao,

Garantia e liberdade assegurada. Se0contraditorio e 3arantia desimetrica igualdade de parttcipacao no processo, como concilia-

10 com a categoria da relacao juridica? Os conceitos de garantia e

de vinculo de sujeicao vern de esquemas te6ricos distintos. 0processo como relacao juridica e como procedimento realizado

em contraditorio entre as partes nao se encontram no mesmo

quadro, e nao hi ponto de Identificacao entre eles que permita

sua unificacao conceitual.

192 Em sentido contrario v.CANDIDOR. DINAMARCO-Execucao Civil, 2!!ed.,

rev. e ampl. - Sao Paulo: Edirora Revista dos Tribunais, 1987, pp. 96/103.

Fundamentos do Processo Civil Moderno, 2a ed, - Sao Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1987, pp. 64/72.

132

C APIT UL O VII

A REVISAo DO CONCEITO DE A < ; A o

7.l.A A9AO: RESPOSTA DA CIENCIA AO PROBLEMADE

UMAEPOCA

o trabalho de invesrigacao cientifica deve sempre relembrarque as teorias nao se constroem no vazio. Elas aparecem sempre

para dar, ou pelo menos para buscar, respostas adequadas aos

problemas de cada epoca.

Nao foi por acaso que a polernica sabre a natureza juridica

do direito de acao partiria da Alemanha, e dali se desenvolveria

para dar inicio a construcao da ciencia do Direito Processual

Civil, que tern uma data especial - 003 de fevereiro de 1903, urn

local especial - a Faculdade de Diretto de Bolonha, urn nome

especial - GIUSEPPE CHIOVENDA, e, tambem, um documento

especial: 0texto da conferencia intitulada L'azione net sistema

dei diritti.A polemica entre .WINDSCHEID e MUTHERrepresentou a

contraposicao de duas posruras te6ricas, que a Alemanha pan-

dectista, na epoca, comportava. 0 movimento pandectista revi-

gorava e atualizava 0Direito Romano, com base no ultimo Direi-

to das Pandectas de]ustiniano, e deixou ilustres nomes na histo-

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ria que precedeu a codificacao do Direito alemao. PUCHTA,

BRlNZ, ERNSTBEKKER,REGELSBERGER,ARNDTS;DERNBURG,

nomes a que se deveu sua sisternatizacao, GERBER e LABAND,e

nomes que ficararn definitivamente inscritos nos temas gerais da

Ciencia do Direito, urn precursor; VON SAVIGNY,0grande divul-

gador BERNARDWINDSCHEID e urn transformador, RUDOLF

VON]HERlNG193,

No Direito Romano, a partir do seculo II a.C. antigas legis

actiones, reservadas a tutela do direito subjetivo, sao substitui-

das pelo processo formulario, 0processo per formulas, em que

urn docurnento escrito "fixa0pontoIitigioso" e "se outorga ao

juiz popular poder para condenar ou absolver 0reu, conforme

fique, ou nao, provada a pretensao do autor,,194, Ao lado do

processo formulario, 0Direito Romano conheceu 0processo

extraordinarid, extra ordinem, a principle reservado para ques-

toes administrativas e policiais, mas estendido a s questoes civis,

e, a partir do seculo III da era crista, ja utilizado amplamente em

substituicao ao processo forrnulario, pela sua celeridade e pela

sua simplificacao=".NaAlemanha, adotavam-se duas terminologias para a tutela,

dos direitos subjetivos, a actio (que rernemorava 0direito de 0

193 Cf FRANZWIEACKER- "Storia del Diritto Priuato Moderno con particola-

re riguardo alia Germania", volume secondo, Traduxione iraliana di

Umberto Santarelli (§§ 1-19, torno I) e Sandre -A Fusco (§20 -fine, tomo

II) Milano: Giuffre Editore, pp. 123/162. Recorde-se que WINDSCHEID foi

mernbro da primeira comissao preparatoria do BGB, de 1880 a 1883.

Embora sua principal obra seja a Pandecta, de 1862, com a ultima edicao

por ele revisada de 1891, sua obra "Aacao do direito romano do ponto de

vista do direito civil", (L'actio del diritto romano dat punto di vista del

diritto Civile, na traducao italiana da obra de WIEACKER) de 1856, econsiderada como0marco da fundacao cientffica do moderno conceito de

direito subjetivo. Cf.WIEACKER,op. cit., p.145.

194 Cf.JOSE CARLOSMOREIRAALYES - Direito Romano, vol I, 4a ed. , Rio de

Janeiro: Forense, 1978, pp. 282/283, v. rambern para 0processo formula-

rio, pp. 261/327.

195 Cf.JOSE CARLOSMOREIRAALYES,op. cit., pp. 329/350.

134

particular pedir ao magistrado a formula :~ que a pr~teo:;ao

estava condensada, e esse direito ao formulano era a actw) e a

Klage, ou Klagerecht - o direito de demanda, de querela, ~e

queixa. Aactio, que WINDSCHEID quis substituir P?r pretens~o

(Anspruch) significava 0direito de se exigir de ~lguem uma. a<;,ao

ou uma omissao. AKlage nao era essa.pretensao, mas 0direito

de ter a tutela jurisdicional do Estado, assim, a actio era dirigida

d 196

contra0

obrigado, e aKlage, contra0

Esta0 .

Compreende-se por que a discussao doutrinaria durou t~n-

to tempo, pois, embora diferentes, as bases das d~as conc~p<;oes

fundavam-se em urn direito que os juristas alemaes atuahzavam

para fins praticos e que encontrou aplicacao ate 1900, quando se

completou a elaboracao do BGB, para 0~ual ~NI?SCHEID

contribuiu oficialmente, integrando a primeira comissao que se

dedicara ao projeto.

Urn segundo ponte que deve ser ressal,tado e 0de que ?Direito Processual Civil nao se desenvolveu a margem dos pro-

prios sistemas [uridicos positivos, e sim como .pa.rte deles, _e,por

isso, quando se compara, por exemplo, 0direito de acao, no

Brasil, de 1891 a 1934, de 1934 a 1937, de 1937 a 1946, de 1946

a 1967, de 1967 a 1969, de 1969 a 1988 e 0direito de acao no

Brasil a partir de 05 de outubro de 1988, e claro que haveria. . I 197A T ddiferen<;a sobre 0que podena ser dito sobre e e . ana ise e

196 cr GIUSEPPE CHIOYENDA - Saggi di Diritto PI"Ocessuale.~ivile.p900~

1930) Nuoua Edizione Considerevolmente Aumentata dei 'S~ggt e dei

'Nuoui Saggi', volume primo, Roma: Societa Editrice -Foro ~taltan~, ~930,

pp. 3/99. Parauma conexao entre 0plano hist6rico e a teorra do Direito v.

WILSON DE SOUZACAMPOS BATALHA,Introducao ao Direito (Filosofia,

Hist6ria e Ciencia do Direito), vol. II, Sao Pa';llo: Editora Revista dos

Tribunais, 1968, pp. 902/903; ENRIQUE AFfALION, FERNANDO ?"ARCIA

OlANO e JOSE VIlANOVA t- Introducci6n al Derecho, Buenos Aires: LaLey, 1967, 8il.ed., pp.759!762 .

1970"direito de acao" foi incluido entre os direitos constitucionalmente

garantidos, no Brasil, na Constituicao de 18 de setembro d~ ~?~6, art. 141,

§ 4Q.:"ALei nao podera excluir da apreciacao do Poder Jt_Idlclan~ qualquer

lesao de direito individual". Nesses mesmos termos, foi acolhido no art.

150, §4~da Constituicao de 24 de janeiro de 1967. Na Emenda Constitu-

135

 

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doutrinas historicas deve comportar, portanto, a relatividade

historica, caso contrario corre-se 0isco de se ser absolutamente

impertinente nas possiveis conclusoes que delas se tente extrair,

com a certeza de se ser extremamente injusto com os grandes

passos dados na obra comum de construcao do conhecimento.

As teorias sobre 0direito de ac,;aofizeram dela 0centro de

interesse do Direito Processual Civil. Talvez seja 0tema mais

discutido nesse ramo do Direito, e, com apoio em CELSOBARBI,pode-se afirmar que "0conceito de acao talvez seja 0 mais pole-

mico entre todos os do DireitoProcessual'P".

A importancia historica que 0conceito de acao teve no

desenvolvimento da Investigacao e da construcao cientifica do

Direito Processual Civil certamente justificou esse lmensuravel

interesse por ele, 0 lugar ocupado pelo direito de acao, conside-

cional nQ 1 de 17 de outubro de 1969, a redacao sofreu alteracoes, no art.

153, § 4Q: "A lei nao podera excluir da apreciacao do Poder judiciario

qualquer lesao de direito individual. 0ingresso em jufzo podera ser

condicionado a que se exauram previamente as vias adrninistrativas, desde

que nao exigida garantia de insrancia, nem ultra pass ado 0prazo de cento

e oitenta dias para a decisao sobre 0pedido". Na Constituicao 05 de

outubro de 1988, foi expresso em f6rmula lapidar, de extrema felicidade;

an. 5Q, item XXXV:"Alei nao excluira da apreciacao do Poder judiciario

lesao ou arneaca a direiro'', Nas Constituicoes anteriores, nao ha dispositivo

analogo, nas declaracoes de direitos. A de 1937, no art. 122, item 7, inclui

entre os direitos e garantias individuais, em f6rmula generica, "0direito de

representacao ou peticao perante as autoridades, em defesa de direitos ou

do interesse geral". A Constituicao de 1934 preve, no art. 113, item 10, da

declaracao de direitos, 0direito de representacao garantido "aquem quer

que seja". A Constituicao de 1891, nos direitos declarados no art. 72, nao

contern disposicao analoga. A Constituicao de 1824, no art. 179, item XXX,

dispoe sobre 0direito de representacao e peticao, perante 0Poder Legisla-

tivo e Executivo, e embora contenha disposicoes da maior atualidade sobre

o Poder judiciario (art. 179, XII) nao se refere ao direito de a~ao em geral.Ha, sim, nessas Constituicoes, as garantias criminais, que, alias, juntamente

com os direitos politicos e as liberdades individuals, foram as primeiras

que compareceram nas Declaracoes de Direito que tiveram repercussao

universal (a mais importante delas, historicamente, a de 1789, na Franca).

198 Cf. CELSOAGRiCOlA BARBI'Comentarios ao C6digo de Processo Civil,Lei nQ5.869, de 11de janeiro de 1973, vol. I,Riode janeiro: Forense, 1991, p.16.

136

rado, ao lado da jurisdicao e do processo, como elemento funda-

mental na estrutura cientifica do Direito Processual Civil199, e,

ainda, tao destacado como 0foi (embora nao se tenha certeza de

que 0verbo possa set usado corretamente no passado) 0do

direito subjetivo, no Direito Civil.

As teorias sobre 0direito de acao, construidas sobre 0

conceito de relacao juridica, nao podiam deixar de vislumbra-Io

como urn direito subjetivo. E sobre a especie de direito subjetivoque seria, no amplo quadro da classificacao que cresceu a medi-da que 0emase desenvolvia, formularam-se as propostas dou-

trinarias. A partir da polemica entre WINDSCHEID e MUTHER,

com seus desdobramentos, surgia a concepcao de acao como urn

direito subjetivo publico oponivel ao Estado, que assumia 0

dever, no polo passivo de uma relacao juridica, de prestar a

tutela juridica, e a conquista da nocao de "prestacao" jurisdicio-

nal se fez basica em varios conceitos, que encerram variacoes

sobre 0direito concreto ou abstrato correlato dessa "prestacao''.

CHIOVENDA sempre merecera destaque especial na historia do

Direito Processual Civil; com ele, firmou-se a concepcao do direi-to de acao como direito subjetivo de natureza potestativa e do

processo como relacao juridica e como instrumento de atuacao

da lei200.

A importancia que CHIOVENDA teve no desenvolvimento~

do Direito Processual Civil pode-se comparar aimportancia que

teve ENRICO TULLIOLIEBMAN,no desenvolvimento do Direito

Processual Civil no Brasil. 0 realce que lhe e devido nao se liga

apenas a seu magisrerio na Universidade de Sao Paulo, que seus

discipulos lembram com justo orgulho e especial veneracao+"

199 Cf. ]. RAMIRO PODETII - Teoria e Tecnica del Processo civil Y TrilogiaEstructural de fa Ciencia del Processo Civil, Buenos Aires: EDIAR - Soc.

Anon. Bditores, 1963, pp. 335/415.

200 Cf. CHIOVENDA. Saggi di Diritto Processuale Civile, op. cit., pp. 18126,

2271238.

201 Cf. ENRICO TULLIO LIEBMAN,Manual de Direito Processual Civil, I, Tra-

ducao e notas de cANDIDO R. DINAMARCO, Rio de Janeiro: Forense,

137

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pela figura do Mestre, mediante 0 qual influenciou profunda-

mente a formacao de brilhantes processualistas, mas tambern a spossiveis ~arcas ~e.varias de suas teses no proprio Direito posi-

tivo, atraves do Codigo de Processo CivilBrasileiro de 1973, que

traz a chancela do Congresso Nacional, sob a exposicao de moti-

vos de urn de seus discipulos, 0 Ministro da ]ustic;a ALFREDOBUZAID.

~IEBMAN distingue 0 "poder de agir em juizo", "garantiaconstltucionalmente instituida", "reflexo exparte subiecti da ins-

tituicao dos tribunals pelo Bstado", do direito de acao, "direito

sU~jeti~o sobre 0 qual esta construfdo todo 0 sistema do proces-

so , dehneado no art. 24 da Constituicao italiana, e caracterizado

na norma infra-constitucional. Do art. 24 da Constituicao italia-

na, extrai a "legitimacao para agir", referindo-o a atribuicao da

tutela. dos proprios direiros e interesses legitimos, e 0 "interessede agir'' "C" d d "

1. omo , segun 0 iz, 0 direito de agir e concedidopa:a a tutela de urn direiro ou interesse Iegftimo, e claro que

existe ~p~nas quando ha necessidade dessa tutela, ou seja, quan-

do0

direito ou 0 interesse legitirno nao foi satisfeito como eradevido, ou quando foi contestado, reduzido a incerteza ou grave-~ente ameac;ad0

202. Nos termos do an. 24 da Constituicao (ita-

Iianaj, dentre os que podem propor uma demanda encontram-se

os "que sao titulares de urn verdadeiro direito que, com referen-

cia a uma situacao determinada e concreta, visam a obter urn

1984, v, "~alavras do Tra~u,tor", v : C~DIDO R. DINAMARCO: "AFormacao

d.o Modemo Processo CIVILBrasileiro (Uma Homenagem a Enrico Tullio

Liebman)", conferencin proferida quando LIEBMAN recebeu a Comenda

d~ Orde~ do Cruzeiro do Sul inFundarnentos do Processo Civil Modemo

2- ed, Sao Paulo: Editora Revista do Tribunals, 1987, pp,1/11, V, ainda A D APEL~EGRINI GRINOVER - "0 Magisterlo de Enrico Tullio Liebman no

Bl;1SI1",publi~:do original.mente na Ril:ista di diritto processuale, 1986,

v.: ' _por ocasiao do talecimenro de Liebman, in Novas Tendencias do

Direito Processual, Rio de Janeiro: Forense Universitaria 1990 pp439/442, ' , .

202 Cf. LIEBMAN, op. cit., p.1S0,

138

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pronunciamento sobre essa demanda, para que ela seja julgada

procedente ou improcedente, sendo com isso negada ou conce-

dida a tutela pedida. Esse direito e precisamente a acao, que tern

por garantia constitucional 0 generico poder de agir, mas em si

mesma nada tern de generico: ao contrario "guarda relacao com

uma situacao concreta, decorrente de uma alegada lesao a direi-. 1 '. d . 1 ( )203"to ou tnteresse egltlmo 0 seu tttu ar ... .

A existencia da acao, em LIEBMAN, tern como requisitos

duas condicoes 0 interesse de agir e a Iegitimacao, e esses

requisitos de existencia sao dados na norma processuale?". '

.0 fato de que LIEBMANhaja admitido que 0 pf,0vimento

pode nao ser favoravel a pretensao do autor nao e significativo,pois lesao e arneaca a direitos se provam no processo, e O. con-

teudo da decisao final depende, e muito, do que esta nos autos.

Entre a alegacao de uma lesao de direito substancial e0conteu-

do de uma sentenca ha uma relacao inegavel, mas entre des ha,

tambern, inegavelmente, todo urn desdobrar de atos processuais

que preparam as condicoes do advento da sentenca, e tambern as

condicoes materiais para a formacao de seu conteiido.Significativa, na verdade, e a cisao feita pOl' LIEBMANentre

"0direito de agir em juizo" e "0direito de acao" delineado no art.

24 da Constiruicao italiana, tendo sua existencia caracterizada na

norma infra-constitucional em relacao a situacao juridica concre-

ta: a acao separada 90 poder de agir, 0 corte entre 0 gene rico

poder de agir como garantia constitucional eo direito de acao, a

"acao como direito ao processo e ao julgamento do mel"ito"205.

o art. 24 da Constituicao italiana, que reserva 0 direito de

agir em juizo para a "tutela dos proprios direitos e interesses

legitimos"206 nao teve paralelo fiel nas Constituicoes brasileiras.

203 Cf. LIEBMAN, op, cit., pp.150/151.

204 cr . LIEBMAN, op. cit., pp.1S3/159.

205 Cf. LIEBMAN, op. cir., p.1S1.

206 Cf. LIEBMAN, op. cit., p,150.

139

 

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Ressalte-se que, embora nao haja interesse em se acompa-

nhar a evolucao constitucional do direito de acao, mesmo por-

que isso exigiria urn longo desvio do tema central desse trabalho,

nao se pode deixar de por em evidencia a prernissa de que partia

LIEBMAN,por ele proprio explicitada, quando separou 0"poder

de agir em juizo" eo "direito de a~ao", no plano constitucional e

no do direito infra-constitucional nele alicercado.

