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DOPÓVIESTEEAOPÓRETORNARÁS:AMORTEDAARQUITETURANOCINEMA1

FROMDUSTTODUST:THEDEATHOFARCHITECTUREINCINEMA

MariaCicíliadeOliveiraMeloUniversidadeFederaldePernambuco,UFPE

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ResumoOcinematemhistoricamenteumarelaçãomuitoíntimacomaarquitetura,eotemadamorteéabordadocomfrequência.Mascomoamortedascidadeséexibidanosfilmes?ComoUmEdifícioqueCai2,ouaindaumaObraMarcadaparaMorrer3,ascasaseedifíciosmodernosaguardamnumalistaoseutrágicofim,fimessequepodechegardediversasmaneiras.Asmetrópolesbrasileirasassistiramdesdeosanos70ao fenômenodeenvelhecimento,degradaçãoeperdadealgunsdosprincipais exemplares arquitetônicos. A cidade do Recifemais parece o famigerado jogo da infânciamorto-vivomas nolugar de pessoas, edificações caem e outras se erguem com velocidade: Morto. Vivo. Vivo. Morto. Morto. Morto. Osterrenos tornam-se covas, emque após o enterro e desgaste da edificação, os restos são retirados ou sobrepostos portantosoutros. Este trabalhopretende refletir sobreamortedaarquitetura,dosespaçospúblicosedas relações sociais,resultantesdocrescimentoimobiliárionasgrandescidadesbrasileiras,ecomootemaéabordadoemfilmesdiversos.

Palavras-chave:Arquitetura.Morte.Cinema.

AbstractHistoricallythecinemahasaverycloserelationshipwitharchitecture,andthethemeofdeath is frequentlyapproached.Buthow thedeathof the cities appears inmovies?AsABuilding that Falls, or a ScheduledBuilding toDie, houses andmodern buildings are waiting in a list for their tragic end, which may come in many ways. Since the 70s, Brazilianmetropoliseswatchedthephenomenonofaging,degradationandlossofsomeoftheirmainbuildings.ThecityofRecifelookslikeaninfamouschildhoodgamecalledundeadbutinsteadofpeople,buildingsfallandothersrisewithspeed:Dead.Alive.Alive.Dead.Dead.Dead.Thegroundbecomespits,thataftertheburial,theremainsareremovedoroverlaidbysomanyothers.Thispaperreflectsaboutthedeathofarchitecture,publicspacesandsocialrelationshipsthatareresultsoftherealestatemarketinBraziliancities,andhowthethemeisapproachedinseveralmovies.

Keywords:Architecture.Death.Cinema.

1 INTRODUÇÃO

Aculturaocidentaltemnosepultamentooidealdeúltimoadeusaomortoe,paraisso,oscemitériosdesempenhamopapeldeabrigoparaoscorposque jánãotemmaisvida.Asmortesdosedifíciossão semelhantes as morte dos humanos pois também deterioram e se tornam memória, masdiferentedenós,osedifícios,muitasvezes,permanecemnascidades,entreosvivos,comozumbisemmeioaedifíciostecnológicos.Osentãoedifíciosmoribundossãoengolidosporoutrasestruturase em pouco tempo caem no esquecimento, podendo ser lembrados apenas por fotografias edesenhos.EmpassagembíblicadeMoisés“Dopóviesteeaopóretornarás”percebe-seociclodaarquitetura, que surge de areia, cimento e pedras, torna-se um espaço útil abrigável e, ao fim,retornaaelementosdesagregadosepequenossecomparadosàsuaformaconstruída.

Neste artigo compreendemos arquitetura na sua forma abrangente. Arquitetura é processo e

1MELO,MariaCicília.DoPóviesteeaoPóretornarás:Amortedaarquiteturanocinema.In:11°SEMINÁRIONACIONALDODOCOMOMOBRASIL.AnaisEletrônicos.Recife:DOCOMOMO_BR,2016.p.1-9.2 Referênciaaolonga-metragemVertigotraduzidoparaUmCorpoqueCaide1958dodiretorAlfredHitchcock. 3 ReferênciaaodocumentárioCabraMarcadoParaMorrerde2012dodiretorEduardoCoutinho.

