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R E S U M O Estudam-sesetemachadosmetálicos,seisdelesdebronze,recolhidosdesdeoséculoXIX

noarodeChaveseumdeSapiãos,concelhodeBoticas,provavelmentedecobre.OdeSapiãos

éummachadoplano,cujatipologiaremeteparaoIIImilénio/iníciosdoIImilénioa.C.,embora

sedevaregistraraocorrênciadeexemplaresidênticosaoscalcolíticosemcontextostardios,do

BronzeFinal,comoéocasodochamado“tesourodeBaleizão”(Beja).Osexemplaresrecolhi-

dosnoarodeChaves,emborasemlocalizaçãoprecisa,evidenciamaimportânciadaactividade

mineiraemetalúrgicanaregião,nodecursodaIdadedoBronze,nasequênciadaregistadajá

noCalcolítico,reforçandoassimaconclusãojáindicadapelosexemplaresconhecidos.Ocon-

juntoagoradadoaconheceréconstituídopelosseguintesexemplares:trêsmachadosdotipo

vulgarmentedesignadoBujões/Barcelos;raroexemplardotipoReguengoGrande,pertencente

avarianteparaaqualLuisMonteagudorefereapenasumaocorrência,nocastrodeVilaboa

(Pontevedra);doisexemplaresdetalãoeargolas,conservandoosconesdefundiçãoeproduzi-

dosapartirdomesmomolde,configurandoumaorigemcomum,talcomoadosdoisexempla-

res anteriormente referidos. Embora não se saiba a localização precisa de quase nenhum

destes machados, com excepção dos dois exemplares recolhidos junto à capela de Santa

Marta,pertodapovoaçãodeLamadeArcos(concelhodeChaves),podeconcluir-sequeos

doismachadosdetalãoeargolasagoradadosaconhecerintegrariamumdepósito,juntando-

seassimaosdepósitosdeVilelaSecaedeOuteiroSeco,jáconhecidosdesdeadécadade1940

pelostrabalhosdeJ.S.P.deVillas-Bôas,osquaisintegravam,também,cadaum,doismacha-

dos de talão e argolas. Idêntica conclusão pode aplicar-se a dois dos machados de tipo

Bujões/BarcelosdadoscomoprovenientesdeS.Lourenço,pelassemelhançasmorfológicas

queentresievidenciam,situaçãoquetambémseencontraregistadanabibliografia,edeque

éparadigmaodepósitodeAgroVelho(Montalegre),constituídoporcincoexemplaresdo

referidotipo.

A B S T R A C T Sevenmetallicaxesarestudied,ofwhichsixinbronze,collectedinthe19th

centuryinthearcofChavesandonefromSapiãos,regionofBoticas,probablyofcopper.The

axefromSapiãosisrelatedtotheIII/beginningoftheIImillenniumBC,thoughoneshould

registertheoccurrenceofsimilarartifactsinlatercontextsfromLateBronze,suchastheso-

calledtreasureofBaleizão(Beja).TheartifactscollectedonthearcofChaves,thoughwithout

apreciselocation,withtheexceptionoftwoaxesoftheFullBronzeAge,showthemining

Artefactos da Idade do Bronze da região de Chaves JOãOLUíSCARdOSO*

RAqUELVILAçA**

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 41–54

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andmetallurgicimportanceofthisregion,duringtheBronzeAge,inthesequencealready

registeredfortheChalcolithic,reinforcingtheindicationgivenbythealreadyknownarti-

facts.Thegroupiscomposedofthefollowingsubgroups:threeaxesofthetypeknownas

Bujões/Barcelos;a rareaxe fromtheReguengoGrande type, related toavariety thatLuis

MonteagudoreferstoasingleoccurrenceinVilaboa,Pontevedra;twodouble-ringaxespre-

servingthemeltingconesandproducedonthesameshaping,showingacommonorigin.

Thoughthepreciselocationofsuchaxesisnotknown,onecanconcludethatthetwodouble-

ringaxeswouldintegrateadepositsimilartothedepositsfromVilelaSecaandOuteiroSeco,

alreadyknownsincethedecadeof1940ontheworksofJ.S.P.deVillas-Bôas,thatalsoinclu-

dedtworingaxes.SimilarconclusioncanbeappliedtotwooftheaxesfromBujões/Barcelos

typesassuminglycomingfromLamadeArcos,giventhemorfologicsimilaritiesinbetween,

asituationalsonotedinthebibliography,andforwhichtheparadigmaticdepositwouldbe

AgroVelho(Montalegre),withfiveartifactsofthesametype.