As dificuldades dessa construcao, que em LIEBMANse vin-

culam ao problema das doutrinas erigidas sobre a acao, sao

tambem enfrentadas por~FAZZALARI,que adota urn esquema

conceitual distinto, em que repudia 0processo como relacao

juridica e reelabora 0conceito de "direito de acao", E chega a

etas, precisamente, quando, discorrendo sobre as medidas juris-

dicionais e 0provimento, adverte que nem todo processo juris-

dicional se desenvolve por inteiro, e seu primeiro exemplo e0da

hipotese em que hi recusa do provtmentoe?". 0 tema fica ainda

mais claro quando, examinando os pressupostos processuais,

FAZZALARIdemonstra que "nei processi di cognizione, il giudi-

ce, prima de emettere, e per emettere, il comando in che la

sentenza consiste, accerta, in epilogo del processo, la sus-

sistenza del dovere, del diritto, della lesione; si di contro, gliene

risulti la insussistenza, egli non potra emettere la sentenza e

doura rigettare la domanda'V":

A assertiva de FAZZALARIe compreensive1, assim como era

a de LIEBMAN, diante do art. 24 da Constituicao Italiana, de

1947:

"Tutti possono agire in giudizio per la tutela

dei propri diritti e interessi legittimi.

La difesa e diritto inviolabile in ogni stato e

grado del procedimento.

207 Cf. FAZZALARI,op. cit ., p. 99.

208 Cf. FAZZALARI,op. cit ., p. 259.

140

Sono assicurati ai non abbienti, con appositi

istituti, i mezzi per agire e difendersi davanti ad

ogni giurisdizione.

La legge determina le condizioni e i modi per la

riparazione degli errori giudiziari,,209.

Hi sensivel diferenca entre 0exto daConstituicao italiana eo

texto da Constituicao brasileira. POl'este, e logicamente possivel

afirmar-se que 0ato final do processo que seja uma decisao desfa-

voravel ao autor-recusa oprovimento do pedido formulado sobre

o direito substancial, mas nao 0pedido da apreciacao da lesao ou

ameaca a direito. Mesmo ocorrendo a hip6tese em que nao fique

acertada a existencia do ilicito, se nao ha causa que impeca 0

julgamento do merito, a sentenca desfavoravel e emitida eo proces-

so, no sistema brasileiro, tera se realizado por inteiro.

Quando se sentem as insuficiencias das doutrinas sobre 0

direito de acao, talvez se esteja sentindo tambem a insuficiencia

da apreensao da ordem juridica vigente no contexto em que

foram formuladas. Nao foi gratuitamente que os autores alemaes

puderam fazer oposicao a WINDSCHEID, mas, ao contrario, ti-

nham eles todo 0suporte do Klagerecbt,

CELSO BARBIanota sobre 0direito de acao que "nenhuma

das teorias ate hoje construidas esta isenta de criticas ir-. di ,,210 A fi - d . , _1.respon iveis . con rrnacao a assertrva esta na quase gene-

ralidade das obras de Processo Civil.

Nao se pretende repassar essas criricas, mas em relacao ao

Codigo de Processo Civil brasileiro, de 1973, pelo menos duas

consideracoes devem ser feitas, em torno da concepcao do direi-

to de a~ao nele acolhida, e que ja se fez objeto de polemica,

209 Cf. 0 texto utiLizado e da Costittczione, que integra a cornpi lacao Codice

Civile e di Procedura Civile e Leggi Cornplementari, a cura di F. CARNE-

LUTTI, W. BIGlAVI, A. CALTABIANO, Bdizione Aggiornat a at to giugno1980, Padova: CEDAM -Casa Editrice Dott. A Milani, 1980.

210 Cf. CELSO AGRICOLA BARBI , op. c it ., p . 20.

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As condicoes fixadas pelo art. 3Qdo Codigo "Para propor ou

contestar acao e necessario ter interesse e legitimidade" -

"interesse" e "legitimidade" - sao condicoes que so poderiam ser

apreciadas apos a instalacao do processo, e assim so podem se

tornar questoes intraprocessuais. Ainstauracao do processo nao

depende delas, e nem mesmo podem elas existir antes do

processo.

o art. 267, item VI, permite a extlncao do processo semjulgamento do merito "quando nao concorrer qualquer das con-

dicoes da acao, como a possibilidade juridica,a legitimidade das

partes e0nteresse processual".

Pelo confronto desse artigo com os arts. 890 a 900, 901 a

906,914,920 a 940, CELSO BARBIentende haver uma possivel

contradicao na linha do Codigo, que parecia haver adotado a

tese de LIEBMAN, e apos parece se adaptar a concepcao de

CHIOVENDA211. Mas, havera mesmo tal adocao da tese de LIEB-

MANou de CHIOVENDAnessas disposicoes?

o Codigo do Processo Civil entrou em vigor sob a egide da

Emenda Constitucional nQ1, de 17 de outubro de 1969, que na

primeira parte do § 4Q,do art. 153, dispunha: "A lei nao podera

excluir da apreciacao do Poder judiclario qualquer lesao de

direito individual".

o direito de submeter 0ilicito, porque Iesao a direito e

ilicito, a apreciacao do judiciario nao se condicionou aos direi-

tos substanciais+e.

Quando 0tem VI, do art. 267, do Codigo de Processo Civil,

fala em condicoes da acao, fala, consequentemente, em condi-

211 Cf. CELSO AGRICOLA BARBI, op. cit ., p. 20.

212 Sobre as dificuldades que decorrem do condicionamento do direito de

a<rao it existencia do d ire ito sub je tivo , que levam it solucao de que "nao tem

a~ao quem nao tem razao", cf. CELSOAGRICOLA BARBI -A~ao Declaratoria

Principal e Incidente, 6a ed. rev., aumentada e atual., deacordo com 0

C6digo de Processo Civil de 1973 e legislacao posterior, Rio de Janeiro:

Forense , 1987 , pp . 60 /65.

142

coes que, como se disse, so podemser verificadas dentro do

processo.

Os procedimentos especiais dos arts. 914, 926, 934, reservam

determinadas acoes a quem detem uma qualidade [uridica espedfi-

ca urn status decorrente de uma determinada situacao juridica.

Assim, tambem, os artigos que tratam da acao de consignacao em

pagamento, da acao de deposito e das acoes possess6rias. Pelas

disposicoes desses artigos nao se pode pre-definir a sentenca, ou

seja, nao ha qualquer possibilidade de se afirmar de antemao que a

sentenca sera favoravel ou desfavoravel ao autor. A sentenca devera

ser preparada pelos atos do processo, e enquanto esses nao se

cumprem, nao se pode antecipar seu conteiido.

Nao parece, portanto, que possa ser evidenciada a marca de

LIEBMAN ou de CHIOVENDA em tais disposicoes, ou que se

possa, por elas, extrair contradicoes do Codigo.

Talvez haja chegado 0tempo de se tentar visualizar 0direi-

to de acao sob outros prismas, que permitam uma maior aproxi-

macae das novas conquistas da teo ria do Direito e da realidade

do sistema juridico, que tern a sua unidade e 0seu fundamento

no sistema constitucional.

7.2. A REVISAO DO CONCE/TO DE A(,'AO

o principio nemo judex sine actore, que e urn principio da

propria jurisdicao, disciplinada de forma que 0Estado responda

ao pedido para fazer cessar 0licito, para promover a reparacao

dos direitos lesados e prevenir a lesao de direitos ameacados,

aplicando as medidas jurisdicionais previstas no ordenamento

juridico, exige a iniciativa do sujeito que almeja a tutela jurisdi-

cional.

Sobre a natureza do ato inaugural do processo denominado

pela doutrina direito de acdo, travaram-se debates pelo decurso

deste seculo. 0 direito de a<;;aoencontrou, entretanto, 0seu

momento de revisao em uma reelaboracao conceitual mais ajus-

143

 

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tada aos progressos verificados no quadro dos conceitos gerais

do Direito.

Lembrando a prelecao de CHIOVENDA,L 'azione nel siste-

rna dei diritti, de 1903, 0estudo de LIEBMANL'azione nella

teoria del processo civile, de 1950, e outros classicos, FAZZALARI

registra que a relatividade do conceito de acao ja se encontra em

CALAMANDREI,La relatiuita del concetto di azionne, de 1939,

em ORESTANO,Azione in generale, verbete da Enciclopedia del

diritto, de 1959, e preve a aproximacao da epoca em que se

reconheca nao apenas a-historicidade das doutrinas, mas a pro-

pria historicidade do problema da acao e da ciencia juridica que

o formulou213.

FAZZALARIfaz a revisao do conceito de acao tomando co-

mo criterio a legitimacao para agir, que nao pode ser concebida

como atribuida apenas ao autor, mas se estende a todos os

sujeitos do processo, 0que e perfeitamente logico, pois serna

legitimacao para agir nao se poderia compreender 0fundamento

juridico de seus atos.

Entretanto, a Iegitimacao para agir, trabalhada pelo Direito

Processual Civil, e especie do genero Iegitimacao, que e urnconceito geral do Direito, e e por esta base que desenvolve 0

argumento, no qual procede ao reexame da acao.

AIegitimacao em genero e contemplada por FAZZAIARIsob

urn duplo aspecto: 0da "situacao legitimante" e 0da "situacao

legitirnada'': "Cbiamiamo situazione legittimante ilpunto di ag-

gancio della legittimazione ad agire, fuor di rnetafora da situa-

zione in base alia quale si deterrnina quare il soggeto che, in

concreto, pub e deve compiere un certo atto, e situazione legitti-

mata il potere, a la facolta, 0 il devere - 0 una serie dei

rnedesirni-cbe, di conseguenza, viene a spettare al soggeto indi-

viduato, val dire ilcontenuto della Iegittirnazione, cio in cui

essa consiste=t",

Nao e demais recordar que, na evolucao do conceito de

situacao juridica, a situacao juridica abstrata, de BONNECASE,

foi superada e que a situacao juridica, seja objetiva ou subjetiva,

para se constituir, depended. sempre do cumprimento ou da

ocorrencia-de urn ato juridico ou de urnfato juridico.

A situacao 'egitimante e uma situacao constituida, perante aqual urn poder, uma faculdade ou urn dever sao conferidos ao

sujeito,e, conforme considerada por FAZZALARI,ermite a indi-

cacao de quem pode atuar como sujeito em urn processo concre-

tamentt: considerado, quem detera a legitimacao para agir em

urn dado processo'"".

Tem-se argumentado que a Iegitimatio ... sustenta-se na per-

sonalidade, 0"atributo", ou em linguagem mais tecnica, a quali-

dade pela qual se adquire 0status de sujeito, a titularidade de

direitos e deveres. Esse argumento e, contudo, absolutamente

improprio e insuficiente, pois a legirimacao se da semprepara

determinado processo, para a participacao em uma serie de

214 C E. FAZZALARI, op. cit., p. 289.

215 CANDIDO R DINAMARCO utiliza a categoria de situacao jurfdica para

caracterizar a "qua lidade de pa rte ", mas em linha diversa da de FAZZALARI,

porque insere-a na ca tegoria da rela cao jurfdica proce ssual. "Consi ste esta ,

como se ve, na titularidade das situacoes jurfdic as ativa s e passiva s que

comp6em a relacao jurfdica processual (faculdades, poderes, deveres,

onus, sujeicao). Cf Lit iscons6rcio (u rn estudo sobre 0l it iscons6rcio co-mum, unitario, necessarlo, f acul ta tivo): dou tr ina e jurisprudencia _2li ed.

Siio Pau lo : Ed. Rev is ta dos Tribunais , 1986, p .7 . Bern cai ria, aqu i, a afi rma-

\ ;i io que FAZZAlARl faz a respeito de CAlANIELLO que, embora aderindo anova concepcao, continua a impiegare ancbe if vecchio cbicbe del rappor-to processuale logo senza adesione conointa", (Cf. op. c it., p. 99, rodape

15).

213 Cf. FAZZALARI - "Di recente, ORESTANO ba, anxi, aperto l'affascinante

prospetttua di riconoscere, non solo e non tanto la storicita delle uarie

costruziont proposte, ma ancbe la storicita dello stesso problema

dell'azione e della scienza giuridica cbe 10ba posto". Cf. op. c it ., p .403 .

Para FAZZALARI,0"concei ro de acao" a inda e util ("ancOl'a utile, rna da

elaborare e collocare at suo posta"), enquanro que a ideia de "relacao

jurfdica processual" deve ser de todo repudiada (",.. orrnai da rtpudiare

del tutto"). Cf op. c it., p- 99-

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o

atividades preparatorias de urn deterrninado provimento, e de

uma determinada medida jurisdicional.

o criterio para a deterrninacao da Iegitimacao para agir, no '

processo jurisdicional civil (podendo ser estendido a qualquer

processo), e referido por FAZZALARI ao provimento, e, em con-',

sequencia, a medida jurisdicional dele emanada. 0 provimento "

sera 0ponto referencial para que, com base na situacao Iegiti- .

mante, se identifique quem e0sujeito, dentre os protagonistasdo processo - as partes, (autor, reu, intervenientes), 0uiz, seus

auxiliares, 0Ministerio Publico, quando a lei 0exigir -, que

pode ou deve cumprir urn determinado ato processual.

Em relacao as partes, os efeitos do provimento determinam .

a legitimacao para agir porque esses efeitos incidirao no patri- i

monio (universum ius) dos sujeitos que dele sao os destinata-l,

rios, e 0 principio do contraditorio exige216 que aqueles que;'

sofrerao tais efeitos tenham a oportunidade de participar da fase :

de sua formacao. POl'isso, diz FAZZALARI , enquanto sao legiti- .

mados passivos (perante 0provimento), tais sujeitos sao legiti-.

mados a "dizer e contradizer", sao "legitimados ao processo'S'",

Anote-se que a propria concepcao de parte ja tern seu ponto \

focal de definicao deslocado do pedido (parte nao emais apenas !

"aquele que pede ...") para 0destinatario do provimento, e, por

isso, e sujeito do processo, com a garantia de participacao nos

atos que 0prepararrr+".

216 Exig~n~ia hoje posta em principio constitucional no ordenamento juridico

brasileiro - Constituicao da Republica, art. 5Q, LIVe LV.

217 Cf. FAZZALAIU,op. cit., p. 289.

218 Sobre a cO!TeLa<;aodo conceito de parte com 0provimento ja se Leem

PAULO,E~ILIO RIBEIRODE VILHENA:"0 conceito definitivo, preciso, departe so no-Lo pode dar a sentenca como aro finaLe de decisao do proces-

so,, Pode-se conceituar a Parte, no processo, todo aquele que, neces-

~~namente, COI1l~ destinatario ou como Legitimado, cornpoe 0 p6Lo pas-

SIVO da sentcnca . Cf. As partes no Processo Civil in Revista Brasileira de

Direit? Processual, Uberaba (MG), vol. 12, 4Q trim. 1977, pp.l09/121,

especialrnenre p.1l7.

146

II

I1II

IIr'IIi

I

A situacao legitimante da parte e constituida por do is ele-

mentos logicamente encadeados: 0da medida jurisdicional re-

querida, e 0dos sujeitos que serao por ela alcancados, que

sofrerao seus efeitos. Sao des que permitem a individualizacao

de quem pode estar em juizo para participar do processo que se

desenvolve em contraditorio.

Quanto a medida jurisdicional, seu estudo so pode tel' por

base 0Direito positivo, po is cada sistema juridico especifica

aquelas que nele sao possiveis, e cada especie de processo con-

templa suas medidas. No processo jurisdicional civil, a medida

jurisdicional que resulta da sentenca condenatoria pode se cons-

tituir, por exemplo, em urn ato de eventualexecucao forcada que

incidira no patrimonio das partes, beneficiando 0autor e atin-

gindo desfavoravelmente a esfera patrimonial do devedor ina-

dimplente, em urn ato de execucao forcada que incidira direta-

mente sobre a disponibilidade fisica de urn bern, e urn ato que

impoe a uma das partes urn determinado comportamento como

conteiido de uma conduta. Pode-se, tambem, transferir os exem-

plos para 0processo jurisdicional trabalhista, em que as repara-

coes de direitos lesados comportam as medidas indenizatorias, a

imissao na posse, a reintegracao do empregado no servico, a

assinatura de uma Carreira de Trabalho. Emqualquer das hipote-

ses, 0patrimonio das partes, como universum ius, e alcancado

pelo provimento que, sendo favoravel ao autor, impoe a medida

jurisdicional requerida.

Em caso de urn provimento desfavoravel ao autor, obvia-

mente a medida por ele requerida nao sera imposta, mas 0

provimento, como ato final, de carater imperativo, de qualquer

modo alcanca a esfera patrimonial das partes, acertando que, se

nao OC01Teua lesao, 0uniuersum ius nao pode sofrer perturba-

<;;ao.Na analise feita por FAZZALARI , no caso concreto, pode

ocorrer que 0processo, ao inves de se conduir por urn provi-

mento, termine com urn pronunciamento "de recusa'', ou que a

sequencia de atos fique a meio caminho porque a parte renuncia

147

 

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a seu prosseguimento (dentro das hipoteses permitidas na lei),

ou porque 0juiz se declara incompetente. A autonomia do

processo se constata pelo seu resultado: 0processo se desenvol-

ve embora nao chegue a medida jurisdicional, mas se desenvol-

ve, mesmo para estabe1ecer se a medida jurisdicional deve ser,

no caso concreto, emitida ou recusadae!".