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produto, é urbanismo e ambientação, é construído e memória do destruído, é vida e é morte.Estabelecidoesteconceito,estetrabalhosepropõeadiscorrersobrealgumasarquiteturas, reaisecinematográficas, produzidas em filmes, fictícios e documentários, em diferentes momentos,narrativas e cores buscando entender, através de seus processos de concepção, produção erecepção,comoascidadespassarameestãopassandoporprocessosdeperdadeespaçospúblicoseedificaçõesquecontamahistóriadeondeestãoinseridas.

Arelaçãoentrecinemaearquiteturapodeserconsideradasobdoispontosdevista:domodocomoaarquiteturaérepresentadanatela;enasformasplásticascomqueocinemaconstróiseusespaçosficcionaisnachamadacenografia.Estetextosedetémaoprimeiroconceito.Ao longodaproduçãodo cinema no mundo, a arquitetura vem se mostrado de diferentes maneiras, ora como atorprincipal,oracomocomposiçãodoespaço,massempreserelacionandocomohomemeasaçõessociais.

Alémdasmortesjáconhecidascomoadepessoasesonhos,ocinemamostraoutrotipodemorte,que por vezes não são o foco do filme, mas que estão presentes em quase todos: a morte dascidades,daarquiteturaedosespaçospúblicos.Aarquiteturamorre.Sejanumdocumentárioemquea realidadeémostra sobapercepçãodequemo faz;num filmededramaquandoas cidades sãocompletamente destruídas por guerras e doenças; ou atémesmo num filme de terror quando ascasasmaisantigassãoevitadaspelosvivospoisabrigamosmortos.Oobjetivoaquinãoéclassificarum filme sobre arquitetura em um estilo mas sim mostrar que a morte da arquitetura está emdiversostiposdefilme.

Os filmes que serão analisados ao longo deste trabalho foram resultado de alguns que considereimais expressivos durante minhas experiências fílmicas, o que levou a uma variação de estilos edécadas. São filmes que não necessariamente tinham como foco o tema da arquitetura, emuitomenos combinada à morte, mas que de alguma forma permitiram esta associação. Este textoapresenta partes com títulos ou alusões à títulos de filmes através de trocadilhos mas nãonecessariamenteoqueseráabordadoemcadapartetenhaavercomarealsinopsedosfilmes.

2 UP-ALTASESTRUTURAS

É por meio da construção, concretizada através da arquitetura e do desenho das cidades, que ohomem representa sua vida social. A cidade é uma construção coletiva do espaço, que está emconstante modificação de suas estruturas pelos mais diversos e particulares motivos. As cidadespassamporprocessosderenovaçãoereinvençãodeacordocomosnovosparadigmassociaisedeconcepçãodoespaço.NaspalavrasdeRezende(2015):

As constantes demolições, construções e reconstruções mostram uma cidadeautofágica,queperdesuaidentidadecadavezqueumnovoedifíciosurgeemcimadosentulhos.[...]Emalgunscasos,sobreposiçõesrepresentamodomíniodeumaformaoumodusvivendisubstituir,suprimirousubjugaroutra.Novasapropriaçõese reconfigurações marcam um novo tempo ou função. Implosões, demolições,ocupações, dão nova configuração a antigas formas de ocupação espacial.(REZENDE,2015)

UmdosgrandesproblemasnasgrandescidadesbrasileirasdesdeaprimeirametadedoséculoXXéademanda por habitação. Com o solo urbano saturado, os centros urbanos não suportavam maisedificaçõesdemaneiraquenúcleosperiféricossurgiramcomoalternativaparalocalizaçãodecertasatividadesprópriasdesses centros. Como resposta a essa saturaçãodo solo surgiramdiretrizesdeplanejamentoquebuscavamamenizar tal dificuldadee,mais recentemente, a soluçãooferecidaéatravésdoadensamento,principalmentenaformadeverticalização.

