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    EDITAO I PA ANAa arte de viver segundo ..

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    Este livro eletrnico oferecido gratuitamente.

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    ! Disseminar as palavras do Buda

    ! Oferecer apoio jornada do buscador! Iluminar o caminho do meditador

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    Vipassana Research Publicationsan imprint of

    Pariyatti Publishing867 Larmon Road, Onalaska, WA, USA 98570

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    MEDITAO VIPASSANAA arte de viver segundo S.N. Goenka

    William Hart

    Ttulo Original: The Art of LivingCopyright 1987 by William Hart

    Traduo para o Portugus:Associao Vipassana de Portugal /

    Associao Vipassana do Brasil

    Texto de acordo com a nova ortografia.Reviso: Clarisse Cintra

    Capa e diagramao: Rafael SaraivaProduzido por: Dhamma Livros

    ISBN: 978-1-928706-38-0 PDF eBook

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    Sumri

    Prefcio,Introduo,

    . A busca, . O ponto de partida,

    . A causa imediata, . A raiz do problema, . O treinamento da conduta moral,

    . O treinamento da concentrao, . O treinamento da sabedoria, . Conscincia e equanimidade,

    . O objetivo, . A arte de viver,

    . Apndices, . Glossrio,

    Notas, Centros de Meditao Vipassana,

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    Precio

    no mundo de hoje,a tcnica de Vipassana ensinada por S.N. Goenka nica. Essatcnica um caminho simples e lgico para alcanar a verdadeirapaz mental e levar a uma vida feliz e til. Preservada ao longo dosanos pela comunidade budista de Myanmar (antiga Birmnia),Vipassana em si mesma nada contm de natureza sectria e podeser aceita e aplicada por pessoas de qualquer formao.

    S.N. Goenka um industrial aposentado e foi lder da co-munidade indiana na antiga Birmnia. Nascido em uma famliaconservadora hindu, sofria desde jovem de severas enxaquecas. Em

    busca de uma cura, em entrou em contato com Sayagyi U BaKhin, que acumulava as funes de alto funcionrio pblico comas de professor de meditao. Ao aprender Vipassana com U BaKhin, o Sr. Goenka encontrou uma disciplina que ia muito almdo alvio dos sintomas de uma doena fsica, e que transcendiabarreiras culturais e religiosas. Nos anos de prtica e estudo quese seguiram, sob a orientao do seu professor, Vipassana gradu-

    almente transformou a sua vida.Em o Sr. Goenka foi autorizado por U Ba Khin a serprofessor de meditao Vipassana. Nesse mesmo ano, ele veiopara a ndia e comeou a ensinar Vipassana, reintroduzindo essatcnica na sua terra de origem. Em um pas ainda intensamentedividido por castas e religies, os cursos do Sr. Goenka tm atradomilhares de pessoas de todas as tradies. Milhares de ocidentaistambm tm participado de cursos de Vipassana, atrados pelanatureza prtica da tcnica.

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    As qualidades de Vipassana so exemplificadas pelo prprio Sr.Goenka. Ele uma pessoa pragmtica, em contato com a realidadecorrente da vida e capaz de lidar com essa realidade de forma inci-

    siva mas, em todas as situaes, mantm uma extraordinria calmamental. Paralela a essa calma, existe uma profunda compaixopelos outros, uma habilidade de se relacionar com, virtualmente,qualquer ser humano. No entanto, ele nada tem de solene. dotadode um cativante senso de humor, que aplica no seu ensinamento.Os participantes de um curso recordam durante muito tempo oseu sorriso, as suas gargalhadas e o seu repetido mote: Sejamfelizes!. evidente que Vipassana lhe trouxe felicidade e ele deseja

    vivamente compartilhar essa felicidade com os demais, mostrando--lhes a tcnica que funcionou to bem para ele.

    No obstante a sua presena magntica, o Sr. Goenka no aspiraa se tornar um guru que transforma os seus discpulos em autmatos.Ao contrrio, ele ensina autorresponsabilidade. O verdadeiro teste deVipassana, diz ele, aplic-la na vida. Ele encoraja os meditadoresno a se sentarem aos seus ps mas a sarem do seu redor e irem viver

    uma vida feliz no mundo. Evita todas as expresses de devoo suapessoa e, em lugar disso, orienta os seus estudantes a devotarem-se tcnica, verdade que encontram dentro de si prprios.

    Em Myanmar, tradicionalmente, ensinar meditao tem sidoprerrogativa dos monges budistas. Contudo, tal como o seu pro-fessor, o Sr. Goenka um leigo e chefe de uma grande famlia.Apesar disso, a clareza do seu ensinamento e a eficcia da prpria

    tcnica ganharam a aprovao de monges veteranos em Myanmar,na ndia e no Sri Lanka, tanto que vrios deles fizeram cursos soba sua orientao.

    Para manter a pureza da tcnica, o Sr. Goenka insiste que ameditao nunca deve tornar-se um negcio. Os cursos e centrosque operam sob a sua direo so todos conduzidos numa basetotalmente no lucrativa. Ele prprio no recebe remuneraodireta ou indireta pelo seu trabalho e nem os professores-assistentesautorizados a ensinar em cursos como seus representantes. Ele

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    distribui a tcnica de Vipassana puramente como um servio humanidade, para ajudar queles que necessitam de ajuda.

    S.N. Goenka um dos poucos guias espirituais indianos res-

    peitados tanto na ndia como no Ocidente. Entretanto, ele nuncaprocurou fazer publicidade, preferindo confiar na divulgao bocaa boca para expandir o interesse por Vipassana; sempre enfatizouser mais importante a prtica da meditao do que a mera literaturasobre a meditao. Por essas razes, muito menos conhecido doque merece ser. Este livro o primeiro estudo pormenorizado do seuensinamento, preparado sob a sua orientao e com a sua aprovao.

    A principal fonte para este trabalho so as palestras dadaspelo Sr. Goenka durante um curso de dez dias de meditao Vi-passana e, em grau menor, os seus artigos escritos em ingls. Useiesses materiais livremente, tomando emprestado no s linhasde raciocnio e organizao de pontos especficos, mas tambmexemplos dados nas palestras e, frequentemente, palavras exatas,mesmo frases inteiras. Para aqueles que participaram de cursosde meditao Vipassana tal como so ensinados por ele, grande

    parte deste livro ser na certa familiar, e podero, at mesmo,identificar uma palestra especfica ou um artigo que foi usado emcerto ponto do texto.

    Durante um curso, as explicaes do professor so acompanha-das passo a passo pela experincia dos participantes na meditao.Aqui, o material foi reorganizado em benefcio de um pblicodiferente, pessoas que esto apenas lendo sobre meditao sem

    necessariamente a terem praticado. Para tais leitores foi feita umatentativa de apresentar o ensinamento tal como ele experimen-tado na prtica: uma progresso lgica fluindo sem parar desde oprimeiro passo at o objetivo final. Essa totalidade orgnica maisevidente para o meditador, mas este trabalho tenta proporcionaraos no meditadores uma noo do ensinamento tal como ele serevela quele que pratica meditao.

    Determinadas sees preservam deliberadamente o tom dalinguagem oral, com o intuito de transmitir uma impresso mais

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    viva da forma como o Sr. Goenka ensina. Essas sees so as his-trias introduzidas entre os captulos e as perguntas e respostasque concluem cada captulo, dilogos retirados de conversas reais

    com os estudantes durante os cursos ou de entrevistas privadas.Algumas histrias vm de acontecimentos da vida de Buda, outrasda herana cultural indiana, rica em histrias populares e, aindaoutras, de experincias pessoais do Sr. Goenka. Todas so narradasnas suas prprias palavras, no com a inteno de melhorar as ori-ginais mas, simplesmente, para apresent-las de uma nova maneira,enfatizando a sua relevncia para a prtica da meditao. Essashistrias suavizam a atmosfera sria de um curso de Vipassana eoferecem inspirao ao ilustrar pontos centrais do ensinamentode uma forma memorvel. Das muitas histrias contadas em umcurso de dez dias, apenas uma pequena seleo foi includa aqui.

    As citaes foram retiradas do mais antigo e mais aceito registrodas palavras de Buda; a Coleo de Discursos (Sutta Pitaka), talcomo preservada na antiga lnguapliem pases cuja religio oBudismo Theravada. Para manter um tom uniforme por todo o

    livro, tentei retraduzir todas as passagens citadas aqui. Para tanto,me guiei pelo trabalho de tradutores modernos de qualidade. Poroutro lado, por no ser este um trabalho acadmico, no me preo-cupei em alcanar uma exatido, palavra por palavra, na traduodo pli. Em vez disso, tentei transmitir em linguagem direta osentido de cada passagem tal como aparece a um meditador deVipassana, luz da sua experincia de meditao. Talvez a traduo

    de certas palavras ou passagens possa parecer pouco ortodoxa mas,nas questes substantivas, espero, segue o sentido mais literal dostextos originais.

    Em nome da consistncia e da preciso, termos budistas usadosno texto foram mantidos em suas formas empli, embora, em certoscasos, o snscrito possa ser mais familiar aos leitores. Por exemplo,a palavra empli dhamma usada no lugar do snscrito dharma,e assim tambm: kamma karma, nibbna nirvna, sankhrasamskra. Para tornar o texto mais facilmente compreensvel, aos

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    plurais das palavras emplifoi acrescentado um s. Em geral, umnmero mnimo de palavras emplifoi mantido no texto, paraevitar confuso desnecessria. Contudo, muitas vezes oferecem um

    atalho conveniente para se alcanar certos conceitos com os quaiso pensamento ocidental no est familiarizado e que dificilmentepoderiam ser expressos com um termo nico em outro idioma. Poresta razo, em certos pontos pareceu prefervel usar uma frase empli em vez de outra lngua. Todas as palavras escritas empli, emitlico, esto traduzidas no glossrio no final deste livro.

    A tcnica de Vipassana oferece benefcios iguais a todos aque-les que a praticarem, sem discriminao alguma com base naraa, classe ou sexo. De forma a manter-me fiel a esse caminhouniversal, tentei evitar no texto o uso de termos que especificamo gnero. Apesar disso, h passagens onde usei o pronome elepara me referir a um meditador sem gnero especfico. Os leitoresso aconselhados a considerar esse uso como sexualmente inde-terminado. No existe a inteno de excluir as mulheres ou dardestaque indevido aos homens, pois tal parcialidade seria contrria

    ao fundamento do ensinamento e do esprito de Vipassana.Estou muito agradecido a todos os que ajudaram neste projeto.

    Em particular, desejo exprimir a minha mais profunda gratido aS.N. Goenka pelo tempo cedido, apesar da sua agenda sobrecar-regada, para rever este trabalho medida que se desenvolveu e,mais ainda, por ter-me guiado nos primeiros passos do caminhoaqui descrito.