1. Introdução

Porintermédiododr.JoséVicenteMontalvãoMachado,ilustreflavienseeconfradedeumdenós (J.L.C.)naAcademiaPortuguesadaHistória,aquemsedevemanteriores facilidadesnoestudodeumanotávelalabardadesílexrecolhidanoséculoXIXnaserradeBrunheiro(Santos&Cardoso,1999;Cardoso,2008),houveapossibilidadedeacederaumconjuntoinéditodecincomachadosmetálicos,sendoumpossivelmentedecobreeosrestantesdebronze,recolhidosnaáreadeChaveseconservadosporseuprimo,oArq.JoséLuísMontalvão,queteveaamabilidadedefacultarorespectivoestudoepermitirasuadivulgação.Esteconjuntofoiobjectodecomunicaçãoapresentadapeloprimeirosignatário,emnomedeambos,aoColóquioHistóriadeChaves,pro-movidopelaAcademiaPortuguesadaHistóriaemChaves,nodia24deMarçode2009.Talcomu-nicação propiciou, de parte de um dos presentes, o Senhor Capitão Fernando Pizarro Bravo, ainformaçãodepossuirdoismachadosdebronze,oriundostambémdoarodeChaves,quedesdelogoseprontificouacederparaestudo.Assim,esteestudointegrasetemachadosmetálicos,dediversastipologias,dosquaisumprovémdoconcelhodeBoticaseosrestantesdosarredoresdeChaves,aindaquedesprovidosdelocalizaçãorigorosa.

2. História dos achados

A informação sobre os locais destes achados e respectivas condições de recolha é escassa.Comosereferiu,deseissabe-seapenasqueprovêmdasproximidadesdeChaves;orestante,con-servaumaetiquetamanuscrita,queodácomoprovenientedeSapiãos,PontePedrinha,concelhodeBoticas,tendosidooferecidoemChavesem10deMaiode1888.

A falta de informações sobre as condições de achado deste tipo de peças é comum. Comefeito,correspondemquasesempredeachadosisolados,osquais,pelasuapróprianatureza,pas-sam muitas vezes de geração em geração, perdendo-se até a memória da proveniência. Outrasvezes,constituemconjuntos,maisoumenosnumerosos(osdesignados“esconderijos”),sujeitos,por sua vez a partilhas, resultantes do valor intrínseco de cada uma das peças que integram.OcasodosquatromachadospertencentesàcolecçãodoSenhorArquitectoJoséLuísMontalvãoédissoexemplo.

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Amaisantigareferênciaquesepoderepor-tar ao referido conjunto remonta a 1915: emcartadeJoséLeitedeVasconcelosaoseuamigoe discípulo Joaquim Fontes, datada de 21 deJulho,remetidadeChaves,ondeseencontravapara a realização de exames no Liceu daquelacidade,declaraquenãopôdeobter“4optimosmachadosdebronzeeoutrosdepedra”(Fig.1).A convicção que sejam os mesmos exemplaresque os agora estudados resulta de o facto, nacitadacarta,osmesmosseremassociadosàbelaalabardadesílex,que,comoagorasesabe,per-tencia à colecção reunida por José Homem deSousaPizarro,senhordaCasadeBóbeda,queincluía, deste modo, os machados de bronzeagoraestudados,osquais,porherançassucessi-vas,vierampararàpossedoactualproprietário,oSenhorArq.JoséLuísMontalvão.

quanto aos dois outros machados debronze,empossedoSenhorCapitãoFernandoPizarro Bravo, bisneto de José Homem deSousa Pizarro, pertenciam, segundo informa-çãoporsiprestada,aonumismata,EngenheiroeGeneralAntónioLuísGomesdeMoraisSar-mento.Trata-secertamentedosmesmosexem-plaresque,em1895foramnoticiadoscomotendosidoobservadosporaqueleilustreflaviense,achados perto da povoação de Lama de Arcos (concelho de Chaves), junto à capela de SantaMartaeporelecertamentedepoisadquiridos(Azevedo,1895,pp.130,131).