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Aformadeocupaçãointerferediretamentenasrelaçõessociaisentrehomemecidade.Quantomaispróximoaspessoasestiveremdaruamaiorserásuapercepçãodoqueacontecenacidade,emaiorserá a interação entre indivíduos. A partir do momento que a ocupação da cidade torna-sesobreposta, ou seja, verticalizada a própria altura distancia as pessoas do que acontece no solo,transformandoainteraçãodelascomaruaecomavizinhançaematosefêmeros.

EmUmLugarao Sol (Figura1)deGabrielMascaro,os residentesdas coberturas se sentem“maispertinhodo céu”.Morar emedifício é sinônimode status, pelomenos superior a quemmora emcasa,equandoesseedifícioestádefrenteparaomareoapartamentoestánacobertura,oconceitodestatuschegaaomáximo.Emumasucessãodedepoimentosqueparecemabsurdosàmaioriadapopulação,odocumentáriomostraoqueseriaviverno lugardosmaiores influentesdasociedadebrasileira,pelomenosnovedeumtotalde125moradoresdostoposdeedifíciosdeluxodealgumascapitaisbrasileiras.O filmenos levaavera cidadeporoutrosolhosenosquestionar:Oqueseriamorarbem?Seriavertudodecimaenadaacima?Seriateraproximidadedomarmasnãoiraomar?

Figura1–PraiadeBoaViagemnofilmeUmLugaraoSol

Fonte:PrintScreenfilmeUmlugaraoSol,2009.

EmRecife,oPlanoDiretoridentificouqueoCentro,BoaViagem,Espinheiro,Derby,GraçaseAflitos,detinham,em1991,densidadeselevadas, superioresa70%;essasdensidadeseramrelacionadasàexcessiva verticalização. Ao mesmo tempo, identificava a existência de áreas vazias para futurasconstruções.Essasáreas foramsendogradativamenteocupadasemuitasedificaçõescomatédoispavimentosforamdemolidasesubstituídasporoutrasverticalizadas.

No filme deMascaro (2009) alguns entrevistados sãomoradores de coberturas no bairro de BoaViagem. Eles preferem os prédios ao invés de casas por considerarem aquelas construções maissegurasepráticasqueestas.HistoricamenteaAvenidaBoaViagempassoupordiferentes tiposdeocupaçãodosolodesdecasasdepescadores,acasasdeveraneioatéchegaraconfiguraçãoatual.Desde2000umanovatendênciaseestabeleceu:adosedifíciosempresariais.Ascasaspraticamentedesapareceramdafrentedapraia,restandoapenas21unidadesmilitares.

3 OPODEROSOCIFRÃO

Omercado imobiliário é formadoporuma rededenegócios rentáveis.Apesarda residência ser oórgão fundamental no grande organismo que é a cidade, outros usos são essenciais para suamanutenção e ampliação. Assim como as pessoas, as cidades também ficamdoentes e, comoumcâncer,osshoppingscentersemmeiosurbanossãosinaisdequeumcorpourbanoestáadoecido.Essesespaçossãooexemplosdeanti-lugaresemqueaçõesdavidacoletivasãomanipuladas,digo

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coletivapois o espaçodo shoppingnãoépúblico, ele não aceita todas as classes sociais e nega aprópria comunidade em que está inserido geograficamente. Os shoppings chegam ao cúmulo desimularoespaçopúblicodetalmaneiraquepossuemfoodtruck,quesãoespéciesdelanchonetes-veículosquesedeslocamnacidade;eparquescomescorregosebalanços,comonaspraças,sóquepagos.

Oscentroscomerciaispúblicosemercadosdasgrandescidadebrasileirassofreramdiretamentecomocrescimentosdeshoppingcenters.Essesespaçospossuemcaracterísticasconsideradasvantajosasporpartedapopulaçãocomo:agrupamentodeatividadeseserviçosquevãodesdelojasderoupas,salões de beleza, cinemas, restaurantes e consultórios médicos; horário de funcionamentoprolongado; segurança e facilidade de estacionamento. A pressa e medo daquilo que nuncavivenciou levam o homem contemporâneo a optar por lugares que se fecham para cidade e queacabamporimergi-loemumarededeconsumo.