Quanto a s partes, perante a situacao legitimante, que permi-

te a indicacao de quem pode estar em juizo, para, em determina-

do processo, participar, em contradirorio, da formacao do provi-

"~mento.vatraves da participacao no iter procedimental, deve ser

considerado que, alem do autor e do reu, ha os litisconsortes, e

os intervenientes=", E, como parte e aquele a quem se destinam

os efeitos do provimento, aquele que suportara ou se beneficiara

de tais efeitos em seu uniuersum ius, e oportuno que se facarn

duas consideracoes em torno do Direito brasileiro, sobre a ques-

tao da legitimacao: a primeira, sobre a questao do revel, no

Codigo de Processo Civil, de 1973, em conexao com a Constitui-

<;3.0 da Republica de 05 de outubro de 1988, e, a segunda, sobre

a "legitimacao extraordinaria'', que comeca a assumir uma impor-

tancia crescente, nao pOl'que constitua inovacao, mas pelos efei-

tos sociais de medidas jurisdicionais em process os recentemente

regulados.

o art. 322 do Codigo de Processo Civil, de 1973, - "Contra

o revel correrao os prazos independentemente de intimacao.

Podera e1e, entretanto, intervir no processo em qualquer fas~,

recebendo-o no estado em que se encontra" - deve ser conside-

rado revogado, porque se 0contraditorio era, anteriormente,

.apenas um principio processual no Direito Processual Civil bra-

sileiro, peIa Constituicao de 1988 foi elevado a principio consti-

tucional (art. 5Q, LVda Constituicaoj=".

219 Cf. FAZZALARI,op. cit., p. 97 e s.

220 Cf. AROLDO PLfNIO GON<;ALVES-Da Denunciacao da Lide, Rio de janet-

roo Ed. Forense, 2a ed., 1987.

221 Ressalte-se que a sistema jurfdico brasileiro, nesse ponto, superou as

148

Pelo prlncipio da hierarquia das leis, 0 art. 322 do Codigo

de Processo Civil perde a eficacia, pois contraria 0principio

constitucional do contraditorio. E possivel que 0reu nao compa-reca para se defender por uma infinidade de motivos diversifica-

dos, que absolutamente nao interferem em seu direito de partici-

par da formacao do provimento. Contudo, constitui enorme

incongruencia afirmar-se que ele podera intervir em qualquer

fase em que 0processo se encontre, se se afirma, tambem e

conjuntamente, que os prazos corrern para eIe, independente-

mente de intimacao. Sem se entrar na-questao-das regras "da

contagem do prazo, ja se percebe que seria verdadeiramente

incompreensive1 a garanria de participacao ao revel, em fases

posteriores aquela em que se caracterizou 0efeito da revelia, se

nao e el~ cientificado dos atos que the permitam a participacao.

o art. 32,2 do Codigo de Processo Civil contraria 0principio do

contradrrorio e e incornparivel com a norma constitucional, pelo

que so pode se considerar revogado.

Quanto a "legitimacao extraordinaria", e necessario considerarque a Iegitimacao para agir, enquanto posicao subjetiva decorrente

da situacao Iegitimante, da qualidade para ser parte, pcx:le ser

objeto de disciplina legal que, em "carater extraordinario", destina

os efeitos do provimento a sujeitos que nao participaram do

processo. Mas a "legitimacao extraordinaria" constitui excecao ao

principio do contradttono, que exige que participem do iter que

leva a formacao do provimento aqueles que sao seus destinatarios,

e, como se configura em excecao, so pode resultar da lei222.

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sistemas que vioham dando traramento mais avancado ao contraditorio,

transformando.o em norma de Direito positivo, como a C6digo de Proces-

so da Franca, que,00

art. 16, expressamenre estipula que0

uiz deve, eLemesmo, observar e fazer observar 0contraditorlo.

222 FAZZALARIalerta para a distincao entre legitt.imaaione straordinaria e

s.ub~t~tui<;:aoprocessual - cf. op. cit. pp. 317/320. A prop6sito da subs-

nturcao processual no Direito brasileiro, v. HEllO TORNAGHI _Comen-

tarios ao C6digo de Processo Civil, Sao Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, vol. I, pp. 98/101, 1974.

149

 

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II.

II

E interessante ressaltar que FAZZALARI,ratando a questao

do ponto de vista do Direito italiano, faz ressalvas quanta a via dajustica civil, para a protecao dos interesses coletivos ou difusos.

Nao se pode esquecer que 0art. 24 da Constituicao italiana, ja

mencionado anteriormente, em sua primeira parte, reserva a

legitimacao para agir em juizo a todos, "para a tutela de seus

direitos e interesses legitimos". AConstituicao brasileira e visivel-

mente mais ampla, no item XXXVdo art. 5Q,como ja se exami-

nou, tambem, anteriormente. Por ele, nao se podera "excluir da

apreciacao do Poder judiciarto lesao ou ameaca a direito". Os

direitos lesados ou ameacados, objeto da protecao jurisdicional,

nao sao, a partir de 05 de outubro de 1988, apenas os direitos

individuais, e nao apenas para direitos proprios se pode postular

a protecao jurisdicional.

Perante a norma constitucional, encontram, assim, explica-

c;aoIogica, as disposicoes do art. 103, itens I, II e III, §§ lQa 4Q,

da Lei nQ8.078, de 11de setembro de 1990. Tais disposicoes nao

importam em alteracao do conceito de coisa julgada223, mas em

uma nova visao do conceito de parte, como aquele ou aqueles

que devem receber os efeitos do provimento ou da medida

jurisdicional por ele imposta. E evidente que a legitimacao pre-

vista nos arts. 81 e 82, da referida lei, importa em representacao,

quando os efeitos da sentenca sao destinados a se produzirern

no patrimonio dos representados.

A proposito, pode-se entender, tambem, logicamente, pelo

223 Cf. A respeito dos efeitos da sentenca, disciplinados no C6digo de Defesa

do Consumidor, comecam a despontar na doutrina brasileira construcoes

jurfdicas sobre outros fundarnentos. v. ADA PELLEGRINI GRINOVER -!IDa Coisa )ulgada no C6digo de Defesa do Consumidor" in Livro de

Estudos )urfdicos, nQ 1, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos jurfdicos, 2£!.ed., 1991, pp. 381/406; PAULO CEZARPINHEIRO CARNEIRO - A Coisa

)ulgada nas A<;6esColetivas, in Livro de Estudos jurfdicos, nQ 1, Rio de

Janeiro: Instituto de Estudos Jurfdicos, 2il.ed., 1991, pp.199/207; ADA

PELLEGRINI GRINOVER- A Class Action Brasileira, in Livro de Estudos

jurfdicos, vol. 2, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos juridicos, 1991, pp.

22/28.

150

novo prisma em que se considera a Iegitimacao para agir e a

situacao legitimante de que decorre a qualificacao juridica de

"parte", a disposicao do art. 13 do Codigo de Processo Civil

brasileiro, em sua exata extensao, quando contempla a incapaci-

dade "processual", alem da irregularidade da representacao.

As questoes relacionadas com a ilegitimidade da parte, tam-

bern, como ja se antecipou, sao questoes do processo, questoes

que se suscitam, e que constituem 0objeto do contraditorio, no

iter processual. Sobre a ilegitimidade, diversas questoes podem

ocorrer desde a questao que pode incidir sobre a oportunidade

do ate (a alegacao da ilegitimidade), ate a da preclusao, que se

pode constituir em simples questao objeto do contraditorio, ou

em res dubia que se converte em questao controvertida.

Recuperando a exposicao de FAZZALARI,deve-se, ainda,

registrar, perante a situacao legitimante, a legitimacao do juiz, e,

em consequencia, a de seus auxiliares. Esta se extrai, tambem,

pelo criterio do provimento requerido. 0 juiz deve controlar se

pode ser sujeito do processo, se pode desenvolver suas funcoes

de dirigir 0ter que conduz ao ato final, ou seja, se pode cumprir

o ate de emanar 0provimento, com a medida jurisdicional

requerida, verificando se ele se inclui, ou nao, dentro de sua

jurisdicao, 0 exame, a partir do provimento, deve dar relevo,

tambern, ao principio inerente a jurisdicao que exige que 0uiz,

sendo autor do provimento, seja terceiro, em relacao aos efeitos

que este ira produzir no uniuersum ius das partes224. E claro quea parcialidade ou a imparcialidade jamais pod era ser totalmente

controlada pela lei, mas a lei estabelece as condicoes objetivas

para que a imparcialidade possa ser esperada.

Como a situacao legitimante fornece os criterios para se 0 \

identificar os sujeitos do processo, concretamente considerado,

pode-se compreender, logicamente, por que FAZZALARIepele,

por absolutamente impropria, a afirmacao de que 0autor se

reveste da legitimacao ativa e0reu da Iegitimacao passiva, pois a)

224 Cf. FAZZAlARl,op. cit., pp. 295/297.

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legitimacao para agir e de todos os protagonistas do processo e

e "sempre ativa". Somente em relacao ao provimento pode-se

falar em legitimacao passiva daqueles a quem vern impost0225.

A par da situacao legitimante, ha a "situacao legitimada",

como desdobramento da legitimacao, na construcao doutrinarta

de FAZZALARI.

Enquanto a situacao legitimante e contemplada como aque-

la em presenc,;a da qual urn poder, uma faculdade ou urn dever

sao conferidos ao sujeito, a situacao legitimada consiste em uma

......erie de poderes, faculdades, deveres, que se poem como expec-

tativa para cada urn dos sujeitos do processo+",

Alegitimacao para agir de cada urn dos sujeitos do processo

tern como conteiido uma serie de atos, poderes, faculdades,

deveres. "Taleserie di atti costituisce, infatti, il contenuto della

di lui legittimazione ad agire, la situazione legittimata di ciascu-

no"227.

E sobre a situacao legitimada que sera formulada a nova

concepcao sobre a "acao".

o conceito de processo como procedimento realizado em

contraditorio entre as partes permite que se deduza que os atos

dos sujeitos do processo, das partes, do juiz e dos auxiliares, sao

mutuamente implicados, 0 que decorre da pr6pria estrutura do

procedimento e da essen cia do contradit6rio.

Da situacao legitimante dos sujeitos decorre uma serie de

atos que, na ordem do processo, a lei processual impoe ou

permite a cada participante, e tais atos podem ser vistos do

angulo da posicao subjetiva de cada urn, quando referidos a leique os valora, como poderes, deveres, faculdades. Dessa serie de

poderes, faculdades e deveres, para 0 autor e para 0 reu, e para

225 cr. FAZZALARI,op. cit.,p, 300.

226 Cf. FAZZALARI,op. cit. , p. 402 (v. nota de rodape nQ 7 nessa referida

pagina).

227 Cf. FAZZALARl, op. cit., p. 402.

15 2

os intervenientes se delineia, entao, uma "posicao subjetiva com-

posta''. Mas, para 0 juiz, como afirma FAZZALARI,i configura

un 'altrettale posizione, consistente nella serie dei di lui dove-

re228.

Conclui, assim, que: La posizione composita che fa capo

alla parte costituisce I'azione, quella chefa capo al giudice (0

ad un suo ausiliare) costituisce lafunzione+",

A construcao e admiravelmente 16gica e coerente. Para se

perceber 0 seu alcance e necessario recordar-se que a situacao

~.,.legitimadai~mFAZZALARI, corresponde a situacao juridica sub-jetiva, ou posicao subjetiva, extrafda da especifica posicao em

que se coloca 0 sujeito em frente da norma, conceito geral do

Direito, aplicavel a categoria de situacao juridica. E pela posicaosubjetiva que osujeito comparece como titular de urn poder,

uma faculdade ou urn dever. Os atos que sao 0 conteudo da

situacao juridica subjetiva nao sao atos isolados no processo,

mas constituem uma serie, e se entrelacam como pressupostos

da incidencia de normas que disciplinam outros atos, ate 0 ato

final do provimento, na estrutura do processo.

Ressalte-se, mais uma vez, dada a importancia do tema, na

doutrina de FAZZALARI,que os poderes, faculdades e deveres

das partes nao resultam de "relacoes juridicas", mas constituem

os atos Iicitos ou devidos que pod em ser cumpridos no processo

- os poderes como atos que importam na declaracao da vonta-

de, e as faculdades trazendo implicita a vontade como consciente

deterrninacao para 0 ato. Os poderes, faculdades e deveres das

partes nao Ihes podem ser exigidos. Se a parte preferir naG

cumprir tais atos pode optar pOI'sofrer as eventuais consequen-

cias desfavoraveis que poderao resultar do nao cumprimento.

Quanto ao juiz, seus atos nao sao valorados como poderes ou

faculdades, porque nao the e dado deixar de cumpri-los, 0 juiz

228 Cf. FAZZALARl, op. cit., pp. 402/403.

229 Cf. FAZZALARl, op. cit., p. 403.

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res em onus, preferindo suportar as consequencias desfavora-

veis, como e dado a parte. Ele tern0dever de cumprir os deveresda jurisdicao, E os deveres da jurisdicao exigem que ele haja

dentro do processo, que decida nos limites do pedido, nos

limites do processo, enos limites do Direito.

A construcao de FAZZALARI sobre a acao, baseada em toda

a estrutura do processo como procedimento realizado em con-

tradit6rio, supera as doutrinas classicas, com suas dificuldades

nao resolvidas=", da acao como urn "direito potestativo" que, na

concepcao tradicional de direito subjetivo, esgota-se no cumpri-

mento de urn unico ato, e, alern disto, nessa perspectiva, compa-

rece como "direito sobre a conduta alheia'', concepcao de ha

muito superada. A alternativa encontrada pela doutrina, de con-

ferir carater "politico" ao conceito de acao, nao resolvia 0proble-

ma, senao alijando-o do Direito, ou seja, 0problema nao era

resolvido, mas excluido da cogitacao juridica,

230 E facil perce bel' a razao pela qual pouco se falou neste t6pico (7.2. A

Revisao do Conceito de Acao), 0. tradicional "direito de ac;ao", com as

inumeras teorias que procuram ou procuraram explicar sua natureza,posto que ancora utile (ainda util), tende fortemente a tornar-se pec;a de

museu jurfdico , E isto porque a cada dia fica mais of tida a consciencia de

que "acao" e "processo" sao fenomenos interdependentes e essa s6 eimportante enquanto vista como urn agir em relacao aquele (estrutura que

se desenvolve em face de atos praticados ern decorrencia de postcoessubjetiuas das partes).

154

CAPITULO VIII

A SITUAC;Ao DE DlREITO MATERIAL

EO PROCESSO

Aconcepcao do processo como f?!:~~.?2.~:nto realizado em

contraditQrio entre aSIN_J:tese erigig~ ..§g~~!:eurrtsi'stemaquese

~sel:!p CQj)J.!JI!LJjgQ!:JQgicQ._g~e~tl~~~_!~~:i?~~osj??iitosde--cQ!llpa£a<;ao..na.do.utdna.do...D..l!1;i!2.:_~

KELSEN legou a doutrina juridica, tambem, urn sistema

16gico de rara perfeicao,

Entretanto, enquanto KELSENconcentrou 0estudo da juri-

dicidade no ilicito, FAZZALARl trabalha exatamente em linha

contraria. 0 ilicito para elenao e 0canone de conduta. A condu-

ta e valorada pelo Iicito, e0ordenamento juridico e0complexode normas, de faculdades, de poderes, de deveres, 0complexo

de licitudes. 0 ilicito nele comparece, mas como a conduta que

consiste na inobservancia do dever. Mesmo quando trabalha a

norma penal, FAZZALARl demonstra que 0canone de conduta,em relacao a norma que define, por exemplo, 0homicidio, e 0nao matar, e a norma penal tern, para ele, 0carater, de norma

processual, porque se dirige ao poder jurisdicional. E urn argu-

mento, sem duvida, correto, pois a quem, a nao ser ao Estado,

peloexercicio da jurisdicao, cumpriria a imposicao da sancao?

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Com essa observacao preliminar, pode-se passar a relacaoexistente entre 0 processo e a situacao substancial, que nada

mais e do que a situacao de direito material que sera discutida no

iter do processo, e decidida, no ate final, no provimento.

No processo civil, a siruacao juridica de direito substancial,

ou situacao juridica de direito material, ou simplesmente sima-

c;ao substancial, e dada pela conexao entre a inobservancia de

urn dever jurfdico, 0 ilicito, eo direito por ela lesado ou ameaca-

do. 0 diretto, objeto da lesao ou ameaca, no processo civil, e urn

~'direiro subjetivo, mas nao mais considerado na acepcao tradicio-

nal, e sim no sentido, ja exposto, de posicao de vantagem de urn

sujeito em relacao a urn bern. Essa posicao subjetiva resulta ou

da norma que a confere a urn sujeito ou do enderecamento, pela

norma, de obrigacoes (conteiido de deveres) a outro ou outros

sujeitos, em determinadas situacoes juridicas231 , ou da conjuga-

c;;aodas duas hip6teses.

A relacao entre a situacao juridica de direito material e 0

processo deve ser tratada com certo cuidado. Em uma primeira

aproximacao, tende-se a pensar que ela e 0 pressuposto do

processo de conhecimento.

A confirmacao ou a refutacao de tal afirmacao dependeria,

entretanto, do exame de cada ordenamento juridico, que possui

as suas especificidades.

E interessante verificar, por exemplo, a mudanca da concep-

231 FAZZALARlreLaciona as possibilidades de se apreender 0direito subjetivo,

nas varias especies de sua manifestacao, que se menciona, a seguir, mas

com a observacao de que a expressao "direito realizado", por ele utilizada,

deve ser entendida no sentido de direito que se constitui para 0itular, em

oposicao a um direito abstratarnente considerado: 0direito realizad<;>por

uma faculdade do titular; 0 direito realizado por um poder do titular

(classicamente dito direito potestativo); 0direito realizado pela obrigacao

de outro (0"direito de crediro''); 0direito realizado pela faculdade do

titular e pelos deveres de todos os demais (0"direito absolute"), -0direito

realizado somente pelo dever de todos (nesse criterio estao os direitos da

personalidade e os direitos reais em que falta a faculdade, como a servidao

negativa). Cf. op. cit., p. 264.