3. Enquadramento regional

AregiãodeChaveséricaemmachadosdebronze,mercêdaexistênciadejazidasdeestanhoedecobre, realidadequeédehámuitoconhecida, ecujaexploraçãoremontaaos tempospré--históricos(Fig.2).destemodo,seriapossívelaproduçãolocaldeligasbronzíferas,situaçãoqueseencontradocumentadaapartirdosfinaisdoprimeiroquarteldoIImilénio,talcomosedemons-trounaregiãominhota (Bettencourt,2000)e,maisrecentemente,naregiãodeTrás-os-Montesoriental,naestaçãodeFragadosCorvos,MacedodeCavaleiros(Senna-Martinez,2007).

JáLuisMonteagudo,noseumonumentalestudode1977,reportouaoMuseudeChavesumassinalávelnúmerodemachadosdebronze,distribuídospordiversastipologias,descobertosoca-sionalmentenaregiãodesdeofinaldoséculoXIXealidepositados(Monteagudo,1977).Alémdeachadosisolados,hánotíciadeoutrasdeposiçõesmetálicas,constituídasporconjuntosmaisoumenosnumerososdeartefactos.ÉocasododepósitodeVilelaSeca,actualmentenoMuseudeChaves,porofertadoPadreJosédoEspíritoSantoMartinsJorge,constituídopordoismachadosdetalãoeduasargolas,ummachadodealvadocomumaargola,umconedefundição,doisfrag-mentosdetalãoeumpequenolingoteemformademenisco(Villas-Bôas,1948).Oautordescreve

Fig. 1 ExtractoautógrafodecartadeJoséLeitedeVasconcelosaJoaquimFontes,datadadeChaves,de21deJulhode1915,dandocontadetertentadoobterváriosmachadosdebronze,algunsdosquaisagoraestudados.ArquivoHistóricodoINETI(Alfragide).

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as condições do achado, ocorrido emNovembrode1938,nolugardeBarrenhas,aquandodoplantiodeumavinha,àpro-fundidade de 0,70m, encontrando-se aspeças metálicas associadas a fragmentosdecarvão(Fig.3).Comefeito,aocorrênciade carvões em depósitos metálicos não éinvulgar,sendoprovávelquetalassociaçãoseriamuitomaiorcasofossemconhecidascom maior detalhe as condições específi-cas de cada ocorrência. Como exemplo,cita-se o caso do depósito de quinta doErvedal, entre Castelo Branco e Fundão,publicadopelomesmoautor(Villas-Bôas,1947).Nestescasos,oscarvõesfacilmentese associariam à visão tradicional destes

depósitosmetálicoscomo“esconderijosdefundidor”,relacionando-osaotrabalhodaforja—ideiaaliássuportadapelaprópriapresençadefragmentosdeartefactosouartefactosforadeuso,com-patíveiscomahipótesedeseremsucatapararefundição.Talhipótesetemvindoaserquestionada

as condições do achado, ocorrido emNovembrode1938,nolugardeBarrenhas,aquandodoplantiodeumavinha,àpro-fundidade de 0,70m, encontrando-se aspeças metálicas associadas a fragmentosdecarvão(Fig.3).Comefeito,aocorrênciade carvões em depósitos metálicos não éinvulgar,sendoprovávelquetalassociaçãoseriamuitomaiorcasofossemconhecidascom maior detalhe as condições específi-cas de cada ocorrência. Como exemplo,cita-se o caso do depósito de quinta doErvedal, entre Castelo Branco e Fundão,publicadopelomesmoautor(Villas-Bôas,1947).Nestescasos,oscarvõesfacilmentese associariam à visão tradicional destes

depósitosmetálicoscomo“esconderijosdefundidor”,relacionando-osaotrabalhodaforja—ideiaaliássuportadapelaprópriapresençadefragmentosdeartefactosouartefactosforadeuso,com-patíveiscomahipótesedeseremsucatapararefundição.Talhipótesetemvindoaserquestionada

Fig. 2 distribuiçãogeográficadasocorrênciasdecobreedeestanhonoterritorioportuguês(àesquerda),segundoaCartaMineiradePortugal,deA.Viana(1929),Lisboa,ServiçosGeológicosdePortugal,1952enaPenínsulaIbérica,segundoA.Coffyn(1985,Carte30).

Fig. 3 MateriaismetálicosdodepósitodeVilelaSeca,Chaves(seg.Villas-Bôas,1948,Lám.2).