Osefeitosnegativosdoabandonodosespaçospúblicos sãogritantes.As ruas são renunciadas,osedifícioscaemnoesquecimentoeosatritosentreclassessóaumentam.Ocurta-metragemPoucasHorasdeAlbertoCavalcantirealizadoem1926(Figura2)mostraumaParisvanguardistaemqueumapersonagem recorrente, a errante velha, vaga por toda cidade moderna parisiense. Seria estapersonagemumarepresentaçãodaantigaParisolhandoparanova?UmaParisdegradadacaídanoesquecimento,empobrecidaesujaquenãopodemaisser reconhecidanaquela jovememoderna,sinal de uma extermínio vaidoso (AMORIM, 2007). Através dos textos durante o filme, Cavalcantienfatiza o lado negativo da cidade e as imagens nos remetem a temas como a recorrência, aincongruênciaeotrabalhorepetitivo.Háumarelaçãoentreotempodofilmeeotempodacidade,quenadamaisédoqueotempodavida,quechegaaofimcomamorte.Ofilmepodeservistocomoalémdoseutempo,podeservistoparatodacidade,umavezque,afirmaqueadiferençaentreascidadessãoosmonumentos,poistodaselaspossuemelementosestruturadoreseessenciaiscomoodesenho urbano, as diferentes classes, as relações sociais e principalmente a morte e vida daarquitetura.

Figura2–ParisnofilmePoucasHoras

Fonte:PrintScreenfilmePoucasHoras,1926.

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3.1 Umedifícioquecai

Quandovemosumaedificaçãoouconjuntoquenãomaisseencaixanocontextoqueestá inseridotemosumaideiadoqueseufuturopróximoaguarda.ÉsurpresaquandoencontramosumacasanaAvenida Boa Viagem, ou uma edificação que ainda funcione como residência na Avenida Rosa eSilva,ambasemRecife.

No filme E (Figura 3), que retrata a cidade de São Paulo, percebe-se que cinemas e residênciastornaram-seestacionamentosque,assimcomoosshoppings,sãosinaisdecidadesdoentes.Écomoseoesqueletodeixadoaorelento,nestecasoaedificação, fosseparcialmenterevividoporumserinvertebrado,quenãosabeutilizaroesqueletoaqueagorapertencepornuncatertidoum.Ofilmeretrataodia-a-diadacidadedeSãoPauloemquecadavezmaisedificaçõesderelevânciahistóricaseculturaismorremparadarespaçoaestacionamentos.Neste filme,oprotagonistadeixadeserogalãtradicionalepassaaseroautomóvelrefinadoebrilhante,masdiferentesdosfilmesromânticos,esse galã é o vilão que forma gangues que pretendem dominar a cidade. A trilha sonora, osenquadramentoseaausênciadepessoasrevelamofilmequasecomoumterrorcientífico.

Figura3–NovoestacionamentonofilmeE

Fonte:PrintScreenfilmeE,2013.

No filme Reconstrucife (Figura 4) é abordado o ritual de despedida de uma casa moradores quevendemsua casaparaumagrandeconstrutora. Todo lutoqueumamorteanunciada pode trazerconsigoestárepresentadoemcenasreais,quasecomoumfuzilamentoemfunçãodeumapenademorte.Aspessoasquetinhamempatiapeloespaçotentamfazerdoadeusaoedifícioquerido,emalusãoaoentequerido,ummomentodearteeintervenção.EmRecife,amaioriadosedifíciosquesãodemolidos fazpartedeummomentoemqueaarquiteturaeramais francacomosmateriais,técnicas construtivas e comas pessoas. São casas oupequenas edificaçõesquepossuemquintais,terraços e muros baixos, e que são julgadas pelas grandes construtoras como arquiteturasultrapassadas. As casas são os maiores exemplos de mortes anunciadas, resultado da dinâmicaimobiliáriaquevivededecretarvaloresartificiaiseretirardacidadeoqueexistedevida.Osnovosedifícios envidraçados e “embanheirados” tentam reproduzir significados ancestrais, como asfamosasvarandasgourmetquetentamcopiarosterraçoseosplaygroundsepistasdecooperquefazemalusãoàspraçaseparques.