156

c;;ao do direito de acao, na doutrina francesa, ante as novas

disposicoes dos arts. 30, 31 e 32, do Nouveau Code de Procedure

Civile. E nao deixa de ser surpreendente a constatacao de que

esses artigos sao reproducoes textuais dos arts. 2Q, 3Q e 4Qdo

Decreto de 20 de julho de 1972, como expoem EMMANUEL

BLANCe J. VIATTE.Analisando-os, os dois processualistas fran-

ceses discorrem sobre a evolucao das teorias da acao e mostram

que a assimilacao da ac;;ao

arealizacao de urn direito subjetivo,

tradicionalmente partilhada pela doutrina classica, foi abandona-

da. A acao, em principio concebid'fc6rh.O~timmeib~de·exercfcio

de urn direito, est devenue Ie droit d'acces devant lajustice en

vue de lui soumettre lespretentions lesplus diverses"232.

No ordenamento juridico italiano, FAZZALARI demonstra

que a situacao substancial nao e condicao previa para a instaura-

c;;aodo processo jurisdicional civil, pois a lei processual requer a

exposicao do pedido, mas nao a exposicao dos fatos e do direito,

como condicao para 0processo, podendo ela ser feita em fase

posterior a sua inaugurac;;a0233.No Brasil, a lei processual exige que a inicial contenha os

fatos e os fundamentos juridicos do pedido, bern como 0pedido

e suas especificacoes (C6digo de Processo Civil, art. 282, III e IV )

e situa a falta do pedido ou da causa de pedir dentre os elemen-

tos que caracterizam a inepcia da inicial, que e causa de indeferi-

mento (C6digo de Processo Civil, art. 295, I, Paragrafo iinico, I).

Contudo, essa constatacao ainda nao basta para que se

considere a situacao de direito material como pressuposto do

processo civil, no Direitobrasileiro. A inicial inepta nem sempre

e indeferida de plano, 0 que nao e raridade234. Adernais, 0 pro-

232 Cf. EMMANUELBLANC-]EANVIATIE -Nouveau Code de Procedure Civilecornmente dans l'ordre des articles, Paris: Librairie du Journal des Notai-

res et des Auocats, 1980, p. 45.

233 Cf. FAZZALARl,op. cit., p. 258.

234 ALCIDES DE MENDON<,;ALIMA levanta as questoes references a inicialinepta na jusnca do Trabalho, em que a Reclamacao se faz por peticao ou

por termo, eo juiz despacha a inicial marcando audiencia. Entende que, no

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prio C6digo de Processo Civiladmite essa hip6tese, quando no

art. 301, III , preve que 0reu, em sua defesa, alegue, preliminar-

mente, a inepcia da inicial, e nao limita a alegacao da inepcia a

qualquer uma das hip6teses possiveis, descritas nos itens do

paragrafo iinico do art. 295. Obviamente, a alegacao de inepcia

da inicial ja supoe 0contradit6rio, e, portanto, 0processo em

franco movimento.

Pelo C6digo de Processo Civil brasileiro, esta visto que asituacao de direito substancial nao constitui pressuposto para a

instalacao do processo.

Aquestao deve ser examinada, tambem, pelo prisma consti-

tucional, e, por este, nao se pode subtrair da apreciacao do

Poder judiciano Iesao ou ameaca a direito (art. 5Q, XXXV,da

Constituicao). ~Nao e, portanto, 0ilicito, 0pressuposto do

processo, ou0direito lesado ou ameacado,

A apreciacao do jtrdiciario confirmara ou negara a existen-

cia do direito lesado ou ameacado, mas 0direito de acesso ao

judiciario esta garantido, independentemente da previa consta-

tacao da existencia do ilicito, da lesao ou da ameaca a direitos.

Arejeicao da inicial inepta, como se disse, pode ocorrer no

~~l~SO do pro~esso, e nao poderia ser sequel' a mera afirmaczo do

ilicito, da lesao ou ameaca a direito, 0pressuposto do processo,

porque dentre as causas de inepcia esta a falta de pedido ou da

causa de pedir. .

Pode-se confirmar, entao, que situacao de direito material

nao e pressuposto do Processo Civilbrasileiro.

A situacao de direito substancial comparece nos atos do

Icas~, de. inepcia, 0TuizPresidente da ]C] nao poderia indeferi-la, sem a

audiencia dos vogais, porque somente pode agir isoladamente nas execu-

coes. Cf. Processo Civil no Processo do Trabalho , 3 i!.ed. atual. de acordo

com a Constitui_<;aoFederal ?e 1988, Sao Paulo: LTr, 1991, pp. 35/36 .

Ressalve-se, porern, 0entendimento de que, em face da Constiruicao de

outubro de 1988 (arts. 111 e 117), esra revogado 0rt. 877 da CLT,sendo

compe~ente a .TC]tanto para 0 processo de conhecimento como para 0 deexecucao e para 0cautelar.

158

processo, mas nao como pressuposto desses atos e sim como

objeto de alegacoes e provas, como conteudo do contradit6-

ri0235.

A res in iudicium deducta nao e , tambem, pressuposto da

sentenca que poe (ou deveria por) fim ao processo, pois os casos

de extincao do processo sem julgamento do merito, sem aprecia-

<;aoda siruacao de direito substancial, estao previstos no art. 267

do C6digo de Processo Civil.A prop6sito desse artigo, e oportuno abrir-se urn parente-

se para registrar que as disposicoes de seus itens II e III sao

absolutamente incompativeis com 0principio do contradito-

rio, constitucionalmente acolhido. 0 contradit6rio nao pode

ser considerado como dever das partes de cumprirem atos

processuais. Ja se disse sobre faculdades, poderes e deveres

que se tornam onus, quando a parte nao os utiliza. 0 contradi-

t6rio e a oportunidade de participacao paritaria, e nao de

participacao coativa. Se os prazos processuais sao os da lei, se

existe 0nstituto da preclusao, se0uiz tern0dever de decidir,

que e urn dever da jurisdicao, e que esta explicito no art. 5 Q . ,

XXXV, da rConstituicao da Republica de 05 de outubro de

1988, nao se explica por que 0processo deve ser extinto sem

julgamento do merito, nas hip6teses mencionadas. POl'incom-

pativeis com 0art. 5 Q . , XXXVe LV,os referidos itens devem ser

considerados como revogados+".

Se a situacao de direito material, constituida por urn direito

subjetivo, no sentido que ja se definiu, Iesado ou ameacado, nao

e pressuposto do processo ou da sentenca, 0e, entretanto, da

sentenca de merito, do provimento e da medida jurisdicional

requerida, seja ela acolhida ou rejeitada.

Seja 0provimento favoravel ou desfavoravel ao autor, ele

235 Cf. FAZZALARl, op. cit., p. 260.

236 Em casos que tais em face do impulso oficial (art. 262 do CPC) e do que

disp6e 0art . 5Q, XXXV,da Constituicao de 1988, caberia ao juiz prover de

irnediato sobre 0merito, julgando conforme 0 estado do processo.

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acerta a situacao de direito substancial, confirmando a existencia

do ilicito e do direito lesado ou ameacado, para impor as medi-

das requeridas para sua reparacao ou para determinar a cessacao

da ameaca, ou nega a existencia do ilicito e da lesao ou ameaca a

direito, negando a medida requerida.

Nesse ponto, e conveniente que se registre, novamente, a

distincao entre 0Direito italiano e 0Direito brasileiro, pela

diferenca da norma constitucional dos dois sistemas. No Direito

italiano, conforme ja se mencionou, 0art. 24 da Constituicao" ~~'~~destina odireito de "agirem juizo" a tutela dos proprios direitos

ou interesses legitimos,0que possibilitou varias interpretacoes

no sentido de que, se constatada a inexistencia do direito, nao

poderia haver provimento.

FAZZALARIresolveu a questao distinguindo a legittima-

zione ad agire e a legittimazione alprovvedimento. Esta ulti-

ma nao ocorrera no caso em que se constata a inexistencia do

dever e, ou, direito subjetivo (ou que 0autor e0reu nao sao,

respectivamente, titulares do direito e do dever) e, consequen-

temente, da lesao ao direito. Entretanto, 0processo existiu,

como existiu a acao, como serie de posicoes subjetivas das

partes, que 0acompanha do principio ate 0momento do

provimen t0237.

A questao que se apresenta no confronto entre processo

valido e provimento desfavoravel, relevante perante 0Direito

positivo italiano, pelos termos do art. 24 da Constituicao que

funda aquele ordenamento juridico, poderia ter recebido trata-

mento teorico sobre bases diferentes no Direito brasileiro.

Nao obstante, a investigacao da doutrina processual no

Brasil transcorreu em linha paralela com a doutrina italiana e

seus resultados merecem uma reflexao mais detida.

237 "Le attiuita processuali esuberanti - COSt quelle spese pel" istruire it

rnerito - andranno considerate inutiliter gestae, rna non rnai invalide

per carenza di legittimazione ad agire", Cf. FAZZAlARI, op. ci t. , p . 49. No

mesmo sentido, v . pp. 299/301.

160

Verifica-se, por exemplo, que AMILCARDE CASTR0238ofe-

receu, quanta ao problema dos atos processuais uteis, solucao

aparentemente semelhante a proposta de FAZZALAIU,mas mani-

festa e profundamente distinta quanta a fundamentacao, em

consequencia da concepcao diferente sabre a relacao entre pro-

cedimento, processo e acao,

A aparente semelhanca esta na admissao por AMILCARDE

CASTROda movimentacao valida mas "imitil"doprocesso: "(...)

formado urn procedimento por pessoa carecedora de acao, 0

mesmo, por falta da Iegitimacao paraagn+nao-deve ser-tido

como nulo, ou anulavel, mas inteiramente imitil a essa pessoa

que naopode atingir 0alvo em mira"239.

Asernelhanca e , como se disse, apenas aparente porque em

FAZZALARInao ha movimentacao iruitil, mas "exuberante" do

processo, podendo-se falar em inutilidade da gestae e nao na

inutilidade do processo para uma pessoa, porque nao e por esse

criterio que 0processo cumpre seu destino como estrutura que

pre para 0 provimento.

A diferenca verdadeiramente marcante entre ambos trans-

parece em nivel mais profundo, na propria concepcao de "acao,

de processo ou procedimento'', que, paraAMILCARDECASTRO,

como para a doutrina brasileira predominante, constituem "reali-

dades juridicas inconfundiveis, com aparencia definida, uma in-

dependente da outra"240. ,.

Em FAZZALARI,como se viu, a acao nao possui essa inde-

pendencia do processo, mas e nele que se realiza, como desdo-

bramento da Iegitimacao para agir dos sujeitos do processo (juiz,

auxiliares, Ministerio Publico quando a lei 0exigir, partes). A

legitimacao para agir, que e de todos, se especifica em acao e

238 Cf .AMILCARDE CASTRO -Comencir ios ao C6digo de Processo Civi l Vol VIIIa ' ,

Arts. 566 a 747, 3- ed., Sao Paulo: Ed. Revista dos Tr ibunals, 1983, pp. 6/8 .

239 Cf. AMILCAR DE CASTRO, op. cit., p. 7.

240 Cf .AMILCARDE CASTRO, op. c it ., p . 6 .

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funcao, dada a posicao juridica dos sujeitos do processo. En-

quanta a "funcao"e dada pe1aserie de atos que correspondem aposicao juridica legitimada do sujeito investido da funcao juris-

dicional - 0 juiz - a ac;aose forma pelo complexo de posicoes

juridicas Iegitimadas das partes, complexo que resulta da atua-

~ao conjunta e interdependente dos sujeitos do iter do processo,

e por isso nao pode ser dele isolada.

Ressalte-se que AMILCARDE CASTRO aceita, como pres-

suposto de seu argumento, 0 de que 0 procedimento e acessivel

a todas as pessoas, que a faculdade de recorrer ao Poder Judicia-

rio e de todos que tenham supostamente urn direito lesado ou

ameacado, e separa os atos processuais validos dos atos proces-

suais uteis, com base em interesses, distinguindo os escopos das

partes, que, conforme afirma, e 0 de "defenderem seus proprios

direitos, e a finaltdade do processo, que e de ordem publica241.

Nao se pode desconhecer a precariedade do criterio do

interesse, de ordem individual e de ordem publica242 para se

explicar 0 processo existente quando ha carencia de ac;ao ou

quando se constata a "pretensao infundada", criterio peIo qual

AMILCARDECASTROdistingue os "escopos particulares e finali-

dade publica", no processo. Percebe-se que 0 argumento e posto

como aiternativa quase necessaria de uma concepcao que separa

processo, procedimento e ac;a0243.

241 Cf. AMILCARDECASTRO,op. cit., p. 6.

242 Cf. AROLDO PLINIO GON<;:ALYES -A Prescricao no Processo do Trabalho,

23.ed., Belo Horizonte: Livraria Del Rey Ltda., 1987, p. 35. A dificuldade eda mesma natureza do problema que se suscita quando se fala em interes-

ses de "ordern publica e "ordern privada" para se diferenciar algo que

sempre tem marcadamente 0carater publico, como ocorre com as pro-

prias normas.

243 Cf. AMILCARDECASTRO: "se0procedimento e independente da a<;ao,a

falta de um dos elementos desta nao pode determinar a anulacao daquele" '(Oo.)

"Por conseguinte, nada mais razoavel do que uma pessoa, sem 0direito de

acao, poder movimentar processo valido, mas imitil, ou prejudicial a si

mesma", "Aa<;aoe 0processo sao conceitos autonornos, independentes

( o O . ) pode a pessoa nao ter a<;ao, e nao obstante figurar como sujeito de

162

Tal postura, dominante na doutrina, correlaciona-se com a

necessidade que teve 0 movimento de construcao do Direito

Processual Civil, centralizado no dire ito de acao, inde-

pendentemente de suas divergencias internas sobre a natureza

de tal direito, de conciliar, coerentemente, 0 direito de se provo-

car a atuacao do judlciario com a possibilidade da pretensao

infundada244.

As tentativas de superacao dessa dificuldade sugeriram va-

rias teses na doutrina brasileira, desde ados atos uteis e inuteis

do processo, acima lembrada, ate a do fundamento ideologico

que teria pretendido legitimar a "untversalizacao do procedimen-

to ordinario", excluindo os processos sumarios, levantada por

OviDIO A. BAPTISTADA SILVA,quando, con forme sustenta,

"toda ac;ao e una e abstrata"245.

A utilidade do processo e a sua instrumentalidade sao, por

essas doutrinas que tern a atencao voltada para 0"direito de

procedimento valido ( o O . ) na hip6tese de carencia de a<;ao,0procedimento

permanece valido, precisamente para continual' evidenciando que nao

havia relacao social arneacada, ou violada, entre 0autor e 0reu, preen-

chendo seus fins ( o O . ) 0Estado mantern tambem a organizacao da lide

judiciaria para que se verifique e declare se a pessoa assiste, ou nao, 0

chamado direito subjetivo que suponha ter", op. cit. p. 7.

244 JOSE OLIMPIO DECASTROFILHO suscita 0 problema indagando ate onde

se pode falar em abuso de direito daquele que demanda sem tel' razao.

Diante da questao lembra NICETO ALCAI..A-ZAMORA CASTILLO, quando

diz "que a rigor nao se devia nem falar em direito de a<;ao, mas em

faculdade, poder, ou possibilidade de a<;ao". Cf. Abuse do Direito no

Processo Civil, 2it ed., rev. e atual., Rio de janeiro. Foreose, 1960, p. 40.

245 Cf. OviDIO A. BAPTISTADA SILVA-Curso de Processo Civil, vol. I, Porto

ALegre: Fabris, 1987, pp. 59/115. V. especialmente pp. 96 e 97. "Hoje,

porem - afirma -, transcorridos alguns aoos, a maior novidade cientffica,no campo do processo civil, passou a ser, justamente, a busca de formas

especiais de tutela jurisdicional indicadas pelos processualistas como espe-

cies de "tutela diferenciada", que outra coisa nao e senao a redescoberta

tardia de que a todo direito corresponde, ou deve corresponder, uma a<;ii,o

(adequada) que efetivamente 0"assegure", proclarnando-se, mais uma vez,

a funcao eminentemente instrumental do processo". Cf. op. cit. , p. 98.

163

 

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acao", medidas pelo "direito material", sem que se cogite de outra

finalidade cumprida de forma muito titil pelo processo quando

se constata que 0direito material, para 0qual foi postulada a

protecao, nao teve sua existencia confirmada no ato final do

provimento,

No sistema brasileiro a Constituicao nao destina 0direito

de se pedir a tutela jurisdicional do Estado a existencia de um

direito material. o Poder judiciarto e provocado para "aaprecia-

c;aode lesao ou ameaca a direito"246.

