IDADE MÉDIA
BRUEGHEL JOGOS DE
CRIANÇAS
DANÇA AO AR LIVRE
O COMBATE ENTRE O CARNAVAL E A QUARESMA
CARNAVAL NA IDADE MÉDIA
Carnaval medieval: a festa funcionava como válvula de escape para os
camponeses oprimidos pela
nobreza e pelo clero.
O Carnaval de Ivrea é o único na Itália, que manteve um vínculo com a Idade Média,
época em que a festa nasceu; nem o de Veneza, que
despertou há mais ou menos trinta anos, nem o de
Viareggio, com seus carros alegóricos de papel machê,
instituído em 1873, podem se vangloriar de uma tradição
ininterrupta.
Aliás, pode-se dizer que, em nossos dias,
o Carnaval está morto, porque a Quaresma, sua
grande antagonista, está morta
Em nossa sociedade do bem-estar,
desapareceu a diferença entre tempo
cotidiano e tempo festivo - com seus rituais de roupas e
alimentos melhores, de celebração coral de um evento que envolve e
dá coesão.
A diferença que existe para nós é entre tempo ocupado e tempo livre - livre do trabalho. Mas podemos comer e nos vestir bem todos os
dias e podemos igualmente nos divertir:
geralmente sozinhos, não em grupo ou como
um grupo.
Além disso, em relação à Idade Média, atenuou-se muito o sentido religioso: o tempo da Igreja reside hoje mais nas aparições
televisivas do papa e dos purpurados do que no
encontro das pessoas no edifício sacro, vivendo
com emoção e encarnação e a espera do sacrifício de
Cristo.
Foi no concílio de Nicéia, em 325, que se fixou pela
primeira vez um período de jejum de quarenta dias como preparação para a Páscoa, prescrição que, nos tempos de Carlos Magno, tornou-se
um hábito comum e respeitado: comportava
apenas uma refeição à noite e a proibição absoluta de
comer carne.
Durante toda a Idade Média, as restrições da Quaresma se fizeram acompanhar por
outros rigores, além dos alimentares: penitências, abstenção das relações
sexuais entre cônjuges e de tudo aquilo que contrastasse com a idéia de purificação, como espetáculos, teatro, bailes e o uso de armas.
A proibição da carne foi sempre, porém, o preceito mais
fortemente ligado à ideia da Quaresma.
A carne era, na Idade Média, um símbolo de força, de caráter
sanguíneo e audaz; o cervo e o javali não podiam faltar na mesa
de um rico, de um poderoso, habituado à caça de grande porte: era uma guerra simulada, na qual
eles colocavam à prova sua resistência ao esforço e sua
coragem.
O camponês, ao contrário, tinha que se contentar durante o ano
com os animais de pequeno porte: uma ave, lebre ou galinha.
Mas, de novembro a janeiro, obrigados pelo frio e pelo repouso da natureza, tanto o camponês na cozinha, muitas vezes diante do fogo, quanto o senhor na sala,
quase sempre à mesa, comiam a mesma comida, embora em
quantidades diferentes: tinham à disposição apenas a carne de porco, consumida fresca ou salgada ou preparada em
linguiças e salames.
Também os romanos comiam carne de porco,
mas bastante raramente, sem
predileção especial. Foram as grandes
migrações dos povos germânicos que
impuseram o consumo da carne suína.
Os germanos eram grandes criadores de porcos (nas florestas, onde as varas
podiam se alimentar abundantemente com as bolotas dos carvalhos) e
grandes consumidores de leite e manteiga,
produzidos pelo gado que pastava em vastos terrenos
comuns.
Não é por acaso que todo o norte da Itália, onde a
penetração dos germanos foi mais intensa, tem uma
cozinha baseada na manteiga, na banha (gordura de porco
derretida) e num amplo consumo de embutidos de
porco e de carne em geral.
A Itália do centro e do sul, uma região bem menos atingida pelas
imigrações, manteve a cozinha de tipo
mediterrâneo da Antiguidade romana,
baseada no óleo de oliva e no vasto uso de cereais e legumes.
Na Idade Média, os monges também se dedicavam
totalmente a este último tipo de dieta: sua mesa era rica em hortaliças e legumes -
nada de carne, à exceção do peixe. De fato, pensava-se,
naquela época, que os peixes, por não acasalarem, fossem imunes ao pecado da
luxúria, responsável pela queda de Adão e Eva.
Por isso, os peixes não eram considerados carne contaminada,
como qualquer outra, pela intervenção do sexo. Além disso, a alimentação vegetariana sugeria a recusa ao mundo, a escolha de um
modelo de vida pacífica, guiada antes pelos valores da alma do
que por aqueles do corpo, e, mais ainda, sugeria continência em
oposição à luxúria, vida simples em oposição à exibição e festa.