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recentemente,atribuindotaispeçasadepósitosdecunhoritual,interpretandoapresençadecar-võescompráticadofogo,àquelesassociada.Recenteestudodeconjuntosobredepósitosmetáli-cosdaIdadedoBronze,apresentaadiscussãodemomentopossívelsobreosignificadodetaisconjuntos,combasenarespectivanaturezaecondiçõesdeocorrência(Vilaça,2006).

OutrodepósitodemachadosdebronzedaregiãodeChavesmencionadonoestudodeVillas--Bôasde1948éodeOuteiroSeco,constituídopordoismachadosdetalãoeduasargolas,masmunidosdetrêsnervuras,característicaquenãoseobservanosmachadosdeVilelaSeca,nemnosdoismachadosdeargolasagoradadosaconhecer.Umdelesencontrava-se,àépoca (1940),empossedodr.AntónioJúlioGomes,umdosfundadoresdoMuseudeChaves,semqueVillas-Bôastenha obtido autorização para o fotografar, tendo sido em 1977 registado por L. MonteagudonaqueleMuseu,designadopor“MuseudaRegiãoFlaviense”,ondehojeaindaseencontra.OoutrofazpartedascolecçõesdoMuseudeHistóriaNaturaldaFaculdadedeCiênciasdaUniversidadedoPorto,ondeH.N.Savorytambémoreferenciouem1951(Savory,1951)enãoparecemprovirdomesmomolde,tendoaliássidoutilizados,comoindicaaremoçãodoconedefundição.

Assim,dadaasemelhançaevidenteentreosdoismachadosdetalãoedoisanéisagorapubli-cados—certamenteproduzidosnomesmomolde,conservandoambos,osconesdefundição—élícitoconsiderá-loscomorepresentantesdeumterceirodepósitodaregiãodeChaves,oqual,comoosdoisanteriores,seriaconstituídosporumpequenonúmerodepeças.

Nasmesmascondiçõesestariaoachadodosdoismachadosplanos,dotipoBujões/Barcelos,maisantigosqueosanteriores,estejácomproveniênciaconhecidadesde1895,conformeacimasereferiu.

4. Tipologia e integração crono‑cultural

Ossetemachadosemapreçorepartem--seporcincoformas,segundoatipologiadeL. Monteagudo (1977), embora se tenhaexagerado,nalgunscasos,acriaçãodetipose de variantes aos mesmos, os quais nemsempreseencontrambaseadosemcritériosabsolutamenteclarosefacilmenteidentifi-cáveis.

Tipo 3 AO machado tipologicamente maisantigodoconjuntoagoraestudadoéoquefoirecolhidoemSapiãos,Boti-cas(Fig.4).Trata-sedeummachadoplano, em forma de cunha, com ogumeligeiramenteconvexo,desuper-fícierugosaeladosligeiramentebom-beados. É integrável no Tipo 3 A deMonteagudo, cuja distribuição geo-gráfica se caracteriza por assinaláveldifusãonoterritórioportuguês.

Fig. 4 MachadoplanodeSapiãos,Boticas.FotosdeJ.L.Cardoso;desenhodeB.L.Ferreira.

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Fig. 5 MachadoplanodetipoBujões/Barcelos,deLamadeArcos,Chaves.FotosdeJ.L.Cardoso;desenhodeB.L.Ferreira.

Fig. 6 MachadoplanodetipoBujões/Barcelos,deLamadeArcos,Chaves,encontradoconjuntamentecomoanterior.FotodeF.PizarroBravo;desenhodeB.L.Ferreira.

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Tipo 11 B 1Está representadopelosdois exemplares recolhidospertodapovoação deLamadeArcos.Trata-sedemachadoscurtos,degumelargoefortementeconvexo,embomestadodeconser-vaçãoecompatinaesverdeada(Figs.5e6).Umdeles(Fig.5)ostentaaparticularidadedeasextremidadesdogumeseremrematadasembicorevirado,talcomooexemplarn.º714deL.Monteagudo,atribuídoàProvínciadeOviedo.dadasasgrandesanalogiasentreambos,écrívelqueprovenhamdeumúnicodepósito,talcomoseverificanoutroscasos,dosquaisodepósito do Bronze Pleno de Agro Velho (Montalegre), é paradigma, ainda que todos osmachadosostentemcaracterísticasdiferentes.Aliás,ummachadodestedepósito(Teixeira&Fernandes,1963,Fig.3,n.º4;Monteagudo,1977,n.º720)éidênticoaoutrodosexemplaresagoradadosaconhecer(Fig.6).Adistribuiçãodestetiponoterritóriopeninsular,segundoL.Monteagudo,éescassa,masabarcavastasáreas,destacando-secontudoaconcentraçãodequatroexemplares,dosdezinventariados,noNortedoPaís.