~~"~~~.~'--0'principio nemoiudex sine actore, que condiciona a rna-

nifestacao da jurisdicao a iniciativa de quem pretende a tutela

jurisdicional, nao e apenas um apendice do sistema constitucio-

nal brasileiro, po is explica-se ja a partir do caput do art. SQda

Constituicao da Republica de OSde outubro de 1988, em que ha

a promessa de garantia, aos brasileiros e estrangeiros residentes

no Pais, da inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igual-

246 E oportuno observar que a expressao "ameaca a direito" do art. SQ,XXXV,

da Consrituicao da Republica de 1988, abre urn amplo campo para a tutela

preventiva de direitos que, como demonstra BARBOSAMOREIRA, nao se

identifica com a tutela das medidas provisorias em razao do carater defini-

tivo que lhe e peculiar, e que e preventiva [ustamente porque, ao contrario

da tutela sancionat6ria, e capaz de resguardar 0direito contra a propria

consumacao da lesao. 0varice da Constituicao nesse aspecto e notavel,pois se a protecao de direitos submetidos a ameaca ja encontrava garantias

contra atos ilegais ou abusivos do poder (pelo Mandado de Seguranca

preventivo para os direiros lfquidos e certos nao amparados pelo Habeas

Corpus, pela A~ao Popular), na esfera particular, ressalvando-se a nuncia-

(_;aode obra nova, foi limitada, pelo C6digo de Processo Civil de 1973, aprotecao da posse e da propriedade, com injustificada ornissao dos direitos

que nao possuem carater patrimonial. Cf.]OSE CARLOSBARBOSAMOREI-

RA,Tutela Sancionat6ria e Tutela Preventiva, in Ternas de Direito Proces-

sual, Segunda Serie, Sao Paulo: Saraiva, 1980, pp. 21/29; Processo Civil eDireito a Intimidade, in lococit., pp. 3/19. De se ressaltar, ainda, a amplia-

~ao, pela Constituicao de 1988, dos instrumentos das garantias de direitos

pela introducao de novos institutes processuais submetidos a sensfvel

analise de].]. CALMON DE PASSOS em "Mandado de Seguranca Coletivo,

Mandado de Injuncao, Habeas Data (Constituicao e Processo)", Rio de

Janeiro: Forense, 1989·

164

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dade, a seguranca e a propriedade, nos terrnos dos itens I a

LXXVII , com seus dois paragrafos. A d is po si ca o do item XXXV

nao comportaria, portanto, qualquer interpreracao no sentido

do exercicio espontaneo da jurisdic;a_a247,pois a atuacao do

Poder judictario e posta entre as garantias dos direitos e liberda-

des declarados.

E certo que, nos termos do dispositivo constitucional, 0

objeto da apreciacao judicial e0direito lesado ou ameacado e0

ilicito, como dever nao observado, causa da lesao ou da ameaca,

o carater substitutivo da funcao jurisdicional confere a essa

apreciacao sua dimensao tutelar. Contudo, quer se ponha em

relevo 0direito subjetivo, que~0ilicito que 0lesa ou ameaca, 0

"objeto da apreciacao'' nao se confunde com 0proprio "ato da

apreciacao", e por isso, nos termos postos pela Constiruicao

brasileira, 0agir em juizo nao pode se condicionar ao previo

reconhecimento da existencia do direito alegado. Significa dizer

que a existencia.do direito para 0qual se pleiteia a tutela pode

ser confirmada ou negada pelo provimento, sem que se necessite

indagar sobre a existencia util ou irnitil do processo. Este cum-

prira sua finalidade ao chegar a seu final com a participacao das

partes, participacao revestida da garantia do contraditorio, quer

se confirme a existencia do direito, da Iesao ou da ameaca, caso

em que nao se podera negar a tutela, quer se verifique a inexis-

tencia do direito, da lesao ou da ameac;a, quando 0provimento

sera emitido, mas a medida jurisdicional requerida sera rejeita-da.

o art. 93, item IX da Constituicao da Republica de OS de

outubro de 1988, exige que "todos os julgamentos dos orgaos do

247 cANDIDO R. DINAMARCO refere-se ao dilema criado, quando se examinao escopo da jurisdicao de atuacao da vontade da lei; como esta nao

pertence ao dornfnio dos litigantes, chcgar-se-ia ao exercfcio espontaneo

da jurisdicao, Cre que a solucao poderia ser buscada nao no plano do

direito, mas no da sociedade ao qual ele se destina, Cf. AInstrumentalidade

do Processo, 2aed, rev. e atual., Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais

1990, pp. 228/229. - ,

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I Poder judiciario" sejam publicos e fundamentadas todas as deci-

soes, sob pena de nulidade, permitindoque a lei limite a presen-

ca, em determinados atos, a s partes e seus advogados, ou somen-

te a estes, quando 0interesse publico 0exigir.

Sobre a publici dade dos atos judiciaries, ALCIDESDE MEN-

DON<_;ALIMA, analisando 0dispositivo constitucional, observa

que ela tern side considerada, "tradicionalmente, como exigencia

democratica, instituida como decorrencia da Revolucao France-sa", pelo que 0sigilo, quando admissivel, constituindo excecao,

deve sempre vir expresso em lei248. Ressalta, entretanto, a inova-

c;aointroduzida pela Constituicao de 1988, no Direito brasileiro,

pela extensao da expressao "todos os julgamentos", q.ie repele a

votacao secreta, em todas as circunstancias, mesmo naquelas

anteriormente admitidas pelo sistema juridico, como em materia

administrativa teferente a rernocao, disponibilidade, aposenta-

doria de juizes, ou recusa de prornocao por antiguidade/V.

A doutrina brasileira tern visto, na exigencia constitucional

de publicidade e fundamentacao das decisoes, a oportunidade

do controle popular sobre os atos judiciais, ou uma "funcao

politica da motivacao das decisoes judiciais, cujos destinatarios

nao sao apenas as partes eo juiz competente para julgar eventual

recurso, mas quisquis depopulo, com a finalidade de aferir-se

em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justica das

decisoes250.

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248 Cf. ALCIDES DE MENDON<;:A LIMA- 0 Poder judiclario e a Nova Constitui-

'lao, Rio de]ane iro: Aide Ed, 1989, p. 39.

249 Cf. ALCIDES DE MENDON<;:ALIMA, op. cit., p. 40.

250 C~ ANTONIO CARLOS DE ARAU)O CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER,

CANDIDO R,DINAMARCO - Teoria Geral do Processo , 8aed. r ev . e arual.,

Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 67. Cf. tam be rn BARBO-

SAMOREIRA -A Mot ivacao das Decis6es ]udiciai s Como Garant ia Inerente

ao Estado de Direito, in Tenias de Direito Proce ssual: segunda se rie, Sao

Paulo: Saraiva, 1980, pp. 83/95. Convern advert ir para 0risco ou 0perigo

dos "julgamentos publicos", que podem se r afetados pela natura l vaidade

dos jufzes, '1ulgamento publico" nao deve ser confundido com "julgamen-

to fundamentado" ou com "julgamento cuja fundamentacao deve ser

166

Nao ha duvida de que 0carater publico das decisoes (que

nem sempre se confunde com 0carater publico do julgamento,

exigido no ordenamento juridico brasileiro pela Constituicao de

1988), acompanhado de sua fundamentacao, e uma garantia

que, desde a Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao,

de 1789, produzida pela Revolucao Francesa, resguarda a socie-

dade contra 0autoritarismo e0arbitrio que se manifestavam em

nome da lei.

Nao se pode deixar de considerar, contudo, que .afunda-

mentacao da decisao e uma protecao constitucional especial-

mente dirigida a s partes. Elas receberao os efeitos d~.sentenca

em seu patrimonio, em seu universum ius, efeitos sustentados

sobre a apreciacao da situacao de direito material discutida em

contraditorio, e se lhes e garantido, pelo contraditorio, a partici-

pacao nos atos processuais que preparam 0provimento, e uma

consequencia dessa garantia que as partes saibam por que urn

pedido foi negado ou por que uma condenacao foi imposta. Elas

viveram 0processo, ou tiveram a garantia de vive-Io, participa-

ram do seu desenvolvimento, reconstruindo a situacao de direito

material sobre que deveria incidir 0provimento e, nessa recons-

trucao, fizeram, juntamente como juiz, 0proprio processo, na

expectativa do provimento final. Nao e, portanto, demasiado que

se tenham as partes como os primeiros destinatarios da garantia

da fundarnentacao das decisoes,

Se houver possibilidade de recurso, 0contraditorio conti-

nuara garantido e se nao houver, 0contraditorio tera cumprido

sua finalidade, permitindo que se saiba por que se nega urn

suposto direito e por que se condena, em nome do Direito.

necessariamente publ icada' ', para 0ont ro le das partes e dos jur isdiciona-

dos em geral (critica nos autos ou em orgaos norrnais de divulgacao -

imprensa, revista s e livros jurfdicos - ou meLhor, 0controle "endoproces-

sual" e 0controle "extraprocessual'' das decisoes judiciais).

167

 

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C A P I T U L O IX

A INSTRUMENTALIDADE TECNICA

DO PROCESSO

9.1 . 0PROCESSO COMO rECNICA

o procedimento jurisdicional, como atividade disciplinadapor uma estrutura normativa voltada para a preparacao do provi-

mento, com a participacao, em contraditorio, de seus destinata-

rios, e uma tecnica criada peIo ordenamento juridico, e traba-

lhada pela ciencia do Diretto Processual, que, em sua funcao de

formular conceitos, categorias e institutos concernentes a toda a

atividade da jurisdicao, deve se esmerar em fornecer 0melhor

instrumental teorico para que 0processo se torne a tecnica mais

idonea possivel no cumprimento de sua finalidade.

A norma processual disciplina 0exercicio da jurisdicao, e a

preocupacao de se fazer com que a ciencia do Direito Processual

ofereca a sua tecnica instrumental para 0aperfeicoamento dainstrumentalidade tecnica do processo tern sido extern ada de

varias formas na doutnna/>'. De modo evidente ou ainda obscu-

251 Investigando as tendencias do processo no Direito Comparado, MAURO

CAPPELLElTI ressalta que 0processo nao e urn fim em si mesmo: es un

168

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ro, quase intuitivo, a doutrina juridica vem percebendo a profunda

e crescente importancia do processo como modelo ideal de partici-

pacao dos proprios destinatarios na formacao, na execucao e na

aplicacao de seu direito. Seja 0processo legislative, seja 0adminis-

trativo, seja 0jurisdicional, sua instrumentalidade tecnica e a mes-rna: a de poder se eIaborar, com amelhor estrutura possivel, a mais

adequada e agil, para dar respostas ao fimpara 0qual se instaura: a

emanacao de urn ato do Estado, de carater imperativo, para cujaformacao concorrem, em contraditorio, aqueIes que receberao, na

esferade seus direitos, os efeitos'detal ato.

o processo que se poe como estudo do Direito Processual

Civil e0processo [urisdicional, pOl'que 0Direito Processual Civil

tern como objeto de investigacao a norma que regula 0exerdcio

da [urisdicao,

Uma tecnica e valorada segundo sua idoneidade para a

realizacaode suas finalidades. Sera uma boa ou rna tecnica,

conforme seja habil a cumprir os seus fins, ou conforme se reveIe

ineficaz para esse objetivo, De qualquer modo, a avaliacao deve

ser feita pela ciencia, como atividade consciente e capaz para a

producao do conhecimento e a correcao de seus pontos de

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instrumento excogitado al objeto de componer las litis garantizando la

efectividad - la observancia, y la reintegraci6n para el caso de inobservan-

cia - del derecho substancial. Considera a presenca do processo no

ordenamento jurfdico de todas as nacoes civilizadas como 0sintoma fun-

damental de que os povos renunciaram a confiar it forca e it vinganca a

protecao de seus direitos para entrega-la ao juiz e acrescenta. Pero este

cardcter de la instrumentalidad del derecbo procesal, e de la instrumen-

talidad, por consiguiente, de fa tecnica misrna delproceso, implica una

consecuencia importante: 10 mismo que cualquiera otro instrumento, asi

tarnbien. aquel instrumento que es el derechoprocesal, para ser eftcaz °seapara conseguir cumplir eficazmente sufinalidad, debe adaptarse a laparticular naturaleza del propio objeto, Enotras palabras, debe asumir

aquellas tecnicasy ualerse deaquellos institutos que son los mas id6neospam el objeto de fa garantia delderecbo substancial". Cf. MAUROCAPPE-

LLElTI -EIProceso Civil en elDerecbo Comparado -LasGrandes Tenden-

cias Euolutiuas - Trad. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Edicio-

nesfuridicas Europa-America, 1973, p. 18.

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Processual, em relacao ao processo, nao e , portanto, pequena.

9.2. A FINAIJDADE DO PROCESSO JURISDICIONAL

o processo jurisdicional civil, como procedimento que se

realiza em conrraditorto entre as partes, para a formacao do

provimento jurisdicional, tern, no correto desenvolvimento das

atividades preparatorias da sentenca, a sua primeira finalidade.

Essa afirm~<;ao nao ~ 0 : t :ser tomada como uma simplificacao

que poderia conduzir a mexata conclusao de que a tecnica se

desenvolve pela tecnica e para a tecnica, ou seja, de que ela se

produz e se consome a si propria e nisso se esgota. Tal conclusao

so poderta advir da falta do alcance do significado contido na

realizacao do procedimento em contraditorio entre as partes.

Como se viu, em capitulo anterior, 0contraditorjo tern a

~ua ~ssen~ia e 0seu objeto. Onde ele esta presente, 0processo

jamais sera uma estrutura vazia, urn esqueleto "descarnado'' uma

- 'construcao sem conteudo. E pelo desenvolvimento do contradi-

t~rio 9ue o~processo se desenvolve, e0contraditorio e pleno de

vld~. ~ no ama~o da coesao entre sua essencia e seu objeto que

o.dlre~to matenal, que sera apreciado e decidido na sentenca, ediscutido, que 0jogo dos interesses divergentes torna-se real,

que as partes desvelam os direitos materials que afirmam ter e

que se contrapoem nas afirmacoesdos direitos materiais que sao

mutuamente negados.

. A.essencia ~o contraditorro, a garantia de uma participacao

simetncamenre igual nas atividades que preparam a sentenca e

seu objeto, a questao que pode se transformar em questao con-

t~'ove~tid~,inci?~m, ~aturalmente, no plano processual. A parti-cipacao e parnctpacao no processo e a questao e questao do

process~" s.obre ato do processo. Mas at esta a grandeza do

cont~adltono. A sua presen<;a no procedimento que prepara 0

provrmento possibilita que as partes construam, com 0juiz, 0

170

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autor do ato estatal de carater imperativo, 0proprio processo, e

que, assim, participem da formacao da sentenca.

A finalidade do processo jurisdicional e, portanto, a prepa-

racao do provimento jurisdicional, mas a propria estrutura do

processo, como procedimento desenvolvido em contraditcrio

entre as partes, da a dimensao dessa preparacao: como a partici-

pacao das partes, seus destinatarios, aqueles que terao os seus

efeitos incidindo sobre a esfera de seus direitos.

A estrutura do processo assim concebido permite que os

jurisdicionados, os membros da sociedade que nele comparecem,

como destinatarios do provimento [urisdicional, interfiram na sua

preparacao e conhe<;am, tenham consciencia de como e POl' que

nasce 0ato estatal que ira interferir em sua liberdade; permite que

saibam como e par que uma condenacao lhes e imposta, urn direitolhes e assegurado ou urn pretenso direito lhes e negado.

A instrumentalidade tecnica do processo, nessa perspectiva

do Direito conternporaneo, nao poderia, jamais, significar a tee-

nica se desenvolvendo para se produzir a simesma. Ainstrumen-

talidade tecnica do processo esta em que ele se constitua na

melhor, mats agil e mais democratica estrutura para que a sen-tenca que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia da

participacao igual, paritaria, simetrica, daqueles que receberao

os seus efeitos.

9.3. A PRomr;Ao DE DlREITOS

Tem-se afirmado que chegou 0momenta de se dispensa-

rem os formalismos para que os direitos sejam assegurados e 0

processo adquira efetividade.

A historia do Direito dernonstra, com dados objetivos, que,com formalismos rigorosos (0 processo formulario)252 ou sem

252 Ha excelente exposicao na obra de JOSE CARLOSMOREIRAALVES. Direito

Romano, Rio deJaneiro: Forense, 4i!.ed. 1978,

171

 

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qualquer formalismo (os processos que WEBER denominou de

"direito formal irracional'', do direito Salomonico, passando pelo

Kadi, chegando aos "tribunais revolucionarios'YP'' os processos

tiveram uma enorme eficacia para uma pluralidade de fins. Com

forrnalismos ou sem formalismos foram eficazes para condenar

em nome de muitos nomes: em nome de razoes sociais e em

nome de razoes de Estado, em nome do pecado e em nome de

Deus; em nome de incompreensiveis signos e em nome de mis-

teriosos, formidaveis e insondaveis nomes.

Historicamente, com formalism os ou sem forrnalismos, os

ordenamentos juridicos ja permitiram que 0processo tivesse

como finalidade a salvacao da alma e a salvacao da sociedade.

Das finalidades transcendentes, nao se tem perdido a memoria,

quando 0uizo de Deus se manifestava nas Ordalias. E nao esta

tao afastada a epoca em que os procedimentos da Santa Inquisi-

<_;ao,ue torturava para obter a confissao e para purificar a alma

do condenado, antes de entrega-Io ao brace secular, se faziam

em nome de um "bem maior" da sociedade: em nome da fe , e em

nome de Deus.

A atual estrutura normativa do processo esta predisposta

para que as partes que dele participam em contraditorio, sendo

os destinatarios da sentenca, contribuindo para sua formacao,

saibam por que pode ela constituir 0ate de condenacao, pOl'que

pode ela impor uma reparacao, por que pode ela rejeitar um

pedido de protecao a urn suposto direito. Os sujeitos do proces-

so que se realiza como urn procedimento em contraditorio sa-

bern, hoje, em nome de que nome 0ate final do processo

condena ou declara que nao ha base para se condenar. E estao

garantidos de que a condenacao ou a rejeicao do pedido de que

eta se imponha se fara dentro da mais cristalina regra de uma

estrutura normativa que assegura, atraves de suas formas, a suaparticipacao em todas as atividades que preparam a sentenca,

253 Rernete-se ao estudo de JULIEN FREUND - La rationalisation du droit

seton Max Weber in Archives... citado.

172

J

nao de modo arbitrario, mas de modo a que seus atos sejam

reciprocamente controlados, em sua oportunidade e em sua

subsistencia. Essa e a forma de um jogo democratico que permite

a manifestacao das divergencias no iter da formacao de urn ate

final que produz efeitos na esfera de direitos de seus destinata-

rios, mas com a garantia de simetrica igualdade de oportunida-

des desses destinatarios nos atos preparatorios daquele que se

revestira de carater imperativo.