    Em um sentido mais profundo, o verdadeiro autor deste traba-lho S.N. Goenka, visto meu propsito ser somente o de apresentara sua transmisso do ensinamento de Buda. Os mritos deste tra-balho pertencem-lhe. Quaisquer defeitos existentes so da minhaexclusiva responsabilidade.

    illiam art

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    Introduo

    de livrar-sede todas as suas responsabilidades mundanas por dez dias, tendoum lugar isolado e calmo onde viver, protegido de perturbaes.Nesse lugar os requisitos bsicos de sobrevivncia fsica, comoalojamento e refeies, estariam garantidos e voc teria ajudantes mo para garantir que estivesse razoavelmente confortvel. Emcontrapartida, ser-lhe-ia apenas solicitado evitar qualquer contatocom os outros e, afora as atividades essenciais, passar todo o seutempo diurno com os olhos fechados, com a mente fixa em umponto de ateno determinado. Voc aceitaria a oferta?

    Suponhamos que tenha somente ouvido falar que tal oportuni-dade existisse e que pessoas como voc esto no apenas dispostasmas animadas para passar o seu tempo livre dessa forma. Comodescreveria a atividade deles? Talvez dissesse estarem examinandoo prprio umbigo, ou em contemplao; escapismo ou retiro espi-ritual; autointoxicao ou autoexame; introverso ou introspeco.Seja a conotao positiva ou negativa, a impresso comum sobre

    a meditao tratar-se de uma retirada do mundo. Claro que htcnicas que funcionam dessa forma. Mas a meditao no precisaser uma fuga. Pode tambm significar um caminho para encontraro mundo de modo a entend-lo e a ns prprios.

    Todo ser humano condicionado para supor que o mundoreal est do lado de fora, que a forma de viver a vida pelo contatocom uma realidade externa, procura de fontes de informao,fsicas e mentais, de fora para dentro. A maioria de ns nuncaconsiderou desligar-se dos contatos com o exterior para ver o que

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    acontece no interior. A ideia talvez parea o mesmo que optar porficar horas a fio observando a escala de cores na tela da televiso.Achamos prefervel explorar o outro lado da lua ou o fundo do mar

    a perscrutar as profundezas escondidas dentro de ns mesmos.Mas, na verdade, o universo s existe para cada um de nsquando o experimentamos com o corpo e a mente. Nunca est emnenhum outro lugar, est sempre aqui e agora. Ao explorarmoso aqui e agora de ns prprios, podemos explorar o mundo. Seno investigarmos o mundo interior nunca poderemos conhecera realidade iremos conhecer apenas as nossas crenas ou nossasconcepes intelectuais a esse respeito. Porm, pela observao dens mesmos, podemos vir a conhecer a realidade diretamente eaprender a lidar com ela de uma forma positiva, criativa.

    Um mtodo para explorar o mundo interior a meditaoVipassana conforme ensinada por S.N. Goenka. Essa uma formaprtica de examinar a realidade do seu prprio corpo e mente,descobrir e resolver quaisquer problemas escondidos l existentes,desenvolver potenciais no usuais e canaliz-los para o seu prprio

    benefcio, assim como para o bem dos outros.Vipassansignifica percepo que permite tomada de consci-

    ncia ou insight, empli, lngua antiga da ndia. a essncia doensinamento do Buda, a experincia real das verdades das quaisfalou. O prprio Buda chegou a essa experincia pela prtica dameditao e, por isso, foi a meditao que ele ensinou acima de tudo.Suas palavras so registros das suas experincias na meditao, bem

    como instrues pormenorizadas de como praticar para alcanaro objetivo por ele alcanado, a experincia da verdade.Isso amplamente aceito, mas permanece o problema de como

    entender e seguir as instrues dadas pelo Buda. Embora suaspalavras tenham sido preservadas em textos de reconhecida au-tenticidade, a interpretao das suas instrues sobre a meditao difcil sem o contexto de uma prtica efetiva.

    Mas se existe uma tcnica mantida por incontveis geraes,que oferece exatamente os resultados descritos por Buda e segue,

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    com preciso, suas instrues e elucida pontos h tempos obs-curos, ento essa tcnica , sem dvida, digna de ser investigada.Vipassana esse mtodo. uma tcnica extraordinria na sua

    simplicidade, na sua ausncia total de dogmas e, acima de tudo,nos resultados que oferece.A meditao Vipassana ensinada em cursos de dez dias, aber-

    tos a qualquer pessoa que deseje sinceramente aprender a tcnicae que esteja apta a pratic-la, fsica e mentalmente. Durante osdez dias, os participantes permanecem circunscritos aos limitesdo curso, sem contato com o mundo exterior. Abstm-se de lere escrever e suspendem qualquer atividade religiosa ou outrasprticas, trabalhando exatamente de acordo com as instruesdadas. Durante todo o perodo do curso, seguem um cdigo bsicode moralidade que inclui o celibato e a absteno de quaisquerintoxicantes. Tambm mantm silncio durante os primeiros novedias do curso, embora estejam livres para discutir problemas rela-cionados com a meditao com o professor e problemas materiaiscom o gerente do curso.

    Durante os primeiros trs dias e meio os participantes praticamum exerccio de concentrao da mente. a fase preparatria paraa tcnica de Vipassana propriamente dita, que introduzida noquarto dia do curso. A cada dia, so introduzidos novos passosda prtica, de forma que, ao fim do curso, um esboo da tcnicainteira tenha sido apresentado. No dcimo dia termina o silncioe os meditadores fazem a transio de volta a um modo de vida

    mais extrovertido. O curso concludo na manh do dcimo-primeiro dia.A experincia dos dez dias trar provavelmente uma srie

    de surpresas para o meditador. A primeira ser descobrir quemeditar um trabalho rduo! Logo se percebe ser um equvocoa ideia corrente de que meditar uma espcie de inatividade ourelaxamento. preciso aplicao contnua para conseguir dirigir oprocesso mental, conscientemente, de uma maneira determinada.As instrues pedem que se trabalhe com esforo total sem gerar

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    tenso alguma, porm, at o meditador aprender a fazer isso, oexerccio pode ser frustrante ou at mesmo exaustivo.

    Outra surpresa que, de incio, os insightsadquiridos pela

    autoobservao tm grande probabilidade de no serem em nadaagradveis e felizes. Normalmente, somos muito seletivos quantoao conceito que temos de ns mesmos. Quando nos olhamos noespelho, temos o cuidado de armar a pose mais lisonjeira, a expres-so mais agradvel. Da mesma forma, cada um de ns tem umaimagem mental de si prprio que enfatiza qualidades admirveis,minimiza defeitos e omite completamente algumas facetas do nossocarter. Vemos a imagem que queremos ver, no a realidade. Masa meditao Vipassana uma tcnica para observar a realidade apartir de todos os ngulos. Em lugar de uma autoimagem cuidado-samente editada, o meditador confrontado com toda a verdade,sem qualquer censura. Certos aspectos dessa verdade sero, sema menor dvida, difceis de aceitar.

    s vezes pode parecer que, ao meditar, encontramos, em lugarde paz interior, somente agitao. Tudo acerca do curso pode

    parecer impraticvel, inaceitvel: a severidade do horrio, as ins-talaes, a disciplina, as instrues e os conselhos do professor, atcnica em si.

    Outra surpresa, entretanto, que as dificuldades desaparecem.Em determinado momento os meditadores aprendem a fazer forasem esforo, a manter uma vigilncia descontrada, um envolvi-mento desapegado. Em vez de se debaterem, mergulham fundo na

    prtica. A partir desse momento as limitaes do local deixam deparecer importantes, a disciplina torna-se um apoio til, as horaspassam depressa, sem se fazerem notar. A mente adquire a calmade um lago de montanha ao amanhecer, espelhando com perfeioo seu entorno e, ao mesmo tempo, revelando a sua profundezaqueles que olham com mais ateno. Quando essa clareza chega,cada momento pleno de afirmao, beleza e paz.

    Assim, o meditador descobre que a tcnica realmente funciona.Cada passo pode parecer um enorme salto, no entanto, verificamos

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    estar ao nosso alcance. Ao fim de dez dias, fica claro ter sido umalonga viagem desde o incio do curso. O meditador submeteu-sea um processo anlogo a uma operao cirrgica, ao lancetar

    uma ferida cheia de pus. Cortar a leso para abri-la e pression--la a fim de remover o pus doloroso mas, se isso no for feito, aferida nunca poder sarar. Uma vez removido o pus, a pessoa estlivre dele e do sofrimento que causava e pode, assim, recuperar asade total. De forma semelhante, ao passar por um curso de dezdias, o meditador liberta a mente de algumas tenses e desfrutade melhor sade mental. O processo de Vipassana gera profundastransformaes interiores, mudanas que persistem depois docurso ter acabado. O meditador descobre que toda a fora mentalconquistada durante o curso, todas as lies aprendidas, podemser aplicadas na sua vida diria em seu benefcio e para o bem dosoutros. A vida torna-se muito mais harmoniosa, produtiva e feliz.

    A tcnica ensinada por S.N. Goenka a mesma que ele apren-deu do seu falecido professor, Sayagyi U Ba Khin, de Myanmar; oqual aprendeu Vipassana com Saya U Thet, conhecido professor

    de meditao na antiga Birmnia na primeira metade do sculopassado. Saya U Thet, por sua vez, fora aluno de Ledi Sayadaw,famoso monge-erudito birmans do final do sculo e princpiodo sculo . No h registro dos nomes dos professores dessatcnica para alm desse perodo, mas aqueles que praticam a tcnicaacreditam que Ledi Sayadaw aprendeu meditao Vipassana commestres tradicionais que a preservaram atravs de geraes, desde

    tempos remotos, quando o ensinamento de Buda foi introduzidoem Myanmar.Certamente, a tcnica est de acordo com as instrues de

    Buda sobre meditao, com o sentido mais simples, mais literaldas suas palavras. E, mais importante, oferece resultados que sobons, pessoais, tangveis e imediatos. Este livro no um manualde auto-ajuda para a prtica de meditao Vipassana, e as pessoasque o usarem dessa forma procedem inteiramente por sua conta erisco. A tcnica s deve ser aprendida em um curso onde existam

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    as condies e ambiente adequados, bem como um guia treinadopara apoiar o meditador. A meditao um assunto muito srio,especialmente a tcnica de Vipassana, que lida com as profunde-

    zas da mente. Nunca devemos nos aproximar dela de uma formasuperficial ou casual. Se, ao ler este livro, se sentir inspirado aexperimentar Vipassana, pode dirigir-se aos endereos registradosno fim do livro para, atravs deles, saber quando e onde serooferecidos cursos.

    O propsito deste livro apenas apresentar um resumo domtodo de Vipassana tal como ensinado por S.N. Goenka, naesperana de ampliar a compreenso dos ensinamentos de Budae da tcnica de meditao que a sua essncia.