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Figura4–AdespedidadacasanofilmeReconstrucife

Fonte:PrintScreenfilmeReconstrucife,2013.

4 BELEZAAMERICANA

Desde antes dos anos 70 uma nova configuração na estrutura das cidades se iniciou nos EstadosUnidos: os condomínios. Localizados em subúrbios, são compostos por casas de tipologiapadronizadaeorganizadosentreruasarborizadasejardinsfrontaisamplos.Apenasnadécadade90oscondomínios,horizontaisouverticais,tornaram-serealidadecomumnoBrasil.SejanosEUAounoBrasil, esse novo conceito de moradia é articulado em cinco elementos básicos: segurança,isolamento,homogeneidadesocial,equipamentoseserviços(CALDEIRA,2000).ParaCaldeira:

Oscondomíniosfechadossãoaversãoresidencialdeumacategoriamaisampladenovos empreendimentos urbanos que chamode enclaves fortificados. Eles estãomudandoconsideravelmenteamaneiracomoaspessoasdasclassesmédiaealtavivem,consomem,trabalhamegastamseutempodelazer.Elesestãomudandoopanorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter do espaçopúblicoedasinteraçõespúblicasentreasclasses.(CALDEIRA,2000,p.258)

No filmeThe Purge (Figura 5), um terror estadunidense de 2013 dirigido por JamesDeMonaco, aatualconfiguraçãodeparceladacidade,osconhecidoscondomínios,éapresentadaemumenredoagonizante,porémreal.Aconstruçãodomedonatramasedáatravésdatensãoqueumafamília,quemoraemumsistemacondominial,passadurante12horasdeumdiaemquetodoequalquercrimeélegaletodososserviçosdeemergênciaestãoindisponíveis.Aideiadeviveremcondomíniostraz outros parâmetros de “perfeição” além do status. Traz também o ideal de uma famíliacaucasiana, composta por um casal, necessariamente homem e mulher, com filhos igualmente“completos”.Oestereótipotambéméverdadeiroparaooutrolado,oindivíduoqueconvivecomoespaçopúblicoénegro,pobreemarginalizado.ThePurgenãoprocuradedistanciaremnadadestaconfiguração.

Figura5–CondomíniodofilmeThePurge

Fonte:PrintScreenfilmeThePurge,2013.

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A negação da rua, materializada na construção de muros altos, de guaritas eletrônicas e deambientesdetransiçãohostis(entreosocialeoparticular),ouseja,deespaçosquesefechamparaoconvíviosocial,podeserumelementoamaisnaincitaçãodaviolênciaurbananamedidaemquereforçaosentimentodeexclusão,eoódioqueoacompanha,detodosedetudoqueestejavetadodoespaçoprivado(LEITÃO,2009).

No filmemexicanoeespanholLaZona (Figura6),a realidadedeexclusãode tudoaquiloqueestáforadosmurospois se rejeitade formaexplícitaavidapública,chegaaproporcionaracriaçãodeprópriasregrasdevivênciasocial,segurançaerespeitobeirandoasanidademental.Ofilmesepassaemumbairro residencial cercadopormuroseabrigadoporpessoasquese sentemdesprotegidasforadeles.Éumadicotomia:oqueestádentrodelepareceserbom,oqueestáforapareceserruim.QuandojovensquevivemàmargemdafortificaçãodeLaZonainvademesteespaçoimaculado,LaZonasemostraum lugarcorrompívelemquenadadeveriaadentrarosmurosemuitomenossairdeles.

Figura6–SegurançadofilmeLaZona

Fonte:PrintScreenfilmeLaZona,2007.

Osedifíciosecondomíniosfuncionamcomocaixõesfuneráriosemqueocorpo,dessavezohumano,fica preso no recinto até se desgastar. O fato de essas edificações possuírem todas as atividadesconcentradas dentro de seusmuros (lazer, saúde, comércio, educação e trabalho) faz comque aspessoasfiquemconfinadaserejeitemo“espaçopúblicoporexcelência,arua”(LEITÃO,2009).