A primeira protecao que 0ordenamento juridico necessita

ofereceraos jurisdicionados e a protecao-de seu direito de,

quando destinatario dos efeitos da sentenca, participar dos atos

que a preparam, loncorrendo para sua formacao, em igualdade

de oportunidades.

9.4. A PROTEC;AODE DlREITOS MATERIAlS

o processo tera a finalidade de proteger os direitos substan-ciais, os direitos subjetivos lesados ou ameacados, se a sua exis-

tencia se confirmar, no iter que prepara a formacao da sentenca,Nessa hipotese 0juiz nao podera negar a protecao requerida,

desde que, observando os deveres da [urisdicao, aplique as me-

didas nos limites que 0ordenamento juridico as comporte.

o juiz tern 0dever de se ater ao pedido t e de se ater asespecies de medidas jurisdicionais autorizadas pela norma. Ele

atua como orgao do Estado e fala pelo Estado, e, assim como nao

pode penetrar na esfera dos direitos dos jurisdicionados, para

protege-los, sem ser solicitado, nao pode decidir alern do que foi

pedido pela parte, que tem a liberdade de dispOl'sobre os limites

da protecao requerida. 0 juiz nao pode impor medida nao auto-

rizada pelas normas pOl"que,sendo orgao do Estado, tern0deverde cumprir 0Direito legitimamente criado pela nacao pela qual

o Estado fala.

Na hipotese de se verificar a inexistencia do direito para 0

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qual a protecao foi requerida, logicamente, ela nao podera serconcedida.

Entretanto, em ambas as alternativas, 0processo, como

procedimento desenvolvido em contraditorio entre as partes

que, sendo os destinatarios do provimento, participam do iter de

sua formacao, permite que saibam por que 0conteiido do ato

final, ato imperativo do Estado, consistiu na prorecao do direito

ou na rejeicao da protecao pleiteada.

Essa questao e da mais intensa Importancla para se por em

relevo a necessidade de se garantir, juridicamente, a liberdade.

o processo, na perspectiva historica, quando seu ato final

era constituido unilateral mente pelo Estado, ainda que esse ato

tivesse 0conteudo na maior consonancia com 0direito material. ,nao poderia deixar de ser uma estrutura propicia a praticas

autoritarias25

i_ Quando os direitos e as garantias individuais

foram se consolidando, 0processo se aperfetcoou na exigencta

de que nele estivesse presente 0direito a ampla defesa, com as

medidas a ela inerentes.

Hoje, a instrumentalidade tecnica do processo requer mais

do que a garantia de participacao das partes. Requer que essaparticipacao se de em contradirorm, com igualdade de oportuni-

dades, e que dela resulte essa consequencia cujo alcance neces-

sita serapreendido em toda sua extensao, que e a participacaodos destinatarios da sentenca em sua propria formacao,

Entre uma decisao "justa", tomada autoritariamente, e uma

decisao "justa", consrrufda democraticamente, nao pode deixar

de haver diferenca, quando se ere que a dignidade humana se

realiza atraves da liberdade.

254 Serias reservas sao feitas aos arts. 263 (primeira parte) e 295 (itens I a IV)do CPC brasileiro.

174

rI

9.5. A PROTEr;AO DO DlREITO LESADO OUAMEA~ADO

Para a protecao de direitos, contra 0licit~, a inobse.rvancia

da conduta juridicamente valorada como devida, orgamza-.se ~

jurisdicao. Que protecao nao e imposicao, confirma-o ? p~tnCl-pio nemo iudex sine actore, que condiciona a interferenc!a do

Estado na esfera dos direitos dos jurisdicionados, atraves do

exerdcio da funcao [urisdicional, a provocacao dos propri?s

jurisdicionados. Observado tal principio, e claro que a funcao

[urisdicional, como ja se falou, exerce-se em processos "conten-

ciosos" e em procedimento de "jurisdicao voluntaria'', manifesta-

se em processos onde ha conflitos _de i~tere~se~ contr~postos

(ou Iitigios), e onde, havendo ou nao divergencias, os mteres-

sados desejam a mesma decisao, enfim, manifesta-se pelo proce-

dimento que se desenvolve em contraditorio entre as partes e em

procedimento que se realiza sem 0contraditorio. . '.

No processo jurisdicional civil de conhecimento, 0ato final

do provimento, para ser favoravel ao autor, e impor a med~da

jurisdicional postulada, tem como pressuposto a constatacao,

atraves do contraditorio, do direito lesado ou ameacado e do

ilicito, que, em qualquer campo do Direito, sempre se caracteri-

zara pela inobservancia da conduta legalmente prevista como

canone ou modelo para 0comportamento.

o provimento tem, como pressuposto de sua validade, 0

correto desenvolvimento do procedimento que 0prepara, realiza-

do em contraditorio entre as partes, e, quando se confirma, no

contraditorio, a existencia do direito lesado ou ameacado, e do

ilicito, de que decorreu a lesao ou que se constitui em ameaca a

direito, a medida jurisdicional e imposta para impedir que perdurea lesao ou a ameaca, para determinar a reparacao da lesao e a

cessacao da ameaca ao direito, para cuja protecao foi requerida.

Sob a inspiracao de CHIOVENDA, a doutrina do Direito

Processual Civil, discorrendo sobre os escopos+? do processo,

255 Cf. GIUSEPPE CHIOVENDA - Saggi di Diritto Processuale Civile (1900-

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sedimentou a ideia de que 0escopo do processo eo de atuar 0

direito material, e nao tardou a the acrescentar a pacificacao com

justica, de conflitos sociais, e outras finalidades, nesse plano de

valoracao.

Duas consideracoes sao oportunas sobre a imprecisao de

tal concepcao, ]< i se demonstrou que a finalidade do processo

nao pode ser confundida com a finalidade da medida jurisdicio-

nal imposta pelo provimento. 0 processo atuara 0direito mate-

rial se constatado, peIo correto procedimento e atraves do con-

~-~ftta.clit6ri6;que ha urn direito substancial que deve ser amado.

Caso contrario, nao ha, obviamente, como atuar urn direito Ine-

xistente.

];i foi posta em relevo a distincao entre a ordem constitucio-

nal italiana e a brasileira. Pelo art. 5Q, item XXXV,da Constituicao

da Republica de 05 de outubro de 1988, nao se pode endossar a

afirmacao de que 0processo se desenvolva para atuar 0direito

material. Desenvolve-se para permitir a preciacao do Poder Judi-

ciario sobre lesao ouameaca a direito, e a forma dessa aprecia-

<;;aose da peIo provimento.

o segundo ponto de reflexao volta-se para as afirmacoes

sobre os escopos do processo que agregam a atuacao do direitomaterial a pacificacao com justica,

Ainda que se estenda 0escopo da jurisdicao - 0da pacifi-

cacao - ao instrumento de sua manifestacao - 0processo,

dizer-se que a finalidade deste e pacificar com justica suscita uma

questao imediata. Os direitos garantidos no processo nan se

confundem com 0direito material que sera objeto de exame na

sentenca.

Quando atuado 0direito material, se constatada a sua exis-

tencia no procedimento desenvolvido em contradit6rio e, cum-

prido 0pressuposto da medida jurisdicional, esta for imposta, a

1930) Nuoua Bdtzione Considereuolrnente Aurnentata dei "Saggi" e dei

"Nuoui Saggi", volume primo, Roma: Societa Editrice -Foro Italiano, 1930,

v. sobretudo, pp. 230/233.

176

~i

justica que decorrera da atuacao da lei tera a mesma medida que

tern a justica do direito substancial.

A atuacao do direito podera ser valorada como justa, se

justo for 0direito a set atuado. Apalavra justica possui urn apeIo

emocional muito forte, mas a afirmacao que se fez nao pode

causar surpresa se se olha para tras na hist6ria, ou se se relan-

ceia, tambem, 0olhar sobre 0empo presente.

A valoracao da justica do direito material nao e finalidadedo processo. Pode comparecer na sentenca, que 0processo

prepara, mas nos limites dos deveresda=jurisdicao, porque 0

exercicio do poder jurisdicional, como 0exercicio de qualquer

poder, se faz dentro da disciplina da lei, e 0poder junsdicional

nao e mais 0poder de Salomao, mas sim0poder de se cumprir

o dever da jurisdicao,

E oportuno observar que, desde os fins do seculo passado,

a doutrinajurfdica passou a revelar uma grande preocupacao

com a natureza da funcaodo juiz (nao com a natureza da funcao

jurisdicional, mas com 0pr6prio papel do juiz na funcao de

aplicar 0direito). Surgiram indagacoes e respostas sobre 0que

ele deveria fazer perante a lei injusta, como poderia ter a medida

para julgar com justica,

No principio do seculo, a questao se tornou tao importante

que toda uma corrente doutrinaria se formou em torno da cha-~

mada Escola do Direito Livre, que, cornecando por investigar a

questao das lacunas, culminou por investigar a missao do juiz, e

seu lema se espalhou, soprado pelo espirito do tempo: "pelo

Direito ainda que contra a lei". Nao mais "pelo direito, alern da

lei, mas atraves dela", como queriam os autores mais moderados,

mas "ainda que contra a lei".

A cisao entre 0Direito e a lei e questao antiga. Nao se falaneIa sem se rernemorar Antigone, e SOFOCLES nasceu por volta

de 496 a.c. 0 lema "pelo direito ainda que contra a lei" pode ser

encontrado em expressoes vigorosas ja no seculo XIII, quando a

contraposicao entre 0direito Justo e a lei injusta foi organica-

mente analisada, sob a 16gicaaristotelica, por SANTOTOMASDE

177

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256 o Direito Processual Civil se desenvolveu, adquiriu autono-

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AQUIN0 . Na verdade, a leitura da historia da Filosofia do

Direito revela que a questao nunca foi abandonada.

No inicio do seculo XX, quando 0problema ressurgiu, 0

Direito Processual Civil estava dan do os primeiros passos para

consolidar sua autonomia. Compreende-se que toda ansia pela

justica no processo fosse projetada no papel que se reservava ao

juiz. Se0Direito Processual, que seria 0direito do exercicio da

jurisdicao, ainda estava se construindo, nao havia entao base

para se discutir a funcao jurisdicional, dentro das disciplinas

juridicas, e a alternativa encontrada foi 0desvio do problema

para 0"papel-missao do juiz". Nao se percebia que 0juiz fala

pelo Estado, porque esta investido da funcao que e do Estado e

que os membros da sociedade precisavam de maior protecao, no

processo, do que a projetada na consciencia do juiz.

Hoje, a sociedade pede mais do Direito. Ela necessita de

bons juizes mas nao transfere para a consciencia, do j~lgador a

medida de seus direitos. Sabe que a sentenca "podera ser justa

ou, eventualmente, ate injusta", como diz ADAPELLEGRINIGRI-

NOVER, 0que, obviamente, nunca se deseja. Mas, como pros-

segue a processualista, "de qualquer maneira, 0que importa eque a sentenca se siga necessariamente a urn proeedimento legi-

timado pelo 'devido processo legal'. Nao a urn procedimento

qualquer. Mas a urn procedimento que garanta a s partes; e naosomente ao autor, a possibilidade de apresentarem a sua defesa

e as suas provas e a possibilidade de influirem sobre a formacao

do livre convencimento do juiz. So assim a resposta jurisdicional

sera, realmente, a resposta adequada ao Estado de Direito"257.

256Cf. SANTO ToMAs DEAQUINO -La Ley, trad. do Prof. Constantino Fernan-

dez-Alvar, Barcelona: Editorial Labor S.A., 1936. A referida obra e parte da

Summa Tbeologica, I-II, cc 90-97. V. sobretudo Art. 2, Q.6, p.91, em que a

lei injusta nao e considerada lei verdadeira, mas corrupcao da lei.

257 Cf. ADA PELLEGRINIGillNOVER -0Processo eni sua Unidade-II, Rio de

Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 61.

178

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mia, conquistou seu proprio dominic de mvesngacao.

Mas, para lembrar que a construcao de uma ciencia e uma

atividade muito humana, que passa tambem pelas contradicoes e

pelos sonhos humanos, as contradicoes aparecem dentro da

propria autoconfianca que 0Direito Processual adquiriu em seus

achados e em suas conquistas. Ele nao pode se considerar como

urn dorninio do conhecim.ento pronto e acabado, como se a

construcao de seu mundo nada mais tivesse para oferecer de

novo a sociedade, justamente quando ainda tern, em seu proprio

amago, problemas nao resolvidos, e justamente no momenta em

que a sociedade descobre suas garantias dentro do Estado.

9.6.A QUESTAO DOS ESCOPOS METAjURiDICOS

DOPROCESSO

A doutrina processual, no Brasil, tem-se preocupado em

atribuir escopos juridicos, politicos, eticos e sociais ao processo.

o grande nome nessa tendencia e, certamente, CANDIDO R.DINAMARCO,professor respeitado nacional e internacionalmen-

te, tradutor de LIEBMAN,autor de preciosos estudos de Direito

Processual e do livro "A Instrumentalidade do Processo", que

teve e tern admiravel projecao nos meios academicos e juridicos

de todo 0pais.

Quando os argumentos se desenvolvem em nome da justica

social, e por certo dificil veneer 0fascinio que eles provocam,

principalmente quando vern revestidos pelo vigor da cultura e

pela elegancia da forma.

Entretanto, se se pretender que 0processo seja, realmente,

a melhor tecnica possivel para, atraves do procedimento realiza-do em contraditorio, assegurar-se a participacao dos destinata-

rios do provimento nas atividades que 0preparam, contribuindo

para sua formacao, e necessario que se reflita urn pouco sobre os

179

 

novos escopos que ja se difundem pela doutrina brasileira, e por

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outras doutrinas, como atestam os Congressos internacionais'P".

Em "A Instrumentalidade do Processo", 0Professor CANDI-

DO R. DINAMARCOpropoe que se desenvolva uma nova menta-

lidade entre os processualistas modernos em torno da "instru-

mentalidade do processo", considerada segundo os fins da juris-

dicao e do processo. Os fins da jurisdicao nao seriam apenas

juridicos, mas tambem sociais, compreendendo a "pacificacao

com justica e a educacao", e politicos, a participacao, a "afirma-

c;aoda autoridade do Estado e de seuordenamento". 0 conceito

de jurisdicao nao seria juridico mas politico, ja que ela e expres-sao do poder do Estado e, assim, "e canalizada a realizacaodosfins do proprio Estado (...)"259.A relatividade social epoHtica

tornaria a jurisdicao permeavel a s mutacoes dos conceitos de

"bern comum, justica, e justica social", ou seja, os escopos da

jurisdicao nao seriam os mesmos em momentos sociais distintos

e em sistemas politicos diferentes/P". Entende que ha uma ten-

dencia universal, "quanto aos escopos do processo e do exercicio

cia jurisdicao. '0abandono das formulas exclusivamente juridi-

cas'". Aponta outras tendencias e registra a impossibilidade deque os escopos da. jurisdicao sejam esgotados nos "sistemas

juridicos, sociais e politicos do mundo"261.

A obra e densa e nao se pretendeu senao uma pequena

abordagem sobre 0que se designariam como escopos metajurf-

dicos. Esses escopos sao inspirados nas conrribuicoes da Socio-

logia juridica, que, na linha da separacao entre Direito e Estado,

258Foi lernbrado, na introducao deste trabalho, 0Congresso de Viena, de

maio de 1939. Entre ele e0Congresso Internacional de Direito Processuai,

de Gand, de 1977, a discussao evoluiu do papel reservado ao juiz para os

papeis atribuidos a jurisdicao.259 Cf. cANDIDO R. DINAMARCO -A Instrumentalidade do Processo, 2a ed,

rev. e atual., Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 207.

260 Cf. cANDIDO R. DINAMARCO,op. cit., pp. 206/219.

261 Cf. CANDIDO R. DINAMARCO,op. cit., p. 219.

180

alerta para 0problema da Iegitimacao pelo procedimento, que

acompanhou a racionalizacao do Estado moderno.

A contribuicao de outros campos do conhecimento juridico

para 0da ciencia do Direito Processual Civil,e de outros campos

do conhecimento em geral para 0conhecimento do Direito

serao sempre bem-vindas. A historia das doutrinas demonstra

que nenhum campo da ciencia cresceu sozinho. Entretanto,

quando se fala de jurisdicao e de processo, esta-se diante do

momento em que e0Direito Processual que pode oferecer, hoje,suas' gran des contribuicoes para os outros~dbminioS -do saber

juridico e de outras areas da investigacao cientifica. Seria deseja-

veI que as conquistas do Direito Processual estivessem disponi-

veis para outros importantissimos dominios que se dedicam a

temas vinculados a normatividade e a legitimidade de suas for-

mas de expressao, porque seguramente sepode afirmar que hoje

eIe tern muito a oferecer a sociedade.No Direito Processual atual, concebido como sistema nor-

mativo, 0processo ja nao pode ser reduzido a uma mera legiti-

macao peIo procedtrnenro=F, nao pOl'que se deva dispensar as

formas, mas prirque 0processo ja nao e mais apenas urn rito parajustificar uma sentenca. A estrutura juridica que permitiu 0de-

senvolvimento do conceito de processo construido sobre 0con-

tradtrorio e resultado de muitas conquistas historicas. 0 procedi-

mento desenvolvido em contraditorio entre os interessados na

decisao final construiu-se nao como uma forma de participacao

dos jurisdicionais para justificar urn ato imperativo final do Esta-

do, mas como garantia da participacao dos detentores de interes-

ses contrapostos, em simetrica paridade, para interferir na for-

macao daquele ato.

o Direito Processual estuda as normas que disciplinam 0

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262 Cf. NORBERTO BOBBIO, NICOlA MATTEUCCIe GIANFRANCOPASQUI,

NO - Dicionario de Politica, cit., ver especialmenre os verbetes "Estabilida-

de Polfrica' ', de LEONARDO MORLINO, e "Estado Contemporaneo", deGUSTAVOGOZZI.