Tipo 11 D 2Trata-sedeumbeloexemplarcompatinaverde,possuindoogumefortementeconvexo,eosbordoslateraisligeiramenteespessados,conferindo-lhesecçãomesialtransversalbicôncava.Asfacespossuemestriasirregulares,dedesenvolvimentolongitudinal,quepoderãoatribuir--seàsirregularidadesdomoldedepedraoudeargilaemquefoivazado.Ogumeapresenta-seregularizadopormartelagemeaextremidadeoposta(talão)evidenciamarcasdepercussão(Fig.7).

Fig. 7 MachadoplanodotipoBujões/Barcelos,doarodeChaves.FotodeF.PizarroBravo;desenhodeB.L.Ferreira.

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Adistribuiçãogeográficapeninsulardestavariantecircunscreve-seessencialmenteaonoro-estepeninsular,integrando-seoexemplaremapreço,conjuntamentecomoutrojáconhecidodaregiãodeChaves,namanchadedispersãocorrespondente.dopontodevistacronológico--cultural,esteexemplar—quesejuntaaoutro,damesmaregião,pertencenteàscolecçõesdodoMuseudeHistóriaNaturaldaFaculdadedeCiênciasdaUniversidadedoPorto(Monte-agudo,1977,n.º753)—éatribuível,talcomoosdoisanteriores,aoBronzePleno,cercadosegundoquartelameadosdoIImilénioa.C.Correspondeaotipousualmentedesignadopor“machadosdetipoBujões-Barcelos”.

Tipo 30 EEstetipoencontra-serepresentadonacolecçãoemapreçoporumbeloexemplardepatineverdeescura(Fig.8)eéextremamenteraro,poisL.Monteagudoapenasinventariaumexem-plar de Vilaboa, Pontevedra. diferencia-se do Tipo 30 C, para o qual se conhecem muitoescassosexemplaresanívelpeninsular(Fig.9),quasetodosanortedoTejo(Coffyn,1985,Carte33),pelofactodeotalãoseencontrardelimitadoporrebordorectilíneo,enãoarque-ado,comoseverificanesteúltimotipo,usualmentedesignado“TipoReguengoGrande”,dalocalidadeepónimadoconcelhodeLourinhã.AmbosostiposseintegramnoBronzePleno,podendoadmitir-secomoantecedentesimediatosdosmachadosmunidosdeargolas,comunsnoBronzeFinal.

Fig. 8 MachadodetalãodotipoReguengoGrande,doarodeChaves.FotodeJ.L.Cardoso;desenhodeB.L.Ferreira.

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Fig. 9 MachadosdotipoReguengoGrandedoterritórioportuguês,segundoL.Monteagudo(1977),incluindooúnicomachadoatéagorareportadoàvarianteidentificadaemChaves(Monteagudo30F),provenientedocastrodeVilaboa(Pontevedra),erespectivadistribuiçãogeográfica.

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Tipo 29 AEstetipoé,noconjuntodostiposidentificadosporL.Monteagudo,umdosmaisabundan-tesnonoroestepeninsular,atingindoocentrodePortugal.Caracteriza-seporumcorpodefaceslisas,desprovidasdenervuras,eporumasecçãocomosladosbombeados,decontornosub-hexagonal.Osdoisexemplaresorapublicadosconservamoconedefundição,provadequenãoforamutilizadoseevidenciamtersidofabricadosapartirdomesmomolde,oquepoderáindiciarfazerempartedeumúnicodepósito,comoatrássereferiu(Figs.10e11).dopontodevistacronológico,trata-sedeexemplarestípicosdoBronzeFinal,situando-seasuaproduçãonoprimeiroquarteldoImilénioa.C.

doestudotipológicoapresentado,conclui-seque,doscincoexemplaresemestudo,quatrosituam-senoBronzePleno,doisnoBronzeFinaleumemépocaindeterminada—omachadodeSapiãos—podendoremontaràIdadedoCobre,hipótesequesóumaanáliseàligametálicadequeéfeitopoderiaesclarecer.