Os espaços sociais dos condomínios são coletivos e não públicos, de forma que são permitidosapenasaquelesquefazempartedaquelemeioutilizarem,afinalodomíniodoscondomíniosvaialémdeseusmuros,chegamadimensõesatémesmodebairro,comooPoçodaPanelaemRecife.Nestebairrováriascasas,muitasfechadasemconjuntos,representamumapartemistificadadacidadeemqueapenasumgruposeletoébemvindo.

A própria etimologia da palavra é para ser pensada. Condomínio - comdomínio, comdomínio dasegurança,daspessoasqueentram,daspessoasquesaemedecomoentramesaem,ouseja,comdomínioabsolutodetodasasinteraçõesdesseespaçocomoexterior.

5 CONCLUSÕES

Através de ummeio bidimensional, a tela, o cinema vem historicamente mantendo uma relaçãomuitoíntimacomarealidadedasmuitasdimensõesdacidade.ParaJeanNouvelasensibilidadedocineastaésemelhanteàdoarquiteto:

O arquiteto, à semelhança de um diretor de cinema, deve saber captar a luz, omovimento, produzindo por meio de seus projetos uma coreografia de ritmos,gestos,imagens,tomadas(planos)efantasia.Saberrealizar,enfim,asínteseentreouniversorealeovirtual.(NOUVEL,1997)

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Acidade,porsuavez,écondicionanteeprodutodas interaçõessociais.Ohomemcontemporâneotemprocuradocadavezmaisproduzirummeioautônomoeseguroqueseafastadocontatopúblicodemaneira a formar grupos sociais cada vezmais isolados. Esta forma de produzir o espaço temlevadoaumanovaconfiguraçãoespacialdasgrandescidadesbrasileirascomedifícioscadavezmaisaltos,condomíniosresidenciaisenvoltospormurosecercaselétricas;maisautomóveisparticulareseconsequentemente mais estacionamentos e shoppings centers são algumas das principaiscaracterísticas.

Amorim(2007)discorresobreosdiversostiposdemortequeumaedificaçãomodernapodesofrercomooabandono,quandoumacasaaoserabrigadaestácarregadadevidaportantoquandodelaseesvaiestacondição,elapassaporumprocessodeadoecimento,envelhecimentoatéachegadadamorte.Masapiordasmortesseriaaanunciada:

[...] substituir estruturas arquitetônicas preexistentes [...] As residências são asmais assombradas por essa morte, pela oportunidade dada ao proprietário doimóvel de ampliar seu patrimônio imobiliário. Em lugar de um domicílio, tantosquantosumaequaçãoqueenvolveáreadolote,legislaçãomunicipal,localizaçãoesaúdefinanceiradeempreendedorespudergerar.Quãomaiororesultado,menoraprobabilidadedesobrevivência.(AMORIM,2007,p.70)

Sejapormeiodecidadescenográficasoureais,ocinematemmostradodesdeoiníciodoséculoXXcomo arquitetura, homem e morte estão relacionados na vida urbana. Os filmes comentados aolongo deste texto pertencem a momentos e cineastas diferentes mas todos com um temarecorrente:amortedaarquitetura.NosfilmesThePurgeeLaZonapercebe-seumanegaçãoàvidapública e tudo ligadaa ela atravésda construçãode casasdepadrõesparecidose sem relevânciaarquitetônica que são envoltos pormuros, câmeras cercas elétricas e seguranças armados. Já nofilme Poucas Horas, E e Reconstrucife o que fica evidente é a perda gradativa de exemplares designificadohistóricoeculturalparapopulação,principalmenteresidências,queseveemamercêdeinvestimentosimobiliáriasqueasconsideramdescartáveis.Umlugaraosolchocaporsuarealidadedistantetantofinanceiramentequantofisicamente,jáqueofilmesepassa“nasalturas”.

Aespeculação imobiliáriaeseusarranha-céusdividemopiniões:enquantounsencantam-secomaescalamonumentaldosedifícios,outrosveemnessaverticalizaçãoumamáculaàpaisagemurbana,uma agressão à arquitetura pré-existente e a memória afetiva em tantos bairros. O turismo decemitérios está crescendo mundialmente, grandes exemplos como o deMontmartre na França,recebe diariamente centenas de pessoas. Desta forma, seria o turismo nas grandes cidades (ouseriamnecrópoles?)umturismotambémfúnebre?