    * * *

    Era uma vez um jovem professor que estava fazendo uma viagem de

    navio. Embora fosse um homem com educao superior, com umafila de letras depois do nome indicando seus ttulos, tinha poucaexperincia de vida. Entre a tripulao do navio em que viajava,havia um velho marinheiro analfabeto. Todas as noites, o mari-nheiro visitava a cabine do jovem professor para ouvi-lo dissertarsobre numerosos e diversos assuntos. Estava muito impressionadocom o conhecimento do rapaz. Uma noite, quando o marinheiro

    estava a ponto de deixar a cabine, aps vrias horas de conversa, oprofessor perguntou-lhe: Meu velho, voc estudou geologia?O que isso, senhor?A cincia que estuda a Terra.No, senhor, nunca estive em nenhuma escola ou colgio.

    Nunca estudei nada.Meu velho, voc desperdiou um quarto da sua vida.Com uma expresso de tristeza estampada no rosto o velho

    saiu. Se uma pessoa to cheia de conhecimentos diz isso, na certa

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    verdade, pensou ele. Eu desperdicei um quarto da minha vida!Na noite seguinte, quando o marinheiro estava prestes a deixar

    a cabine, o professor perguntou-lhe outra vez: Meu velho, voc

    estudou oceanologia?O que isso, senhor?A cincia que estuda o mar.No, senhor, eu nunca estudei nada.Velho, voc desperdiou metade da sua vida.Com uma expresso ainda mais tristonha, o marinheiro saiu:

    Desperdicei metade da minha vida; este sbio assim o diz.Na noite seguinte, outra vez o professor perguntou ao velho

    marinheiro: Meu velho, voc estudou meteorologia?O que isso, senhor? Eu nunca ouvi falar disso.Ora, essa a cincia que estuda o vento, a chuva, o tempo.No, senhor, como lhe disse, nunca estive em nenhuma escola.

    Nunca estudei nada.Voc no estudou a cincia da Terra na qual vive; no estudou a

    cincia do mar de onde retira o seu sustento; no estudou a cincia

    do tempo que encontra todos os dias? Velho, voc desperdioutrs quartos da sua vida.

    O velho marinheiro estava muito infeliz: Este homem cheio deestudo disse que eu desperdicei trs quartos da minha vida! Devoter desperdiado mesmo trs quartos da minha vida.

    No dia seguinte, foi a vez do marinheiro. Ele chegou correndona cabine do jovem e gritou: Professor, o senhor estudou nado-

    logia?Nadologia? O que quer dizer?Sabe nadar, senhor?No, eu no sei nadar.Professor, o senhor desperdiou toda a sua vida! O navio bateu

    contra uma rocha e vai afundar. Aqueles que sabem nadar, talvezconsigam alcanar a costa mais prxima, mas aqueles que nosouberem nadar, vo morrer afogados. Lamento muito professor,o senhor certamente perdeu toda a sua vida.

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    Voc pode estudar todas as logias do mundo mas, se noaprender a nadar, todos os seus estudos so inteis. Voc podeat ler e escrever livros sobre natao, pode realizar debates sobre

    seus aspectos tericos sutis mas, como que isso pode ajudar,se recusar-se a entrar na gua por conta prpria? Voc precisaaprender a nadar.

    * * *

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    I.

    A usca

    , por ser o que falta em nossasvidas. Todos ns desejamos ser felizes; consideramos isso comoum direito nosso. No entanto, a felicidade um objetivo maisalmejado do que alcanado. Por vezes, todos ns experimentamosinsatisfaes na vida agitao, irritao, desarmonia, sofrimento.Mesmo se neste momento estivermos livres dessas insatisfaes,todos recordamos uma poca em que dissabores nos afligiram epodemos prever uma hora em que podem voltar a surgir. Eventu-almente, teremos todos que enfrentar o sofrimento da morte.

    Alm disso, nossas insatisfaes pessoais nunca se mantm

    limitadas a ns mesmos; ao contrrio, estamos continuamentecompartilhando o nosso sofrimento com os outros. A atmosfera volta de cada pessoa infeliz torna-se carregada de agitao; con-sequentemente, todos os que entram naquele ambiente tambmse sentem agitados e infelizes. Desse modo, tenses individuaiscombinam-se para criar as tenses da sociedade.

    este o problema bsico da vida: a sua natureza insatisfatria.

    Acontecem coisas que no desejamos; coisas que desejamos no acon-tecem. E ignoramos como ou por que esse processo funciona, assimcomo ignoramos nosso prprio comeo e nosso fim.

    H vinte e cinco sculos, no norte da ndia, um homem decidiuinvestigar esse problema, o problema do sofrimento humano. Apsanos de busca, e aps experimentar vrios mtodos, descobriu ummodo de ver com clareza a realidade da sua prpria natureza eexperimentar a verdadeira libertao do sofrimento. Aps alcanaro nvel mais elevado de liberao, de libertao do sofrimento e do

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    conflito, dedicou o resto da sua vida a ajudar os outros a fazer oque ele havia feito, mostrando-lhes o caminho para se libertarem.

    Essa pessoa Sidarta Gotama, conhecido como o Buda, o

    iluminado nunca afirmou ser nada alm de um homem. Comotodos os grandes professores, inspirou lendas, mas, quaisquer quefossem as histrias maravilhosas contadas sobre suas vidas passadasou seus poderes milagrosos, todos os testemunhos concordam queele nunca afirmou ser divino ou divinamente inspirado. Quaisquerqualidades especiais que tivesse, eram preeminentemente quali-dades humanas que elevou perfeio. Portanto, tudo o que elealcanou est dentro das possibilidades de qualquer ser humanoque trabalhe como ele trabalhou.

    O Buda no ensinou nenhuma religio, filosofia ou credo.Chamou seu ensinamento Dhamma, que lei, a lei da natureza.Ele no tinha qualquer interesse em dogmas ou especulao intil.Em vez disso, ofereceu uma soluo prtica para um problemauniversal. Agora como antes disse, eu ensino sobre o sofrimento ea erradicao do sofrimento.1Ele se recusava at mesmo a discutir

    qualquer coisa que no levasse libertao do sofrimento.Este ensinamento, insistia, no era algo inventado por ele, nem

    lhe fora revelado divinamente. Era simplesmente a verdade, a rea-lidade que havia conseguido descobrir pelos seus prprios esforos,assim como muitas pessoas haviam feito antes dele, assim comomuitas haveriam de fazer depois dele. No reivindicava qualquermonoplio sobre a verdade.

    Tampouco afirmou possuir qualquer autoridade especial paraseu ensinamento nem devido f nele depositada, nem devido natureza aparentemente lgica daquilo que ensinava. Pelo contrrio,declarou ser correto duvidar e testar tudo o que estivesse alm danossa prpria experincia:

    No acredite simplesmente naquilo que lhe disserem ou quelhe tenha chegado de geraes passadas, ou da opinio geralou por ser o que dizem as escrituras. No aceite algo como

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    verdadeiro por mera deduo ou inferncia, ou por consideraraparncias externas, ou por parcialidade por uma certa viso,ou pela sua plausibilidade, ou porque o seu professor lhe diz

    que assim . Mas quando voc prprio souber diretamente,Esses princpios so nocivos, censurveis, condenados pelossbios; quando adotados e colocados em prtica fazem danoe geram sofrimento ento deve abandon-los. E quando vocprprio souber diretamente, Esses princpios so saudveis,irrepreensveis, louvados pelos sbios; quando adotados ecolocados em prtica geram bem-estar e felicidade, entodeve aceitar e pratic-los.2

    A autoridade mais elevada a nossa prpria experincia daverdade. Nada deve ser aceito apenas na base da f: devemos exa-minar para ver se lgico, prtico, benfico. Nem o fato de terexaminado um ensinamento luz da razo basta para aceit-lointelectualmente como verdadeiro. Se quisermos os benefciosda verdade, precisaremos experiment-la diretamente. S ento

    poderemos saber se realmente verdade. O Buda sempre enfatizouensinar apenas aquilo que tivesse experimentado por ele mesmo,pelo conhecimento direto, e encorajou os outros a desenvolver esseconhecimento por si mesmos, para se tornarem as suas prpriasautoridades:

    Cada um de vocs deve fazer de si mesmo uma ilha, deve fazer

    de si mesmo o seu prprio refgio; no h outro refgio.Faa da verdade a sua ilha, faa da verdade o seu refgio;no h outro refgio.3

    O nico verdadeiro refgio na vida, o nico terreno slidono qual se instalar, a nica autoridade capaz de oferecer direoe proteo corretas, a verdade, Dhamma, a lei da natureza, ex-perimentada e verificada por cada um. Por isso, o Buda, no seuensinamento, sempre deu a maior importncia experincia direta

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    da verdade. Explicou, com a maior clareza possvel, aquilo queexperimentou, para que outros tivessem diretrizes para gui-losno trabalho rumo sua prpria realizao da verdade. Ele disse:

    O ensinamento que apresentei no tem uma versoexterna e outra interna. Nada ficou escondido no bolsodo colete do professor.4

    No era uma doutrina esotrica restrita a uns poucos eleitos.Ao contrrio, quis tornar conhecida, da forma mais simples emais extensa possvel, a lei da natureza, para que o maior nmeropossvel de pessoas pudesse se beneficiar dela.

    Tambm no tinha interesse em estabelecer uma seita ou umculto de personalidade com ele ao centro. A personalidade daqueleque ensina, garantia, de importncia secundria comparada do ensinamento. O seu propsito era mostrar aos outros como selibertarem, no transform-los em devotos cegos. A um seguidorque revelou excessiva venerao por sua pessoa, disse:

    O que pode ganhar ao contemplar este corpo sujeito corrupo? Quem v Dhammav a mim; quem me v,v Dhamma.5

    Devoo por qualquer outra pessoa, por mais santa que seja,no basta para libertar ningum; no pode haver libertao ou

    salvao sem a experincia direta da realidade. Logo, a verdadetem primazia, no a pessoa que a enuncia. Todo respeito devidoquele que ensina a verdade, mas a melhor forma de demonstraresse respeito trabalhar para descobrir a verdade por conta prpria.Quando lhe eram prestadas honrarias extravagantes ao final de sua

    vida, o Buda comentou:

    No assim que um ser iluminado deve ser honrado, res-peitado, reverenciado ou venerado. Na verdade, o monge

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    ou a monja, o homem ou mulher leigos que caminham comfirmeza na trilha de Dhamma, dos passos iniciais ao objetivofinal, praticando Dhamma, trabalhando de forma correta,

    que honram, respeitam, reverenciam e veneram o iluminadocom o mais elevado respeito.6

    O que o Buda ensinou foi um caminho passvel de ser seguidopor todo ser humano. Deu a essa trilha o nome de Nobre Caminhoctuplo, ou seja, uma prtica de oito partes inter-relacionadas. nobre porque qualquer um que percorrer esse caminho passar,sem sombra de dvida, a ser uma pessoa de corao nobre, repletode santidade, livre do sofrimento.

    um caminho que leva percepo consciente (insight) danatureza da realidade, um caminho de conhecimento da ver-dade. Para resolver os nossos problemas, precisamos enxergarnossa situao tal como na verdade. necessrio aprender areconhecer a realidade superficial, aparente e, tambm, avanaralm das aparncias para perceber verdades sutis, a verdade

    ltima e, finalmente, ter a experincia da verdade da liberta-o do sofrimento. O nome que se d a essa verdade da libertao,seja nibbna, cu ou qualquer outra coisa, no importante. Oimportante experiment-la.