5. Breves comentários sobre o povoamento da região de Boticas e de Chaves no Calcolítico e na Idade do Bronze

NaregiãodeChavesedeBoticas,abundamosvulgarmentedesignados“machadosplanos”de cobre, conforme atestam os conservados no Museu de Chaves, ilustrando um forte povoa-mentonodecursodoCalcolíticoeiníciosdaIdadedoBronze,cronologicamentesituávelaolongodetodooIIImilénioa.C.,atingindoosiníciosdomilénioseguinte.Contudo,atipologiadecertosmachadospodeterperduradomilénios:éoqueindicaostrêsmachadosplanospertencentesaochamado“tesourodeBaleizão”,quenãodestoariamemqualquerconjuntocalcolítico,apesarde,nocaso,pertenceremaoBronzeFinal(Vilaça&Lopes,2005),amenosquesetratedeassociaçãodepeçasdedistintacronologia,talcomooutrosexemplosconhecidos.ÉocasodoCasaldosFiéisdedeus(Bombarral),queconjugamateriaistípicosdefinaisdaIdadedoBronzecomumpunhaldelinguetaecomposiçãoquímica(98,5%decobre),aspectosestesanacrónicosrelativamenteaosdemaisobjectos(Melo,2000).Outroscasossãoconhecidos,queremterritórioportuguês,quernoresto da Europa, onde se encontram objectos de cronologia pluri-secular ou até mesmo pluri-milenar depositados num único local, problemática recentemente discutida (Vilaça, 2006). Nocaso de Baleizão, desconhece-se por ora a composição da liga metálica dos três machados, talcomonocasodoexemplardeSapiãos,peloquenãoéviável,demomento,consideraçõesmaisdesenvolvidas.

NostrêspovoadoscalcolíticosdaregiãodeChavesqueforamobjectodeescavaçõesnosanosoitentadoséculopassado—VinhadaSoutilha,S.LourençoePastoria—eondeforamidentifica-dostestemunhosmetálicosrepresentadosporproduçõesdecobrearsenical,apenasnopovoadodeS.Lourençoseidentificouummachadoplano.Comefeito,taispeçassurgem,comoasdaIdadedoBronze,viaderegraforadecontexto,emresultadodedescobertasacidentais.

OmachadoplanodeS.Lourenço,cujatipologiaéclaramentecalcolítica,encontra-seincom-pleto,efoipelaprimeiravezreferidoporF.RussellCortez,informandoque,conjuntamentecomoutrosartefactosdecobre,tambémcalcolíticos,foramoferecidosaoMuseudeChavespelodr.Fran-ciscodeMoura(Cortez,1949,p.5,1950,p.153).EsteexemplarfoireproduzidoporL.Monteagudo,queodáaindacomoalidepositado,classificando-onoseuTipo5A(Monteagudo,1977,n.º343)onde,porém,jánãofoivistoporS.OliveiraJorge,queinformousereledecobrearsenical,fazendo

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Fig. 10 Machadodetalãoeduasargolas,conservandooconedefundição,doarodeChaves.FotodeJ.L.Cardoso;desenhodeB.L.Ferreira.

Fig. 11 MachadodetalãoeduasargolasdoarodeChaves,conservandooconedefundição,provavelmenteencontradoconjuntamentecomoanterior.FotodeJ.L.Cardoso;desenhodeB.L.Ferreira.

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umhistorialdomesmo(Jorge,1986,p.395).Assim,osdoismachadosdotipoBujões/Barcelos(Figs.4e5),dadoscomoprovenientesdeS.Lourenço,nãoserelacionamnecessariamentecomopovoadopré-históricodomesmonome,ondefoiunicamenteidentificadaumapresençacalcolítica.

devem ainda mencionar-se outros sítios com ocupação calcolítica, como o Outeiro Seco(Jorge,1986,p.822)ouodesignado“castrodoBrunheiro”(Cortez,1949,p.4,1950,p.150),porseremcoevosdasprimeirasproduçõesmetálicasregistadasnaregião.