Amatériaautônomadocinemaéaimagememmovimento.Amatériaautônomadaarquiteturaéoespaço,queporsercarregadodesignificadopodeserchamadodelugar.Tendoemvistaisso,fazerum filme sobre cidade significaria mostrar em imagens dinâmicas os espaços urbanos, e é nessepontoquenosenganamosaoacharquevamosverdinâmicanosespaçosurbanos.Ocinemacumpreoseupapel,ouseja,mostra imagensemmovimento,masascidadesestãovaziasdevidapública,entãoécomosefosseapenasumasériedeimagensiguais.Éumfilmequeserecusaaserfilmadoporqueoobjetofilmado,ouseja,acidadeserecusaacolaborarcomadinâmicadocinema.

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REFERÊNCIASAMORIM,LuizManueldoEirado.Obituárioarquitetônico.Pernambucomodernista.Recife:EditoraUFPE,2007.CALDEIRA,Teresa.CidadedeMuros:Crime,segregaçãoecidadaniaemSãoPaulo.SãoPaulo:Edsup–EditoradaUniversidadedeSãoPaulo.2000.E.Direção:AlexandreWahrhaftig,HelenaUngaretti,MiguelAntunesRamos.Produção:GustavoRosadeMouraeJulianaDonato.Intérpretes:SilvioRestiffe(narração).Captaçãodesom:AndreBomfimEdiçãodesom:FernandoHenna,SergioAbdalla.SãoPaulo:RMProduçõesArtísticasLTDA-MiraFilmes,c2013.1DVD(17min),color.ProduzidoporRMProduçõesArtísticasLTDA-MiraFilmes.REZENDE,Eliana.arquiteturadomedoeavigilânciaconsentida.In:PortalVermelho,2015.Disponívelem:<http://www.vermelho.org.br/noticia/270701-374>.Acessoem:20dez.2015.LAZONA.Direção:RodrigoPlá.Produção:AlvaroLongoria.Intérpretes:DanielGiménezCacho;DanielTovar;AlanChávez;CarlosBardemeoutros.Roteiro:LauraSantulloeRodrigoPlá.Música:DelabelEditions.Mexico:MementoFilms,c2007.1DVD(97min),widescreen,color.ProduzidoporMorenaFilms,Buenaventura,FondodeInversiónyEstímulosalCine(FIDECINE).LEITÃO, Lúcia. Quando o ambiente é hostil - uma leitura urbanística da violência à luz de Sobrados eMucamboseoutrosensaiosgilbertianos.Recife:Ed.UniversitáriadaUFPE,lançadoemPortugalenoBrasilem2009.NOUVEL,Jean(entrevista).AU–ArquiteturaeUrbanismo.SãoPaulo,ano12,out./nov.1997.RECONSTRUCIFE.Direção:BernardoValença.Produção:DudaGueiroseNataschaFalcão.Intérpretes:poetaMiróeoutros.Roteiro:BernardoValença.Recife,c2013.(25min),color.ProduzidoporDudaGueiroseNataschaFalcão.POUCASHORAS.Direção:AlbertoCavalcanti.Intérpretes:BlancheBernis,NinaChousvalowa,PhilippeHériateoutros.Roteiro:filmemudo.Paris:M.Mirovitch,c1926,(45min),35mm,blackandwhite.ProduzidoporNéofilm.THEPURGE.Direcao:JamesDeMonaco.Produção:MichaelBayeJasonBlum.Intérpretes:EthanHawke,LenaHeadey,MaxBurkholder,AdelaideKane,EdwinHodge,RhysWakefieldeoutros.Roteiro: JamesDeMonaco.Música:NathanWhitehead.Company3,LosAngeles(CA),USA(digitalintermediate),c2013.1DVD(85min),widescreen,color.UMLUGARAOSOL.Direção:GabrielMascaro.Produção:GabrielMascaro.Intérpretes:GabrielMascaroeoutros.Roteiro:GabrielMascaro.Argentina,c2009.(66min),color.ProduzidoporStellaZimmermaneRachelEllis.


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