    A nica forma de experimentar a verdade diretamente olharpara dentro, auto-observar-se. Fomos acostumados, a vida inteira,a olhar sempre para fora. Sempre estivemos interessados em ver as

    coisas que acontecem fora de ns, em aquilo que os outros estofazendo. Raramente, se tanto, procuramos examinar a ns mesmos,nossa prpria estrutura fsica e mental, nossas aes, nossa prpriarealidade. Por essa razo, permanecemos desconhecidos para nsmesmos. Deixamos de perceber o quanto essa ignorncia nociva,o quanto continuamos escravos de foras internas das quais nemconscincia temos.

    preciso eliminar essa escurido interior para podermos apre-ender a verdade. Devemos penetrar nossa prpria natureza para

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    sermos capazes de compreender a natureza da existncia. Portanto,o caminho mostrado pelo Buda um caminho de introspeco,de auto-observao. Ele disse:

    Dentro deste prprio corpo mensurvel, que contm a mentecom as suas percepes, torno conhecido o universo, a suaorigem, a sua extino e o caminho para a sua extino.7

    O universo inteiro e as leis da natureza que o regem devemser experimentados dentro de cada um. Somente podemos expe-riment-los dentro de ns mesmos.

    O caminho tambm um caminho de purificao. Investiga-mos a verdade a nosso respeito, no movidos pela v curiosidadeintelectual, mas, ao contrrio, com um propsito definido. Ob-servando a ns mesmos, ficamos cientes, pela primeira vez, dasreaes condicionadas, dos preconceitos que obscurecem a nossa

    viso mental, que escondem a realidade e produzem sofrimento.Reconhecemos as tenses internas acumuladas que nos mantm

    agitados, infelizes, e percebemos que podem ser removidas. Aospoucos, aprendemos como permitir que se dissolvam e nossasmentes tornam-se puras, repletas de paz e de felicidade.

    O caminho um processo que exige aplicao contnua. Avan-os repentinos podem ocorrer, mas so o resultado de esforossustentados. necessrio caminhar passo a passo; a cada passo,no entanto, os benefcios so imediatos. No seguimos o caminho

    com a expectativa de obter resultados a serem desfrutados somenteno futuro, para alcanar um cu aps a morte, aqui conhecidoapenas por suposio. Os benefcios tm de ser concretos, ntidos,pessoais, experimentados aqui e agora.

    Acima de tudo, um ensinamento a ser praticado. Apenas terf no Buda, ou nos seus ensinamentos, no ajudar a nos libertardo sofrimento; nem bastar a mera compreenso intelectual docaminho. Esses dois fatores s tm valor se nos inspirarem a colocaros ensinamentos em prtica. Somente a prtica efetiva daquilo que

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    o Buda ensinou dar resultados concretos e ir mudar nossas vidaspara melhor. O Buda disse:

    Algum pode recitar grande parte dos textos mas, se nopratic-los, tal pessoa inconsequente como um vaqueiroque conta somente o gado alheio; no desfruta dasrecompensas da vida de quem se dedica a buscar a verdade.Outra pessoa pode ser capaz de recitar apenas umas poucaspalavras dos textos mas, se viver uma vida de Dhamma,trilhando o caminho do incio at o objetivo final, entodesfruta das mesmas recompensas da vida daquele que vive procura da verdade.8

    O caminho deve ser seguido, o ensinamento deve ser imple-mentado; caso contrrio, um exerccio sem nexo.

    No necessrio se dizer budista para praticar esse ensinamen-to. Rtulos so irrelevantes. O sofrimento no faz distines, mas algo comum a todos; portanto o remdio, para ser benfico, deve

    ser igualmente aplicvel a todos. A prtica tampouco reservadaaos reclusos que se encontram fora da vida corrente. certamentenecessrio consagrar um perodo para nos dedicarmos, em tempointegral e com exclusividade, ao trabalho de aprender como pra-ticar mas, isso feito, devemos aplicar o ensinamento vida diria.Algum que renuncia casa e s responsabilidades mundanaspara seguir o caminho tem a oportunidade de trabalhar mais in-

    tensamente, de assimilar o ensinamento com mais profundidade e,assim, progredir mais depressa. Por outro lado, algum envolvidona vida mundana, equilibrando as exigncias de muitas e diferentesresponsabilidades, s pode dedicar um tempo limitado prtica.Mas, sejamos livres ou sobrecarregados de responsabilidades sociais,devemos aplicar Dhamma.

    somente o Dhammaaplicado que d resultados. Se esse cami-nho, de fato, leva do sofrimento paz, ento, medida que formosprogredindo na prtica, iremos nos tornar mais felizes na nossa vida

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    diria, mais harmoniosos, mais em paz com ns mesmos. Simul-taneamente, nossas relaes com os outros devem tornar-se maispacficas e harmoniosas. Em lugar de contribuir para aumentar as

    tenses na sociedade, devemos ser capazes de fazer contribuiespositivas que aumentem a felicidade e o bem-estar de todos. Paratrilhar o caminho, devemos viver uma vida de Dhamma, da ver-dade, da pureza. esse o caminho apropriado para implementar oensinamento. Dhamma, praticado corretamente, a arte de viver.

    * * *

    :O senhor se refere muitas vezes a Buda. Est ensinandoBudismo?.. : No estou preocupado com ismos. Eu ensino Dham-ma, que aquilo que o Buda ensinou. Ele nunca ensinou nenhum

    ismo ou doutrina sectria. Ele ensinou algo capaz de beneficiar

    pessoas de qualquer condio social: uma arte de viver. Permane-cer na ignorncia prejudicial para qualquer pessoa; desenvolversabedoria bom para todos. Assim, qualquer pessoa pode praticaressa tcnica e ser beneficiada. Um cristo ir tornar-se um bomcristo, um judeu ir tornar-se um bom judeu, um muulmanoir tornar-se um bom muulmano, um hindu ir tornar-se umbom hindu, um budista ir tornar-se um bom budista. Devemos

    tornar-nos bons seres humanos; caso contrrio nunca seremos umbom cristo, um bom judeu, um bom muulmano, um bom hindu,um bom budista. Como nos tornarmos bons seres humanos? isso o mais importante.

    O senhor fala em condicionamentos. Este treinamento no serno fundo um tipo de condicionamento da mente, mesmo sendoele positivo?Pelo contrrio, um processo de descondicionamento. Em lugar

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    de impor algo sobre a mente, remove automaticamente qualidadesnocivas para que somente as benficas, positivas, possam perma-necer. Ao eliminar as negatividades, permite que a positividade,

    que a natureza bsica de uma mente pura, venha tona.

    Mas, ao longo do tempo, sentar-se em uma posio especfica evoltar a ateno para determinado propsito uma forma decondicionamento.Se fizer isso como se fosse um jogo ou um ritual mecnico, entosim voc condiciona a mente. Mas esse seria um modo equivo-cado de usar Vipassana. Quando praticada corretamente, permiteexperimentar a verdade de forma direta, por conta prpria. E apartir dessa experincia, se desenvolve com naturalidade a com-preenso que ir destruir todo condicionamento prvio.

    No egosta se esquecer do mundo e simplesmente ficar sentadomeditando o dia todo?Poderia ser, se isso fosse um fim em si, mas um meio para

    uma finalidade que no de forma alguma egosta: uma mentesaudvel. Quando o seu corpo est doente, voc vai a um hospitalpara recuperar a sade. No para permanecer l o resto da sua

    vida mas simplesmente para recuperar a sade e, depois, us-lana vida cotidiana. Da mesma forma, voc vem a um curso demeditao para adquirir sade mental que depois ir utilizar nasua vida corrente, para o seu bem e para o bem dos outros.

    Permanecer feliz e calmo mesmo quando confrontado pelo sofri-mento dos outros isso no pura falta de sensibilidade?Ser sensvel ao sofrimento alheio no significa que voc deve setornar infeliz. Ao contrrio, deve permanecer calmo e equilibradopara poder agir de modo a aliviar o sofrimento dos outros. Se voctambm ficar triste, aumenta a infelicidade sua volta; nem ajudaaos outros, nem ajuda a si prprio.

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    Por que no vivemos em estado de paz?Porque falta sabedoria. Uma vida sem sabedoria uma vida deiluso, que constitui um estado de agitao, de sofrimento. A nossa

    primeira responsabilidade viver uma vida saudvel, harmoniosa,boa para ns e para todos os demais. Para tanto, devemos apren-der a usar a nossa faculdade de auto-observao, observao da

    verdade.

    Por que necessrio participar de um curso de dez dias paraaprender a tcnica?Bem, se voc pudesse vir por mais tempo, seria melhor ainda!Mas dez dias o tempo mnimo no qual possvel apreender osfundamentos da tcnica.

    Por que temos de permanecer no local do curso durante os dezdias?Porque esto aqui para realizar uma operao na sua mente. Umaoperao deve ser feita em um hospital, em um centro cirrgico

    protegido de toda a contaminao. Aqui, dentro dos limites es-paciais do curso, possvel realizar a operao sem que soframperturbaes trazidas por influncias externas. Quando o cursochega ao fim, acabou a operao e esto prontos para enfrentar omundo novamente.

    Essa tcnica pode curar o corpo fsico?

    Pode, como subproduto. Muitas doenas psicossomticas desapare-cem naturalmente quando as tenses mentais so dissolvidas. Se amente est agitada, propicia o desenvolvimento de doenas fsicas.Quando a mente adquire calma e pureza, as doenas desaparecemautomaticamente. Mas, se voc tiver por objetivo a cura de umadoena fsica, em vez da purificao da mente, no ir alcanarnem uma nem outra. Tenho constatado que pessoas que participamde um curso com o objetivo de curar uma doena fsica focalizamsua ateno exclusivamente na doena durante todo o curso: Hoje,

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    est melhor? No, no melhorou hoje est melhorando? No,no est! Desperdiam todos os dez dias dessa maneira. Mas, se ainteno for simplesmente purificar a mente, ento muitas doenas

    desaparecem automaticamente como resultado da meditao.

    O que diria ser o propsito da vida?Libertar-se do sofrimento. O ser humano tem a maravilhosa capa-cidade de mergulhar fundo dentro de si, observar a realidade e sairdo sofrimento. No usar essa capacidade desperdiar a prpria

    vida. Utilize-a para viver uma vida realmente saudvel, feliz!

    O senhor fala em ser dominado pela negatividade. E quanto a serdominado pela energia positiva, por exemplo, pelo amor?Aquilo a que chama de positividade a natureza real da mente.Quando a mente se livra dos condicionamentos, est sempre plenade amor amor puro e voc se sente em paz e feliz. Se vocremover a negatividade, a permanece o positivo, permanece apureza. Deixemos que todo o mundo seja dominado por essa

    energia positiva!