Aactividademetalúrgicamanteve-seimportantenoBronzePleno,comosecomprovapelaabundânciadeproduções reportáveis,globalmente,aosmachadosdotipo“Bujões/Barcelos”,aque pertencem três exemplares dos agora estudados, ainda que não seja do conhecimento dosautoresqualquersítiodepovoamentodestaépocanaregião,certamenteporfaltadetrabalhosorientadosparaasuaidentificação.Comefeito,noqueserefereatestemunhosdepovoamentopós-calcolítico, tantonaregiãodeSapiãos,doconcelhodeBoticas, comonaregiãodeChaves,existemnumerososcastroscompresençasconfirmadasnaIdadedoFerro,masquepoderiam,pelomenosemalgunscasos,terconhecidoocupaçõesanteriores.Naprimeiradasreferidasregiões,sãoexemploocastrodeSapelos,ocastrodoMuroeocastrodoCabeço-Granja,todoscartografadosedoisdelesdescritos(SapeloseCabeço-Granja)combaseemreconhecimentosdeterreno(MirandaJúnior&alii,1983).Emboraseadmitaquequalquerdelespossaterumaocupaçãoanterior,daIdade do Bronze, ou mesmo de época calcolítica, não é possível, porém, relacioná-los com omachadoplanoagorapublicado,apesarderemontaremaoséculoXIXosregistosmaisantigos,decaráctercientífico,decastrosdoconcelhodeBoticas,comoéocasodeumcastroreferenciadonummanuscritode16deAgostode1880docolectorJoséMartins,aoserviçodaSecçãodosTra-balhosGeológicos,acercade1000mdeSapeães/Sapiãos(Santos,1969,p.208).

TalsituaçãoéextensivaaoconcelhodeChaves,ondesereconheceram,desdeoséculoXIX,elevadonúmerodecastrosdaIdadedoFerro,recentementeinventariadosemmonografia(Mar-tins,s/d).NaáreadeOuteiroSeco,encontra-sereferenciadoocastrodeSantanae,emVilelaSeca,umoutro(Silva,1986,p.91).Na2.ªediçãodatesededoutoramentodeArmandoCoelho(2007),onúmerodecastrosatribuídosaChavesfoireduzidopara23(anteseram46)eocastrodeSantanadesapareceu(oué-lhedadoumnomediferente?).Mas,talcomonocasoanterior,épororaimpos-sívelrelacionarqualquerdelescomosachadosisoladosdemachadosdebronze,incluindoosagorapublicados,oumesmocomosdoisdepósitosconhecidos(VilelaSecaeOuteiroSeco),cujalocali-zaçãoactualnãoépossíveldeterminarcomrigor.

destemodo,seráinteressante,nofuturo,procurarrelacionar,deformamaisprecisa,ariquezadeproduçõesbronzíferascomamalhadepovoamentoreconhecidanaregião,paraoqueéindis-pensávelobtermaiselementossobreacronologiadaocupaçãodosreferidoscastros,poisémuitopossívelque,sobostestemunhosdaIdadedoFerro,sevenhamaencontraroutros,remontandoàIdadedoBronze,àsemelhançadoverificadoemalgunsdoscastrosqueforamobjectodeescava-çõesnasúltimasdécadas.

Agradecimentos

Aossenhoresdr.JoséVicenteMontalvãoMachadoeArq.JoséLuísMontalvão,pelosbonsofícios,dapartedoprimeiro,conducentesàoportunidade,pelosegundoconcedida,paraoestudodosmachadosqueconservacomoacervofamiliar.

AosenhorCapitãoFernandoPizarroBravo,pelaprontacedênciaparaestudodedoisdosmachadosdequeédetentor.

Artefactos da Idade do Bronze da região de Chaves João Luís Cardoso | Raquel Vilaça

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 41–54 53

Àsenhoradr.ªLauraAfonso,pelosbonsofícios,juntododirectordoMuseudaRegiãoFlaviense, senhor dr.Jorge Leite, e a este último, conducentes ao envio de fotos de todos osmachadosmetálicosqueseconservampresentementenaquelainstituição,prontamenteremeti-das,apesardasdificuldadesdetaloperação,naaberturadasvitrinasondetaispeçasseencon-tramexpostas.

AosenhordoutorMiguelMagalhãesRamalho,àépocaVice-PresidentedoINETI,porterautorizadooestudodoacervoepistolarrecebidopeloProf.JoaquimFontes,entreoqualsecontaacartadeJoséLeitedeVasconcelos,parcialmentereproduzidanestetrabalho.

NOTAS

* UniversidadeAbertaeCentrodeEstudosArqueológicosdoConcelhodeOeiras(CMO).

** InstitutodeArqueologiadaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbraeCEAUCP(FCT).

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