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exerdcio da jurisdicao. A manifestacao do poder jurisdicional

passou por diversos regimes juridicos no curso de sua hist6ria, e

a grande conquista do Direito contemporaneo e a de que, paraque as liberdades se realizem dentro do Estado (e nao fora dele,

ou contra ele), 0exercicio do poder se submete a disciplina do

Direito. E por isso que nao e absolutamente vazia a afirmacao de

que a jurisdicao e0processo sao conceitos juridicos, e a ciencia

do Direito Processual nao pode renunciar a seu papel de tomar

esses conceitos e trabalha-los a exaustao, porque estaria se ne-

gando a seu papel social de clarificar, de tornar visivel e inteligi-

vel urn tema de profunda importancia para a sociedade.

A admissao de escopos metajuridicos da jurisdicao e do

processo pressupoem, necessariamente, a existencia de tres or-

dens normativas distintas: a juridica, a social e a polftica, Osescopos metajiirfdicos s6 poderiam ser entendidos, portanto,

como escopos pre-juridicos. Seria possivel pensar-se logicamen-

te nessa fase pre-juridica em relacao aos momentos de transfor-

macao, que preparam 0advento de uma nova ordem juridica. No

momento que antecede a cristalizacao dos valores que serao

acolhidos pelas normas, das ideologias que constituirao 0con-

teiido das normas, pode-se, por certo, pensar em escopos meta-

juridicos que serao postos no ordenamento juridicopela norma

que funda toda sua legitimidade. A recente experiencia brasileira

foi urn verdadeiro laborat6rio para a observacao da eleicao das

ideologias que iriam compor a nova. ordem estabelecida, sob

uma nova Constituicao.

Uma vez que0ordenamento juridico se institui e se conso-

lida em normas, condutas e relacoes humanas, valoradas como

Iicito ou ilicito, como conduta devida e conduta que inobserva

aquela estatuida como canone valorativo, ja nao se pode mais

cindir 0ordenamento da sociedade para, paralelamente a ordemjuridica que ela instaurou, pensar-se emuma ordem social auto-

noma e em uma ordem politica autonoma. Tres ordens sobera-

nas distintas nao explicariam a soberania de uma nacao, que nao

pode ser fragmentada. Ainda que se possa argumentar com a

182

pluralidade de ordens juridicas, em diferentes escalas, no meio

social, elas estarao sempre dentro do ordenamento juridico so-

berano, como ordens intra-estatais.

A ordern politica e a ordem social tern0seu fundamento na

ordem juridica, existem dentro do ordenamento juridico e so-

frem a sua regulamentacao. Supor 0contrario seria 0mesmo que

se admitir a possibilidade de se afirmar que, na sociedade orga-

nizada, 0poder se exerce dentro da lei e pela lei,e que 0podernao se exerce dentro da lei e pela lei. Ja se percebe a impos-

sibilidade de se manter as duas assertivas, po is mesmo no caso

do abuso do poder, os limites da lei dao a medida para a qualifi-

cacao de seu exercicio abusivo. No Estado contemporaneo de

Direito, 0poder se exerce segundo a disciplina da lei, seja ela

mais rigida ou mais elastica, conforme deixe ao Estado urn cam-

po mais restrito ou mais amplo de decisao sobre a oportunidade

e as formas de suas manifestacoes. 0 criterio para a afericao

dessa maleabilidade sera sempre dado pelo Direito, pois e na sua

lei fundante, na Constituicao, que se encontram a estruturacao

dos orgaos do poder, a definicao de sua competencia e os direi-tos e garantias que limitam a sua aruacao,

Os ordenamentos juridicos conternporaneos tern dado urn

grande realce ao exerdcio da jurisdicao e ao processo, que e 0

instrumento por excelencia de sua manifestacao. ITALOANDO-

LINAe GUISEPPEVIGNERA263 demonstram que ja se pode falar

em urn modelo constitucional de processo formado, nao mais

apenas pela estrutura e organizacao do Poder Judiciario, mas

tambern, em plano de igual importancia, pelas garantias proces-

suais dos jurisdicionados, ao lado das garantias do Poder Judicia-

rio e dos juizes investidos na funcao jurisdicional. A importancia

da especial garantia da norma processual acolhida no planoconstitucional ja ha mais de tres decadas era ressaltada por

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i263 Cf. ITALO ANDOLINA - GIUSEPPE VIGNERA . IIModelo Costitttzionale del

Processo Civile Italiano, C01"SOi lezioni, Torino: G. Giappicbelli Editore,

1900,passim.

183

 

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·RENZO PROVINCIALrZ .As garantias constitucionais do processo

sao garantias da propria sociedade, enquanto se coloca como co-

munidade de jurisdicionados perante 0Estado, que detem a san-

<;ao em sua universalidade. Sao garantias de que 0Estado nao

invadira 0dominio dos direitos individuais e coletivos, se nao

for chamado a protege-los, de que 0Estado nao instituira juizos

pos-constituidos, de que a privacao dos bens da vida que 0

Direito assegura nao se dati sem as formas de urn processo

devido e de que naose d!';r~sema,.,participa<;ao e0controle dos

desrinatarios do provimento em sua propria formacao, de que

nao se dara sem a devida explicacao aos jurisdicionados sobre os

fundamentos de uma decisao que interfere em seus direitos e nas

liberdades pelo Direito asseguradas. Seas Declaracoes de Direito

do seculo XVIII se preocuparam em criar as garantias politicas e

criminais dos individuos perante 0Estado, 0seculo XX,ji em fim

de milenio, preocupa-se em "assegurar" a aplicacao daquelas

garantias, ji ampliadas. Na base dessa preocupacao desenvolveu-

se tambem uma concepcao mais ampla de liberdade e de digni-

dade dos hom ens e da sociedade. As relacoes sociais nao sao

sempre harmonicas e a paz que pelo Direito se almeja nao

consiste em 5e abolir a existencia dos conflitos, amordacando-se

o pensamento, negando-se as diferencas, para se aniquilar as

divergencias, 0 conflito e acolhido e reconhecido, abre-se 0

espaco para que ele se manifeste, e, do jogo do contraditorio,

formam-se as decisoes que interferem nos direitos individuais e

coletivos na vida da sociedade.

Processo e termo de rmiltiplas acepcoes, como se demons-

trou quando foram discutidas as conotacoes da palavra, mas 0

conceito de processo, como "estrutura normativa", composta de

normas e de atos, e do provimento final, e juridico, como juridi-

co e 0conceito de jurisdicao como funcao ou atividade do

Estado "sob a disciplina do Direito".

264 Cf, RENZO PROVINCIAlI -N01'f11edi Diritto Processuale Nella Costituzio-

ne, Milano: oott. A Giuffre-Bditore, 1959, passim

184

Os chamados escopos metajuridicos, sociais e politicos,

acolhidos em regimes diversificados, sao, tambem, sem ne-

nhuma duvida, escopos juridicos acolhidos nas ordens constitu-

cionais que organizama sociedade.

Assim, POl'exemplo, quando se traz a colacao 0modelo socia-lista

265, em que 0 processo inclui, em suas finalidades, a educacao

para 0socialismo, nao se pode deixar de considerar que tal finali-

dade esta prevista na Constituicao da Uniao das Repiiblicas Socia-

listas Sovieticas, de 07 de outubro de 1967 onde se encontram/v?, , ..'

a partir do are 151, a s normas que disciplinam a jurisdicao. Os

Tribunais Sao constituidos por juizes eleitos e assessores populares

eleitos, para urn mandato com prazo determinado, respondem

perante os eleitores au perante os orgaos que os elegeram, pres-

tam-Ihes contas de suas atividades e podem ser por eles demitidos

(art. 152). Os juizes e os assessores populares sao independentes e

estao sujeitos apenas a lei (art. 155), mas essas se fazem segundo as

bases do regime social e da politica daURSS,definidas na Constitui-

c;ao (arts. 1Qa ~), onde hi expressa definicao da forca orientadora

da sociedade, 0Partido Comunista, e expresso compromisso com

a doutrina marxista-leninista, em toda a atuacao do poder do

Estado (art. (2).

Nao hi outra base na ciencia do Direito Processual Civil

para se afirmar a existencia de escopos da jurisdicao e do proces-

so, como instrumento de sua manifestacao, a na~ ser 0proprio

ordenamento juridico, dentro do qual se acomodam as ideolo-

gias, e, nesse caso, os escopos sao todos juridicos.

A reflexao sobre os chamados escopos pre-juridicos do

processo escapa, por certo, ao objeto de investigacao do Diretto

I

265 cANDICO R DINAMARCO reflere sabre ele em varias passagens de "AInstrumentalidade do Processo".

266 Naturalmente fala-se aqui do que se contern no texto de outubro de 1967,

Os acontecimentos da Perestroika e da Glasnost e os acontecimentos do

final de 1991 nao oferecern ainda dados disponfveis para a reflexao sobre

os escopos da jurisdicao, em epocas postericres.

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a jurisdicao. Entretanto, as conrrtbuicoes que chegam de outras

areas sao, como se disse, sernpre bem-vindas, e tornam-se rele-

vantes quando os elementos existentes em urn momenta pre-ju-

ridico Sao investigados, identificados e apreendidos depois que

sao acolhidos pelo Direito e passama integra-lo.

Nesse plano a Ciencia do Direito disp6e de estudos verda-

deiramente preciosos, desenvolvidos sobre a ideologia, em suas

varias formas de manifestac;ao, pelo Professor WASHINGTON

PELUSO ALBINO DE SOUZA267, que demonstram que ha uma

"ideologia constitucionalmente adotada", uma ideologia que po-

de ser apreendida nos principios constitucionais que estao na

base de todo 0ordenamento norrnativo.

A valoracao da conduta, na sociedade democratica, e feitapor ela propria': atraves dos processos admitidos na lei fundante

da ordem juridica, mas e assumida pelo Estado, que detem 0

poder politicamente organizado pelo Direito.

Nos sistemas democraticos, que se caracterizam pelo pluralis-

mo, em diversos pIanos de atuacao da liberdade, que se desdobra

em liberdades no Estado e perante 0Estado, em liberdades priva-das e publicas, individuais e coletivas, a, investigacao da ideologia

constitucionalmente adotada pode gerar a questao para a qual a

doutrina tern despertado a atencao, a das chamadas antinomias

constitucionais - a convivencia de principios divergentes e con-

267 cr . WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOUZA - Direito Economico Sao

Paulo: Saraiva, 1980, pp, 32/49; p.133 e s.; Ideologia e Ordern Bconomica

in Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, vol. 30, nQ

23125,1980/1982, pp. 132/154; 0Principio Econornico no Discurso Consti-

tucional, in Revista Brasileira de Estudos Politicos, Belo Horizonte, nQ

60/61~]a.n.I.J~L198?, pp. 271/319; A Experiencia Brasileira da Constituicao

Economl~, In Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte,

vol. 32, rr- 32, 1989, pp, 59/96; Poder Constituinte e Ordem jurfdico-Eco-

nomi~a, inRevista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, vol.

30, n 28129, Nova Fase, 1985/1986, pp. 51!73e Revista de Inforrnacao

Legislativa, Brasilia, vol, 23, nQ89, jan.zmai. 1986, pp. 33/48.

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traditorios dentro da mesma ordem instituida, declarados em

sua propria base de legitimacao.

Os principios "divergentes" do texto constitucional sao ex-

traordinariamente significativos, quando se pensa no pluralismo

admitido na sociedade, para cuja vida a Constituicao se volta. Os

principios contraditorios exprimem uma pluralidade de valores,

e se a sociedade e pluralista, e nao monolitica, a verdadeira

contradicao logica se daria pela sua inexistencia268•

E por esse angulo que se pode entender que 0principio do

contraditorio integra a vida social e se realiza plenamente na socie-

dade, 0que torna 0seu desenvolvimento urn verdadeiro proces-

so, quando suas questoes sao resolvidas com a verdadeira parti-

cipacao de urn povo livre. Nem por outro motivo 0modelo

renovado de processo, do Direito Processual, como apontou

FAZZALARI,conforme ja referido, tern se expandido para os

setores das deliberacoes privadas, porque nenhum outro se mos-

trou mais adequado para a salvaguarda das liberdades.

Ao se admitir a separacao entre 0Direito material, para cuja

apreciacao 0processo se desenvolve, nos casos emque 0urisdicio-

nado pede a protecao do Estado, arguindo sua lesao ou ameaca, e

o Direito Processual que disciplina 0exercicio do poder jurisdicio-

nal que, atraves do processo, apreciara 0pedido e emanara 0

provimento, nao se pode confundir a finalidade do processo com

as diversificadas finalidades do Direito material, ou substancial.

E a finalidade do processo, compreendida em toda a exten-

sao e profundidade em que se pode entender 0principio do

contraditorio, ressurgira de sua propria instrumentalidade tecni-

268 A prop6sito de princfpios contraditorios e de antinomias no texto constitu-

cional, veja-se a exaustiva analise feita por WASHINGTON PELUSO ALBI-

NO DE SOUZA em conferencia proferida na Faculdade de Direito de Natal

(RN), sob 0titulo "Conflitos Ideol6gicos na Constituicao Economica",

aguardando publicacao na "Revista Brasileira de Estudos Politicos" (BL

ISSN0034-7191), da Universidade Federal de Minas Gerais (Av. Alvares

Cabral, 211, sala 1206 - Belo Horizonte).

187

 

ca. Nao e ela pequena, estreira ou dispensavel, ao contrario, e

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enorme, profunda e necessaria.

Essa finalidade permite que as partes recebam uma senten-

ca, nao construida unilateralmente pela clarividencia do juiz, nao

dependente dos principios ideologicos do juiz, nao condiciona-

da pela magnanimidade de urn fenomenoMagnaud, mas gerada

na liberdade de sua participacao reciproca, e pelo reciproco

controle dos atos do processo.

A finalidade do processo, como procedimento desenvolvi-. do em contraditorio entre as partes, na preparacao de-um-provi-v-

men to que ira produzir efeitos na universalidade dos direitos de

seu destinatario, e a preparacao participada da sentenca,

Os resultados dela nao sao despreziveis. POl' ela os homens

e a sociedade, dotados de liberdade e de dignidade, poderao

saber que tern urn direito assegurado, que nao sao condenados e

nao tern seus supostos direitos rejeitados em nome de qualquer

outro nome, a nao ser em nome do Direito, do Diretto que a

propria sociedade formulou e do Direito cuja existencia foi por

ela consentida/P",

269 Toda a polernica questao dos escopos rnetajurfdicos do processo desagua

no Direito material. Eo Direito material, construfdo ou reconstrufdo pelas

partes ern contraditorio ao Longo do procedimento, que e aplicado pelo

juiz ao caso concreto submetido a sua apreciacao. Na aruacao deste Direito

material e que se atcndcra a "tins sociais'' ou a "exigencias do bem cornum",

conforme 0determina 0art. 5Q da Lei de Introducao ao C6digo Civil

(Decreto-Iei 4.657, de 04 de seternbro de 1942). Nisto nao ha qualquer

escopo metajurfdico do processo, mas aplicacao, como criterio de julga-

mente, do Direito material, que devera regular a especie, Nao podera,

porem, 0uiz vagamente invocar "fins sociais" da lei ou "exigencias do bem

conium" sem urna precisa e detalhada especificacao de quais sejarn estes

"fins sociais" ou de qual seja 0conteudo daquilo a que chama de "bem

conium". E claro, mais que claro, que0

"contradit6rio" permitira que aspartes influam na construcao ou na reconstrucao destes "fins sociais" ou

destas "exigencias do bem comum", mas tudo com os olhos postos no

direito substantivo, e que ira reger a solucao da tide. Dessarte, os escopos

merajuridicos sao eminenternente jurfdicos e, mais, pertinentes nao a nor-

mas de processo, e sirn a normas de Direito material (civil, administrativo,

do trabalho, tributario, comercial...). E, aqui, acaba 0conflito!. ..

188

CONSIDERA~6ES FINAlS

1. Como atividade humana, a ciencia e urn processo em

permanente e continuo desenvolvimento e nao urn coniunto de

conhecimentos cristalizados e imobilizados no tempo. A remin-

cia da ciencia a novas conquistas importa na remincia a sipropria

e ao aperfeicoamento de suas tecnicas, porque as transforma-

~6es no mundo humano sao permanentes e e a realidade huma-

na que exige seu progresso. A palavra de fe no crescimento da

ciencia e a da confianca em sua racionalidade, a coafianca de que

as respostas ainda nao encontradas poderao ser alcancadas atra-

yes de urn esforco conjunto, na reflexao das construcoes legadas

pelo passado e no seu repensar no presente, para que os resulta-

dos obtidos possam ser postos a disposicao da sociedade.

2. No Direito, a ciencia se construiu construindo sua tecni-

ca, formulando seu instrumental teorico para unificar em mode-

los amplos 0fenomeno jurfdico, De posse dessa tecnica, dedi-

cou-se a compreender e a elucidar seu objeto, 0direito gerado

na sociedade pelos orgaos por ela legitimados a elabora-lo.

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) 3. Aciencia do Direito Processual Civil tornou-se autonoma dimento, entao mero rito, era repudiado. Esgotando-se na for-

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ao definir seu proprio dominio de mvesngacao e ao adquirir seu

proprio instrumental teorico para 0tratamento de seu objeto.

Sua autonomia, entretanto, longe de significar onisciencia, re-

presentou 0inicio de urn longo caminho de construcao doutri-

naria.