    * * *

    Na cidade de Svatth, no norte da ndia, o Buda tinha um grande

    centro onde as pessoas podiam ir para meditar e ouvir as suaspalestras sobre Dhamma. Todas as noites, um jovem vinha ouvirsuas palestras. Durante anos veio escutar Buda mas nunca colocouem prtica nenhum dos seus ensinamentos.

    Aps alguns anos, uma noite esse homem veio um pouco maiscedo e encontrou Buda sozinho. Aproximou-se dele e disse: Senhor,uma pergunta insiste em surgir na minha mente e gera dvidas.

    ? No deve haver nenhuma dvida no caminho de Dhamma;deve esclarec-la. Qual a sua pergunta?

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    Senhor, agora faz anos que venho ao seu centro de meditao enotei que h um grande nmero de reclusos sua volta, monges emonjas e um nmero maior ainda de leigos, tanto homens quanto

    mulheres. H anos que alguns deles tm vindo v-lo. Alguns deles,posso ver, certamente alcanaram o objetivo final; bem evidenteestarem completamente libertos. Vejo tambm que outros expe-rimentaram alguma mudana nas suas vidas. Esto melhores doque eram antes, embora no possa dizer que estejam inteiramentelivres. Mas, senhor, tambm vejo um grande nmero de pessoas,incluindo a mim mesmo, que continuam como eram e, s vezes, atpiores. Eles no mudaram de todo ou no mudaram para melhor.

    Porque isto acontece assim, Senhor? As pessoas vm ao se-nhor, um homem to elevado, plenamente iluminado, um ser topoderoso e compassivo; por que no usa o seu poder e compaixopara libertar a todos?

    O Buda sorriu e disse: Meu jovem, onde vive? De ondevem?

    Senhor, eu vivo aqui em Svatth, nesta capital do estado de

    Kosala.Sim, mas os seus traos faciais revelam no ser desta parte do

    pas. Qual a sua origem?Senhor, sou da cidade de Rjagaha, capital do estado de Maga-

    dha. Vim para c e instalei-me aqui em Svatth alguns anos atrs.E voc rompeu todas as ligaes com Rjagaha?No, Senhor, eu ainda tenho famlia por l. Tenho amigos.

    Tenho negcios.Ento, voc precisa ir com alguma frequncia de Svatth aRjagaha?

    Sim, Senhor. Eu visito Rjagaha muitas vezes por ano e retornoa Svatth.

    Tendo viajado e regressado tantas vezes pelo caminho daquiat Rjagaha, com certeza conhece o caminho muito bem?

    sim, Senhor. Conheo-o perfeitamente. Quase posso dizerque at de olhos vendados seria capaz de encontrar o caminho

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    para Rjagaha, tantas vezes j o percorri.E os seus amigos, aqueles que o conhecem muito bem, com

    certeza sabem que voc de Rjagaha e se instalou aqui? Devem

    saber que, frequentemente, voc visita Rjagaha e regressa, queconhece perfeitamente o caminho daqui at Rjagaha? sim, senhor. Todos aqueles que me so prximos sabem que

    eu frequentemente vou a Rjagaha e que conheo perfeitamenteo caminho.

    Ento deve acontecer que alguns deles vm procur-lo e pedemque lhes explique o caminho daqui at Rjagaha. Voc escondealguma coisa ou explica-lhes claramente o caminho?

    O que h para esconder, senhor? Eu explico o caminho da me-lhor maneira possvel; comece a caminhar no sentido leste e depoissiga na direo de Benares. Continue em frente at alcanar Gaya e,depois, Rjagaha. Eu explico muito claramente, Senhor.

    E essas pessoas a quem voc explica com tanta clareza, todaselas chegam a Rjagaha?

    Como pode ser, Senhor? Aqueles que seguem o caminho in-

    teiro at o fim, s esses chegam a Rjagaha. isso que quero lhe explicar, meu jovem. As pessoas me pro-

    curam continuamente por saber que sou algum que trilhou ocaminho daqui at nibbnae, por isso, o conheo perfeio. Elesme procuram e perguntam: Qual o caminho para nibbna, paraa libertao? E o que h para esconder? Eu explico claramente:Este o caminho. Se algum se limita a balanar a cabea e diz:

    Bem dito, bem dito, um timo caminho, mas no quero dar umpasso nele; uma trilha maravilhosa, mas eu no vou me dar otrabalho de trilh-la, ento como que tal pessoa pode alcanaro objetivo final?

    Eu no carrego ningum sobre os meus ombros para trans-port-lo at a meta final. Ningum pode carregar outra pessoanos seus ombros at o objetivo final. O mximo que se pode fazer,com amor e compaixo, dizer: Bem, esse o caminho, e essa aforma como caminhei nele. Trabalhe voc tambm, caminhe voc

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    tambm e assim atingir o objetivo final. Mas cada pessoa precisacaminhar por si mesma, deve dar cada passo no caminho por siprpria. Aquele que deu um passo no caminho j est um passo

    mais prximo do objetivo. Quem deu uma centena de passos estuma centena de passos mais prximo da meta. Quem deu todos ospassos no caminho alcanou o objetivo final. Voc precisa trilharo caminho por conta prpria.9

    * * *

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    II.

    O ponto de partid

    dentro de cada um de ns. Quan-do compreendermos a nossa prpria realidade, seremos capazes deidentificar a soluo para o problema do sofrimento. Conhece-tea ti mesmo, todos os sbios j aconselharam. Precisamos comearpor conhecer a nossa natureza; caso contrrio nunca seremoscapazes de resolver nem os nossos prprios problemas nem osproblemas do mundo.

    Mas o que, na verdade, sabemos sobre ns mesmos? Estamos,cada um de ns, convencidos da nossa importncia, da nossasingularidade, mas o conhecimento que temos sobre nossa pessoa

    meramente superficial. Em nveis mais profundos, ns no nosconhecemos de modo algum.

    O Buda examinou o fenmeno do ser humano ao examinara sua prpria natureza. Deixando de lado todas as ideias pre-concebidas, explorou a realidade interna e concluiu que cada serhumano composto de cinco processos, quatro deles mentais eum fsico.

    Matria

    Vamos comear pelo aspecto fsico. Esse o mais evidente, anossa poro mais aparente, percebida prontamente por todosos sentidos. Apesar disso, quo pouco sabemos a seu respeito.Superficialmente, podemos controlar o corpo: move-se e agede acordo com a vontade consciente. Mas, no plano mais sutil,todos os rgos internos funcionam alm do nosso controle, sem

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    o nosso conhecimento. No plano mais sutil, no temos nenhumconhecimento, por experincia direta, das incessantes reaesbioqumicas que ocorrem dentro de cada clula do corpo. Essa, no

    entanto, ainda no a realidade ltima do fenmeno material. Emltima anlise, o corpo fsico, aparentemente slido, compostode partculas subatmicas e de espao vazio. Alm disso, nemmesmo essas partculas subatmicas so realmente slidas; seutempo de vida muito menos de um trilionsimo de segundo.As partculas aparecem e desaparecem continuamente, surgindoe desaparecendo como um fluxo de vibraes. Essa a realidadeltima do corpo, da matria, descoberta por Buda h . anos.

    Os cientistas modernos, atravs de investigaes prprias,reconheceram e aceitaram essa realidade ltima do universomaterial. No entanto, esses cientistas no se tornaram pessoaslivres, iluminadas. Movidos pela curiosidade, investigaram anatureza do universo, usando os seus intelectos e dependendode instrumentos para verificar suas teorias. Por outro lado, oBuda foi motivado no apenas pela curiosidade mas, sobretudo,

    pelo desejo de encontrar uma maneira de se sair do sofrimento.Na sua investigao, no usou nenhum instrumento alm desua prpria mente. A verdade que descobriu, resultou no deintelectualizao, mas da sua experincia direta e, por essa razo,foi capaz de libert-lo.

    Ele descobriu que todo o universo material era composto departculas, ditas, em Pli, kalpasou unidades indivisveis. Em

    infinitas variaes, essas unidades exibem as qualidades bsicasda matria: massa, coeso, temperatura e movimento. Combinam-se para formar estruturas que parecem ter alguma permanncia.Mas, na realidade, so todas compostas por minsculas kalpasque esto continuamente surgindo e desaparecendo. Essa arealidade ltima da matria: um constante fluxo de ondas oupartculas. Esse o corpo ao qual cada um de ns se refere como

    eu-mesmo.

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    Mente

    Junto com o processo fsico, h o processo psquico, a mente. Embo-

    ra no possa ser tocada ou vista, parece mais intimamente associadaconosco do que nossos corpos. Podemos imaginar uma existnciafutura sem corpo, mas no podemos imaginar tal existncia sem amente. No entanto, sabemos pouco sobre a mente e somos poucocapazes de control-la. frequente recusar-se a fazer aquilo quequeremos e fazer aquilo que no queremos. O nosso controle damente consciente j bastante tnue, mas o inconsciente pareceinteiramente fora do nosso alcance ou entendimento, repleto deforas que podemos desaprovar ou das quais podemos nem terconscincia.

    Assim como examinou o corpo, o Buda examinou tambm amente e descobriu que, em termos amplos e gerais, esta se compede quatro processos: conscincia (vina), percepo (sa),sensao (vedan) e reao (sankhra).

    O primeiro processo, conscincia, a parte receptora da mente,

    o ato de ateno indiferenciada ou cognio. Simplesmente registraa ocorrncia de qualquer fenmeno, a recepo de qualquer im-presso fsica ou mental. Registra a informao crua da experinciasem atribuir-lhe rtulos ou fazer julgamentos de valor.

    O segundo processo mental a percepo, o ato de reconhecer.Essa parte da mente identifica tudo aquilo que percebido pelaconscincia. Distingue, rotula e classifica a informao recebida

    e faz avaliaes, positivas ou negativas.A parte seguinte da mente a sensao. Na verdade, logo que serecebe qualquer impresso, surge a sensao, sinal de que algumacoisa est acontecendo. Enquanto essa impresso no for avaliada,a sensao permanece neutra. Mas, ao atriburmos um valor impresso recebida, a sensao torna-se agradvel ou desagradvel,de acordo com a avaliao.

    Se a sensao for agradvel, surge o desejo de prolongar e in-tensificar a experincia. Se for uma sensao desagradvel, o desejo

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    estanc-la, recha-la. A mente reage gostando ou deixando degostar.1Por exemplo, quando o ouvido funciona normalmente eouvimos um som, a cognio est em ao. Quando o som reco-

    nhecido como sendo palavras, com conotaes positivas ou nega-tivas, a percepo que comeou a funcionar. A prxima sensaoentra em campo. Se as palavras forem de louvor, surge uma sensaoagradvel. Se forem de injria, surge uma sensao desagradvel. Areao imediata. Se a sensao for agradvel, comeamos a gostar,desejando mais palavras de louvor. Se a sensao for desagradvel,passamos a no gostar, desejando acabar com a ofensa.