O poderoso come carne; o subalterno, verdura. Não é por
acaso que na Batalha de Quaresma e Carnaval, um texto
do século XIII original da Picardia, os primeiros a chegar para ajudar Carnaval são carne grelhada, carne de porco com
molho verde, linguiças e salsichas, "carnes no espeto,
pombo assado e em empadões, filé de cervo com pimenta-preta e carne de boi, como
convém
Por outro lado, entre os defensores de Quaresma, ameaçam truculentos os
peixes do mar, de lago e de rio. Em seguida, avançam os
laticínios. "A manteiga vem à frente de todos, e o leite
coalhado a segue logo atrás; doces quentes e quentes
tortas chegam em grandes pratos redondos. O creme
avança abraçando a lança, no fundo do grande vale".
O confronto conclui-se com a vitória do Carnaval: não
somente poderá comer carne todos os dias do ano,
mas poderá se apropriar também da "carne de
Quaresma": os peixes não farão má figura na mesa do vencedor, pois muitos deles são realmente excelentes.
A carne, portanto, tinha também um valor simbólico, o que tornava ainda mais difícil
privar-se dela: a origem etimológica da palavra
"Carnaval" - carnelevare foi registrado pela primeira vez
por volta do ano 1000 - é ligada, de fato, a carnem
levare, privar-se de carne no último dia que precede o início
da Quaresma.
Ao contrário, a etimologia da palavra Quaresma, quadragesima dies,
quadragésimo dia, remete a um contexto totalmente religioso. É um período de recolhimento de quarenta dias antes da Páscoa,
estabelecido, como dito anteriormente, pelo concílio de
Nicéia, quando se falou pela primeira vez em quaresima ou
quarentena, em analogia com o período de retiro passado por
Cristo no deserto.
O calendário litúrgico sempre conseguiu, no decorrer do tempo, sobrepor-se a todo tipo de festa: o
Natalis solis, a festa do sol, transformou-se no Natal de Cristo; a páscoa hebraica, na Páscoa cristã; a
busca de Prosérpina por sua filha Ceres (raptada por Plutão), na Candelora, ou
seja, a Candelária, candelora, do inverno estamos fora, expressando a
esperança de que os rigores da estação fria tenham chegado ao fim, liga-se exatamente ao significado da festa pagã, pois, segundo o mito, Ceres
desaparece durante todo o inverno e retorna com o início da boa estação
O Carnaval, ao contrário, é uma referência desprovida de conteúdo
religioso, embora sirva para preparar um período de penitência imposto pela
Igreja. Mesmo sendo uma festa medieval, e não uma continuação de festas pagãs da Antiguidade, tem em
comum com elas muitas características: o uso de fantasias e
máscaras, o relaxamento de procedimentos usualmente reprimidos no campo da alimentação, do sexo e
do comportamento, chegando ao insulto e ao confronto violento das
"batalhinhas".
Algumas iluminuras que ilustram, no Roman de Fauvel
(obra satírica em versos, composta entre 1310 e 1314,
por Gervais du Bus), o tumulto que, até bem pouco
tempo, tomava os campos por ocasião das núpcias de velhos ou de viúvos com noivas bem
mais jovens, mostram um pouco como seriam esses
grupos tumultuosos.
Na Idade Média, o ano podia começar até em 25 de março, ou seja, no dia da encarnação de Cristo. Em todo caso, a chegada do Carnaval, que varia porque está associada à Páscoa, mas que cai sempre entre o fim do inverno e o começo da primavera, sublinha decididamente a passagem do ano velho para o ano novo, da morte para a vida: em muitas cidades, no
último dia de Carnaval, ainda se costuma queimar a Velha, um fantoche de farrapos, símbolo do inverno
que chegou ao fim (em latim, hiems, inverno, é de gênero feminino). É um modo de exorcizar também, no momento em que a natureza retoma seu ciclo, os medos ligados ao mundo dos mortos, ao seu poder e
ao seu possível retorno.
Concluído o tempo da "licença", a Igreja retoma o controle e, pelo menos no século VIII,
chama imediatamente os fiéis para a penitência, para o rito da quarta-feira de cinzas - o
Carnaval acaba obrigatoriamente na terça-feira
-, recordando a cada um sua descendência do pecador Adão, que veio do pó e ao pó retornou
FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média: óculos, livros, bancos, botões e outras inovações geniais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 74-78
1931
ESCOLA NA IDADE MÉDIA - MONOPÓLIO DA CULTURA
INTELECTUAL - EDUCAÇÃO DE CLÉRIGOS PARA
CLÉRIGOS - ESCOLAS CATEDRALÍCIAS E
MONÁSTICASSETE ARTES LIBERAIS EM
OPOSIÇÃO ÀS ARTES MECÂNICAS, MANUAIS, PRÓPRIAS DE ESCRAVOS.
ARTES LIBERAIS 1. GRAMÁTICA – LATIM E
LITERATURA2. RETÓRICA ESTILÍSTICA, TEXTOS
HISTÓRICOS3. ARITMÉTICA4. GEOMETRIA- GEOGRAFIA5. ASTRONOMIA – ASTROLOGIA E
FÍSICA6. MÚSICA7. TEOLOGIA
CENNI CIMABUE