4. 0 ordenamento juridico, naturalmente, nao aguardou

pela autonomia do Direito Processual Civil para incidir sobre

fatos sociais. Tao antigos como 0proprio Direito foram os diver-

sificados ritos de sua aplicacao: 0culto dornestico dos Manes, os

oraculos, as forrnulas.ios procedimentos diferenciados que, com

seus ritualismos, chegaram ao seculo passado.

o procedirhento era rito e era forma quando a ciencia do

Direito Processual Civil comecou a se formar, na segunda meta-

de do seculo XIX,perfodo em que 0individualismo alastrava-se

por todas as formas de rela~6es humanas e caracterizava 0pro-

prio espfrito da epoca, 0 instrumental teorico do Direito Proces-

sual Civil foi elaborado sobre 0que havia de disponfvel no

campo do conhecimento e da realidade [uridica. Em sua res posta

aos problemas que deveriam encontrar solucao no plano da

racionalidade, as doutrinas nascentes utilizaram os conceitos

construidos no curso da historia. E da Alemanha, de WINDS-

CHEID e MUTHER,mais tarde da Italia de CHIOVENDA, expan-

diu-se urn Direito Processual Civil que se consolidou em torno

do conceito do "direito de acao". Este teve a sua base na concep-

~ao de direito subjetivo que se fora elaborando, a partir da Idade

Media, em dois sentidos: como urn poder absoluto de que nao se

presta contas ou como urn poder de exigir condutas de outrem.

Dessa conexao com a ac;aosurgia a concepcao de processo como"relacao jurfdica". .

5. A medida que a construcao juridicaresplandecia, 0proce-

190

ma, nao merecia urn esforco de reflexao mais serio. A a~ao

tornou-se 0centro do universe do Direito Processual Civil, e

desse centro se irradiaram os conceitos que seriam utilizados no

tratamento de seu objeto, mesmo quando este foi identificado na

norma processual e no processo.

o Direito Processual Civil brasileiro deve a sua renovacao

ao brilhantismo intelectual de LIEBMAN. E se desenvolveu em

paralelo com a doutrina italiana, que recebera suas bases da

Alernanha do seculo XIX, privilegiando, tambem, em suas inves-

tigacoes, 0direito de a<_;ao.

Adoutrina do Direito Processual Civil esteve consciente das

dificuldades geradas pelas multiplas teorias da acao, mas nao se

deteve suficientemente no reexame dos conceitos que estavam

em suas bases.

o direito subjetivo, a acao, a relacao juridica, 0processo,

formavam urn quadro conceitual desenhado no seculo passado

para explicar a atividade do Estado que se manifesta na jurisdi-

<_;ao.

! 6. As construcoes teoricas desenvolveram-se para acompa-

Inhar a evolucao do Direito que as conquistas sociais produziam.

.E aprimoraram-se 0suficiente para acolher a grande conquista

do Direito contemporaneo que ja nao nega mas reconhece 0

conflito e busca resolve-lo com a participacao dos interessados,

em contradicao. 0 conceito do contraditorio evoluiu. la nao selimita ao direito da parte de ser ouvida, ao direito de se defender,

:mas erigiu-se como uma garantia dos destinatarios da decisao de

participar do processo, em simetrica igualdade, na etapa prepa-

ratoria do ate imperativo do Estado - a sentenca -, para influirem sua formacao.

7. Os conceitos que responderam a uma realidade normati-

191

 

va do seculo passado nao sao adequados para responder a reali- exerce-se nos limites do ordenamento juridico, sob sua discipli-

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dade normativa do mundo de hoje. 0 processo foi concebido

como uma relacao juridica na circunscricao de um direito marca-

do p~10individualismo.

Acaregoria de relacao jurfdica, com seu vinculo de sujeicao,

foi submetida a reflexao e a critica da doutrina do seculo xx ,exigidas por um direito que se transformou na ampliacao das

garantias sociais. A reflexao critica incidiu tambem sobre a dis-

sica concepcao de direito subjetivo que era 0esteio da categoria

da relacao jurfdtca.Ao-conceito de relacao juridica como vinculo

entre sujeitos foi proposta a alternativa da categoria de situacao

juridica, que permite 0exame de poderes, faculdades e deveres

na correlacao da posicao subjetiva com a norma.

8. Surge no quadro dessas renovacoes uma nova concepcao

de procedimento, como atividade preparatoria do ato do Estado

de carater imperativo, 0provimento, disciplinada por uma estru-

tura normativa em que as normas se encontram em uma especial

forma de conexao. 0 centro de gravidade do Direito ProcessualCivil comeca a se deslocar. Com base no renovado conceito de

procedimento prepara-se urn novo conceito de processo.

A grande contribuicao para essa construcao, organica, logi-

ca e sistematizada, vern de ELlO FAZZALARIque, com apoio em

um quadro solido e coerente, formula a concepcao do processo

como procedimento realizado em contraditorio entre as partes.

9. A jurisdicao nao e a manifestacao de um poder sem

disciplina juridica. Ao contrario, quando 0Estado e chamado a

exercer a "funcao" jurisdicional ele age dentro de uma estruturanormativa que regulamenta sua atividade. E essa estrutura nor-

mativa est! construida para comportar e garantir a participacao

dos destinatarios do ato imperativo do Estado na fase de sua

form~~ao. A jurisdicao, estudada pelo Direito Processual Civil,

192

na, em uma estrutura normativa, em que os atos e as norm as sao

conectadas em especial forma de.interdependencia,

10. A identificacao do processo nessa estrutura normativa,

como procedimento realizado em contraditorio entre as partes,

supera a concepcao de processo como relacao juridica. 0contra-

ditorio e oportunidade de partictpacaoparitaria, e garantia -de

simetrica-igualdade de participacao dos destinatarios do provi-

mento na fuse procedimental de sua preparacao, Apossibilidade

assegurada departicipacao em simetrica igualdade nao se conci-

lia com vinculo de sujeicao,

11. Os conceitos de garantia e de sujeicao vern de esquemas

teoricos distintos-de momentos sociais distintos, de concepcoes

distintas. Pela evolucao do conceito de contraditorio, a categoria

da relacao juridica processual ji nao e logicamente admitida.

Perante 0contradirorio, nao se pode falar em relacao de sujeicaoou de subordinacao, as partes se sujeitam ao provimento, ao ato

final do processo, de cuja preparacao participam, e nao ao juiz. A

categoria da relacao juridica ja nao e propria para a concepcao#.

de processo centrada na garantia do contraditorio, pOl'que nao e

com ela compativel. ou existem vinculos de sujeicao ou existe

liberdade garantida de participacao.

12. 0 processo, libertado do conceito de relacao juridica,

renova-se na renovacao do conceito de procedimento. 0proces-

so e um procedimento, mas nao dos ritos e das formas a se

jusrificarem a si mesmos. Urn procedimento realizado em contra-

ditorio entre as partes, que trazem seus interesses contrapostos,

seus conflitos e suas oposicoes a discussao no amago da ativida-

de que se desenvolve, ate 0momento final, urn procedimento

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para a ernanacao de uma sentenca participada, da sentenca que e

ato do Estado, mas que nao e produzida isoladamente pelo

Estado e sim resulta de toda uma atividade realizada com a

participacao, em garantia de simetrica paridade, dos interes-

sados, ou seja, dos que irao suportar os seus efeitos.

13. Na concepcao de processo como procedimento realiza-do em contraditorio entre as partes, renova-se, tambem, 0con-

ceito de acao como sene de "posicoes subjetivas compostas",

atribuida a s partes, no processo, em todo 0curso do processo,

em correlacao com as atividades do juiz, no exercicio da funcao

da jurisdicao.

14. Na estrutura normativa do processo, os poderes, facul-

dades e deveres das partes nao podemser exigidos. Tern elas a

liberdade de transforma-los em onus. Mas a funcao jurisdicional

e do Estado que nao pode renunciar ao poder da jurisdicao que

eo "poder de cumprir 0dever" da resposta, 0dever de ernanar 0

provimento. Ac:;aoe Funcao. 0agir no processo, no curso do

processo, com as garantias do processo e sob a dis~iplina do

processo, em uma situacao de legitimacao.

15. 0 contraditorio foi definitivamente conquistado como

urn direito das partes, foi consagrado, no Brasil, como garantia

constitucional, e se transformou em uma exigencia da instru-

mentalidade tecnica do processo. Aideia que esta em sua base e

ada evolucao da pratica da democracia e da liberdade, em que os

interesses divergentes ou em oposicao encontram espaco garan-

tido para sua manifestacao, na busca da decisao participada.

16. Enquanto nao se podia pensar a funcao jurisdicional

194

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a reflexao juridica se ateve a missao do juiz, e projetou nele a

grande esperanca de se retificarem as injusticas do Direito posi-

tivo.

17. Com as novas conquistas do Direito, 0problema da

justica no processo foi deslocado do "papel-~issao" do juiz par:_a

a garantia das partes. 0grande problema da epoca contempora-

nea ja nao e0da conviccao ideologica, das preferencias pessoais,

das conviccoes intimas do juiz. E 0de que os destinatarios do

provimento, do ato imperativo do Estado que, no processo juris-

dicional, e manifestado pela sentenca, possam participar de sua

formacao, com as mesmas garantias, em simetrica igualdade,

podendo cornpreender por que, como, pOl' que forma, em que

limites 0Estado atua para resguardar e tutelar direitos, para

negar pretensos direitos e para impor condenacoes.

18. A instrumentalidade tecnica do processo, como ativida-de regida por uma especifica estrutura normativa que preve a

participacao dos destinatarios do provimento no iter que 0pre-

para e repensada em uma nova dimensao,

19. Os fins metajuridicos do processo nao possuem crite-

rios objetivos de afericao no Direito Processual Civil. Se0exerci-

cio da funcao [urisdicional se manifesta sob a disciplina do orde-

namento juridico, enos limites por ele definidos, "qualquer fim

do processo so pode ser juridico" (Cf. rodape 268).

20. Aconcepcao do processo como procedimento realizado

em contraditorio nao comporta fins extrajuridicos, porque a

preparacao participada do provimento valido e juridicamente

195

 

disciplinada. 0 provimento se forma sob a regulamentacao de que urn direito e assegurado, uma condenacao e imposta, ou urn

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toda uma estrutura normativa que limita a manifestacao da juris-

dicao e assegura a s partes 0direito de participacao igual, simetri-

ca e paritaria, na fuse que prepara 0ato final (Cf., novamente,

rodape 268).

21. Entre 0processo e a situacao de direito material.ja nao

se concebe uma relacao de necessidade Iogica, e, em consequen-cia, a existencia dessa situacao nao e medida-de-ueilidade ..do

processo. Ao judiciario incumbe apreciar lesao ou ameaca a

direito, para deferir ou rejeitar as medidas requeridas, e essa

funcao ja nao se cumpre pelo previo controle da existencia da

lesao ou ameaca. Entre 0ato de apreciacao, 0objeto da aprecia-

c;;aoe 0resultado da apreciacao, ha diferencas manifestas.

21.1. 0 processo cumprira seu escopo existindo ou inexis-

tindo a lesao ou a ameaca alegadas, ou deficientemente alegadas,

ou ineptamente alegadas. Em face da estrutura normativa que

rege a preparacao do provimento, este sera emanado, em suanatureza de ato imperativo, se corretamente realizado com a

garantia da participacao das partes, em contraditorio, ainda que

a medida jurisdicional requerida nao possa ser concedida.

21.2. Afinalidade do processo de atuar 0direito e condicio-nada a constatacao, no iter procedimental, da existencia de urn

direito lesado a ser atuado. E a medida da justica da decisao sera

a mesma medida da justica do direito material.

21.3.0 processo, como procedimento realizado em contra-

ditorio entre as partes, cumprira sua finalidade garantindo aernanacao de uma sentenca participada. Os seus destinatarios ja

nao precisam recear pelas preferencias ideoI6gicas dos juizes,

porque, participando do iter da formacao do ato final, terao sua

dignidade e sua liberdade reconhecidas e poderao compreender

196

pretenso direito e negado nao em nome de quaisquer nomes,

mas apenas em nome do Direito, construido pela propria socie-

dade ou que tenha sua existencia por ela consentida.

22. Este estudo foi iniciado por uma reflexao sobre a ciclica

crise de confianca da cultura ocidental na razao.: crise que se

estende a .racionalidade do Direito. E conclui pela afirmacao danecessidade de se recuperar a funcao social do conhecimento. As

praticas caoticas, e as aventuras experimentais, sem maiores

compromissos com a fundamentacao, quando se destinam a

influir no campo social, atingindo liberdades, tern provocado

ingentes sofrimentos, muitos deles irremediaveis.

22.1. 0 conhecimento fundamentado permite, ao'menos,

que seja afastado 0 argumento autoritario que nao se explica

senao pela forca que 0sustenta.

23. A ciencia do Direito Processual Civil nao traca normas

para a sociedade, tal como a racionalidade logica da ciencia nao

e jamais normativa. Mas ela pode ampliar os horizontes da liber-

dade, possibilitando que haja verdadeira escollta, hicida e inteli-

givel, entre opcoes possfveis, da utilizacao que a sociedade pu-

der fazer dos resultados de suas investigacoes.

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INDICE

INTRODU<;Ao . . 7

CAPITULO I

C[ENCIA E TECNICA1.1. A Ciencia .

1.2. A Tecnica .

1:3. Relacoes Entre Ciencia e Tecnica .

2.1.

2.2.

2.3.2.4.

2.5.

CAPITULO II

C[ENCIA]UIDDICA E TECNlCA]UIDDICA

Relacao Entre Ciencia juridica e Tecnica juridica .

Os Campos da Investigacao do Direito ....Dogmatica jurfdica e Teoria Geral do Direito .

A Tecnica ]uridica . . . . . . . . . . . . . . .

oAuxilio da L6gica . . . . . . . . . . . . . .2.5.1. Mitificacao e Desmitificacao . . . . .

2.5.2. Urn Instrumento para urn Raciodnio

17

22

24

27

28

29

31

3636

39

CIENCIA DO DlREITO PROCESSUAL E TECNICA PROCESSUAL

3.1. A Ciencia do DtreitoProcessual e seu Objeto . 45

3.2. ANecessidade da Distincao Entre a Ciencia e

seu Objeto .

3.3. A Norma Processual ..

3.4. A]urisdic;ao3.5. 0Processo . . . . .

)

47

48

50

55

4.1.

CAPITULO IV

PROCESSO E PROCEDIMENTO

Processo e Procedimento. multiplicidade de

Acepcoes 594.1.1. Processo 59

4.1.2. Procedimento . . . . . . . . . . . . . 61

Procedimento e Processo: Duas TendenciasTe6ricas Distintas . . . . . . . . . . . . . . . 62

4.2.1. Procedimento e Processo: A Distincao Baseada

em Cnrerio "Teleologico" . . . . . 64

4.2.2. A Base da Distincao pelo Criterio

Teleo16gico . . . . . . . . . . .. 66

4.2.3. Procedimento e Processo Vistos Sob Uma

4.2.

Perspectiva L6gica . 67

5.1.

5.2.

5.3.

5.4.

CAPITULO V

o PROCESSO COMO RELA<;Ao]UIDDICA

Relacao Juridica Processual . . . . . . . . . . . 70

A Questao da Relacao ]uridica . . . . . . . . . 73

A Questao do Direito Subjetivo 75

As Dificuldades na Aplicacao do Modelo Classico de

Relacao jurfdica e do Classico Conceito deDireito Subjetivo . . . . . . . . 78

As Reacoes da Doutrina e a Formulacao de

Novas Propostas . . . . . . . . . . . . . . . 815.5.

 

5.6. A Negacao da Relacao Juridica Pela sua Reducao a Uma CAPITULO IX

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Page 100: Aroldo Plínio Gonçalves - Técnica Processual e Teoria do Processo(1992)

5/13/2018 Aroldo Plínio Gonçalves - Técnica Processual e Teoria do Processo(1992) - slidepdf.com

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Conexao de Normas e a Correlata Negacao do Direito

Subjetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

5.7. A Teoria das Situacoes juridicas . . . . . . . . 85

5.8. Direitos Subjetivos e Situacao juridica . . . . . 90

5.9. 0 Problema do Direito Subjetivo Como Poderde Exigir a Conduta de Outrem . . . . . . . 91

5.10. AQuestao da Concepcao do Processo Como

Relacao juridica . . . . . . . . . . . . . . . . 97

CAPITULO VI

o PROCESSO COMO PROCEDIMENTO REALIZADO

EM CONTRADITOruO ENTRE AS PARTES

6.1. Procedimento: Atividade Preparat6ria do

Provimento . 102

6.2. A Renovacao do Conceito de Procedimento . . 103

6.3. A Contribuicao de ELIO FAZZALARI . . . . . . 105

6.3.1. 0 Processo Como Especie do Genero

Procedimento . . . . . . . . . . . . .. . 111

6.3.2. OProcesso Como Procedimento Realizado em

Contradit6rio . . . . . . . . . . . . .. . 115

6.4. 0 Contradit6rio . . . . . . . . . . . . . . . .. . 119

6.5. Condicoes e Resultados da Caracterizacao do

Contradit6rio . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 129

CAPITULO VII

A REVISAo DO CONCEITO DE A<:;Ao

7.1. AAc;;ao:Resposta da Ciencia ao Problema de

Uma Epoca, . . . . . . . . . . . . 133

7.2. A Revisao do Conceito de Ac;;ao . . . . . . . . .143

CAPITULO VIII

A SITUA<;Ao DE DIREITO MATERIALE 0 PROCESSO . . . 155

A INSTRUMENTALIDADE TECNICA DO PROCESSO9.1. 0 Processo Como Tecnica . . . . . . . . 168

9.2. A Finalidade do Processo jurisdicional . 170

9.3. A Protecao de Direitos . 171

9.4. A Protecao de Direitos Materiais . . . . . . . . 173

9.5. A Protecao do Direito Lesado ou Ameacado . . 175

9.6. A Questao dos Escopos Metajuridicos do Processo . 179

CAPITULOX ~~~~-

CONSIDERA<;6ES FINAlS. .189

BIBLIOGRAFIA ....

INDICE DE AUTORES

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