    Os mesmos passos ocorrem cada vez que qualquer outro senti-do recebe uma impresso: conscincia, percepo, sensao, reao.Essas quatro funes mentais so ainda mais fugazes do que asefmeras partculas que compem a realidade material. Cada vezque os sentidos entram em contato com qualquer objeto, os quatroprocessos mentais se sucedem com a rapidez de um relmpago erepetem-se a cada momento subsequente de contato. Isso, porm,ocorre com tamanha rapidez que no se tem conscincia do que

    est acontecendo. Somente quando uma reao particular re-petida ao longo de um perodo de tempo mais extenso e adquireuma forma pronunciada, intensificada, que uma percepo a seurespeito se desenvolve no nvel do consciente.

    O aspecto mais marcante dessa descrio de um ser humanono aquilo que abrange, mas o que omite. Sejamos ocidentais ouorientais, cristos, judeus, muulmanos, hindus, budistas, ateus ou

    seja o que for, cada um de ns tem a convico congnita de queexiste um Eu em alguma parte dentro de ns, uma identidadecontnua. Operamos a partir da suposio irrefletida de que a pes-soa que existiu h dez anos atrs essencialmente a mesma pessoaque existe hoje, que existir daqui a dez anos e, talvez, ainda existaem uma futura vida depois da morte. No importa quais filosofias,teorias ou convices consideremos verdadeiras, na realidade, cadaum de ns vive sua vida com a convico profundamente enraizadade que: Eu fui, eu sou, eu serei.

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    O Buda contestou essa afirmao instintiva de identidade.Ao faz-lo, no expunha mais uma viso especulativa destina-da a combater teorias alheias: enfatizou repetidamente no estar

    manifestando uma opinio, mas, apenas, descrevendo a verdadeque havia experimentado e cuja experincia estava ao alcancede qualquer pessoa comum. O iluminado deixou de lado todasas teorias, disse ele porque viu a realidade da matria, sensao,percepo, reao e conscincia e o seu surgir e desaparecer.2Apesardas aparncias, descobriu que cada ser humano constitui, de fato,uma srie de acontecimentos separados porm relacionados. Cadaacontecimento resulta daquele que o precedeu e o segue, semnenhum intervalo. A ininterrupta progresso de acontecimentosintimamente ligados d a aparncia de continuidade, de identidade,mas essa apenas uma realidade aparente, no a verdade ltima.

    Podemos dar nome a um rio mas, na verdade, uma correntede gua que flui sem parar. Pode-se pensar na luz de uma vela comoalgo constante, mas se olharmos de perto, vemos ser, na verdade,uma chama que surge de um pavio e arde por um momento para

    ser instantaneamente substituda por uma nova chama, momento amomento. Falamos da luz de uma lmpada eltrica sem parar parapensar que, na realidade, tal como o curso de um rio, trata-se deum fluxo constante, nesse caso um fluxo de energia causado poroscilaes de frequncia muito elevadas que ocorrem dentro dosfilamentos. A cada momento, algo de novo surge como um pro-duto do passado, para ser substitudo por algo novo no momento

    seguinte. A sucesso de acontecimentos to rpida e contnuaque difcil de discernir. Em determinado ponto do processono possvel dizer se o que acontece naquele momento preciso idntico quilo que o precedeu, nem se pode dizer que no seja.No entanto, o processo ocorre.

    Da mesma maneira, percebeu Buda, uma pessoa no umaentidade acabada, imutvel, mas sim um processo que flui de mo-mento a momento. No existe nenhum ser real, somente umfluxo contnuo, um processo continuado de vir a ser. Claro que

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    na vida diria precisamos lidar uns com os outros como pessoasde natureza mais ou menos definida, de natureza constante; pre-cisamos aceitar a realidade externa, aparente, caso contrrio no

    poderamos funcionar de todo. A realidade externa uma realidade,mas apenas uma realidade superficial. No plano mais profundo, arealidade que o universo inteiro, animado e inanimado, est emum estado permanente de vir a ser, surgindo e desaparecendo con-tinuamente. Cada um de ns , de fato, uma corrente de partculassubatmicas em constante mutao e, conjuntamente com essefluxo, os processos de conscincia; percepo, sensao e reao setransformam em velocidade ainda maior do que o processo fsico. essa a realidade ltima da identidade com a qual cada um de nsvive to preocupado. esse o curso de eventos no qual estamosenvolvidos. Se conseguirmos compreender isso corretamente pelaexperincia direta, encontraremos as pistas para sair do sofrimento.

    * * *

    : Quando o senhor diz mente, no tenho certeza doque significa. Eu no consigo encontrar a mente.. . : Ela est em toda parte, com cada tomo. Seja ondefor que sinta seja o que for, ali est a mente. A mente sente.

    Ento ao dizer mente no pretende dizer crebro?Ah no, no, no. Aqui no Ocidente vocs pensam que a menteest apenas na cabea. uma noo equivocada.

    A mente o corpo inteiro?Sim, o corpo inteiro contm a mente, todo o corpo!

    O senhor fala da experincia do eu somente em termos negativos.

    No existe um lado positivo? No h uma experincia do eu que

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    deixe a pessoa cheia de alegria, paz e encantamento?Pela meditao voc descobrir que todos esses prazeres sensuaisso impermanentes; surgem e desaparecem. Se esse eu de fato

    os aprecia, se fossem os meus prazeres, ento eu deveria teralgum domnio sobre eles. Mas apenas surgem e desaparecemindependente do meu controle. Que eu h a?

    Refiro-me no a prazeres sensuais mas de um nvel bem profundo.Naquele nvel, o eu no tem nenhuma importncia. Quando vocatinge aquele nvel, o ego foi dissolvido. S h alegria. A questodo eu nem chega a surgir.

    Bem, em vez de eu, digamos a experincia de uma pessoa.O sentido sente; no h ningum para senti-lo. As coisas apenasacontecem, s isso. Agora lhe parece ser necessria a existncia deum eu que sente mas, se praticar, alcanar o estgio em que oego se dissolve. Ento a sua pergunta desaparecer!

    Vim aqui porque senti que eu precisava vir.Sim! bem verdade. Para fins convencionais, no podemos fugirdo eu ou meu. Mas desenvolver apego por eles, acreditar seremreais no sentido ltimo, s trar sofrimento.

    Tenho me perguntado se existem pessoas que nos causam sofri-mento?

    Ningum lhe causa sofrimento. Voc causa o sofrimento por siprprio ao gerar tenses na sua mente. Se aprender a deixar de fazerisso, ser fcil permanecer em paz e feliz em qualquer situao.

    E quando outra pessoa fizer algo contra ns?Voc no deve permitir que ningum lhe faa mal. Sempre quealgum faz algo de errado, magoa os outros e, ao mesmo tempo,magoa a si prprio. Se permitir que faa o mal, estar encorajando-oa errar. Deve usar toda a sua fora para impedi-lo, mas isso com

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    apenas boa vontade, compaixo e simpatia por essa pessoa. Se agircom dio ou raiva, ento ir agravar a situao. No entanto, serimpossvel ter boa vontade para com tal pessoa se sua mente no

    estiver calma e pacfica. Portanto, pratique (a meditao Vipassana)para desenvolver a paz dentro de si mesmo e, ento, ser capaz deresolver o problema.

    De que adianta procurar a paz interior quando no existe pazno mundo?O mundo s ter paz quando as pessoas do mundo estiverem empaz e felizes. A mudana precisa comear em cada indivduo. Se afloresta estiver definhando e voc quiser restaurar-lhe a vida, precisaregar cada rvore daquela floresta. Se desejar a paz mundial, deveaprender a viver em paz. S assim poder trazer paz ao mundo.

    Compreendo como a meditao pode ajudar pessoas desajustadas

    ou infelizes, mas, e aquele que se sente satisfeito com a sua vida,quem j feliz?

    Quem estiver satisfeito com os prazeres superficiais da vida ignoraa agitao no nvel profundo da mente. Sofre da iluso de que uma pessoa feliz, mas os seus prazeres no tm permanncia, eas tenses, geradas no nvel inconsciente, continuam a crescerpara aparecerem mais cedo ou mais tarde no nvel consciente damente. Quando surgem, essa pessoa, dita feliz, torna-se muitoinfeliz. Ento, por que no comear a trabalhar aqui e agora para

    evitar essa situao?

    Seu ensinamento Mahynaou Hnayna?Nenhum dos dois. A palavraynasignifica, na realidade, o veculoque o transportar ao objetivo final mas hoje, erradamente, se d aessa palavra uma conotao sectria. O Buda nunca ensinou nadaque fosse sectrio. Ele ensinou Dhamma, que universal. Foi essauniversalidade que me atraiu para os ensinamentos de Buda, foidela que recebi benefcios e, por essa razo, esse Dhammauni-

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    versal que ofereo a cada um e a todos os indivduos, com todo omeu amor e compaixo. Para mim, Dhammano nemMahynanem Hnayna, nem nenhuma seita.

    * * *

    A realidade fsica est em constante transformao a cada momento.Foi o que o Buda constatou ao examinar a si mesmo. Com a menteprofundamente concentrada, penetrou fundo na sua prpria na-tureza e descobriu que toda a estrutura material composta porminsculas partculas subatmicas que surgem e desaparecem semcessar. No estalar de um dedo ou no piscar de um olho, disse ele,cada uma dessas partculas aparece e desaparece muitos trilhesde vezes.

    Inacreditvel, poder pensar quem observar apenas a realidadeaparente do corpo, que parece to slido, to permanente. Eu

    costumava supor que a frase muitos trilhes de vezes fosse umaexpresso idiomtica, no para ser levada ao p da letra. Entretanto,a cincia moderna confirmou essa afirmao.

    H vrios anos atrs, um cientista dos Estados Unidos recebeuo Prmio Nobel da fsica. Durante muito tempo havia estudadoe realizado experincias para conhecer mais sobre as partculassubatmicas das quais o universo fsico composto. J se sabia

    que essas partculas surgem e desaparecem com grande rapidezem um processo de contnua repetio. Agora esse cientista de-cidiu desenvolver um instrumento capaz de contar quantas vezespor segundo uma partcula aparece e desaparece. Com muitapropriedade, chamou o instrumento que inventou de cmara debolhas e descobriu que, no decorrer de um segundo, uma partculasubatmica surge e desaparece vezes elevado a .

    A verdade que esse cientista descobriu a mesma descobertapor Buda, mas que enorme diferena entre eles! Alguns dos meus

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    estudantes americanos, que fizeram cursos na ndia, mais tarderetornaram ao seu pas e visitaram esse cientista. Transmitiram-meque, apesar de ele ter descoberto essa realidade, continua a ser uma

    pessoa comum com o habitual estoque de sofrimento de todas aspessoas comuns! Ele no est totalmente liberto do sofrimento.No, essa pessoa no se tornou um ser iluminado, no se liber-

    tou de todo o sofrimento, porque no teve a experincia direta daverdade. Aquilo que aprendeu limita-se ainda sabedoria intelec-tual. Ele acredita nessa verdade porque tem f no instrumento queinventou, mas no teve a experincia da verdade por si mesmo.

    Nada tenho contra esse homem nem contra a cincia moderna.Porm, no se deve ser cientista apenas do mundo exterior. Talcomo o Buda, devemos ser tambm cientistas do mundo interior,de modo a podermos ter a experincia direta da verdade. A reali-zao pessoal da verdade transforma, automaticamente, o padrode comportamento habitual da mente para que se comece a viverde acordo com a verdade. Cada ao passa a ser direcionada emnosso prprio benefcio e em benefcio dos demais. Se essa ex-

    perincia interior estiver faltando, a cincia corre o risco de sermal utilizada, para finalidades destrutivas. Mas se nos tornarmoscientistas da realidade interior, faremos uso correto da cincia paraa felicidade de todos.

    * * *

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    ao mundo dos contos defadas onde todo mundo vive feliz para sempre. No podemos evitara realidade de que a vida imperfeita, incompleta, insatisfatria a

    verdade da existncia do sofrimento.Dada essa realidade, o que importa sabermos se o sofrimento

    tem uma causa e, caso tenha, se possvel remover essa causa demodo que o sofrimento possa ser removido. Se os acontecimen-tos que nos causam sofrimento forem simplesmente ocorrnciasaleatrias sobre as quais no podemos ter controle ou influncia,ento somos impotentes e melhor desistir de tentar encontrar

    um caminho para sair do sofrimento. Ou se os nossos sofrimentosso ditados por um ser onipotente, agindo de maneira arbitrria eincompreensvel, ento deveramos encontrar a forma de aplacaresse ser de modo que deixe de nos infligir sofrimento.

    O Buda percebeu que os nossos sofrimentos no so meroproduto do acaso. H causas por detrs deles, assim como h cau-sas para todos os fenmenos. A lei de causa e efeito kamma

    universal e fundamental para a existncia. Nem mesmo as causasesto fora do nosso controle.

    Kamma

    A palavra kamma(ou, na sua forma mais conhecida, em snscrito karma) popularmente entendida como querendo dizer destino.Infelizmente, as conotaes desta palavra so exatamente o opostodaquilo que o Buda quis dizer com kamma. O destino algo fora

    III.

    A causa imediat

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    do nosso controle, um decreto da providncia, aquilo que foipreestabelecido para cada um de ns. Entretanto, kammasignificaliteralmente ao. As nossas prprias aes so as causas de tudo

    o que experimentamos:

    Todos os seres possuem suas aes, herdam as suas aes,tm origem nas suas aes, esto ligados s suas aes;as suas aes so o seu refgio. Conforme suas aes foremindignas ou nobres, assim ser sua vida.1

    Tudo o que encontramos na vida resulta das nossas prpriasaes. Consequentemente, cada um de ns pode tornar

    -se

    senhor do seu destino tornando-se senhor das suas aes. Cadaum de ns responsvel pelas aes que do origem ao nossosofrimento. Cada um de ns tem os meios para acabar com osofrimento nas nossas aes. Buda disse:

    Voc senhor de si, voc constri seu prprio futuro.2

    Nestas circunstncias, cada um de ns como um homem deolhos vendados que nunca aprendeu a dirigir, sentado ao volantede um carro em alta velocidade em uma estrada movimentada. No provvel que alcance o seu destino sem sofrer um desastre. Podeacreditar estar dirigindo o carro mas, na realidade, o carro queo conduz. Se quiser evitar um acidente e alcanar o seu objetivo,

    preciso remover a venda, aprender a conduzir o veculo e afastar-sedo perigo o mais depressa possvel. Da mesma forma, devemosficar atentos quilo que fazemos e, ento, aprender a praticar aesque nos levem aonde realmente queremos chegar.

    Trs tipos de aes

    H trs tipos de aes: fsicas, verbais e mentais. Normalmente,damos mais importncia s aes fsicas, menos s aes verbais

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    e menos ainda s aes mentais. Agredir algum fisicamente nosparece mais grave do que insult-lo verbalmente; e ambas nosparecem mais srias do que uma m vontade no expressa dirigida

    a essa pessoa. Esse certamente seria o ponto de vista segundo as leisfeitas pelos homens em cada pas. Mas, de acordo com Dhamma, alei da natureza, a ao mental mais importante. Uma ao fsicaou verbal assume significado totalmente diferente conforme ainteno que a motivou.

    Um cirurgio usa o seu bisturi para realizar uma operao deemergncia com a inteno de salvar uma vida. A operao podeser malsucedida e causar a morte do paciente. Um assassino usao seu punhal para golpear sua vtima at morte. Fisicamente, asduas aes so semelhantes, com o mesmo efeito mas, mentalmente,so polos opostos. O cirurgio age movido pela compaixo e ocriminoso movido pelo dio. O resultado para cada um deles sertotalmente diferente, de acordo com sua ao mental.

    Assim tambm, quanto linguagem, o mais importante ainteno. Um homem discute com um colega e o insulta, chama-o

    de tolo. Fala movido pela raiva. O mesmo homem v o seu filhobrincando na lama e, com ternura, o chama de tolo. Fala movidopor amor. Nos dois casos, foi usada a mesma palavra, mas, paraexpressar dois estados mentais virtualmente opostos. a intenoda nossa fala que determina o resultado.

    Palavras e atos ou seus efeitos externos so mera consequnciada ao mental. So corretamente avaliados de acordo com a

    natureza da inteno qual do expresso. a ao mental que o verdadeiro kamma, a causa que dar resultados no futuro.Compreendendo esta verdade, o Buda anunciou:

    A mente precede todos os fenmenos,a mente o que mais importa, tudo feito pela mente.Se com uma mente impura voc falar ou agir,ento o sofrimento o seguir tal como a roda de um carrosegue os passos do animal atrelado.

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    Se com uma mente pura voc falar ou agir,ento a felicidade o seguir como uma sombraque nunca se afasta.3

    A causa do sofrimento

    Mas quais aes mentais determinam o nosso destino? Se a menteconsiste apenas de conscincia, percepo, sensao e reao, ento,qual dessas caractersticas d margem ao sofrimento? Cada umadelas est envolvida, at certo grau, no processo do sofrimento.Entretanto, as primeiras trs so basicamente passivas. A consci-ncia recebe apenas a informao crua da experincia, a percepocoloca-a numa categoria e a sensao assinala a ocorrncia dessesdois primeiros passos. O trabalho desses trs s digerir a informa-o recebida. Mas quando a mente comea a reagir, a passividadecede lugar atrao ou repulsa, ao agrado ou ao desagrado. Essareao pe em movimento uma nova cadeia de eventos. Na origemda cadeia est a reao, sankhra. por isso que o Buda disse:

    Seja qual sofrimento aparecer tem por causa uma reao.Se todas as reaes forem extintas no haver mais sofrimento.4

    O verdadeiro kamma, a causa real do sofrimento, a reao damente. Uma reao passageira de agrado ou de desagrado talvezpossa no ser muito forte e, assim, pode no ter grande efeito, mas

    pode ter efeito cumulativo. A reao repetida momento apsmomento, intensificando-se a cada repetio e evoluindo parase transformar em avidez ou averso. isso que o Buda no seuprimeiro sermo chamou de tanh, literalmente, sede:

    O hbito mental do insacivel desejo por aquilo que no ,o que implica uma idntica e irremedivel insatisfaocom aquilo que .5

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    E quanto mais forte se tornarem o desejo e a insatisfao, maisprofunda a sua influncia no nosso pensamento, nas nossaspalavras e nas nossas aes e mais sofrimento iro causar.

    Algumas reaes, disse o Buda, so como linhas desenhadasna superfcie de um poo; to logo traadas, desaparecem. Outrasso como linhas traadas na areia de uma praia:

    Se desenhadas de manh, ao anoitecer tero desaparecido,apagadas pela mar ou pelo vento. Outras so como linhasgravadas em profundidade na rocha, com martelo e cinzel.Elas tambm sero eliminadas medida que a rocha forsofrendo eroso, mas levaro sculos para desaparecerem.6

    Ao longo de cada dia de nossas vidas, a mente gera continua-mente reaes mas, se, no fim do dia, tentarmos record-las, con-seguimos lembrar apenas uma ou duas que fizeram mais impresso.Novamente, se, ao fim de um ms, tentarmos recordar todas asnossas reaes, seremos capazes de recordar apenas uma ou outra

    que deixou impresso mais marcante nesse ms. De novo, ao fimde um ano, s seremos capazes de lembrar de uma ou duas reaesque deixaram marcas mais profundas durante esse ano. Reaesto profundas, como essas, so muito perigosas e geram imensosofrimento.

    O primeiro passo para emergir de tal sofrimento aceitar asua existncia real, no como um conceito filosfico ou artigo de

    f, mas como um fato da vida que afeta cada um de ns. Com essaaceitao e a compreenso daquilo que o sofrimento e por quesofremos, podemos deixar de sermos conduzidos e comearmosa conduzir. Aprendendo a experimentar a nossa prpria natureza,diretamente, podemos nos colocar no caminho que leva liber-tao do sofrimento.

    * * *

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    : O sofrimento no parte natural da vida? Por que

    devemos tentar escapar dele?. . : Ns nos envolvemos de tal maneira no sofrimentoque nos libertarmos dele nos parece antinatural. Mas quandoexperimentar a verdadeira felicidade da pureza mental, saber que,na realidade, esse o estado natural da mente.

    A experincia do sofrimento no pode enobrecer o homem e ajud-

    lo a desenvolver seu carter?Sim. Na realidade, esta tcnica usa o sofrimento deliberadamentecomo uma ferramenta para ajudar a pessoa a tornar-se nobre.Mas s dar resultado se voc aprender a observar o sofrimentoobjetivamente. Se estiver apegado ao seu sofrimento, a experinciano o enobrecer; permanecer sempre infeliz.

    O fato de controlarmos as nossas aes no uma forma de su-

    presso?No. Voc aprende a apenas observar com objetividade seja o quefor que esteja acontecendo. Se algum est zangado e tenta escondera sua raiva, engoli-la, ento, sim, supresso. Mas ao observar araiva voc descobrir que ela desaparece automaticamente. Vocse liberta da raiva se aprender a observ-la objetivamente.

    Se ficarmos nos observando continuamente, como podemos vi-ver a vida de uma forma natural? Estaremos to ocupados nosobservando que no seremos capazes de agir com liberdade ouespontaneidade.No isso que as pessoas concluem depois de completar um cursode meditao. Aqui voc passa por um treino mental que lhe dara habilidade de se observar a si prprio na vida diria sempre quefor preciso faz-lo. No que voc precise ficar praticando com osolhos fechados o dia todo, a sua vida inteira mas, assim como a

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    fora adquirida com o exerccio fsico ajuda na vida diria, esseexerccio mental tambm o fortalecer. Aquilo que voc chamade ao espontnea, livre , na verdade, ao cega, inconsciente,

    que sempre prejudicial. Aprendendo a observar a si mesmo,descobrir que, cada vez que surgir uma situao difcil na vida,vai conseguir manter o equilbrio da sua mente. Com esse equi-lbrio, pode escolher livremente como agir. Voc realizar a ao

    verdadeira, que sempre positiva, sempre benfica para si e paratodos os outros.

    No existem acontecimentos ao acaso, ocorrncias fortuitas, semuma causa?Nada acontece sem uma causa. No possvel. s vezes os nossoslimitados sentidos e intelectos no conseguem localiz-la comclareza, mas isso no significa no existir causa.

    O senhor est nos dizendo que tudo na vida predeterminado?Bem, as nossas aes do passado certamente iro gerar efeitos, bons

    ou maus. Elas determinam o tipo de vida que temos, a situaogeral em que nos encontramos. Mas isso no significa que tudo oque nos acontece esteja predestinado, determinado pelas nossasaes do passado e que nada mais pode acontecer. No assim.As nossas aes do passado influenciam o fluxo das nossas vidas,dirigindo-as para experincias agradveis ou desagradveis. Mas asaes presentes so igualmente importantes. A natureza deu-nos a

    habilidade de nos tornarmos senhores das nossas aes no presente.Com esse domnio podemos mudar o nosso futuro.

    Mas, na certa as aes dos outros tambm nos afetam?Sem dvida. Somos influenciados pelas pessoas nossa voltae pelo ambiente circundante, assim como tambm exercemoscontinuamente influncia sobre eles. Se a maioria das pessoas,por exemplo, estiver a favor da violncia, ento, ocorrer guerra edestruio, causando o sofrimento de muitos. Mas, se as pessoas

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    comearem a purificar as suas mentes, ento, a violncia no poderacontecer. A raiz do problema reside na mente de cada ser humanoindividual, porque a sociedade composta de indivduos. Se cada

    pessoa comear a mudar, ento, a sociedade mudar e a guerra ea destruio passaro a ser eventos raros.

    Como podemos ajudar uns aos outros se cada pessoa precisa en-frentar os resultados das suas prprias aes?As nossas prprias aes mentais tm influncia sobre os outros.Se gerarmos apenas negatividade nas nossas mentes, essa nega-tividade tem um efeito prejudicial sobre aqueles que entram emcontato conosco. Se preenchermos a mente com energia positiva,com boa vontade dirigida aos outros, ento, essa atitude ter umefeito benfico sobre as pessoas nossa volta. Voc no podecontrolar as aes, o kammaalheio, mas pode adquirir domniosobre si prprio, de forma a exercer uma influncia positiva sobreas pessoas que o rodeiam.

    Por que ser prspero bom karma? Se for, quer dizer que a maiorparte das pessoas no ocidente tm bom karmae a maioria noterceiro mundo tem mau karma?Mera prosperidade no um bom karma. Se voc se tornar ricomas continuar infeliz, de que serve essa riqueza? Ser prspero e tertambm felicidade, verdadeira felicidade isso um bom karma.Mais importante ser feliz, seja rico ou no.

    Certamente antinatural nunca reagir?Assim parece se voc conheceu somente o hbito-padro errado deuma mente impura. Mas natural para uma mente pura perma-necer desapegada, cheia de amor, compaixo, boa vontade, alegria,equanimidade. Aprenda a praticar isto.

    Como podemos nos envolver com a vida sem termos reaes?Em vez de reagir, voc aprende a agir, a agir com uma mente

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    equilibrada. Os meditadores de Vipassana no se tornam inativos,como vegetais. Eles aprendem como agir de modo positivo. Se

    voc for capaz de transformar seu hbito-padro de reao para

    ao, ento, alcanou algo muito valioso. E voc pode mudar depadro praticando Vipassana.

    * * *

    Tal como a causa, assim ser o efeito. Tal como a semente,assim ser o fruto. Tal como a ao, assim ser o resultado.

    No mesmo terreno um fazendeiro planta duas sementes:uma a semente de cana de acar e a outra uma semente darvore neem, uma rvore tropical que muito amarga. Duassementes na mesma terra, recebendo a mesma gua, a mesmaluz solar, o mesmo ar; a natureza d o mesmo alimento a ambas.Duas pequenas plantas brotam e comeam a crescer. E o que

    que aconteceu rvore neem? Ela cresceu amarga em cada umadas suas fibras, enquanto a cana de acar tornou doce cada umadas suas fibras. Por que a natureza ou, se preferir, por que Deus to bondoso com uma e to cruel com a outra?

    No, no, a natureza nem bondosa nem cruel. Trabalhade acordo com leis fixas. S ajuda a qualidade da semente a semanifestar. Todo o alimento apenas ajuda a semente a revelar a

    qualidade que est latente em si prpria. A semente da cana deacar tem a propriedade de doura; assim, a planta no ter nadaalm de doura. A semente da rvore neemtem a propriedade deser amarga; a planta no ter nada alm de amargura. Tal como a semente, assim ser o fruto.

    O fazendeiro vai rvore neem, curva-se com revernciatrs vezes, caminha sua volta vezes e depois oferece flores,incenso, velas, fruta e doces. Em seguida comea a rezar: deusneem, por favor me d mangas doces, eu quero mangas doces!

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    Pobre deus neem, ele no as pode dar, ele no tem poder parafazer isso. Se algum deseja mangas doces, deve plantar umasemente de mangueira. Ento, no precisar chorar nem pedir

    ajuda a ningum. Os frutos que colher sero somente mangasdoces. Tal como a semente, assim ser o fruto.A nossa dificuldade, a nossa ignorncia, que permanecemos

    desatentos enquanto plantamos sementes. Continuamos a semearsementes de neemmas, quando chega o tempo da colheita, fica-mos subitamente alertas; queremos mangas doces. E comeamosa chorar, a rezar e a desejar mangas. Isso no funciona.7

    * * *

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    I

    V.

    A rai do problema

    , : deve ser exploradaat seu fim.1Na noite em que ele estava para alcanar a iluminao,sentou-se com a determinao de no se levantar enquanto notivesse compreendido como que se origina o sofrimento e como que pode ser erradicado.

    O sofrimento definido

    Ele viu, com clareza, que o sofrimento existe. Este um fato irrefu-tvel, por mais desagradvel que possa ser. O sofrimento tem incio

    com o comeo da vida. No temos uma memria consciente da nossaexistncia confinada dentro do tero, mas a experincia comum emergirmos dele chorando. O nascimento um grande trauma.

    Tendo comeado a viver, todos ns estamos destinados aencontrar os sofrimentos da doena e da velhice. Apesar disso,por mais doentes que possamos estar, por mais enfraquecidos edecrpitos, nenhum de ns deseja morrer porque a morte um

    grande sofrimento.Cada criatura viva precisa enfrentar todos esses sofrimentos. E, medida que avanamos na vida, estamos destinados a encontraroutros sofrimentos, vrios tipos de dores fsicas e mentais. Ficamosenvolvidos com o desagradvel e separados do agradvel. Deixamosde conseguir aquilo que desejamos; em vez disso, obtemos aquiloque no desejamos. Todas essas situaes so sofrimento.

    Esses exemplos de sofrimento so visveis de imediato a qual-quer um que reflita sobre o assunto em profundidade. Mas o futuro

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    Buda no iria se satisfazer com as limitadas explicaes do intelecto.Ele continuou a investigar dentro dele prprio para experimentara verdadeira natureza do sofrimento e descobriu que o apego aos

    quatro agregados sofrimento.2

    Em um nvel muito profundo, osofrimento o desmesurado apego que cada um de ns desen-volveu em relao a esse corpo e em relao a essa mente, comas suas cognies, percepes, sensaes e reaes. As pessoasapegam-se intensamente s suas identidades o seu ser mental efsico quando, na realidade, s existem processos em evoluo.Esse apego a uma ideia irreal de si prprio, a algo que, na realidade,est em constante transformao, sofrimento.

    Apego

    H vrios tipos de apego. Primeiro, h o apego ao hbito de pro-curar gratificaes sensuais. Um viciado consome uma drogaporque deseja experimentar a sensao prazerosa que a drogalhe proporciona, mesmo sabendo que, ao consumir a droga, est

    reforando seu vcio. Da mesma maneira, ns somos viciados naavidez. Assim que o nosso desejo satisfeito, geramos outro. Oobjeto secundrio; o fato que procuramos manter o estadode avidez continuamente, porque produz em ns uma sensaoprazerosa que desejamos prolongar. A avidez torna-se um hbitoque no somos capazes de quebrar, um vcio. E tal como um

    viciado gradualmente desenvolve tolerncia em relao droga

    escolhida e requer doses cada vez maiores de modo a ficar into-xicado, quanto mais procuramos saci-la mais intensa se tornanossa cobia, nossa avidez. Desta maneira, nunca conseguiremoschegar ao fim da avidez. E, enquanto estivermos sob o domnioda avidez, nunca poderemos ser felizes.

    Outro grande apego ao eu, ao ego, imagem que temos dens prprios. Para cada um de ns, o eu a pessoa mais importantedo mundo. Comportamo-nos como um m rodeado de limalha deferro: automaticamente, ir ordenar os fios de limalha em um padro

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    centrado em si prprio e com a mesma falta de ponderao quetodos ns tentamos instintivamente ordenar o mundo de acordocom os nossos desejos, procurando atrair o agradvel e repelir o

    desagradvel. Mas nenhum de ns est sozinho no mundo; um euest destinado a entrar em conflito com outro. O padro que cadaum tenta criar perturbado pelos campos magnticos de outrose ns mesmos ficamos sujeitos atrao ou repulso. O resultados pode ser infelicidade, sofrimento.

    Tambm no limitamos o apego ao eu. Estendemo-lo aomeu, a tudo o que nos pertence. Cada um de ns desenvolvegrande apego quilo que possumos, porque est associado nossapessoa, sustenta a imagem de eu. Este apego poderia no causarnenhum problema se aquilo que chamamos de meu fosse eternoe o eu permanecesse para usufru-lo eternamente. Mas o fato que, cedo ou tarde, o eu separado do meu. A hora da separao

    vai chegar sem falta. Quando chega, quanto maior for o apego aomeu, maior ser o sofrimento.

    E o apego vai mais longe ainda estende-se s nossas concep-

    es e s nossas crenas. No importa qual seja o seu contedo,no importa se forem corretas ou erradas; se estamos apegados aelas, certo que nos faro infelizes. Estamos todos convencidosde que as nossas concepes e as nossas tradies so as melhorese ficamos muito perturbados quando ouvimos crticas a elas. Setentamos explicar nossa viso e os demais no a aceitam, ficamosperturbados de novo. Deixamos de reconhecer que cada pessoa tem

    suas prprias crenas e pontos de vista. intil discutir acerca dequal a viso correta. Seria mais benfico deixar de lado quaisquernoes preconcebidas e tentar ver a realidade. Mas o nosso apegoa formas de ver nos impede de enxergar a realidade, mantendo-nos infelizes.

    Finalmente, h apego a formas e a cerimnias religiosas. Ten-demos a enfatizar as expresses religiosas externas, mais do que oseu significado subjacente, e sentir que quem no participa dessascerimnias no pode ser uma pessoa verda